Região de Leiria: uma identidade coletiva territorial e cultural difícil de definir

June 8, 2017 | Autor: Micael Sousa | Categoria: Historia, Geografia, Territorio, Identidades, Leiria
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REGIÃO DE LEIRIA: UMA IDENTIDADE COLETIVA TERRITORIAL E CULTURAL DIFÍCIL DE DEFINIR

Mestrado em Estudos do Património Unidade curricular: Memórias e Identidades Professora Doutora Maria Isabel da Conceição João Autor: Micael Sousa Aluno nº: 1100043

1. SINOPSE Leiria é, ao mesmo tempo, cidade, concelho, região e distrito. Nessas várias dimensões, e talvez pro causa disso, não é evidente nem consensual qual a identidade de Leiria. Ao nível de todas estas divisões e delimitações geográficas e administrativas os contrastes geomorfológicos, culturais, económicos e sociais são fortes. Leiria situa-se numa região geográfica de transição e movimentações humanas, que nem sempre contribuíram para que as delimitações e fronteiras da sua zona de influência fossem bem definidas. Do ponto de vista urbano existe uma forte relação entre o mundo rural e urbano, e ao nível distrital uma competição entre os vários polos urbanos que, aliada às fáceis acessibilidades, gera afastamento, ora tendendo para a zona de influência de Coimbra ora de Lisboa. Torna-se assim desafiante definir a identidade, cultural, social e territorial de Leiria, nas suas várias dimensões.

2. A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE PARA LEIRIA Nas sociedades contemporâneas os indivíduos carregam e assumem várias identidades, por vezes em simultâneo. (Bauman, 2000). Nas sociedades democráticas livres, pósmodernistas (Giddens, 2000), associadas à globalização, transnacionalidade, turbocapitalismo (Lipovetsky, 2010) e sociedade da comunicação em rede (Castells, 2002), cada vez mais a identidade cultural de origem, quando existe, é sujeita a mutações (Hall & Gay, 1996). As forças de dispersão e uniformização global criam nos indivíduos uma necessidade de identificação individual com algo que os estruture (Lipovetsky, 2010), sendo a valorização do património uma dessas vias (Lacroix, 1999). Existem assim forças internas e externas que lutam por diluir ou manter as identidades de pertença. Stuart Hall (1996) refere que, apesar das tendências de desagregação identitária coletiva nos indivíduos, os efeitos sociais continuam a ter a sua influência nas identidades. Importa relacionar então a identidade com a influência da memória colectiva. A Maria Isabel João (2005) refere1 que a memória colectiva contribui para o sentido de identidade e pertença a uma comunidade, criando coesão para determinado grupo social. No entanto, a definição de identidade colectiva e cultural é, no geral, difícil (Cuche, 2006). Teremos de tentar identificar os traços próprios dos indivíduos como definidores da diferenciação cultural, mas também as influências da história e da geografia ao meio

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“A memória coletiva engloba o conjunto de referências, valores e saberes, do foro intelectual ou prático, que um determinado grupo social possui em comum e de representações que partilha sobre si e a sua trajetoria.”

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físico. De notar que esses traços culturais resultam da influência tanto da cultura de origem como da cultura de escolha. Por seu lado, a identidade cultural colectiva resulta sempre de uma relação com o outro, e está constantemente em processos de desconstrução e reconstrução (Cuche, 2006). Para que a memória se torne colectiva devem existir pontos de contactos entre indivíduos, concordância nas memórias para que a lembrança gerada possa ser reconstruída numa base comum (Pollak, 1989), aqui no caso em estudo associada também a um território. Leiria terá uma identidade em construção (Magalhães, 2009) e que dependerá da vontade dos próprios leirienses em a querer assumir (Magalhães, 2012). Tal como noutros casos, aqui a identidade é influenciada pela memória coletiva das gentes ligadas ao território e pelos instrumentos de poder, políticos e outros (Le Goff, 1984). Importa então tentar definir o que é uma região, que no caso de Leiria é de dificuldade particular. Dependendo dos autores e dos contextos, o termo Região de Leiria pode significar áreas geográficas bastante distintas. A região pode referir-se à área envolvente ao concelho de Leiria e seus concelhos limítrofes (RL1), à sua recente comunidade intermunicipal (RL2) ou a todo o distrito de Leiria somado do concelho de Ourém (RL3). Assim, optou-se por usar as anteriores siglas ao longo do texto de modo a ajudar a identificar a região em causa em cada contexto. Para Pierre Bourdieu (1989) uma região será a divisão do mundo social, resultando da imposição por parte de quem tem legitimidade e poder para assim a definir. A sua eficácia dependente da autoridade de quem define e defende essa delimitação regionalista. Por outro lado, Durkheim (1989) refere que os seres humanos interpretam os territórios e regiões consoante as suas próprias construções sociais e afectivas, podendo o mesmo espaço ter diferentes divisões e características consoante os grupos humanos em causa. Uma região é, incontornavelmente, caracterizada pela sua geografia física, sendo essa dimensão territorial o suporte da dimensão social. Os espaços geográficos influenciam as sociedades, embora essas relações não se possam estabelecer, devido à sua complexidade, de uma forma determinística absoluta (Archer, 2012). Importa então tentar descrever geograficamente a regiões ou possíveis regiões de Leiria, relacionando essas diferenças com as posteriores delimitações administrativas e políticas. As serras calcárias são fenómenos geológicos próprios da região (RL3). A norte destaca-se a Serra do Sicó que se liga à Serra de Alvaiázere. Paralelo ao mar, naquilo

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que é o espaço onde “termina a terra e começa o mar”2, desenvolve-se o Maciço Estremenho, a Serra de Aire e Candeeiros. A região detém importantes pinhais e florestas, terrenos baixios arenosos, rios e ribeiros de pequena e média dimensão, vales e planuras entre dunas, com solos calcários e silicosos (Lautensach, 2000), delimitados pelas serras (Daveau, 2005; Ribeiro, 2005). Essas aflorações rochosas sempre foram repulsivas às grandes concentrações humanas (Daveau, 2005), tendo ajudado a delimitar a região sem, contudo, a isolar, dadas as naturais aberturas ao trânsito nas zonas mais baixas e atravessamentos dos acidentes geográficos que possibilitam uma ligação fácil entre Lisboa e Coimbra (Ribeiro, 2005a), reforçando uma tendência de periferia face à capital (Daveau, 2000). A atração ao litoral na região dá-se mais pelas terras baixas e acessíveis que pelo efeito do mar (Ribeiro, 2005). Mesmo as zonas mais habitáveis apresentam povoamento disperso já desde a idade média (Gomes, 2007), o que terá contribuído para uma ocupação funcionalmente individualista (Daveau, 2005). A vegetação do norte e centro do distrito é caracterizada por consideráveis pinhais e eucaliptais, à exceção das zonas férteis dos rios e ribeiros. Destaque ao famoso Pinhal de Leiria, promotor e incentivador do empreendedorismo industrial de Leiria (Santos, 2015b). Ao sul surgem maioritariamente paisagens de culturas, vinhas, olivais, árvores de fruto e outras, desaparecendo gradualmente as grandes florestas (Ribeiro, 2000). Nas zonas das serras dominam os carvalhos, azambujos e oliveiras, tal como arbustos e vegetação mais rasteira, adaptada a solo que não sustém as águas que se infiltram pelos maciços calcários (Ibidem, idem). A diversidade paisagística e geológica é uma realidade, com distinções norte/sul e este/oeste. O interior da região (RL3) aproxima-se claramente da Beira e o sul das paisagens mais mediterrâneas e meridionais, enquanto o centro e norte litoral das características atlânticas. O clima da região, com as devidas diferenças entre as serras e as planícies, apresenta verões e invernos temperados suaves, com cerca de dois meses secos, trovoadas e as brisas cruzadas entre a terra e o mar (Lautensach, 1999). Do ponto de vista demográfico a região (RL3) é muito dinâmica. A propósito da construção dos monteiros, hoje património mundial, terão chegado estrangeiros e forasteiros atraídos pela necessidade de mão-de-obra especializada3 (Gomes, 2007). A região (RL3) terá contribuído significativamente para a expansão marítima portuguesa, mas no século XIX a emigração terá sido maior, tal como aconteceu depois na década de 60 do século XX, em que se terá registado um saldo demográfico negativo (Santos, 2 3

Descrição lírica de Afonso Lopes Vieira. Essa dinâmica demográfica está na origem da autonomização do concelho da Batalha.

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2015c). Essa tendência inverteu-se após 1974 com a vinda dos refugiados das excolónias e emigrantes que retornaram a Portugal, muitos fazendo investimentos na região, na indústria e especialmente no setor imobiliário4, (CML, 2014). Esse impulso económico ressurgiria aquando da adesão de Portugal à CEE. Os concelhos de Leiria e Marinha Grande detêm, por si só, mais de um terço da população da região5 (RL3). Estes concelhos têm crescido nos últimos anos (Santos, 2015c), principalmente devido a migrações internas atraídas pelo dinamismo económico local6. Esta movimentação de gentes poderá explicar algum desenraizamento cultural e diluição da identidade local (Ibidem, idem). A cidade de Leiria situa-se num território, desde tempos antigos, suscetível a movimentação de povos, uma clara zona de transição (Arroteia, 2008), e até terra de ninguém durante a reconquista cristã (Gomes, 2004). A própria origem onomástica da primitiva província da estremadura7, onde se inseria Leiria, aponta para essa zona de transição e fronteira (Arroteia, 2008), que sempre tivera uma forte influência directa de Lisboa (Daveau, 2005). De notar que as próprias atividades económicas da região (RL3) modificaram-se radicalmente. Nos últimos 60 anos a maioria da população ativa transitou da agricultura para a indústria, e mais recentemente para o sector dos serviços, hoje o setor maioritário (Santos, 2015,b), o que terá provocado também consequências identitárias na maioria das populações locais. Há então que tentar também procurar na historiografia algumas pistas ancestrais para a identidade local. Aí começam dificuldades para o caso de Leiria. Segundo a Chronica Gothorum (Alves, 2015) o nome original de Leiria seria Leirena, fundada por D. Afonso Henriques, apesar de se te encontrado uma misteriosa epigrafe romana com a inscrição Laberia (Gomes, 2007). Saul António Gomes (2004), com base nas fontes escritas disponíveis, considerou serem pouco relevantes as povoações anteriores à construção do castelo em 1135, embora, recentemente, tenham surgido achados arqueológicos que demonstram ocupação muito anterior (Carvalho e Inácio, 2013). Assim, apesar proximidade a Collipo, essa cidade romana apenas terá servido de pedreira para o castelo que marcava o avanço da reconquista portuguesa (Alves, 2015). A diocese de Leiria, que dependia de Santa Cruz de Coimbra, haveria perder Ourém em 1150-1174, Porto de Mós em 1170-1180. Mais tarde o concelho de Leiria perde a

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Acentuando e contribuindo para um crescimento urbano tendencialmente desordenado Mais de 160.000 habitantes. 6 De notar que, entre 2001 e 2011, a região centro registou uma variação populacional negativa, enquanto que a antiga comunidade intermunicipal do Pinhal Litoral cresceu 3,97% e o concelho de Leiria 5,9% Santos, 2015c. 7 Províncias criadas pela divisão de comarcas a propósito das reformas administrativas de 1527-1530. 5

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Batalha em 1500 (Gomes, 2004) e por fim a Marinha Grande em 1917 (Arroteia, 2005). Desde muito cedo a diocese demonstrou ser demasiado vasta para o peso urbano de Leiria (Gomes, 2007). Já na época da reconquista era muito significativa a dispersão populacional rural (Ibidem, idem). A Leiria medieval destacou-se pelo seu dinamismo comercial, tendo albergado uma importante comunidade judaica8 (Ibidem, idem). Nas proximidades ocorreu a Batalha de Aljubarrota, motivo da construção do Mosteiro de Santa Maria da Vitória (Batalha) que iria rivalizar com o Mosteiro Cisterciense de Alcobaça,

que,

por

si

só,

polarizou

a

região

envolvente,

desenvolvendo

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economicamente e culturalmente um território considerável . De salientar ainda o domínio dos Cavaleiros do Templários em Pombal. Leiria cresceu, tornou-se cidade, e, em 1545, bispado. Durante o século XVIII transferiu-se a fábrica de vidros e Coina para a Marinha Grande, inaugurando aquilo que seria parte da génese do dinamismo empresarial e industrial local, vivendo uma relação umbilical com o Pinhal de Leiria. De salientar também as fábricas de algodão instaladas em Alcobaça pela mesma altura, e outras unidades de produção que aproveitavam a abundância de calcários e argilas (Alves, 2015). Desenvolvimentos posteriores contribuíram para o crescimento polinucleado da região (RL3). O caminho-de-ferro aproximou a zona do Oeste de Lisboa e o norte do distrito de Coimbra. O mesmo aconteceu com as infra-estruturas rodoviárias, que nunca ligaram devidamente Leiria aos concelhos do norte interior do distrito. O desenvolvimento industrial desigual entre do distrito gerou realidades políticas diversas. Concelhos industriais como Marinha Grande e Castanheira de Pera, ou piscatórios como Peniche e Nazaré, geraram movimentos de esquerda, contrastando com o conservadorismo de outros concelhos (Sousa, 2015a). Ainda hoje esta influência é evidente no mapa político regional. A ocupação do território em Leiria assumiu níveis elevados de dispersão, sem limites claros entre espaços rurais e urbanos. Também nisso reinou a indefinição no crescimento das aldeias, vilas e cidades. Suzanne Daveau (2000) refere que entre a foz do Douro e do Tejo não surgiu nenhum centro urbano polarizador importante, mesmo Coimbra domina uma região reduzida. Leiria, no entanto, sempre fora um interposto comercial local importante, capaz de contribuir para um empreendedorismo particular na região. Pululavam os pequenos comerciantes e negociantes. Desenvolveram-se depois, ao longo do século XX, pequenas oficinais e indústrias, caracterizando a zona pelo seu empreendedorismo e individualismo, centrada do desempenho económico 8

Relação com uma das primeiras prensas mecânicas da Península Ibérica e respectiva fábrica de papel. Numa forte relação à comunidade intermunicipal do Oeste, um território que se tem tentado diferenciar

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como afirmação social (Alves, 2015). Ainda hoje essa necessidade social de demonstrar sinais exteriores de riqueza é especialmente notória na cidade. Importa ainda atender à influência das dinâmicas políticas. As elites, por serem líderes de comunidades, são importantíssimas para a dinamização das identidades regionais (Anderson, 2005). No caso português, a construção identitária regional pouco se desenvolveu, havendo entraves para fortalecer o sentimento de pertença e identidade regional um pouco por todo o país, à exceção das zonas mais periféricas (Daveau, 2005). A unidade nacional portuguesa é um dado absoluto (Cabral, 1991). Apesar de certas características regionais, cada uma das regiões contribui para a unidade da identidade, isto porque as províncias nunca se desenvolveram como potenciais comunidades nacionais (Magalhães, 2009). Nesse sentido, os monumentos mais relevantes da região de Leiria (RL3), Monteiro de Alcobaça e Batalha, apesar do seu potencial de projeção comunidades locais (Ballart e Tresserras, 2005), contribuem mais para a identidade nacional que para um forte regionalismo leiriense (Gomes, 2007). Os portugueses identificam-se principalmente com a sua nacionalidade e ligação à pequena área territorial de residência (Daveau, 2005). As tradicionais províncias haviam mantido uma localização estável, mas a província da Estremadura sempre foi a mais instável nos seus limites, espaço do principal eixo de desenvolvimento do país (Daveau, 2005). As fortes dicotomias litoral/interior e norte/sul portuguesas colocam a estremadura em algumas dessas encruzilhadas geográficas e sociais. Por outro lado, a região perdeu também importância, preponderância e identidade cultural com a extinção das ordens religiosas em 1834, uma vez que a Batalha tivera sido equiparada a studium universitário no século XVI e Alcobaça também era famosa pelo ensino que oferecia, tendo muitos dos intelectuais portugueses do início da modernidade ai sido formados (Gomes, 2007). Os processos de nacionalização do povo português, decorridos durante o século XIX e XX, têm relação com a implementação dos distritos, devido à sua lógica administrativa centralista (Magalhães, 2009). No caso de Leiria, o seu distrito haveria de agregar concelhos muito distintos e que nem sempre tinham a devida afinidade com a cidade. Posteriormente a própria diocese de Leiria foi extinta em 1882, sendo apenas reposta em 1918 (Gomes, 2007). Suzanne Daveau (2005) defende que a divisão de 1936 e ajustamentos de 1959, no caso da divisão distrito entre duas províncias10 aconteceu porque os habitantes desses territórios não se identificavam com a realidade administrativa do distrito. Dada a 10

Beira Litoral e Estremadura.

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inexistência de efetivas regiões administrativas em Portugal, em 2002, por aproximação à União Europeia, foram criados vários níveis de unidades territoriais estatísticas, as: NUT II, III, IV e V (Daveau, 2005). Com a implementação das NUTS II o distrito de Leiria, como havia sido com as provinciais de 1936, foi novamente dividido11. Em 2013 as NUTS II foram redefinidas, ficando o distrito dividido entre Região de Leiria (CIMRL) e Região do Oeste, assumindo-se administrativamente e politicamente duas comunidades distintas. Mas a problemática em torno de Ourém, pela sua comprovada proximidade histórica, geográfica e afetiva a Leiria (Vieira, 2005) continuou por resolver ao não ser incluída na CIMRL. Nos finais da década de 1990 foi conturbado o debate sobre a regionalização em Leiria. Chumbado o referendo, a alternativa passou pelo reforço do intermunicipalismo, com base nas NUTS II, deixando a unidade distrital fragilizada (Magalhães, 2009), situação que se agravou com a extinção dos governos civis em 2011 (Gomes, 2015). Apesar de todas as reformulações delimitativas das fronteiras de Leiria, o concelho sempre tentou assumir, ainda que intermitentemente, protagonismo regional e distrital12 (Sousa, 2015a). Os monumentos são potenciais meios físicos e instrumentos para a constituição da memória coletiva, constituem materiais da memória, por serem referências do passado (Le Goff,1982a). Mas para isso as comunidades têm de sentir o património como parte da sua identidade. No caso da região de Leiria nem sempre ocorreu essa ligação direta. O dinamismo da região (RL3) e a falta de unidade que as divisões administrativas não sanaram incentivou alguns movimentos associativos13. Alguns investigadores locais identificaram várias dinâmicas identitárias no distrito, constituindo-se várias possíveis regiões. Algumas delas extravasarem os limites do próprio distrito, sendo o caso da freguesia de Fátima, do concelho de Ourém, um desses casos paradigmáticos (Vieira, 2005; Magalhães, 2009).

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As NUTS II no distrito haveriam de corresponder Inicialmente em três comunidades intermunicipais: Oeste, Pinhal Litoral e Pinhal Interior. Depois, em 2013, surgiram apenas Oeste e Região de Leiria (Santos, 2015a) 12 Um exemplo simbólico disso é a obra do escultor Luís Fernandes (Sousa, 2015a), na parede das cadeiras da presidência e vereações, que representa a região de Leiria, através de uma iconografia modernista, contendo o castelo de Leiria, Pinhal de Leiria, cidades importantes da região, o mar e uma figura de inspiração republicana que simbolizará a própria região. 13 Em 1987 surgiu a Associação Empresarial da Região de Leiria (NERLEI). Em 1989 nasce a Associação para o Desenvolvimento de Leiria (ADLEI), principalmente por militantes do PPD-PSD mas composta também pela elite política de outras orientações partidárias, intelectual e empresarial (Sousa, 2015a). A definição da Região de Leiria foi sempre assumida pela ADLEI, tendo assumido como área de atuação o distrito somado do concelho de Ourém (RL3). Mas contribuiu para o desenvolvimento do conceito de Alta Estremadura, que surgia do território da primeira diocese de Leiria, incluindo os concelhos de maior proximidade afetiva a Leiria (Sousa, 2015a). Em 1993 surge o Centro de Estudos do Património da Alta Estremadura (CEPAE) (Magalhães, 2009).

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Importa ainda atender à influência das dinâmicas políticas locais. Como já se referiu, o processo de construção das identidades coletivas depende bastante da ação das suas elites (Anderson, 2005). Fernando Magalhães (2009) tentou estudar e registar essas interpretações14. Concluiu que poucas personalidades admitiram uma comunidade cultural leiriense coincidente com o distrito: “Apesar da cidade de Leiria concentrar a maioria dos serviços públicos, sendo o maior aglomerado urbano do distrito, o facto de se situar a uma distância considerável dos outros centros urbanos tem colocado dificuldades à imaginação de uma comunidade distrital de Leiria.” (Magalhães, 2009). Fernando Magalhães identificou várias tendências que se apoiavam, para além das distinções geográficas, em ícones do passado da região, entre eles: Ernesto Korrodi e José Travaços dos Santos identificam algumas raízes da comunidade leiriense em influências árabes; Saul António Gomes identifica a reconquista cristã, a fundação do castelo e diocese de Leiria, demais postos avançados da reconquista na região, ação de D. Afonso Henriques e estabelecimento das ordens monásticas, como as origens identitárias principais; Acácio de Sousa referia também as influências dos monges de Cister em Alcobaça15, de Santa Cruz de Coimbra e os dominicanos da Batalha como bases identitárias repartidas. Também Afonso Lopes Vieira (ALV) foi um acérrimo defensor do património paisagístico, monumental e cultural da estremadura, onde o poeta incluía todo o distrito de Leiria. ALV chefiou a Casa do Distrito de Leiria e fez oposição à subdivisão do distrito entre Beira Litoral e Estremadura com a reforma administrativa de 1936 (Nobre, 2003). O próprio ALV referia-se à Batalha de Aljubarrota, como contributo da região para a nação, tese identitária modernista corroborada também por José Mattoso (Magalhães, 2009). Outras personalidades e eventos do passado continuam a ter o seu efeito, note-se o caso local da memória coletiva de D. Dinis, do Pinhal de Leiria e o próprio castelo, muito invocados na iconografia local, constando dos selos de chancelaria municipal desde tempos antigos (Gomes, 2007) e logotipos variados. Os pontos de vista e elementos identitários simbólicos utilizados a favor das teses identitárias leirienses são imensos. Temos, pelo menos, de admitir que as influências foram muitas e variadas. Tal é a dinâmica da região pela sua busca identitária, que, são

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No âmbito da sua dissertação de doutoramento sobre a identidade de Leiria. A região do Oeste nascerá posteriormente da herança da acção da Ordem de Cister em Alcobaça. Os monges cistercienses desencadearam uma verdadeira revolução no território envolvente, ao fomentarem o povoamento, drenagem de pântanos, arroteamento de novas terras, construindo infraestruturas (caminhos, pontes, lagares, celeiros e outros para produção e transformação de produtos agrícolas). Transformaram essas terras, que administravam, em zonas de prosperidade económica considerável (Gomes, 2007). 15

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imenso os seminários, congressos e intervenções de personalidades locais dedicadas ao tema nos últimos anos. Poderíamos dizer que a identidade de Leiria, nas suas várias delimitações administrativas, tem influências múltiplas e está em constante construção (Magalhães, 2009). Ricardo Vieira (2005) assume essa variedade como elemento de identidade, ao dizer que o microcosmo paisagístico, natural e cultural da região de leiria pode ser a sua principal característica identitária. Assim será improvável encontrar uma identidade contínua e definida para Leiria, isto porque as imagens de continuidade ininterruptas das memórias e identidades coletivas costumam ser meras ilusões (Fentress & Wickham, 1994). Em vez de continuidade na transmissão dessas memórias e identidades podemos identificar transmissões com base em transformações, que muitas vezes se ocultam para as próprias comunidades (ibidem, idem). De uma forma utilitarista, há que admitir que as tradições apenas são preservadas na medida em que forem uteis para as comunidades. A demanda por uma identidade leiriense contínua, embora essa utilidade nem sempre seja consciente e universal. Os museus são meios de reforço da identidade local através do património que expõem e atividades culturais que oferecem (Cândido, 2010), podem mesmo ser espelhos das suas comunidades (Rivière, 1989), mas só se as mesmas comunidades os assumirem. Tito Larcher tinha assumido essa demanda de criação da identidade leiriense através do desenvolvimento do Museu Regional de Leiria no início do século XX (Gomes, 2007), um pouco como Ernesto Korrodi através dos estudos de reconstrução do castelo de Leiria em 1898 (Korrodi, 2009), monumento que haveria de ser um ícone da cidade e concelho de Leiria. Mas só em 2015 foi inaugurado o Museu de Leiria, depois de um processo conturbado de quase 100 anos. Inicialmente pensado como museu regional, a mudança demonstra as dificuldades de afirmação regionais de Leiria. Hoje existe um museu municipal de âmbito concelhio, mas o modo como Leiria é ai apresentada extravasa claramente os limites do concelho (Sousa, 2015b). Este museu poderá contribuir para essa identidade concelhia e regional em construção. O Instituto Politécnico de Leiria é outro elemento agregador do distrito, pois é composto por diversas escolas localizadas em diferentes concelhos16 do distrito (Mourão, 2015). Por outro lado o clube de futebol de Leiria, a União Desportiva de Leiria aspirou ao desígnio de, “literalmente”, congregar e dar coesão ao distrito através do desporto (Vieira, 2005), mas esse intento não ocorreu e

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Leiria, Caldas da Rainha, Peniche e um centro de investigação na Marinha Grande (Mourão, 2015)

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está cada vez mais distante à medida que o clube atravessas crises financeiras e de resultados desportivos. Recentemente a ADLEI e a NERLEI ensaiaram um projeto intitulado “Leiria Região de Excelência” (Sargento et al, 2014). Este projeto, de pendor empreendedor e económico, acabou por concluir e evidenciar, no seu plano estratégico publicado em 2014, a dificuldade em definir a região de Leiria, sugerindo que deveria ser uma região de contornos territoriais pouco definidos, mas agregada pelo dinamismo económico.

3. CONCLUSÃO Leiria é um território de transição e encruzilhadas, diverso, variado em todos os sentidos, com forte dinamismo económico e cultural, na mesma medida em que esse empreendedorismo assenta no individualismo local e numa certa ambição pela riqueza. A serras delimitam um território à beira mar, que é muito mais amplo que o concelho de Leiria, mas quase nunca suficientemente coeso para se formar uma região indiscutível. Em Leiria diverge-se e converge-se numa zona criada pelo ímpeto da reconquista portuguesa, mas que assenta em fundações antigas, dispersas no esquecimento das primeiras ocupações territoriais humanas, tão próprias dessas gentes que partem e chegam, quase sempre influenciando e sendo influenciadas numa cultura identitária em transformação e mutação. A região, ainda que podendo ser delimitada por serras, sempre foi de fácil penetração, localizada num eixo que a aproxima e faz influenciar por outros espaços urbanos de maior dimensão, especialmente de Lisboa, que a subjuga a periferia distante e de identidade influenciável. Pela sua diversidade e riqueza Leiria pode ser uma cidade que potencialmente se estende à dimensão regional, mas nem por isso forçosamente seguindo as delimitações territoriais e administrativas que lhe quiseram impor. Isto partindo do princípio que a alma identitária leiriense é sequer enquadrável numa fronteira, pois os seus habitantes sempre foram além-fronteiras e souberam receber forasteiros nas suas terras ancestrais. Essa característica difusa, dinâmica, moldável e adaptável pode ser uma possível identidade comum para as gentes de Leiria e arredores, mas essas mesmas características parecem ser pouco aptas à definição de uma memória colectiva, linear e estável. Mais que uma conclusão sobre a identidade da região de Leiria, chega-se a uma encruzilhada, metáfora da própria demanda a que este trabalho se propunha.

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4. BIBLIOGRAFIA

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DAVEAU,

Suzanne.

Comentários

e

atualização.

In

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