Regularização Fundiária (Minha Casa, Minha Vida) em São Gonçalo-RJ: manguezais da Baía de Guanabara; áreas de preservação permanente; terrenos de marinha

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0001072-48.2013.4.02.5117 (2013.51.17.001072-0) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : Procurador Regional da República APELADO : MUNICIPIO DE SAO GONCALO E OUTRO ADVOGADO : RODRIGO BERNARDO RIBEIRO E OUTRO ORIGEM : 03ª Vara Federal de São Gonçalo (00010724820134025117)

REMESSA NECESSÁRIA. APELAÇÃO. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À MORADIA. PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. SEPARAÇÃO DOS PODERES. JUDICIALIZAÇÃO DE POLÍTICA PÚBLICA FUNDIÁRIA. MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO. ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE. TERRENOS DE MARINHA. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. LEIS Nº 10.257/2001, 11.977/2009 E Nº 12.651/2012. 1. Ação civil pública ajuizada pelo MPF, em que objetiva compelir o Município de São Gonçalo e a União Federal, no âmbito de suas competências, a promoverem a regularização fundiária de intervenções urbanas consolidadas sobre manguezais da Baía de Guanabara, Áreas de Preservação Permanente, bem como a demarcação de terrenos de marinha, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. 2. As políticas públicas – decorrentes de leis ou comportamentos administrativos - são procedimentos (garantias) para satisfazer direitos de prestação, previstos em lei ou compreendidos no mínimo existencial, quando ocorre omissão constitucional. Em condições regulares, o exercício dos direitos de prestação é através das políticas públicas, porém a ausência destas não implica ausência de direitos, mas sim que a satisfação dos direitos individuais será unicamente jurisdicional, restrita aos demandantes, mediante força e incidindo sobre bens disponíveis do Estado. 3. O controle judicial não implicará ofensa à separação de poderes caso estejamos no plano infralegal de controle de discricionariedade administrativa e se a opção exercida pela autoridade administrativa ultrapassar os limites da lei ou ofender direitos fundamentais ou princípios fundamentais (art. 4º do Código Modelo Euro-Americano de Jurisdição Administrativa. Disponível em: ). 4. A regularização fundiária, como instrumento de política urbana previsto no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), visa ao pleno desenvolvimento da função social da cidade e da propriedade urbana, em áreas ocupadas por população de baixa renda (arts. 2º, XIV e 4º, V, 'q' e 't'). 5. A Lei nº 11.977/2010, que instituiu o programa "Minha casa, minha vida", trata da regularização fundiária urbana como forma de garantia ao direito social à moradia digna, com a ordenação e titulação de ocupações urbanas consolidadas; e ao direito ao pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 46). 6. A Lei nº 11.977/2010 estabelece em seu art. 54, § 1º, a possibilidade de regularização fundiária por interesse social em Áreas de Preservação Permanente, ocupadas até 31 de dezembro de 2007 e inseridas em área urbana consolidada, desde que comprovado, por estudo técnico, que a intervenção implicará melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior. 7. O Novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), também admite a regularização ambiental das ocupações consolidadas em Área de Preservação Permanente situadas em zonas urbanas, mediante a aprovação de projeto de regularização fundiária, na forma prevista na Lei nº 11.977/2009, tanto para interesse social quanto para interesse específico.

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EMENTA

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TRF2 Fls 536

ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa necessária e negar provimento à apelação do MPF, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado Rio de Janeiro, 24 de novembro de 2015 (data do julgamento).

RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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8. No caso concreto, não se afiguram comprovados os requisitos para a caracterização de área urbana consolidada para fins de regularização fundiária previstos no art. 47, II, da Lei nº 11.977/2009 (parcela urbana com densidade demográfica superior a cinqüenta habitantes por hectare e malha viária implantada e que tenham no mínimo, dois dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados: a) drenagem de águas pluviais urbanas; b) esgotamento sanitário; c) abastecimento de água potável; d) distribuição de energia elétrica; ou e) limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos). 9. Da mesma forma, não foram evidenciados os requisitos enumerados no inciso VII, ‘a’ e ‘b’, do art. 47 da Lei nº 11.977/2009, para a regularização fundiária de interesse social (área ocupada, de forma mansa e pacífica, há, pelo menos, cinco anos; ou imóveis situados em Zona Especial de Interesse Social - ZEIS; bem como não foi assinalada a existência de declaração de interesse da União Federal para implantação de projetos de regularização fundiária em áreas de seu domínio (terrenos de marinha a serem demarcados), consoante dispõe o art. 47, VII, ‘c’, da lei. 10. Quanto às áreas de ocupação urbana consolidada em manguezais (Área de Preservação Permanente), embora os arts. 64 e 65 da Lei nº 12.651/2012 admitam a regularização fundiária no espaço de proteção referido, é necessário o atendimento das condições estipuladas pela Lei nº 11.977/2009 para a sua implementação, o que não foi comprovado pelo MPF. 11. O laudo técnico apresentado pelo MPF não atestou a existência dos requisitos acima, tendo informado que "durante a vistoria não foi possível observar a densidade demográfica, bem como não foi observado se as ocupações dispõem dos equipamentos mínimos de infraestrutura elencados pela lei". Além disso, em resposta ao quesito que indagava se área analisada era passível de regularização fundiária, o referido laudo concluiu que, à vista das peculiaridades da legislação que rege a matéria, era precoce a afirmação de ser possível regularização fundiária pretendida. 12. Considerando a ausência de comprovação pelo MPF dos requisitos legais para a promoção da regularização fundiária, não restou caracterizada a omissão do Poder Público quanto à prática de ato discricionário, que viesse a violar o princípio da proporcionalidade, de modo a demandar o controle judicial da política pública fundiária em questão. 13. Diante da improcedência dos pedidos por ausência de provas, aplica-se o disposto no art. 16 da Lei nº 7.347/85, cuja redação dispõe que "A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova". 14. Remessa necessária (art. 19 da Lei nº 4.717/65) parcialmente provida para consignar a aplicação do art. 16, parte final, da Lei nº 7.347/85. Apelação não provida.

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TRF2 Fls 537

Cuida-se, na origem, de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) objetivando compelir o MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO e a UNIÃO FEDERAL, no âmbito de suas competências, a promoverem a regularização fundiária das intervenções urbanas consolidadas sobre manguezais da Baía de Guanabara, áreas de preservação permanente, e terrenos de marinha, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Na espécie, sustenta o MPF que o inquérito civil público nº 1.30.020.000100/2010-93, que embasa a presente demanda coletiva, foi instaurado para a tomada de providências diante da degradação ambiental existente em áreas de preservação permanente (manguezais) no território do Município de São Gonçalo, notadamente nos bairros de Porto do Rosa, Boa Vista, Boaçu e Itaoca, localizados em terrenos de marinha e nas proximidades dos limites da Área de Proteção Ambiental (APA) Guapimirim e da Estação Ecológica (ESEC) da Guanabara; bem como para que fosse avaliada a possibilidade de promoção de regularização fundiária. Aduz que a mencionada degradação decorreu do processo de ocupação irregular e aterramento de áreas de manguezal, em razão da expansão urbana desordenada verificada em meio à completa falta de políticas de habitação e planejamento urbano pelo Poder Público ao longo das últimas décadas. Sustenta que as áreas em questão, bairros localizados nas adjacências da Rodovia BR-101, são densamente habitados e com urbanização - ainda que precária - consolidada há anos; apresentam arruamento e comércio local, algumas áreas de lazer, predominando a existência de edificações residenciais de baixa renda em ruas não pavimentadas e desprovidas de saneamento básico. Diante da inviabilidade de recomposição integral da área ao seu estado original, que dependeria da demolição de comunidades inteiras, buscou-se, no âmbito extrajudicial, um acerto com o Município de São Gonçalo, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO) e o Instituto Estadual de Meio Ambiente (INEA) para que, a fim de garantir o direito à moradia digna e, ao mesmo tempo, o direito ao meio ambiente equilibrado, fossem adotadas medidas que assegurassem a não ocupação de áreas de preservação permanentes remanescentes, e avaliada a possibilidade de regularização fundiária, sem prejuízo da demarcação dos terrenos de marinha pela Secretaria de Patrimônio da União (SPU). Conforme o Ofício nº 261/SMMA/10 (fl. 192), o Município de São Gonçalo manifestou interesse em celebrar Termo de Cooperação Técnica com o ICMBIO, visando a definição de ações de fiscalização ambiental integradas, com vistas a coibir novas construções irregulares e possíveis danos ambientais nas áreas de manguezais situadas no entorno da Rodovia Niterói-Manilha. Frustradas as tratativas no âmbito administrativo, o MPF ajuizou a presente demanda coletiva, buscando a procedência dos pedidos para: i) condenar o MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO a elaborar, apresentar e aprovar, no prazo máximo de 01 ano, mediante assistência técnica e recursos disponibilizados pela União Federal, projeto de regularização fundiária sustentável contendo estudo técnico que comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior, tudo na forma prevista pela Lei 12.651/2012 e pela Lei nº 11.977/2009, executando-se em seguida o conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0001072-48.2013.4.02.5117 (2013.51.17.001072-0) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : Procurador Regional da República APELADO : MUNICIPIO DE SAO GONCALO E OUTRO ADVOGADO : RODRIGO BERNARDO RIBEIRO E OUTRO ORIGEM : 03ª Vara Federal de São Gonçalo (00010724820134025117)     RELATÓRIO

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TRF2 Fls 524

Contestação do Município de São Gonçalo às fls. 361/367, em que sustenta, em síntese, os seguintes argumentos para a improcedência dos pedidos: i) não cabe ao MPF, por meio do Judiciário, determinar ações ao Poder Executivo, interferindo em sua esfera de discricionariedade administrativa e em sua gestão orçamentária; ii) a utilização das escassas verbas existentes para o atendimento de pedidos especiais, como no caso em tela, prejudicaria a implantação de planos globais de assistência. Contestação da União Federal às fls. 368/400, em que aduz, preliminarmente, a ausência de interesse de agir quanto ao pedido de demarcação de terrenos de marinha e seus acrescidos, e à imediata promoção de regularização dos registros públicos daqueles terrenos, pois não ocorreu no âmbito administrativo nenhuma resistência a um pedido dirigido à União Federal, que vem realizando a demarcação dos terrenos de marinha na medida de suas limitações administrativas e financeiras. Sustenta, também, a impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista que a Administração Pública está adstrita aos princípios da reserva legal e do orçamento público, o que demonstra ser indevida a ingerência do MPF no âmbito da discricionariedade administrativa. No mérito, sustenta que: i) o domínio da União Federal sobre os terrenos de marinha e seus acrescidos independe de prévia demarcação; ii) inexiste obrigatoriedade de registro público dos terrenos de marinha, tratando-se de mera faculdade da Administração Pública Federal; iii) diante do comando autorizativo do art. 1º da Lei nº 9.636/98, não há obrigatoriedade de demarcação de bens imóveis da União para fins de regularização de ocupações, tratando-se de ação discricionária; iv) a política pública de desenvolvimento urbano deve ser executada pelo Poder Público Municipal, com base no plano diretor, obrigatório para cidades com mais de vinte mil

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titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, englobando tal projeto pelo menos as áreas dos bairros de Boa Vista, Porto do Rosa, Itaoca e Boaçu (em razão de demandarem atuação prioritária por apresentarem, em seu conjunto, as porções mais significativas de remanescentes de mangues em São Gonçalo não protegidos por unidade de conservação), intervindo a União e o ICMBio no respectivo procedimento, nas formas previstas na Lei 9.636/98 e 9.985/00, devendo-se ainda garantir recursos para a implementação de medidas necessárias à execução das providencias estipuladas; ii) condenar o MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO a elaborar e apresentar, no prazo máximo de 01 ano, podendo contar com a cooperação técnica e apoio do ICMBio e do Inea, programa de controle e fiscalização específico das áreas remanescentes de manguezais no Município de São Gonçalo, com ênfase à proteção da vegetação e preservação da fauna, sendo avaliada a conveniência da criação de unidade de conservação municipal no local, disponibilizando recursos e pessoal para tanto; iii) condenar a UNIÃO FEDERAL a prestar assistência técnica e disponibilizar recursos financeiros, na forma prevista em programa do Ministério das Cidades, ao Município de São Gonçalo para a elaboração do projeto de regularização fundiárias sustentável mencionado no primeiro item deste pedido; iv) condenar a UNIÃO FEDERAL a elaborar, no prazo máximo de 01 ano, por intermédio da Secretaria de Patrimônio da União e de forma coordenada com as ações requeridas em face do Município de São Gonçalo, plano de ação visando a identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização de terrenos de marinha e de bens imóveis de sua propriedade na orla marítima de São Gonçalo, declarando-se eventualmente o interesse social para implantação de projetos de regularização fundiária, promovendo a desocupação/desapossamento nas situações em que seja inviável a regularização; v) condenar os requeridos ao pagamento de multa cominatória diária, em valor não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por eventual descumprimento de obrigação fixada em sentença, com o depósito dos valores em conta vinculada a esse Juízo, a serem revertidos ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos, de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347.

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habitantes. Intimados sobre o interesse em integrar o polo ativo da presente demanda, o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBIO) e o Instituto Estadual do Meio Ambiente (INEA), nada requereram, conforme certificado à fl. 434. Réplica do MPF às fls. 439/446. A sentença de fls. 452/458 afastou as preliminares arguidas pela União Federal, e julgou improcedentes os pedidos, considerando a limitação de recursos financeiros do município de São Gonçalo, bem como o fato de que as medidas pretendidas na presente demanda coletiva esbarram no princípio da separação de poderes, nos seguintes termos:

Irresignado, o MPF interpôs apelação (fls. 397/409), em que sustenta, em síntese, os seguintes argumentos para a reforma da sentença: (i) a demanda trata de prestação de direitos fundamentais, cuja essencialidade impõe a observância do mínimo existencial e afasta a aplicação do princípio da reserva do possível; (ii) em hipóteses de inércia injustificável e abusividade governamental do administrador público, a necessidade de salvaguarda dos direitos constitucionalmente assegurados autoriza a intervenção do Poder Judiciário. Contrarrazões do Município de São Gonçalo às fls. 497/501, em que reproduz os termos da contestação e pugna pela manutenção da sentença. Contrarrazões da União Federal às fls. 502/507, em que renova os argumentos apresentados na contestação e pede a manutenção da sentença. A Procuradoria Regional da República opina, às fls. 514/520, pelo provimento da apelação. É o relatório. Peço dia para julgamento.         RICARDO PERLINGEIRO   Desembargador Federal

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[...] juízes e tribunais não podem impor ao Poder Executivo obrigação programática de fazer ou de não fazer. Decisões judiciais que impusessem tal espécie de obrigação representariam frontal violação ao princípio da separação dos Poderes, insculpido no art. 2º da Constituição da República. Não à toa, portanto, o controle dos atos administrativos discricionários pelo Poder Judiciário não pode ir além do exame da legalidade, de modo a não se permitir a substituição do Administrador pelo magistrado. [...] Em suma, o controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário é de caráter excepcional e não poderá ocorrer quanto se estiver diante de possível ofensa à separação de poderes. Há afronta a tal princípio no momento em que é desprestigiada a discricionariedade da Administração. Por consequência, ao Judiciário não cabe determinar aos réus a realização de projetos e obras visando à regularização fundiária de vasta parcela do território gonçalense, como pretende o órgão ministerial, sob pena de o juiz fazer as vezes de gestor, imiscuindo-se indevidamente em seara reservada pela Constituição à Administração.

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Apelação Cível/Reexame Necessário - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0001072-48.2013.4.02.5117 (2013.51.17.001072-0) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO APELANTE : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : Procurador Regional da República APELADO : MUNICIPIO DE SAO GONCALO E OUTRO ADVOGADO : RODRIGO BERNARDO RIBEIRO E OUTRO ORIGEM : 03ª Vara Federal de São Gonçalo (00010724820134025117) VOTO   O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR)   Consoante relatado, cuida-se de remessa necessária (art. 19 da Lei nº 4.717/65) e de recurso de apelação  interposto  pelo  MPF  em face da sentença proferida pelo  Juízo  da 3ª Vara Federal de São Gonçalo,  que  julgou  improcedentes  os  pedidos  formulados  na  ação  civil  pública  ajuizada  pelo  ora recorrente, objetivando compelir o MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO e a UNIÃO FEDERAL, no âmbito de suas competências, a promoverem a regularização fundiária de intervenções urbanas consolidadas sobre manguezais da Baía de Guanabara, áreas de preservação permanente, bem como a demarcação de terrenos de marinha, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O MPF pugna pelo provimento do remessa e do recurso, com a procedência dos pedidos para: i) condenar o MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO a elaborar, apresentar e aprovar, no  prazo  máximo  de  01  ano,  mediante  assistência  técnica  e  recursos disponibilizados pela União Federal, projeto de regularização fundiária sustentável contendo estudo técnico que comprove que esta intervenção implica a melhoria das condições ambientais em relação à situação de ocupação irregular anterior, tudo  na  forma  prevista  pela  Lei  12.651/2012  e  pela  Lei  nº  11.977/2009, executando-se  em  seguida  o  conjunto  de  medidas  jurídicas,  urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, englobando tal projeto pelo menos as áreas dos  bairros  de  Boa  Vista,  Porto  do  Rosa,  Itaoca  e  Boaçu  (em  razão  de demandarem atuação prioritária por apresentarem, em seu conjunto, as porções mais significativas de remanescentes de mangues em São Gonçalo não protegidos por  unidade  de  conservação),  intervindo  a  União  e  o  ICMBio  no  respectivo procedimento, nas formas previstas na Lei 9.636/98 e 9.985/00, devendo-se ainda garantir recursos para a implementação de medidas necessárias à execução das providencias estipuladas;

ii) condenar o MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO a elaborar e apresentar, no prazo máximo de 01 ano, podendo contar com a cooperação técnica e apoio do ICMBio  e  do  Inea,  programa  de  controle  e  fiscalização  específico  das  áreas remanescentes  de  manguezais  no  Município  de  São  Gonçalo,  com  ênfase  à proteção da vegetação e preservação da fauna, sendo avaliada a conveniência da

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criação de unidade de conservação municipal no local, disponibilizando recursos e pessoal para tanto; iii) condenar a UNIÃO FEDERAL a prestar assistência técnica e disponibilizar recursos financeiros, na forma prevista em programa do Ministério das Cidades, ao  Município  de São  Gonçalo  para a elaboração  do  projeto  de regularização fundiárias sustentável mencionado no primeiro item deste pedido; iv) condenar a UNIÃO FEDERAL a elaborar, no prazo máximo de 01 ano, por intermédio da Secretaria de Patrimônio da União e de forma coordenada com as ações requeridas em face do Município de São Gonçalo, plano de ação visando a identificação, demarcação, cadastramento, registro e fiscalização de terrenos de marinha e de bens imóveis de sua propriedade na orla marítima de São Gonçalo, declarando-se eventualmente o interesse social para implantação de projetos de regularização fundiária, promovendo a desocupação/desapossamento nas situações em que seja inviável a regularização; v) condenar os requeridos ao pagamento de multa cominatória diária, em valor não inferior  a  R$  5.000,00  (cinco  mil  reais),  por  eventual  descumprimento  de obrigação fixada em sentença, com o depósito dos valores em conta vinculada a esse Juízo, a serem revertidos ao Fundo Nacional dos Direitos Difusos, de que trata o artigo 13 da Lei nº 7.347.

O cerne da controvérsia reside na possibilidade de controle judicial sobre a política fundiária do Município de São Gonçalo e da União Federal, relativa à regularização fundiária das áreas de ocupação desordenada do entorno da Bahia de Guanabara, em manguezais e, possivelmente, em terrenos de marinha. A sentença julgou improcedentes os pedidos sob o fundamento de que a concessão de tutela judicial para a regularização fundiária pleiteada na presente demanda coletiva importaria em violação ao princípio da separação dos poderes e à cláusula da reserva do possível. Assim, para o correto deslinde da questão, passo à análise das premissas relacionadas à separação dos poderes, à reserva do possível, à discricionariedade administrativa e à judicialização das políticas públicas, para, a seguir, apreciar a remessa necessária e o recurso de apelação.   I. Separação de Poderes: reserva do possível e discricionariedade administrativa A reserva do possível se manifesta para afirmar a prerrogativa do legislador e do orçamento – no exercício da sua discricionariedade política - definir quais deveres de prestação extraídos diretamente da Constituição serão impostos ao Estado. Contudo, não está na esfera de disponibilidade da legislação esvaziar  o  mínimo  existencial  ou  direitos  previamente  constituídos,  sob  pena  de  implicar inconstitucionalidade por omissão (É a reserva do possível um limite à intervenção jurisdicional nas políticas públicas sociais? Revista de Direito Administrativo Contemporâneo, v. 2, p. 163-185, 2013). Ademais, não haverá ofensa à separação de poderes, caso estejamos no plano infralegal de controle de discricionariedade administrativa e se a opção exercida pela autoridade administrativa ultrapassar os limites da lei ou ofender direitos fundamentais ou princípios fundamentais. De fato, em principio, não cabe o controle judicial dos poderes discricionários das autoridades públicas, salvo se exercidos fora dos limites da  lei  e  tenham  contrariado  direitos  fundamentais  e  princípios  constitucionais,  como  os  da proporcionalidade  e  da  igualdade  (art.  4º  do  Código  Modelo  Euro-Americano  de  Jurisdição Administrativa. Disponível em: ). Registre-se que a omissão do Poder Público pode ser fruto  de uma discricionariedade. E se assim

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for, o controle judicial caberia apenas quando demonstrado que o exercício dessa discricionariedade (omissão) pecasse contra a proporcionalidade (meio idôneo, necessário, proporcional) e demais princípios e direitos fundamentais. No mesmo sentido, vale destacar os seguintes precedentes do Supremo Tribunal Federal (STF): AI 800.892  Agr/BA,  Rel.  Min.  DIAS  TOFFOLI:  “o  Tribunal  de  origem  não  divergiu  da  pacífica jurisprudência desta Corte no sentido de que não viola o princípio da separação dos poderes o controle pelo Poder Judiciário de ato administrativo eivado de ilegalidade ou abusividade, o qual envolve a verificação da efetiva ocorrência dos pressupostos de fato e direito, podendo o Judiciário atuar, inclusive, nas questões atinentes à proporcionalidade e à razoabilidade” (disponível em: ); RMS  24.699,  Rel.  Min.  EROS  GRAU,  sobre  o  controle  de  atos  baseados  em  conceitos  jurídicos indeterminados,  assenta que “[...]  o  Poder  Judiciário  vai à análise do  mérito  do  ato  administrativo, inclusive fazendo atuar as pautas da proporcionalidade e da razoabilidade, que não são princípios mas sim critérios de aplicação do direito, ponderados no momento das normas de decisão. [...] O fato, porém, é que, nesse exame de mérito do ato, entre outros parâmetros de análise de que para tanto se vale, o Judiciário não apenas examina a proporção que marca a relação entre meios e fins do ato, mas também aquela que se manifesta na relação entre o ato e seus motivos, tal e qual declarados na motivação” (Disponível em:
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