REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA CRIANÇAS EM CHECHES PARTICULARES

July 28, 2017 | Autor: Ana Clara Brum | Categoria: Languages and Linguistics, Teaching English As A Foreign Language
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REFLEXÕES SOBRE O ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA PARA CRIANÇAS EM CHECHES PARTICULARES
Ana Clara Waltz Brum
Introdução
Nos últimos anos, a crescente competitividade do mercado de trabalho vem sendo um dos assuntos mais comentados na mídia. Vemos livros, programas e especialistas em mercado de trabalho dando dicas para uma melhor entrevista, um melhor currículo, enfim, qualquer diferencial. É nesse contexto que surge o ensino de Língua Estrangeira (LE), principalmente do inglês, para crianças.
Os pais, desesperados por colocar seus filhos em vantagem desde pequenos, procuram escolas e creches que ofereçam o ensino de LE para crianças muitas vezes ainda nem alfabetizadas. Essa procura desencadeia uma competição entre as instituições, que acabam se preocupando muito mais com o marketing gerado pela quantidade de atividades extracurriculares do que com a qualidade.
Este trabalho procura identificar as maiores dificuldades do ensino de Língua Estrangeira para Crianças (LEC), considerando o papel dos professores e a idade dos alunos. Com base na minha experiência de cerca de oito meses como professora de inglês de crianças entre 2 e 3 anos em uma creche particular da zona norte do Rio de Janeiro, pretendo entender o processo que transforma o ensino de LEC em uma simples estratégia para conseguir mais alunos.
A questão do mercado
Além dos motivos citados acima, a crença de que crianças têm maior facilidade na aquisição de línguas também tem um papel significativo nesse processo. De fato, o período crítico para aquisição de linguagem são os primeiros anos de vida. Segundo Dimer e Soares:
Pesquisas na área da neurociência divulgam que a idade ideal para a aquisição da linguagem ocorre nos primeiros dez anos de vida, isso porque, segundo teóricos como Penfield e Roberts (1967), nesse período o cérebro apresenta seu ponto mais alto de plasticidade, já na puberdade o cérebro não teria as mesmas capacidades, seriam perdidas gradativamente. A disponibilidade cerebral obtida na infância, segundo alguns estudos, nunca mais será obtida. Além disso, até os dez anos de vida, o número de sinapses (conexões neurais) do cérebro humano permanece estável (vai aumentando gradativamente), já na adolescência, a proporção de sinapses é invertida, o que também sugere menos facilidade para a aquisição da linguagem depois dos primeiros dez anos de vida.

O problema é que o aparato genético da criança não aprende uma LE sozinho, ela precisa ser exposta à língua (imput linguístico) e isso demanda tempo. Com cinquenta minutos semanais, é quase impossível observar progressos significativos, principalmente a curto prazo.
Para analisar a questão mais profundamente, precisamos reconhecer o valor social de uma língua estrangeira; é uma questão de status e quanto mais cedo os filhos aprendem a falar inglês, maior o valor social. Temos assim uma classe média alta/rica, que pode, se assim desejar, colocar seus filhos em colégios verdadeiramente bilíngues, onde eles são muito linguisticamente estimulados na LE e efetivamente entram em contato com ela. Temos uma classe média baixa/pobre, que normalmente não tem contato com nenhuma língua estrangeira nos primeiros anos de vida e temos a classe média, que não quer ficar pra trás, mas não tem condições de pagar mensalidades exorbitantes. É a esse último grupo que se dirige o ensino de inglês em creches e é nesse ponto que o ensino de LEC começa a entrar na lógica do comércio.
O comércio funciona com base na concorrência, e é assim que funcionam também as creches. Quando uma passa a oferecer aulas de inglês, automaticamente todas da região tem que correr atrás e oferecer o mesmo. Isso acontece com diversas outras atividades, é difícil encontrar uma creche particular que não ofereça aulas de ballet, natação, psicomotricidade, música, isso quando não contam com horticultura, culinária, entre outras atividades. Não se pode oferecer menos do que a concorrência, essa é uma regra de mercado.
Acontece que educação não funciona bem quando colocada na lógica do comércio Ao sair a procura de qualquer professor, apenas para atender as exigências dos pais, a qualidade do ensino fica bastante comprometida para todos os envolvidos. Os professores, quando são devidamente qualificados, sofrem com uma carga horária mínima e uma exigência enorme. Os alunos acabam não aprendendo quase nada ou levando erros que serão carregados ao longo de sua formação, e os pais pagam por um serviço que costuma ser bastante mal prestado. Quanto à instituição, não basta demonizá-la. A mensalidade não dá conta de pagar os melhores professores, e se não atenderem as demandas do mercado, o risco de falência é grande.
O outro lado da questão: a qualidade dos professores
Um dos diagnósticos frequentes sobre o ensino de LEC diz respeito à má formação dos professores, e consequentemente, a importância de uma melhor formação. Isso não é nada simples por uma série de questões: a qualidade da seleção dos professores é limitada pelo salário oferecido, as habilidades exigidas pela formação considerada adequada para ensinar crianças vão muito além das de um simples professor, os professores formados para dar aula de LE, inclusive inglês (letras-licenciatura), não são treinados pra ensinar crianças e não há professores altamente qualificados suficientes para dar conta da demanda atual.
O primeiro motivo já foi trabalhado na seção anterior. O segundo se relaciona aos outros e diz respeito às pesquisas que vem sendo feitas na área, com afirmações como:
A escassez de material de língua inglesa, em algumas realidades, torna essa tarefa ainda mais desafiadora. Para prender a atenção de uma criança de 3 anos, por exemplo, falando um outro idioma, não é algo assim tão fácil. É necessário envolver o lúdico, cantar, brincar, dançar, se fantasiar... (Dimer e Soares, p. 54)

Nessa perspectiva, a autora propõe que o processo oriente-se por um sistema de atividades que envolvam gêneros que fazem contar, cantar e brincar, os quais se encontram interpolados, permitindo a construção de inúmeras possibilidades de interação. Nesse contexto, as práticas sociais desenvolvidas no ensino de LEC são orientadas por canções, festas ou brincadeiras populares, bem como narrativas em verso ou prosa, que envolvam personagens do folclore e dos contos infantis, dentre tantas outras possibilidades, as quais se fazem presentes nas mais diversas culturas que constituem nosso país e as demais nações do mundo, permitindo-nos explorar o plurilingüismo e a multiculturalidade de forma crítica (Kubota, 2004, entre outros) e, assim, emancipatória. (Rocha, 2007)

Não há dúvidas de que um ensino de LEC nas condições acima seria o ideal, mas é muito fora da realidade atual, pois ainda que tivéssemos professores que cantassem, dançassem, pintassem, além de outras habilidades, seria impossível que estes dessem conta de toda a rede de instituições que demandam professores de inglês. Nós (professores) não saímos da universidade prontos para sermos 'artistas' em salas de aula para crianças de três anos e isso compromete o rendimento da aula, mesmo que o professor tenha a fluência desejada, o que nem sempre é o caso. Essa ideia de formação de professores exige materiais, estrutura e tempo que estão tão fora da nossa realidade que parecem impossíveis.
É dever do professor preparar uma boa aula, mas é uma ilusão acreditar que teremos toda uma classe com tempo de chegar em casa e preparar atividades semanais lúdicas, divertidas e educativas. Dar aulas para crianças ainda nem alfabetizadas reduz incrivelmente as possibilidades do educador e a imaginação passa a ser muito mais requisitada do que na maioria dos casos.
Considerações Finais
O ensino de LEC está longe do ideal. Estamos presos num sistema que obedece a lógica do mercado e que mesmo sem beneficiar ninguém, é muito difícil de quebrar. Não existem coitados, todos acabam reproduzindo padrões automáticos enquanto resolvem outros problemas ou simplesmente vivem suas vidas. Quebrar um ciclo como esse não é tarefa fácil.
Algumas possíveis soluções são o oferecimento de treinamento mais específico para o ensino de crianças nos cursos de licenciatura em língua estrangeira e o desenvolvimento de um material didático de melhor qualidade e que já sugira atividades dinâmicas para o professor, além de uma mudança de mentalidade dos pais sobre o que realmente é importante pra os seus filhos no começo da infância.
É importante ressaltar que hoje, ao menos, mais pessoas tem acesso ao aprendizado de uma LE. Essa discussão a respeito da qualidade se mantem em outras esferas, como em cursos particulares e escolas públicas. Talvez isso seja apenas parte de um processo de ascensão social que oferece mais possibilidades às pessoas. Ainda que estejamos longe de um nível de excelência, muitos especialistas têm discutido formas de aperfeiçoamento. A grande questão é se efetivamente alguma exposição, ainda que pequena, à uma LE é melhor do que nenhuma. Acredito que, com um mínimo de qualidade, a resposta seja sim. Se esperarmos um nível muito alto de qualificação para concretizar alguma experiência de ensino de LE, principalmente para crianças, dificilmente algum projeto sairá do papel.



Referências
ROCHA, Cláudia Hilsdorf. O Ensino de Línguas para Crianças no Contexto Educacional Brasileiro: Breves Reflexões e Possíveis Provisões (2007). Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S010244502007000200005&script=sci_arttext&tlng=es
LIMA, Ana Paula de. O Ensino de Língua Estrangeira para Crianças: O Papel do Professor (2008). Disponível em: http://www.cadernosdapedagogia.ufscar.br/index.php/cp/article/viewFile/48/41
DIMER, Débora Leffa e SOARES, Adriana. O ensino de língua inglesa para crianças. Disponível em: http://facos.edu.br/publicacoes/revistas/ensiqlopedia/outubro_2012/pdf/o_ensino_de_lingua_inglesa_para_criancas.pdf
SHIMOURA, Alzira da Silva. Projeto de formação de professores de inglês para crianças: O trabalho do formador. São Paulo, 2005.




Trabalho final da disciplina Fundamentos Sociológicos da Educação, ministrada pelo Prof. Paulo Vaz, no semestre 2013.2.



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