Reflexão acerca da relação do humano com o inanimado no teatro contemporâneo

July 15, 2017 | Autor: Andrew T. Silva | Categoria: Teatro, Theater, Teatro De Animação, Teatro De Bonecos
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Reflexão acerca da relação do humano com o inanimado no teatro contemporâneo

O teatro tal qual o conhecemos no ocidente tem dois principais pontos de ênfase: o ator e o texto, bastante diferente do teatro oriental, onde há a utilização de diversos artifícios e objetos durante a encenação; porém com o advento das universidades de artes e o crescimento de grupos de pesquisa um modo de se fazer teatro vem sendo destacado no cenário atual: o teatro de formas animadas, teatro de animação, ou como cita Ana Maria Amaral (1997, p.21) "Teatro do Inanimado".
O teatro do inanimado é, basicamente, um teatro que toma formas inanimadas, ou seja, sem vida e lhes "dá vida" de algum modo, seja pelo movimento, pelo som, pela luz ou pela sua mera presença plástica. Por mais que venha ganhando destaque há pouco tempo, o teatro de formas animadas sempre existiu, desde os primórdios da humanidade quando havia a presença de rituais com máscaras, utilização de bonecos artesanais, manipulação e sacralização de objetos, sendo estes basicamente as três principais divisões deste tipo de teatro: a máscara, o boneco e o objeto – há porém outros tipos que podem se encaixar nessa categoria, tal qual o teatro de sombras e outros trabalhos de pesquisa com "teatro visual"; Com o advento do palco italiano, porém, há um distanciamento e enfraquecimento da relação ator-espectador, dando espaço para uma enfática no teatro de ator, textocêntrico, no teatro psicológico Shakespeariano e futuramente no movimento naturalista – o qual conhecemos pelo seu principal expoente: Constantin Stanislavski – acarretando deste modo um declínio do teatro de formas animadas e fazendo com que tudo aquilo que fosse inanimado deixasse de ser considerado e visto como "matéria energética" e se tornasse mero acessório; porém com surgimento de movimentos tais quais: o Simbolismo, o Futurismo, a Bauhaus e o Teatro do absurdo há uma necessidade de retomada deste tipo de teatro, o homem já não satisfaz o palco, ele é imperfeito e efêmero, o cenário sócio-político necessita de mudanças, já não é capaz de consumir a "arte pela arte" ou o entretenimento gratuito, era necessário alterar algo no teatro para se atingir o subconsciente, o espírito das pessoas, causar uma verdadeira experiência no teatro; assim surgem expoentes como: Vsevolod Meyerhold, Cordon Craig com sua surmarionete, Artaud com seu Teatro da Crueldade e Tadeusz Kantor com suas diversas fases do teatro, inclusive seu conhecido Teatro da Morte.
Artaud em seu "O Teatro e seu duplo" surge com uma proposta do chamado Teatro da Crueldade, um teatro metafísico o qual se basearia em um rigor extremo por parte do ator, este mesmo princípio é utilizado por Meyerhold em sua biomecânica, a qual visa exercícios que propõe ações imediatas a partir de comandos, criando assim uma maior limpeza e economia de movimentos; Artaud em seu livro relata sobre o Teatro de Bali, modelo de teatro oriental que prevaleceu com uma estética anti-naturalista – a qual Tadeusz Kantor aderia – e com a utilização de artifícios sonoros, plásticos e materiais, tais como a utilização de objetos, sons e luz; Artaud em seu livro nega o textocentrismo, porém sem negar o texto, ele declara que o visual, o sensorial é o principal fator do teatro, não a palavra em si; por mais que Artaud em seu livro não tenha encontrado um modo definitivo de teatro o qual satisfaria suas concepções, sendo que estas acabam tendo uma essência utópica, futuramente surgirá um encenador com princípios muito semelhantes aos do teatro artaudiano e que conseguirá realizar este, este é Tadeusz Kantor.
Tadeusz Kantor surge após o advento do teatro naturalista stanislavskiano e se opõe firmemente a este, Kantor considerava o naturalismo artificial e por isso adere a um teatro metafísico, um teatro abstrato, o qual segundo ele, não necessita de análise e portanto atingiria diretamente o subconsciente; Kantor discorre que o teatro deve ser uma obra de arte, eterna, e por isso o homem não o satisfaz por completo, não o homem verdadeiramente humano, assim surge em seus espetáculos o uso do manequim, ao mesmo tempo homem e objeto; para o encenador, a vida por si própria só poderia ser explicada através da morte, assim começa uma utilização e alta valorização de objetos, bonecos e manequins. O ator deixa de ser o foco da cena, ele se torna parte dela, assim como tudo que está presente se torna parte, o ator, a luz, o som, o objeto, o cenário, todos têm o mesmo patamar de importância, é o aparecimento do ator-objeto e do objeto-ator, os movimentos são altamente precisos e coreografados, as cenas são semelhantes a quadros, há uma aglutinação com as artes plásticas, segundo Lehmann (2011) o teatro de Kantor é "um fluxo de imagens em movimento", sua plasticidade e visualidade se assemelha à dança-teatro, podendo inclusive ser percebidas semelhanças entre seu espetáculo "A Classe Morta" e o "A Mesa Verde" de Kurt Jooss. No teatro kantoriano há uma forte presença do teatro de objetos, já que além do objeto conseguir dominar o próprio humano, este em si é eterno, ao contrário do homem efêmero, deste modo começam processos de pesquisa que exploram a materialidade, a forma, a dimensão na luz, a presença, a sensação e outros artifícios do objeto, tomando alguns muitas vezes considerados pobres e vistos apenas em sua funcionalidade como obras de arte, processos como este são utilizados até atualmente quando iniciada uma pesquisa em teatro de objetos, a própria Ana Maria Amaral relata em seu livro "Teatro de Animação" no capítulo "do sensorial ao místico..." suas experiências com o teatro de objetos; posteriormente o teatro de Brecht utilizará o artifício da não-ilusão – o qual pretende fazer com que o público não imersa numa ilusão – este bastante presente também no teatro de Kantor e de Artaud, assim surge uma aproximação com o público, o qual porém por se ver demasiado próximo do ator, acaba se embaraçando, já que o ator está previamente preparado e pode "fazer qualquer coisa a qualquer hora", o boneco então surge como modo de impedir tal situação, pois quando próximo ao público é mais bem aceito devido à sua não-vida.
Com o simbolismo e a "redescoberta" do teatro oriental há então a retomada da máscara, a qual depois se torna presente em exercícios para formação do ator; assim é retomado completamente o teatro de animação no movimento teatral; atualmente vem se explorando além do teatro de objetos, bonecos e máscaras outras formas de teatro inanimado, tais como o teatro de sombras e diferentes tipos de teatro visual, Philip Genty, por exemplo, é um forte expoente do teatro de animação contemporâneo, muitos porém não sabem definir qual seu movimento teatral específico.
O teatro de animação, além de estimular a criatividade e disciplina do ator, influi na modéstia deste, pois o ator-manipulador deve livrar-se de seu egocentrismo e de sua necessidade de se expor para ceder lugar à figura. O boneco é em si energia cristalizada, assim no palco é energia (axé) do ator-manipulador refletida na sua própria e lhe dando vida através do movimento ou da sua própria presença, o manipulador não deve lidar com o boneco como se este fosse meramente uma cópia humana, senão bastaria o teatro de atores, a especificidade do boneco está em seu não-realismo (AMARAL, 1997), por isso deve explorar-se todo seu caráter sobre-humano, tudo o que o homem não é capaz de fazer, Meyerhold relata que assim como os atores, os bonecos devem se afastar do naturalismo e que quanto mais nos afastamos do cotidiano, mais encontramos a essência das coisas; corriqueiramente porém, se tenta por muitas vezes imitar o real com o boneco, assim surge o grotesco e o falsesco, já quando se explora-o como não real, em sua própria essência, surge o poético, o verdadeiro, o onírico, a magia, o real abstratamente interpretado, tem se aí algo vivo no palco.
Já o teatro de objetos não deve tratar o objeto como se fosse um boneco, mas sim em sua própria essência social e material, o objeto é um símbolo, ele é altamente rico e deve ser explorado além do seu caráter funcional; o teatro de objetos tem forte relação com a dança pois ambos se conectam pela magia do movimento; o objeto em si não é venerado, mas tido em seu caráter real, pois durante o cotidiano os objetos não são meramente cenário, eles tem uma história e uma composição altamente complexa, o ser humano em si, desde os tempos primórdios necessita e depende do objeto.
O teatro de animação, do inanimado ou de formas animadas tem como princípio, ao contrário do teatro de ator, não demonstrar o psicológico ou o cotidiano mas a essência das coisas, ele deseja afetar, se aproximar do nosso subconsciente e se relacionar conosco a partir da relação energia-matéria, corpo-espírito, como anseava Artaud, ele disciplina o ator, o faz ter exatidão e rigor de ação ao contrário do teatro naturalista que abre muitos espaços para o acaso e improviso, liga o ator-manipulador ao seu interior e ao interior de sua figura, está além da concepção de um teatro com um objetivo de moralizar ou transmitir uma mensagem, ele busca chegar a locais do âmago humano os quais se desconhece e afetá-los de modo que deixe marcas permanentes no espírito, por isso deve-se preservá-lo, explorá-lo, respeitá-lo como forma autônoma, autossuficiente e bastante rica do fazer teatral e assim visa-lo como uma possível forma de alcançar o espírito dessa sociedade cada vez mais afastada do mundo e de si própria.
Referências Bibliográficas:
CINTRA, Wagner. No limiar do desconhecido – reflexões acerca do objeto no teatro de Tadeusz Kantor. São Paulo: Editora UNESP. 2013. 264 p.
LEHMANN, Hans-Thies. Teatro Pós-Dramático. 2. Ed. Tradução: Pedro Süssekind. São Paulo: Cosac Naify. 2011. 437 p.
ARTAUD, Antonin. O Teatro e Seu Duplo. 3. Ed. São Paulo: Martins Fontes. 2006. 173 p.
AMARAL, Ana Maria. O teatro de formas animadas. São Paulo: EDUSP, 1993
AMARAL, Ana Maria. Teatro de animação. São Paulo: Ateliê Editorial, 1997. 128 p.
Luiz Carlos Garrocho, O Teatro de Tadeusz Kantor (1). Disponível em: Acesso em 1 de Junho de 2015
Cristina Tolentino, Fases do Teatro de Tadeusz Kantor " Teatro da Morte. Disponível em: Acesso em 1 de Junho de 2015
Cristina Tolentino, Tadeusz Kantor e Artaud. Disponível em: Acesso em 1 de Junho de 2015
RADIOTVANIMARA. Umarla Klasa (La Classe Morta) di Tadeusz Kantor - [sub. fra.]. Disponível em: Acesso em 06 de Junho de 2015


Em "Teatro de Animação", Ana Maria Amaral faz uma relação entre matéria e energia, relatando que toda matéria tem o seu "axé", ou seja, sua energia em maior ou menor potência, essa energia está basicamente em todos os seres vivos e objetos, deste modo o manipulador poderia dar vida ao inanimado direcionando esta energia; Já quando o inanimado passa a ser visto como acessório, sua energia é tomada como nula.
Kurt Jooss é considerado o pioneiro da atualmente chamada "dança-teatro" posteriormente difundida por Pina Bausch; seu espetáculo "A Mesa Verde" tem um caráter tanto mórbido quanto crítico e irônico fazendo uma forte crítica à primeira guerra mundial, sua exatidão, plasticidade da partitura corporal, alto teor de movimentos coreografados que não se desvencilham da música e proximidade com o expressionismo o assemelham muito ao teatro de Kantor.
Será utilizado o termo "figura" quando houver referência ao objeto, boneco e a máscara



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