REJEIÇÃO DA DENÚNCIA.DADOS SIGILOSOS.VIOLAÇÃO.TRÁFICO DE DROGAS

July 6, 2017 | Autor: A. Pêcego | Categoria: Direito Processual Penal, Direito Penal, Direitos Fundamentais e Direitos Humanos
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Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Uberlândia - MG

CONCLUSÃO Aos 09.07.2015, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal desta Comarca. A Escrivã/Escrevente.

Autos nº 0702.15.XXXXX-9

Vistos etc. O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por meio de seu Órgão oficiante neste juízo, DENUNCIOU RONAN C.J., devidamente qualificado à inicial, pela prática do delito do art. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006 (fls. 01D/01-Dv. - Cr). Instrui a denúncia com o Inquérito Policial (fls. 01/60 - Cr). O denunciado foi notificado (fls. 64/66 - Cr), foi juntado Laudo Toxicológico Definitivo (fls. 52/53 - Cr), e apresentou defesa preliminar alegando a ausência de justa causa em face da obtenção de prova por meio ilícito (fls. 97/100 - Cr, inclusive o verso), tendo o Ministério Público se manifestado (fls. 101 - Cr). Nesta fase, os autos vieram-me conclusos nos termos do arts. 55, §4º, da Lei n. 11.343/2006, este é o relatório. Fundamento e decido. A denúncia descreve que policiais militares em cumprimento de mandado de prisão preventiva se dirigiram à residência de RONAN e o 1

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abordaram, momento em que o denunciado foi encaminhado para a Unidade de Atendimento Integrado em face de seu quadro físico para atendimento médico. No local, os policiais, na posse do telefone celular do denunciado, perceberam que chegavam mensagens solicitando a venda de drogas e, em face deste cenário, com a recusa de RONAN em fornecer seu endereço, com base nas mensagens enviadas ao seu telefone, descobriram o endereço em que o mesmo residia e de posse de um molho de chaves que estava na posse de RONAN, ingressaram no interior da residência, localizando e apreendendo, supostamente no local, as drogas mencionadas na denúncia (fls. 01-D/01-D - Cr). De plano, em sendo assim, constata-se que a ação policial posterior ao cumprimento do suposto mandado de prisão – isto porque sequer consta dos autos sua cópia -, que permitiu o alegado encontro das drogas na residência de RONAN, contaminou por derivação a prova do suposto crime de tráfico de drogas imputado, uma vez que constitucionalmente é inadmissível a produção de provas ilícitas, nos termos do art. 5º, LVI, da CF (“são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meio ilícitos”). Vejamos: 1) violaram descaradamente o sigilo telefônico do denunciado, sem qualquer amparo legal; e, 2) depois se dirigiram até sua residência, mesmo sem qualquer mandado judicial de busca e apreensão e lá adentraram porque estavam na posse do molho de chaves de RONAN que estava hospitalizado. Sobre um desses aspectos, dispõe o art. 5º, XII, da CF: é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; O Direito, como não poderia deixar de ser, tende a evoluir com a sociedade e, em consequência, a interpretação da norma deve ser revisitada para 2

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uma correta ou melhor adequação ao espaço temporal em que se desenvolve o Direito. Quando da Constituição Federal de 1988 não haviam ainda celulares no Brasil que teve como seu primeiro modelo o Motorola PT-550 na década de 901, o que comprova que com o avanço da tecnologia do telemóvel do analógico para o digital, muitas e novas possibilidades de comunicação surgiram, como o whatsapp, meio idôneo que tem até permitido, conforme se noticia atualmente, a intimação judicial de pessoa no estrangeiro. Nesse sentido, não se pode ter como integrante do conceito de dados telefônicos os eventuais registros de números e conversas telefônicas, como a jurisprudência do STF já vem decidindo, contudo, considerando a evolução da sociedade nesses últimos 25 anos, há de se admitir que há privacidade inerente nas conversas pelo whatsapp e mensagens telefônicas pessoais, estas espécies do gênero dados telefônicos, devendo ser resguardado judicialmente o sigilo dessas comunicações, salvo se houver autorização judicial, como constitucionalmente assegurado. Lado outro, é certo que as condutas nucleares guardar ou ter em depósito drogas do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 caracterizam o delito como permanente que é aquele em que a situação de flagrante se protrai no tempo, mas não é o que se verifica no caso. Não havia a certeza da prática de um crime na residência de RONAN que configurasse um flagrante de forma a autorizar a investida policial sem autorização da autoridade judicial competente, nos termos do art. 5º, da CF, muito pelo contrário, o que havia era uma presunção que na casa de RONAN poderia haver drogas, presunção essa que decorreu da quebra ilegal do sigilo telefônico de RONAN decorrente da ação dos policiais que ficaram vasculhando o que continha suas mensagens privadas. 1

Motorola PT-550 foi o primeiro celular comercializado no Brasil. Disponível em: . Acesso em 13 jul 2015.

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A polícia numa democracia, como já assinala Jacques Derrida, pode ser pior do que aquela que atua em uma monarquia, uma vez que naquela ela tem a possibilidade de concentrar em si a violência fundadora e a conservadora, não podendo o Judiciário, como a última trincheira de um Estado Democrático de Direito estar a seu serviço para legitimar uma violência conservadora. Dessa forma, repita-se, o que levou os policiais até à residência do denunciado foi a suspeita do envolvimento de RONAN com o tráfico de drogas em face da violação de seu sigilo telefônico, e pasmem, o ingresso na residência sequer foi franqueado por alguma pessoa ligada ao denunciado ou por ele próprio, muito pelo contrário, decorreu do fato dos policiais militares terem se apoderado indevidamente de um molho de chaves que estava na posse de RONAN para ingressar no local. Nesse sentido, toda a prova produzida está contaminada por derivação, tornando ilícita e inconstitucional a prova produzida, uma vez que, repita-se mais uma vez, é inadmissível no nosso ordenamento jurídico macular o sigilo telefônico, no que se insere o que consta de seu conteúdo em termos de mensagens pessoais por serem dados e não meros registros telefônicos, sem prévia anuência judicial. Em sendo assim, houve grave violação também ao disposto no art. 1º da Lei n. 9.296/1996 que prescreve: “Art. 1.º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para a prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”.

Em decorrência dessas circunstâncias, se constata que falta à denúncia condição de procedibilidade da ação penal, uma vez que não pode se lastrear em prova ilícita, no caso, a grave e inadmissível violação do sigilo telefônico e do domicílio do denunciado. 4

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Sobre esse aspecto, mutatis mutandis, trazemos à colação importantes julgados: TJMG: APELAÇÃO CRIMINAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. IMPERTINÊNCIA. PROVAS OBTIDAS POR MEIOS ILÍCITOS. CONTAMINAÇÃO DAS DEMAIS. PRINCÍPIO DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. APLICABILIDADE. PRECEDENTES DO STF. RECURSO DESPROVIDO. É ilícita a prova obtida sem observância da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio, sendo igualmente ilícitas, por contaminação, as dela decorrentes. Aplicação da teoria dos Frutos da Árvore Envenenada (fruits of the poisonous free). Precedentes do STF.” (ACrim nº 1.0079.03640803/001. Rel. Des. Matheus Chaves Jardim, j. 28.06.2012, pub. 09.07.2012). TJRJ: TRÁFICO DE DROGAS E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELO MINISTERIAL COM A PRETENSÃO DE SEREM EXASPERADAS AS PENAS DOS RÉUS E RECURSO DESTES COM O OBJETIVO DE SEREM ABSOLVIDOS, EM RAZÃO, SOBRETUDO, DA ILICITUDE DA PROVA. PROVIDO O APELO DEFENSIVO CONJUNTO, EIS QUE HOUVE VIOLAÇÃO DA PRIVACIDADE DOMICILIAR, O QUE NÃO É AUTORIZADO NEM NO ESTADO DE DEFESA E, MUITO MENOS, EM CASO DE OCUPAÇÃO DE FAVELA. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁS DE SOLTURA. PREJUDICADO O RECURSO MINISTERIAL. (Apelação nº 0024240-10.2012.8.19.0202. Rel. Des. Nildson Araujo da Cruz, j. 06.03.2015, pub. 07.07.2015).

Ainda sobre a ilicitude da prova, leciona Luiz Francisco Torquato Avolio2: "Não resta dúvida, como afirmou Ada Grinover, que a Constituição deixou em aberto a questão da admissibilidade das provas ilícitas por derivação. Mas se nos afigura primordial, como pareceu a Trocker, perquirir a ratio das normas violadas pelo comportamento contrário à Constituição. Desta forma, efetuando o mesmo raciocínio utilizado pelo autor peninsular, se a prova ilícita tomada por referência comprometer a proteção de valores fundamentais, com a vida, a integridade física, a privacidade ou a liberdade há de contaminar a prova dela referida, tornando-a ilícita por derivação, e, portanto, igualmente inadmissível no processo".

Ante o exposto, REJEITO A DENÚNCIA com base no art. 395, III, do CPP, por faltar justa causa para o exercício da ação penal que não se pode lastrear em provas ilícitas para imputar a prática de infrações penais. Em estando preso, expeça-se alvará de soltura, se por al não estiver preso. 2

Provas ilícitas : interceptações telefônicas, ambientais e gravações clandestinas / Luiz Francisco Torquato Avolio. - 3. ed. rev., ampl. e atual. em face das Leis 9.296/96 e 10.217/2001 e da Jurisprudência. - São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2003.

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M. C. Intimem-se. Transitada, proceda-se como de praxe. Uberlândia/MG, 13 de julho de 2015.

Antonio José F. De S. Pêcego Juiz de Direito

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