“Relações de gênero” na formação jurídica: desafios após o advento da Lei Maria da Penha

August 23, 2017 | Autor: A. Antunes Martins | Categoria: Direito, Feminismo, Sociologia do Direito, Ensino Jurídico
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ABEDi Associação Brasileira de Ensino do Direito

Brasília, 2015

ANAIS COMPLETOS DO VIII CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DO DIREITO (ABEDi)

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DO DIREITO – ABEDi

ANAIS COMPLETOS DO VIII CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DO DIREITO (ABEDi) 1ª EDIÇÃO

Associação Brasileira de Ensino do Direito – ABEDi Brasília, 2015

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DO DIREITO – ABEDi Obra licenciada em Creative Commons Atribuição – Uso não comercial – Não a obras derivadas

Impresso no Brasil / Printed in Brazil Fechamento da edição – janeiro de 2015 Os conceitos, argumentos e opiniões são de responsabilidade exclusiva dos seus autores. Organização, diagramação e produção: Alexandre Veronese Revisão: Otavio Luiz Rodrigues Junior Ficha catalográfica elaborada pela equipe técnica da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva (Superior Tribunal de Justiça / STJ)

SUMÁRIO

Apresentação: os desafios da educação jurídica global (Alexandre Veronese)............................................................................

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Programação do VIII Congresso Nacional da ABEDi...............................................................................................................

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A importância das escolas da magistratura para o contexto da educação jurídica brasileira (Ministro Humberto Martins)..................................................................................

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Resumos expandidos do grupo de trabalho “extensão na área jurídica: debates e desafios”.............................................................................................

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Ensino jurídico e meios alternativos para o tratamento dos conflitos: a mediação no ensino jurídico – experiências do centro de assistência jurídica da Universidade Federal Fluminense (Delton Ricardo Soares Meirelles, Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos, Esther Benayon Yagodnik, Giselle Picorelli Yacoub Marques) .................................

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Combinando ensino e extensão na prática pedagógica do direito: relato de uma experiência (Flávia Almeida Pita)...................................................................................................................

43

O acesso à justiça e a importância do trabalho realizado pelos escritórios­escola das faculdades de direito: a realidade ludovicense (Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha, Carolina dos Santos Mendonça Lima, Thales da Costa Lopes, Luana Celina Lemos de Moraes, Amanda Silva Madureira)......................................................................................................

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Universidades aliadas por medicamentos essenciais (UAEM): extensão universitária em prol do direito à saúde (Rachelle Balbinot).....................................................................................

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Resumo expandido do grupo de trabalho “pesquisa em direito: questões contemporâneas”...............................................

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Limites e oportunidades da pesquisa em direito no Brasil: o papel da pós­graduação stricto sensu (Isaac Reis)........................

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Resumos expandidos do grupo de trabalho “novos desafios ao ensino do direito”...........................................................

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A formação acadêmica em direito e a preparação para concursos públicos: conexões e disputas no interior do campo jurídico (Aline Sueli de Salles Santos).................................

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O direito à educação e a autonomia das universidades públicas no Brasil (Amanda Madureira, Edith Maria Barbosa Ramos, Márcio Flávio Lima da Silva)..................................................

83

“Relações de gênero” na formação jurídica: desafios após o advento da Lei Maria da Penha (Ana Paula Antunes Martins, Lívia Gimenes Dias da Fonseca)............................................................

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Experiências de estratégias pedagógicas no ensino jurídico sob uma nova perspectiva (Ana Paula Sales, Wladimir Cerveira de Alencar)...................................................................................

96

A (não) adaptação do ensino do direito ao paradigma do estado democrático de direito (Angela Araujo da Silveira Espíndola, Ariane Farvezani da Luz, Fabiane Carla Pilati, Marina Teixeira Monteiro)......................................................................

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A toga e a espada: o ideal de formação do jurista politicamente engajado e socialmente responsável (Beatriz Bartoly, Esdras Dantas de Souza).........................................................

109

Entre modelos de ensino jurídico: um estudo de caso a partir da experiência de monitoria na disciplina teoria geral do processo * Delton Ricardo Soares Meirelles, Gabriel G. S. Lima de Almeida, Gabriela Sepúlveda Stellet)..............................................................................................................

116

A mediação pode ser ‘ensinada’ no curso de direito? (Delton Ricardo Soares Meirelles, Isabela Dantas)........................................

121

Educação aristocrática e ensino do direito (Felipe Adaid, Samuel Mendonça)......................................................................................

127

Problematizando a didática no ensino do direito: entre as âncoras da tradição e as boias coloridas da inovação - a necessidade de transformação da educação jurídica (João Virgílio Tagliavini)......................................................................................

135

O ensino jurídico (simplificado) brasileiro: um ‘delivery’ de verdades que se comem rápido e intoxicam (José Carlos Kraemer Bortoloti, Thaise Nara Graziottin Costa)........................

142

Educação jurídica e corpo: na construção de um novo paradigma (Rafael de Deus Garcia).....................................................

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A interdisciplinaridade como desafio contemporâneo ao ensino jurídico Simone Trindade da Cunha, Beatriz de Castro Rosa, Katherinne de Macedo Maciel Mihaliuc, Janine de Carvalho Ferreira Braga),..................................................................

155

Resumos simples, organizados por sobrenome do primeiro autor e em ordem alfabética.........................................

163

Diretoria da ABEDi – Biênio de 2012-2014...............................

193

Diretoria da ABEDi – Biênio de 2015-2016...............................

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Anais completos do VIII congresso nacional da ABEDi – 2015

APRESENTAÇÃO: OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO JURÍDICA GLOBAL.

ALEXANDRE VERONESE Presidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito – ABEDi e Professor Adjunto de Teoria Social e do Direito da Universidade de Brasília – UnB O debate sobre a questão da educação na área de direito no Brasil é bastante tradicional. A autorização para abertura dos cursos jurídicos no país, havida com a aprovação da Lei de 11 de agosto de 1827, está refletida no tema, que possui uma evidente relação com o conceito de uma soberania nacional e de uma identidade pátria. Todavia, formar juristas não é uma questão meramente técnica, pelo prisma mencionado antes, também é uma questão política e de desenvolvimento social e econômico. Se tomarmos Max Weber como uma referência analítica da questão, teremos evidenciado que a estabilização de um sistema social e econômico no qual haja a interveniência capacitada de juristas é um ponto relevante para a estruturação econômica de um país. Mas, também, é assim em relação ao prisma simbólico. Possuir um sistema jurídico efetivo e sintonizado com o mundo significa ser um país viável e, porque não indicar, confiável ao sentimento moderno. No âmbito do século XIX, as nações da América do Sul estavam envolvidas em processos de afirmação – perante o mundo e si mesmas – de sua emancipação em relação aos antigos impérios coloniais de Portugal e de Espanha. Nesse contexto, formar juristas era parte de um processo de capacitação técnica de cidadãos nacionais para o desempenho de diversas funções, que envolvia também a área de medicina, de engenharia e de estudos militares. Essa formação preliminar foi realizada no Brasil sem que houvesse uma estrutura universitária no sentido pleno da palavra. As escolas eram isoladas e a

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pesquisa científica incipiente e muito pouco apoiada. O quadro permaneceu assim por décadas e décadas. Em um salto de séculos, é possível indicar que muitas mudanças ocorreram no período recente e que a função dos cursos de direito não está mais tão relacionada com a afirmação de uma identidade nacional em contraposição ao mundo. Mas, o desafio ao desenvolvimento do país continua. A formação de juristas – atualmente – está desafiada pela necessidade de integração social e econômica do nosso país ao sistema mundial, sem que isso signifique a perda simbólica de nossa identidade cultural e autonomia produtiva. É muito delicado o tema. Uma das mudanças mais evidentes desse contemporâneo desafio é o fomento à integração de pesquisa pelos programas governamentais, que se acentuou muito. Basta indicar o Programa “Ciência Sem Fronteiras” para ter como evidente o problema da internacionalização em relação às instituições educacionais. O referido programa possui dois polos. Um está situado na Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, a CAPES; e o outro está alocado ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, CNPq. O primeiro está no âmbito da formação de pessoal. O segundo está ligado com a produção de pesquisa. Não é possível que o Brasil avance significativamente no campo educacional sem que capacitemos – em nível internacional – os nossos discentes, com uma visão que uma pesquisa e ensino de forma plena. Esse cenário repercute em alguma medida nos cursos de direito, uma vez que os mesmos deveriam estar direcionados para uma formação plural que inserisse os discentes em um contexto cultural bem mais amplo. É como dizer que é necessário se produzir um “Direito Sem Fronteiras” no cerne da educação jurídica. Ele ainda está por se construir. Como será feito? Atenta a tal dilema, a Associação Brasileira de Ensino do Direito – ABEDi – não mediu esforços para que esse debate pautasse o seu VIII Congresso Nacional. A conferência de abertura foi magistralmente proferida pelo Professor Joaquim Falcão. Envolvido diretamente com a construção de

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um diferenciado projeto pedagógico, na Escola de Direito do Rio de Janeiro, da Fundação Getúlio Vargas (FGV Direito Rio), o Professor Joaquim Falcão bem evidenciou esse dilema. Qualquer curso de direito com os mínimos recursos possui condições de ofertar conteúdos que atendam as normas regulamentares emanadas pelos órgãos estatais (Ministério da Educação, Conselho Nacional de Educação e CAPES). Qual será o diferencial, contudo? O desafio é privilegiar a experimentação e a liberdade pedagógica em meio ao emaranhado de regras, que – no mais das vezes – acabam por fixar cursos de graduação padronizados e, porque não dizer, esterilizados. Assim, os cursos que seguem “receitas de bolo” podem ser cursos úteis para uma preparação em direção aos concursos públicos. Eles podem ser bons para ajudar aos seus egressos a perseguir uma aprovação no Exame Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil. Mas, será que – de modo amplo – o sistema brasileiro de formação jurídica está apto a resolver o desafio da internacionalização e da pesquisa em patamar mundial? O Professor Joaquim Falcão era pessimista sobre o tema, sem criticar quaisquer dos atores envolvidos. É um dilema da nação, em suma. Ele tem receio do que o “novelo de regrinhas” atrapalha mais do que ajuda. Acredito que tem razão nas suas dúvidas. Um bom exemplo está relacionado com um problema administrativo, que é a revalidação de diplomas de graduação e de pós-graduação emitidos em países estrangeiros; é um problema vivido no cotidiano das universidades. As normas procedimentais – decorrentes da Resolução CES/CNE nº 01/2011 – não apresentam problemas ao sistema. Os problemas são referidos à substância. Para detalhar o exemplo, o cerne da questão está relacionado com a palavra “equivalência”. Esse é o centro do problema. Imaginemos um curso de excelência, realizado no exterior, no qual se discutam temas tão inéditos que nunca tenham sido tratados no Brasil. Não haverá equivalência? Tal conteúdo cursado no exterior não possui valia? Mesmo que seja considerado bom, ele não servirá para ofertar créditos revalidados, pois não seria “equivalente”? Ora, os dilemas não são procedimentais. Os dilemas são

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substantivos. E podem ser resumidos: como lidar com o novo e com o diferente? É nesse grande dilema que a pesquisa desempenha um papel vital. Cursos realmente inovadores possuem tal foco. O Professor Joaquim Falcão sabe disso e na sua Escola estruturou vários centros de pesquisa que nutrem seu curso de graduação de atividades e interação com a graduação. A formação de laboratórios efetivos nos quais os discentes de graduação sejam inseridos é um dos diferenciais possíveis. Tal solução é demonstrada pela experiência daquele curso de graduação e de outros. Mas, devem existir outros meios. Quais são? Cientes do desafio e desse tema, não poderia a comissão organizadora do VIII Congresso Nacional da ABEDi deixar de abrir um importante espaço para debates relativos ao ensino, à pesquisa e à extensão. Ouvir e debater experiências. Esse espaço aberto foi representado pelos Grupos de Trabalho. É a abertura aos debates em tais espaços que permite a ampliação da discussão e, também, a troca de informações entre os pesquisadores. Não é nada novo. A Associação já havia realizado congressos com tal formato. Mas, nos últimos anos, os debates estavam ocorrendo no âmbito dos Seminários Nacionais sobre Ensino Jurídico e Formação Docente. Eles têm ocorrido anualmente e reúnem um excelente espaço de debates, no qual a graduação tem papel decisivo. O primeiro deles foi realizado na Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV). O segundo ocorreu no Centro Universitário de Brasília (UNICEUB). O terceiro será realizado em 2014 na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tais eventos são construídos pela rede de professores e de alunos que se mobilizam para manter o debate vivo. A ABEDi se orgulha em apoiar e participar da rede, sem a pretensão de se arvorar ser um nó central ou o espaço principal. Afinal, o local privilegiado para o debate acerca da educação jurídica está no cotidiano e no cerne dos cursos de direito. A função da ABEDi é facilitar e apoiar esse debate.

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O presente livro de resumos – fruto do esforço da comissão organizadora, bem como apoio imprescindível da Secretaria de Documentação e da Biblioteca Ministro Oscar Saraiva, do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – é um tributo aos pesquisadores que têm movimentado os debates sobre temas novos e tradicionais referidos à educação jurídica. É um volume de retomada. Assim, a ABEDi espera que o mesmo frutifique em outros produtos, nos quais os debates feitos no VIII Congresso Nacional possam ser amplificados e nos quais a Associação possa apoiar mais e mais quem produz reflexões inovadoras sobre os dilemas da formação em direito no Brasil, para o mundo.

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PROGRAMAÇÃO VIII CONGRESSO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DO DIREITO – ABEDi – “Desafios da Educação jurídica brasileira no Século XXI”

CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA (UniCEUB) 07 ATÉ 09 DE MAIO DE 2014

Quarta – 07 de maio de 2014 18h, MESA DE ABERTURA 19h, CONFERÊNCIA DE ABERTURA: Educação jurídica global? Professor Joaquim Falcão (Fundação Getúlio Vargas, FGV Direito Rio). Debatedor – Roberto Freitas Filho (Centro Universitário de Brasília, UniCEUB).

Quinta – 08 de maio de 2014 9h, MESA REDONDA: Direitos autorais e material didático – problemas e soluções Presidente: Bruno Lewicki (Diretor de Comunicação da ABEDi e Assessor na Câmara dos Deputados). Palestrantes: Paulo Palhares (Professor do Centro Universitário de Brasília, UniCEUB), Antonio Carlos Morato (Professor Doutor do Departamento de

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Direito Civil da Universidade de São Paulo, USP) e Frederico Barbosa da Silva (Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, IPEA; e Professor do Centro Universitário de Brasília, UniCEUB). 11h, EXPOSIÇÃO E DEBATE: Projetos pedagógicos irrealizado Presidente: André Karam Trindade (Professor da Faculdade Meridional, IMED). Palestrantes: Lenio Streck (Professor da Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS – e da Universidade Estácio de Sá, UNESA); Loussia Felix (Professora da Universidade de Brasília, UnB); Roberto Freitas Filho (Professor do Centro Universitário de Brasília, UniCEUB).

14h, OFICINAS E GRUPOS DE TRABALHO

18h, MESA REDONDA: As transições na regulação da educação jurídica Presidente: Alexandre Veronese (Diretor da ABEDi e Professor da Universidade de Brasília, UnB). Palestrantes: Adalberto do Rêgo Maciel Neto (Diretor de Política Regulatória da Secretaria de Regulação do Ensino Superior do Ministério da Educação, SERES-MEC); Ângela Araújo Espíndola (Diretora da ABEDi e Professora da Faculdade Meridional – IMED – e da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM); Fernando de Castro Fontainha (Diretor da ABEDi e Professor da Fundação Getúlio Vargas, FGV Direito Rio).

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Sexta – 09 de maio de 2014 9h, PALESTRAS: O papel das escolas profissionais na educação jurídica Presidente: Otavio Luiz Rodrigues Junior (Diretor da ABEDi e Professor Doutor do Departamento de Direito Civil da Universidade de São Paulo, USP). Palestrantes: Ministro Humberto Martins (Superior Tribunal de Justiça e Vice-Diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, ENFAM); José Geraldo de Souza Junior (Professor da Universidade de Brasília – UnB – e membro da Comissão Nacional de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB Federal); Sérgio Luiz Junkes (Diretor da Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB).

11h, MESA DE DEBATES: Relações discentes e docentes: um balanço Presidente: Solange Ferreira de Moura (Vice-Presidente da ABEDi e Professora da Universidade Estácio de Sá). Palestrantes: Adriana Ancona Faria (Coordenadora da Fundação Getúlio Vargas, FGV Direito SP); Caio Augusto de Souza Lara (Federação dos Pósgraduandos em Direito, FEPODI); Esdras Dantas (Presidente da Comissão Nacional de Estudantes de Direito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, OAB Federal); Felipe Augusto Damasceno (Graduando da Universidade de Brasília – UnB – e representante da Federação Nacional de Estudantes de Direito, FENED).

14h, OFICINAS E GRUPOS DE TRABALHO

18h, ASSEMBLÉIA-GERAL DA ASSOCIAÇÃO E ENCERRAMENTO

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COMISSÃO ORGANIZADORA LOCAL Alexandre Veronese (Diretor da ABEDi e Professor da Universidade de Brasília, UnB); Beatriz Bartoly (Professora da União Pioneira de Integração Social, UPIS); Ivanilda Figueiredo (Professora do Centro Universitário de Brasília, UniCEUB); Julia Maurmann Ximenes (Professora do Instituto Brasiliense de Direito Público, IDP); Luciana Barbosa Musse (Professora do UniCEUB).

COMISSÃO CIENTÍFICA NACIONAL Ângela Espíndola (Diretora da ABEDi e Diretora da ABEDi e Professora da Faculdade Meridional – IMED – e da Universidade Federal de Santa Maria, UFSM); Evandro Menezes de Carvalho (Professora da Universidade Federal Fluminense – UFF e da Fundação Getúlio Vargas, FGV Direito Rio); Fábio Sá e Silva (Pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA – e Professor da Universidade de Brasília, UnB); Fernando de Castro Fontainha (Diretor da ABEDi e Professor da Fundação Getúlio Vargas, FGV Direito Rio); Frederico Almeida (Diretor da ABEDi e Professor da Universidade Estadual de Campinas, UNICAMP); Lenio Streck (Professor da Universidade do Vale dos Sinos – UNISINOS – e da Universidade Estácio de Sá, UNESA); Livia Gaigher Campello (Professora da Universidade de Marília, UNIMAR); Otavio Luiz Rodrigues Junior (Diretor da ABEDi e Professor da Universidade de São Paulo, USP); Roberto Fragale Filho (Professor da Universidade Federal Fluminense, UFF); Roberto Freitas Filho (Professor do Centro Universitário de Brasília, UniCEUB).

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A IMPORTÂNCIA DAS ESCOLAS DA MAGISTRATURA PARA O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA BRASILEIRA

MINISTRO HUMBERTO MARTINS Ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Corregedor-Geral da Justiça Federal, Diretor do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) do Conselho da Justiça Federal (CJF) e Vice-Diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM).

ANTECEDENTES DA CRIAÇÃO DAS ESCOLAS DA MAGISTRATURA E A EVOLUÇÃO RECENTE DO DEBATE SOBRE O ENSINO JURÍDICO As escolas da magistratura têm sido constituídas no Brasil ao longo dos anos com a função de efetivar o aperfeiçoamento continuado de magistrados e, ainda, de auxiliar no processo de incorporação dos novos juízes à carreira, seja auxiliando os ingressantes com cursos de formação durante seu período de vitaliciamento. Esse processo institucional de construção de escolas judiciais e judiciárias ganhou o reconhecimento constitucional com a Emenda n. 45/2004, denominada de Reforma do Judiciário. Essa Emenda à Constituição Federal incluiu diversas modificações nas competências dos tribunais, bem como previu a instituição de colegiados administrativos para o controle do Poder Judiciário e do Ministério Público, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). No contexto de tais mudanças, foi prevista a implementação de uma Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), com a pretensão de se estruturar na entidade central de um sistema brasileiro de formação e aperfeiçoamento de juízes, nos termos do inciso IV do art. 93,

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da Constituição Federal. Assim, a ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados foi prevista para funcionar junto ao Superior Tribunal de Justiça, nos termos do inciso I do parágrafo único do art. 105 da Constituição Federal. É de notar que a previsão constitucional, por meio da emenda da Reforma do Judiciário, decorre de um processo gerencial que teve origem nas várias experiências de criação e expansão de escolas judiciais e judiciárias. Assim, a determinação para criação de uma Escola Nacional é a evidência de um reconhecimento – por parte do poder constituinte derivado – da relevância dessas estruturas administrativas para o bom funcionamento do Poder Judiciário. O processo, contudo, tem origem em associações e fundações, usualmente ligadas às corporações da magistratura e do Ministério Público, sem esquecer das escolas superiores da advocacia, historicamente mais antigas e que se inserem nessa tradição. Daí se denominar que estas – criadas pela vida associativa – seriam “escolas judiciais”, ao passo em que as outras – criadas no cerne da organização administrativa dos tribunais – seriam “escolas judiciárias”. Essa distinção entre “escolas judiciais” e “escolas judiciárias”, que não é muito conhecida fora dos meios especializados, diz muito sobre esse processo, que, na verdade, foi uma etapa de amadurecimento das instituições. De certo modo, é possível traçar um paralelo entre a instituição dessas escolas no âmbito da magistratura e a Emenda Constitucional n. 19/1998, que previu a necessidade de criação das escolas de governo e de administração pública. O Superior Tribunal de Justiça não se quedou inerte após a promulgação da Emenda Constitucional n. 45/2004 e, de forma célere, iniciou os trabalhos técnicos para estruturação da ENFAM1. Realizou-se uma grande pesquisa para subsidiar a instituição da Escola Nacional de Formação e Um bom histórico da empreitada dos Ministros envolvidos nos primeiros passos da ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados – pode ser conferido em: CALMON, Eliana. Escolas da magistratura. Revista da Escola Nacional da Magistratura, v. 1, n. 2, p. 18-25, out. 2006. 1

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Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), composta por coletânea de oito volumes, publicada em 2006. Essa coletânea reuniu as histórias de criação das escolas judiciais e judiciárias brasileiras, bem como consolidou vários materiais para permitir uma importante reflexão, útil para basear a construção dessa Escola Nacional2. A partir deste importante trabalho, é possível apreender que as escolas da magistratura foram criadas em razão da preocupação dos tribunais com um alegado déficit de formação básica dos candidatos à carreira judicial. No primeiro volume da coletânea, encontra-se menção explícita ao fato de que haveria uma “precariedade nos curso de direito”, bem como “a falta de uma preparação prévia da prática jurídica”. Na mesma narrativa, se indica que um dos motivos para criação de escolas judiciais decorreria da percepção de que havia problemas de preparação ao concurso e à investidura na função judicante pelos candidatos. Bem se visualiza que o tema das escolas da magistratura – de imediato – reverbera no tema da preparação dos egressos dos cursos de graduação em direito. Assim, a educação jurídica é um tópico recorrente, que se revela quando se põe em causa a condição de candidatos aos concursos públicos para ingresso na carreira da magistratura, ou, ainda, a condição de aprovados e, assim, de juízes novatos, no início da carreira. Como é comum em tais situações, o diagnóstico geral é partilhado pela maioria dos analistas. Desta forma, é razoável identificar que a visão da magistratura sobre os problemas da educação jurídica não é muito diversa do olhar da Ordem dos Advogados do Brasil e de pesquisadores das universidades. O diagnóstico acima indicado – de déficit de formação prática – é continuado no debate sobre a educação jurídica dos últimos trinta anos. Um exemplo dessa afirmação pode ser visto na Portaria n. 1886/1994 que representou uma importante mudança de perspectiva no que deveria ser Superior Tribunal de Justiça. Subsídios à implantação da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) no Superior Tribunal de Justiça. Brasília: STJ, 2006, 8 v. 2

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o currículo dos cursos de graduação em direito. Uma das grandes inovações da Portaria n. 1886/1994 foi instituir – em seu art. 10 – a obrigatoriedade de um núcleo de prática jurídica, que deveria oferecer estágio supervisionado interno ao curso de direito, com um mínimo de trezentas horas de atividade reais ou simuladas. O núcleo de prática jurídica foi previsto como uma fonte de treinamento apto a permitir que o estudante pudesse tomar contato com atividades relacionadas à magistratura e ao Ministério Público e não somente com a advocacia, como está no § 1º do art. 10 da referida Portaria. Dez anos se passaram e mudaram as diretrizes curriculares para os cursos de graduação em direito, após um grande debate nacional. É preciso registrar que a Resolução n. 9/2004 do Conselho Nacional de Educação foi concebida com o apoio evidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito (ABEDi), que hoje é, para minha satisfação e honra, a anfitriã deste evento. O texto normativo de 2004 substituiu a mencionada Portaria n. 1886/1994 e dentre outros aspectos, manteve a obrigatoriedade de estágio curricular supervisionado a ser realizado no núcleo de prática jurídica. No novo ato regulamentar, detalhou-se, de modo mais didático, o modo como se deveria aferir o aprendizado prático – por meio de relatórios – e foi mantida a necessidade de formação ampla, ou seja, preparação à prática que não somente se resumisse à formação para a advocacia, mas, também, para as outras funções jurídicas. Uma crítica dirigida à Resolução n. 9/2004 – em cotejo à Portaria n. 1886/1994 – foi a exclusão da menção expressa aos conteúdos didáticos de mediação e conciliação. Cabe lembrar que a Ordem dos Advogados do Brasil sempre manteve a defesa da necessidade de que tais conteúdos fossem lecionados, bem como que o Ministério da Justiça é um importante propagador de tal conteúdo como meio relevante para resolução dos dilemas sociais inerentes ao conhecido e grave congestionamento processual do Poder Judiciário.

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É notório que técnicos do Ministério da Educação, membros da Ordem dos Advogados do Brasil e pesquisadores da Associação Brasileira de Ensino do Direito – há quase um ano têm debatido e oferecido sugestões para o aperfeiçoamento do marco regulatório da educação jurídica. É notório que a OAB fomentou dezenas de audiências públicas nos estados para debater o tema. A questão central ainda presente pode ser apreendida em algumas perguntas. Ainda temos problemas para estimular ou efetivar a formação dos estudantes para a prática jurídica? Como podem as escolas judiciais colaborar com a formação prática dos estudantes de direito? A formação direcionada à prática ainda é um grande problema.

A DIFÍCIL QUESTÃO DA ADEQUADA FORMAÇÃO À PRÁTICA JURÍDICA Como mencionado, um dos temas mais complexos da educação jurídica contemporânea é a questão da formação prática dos estudantes de direito. Esse problema é muito amplo e não somente aparece no debate educacional brasileiro. A propalada crise da educação jurídica nos Estados Unidos da América também trouxe esse debate para a esfera pública daquele país3. Os grandes escritórios de advocacia revelavam-se insatisfeitos em relação aos egressos dos cursos de direito que chegavam aos seus quadros. As grandes firmas consideravam que os novos advogados demandavam grandes salários – em razão da necessidade de fazer frente aos empréstimos vultosos, contraídos para pagar as caras anuidades e taxas dos cursos de direito – sem apresentar formação prática que fosse condizente com tal investimento.

Dois livros recentes são muito interessantes sobre o assunto: TAMANAHA, Brian. Failing law schools. Chicago, IL: The University of Chicago Press, 2012; WEST, Robin. Teaching law: justice, politics, and the demands of professionalism. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. 3

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Os escritórios de maior porte – por meio de seus analistas ou articulistas, que publicaram textos em revistas e na grande mídia, como a renomada New Yorker e outras – reclamavam desses custos e afirmavam que havia uma crise sem proporções na profissão jurídica dos Estados Unidos. Esse argumento foi refletido em livros como aquele publicado por Stephen Harper, no qual o autor alegava que havia uma bolha especulativa sobre a profissão jurídica que precisava se equilibrar4. O argumento central do autor está relacionado com os custos dos serviços jurídicos, que teriam sido inflados em decorrência dos elevados valores despendidos nas faculdades de direito. Todavia, existem outros autores que divergem desses argumentos e alegam que somente os escritórios mais elitistas (usa-se o termo “fancy”) estariam realmente preocupados com o tema. Eles reconheceriam que os custos das faculdades de direito seriam altos. Mas, que esse não seria o verdadeiro problema da educação jurídica. O dilema mais grave estaria relacionado com os fatores externos ao cotidiano das faculdades, em especial, com os enormes desafios do mundo jurídico contemporâneo. Assim, como colocam alguns dos articulistas da linha contrária, o mundo jurídico – e corporativo – estaria em radical processo de mudanças. Por causa dessas alterações, os cursos de graduação enfrentariam dificuldades inéditas para, efetivamente, preparar seus egressos para a prática jurídica, de feição bem diversa de seus padrões tradicionais. Não seria somente uma questão passível de solução por meio de equilíbrio econômico, ou seja, apenas diminuindo os custos dos cursos de Direito. Seria necessário mudar o conteúdo do que é lecionado. É evidente que esse debate é radicado nos Estados Unidos e na realidade de seus grandes escritórios de advocacia. Trata-se, portanto, de discussão externa ao objeto deste painel, centrado nas escolas de formação das instituições judiciárias brasileiras. No entanto, este tópico ajuda a formular uma questão que é muito relevante para quaisquer reflexões sobre a 4

HARPER, Stephen. The lawyer bubble: a profession in crisis. New York: Basic Books, 2013.

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difícil formação para a prática: a dinâmica de mudanças atuais e os custos envolvidos na formação jurídica. O magistrado de hoje não é mais o mesmo juiz de outrora. Houve uma alteração evidente de escala no trabalho do magistrado – é sabido que é necessário julgar mais no Brasil. Ocorreu, ainda, mudança evidente de qualidade – as causas complexas estão em debate, com seu grande impacto econômico e social. Basta pensar nas ações civis públicas de cunho ambiental e nos processos coletivos de consumo. A proteção judicial possui evidente impacto econômico na vida social – o aumento da proteção jurídica ocorre na mesma razão dos custos de produção, pois não há direitos sem que haja custos adjetivos em sua observância prática. Defender o meio-ambiente significa proteger o futuro das gerações vindouras. Mas, no curto prazo também significa aumentar os custos de produção no Brasil. Colocado dessa forma, parece algo simples. Todavia, não é. Não é possível deixar de imputar tais custos à produção – por força do sistema jurídico vigente -, mesmo que estivéssemos em um cenário de recessão econômica. Sobre isso pode-se dizer que se está diante de um cálculo racional complexo. Assim, a preparação para atuar em causas de grande complexidade é um enorme desafio em marcha no âmbito do Poder Judiciário. Mas, fica uma pergunta no ar: como poderão os egressos dos cursos de direito estar antenados com essas alterações profundas em uma faculdade que possui pouco espaço para inclusão de novos conteúdos, uma vez que já é dominado por temas tradicionais e de base que, no mais das vezes, precisam ser lecionados mesmo? Não é possível que sacrifiquemos a formação clássica – sempre penso na importância do sistema de Direito Romano como base da obra jurídica ocidental – em prol das inovações e das contingências. Afinal, esses elementos clássicos estão na raiz da civilização e servem, nos momentos de barbárie e de crise política ou moral, como verdadeiros antídotos contra a tirania. Cito apenas um exemplo que comprova essa assertiva, o qual foi extraído do maior

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repositório de baixezas a que a humanidade já constituiu no século XX, que foi o Nazismo: dentre os juristas que mais se opuseram ao regime de Adolf Hitler encontravam-se os professores de Direito Romano. E, não foi sem causa que, no programa oficial do Partido Nazista, um dos pontos centrais era a abolição do ensino de Direito Romano em todas as cátedras universitárias alemãs. Como equilibrar, portanto, essas duas necessidades? Uma solução havia sido dada, no cerne da Resolução n. 9/2004, do Conselho Nacional de Educação, por meio das atividades complementares. O objetivo seria que elas servissem para agregar conteúdos atualizados que não poderiam ser obtidos meramente por disciplinas de cunho tradicional. Ainda que não haja estudos empíricos credíveis sobre o uso das atividades complementares nos cursos de graduação em direito, os professores – de modo geral – consideram que ela se tornou um requisito meramente formal. Assim, os alunos buscam quaisquer atividades para computar as horas em prol da integralização curricular sem que haja um real planejamento em obter conhecimentos efetivamente inovadores. Em suma, este é o grande problema. A questão da formação prática. Pergunto: seria possível que as escolas judiciais contribuíssem para a formação mais efetiva relacionada à preparação dos futuros graduados em direito na tarefa de julgar?

A POSSÍVEL E NECESSÁRIA CONTRIBUIÇÃO DAS ESCOLAS DA MAGISTRATURA À FORMAÇÃO DOS ESTUDANTES É importante retomar ao ponto central deste painel. Para tanto, deve ser mencionada uma iniciativa muito relevante, recentemente realizada Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). Essa iniciativa foi a organização de um evento e de uma rede que envolvesse a construção de disciplinas optativas na matriz

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curricular de diversas faculdades de direito do país, com o objetivo de despertar vocações para a magistratura. Para estimular essa difusão, em outubro de 2013 foi ministrado um curso denominado “magistratura: vocação e desafios”. O curso foi direcionado aos docentes das instituições educacionais parceiras, que acolheram a proposta da ENFAM de construir disciplinas optativas em suas grades de ensino. No curso, lecionaram diversas personalidades do mundo jurídico brasileiro, como os ministros Ayres Brito e Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal. O tema do curso acima indicado é bastante relevante. Afinal, é importante esclarecer aos estudantes de direito qual a dimensão do trabalho do juiz, pois a figura do magistrado é envolvida em uma mística que – não raro – é muito distante da realidade. Logo, para despertar vocações à magistratura, é importante esclarecer aos estudantes quais são as funções e como é o trabalho efetivamente realizado pelos magistrados, em especial pelos juízes de primeira instância. Debater o funcionamento da jurisdição com os estudantes de direito também é uma oportunidade muito boa para que as instituições possam contribuir com as escolas judiciais, bem como possam auxiliar no aperfeiçoamento do Poder Judiciário brasileiro em sentido bastante amplo. É muito importante notar que a contribuição das escolas judiciais é bem mais ampla do que o seu apoio ao futuro magistrado ou ao atual juiz. As escolas são espaços privilegiados, também, para o acoplamento de atividades de pesquisa – entendidas como parte do processo educacionais – que são necessárias à definição e à reflexão sobre as linhas de atuação dos tribunais. Como menciona Suzy Cavalcante Koury, as escolas judiciais possuem também a importante função de estimular o planejamento estratégico da administração pública, de forma semelhante à que é desempenhada pelas

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escolas de governo5. Pensar a reposição de pessoal qualificado para manutenção e, ainda, para a melhora dos serviços prestados é, certamente, uma função relacionada com o planejamento estratégico e com as atividades educacionais. Penso que as corporações judiciárias e as escolas – judiciais ou judiciárias – poderiam fazer mais em prol da educação jurídica, seja por meio do desenvolvimento de atividades didática em parceria com os cursos de direito, seja por meio de fomento à pesquisa, em parceria com os núcleos acadêmicos bem estabelecidos. Vejo que o caminho dos convênios deveria ser trilhado com mais ênfase para estimular que docentes dos cursos de direito – e até de outras áreas, como gestão, por exemplo – ofertassem disciplinas e conteúdos que visassem ao aperfeiçoamento do sistema judiciário brasileiro e, também, por certo, dos cursos de direito. É meu sentir que se mostra imperativa a abertura cada vez maior das escolas da magistratura para a sociedade, para as instituições, como a ABEDi, que discutem o ensino jurídico brasileiro, e para o meio universitário como um todo. Foi com este espírito que aqui compareci. Mais para aprender do que para ensinar. Mais para compreender do que para oferecer explicações herméticas.

KOURY, Suzy Cavalcante. Planejamento estratégico do poder judiciário: o papel das escolas judiciais. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 35, n. 64, p. 343-356, jan./jun. 2010. 5

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RESUMOS EXPANDIDOS DO GRUPO DE TRABALHO “EXTENSÃO NA ÁREA JURÍDICA: DEBATES E DESAFIOS” Sessão única, dia 08 de maio das 14h às 18h

Coordenadora: Luciana Barbosa Musse (Centro Universitário de Brasília, UNICEUB). Debatedor: Rafael de Deus Garcia (Universidade de Brasília, UnB).

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ENSINO JURÍDICO E MEIOS ALTERNATIVOS PARA O TRATAMENTO DOS CONFLITOS: A MEDIAÇÃO NO ENSINO JURÍDICO – EXPERIÊNCIAS DO CENTRO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (Delton Ricardo Soares Meirelles, Universidade Federal Fluminense, UFF, e-mail: [email protected]; Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos, UFF; Esther Benayon Yagodnik, UFF; Giselle Picorelli Yacoub Marques, UFF)

1. INTRODUÇÃO. Como já demonstrado por diversos trabalhos (ADORNO, Sérgio. Os aprendizes do poder: o bacharelismo liberal na política brasileira; BASTOS, Aurélio Wander. O ensino jurídico no Brasil; CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem: a elite política imperial; FALCÃO NETO, Joaquim de Arruda & SOUTO, Cláudio. “Os cursos jurídicos e a formação do Estado Nacional”; NEDER, Gizlene . Discurso Jurídico e Ordem Burguesa no Brasil; RODRIGUES, Horácio Wanderlei. Ensino jurídico: saber e poder; VENÂNCIO FILHO, Alberto. Das arcadas ao bacharelismo), o ensino jurídico brasileiro foi construído a partir de bases autoritárias e formalistas, muitas vezes incapaz de contribuir para uma formação satisfatória para solucionar conflitos cada vez mais socialmente complexos, tanto pelo perfil dos professores (tradicionalmente vinculados ao Sistema formal de Justiça) como pela utilização de métodos anacrônicos que não estimulam a criatividade, a reflexão e o senso crítico do mundo ao seu redor. Desde o final do século passado, várias iniciativas foram tomadas para se modificar a estrutura do ensino nos cursos de Direito, para que seus bacharéis possam reunir habilidades básicas para enfrentar as questões cotidianas, substancialmente bem diferentes do modelo jurídico da modernidade. Neste sentido, observa-se um crescente estímulo à pesquisa e aos programas de pós-graduação, bem como ações extensionistas e aplicadas, além das modificações formais na estrutura curricular e a

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fiscalização cada vez mais presente do Ministério da Educação, OAB e sociedade civil organizada. Entre outros, são efeitos desta nova mentalidade educacional a reestruturação dos núcleos de prática jurídica e a inserção dos meios alternativos de resolução de controvérsias nos cursos de graduação. E este trabalho pretende relatar a experiência na Universidade Federal Fluminense, em que se buscou integrar a mediação no Centro de Assistência Jurídica (CAJUFF) na sede (Niterói) e no interior (Macaé), de forma a permitir que o estudante conheça uma outra forma de administração de conflitos, voltada à emancipação dos sujeitos e menos preso às formalidades de um processo jurisdicional comum. 2. ENSINO JURÍDICO: DA REPRODUÇÃO À EMANCIPAÇÃO. A criação dos cursos de Direito aqui se deveu principalmente à necessidade de se formar uma nova burocracia para o emergente Estado brasileiro, só que menos preocupada com o ensino técnico do que com a criação de um ambiente propício à formação de redes de poder (Adorno, Falcão & Souto, Murilo de Carvalho, Venâncio Filho, etc.). As Faculdades de Direito de São Paulo e Olinda, instituídos pela Lei de 11 de agosto de 1827, sofreram forte influência liberal dos alunos brasileiros que estudaram na Faculdade de Direito de Coimbra (Neder). A Europa ratificava os ideais liberais da Revolução Francesa e essa realidade era assimilada pela academia. Tal expansão ideológica influenciou os estudantes brasileiros da Coimbra clássica. Estes, por sua vez, vieram a ocupar cargos de relevância política e consequentemente, influenciaram os currículos das primeiras escolas jurídicas brasileiras. Neste momento, o currículo do curso de Direito destinava seu quarto ano ao estudo do direito civil e comercial e o quinto ano à prática processual e à economia política. As relações sociais marcadas pela regulação liberal favorecia o estudo de maneira normativista/positivista e entrava em conflito com a ala eclesiástica da academia. A disciplina de Direito Eclesiástico inicialmente obrigatória, tornou-se optativa em 1871 e foi excluída em 1895. Era o

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discurso jus racional reclamado pela sociedade da época. Esse momento positivista era ratificado pelo surgimento do projeto do Código Civil Brasileiro inspirado no Código Napoleônico, primeiramente com Teixeira de Freitas, mas só concretizado por Clóvis Beviláqua no início do século XX. Com a proposta codificadora do positivismo, juntamente com transformações econômicas e com a Nova República, surge a necessidade de novas escolas de Direito além das duas primeiras já criadas. Assim, surge uma legislação estatal, permitindo a criação de novas Faculdades de Direito, sendo criada a da Bahia em 1891, quebrando o monopólio estatal sobre o ensino jurídico. Acreditava-se que a expansão do ensino seria a força inovadora da sociedade. E assim, um século após a criação dos primeiros cursos, em 1927, o Brasil contava com 14 cursos de Direito e 3.200 alunos matriculados. Essa realidade fez com que surgisse o termo “fábrica de bacharéis” em alusão ao modelo fordista de produção industrial em série. Os currículos dos cursos refletiam a ascensão da burguesia inclusive sobre a produção do conhecimento ampliando e predominando as disciplinas de direito privado, ratificando assim, o modelo liberal. Os professores da época eram os melhores práticos que se limitam a repetir o conhecimento através de exposições orais de conteúdo. Destarte, direcionava-se a formação do bacharel. Não havia exigências qualitativas para a profissão de professor de Direito, o que favoreceu a oferta desse profissional, bastando que se destacasse em sua atuação. O segundo estágio da evolução do ensino jurídico sofreria influência do Estado social, ou “Welfare State”, que trazia uma intervenção mínima do Estado liberal na sociedade civil. No Brasil podemos destacar as várias modificações políticas ocorridas entre 1930 e 1945. Em 1931, ocorre a “Reforma Francisco Campos” que institucionaliza a figura da “universidade” e traz atualizações curriculares, inicialmente para a Universidade do Rio de Janeiro, especialmente no ensino jurídico. No âmbito do Direito, mantinha-se o estudo do Direito Positivo, mas trazia

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metodologia. O modelo de “escola livre” do Estado Liberal cedia espaço para a “Escola Nova” com novas pedagogias para o Estado Novo com grande produção legislativa. Surgem os Códigos de Processo Civil, de Processo Penal e a Lei de Introdução ao Código Civil. Nessa fase, surgem mais leis que autorizam a criação de novos cursos de Direito e se mantém a falta de preocupação qualitativa. Em 1955, iniciam-se os discursos para novas metodologias no ensino jurídico, insatisfeitos com o distanciamento da escola e das criações legislativas, embasados no modelo americano de “case system”. Para diminuir o descompasso, em 1961 cria-se o currículo mínimo para os cursos de Direito, controlados pelo Conselho Federal de Educação. Mas o currículo mínimo de tão extenso, transformou-se num currículo “máximo”. (...). A resolução n. 3 de 1972 do Conselho Federal de Educação trouxe nova reformulação à matriz curricular dos cursos de Direito. Tal resolução compreendia as matérias consideradas básicas e as profissionais, aqui inseria as de Estágio Supervisionado/Prática Forense. Em 1963 a Resolução 15 também do CFE, trazia o estágio supervisionado de caráter obrigatório e o estágio de prática forense e organização judiciária de caráter facultativo. Este último garantia ao aluno, se aprovado, inscrição nos quadros da OAB, independente do exame de ordem. 3. O CURRÍCULO DO CURSO DE DIREITO E OS MEIOS ADEQUADOS DE SOLUCIONAR CONFLITOS. O modelo instaurado pelas Resoluções e contido pelo sistema autoritário permanece até a Constituição de 1988. Com a sua promulgação, surge a necessidade de profissionais melhor preparados para os conflitos instaurados diante de novos direitos, em especial as garantias fundamentais que rompiam com o regime anterior. Os cursos de direito que mantiveram seus currículos não davam conta de atender às novas demandas de mercado para os seus egressos. Surge então a Portaria 1886/94, seguida da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96) e da Lei 9.131/95 que instituiu o Exame Nacional de Cursos para avaliar os discentes e as Instituições de Ensino Superior.

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Para os cursos de Direito, a Portaria 1886/94 representou o trabalho de uma Comissão de Especialistas que “subdividiu” o currículo em dois segmentos, um de ordem pragmática (matérias profissionalizantes) e outro ideológico (fundamentais). Além disso, trouxe como atividades para o curso de direito, a monografia de final de curso, carga horária mínima para atividades complementares, e a obrigatoriedade de desenvolver ‘atividades de ensino, pesquisa e extensão interligadas de forma a atender às necessidades de formação fundamental, sócio-política, técnico-jurídica e prática do bacharel em direito’. (art. 3º). Quanto ao estágio, solucionou dúvida sobre a Resolução 15/73 do CFE, estabelecendo que é obrigatório e integrante do currículo pleno, e não vinculou sua realização e aprovação à inscrição nos quadros da OAB. Posteriormente à Portaria 1886/94, o agora Conselho Nacional de Educação editou a Resolução CNE/CES n. 9 de 29 de setembro de 2004, para instituir as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Direito dentre outras providências. Neste texto, dois dispositivos merecem especial destaque para o trabalho: o artigo 3º e o 5º, pois tratam de “valorização dos fenômenos jurídicos e sociais”, bem como “aprendizagem autônoma e dinâmica” e “da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania”. Também, tratam da vinculação com as demais áreas do conhecimento e com a realidade social. Diante de tais diretrizes, aliadas às recentes regulamentações pelo Conselho Nacional de Justiça (Resolução 125, em especial) e o projeto do novo CPC, não se pode negar à formação do profissional do Direito, o estudo de disciplina teórica específica, voltada para a compreensão dos meios adequados de solução de conflitos. Além disso, a implementação obrigatória e urgente nos Núcleos de Prática Jurídica dessa modalidade de pacificação social em todos os seus possíveis aspectos. Atualmente, se torna insuficiente a formação dos estudantes dos cursos de direito preparados para enfrentar apenas os litígios judiciais, qualquer que seja o segmento escolhido. Se optar pela

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advocacia, deverá ser hábil o bastante para utilizar os melhores argumentos em prol de uma sentença favorável ao seu cliente. Se membro do Ministério Público deverá zelar pelo interesse público, como parte ou custus legis num processo judicial, se membro da magistratura deverá se preparar para ser o “boca da lei”. Essa perspectiva deve ser alterada para atender aos novos anseios sociais. Hoje, não basta mais uma sentença que coloque fim a um litígio, mas muito mais que isso, busca-se a solução definitiva e eficaz da controvérsia. Para alcançar essa definitividade e eficácia. Daí o surgimento de meios mais adequados (ou alternativos) para resolver a lide. Requer-se do juiz mais proximidade com as partes e o conflito entre elas instaurado e do advogado mais habilidade para o diálogo e a convergência dos interesses. E quanto ao Ministério Público mais atuação nas suas funções institucionais de árbitro e mediador através de ajustamento de conduta. Embora, esse seja o panorama atual da prática jurídica, a maioria das Faculdades de Direito ainda não contemplam como obrigatórias disciplinas teóricas ou práticas de meios não jurisdicionais de solução de conflitos, tais como conciliação, mediação e arbitragem. Destes, a mediação ganhou destaque com as resoluções do Conselho Nacional de Justiça, em especial a de número 125. Os Tribunais de Justiça dos Estados, Federais e do Trabalho passaram a estimular “mutirões” de conciliação para encerrar processos através de programas como, por exemplo, “conciliar é legal”. Isso reforça a ideia de que a solução de conflitos não é exclusividade do poder judiciário, através do juiz. Ainda que exista um processo jurisdicional, os envolvidos podem por fim ao litígio através de concessões recíprocas (conciliação), ou mesmo compreendo por si próprios as questões que os levaram ao conflito (mediação). Mas será que os cursos de Direito estão preocupados com esse novo perfil de atuação do profissional que formam? Aparentemente não, mesmo o Ministério da Educação sinalizando a importância de que os bacharéis em Direito

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(especialmente durante o estágio supervisionado) saibam lidar com essas outras formas não-adversariais de resolução de conflitos. Em pesquisa quantitativa, dados estatísticos revelam que, dos cursos de graduação em Direito, 53,8% não oferecem disciplinas relacionadas à mediação, arbitragem e conciliação; 26,9% oferecem como disciplina eletiva; e apenas 19,2% de forma obrigatória (GAIO JUNIOR, Antônio Pereira e RIBEIRO, Wesllay Carlos. O Ensino Jurídico e os Meios Não Contenciosos de Solução de conflitos. Revista Jurídica, n. 24, Temática n.8, p. 13-25,2010-1, p. 16). Esses números indicam como os Cursos ainda não compreendem os meios alternativos como tema relevante para suas diretrizes curriculares, embora normativamente a Portaria 1.886/94 do Ministério da Educação enfocasse, no seu art. 11: “técnicas de negociações coletivas, arbitragens e conciliação”. Em recente pesquisa - realizada através dos sites das Faculdades e por envio de e-mail para os endereços eletrônicos disponibilizados pelos alunos extensionistas: Marcia Valéria Rodrigues Ferreira e Christiam Belém – no Projeto de Extensão apoiado pela FUNEMAC – Fundação Educacional de Macaé, que se iniciou em abril de 2012, intitulado: “Meios alternativos de solução de conflitos no Centro de Assistência Judiciária – CAJUFF/Macaé”, revelou que entre os Núcleos de Prática Jurídica de 46 (quarenta e seis) Faculdades de Direito públicas, apenas 14 (quatorze) têm atividades ligadas a mediação nos seus NPJ. Destes cursos pesquisados duas curiosidades: o da Universidade Federal de Goiás possui disciplina sobre mediação, mas não tem atividade no NPJ e o da Federal de Santa Maria possui atividade no NPJ desenvolvida de forma interdisciplinar com outros cursos de graduação. 4. CONCLUSÃO. Os textos normativos do Ministério da Educação, citados ao longo desse texto, embora anteriores aos do Conselho Nacional de Justiça, já previam a necessidade da formação do profissional jurídico voltado para o diálogo na solução de conflitos. Apesar disso, a tradição dos cursos ainda é para um modelo mais contencioso, que privilegia a distância entre as partes envolvidas no

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conflito. O ensino jurídico tem responsabilidade direta na formação do perfil profissional de seus egressos que irão militar na área. Uma formação mais humanista, voltada para uma prática dialógica, mostra-se muito mais efetiva para atender as novas demandas sociais. Não basta conhecer as normas jurídicas para ser um bom profissional, é necessário envolver-se nelas e fazer com que elas se relacionem com outras áreas do saber, como por exemplo, a psicologia, a sociologia, tudo isso voltado à pacificação. A partir do momento que esses profissionais demonstrem para as partes em conflito que elas têm condições de encontrar uma solução mais adequada às suas realidades, é bem possível que se crie uma cultura de emancipação e autonomia, rompendo-se com a dependência paternalista judiciária, estimulando-se práticas cidadãs.

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COMBINANDO ENSINO E EXTENSÃO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO DIREITO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA (Flávia Almeida Pita, Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected])

1. INTRODUÇÃO. Pretende-se descrever experiência desenvolvida no bojo do projeto de extensão denominado “Encontro com os pais da Creche-escola Municipal Dalva Suzart Gomes: integrando o SAJUEFS à comunidade em uma atividade de disseminação de conhecimentos jurídicos”, executado entre outubro de 2011 e julho de 2012, com a participação de alunos do 7º e 8º semestres do Curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana. 2. DESENVOLVIMENTO. 2.1. EM QUE MEDIDA O PROJETO SE INSERIA NA EXPERIÊNCIA DOCENTE NO CURSO DE DIREITO DA UEFS. O projeto pretendia constituir-se, antes de mais nada, em proposta pedagógica diferenciada para o desenvolvimento dos componentes curriculares denominados Serviço de Assistência Jurídica I e II, ambos com carga horária de 30 h, ministradas aos alunos do 7º e 8º semestres do curso de Direito. Trata-se dos únicos componentes curriculares que preveem prática real no currículo do referido curso (a bem da verdade, às quais se acresce um terceiro, denominada Serviço de Assistência Jurídica III, voltado à prática na área penal), que têm como ementa, ambos, ‘Estágio supervisionado na área cível, desenvolvido através de atendimento jurídico à população de Feira de Santana que não possui condições de arcar com honorários advocatícios, com ênfase nas práticas de conciliação e mediação de conflitos, consultoria jurídica e, não sendo possível a solução extrajudicial, prestação de assistência judicial’. Tais componentes curriculares desenvolvem-se ordinariamente com atendimentos individuais a pessoas que, incapazes de constituir um advogado em razão de sua carência econômica, procuram o Serviço de Assistência Jurídica da UEFS – SAJUEFS, hoje instalado em uma das salas do fórum da Justiça

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Estadual da cidade de Feira de Santana. Não obstante o serviço prestado pelo SAJUEFS seja de grande importância (especialmente considerando que as Defensorias Públicas Estadual e da União – instituições responsáveis, por força de norma constitucional, pela assessoria jurídica gratuita – não estão preparadas para atender a grande demanda da população local), o modelo por ele adotado distancia-se dos parâmetros hoje apontados como ideais, repetindo práticas ultrapassadas que, muito embora tenham impacto sobre os problemas presentes, não se demonstram capazes de construir mudanças futuras. O atendimento é feito de forma individual e, mesmo se primando pela tentativa de solução extrajudicial e consensuada do conflito, a forma de atuação adotada, que muito constantemente conduz à propositura de uma ação judicial, não reflete uma preocupação com as origens dos conflitos e das carências da população atendida. O atendimento de casos individuais, enfim, com vistas à propositura de ações judiciais, afasta-se das experiências mais inovadoras, que priorizam o coletivo, em detrimento do indivíduo, estimulam a participação, afastando a apatia da comunidade envolvida, promovem o desencantamento da aura de “mistério” atribuída ao Direito e estimulam respostas construídas não só no âmbito legal, mas também a partir das experiências e normas extralegais em vigor nas comunidades. O Direito é presença diuturna na vida dos seres humanos, mesmo que ele não seja percebido claramente, na maior parte das vezes. Isto porque o Direito, em verdade, revela-se como um prisma específico através do qual são tratados os atos cotidianos dos indivíduos, dos grupos aos quais pertencem, das empresas, do Estado: sempre é possível, e muitas vezes necessária, uma análise jurídica das relações intersubjetivas (familiar, amorosa, negocial, de poder...), de modo a melhor compreender questões relacionadas, por exemplo, aos limites do exercício da liberdade, à responsabilidade decorrente do desrespeito a tais limites, às garantias da dignidade da pessoa humana, ao

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gozo/impossibilidade de gozo dos mais diversos direitos previstos no ordenamento jurídico. Tradicionalmente, no entanto, o conhecimento jurídico não chega a alcançar os destinatários finais das normas jurídicas – o “mundo do Direito” sempre foi franqueado apenas aos técnicos, que se afastam do “mundo da vida” através de sua linguagem, de sua postura social, até mesmo de seu modo de vestir. Muito embora de há muito já integrem as preocupações dos juristas, inclusive brasileiros, as questões relacionadas ao amplo Acesso à Justiça – expressão que ultrapassa a mera ideia de acesso ao Poder Judiciário – os direitos, deveres, institutos jurídicos, organismos e funções públicos e privados ligados à operacionalização do sistema jurídico (o Poder Judiciário, o Ministério Público, o Advogado, o Defensor Público, a Advocacia Pública, os Conselhos Municipais etc.) e, especialmente, os mecanismos de proteção de direitos são, de regra, grandes mistérios para a população em geral. A opacidade do Direito, no dizer de Carlo Maria Cárcova (A Opacidade do Direito. São Paulo: LTr, 1998), parece não ser exclusividade do hoje, nem do Brasil, mas assume, em uma realidade sócio-econômica como a nossa, marcada por grandes desigualdades, dimensões mais graves. Ela é um dos elementos que sustentam tal estado de coisas, compondo a barreira que impede a compreensão do espaço que cada indivíduo ocupa no sistema jurídico e, por consequência, afastando a maior parte da população dos meios de proteção jurídica de direitos. O projeto pretendia, então, estimular nos estudantes a capacidade de perceber tais dimensões do fenômeno jurídico, enriquecendo a prática jurídica curricular de experiências que fossem capazes de suplantar o enfoque individualista, estabelecendo um novo âmbito de atuação para a prática jurídica nas disciplinas SAJ I e II, e estimulando a combinação entre ensino e extensão na graduação em Direito da UEFS. 2.2. OS OBJETIVOS DO PROJETO E A METODOLOGIA ADOTADA. A CrecheEscola Dalva Suzart Gomes situa-se no Papagaio, bairro de Feira de Santana marcado pela pobreza e falta de acesso aos serviços públicos

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essenciais. O Projeto teve sua origem em uma demanda da comunidade, manifestada pelos pais dos alunos da Creche-Escola Dalva Suzart Gomes, estabelecimento de ensino da rede pública municipal, situada em região periférica e pobre. Após contato inicial com a coordenação do projeto extensionista, a Diretoria da Escola colheu, nas reuniões de pais e mestres, os temas que, no âmbito jurídico, mais suscitavam dúvidas aos pais dos alunos e professores, e que se relacionavam com os obstáculos e problemas que marcam as suas vidas, tendo se destacado os seguintes: reconhecimento de paternidade, deveres decorrentes da paternidade (especialmente a obrigação alimentar), benefícios do Sistema de Seguridade Social (saúde, previdência e assistência social). A Direção e os professores da Escola ressaltavam, ainda, a importância de conhecimentos relacionados ao Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente no que diz respeito às obrigações da família relativamente à proteção das crianças. Destaca-se, por fim, a insegurança de todos quanto aos serviços disponíveis, nesta área, sendo muitas as dúvidas quanto ao caminho a ser trilhado no momento em que problemas no campo jurídico surgem. Diante de tais elementos, definiram-se os objetivos do projeto: - No âmbito das disciplinas SAJ I e II, do Curso de Direito, coletar dados e produzir material informativo destinado aos pais da Creche-Escola Municipal Dalva Suzart Gomes; - Realizar encontro com a comunidade envolvida com a Creche-Escola Municipal Dalva Suzart Gomes, em que os temas objeto do material informativo serão apresentados pelos alunos, realizando-se rodas de conversas com os pais e professores, trocando-se experiências e esclarecendo-se dúvidas jurídicas. Para a consecução de tais metas, objetivos mais especificamente voltados ao processo de ensino e aprendizagem desenvolvido nos referidos componentes curriculares podem ser também explicitados: - Pesquisar a melhor forma de apresentar informações jurídicas ao público leigo; - Trabalhar a linguagem utilizada, minimizando a tendência do profissional do Direito de se

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utilizar de vocabulário rebuscado e distante da linguagem falada em sociedade; - Aproximar as atividades desempenhadas pelo Serviço de Assistência Jurídica da UEFS de práticas mais inovadoras, associandose à assistência jurídica individualizada atividades que visam à conscientização da população acerca de seus direitos, das formas para concretizá-los e dos serviços públicos à sua disposição na cidade de Feira de Santana. 2.3. A EXECUÇÃO DO PROJETO. Foram elaboradas pelo grupo de alunos envolvidos no projeto cinco “cartilhas”, a partir das quais foram realizados dois encontros com os professores e pais da Creche-Escola Municipal Dalva Suzart Gomes, ocorridos durante as manhãs dos dias 04 de dezembro de 2011 e 22 de julho de 2012: “Pequeno Guia para Defesa de seus Direitos na cidade de Feira de Santana”; - “Reconhecimento de Paternidade”; - “Cartilha de Orientação Previdenciária”; - “Direitos e Deveres dos Pais na Educação dos Filhos”; e - “Direito a Alimentos”. O encontro realizado no dia 04.12.11, tomando toda a manhã de um domingo, foi iniciado com apresentações de dança e música, envolvendo os alunos extensionistas e as crianças da escola. Em seguida, apresentou-se a cartilha “Pequeno Guia para Defesa de seus Direitos na cidade de Feira de Santana”, expondo-se, de maneira informal, sobre os diversos órgãos jurídicos instalados na cidade, suas funções, localização etc. A atividade foi desenvolvida de modo a se privilegiar a troca dialogada de saberes, estimulando os pais e professores a dividirem com o grupo o seu conhecimento prévio e suas experiências pessoais com tais serviços. Por último, o grupo extensionista ficou à disposição dos pais presentes, esclarecendo dúvidas sobre os mais diversos temas jurídicos, inclusive no que diz respeito a questões particularizadas, diante das quais se propunhas caminhos ou serviços específicos a serem contatados. Considerando as dúvidas apresentadas neste primeiro encontro, foram selecionados outros quatro temas, que serviram de inspiração para a confecção das 4 cartilhas seguintes. O encontro realizado no dia 22.01.2012 também foi iniciado com a

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apresentação de músicas e poesias das crianças da Escola Dalva Suzart. Em seguida, o grupo extensionista conduziu uma atividade lúdica, por meio da qual todos os presentes foram estimulados a se manifestar sobre os “direitos” e “deveres” que entendem estar ligados aos seus papéis sociais de “pai”, “mãe”, “aluno(a)”, professor(a)”, confeccionando-se, assim, um grande painel escrito, que ensejou discussões em torno do tema. Em seguida foram distribuídas as quatro cartilhas produzidas, e, organizados em grupos, os alunos extensionistas ficaram mais uma vez à disposição dos pais presentes, esclarecendo dúvidas e orientando encaminhamentos jurídicos. 3. CONCLUSÃO. A receptividade da comunidade ao trabalho desenvolvido foi muito positiva, havendo demandas de outras escolas, feitas por professores presentes aos encontros, para o prosseguimento do projeto. As atividades envolveram os pais dos cerca de 101 alunos da Creche-escola Dalva Suzart, com comparecimento de um número razoável de pessoas nas manhãs dos encontros, visivelmente envolvidas nas atividades. O envolvimento entusiasmado dos alunos extensionistas demonstrou, por si só, o acerto do caminho pedagógico desvendado pela experiência, que se refletiu em ricos momentos de troca de experiência e de produção de conhecimento jurídico. Apresentou-se, assim, um novo espaço para o desenvolvimento dos conteúdos curriculares relacionados ao projeto, especialmente os atitudinais e procedimentais. As atividades realizadas, além de tudo, proporcionaram momentos prazerosos e de grande integração, fortalecendo não só os conceitos jurídicos trabalhados, mas as relações de amizade do grupo. As cartilhas produzidas pelos extensionistas, além disso, constituíram produto que tem sido empregado em outras circunstâncias – inclusive no âmbito dos atendimentos individuais realizados no SAJUEFS nos semestre posteriores – e cuja confecção significou, no entender dos discentes, uma oportunidade de tentar pensar o conflito e os obstáculos impostos pelas dificuldades de acesso à justiça a partir da

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posição de quem deles é um personagem real – postura pouco exercitada durante a formação tradicional do profissional de Direito.

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O ACESSO À JUSTIÇA E A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO REALIZADO PELOS ESCRITÓRIOS­ESCOLA DAS FACULDADES DE DIREITO: A REALIDADE LUDOVICENSE (Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha, Faculdade Santa Terezinha. CEST, E-mail: [email protected]; Carolina dos Santos Mendonça Lima, CEST; Thales da Costa Lopes, CEST; Luana Celina Lemos de Moraes, CEST; Amanda Silva Madureira, CEST, e-mail: [email protected])

1. INTRODUÇÃO. O tema apresentado é de importância social e jurídica. Isto porque a busca do homem pela solução de conflitos remonta as antigas civilizações e o acesso à justiça representa requisito essencial para efetivação de uma sociedade mais justa e igualitária. A partir da Carta Magna de 1988, o acesso à justiça galga o status de direito fundamental e passa a ser dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência financeira. Neste diapasão, o texto constitucional, através do artigo 134, incumbe a Defensoria Pública a função de orientar e defender os necessitados. Ressalta-se que hodiernamente a tese de que a mera possibilidade de acesso ao Poder Judiciário seja o verdadeiro significado da acepção jurídica de acesso à Justiça está ultrapassada, de modo que este direito deve ser compreendido como a possibilidade efetiva do ser humano conviver numa sociedade, onde o direito e a justiça são realizados de forma concreta. Entretanto, apesar da essencialidade do acesso a justiça muitos sãos os entraves para plena aplicação de tal direito, quais sejam: o desconhecimento e a falta de educação do mais carente; o estado de pobreza extrema; o descrédito da população em razão da demora na prestação judiciária; os parcos números de defensores públicos; a falta de interesse dos governos para implementação de políticas públicas para erradicação da desigualdade social; dentre outros. É neste contexto que surge como meio para efetivação de direitos fundamentais o atendimento

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aos carentes, através dos Escritórios-Escola vinculados aos Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito. Este resumo expandindo se vale da realidade ludovicense para demonstrar que na atualidade os Escritórios-Escola desempenham dois papeis de fundamental importância, quais sejam: a contribuição na concretização do acesso à Justiça aos necessitados e a formação prática e pedagógica aos alunos dos períodos mais avançados do curso de Direito. 2. O ESCRITÓRIO ESCOLA COMO GARANTIDOR DO DIREITO CONSTITUCIONAL DO ACESSO À JUSTIÇA. Antes da ascensão da segurança advinda do Estado Moderno, os indivíduos solucionam seus conflitos através do sistema denominado autotutela. Prevalecia a lei do mais forte. Após anos os Estados organizaram-se e fortaleceram-se a ponto de coibir que os homens buscassem solucionar por si próprios seus problemas, o Estado passou a intervir na vida em sociedade e trouxe para si essa responsabilidade. A essa função estatal chama-se jurisdição. Em decorrência dessa intervenção estatal para solução dos conflitos de interesse surgiu mais um ônus para o Estado, o de garantir que todos tenham acesso ao Poder Judiciário. Tal garantia é materializada através do princípio do acesso à justiça que por sua vez é positivado tanto na Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos (art. 8º, I), tanto na Constituição Federal de 1988 (art. 5º. XXXV). O direito do acesso à justiça não deve ser entendido apenas como acesso ao Poder Judiciário. A efetividade deste direito é algo muito mais amplo que o simples direito de peticionar. É meio para assegurar a tutela de direitos humanos. Assim, o direito de acesso à justiça não pode ser obstaculizado pela falta de recursos financeiros daquele que foi reconhecido pobre na forma da lei, de modo que é dever do Estado propiciar para a tais pessoas a possibilidade de conhecimento e defesa de seus direitos. O Estado assume tal função através de seu órgão competente, que é a Defensoria Pública. Todavia, a realidade atual, tanto no Brasil quanto no Maranhão, demonstra que há uma

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grande deficiência nesse atendimento. Do acesso à justiça decorre outro importante direito e igualmente garantidor de uma ordem jurídica justa, que determina que o Estado tem o dever de prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, insculpido no artigo 5º, LXXIV da Constituição Federal. A preocupação em garantir que os jurisdicionados economicamente desfavorecidos tivessem o direito do acesso à justiça sempre esteve presente na sociedade. Mauro Cappelletti e Bryanth Garth (Acesso à Justiça, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1988, p. 31-32) ensinam que houve três linhas de pensamento, no seio dos países ocidentais, no intuito de garantir o efetivo acesso à justiça e a primeira delas foi garantir “serviços judiciários gratuito aos pobres”. Esclarece-se que o conceito de assistência jurídica envolve os serviços jurídicos relacionados e não relacionados ao processo, tais como o esclarecimento de dúvidas e orientações individuais e coletivas. E que os conceitos de justiça gratuita e assistência judiciária não devem ser confundidos apesar de comumente serem utilizados como sinônimos. Assim, explica José Roberto de Castro (Manual de Assistência Judiciária, 2 ed, São Paulo: AIDE, 1987, p. 81-82): “O equívoco tem origem nos próprios textos legislativos que empregam as duas expressões indistintamente, como se tivessem o mesmo significado. A Lei n. 1060/50 utiliza diversas vezes a expressão assistência judiciária ao referir-se na verdade, à justiça gratuita”. Nesse mesmo sentido ensina Pontes de Miranda (1987, p. 39): “A assistência judiciária e o benefício da justiça gratuita não são a mesma coisa. O benefício da justiça gratuita é direito à dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o juiz que promete a prestação jurisdicional. É instituto de direito pré-processual. A Assistência judiciária é a organização estatal, ou paraestatal, que tem por fim, ao lado da dispensa provisória das despesas, a indicação de advogado. É instituto de direito administrativo. Para deferimento ou indeferimento do

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benefício da justiça gratuita é competente o juiz da própria causa”. Por justiça gratuita deve-se entender a gratuidade de todas as custas e despesas suportadas pelo cidadão para o desenvolvimento material do processo. Nesta perspectiva é que, o benefício que se requer ao Estado, na pessoa do magistrado é somente a concessão da gratuidade e não da assistência judiciária. De acordo J. C C. Pierri (Diferenças entre Assistência Jurídica, Assistência Judiciária e Justiça Gratuita, Saber digital, Revista Eletrônica do CESVA, Valença, v. 1, n1, mar./ago, 2008), o centro de tudo é a condição de beneficiário, é isto que vai orientar o desenvolvimento doutrinário a respeito do instituto tal como sua prática processual e sabiamente afirma que os dois institutos não inseparáveis: “Em razão dos diferentes entendimentos, quanto ao que seja a condição de beneficiário, é possível ocorrer a concessão da assistência judiciária e o indeferimento da justiça gratuita. Isto se dá, anormalmente, na medida em que a parte seja tida como pobre pelo agente prestador da assistência judiciária, sendo por ele definida, mas lhe seja negada a gratuidade da justiça, por não entender preenchidos os requisitos para a concessão do benefício. Trata-se de exemplo patológico, embora eventualmente ocorra na prática, pois a rigor, o conceito de pobreza que dá acesso aos benefícios da justiça gratuita e da assistência judiciária é o mesmo. O exemplo é útil para demonstrar a perfeita distinção entre os benefícios da justiça gratuita e da assistência judiciária. A hipótese inversa também é verdadeira: a parte, embora tenha o direito à gratuidade da justiça por não reunir naquele momento condições de efetuar os pagamentos devidos para manusear ação de indenização, pode contratar advogado que aceite o cargo visando o recebimento dos honorários ao final da ação, havendo êxito na mesma, tratando-se do chamado contrato de risco, sem que isto implique, no entanto, na perda do direito à gratuidade processual, que poderá ser pedida e deverá ser-lhe concedida pelo juiz”. Necessário se faz gerar conceitos que facilitam distinguir os institutos preceituados na lei. Fredie Didier

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Junior e Rafael Oliveira (Benefício da Justiça Gratuita, Salvador, JusPodium, 2008, p. 11-12) bem se expressam: “a) Justiça Gratuita ou Benefício da Assistência Judiciária, consiste na dispensa da parte do adiantamento de todas as despesas judiciais ou não, diretamente vinculadas ao processo, bem assim de dispensa do pagamento dos honorários advocatícios; b) Assistência Judiciária é o patrocínio gratuito da causa por advogado público (exemplo: defensor público) ou particular (entidades conveniadas ou não com o Poder Publico, como, por exemplo, os Núcleos de prática jurídica das faculdades de direito); c) Assistência Jurídica compreende, além do que já foi dito, a prestação de serviços jurídicos extrajudiciais (como, por exemplo, a distribuição, por órgãos, do Estado, de cartilhas contendo os direitos básicos do consumidor) trata-se, como se vê, de direito bem abrangente”. Conclui-se, portanto, que a assistência judiciária integral e gratuita é um dos elementos basilares do direito fundamental do acesso à justiça aos necessitados. A todo direito corresponde uma garantia. Para a efetivação do direito ao acesso à justiça a Constituição estabeleceu no Título IV, Capitulo IV, Seção III, no artigo 134, que a Defensoria Pública é órgão estatal competente para garantir tal direito. Todavia, após pesquisa empírica na sede da própria Defensoria Pública do Maranhão para realização deste resumo expandido evidenciou-se que o referido órgão não tem condições de sozinho, garantir a todos aqueles considerados hipossuficientes o acesso a uma ordem jurídica justa na cidade de São Luís. Primeiramente destaca-se a questão do número de defensores que atuam na capital maranhense. Segundo informações do site da Defensoria Pública Estadual, hoje constam 51 defensores públicos atuando na capital, sendo que apenas 44 desempenham suas atividades diretamente no Fórum (porque três são representantes dos órgãos diretivos da Instituição e estão afastados das funções precípuas e quatro são especializados no primeiro atendimento). Lembrando que hoje estão instaladas 54 Varas no Fórum

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Desembargador Sarney Costa. Portanto, vislumbra-se que não há defensores suficientes para atuar em pelo menos uma vara do Fórum. Isso sem falar que não há previsão, dentro da divisão da Defensoria, de defensores para desempenhar suas funções nos treze Juizados Especiais Cíveis e das Relações de Consumo, nos três Juizados Criminais, no Juizado de Trânsito, nem na Turma Recursal que funcionam em São Luís. Em meio à situação é que os EscritóriosEscola, vinculados ao Núcleo de Prática Jurídica dos Cursos de Direito, vêm desenvolvendo papel significativo na relativização do problema do acesso à justiça aos necessitados, sendo suas funções igualadas às da própria Defensoria Pública, passando a atuar ao lado da mesma em busca da efetivação da tão aclamada assistência jurídica integral e gratuita. Segundo Luiz Mario de Barros Silva (O acesso ilimitado à justiça através do estágio nas faculdades de direito, Rio de Janeiro, Renovar, 2006), os Escritórios-Escola, têm dois escopos que se complementam: o primeiro é o ensino prático aos graduandos do curso de Direito e o segundo é a Assistência Jurídica, intimamente ligada com a prática forense. Assim, tem-se que os Escritórios-Escola possuem dupla função: a curricular, visto estar ligado ao currículo dos cursos de Direito, e social, na medida em que, ao realizarem suas atividades pedagógicas através do ensino de prática jurídica real aos discentes, prestam assistência jurídica àquelas pessoas consideradas hipossuficientes. Em relação à função curricular, as atividades dos Escritórios-Escola relacionam-se às aulas de prática forense ministradas aos alunos nos três últimos períodos dos Cursos de Direito das Faculdades Públicas e Particulares, prática forense esta avaliada por Luiz Mario de Barros Silva (idem, p. 89) como: “(...) atividades de aprendizagem social, profissional e cultural, proporcionadas ao estudante pela participação em situações reais da vida e de trabalho de seu meio, sendo realizadas na comunidade acadêmica ou junto a pessoas jurídicas de direito público ou privado, sob a responsabilidade e coordenação da Instituição de Ensino. Esta

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atividade deve ser fornecida pela instituição, caracterizadas como extensão curricular da atividade didática, oferecendo assim, a oportunidade e o campo para a prática do estágio, bem como, o fomento e a colaboração para um processo educativo integrado à comunidade”. Por outro lado, encontra-se a função social dos Escritórios-Escola, considerados um dos meios de acesso à justiça ao jurisdicionado economicamente desfavorecido, vez que, através dos Escritórios-Escola, estes recebem atendimento jurídico necessário aos seus rezingues, como já dito, por intermédio da Assistência Jurídica Integral e Gratuita prevista na Constituição Federal. Esta atividade não visa substituir, nem competir com a função estatal de promoção da Assistência Jurídica Integral e Gratuita por meio das Defensorias Públicas, vez que não é objetivo dos Escritórios-Escola, mas, sim, de trabalhar, paralelamente à referida instituição, possibilitando outro meio de acesso à justiça àqueles desprovidos de renda suficiente para arca com ônus de contratar um advogado, assumindo um encargo social frente à comunidade local, em especial, considerando as dificuldades econômicas e sociais que a ladeia, fazendo com que o acesso à justiça deixe de ser um privilégio de poucos. Dentro desta ótica, os Escritórios-Escola, fazem com que ocorra uma ampliação da clientela abrangida pelo Judiciário, aumentando, desta forma, a noção de cidadania, vez que proporciona aos necessitados um nível cultural melhor, frente às informações e aos serviços que lhe são prestados.

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UNIVERSIDADES ALIADAS POR MEDICAMENTOS ESSENCIAIS (UAEM): EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM PROL DO DIREITO À SAÚDE (Rachelle Balbinot, Universidade de São Paulo, USP, e-mail: [email protected])

A atuação de estudantes de diversas áreas da graduação, da pósgraduação e de pesquisadores em diferentes Estados do país, com o intuito de promover o ativismo em saúde pública é essencial para o acesso a medicamentos e tecnologias médicas. O projeto da UAEMBrasil faz parte do projeto Universidades Aliadas por Medicamentos Essenciais (Universities Allied for Essencial Medicines – UAEM), que nasceu em 2001 nos EUA. Um grupo de estudantes de Direito da Universidade Yale juntamente com os Médicos Sem Fronteiras (MSF) garantiram o acesso a um medicamento essencial para HIV/Aids desenvolvido pela Universidade Yale e licenciado e produzido exclusivamente pela indústria farmacêutica Bristol-Myers no auge de uma crise em saúde pública na África do Sul. Esta primeira iniciativa fez com que os estudantes se organizassem em prol do tema e assim nasceu a UAEM, uma Organização Não-Governamental Internacional (ONG) que atualmente conta com mais de 40 (quarenta) instituições universitárias espalhadas pelo mundo. O objetivo da atuação da UAEM é promover o acesso a medicamentos essenciais como forma de garantir um direito humano, a saúde. No Brasil, a UAEM tem como objetivos gerais: estabelecer um canal de comunicação entre as Universidades e a sociedade a fim de divulgar boas ideias e projetos; conscientizar a população sobre o acesso a medicamentos, a inovação tecnológica; promover o ativismo estudantil e a responsabilidade social; e, incentivar a participação dos cidadãos. Ainda, importa ressaltar os objetivos relacionados ao papel das instituições de ensino superior, por isso a proposta é analisar a grade curricular em cursos de graduação e pós-graduação e a penetração de temáticas como

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acesso a medicamentos, inovação tecnológica e responsabilidade social, sob o enfoque do tema relacionado às doenças negligenciadas. Analisar as possibilidades de alterações no modelo educacional brasileiro a fim de adequá-lo a novas demandas nacionais e internacionais e, a partir deste quadro, elaborar sugestões sobre matérias a ser inseridas na grade curricular a fim de formar cidadãos críticos e participativos. O projeto visa incentivar a atuação dos estudantes para além da academia e também propiciar a atuação politizada desde a graduação bem como a interação com os diversos atores e setores que atuam nas políticas públicas de saúde. A organização dos grupos de pesquisadores da UAEM é chamada de capítulos, e cada grupo escolhe uma questão de saúde para ser desenvolvida de forma ampla. Como parte do projeto inicial, o protagonismo cabe ao corpo estudantil, porém o apoio e o suporte para a atuação de forma estratégica conta com os coordenadores de cada capítulo. O processo é bastante dinâmico, pois além do envolvimento dos estudantes com o seu capítulo, ainda acontece a interação com os demais capítulos tanto no Brasil como no exterior, bem como com as mais variadas instituições (formais e informais) que trabalham com o tema. O potencial do projeto da UAEM como projeto de extensão é riquíssimo e promove não só a integração de diversos olhares, bem como a multiplicidade de estratégias, devido às diferentes abordagens de cada um dos cursos universitários envolvidos. Analisar as políticas públicas de saúde, o acesso a medicamentos e às novas tecnologias, as possibilidades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) dentro do cenário nacional e com a possibilidade de interlocução com outros pesquisadores de diferentes países, os capacita para um melhor entendimento do tecido social e de suas relações. A variedade de possibilidades de atuação para os estudantes dentro de uma instituição de ensino superior é ampla, pois além dos centros de pesquisa, os pesquisadores da UAEM contam com a valorização da comunidade, propiciando que a atuação

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dos estudantes ocorra de forma mais efetiva e com o apoio de outras instituições que tenham o mesmo objetivo. A universidade é o locus privilegiado para que a atuação dos estudantes seja engajada em prol de uma questão socialmente relevante que possibilita o ativismo estudantil e a organização e implementação de estratégias. A metodologia utilizada para o desenvolvimento deste projeto no país envolveu a pesquisa aprofundada e, como um dos focos para garantir o direito à saúde, objeto deste trabalho, e, especificamente, o financiamento para P,D&I para doenças negligenciadas. Para situar a questão, as doenças negligenciadas são caracterizadas como doenças da pobreza, assim encontram-se a margem da agenda governamental e dos investimentos públicos/privados dos países desenvolvidos, assim como, não raro, nos países em desenvolvimento. No entanto, o atual contexto histórico e social da população pobre no mundo demonstra a premente necessidade de incentivo à pesquisa, investimento e inovação em doenças negligenciadas. E, ainda, em consonância com Stirner (2008, p. 391), entende-se que a carga de doenças nos países em desenvolvimento afeta, de forma desigual as populações mais pobres e marginalizadas que vivem em locais miseráveis com recursos escassos. A temática das doenças negligenciadas ganha destaque na medida em que se compreende que a redução de carga global de doenças em uma população não se restringe ao desenvolvimento econômico dos países, mas ao conjunto de fatores políticos, culturais e sociais que afetam diretamente ou indiretamente a saúde dos indivíduos. Assim, conclui-se que a saúde é elemento nuclear para o desenvolvimento econômico e social, bem como para a redução da pobreza. Compreende-se que os países em desenvolvimento, haja vista lidar permanentemente com a realidade de “combate” as doenças negligenciadas, possuem maiores condições de enfrentar essas questões em âmbito global. Nesse sentido, segundo Carvalho (2011, p. 14), a capacidade de inovação dos próprios países em desenvolvimento tem um papel fundamental na luta contra as

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doenças negligenciadas, noção esta que vem sendo difundida na literatura durante as últimas décadas. Recentemente o Estado brasileiro por meio da Portaria n. 391, de 31 de janeiro de 2014 que “Institui a Rede Nacional de Pesquisas em Doenças Negligenciadas, composta por instituições de ciência, tecnologia, inovação e produção em saúde, públicas e privadas”, provê instrumental para o tratamento adequado do direito à saúde, conforme estabelecido na Constituição da República e dá outra coloração às perspectivas do Sistema Único de Saúde, representando importante estímulo ao controle e ao combate das doenças negligenciadas no Brasil. Neste contexto, o Ministério da Saúde é o ator central nas ações políticas de ciência, tecnologia e inovação no país, encarregado de articular, promover e incentivar as instituições e grupos de pesquisa na temática das doenças negligenciadas. E, cabe à sociedade civil - empoderada garantir que as políticas de saúde sejam implementadas. O ativismo estudantil é importante peça para que esta política seja executada, especialmente se parte de um projeto como este. Os objetivos principais da UAEM Brasil, para tratar das doenças negligenciadas são: promover estudos e discussões em grupo para entender o conceito, a epidemiologia e as estatísticas (Brasil e mundo). Verificar a importância do tema e a necessidade de respostas efetivas para a promoção dos direitos humanos, direito à saúde, desenvolvimento econômico e social e a luta contra doenças negligenciadas. O pano de fundo é a contextualização econômica e social do país, especialmente o acesso a medicamentos versus a garantia do direito à saúde. Neste ponto é imprescindível caracterizar o problema: para as doenças negligenciadas a questão posta está além do acesso a medicamentos, uma vez que a maioria dos medicamentos para essas doenças datam da década de 60. Com este panorama é preciso entender qual o lugar da P,D&I na área da saúde em relação ao acesso a medicamentos e novas terapias em países em desenvolvimento, quando se trata de doenças negligenciadas. Pesquisar a atual situação de financiamento

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para doenças negligenciadas no Brasil e no mundo e verificar a viabilidade de propostas que garantam a regularidade de P,D&I em tais doenças é condição sine qua non para que se possa vislumbrar novos cenários. Analisar as regras de gerenciamento e submissão para os financiadores nessa área a fim de otimizar e facilitar o processo de P,D&I em toda a cadeia e criar uma sólida infraestrutura para a produção nacional de medicamentos e terapias e garantir o interesse público, viabilizando assim uma política nacional coerente, dinâmica e regular de financiamento para P,D&I em doenças negligenciadas. E, finalmente, apontam-se as iniciativas nacionais e internacionais para financiamento em P,D&I em doenças negligenciadas, com enfoque casos de sucesso e/ou fracasso. É imprescindível examinar as questões internacionais e debates que influenciam políticas públicas de saúde e regulamentações relacionadas ao acesso a medicamentos como direitos de propriedade intelectual, aspectos regulatórios, legislação sanitária e inovação tecnológica no que tange às doenças negligenciadas. Com isso é possível, em razão da amplitude de atuação da UAEM monitorar as atividades dos grupos internacionais e identificar possibilidades para ação conjunta, bem como facilitar a colaboração dos projetos da UAEM-Brasil como potenciais parceiros a fim de ampliar a rede colaborativa internacional. Este projeto, enfim, aponta para uma série de questões que escapam ao estrito âmbito do direito, o que torna uma experiência muito rica como extensão. As políticas de saúde pública e o baixo financiamento destinado às doenças negligenciadas, bem como o impacto causado por estas doenças (algumas erradicadas em países desenvolvidos) no mundo do trabalho, denotam que ainda há muito que se fazer para seja efetivamente garantido o direito à saúde e acesso a medicamentos essenciais e novas tecnologias médicas, especialmente quando se trata de doenças negligenciadas. O ativismo estudantil é uma pequena mostra de que este tipo de experiência encontra um ambiente profícuo nas instituições de ensino

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superior e que tais projetos, por sua vez, quando bem sucedidos, servem à sociedade.

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RESUMO EXPANDIDO DO GRUPO DE TRABALHO “PESQUISA EM DIREITO: QUESTÕES CONTEMPORÂNEAS” Sessão única, dia 08 de maio das 14h às 18h

Coordenador: José Carlos Veloso Filho (Centro Universitário de Brasília, UNICEUB). Debatedora: Julia Maurmann Ximenes (Instituto Brasiliense de Direito Público, IDP).

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LIMITES E OPORTUNIDADES DA PESQUISA EM DIREITO NO BRASIL: O PAPEL DA PÓS­GRADUAÇÃO STRICTO SENSU (Isaac Reis, Instituto de Educação Superior de Brasília, IESB, e-mail: [email protected])

1. INTRODUÇÃO. O presente artigo busca se inserir no conjunto de reflexões sobre a Educação Jurídica no Brasil a partir da ideia da centralidade da pesquisa em Direito. De acordo com esse pressuposto, a superação das dificuldades relacionadas à produção de conhecimento no campo jurídico tem o potencial de estimular um novo cenário para a graduação, atualmente convertida, na maioria das instituições, em uma longa preparação para concursos e exame da Ordem dos Advogados do Brasil. A reflexão não pretende, no entanto, oferecer soluções monolíticas, sob pena de repetir uma tradição de concepções sobre o ensino jurídico que, como ela mesma sustenta, começa, pouco a pouco, a ser superada. Pretende, supondo a complexidade dos problemas que afligem a educação superior - na qual se insere o ensino jurídico - encontrar possibilidades, identificar desafios e horizontes que, mais que tudo, sirvam à mudança de práticas cotidianas dos atores envolvidos. Começa, assim, por abandonar a noção de "crise do ensino jurídico", já que as possibilidades semânticas do termo parecem ter se esgotado em coágulos de sentido. Crise para que? Crise para quem? De acordo com que perspectivas? Um artigo sobre “crise do ensino jurídico e da pesquisa em Direito” corre, de um lado, o risco da afasia, diante do sem número de análises que abordaram praticamente todas as facetas do ensino jurídico - do perfil do estudante e do docente aos obstáculos epistemológicos à cientificidade do Direito -, e de outro, o da frustração, diante da impossibilidade de pensar algo que ainda não foi proposto e/ou implementado, sem, no entanto, alterar significativamente o cenário que se denunciou. Buscará assim, ao

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invés de propor soluções, apontar tendências e práticas que, de acordo com os pressupostos que assume, apontam para uma renovação da pesquisa em Direito, focada sobretudo na utilização de dados empíricos e na reflexão metodológica e até então ausente. Por fim, buscará inserir a Pós-Graduação em Direito no desafio de acompanhar essas novas práticas, desenvolvidas muitas vezes fora da Universidade - ainda que paralelamente a ela - como condição sem a qual a oxigenação do ensino jurídico, que tem na graduação seu momento mais desafiador, corre o risco de não se efetivar. Com base nesses pressupostos, o artigo possui as seguintes hipóteses de trabalho: (1) o modelo de pesquisa jurídica praticado nos Cursos de Direito no Brasil apresenta um déficit de aprofundamento epistemológico-metodológico, que o confronta com obstáculos como o reverencialismo, o manualismo, a falta de profissionalismo e de independência, o solipsismo epistemológico e a arrogância metodológica, cujas consequências conduzem a um perfil de pesquisa que transita entre os extremos do positivismo empirista, que gera trabalhos de mera descrição de dispositivos normativos em seus aspectos sintáticos e semânticos e do idealismo metafísico, consistente em análises sem qualquer conexão com a tradição de pesquisa da área respectiva, normalmente caracterizada pela apresentação, descrição e adesão solitária a uma teoria ou autor. (2) essas características produzem um perfil de pesquisa de baixa qualidade em termos de produção de conhecimento e de conexão com problemas reais enfrentados no campo jurídico ou, quando esse enfrentamento ocorre, desemboca em soluções destituídas de fundamento empírico e igualmente desconectadas das condições reais de sua implementação. (3) as novas experiências e práticas, ligadas à pesquisa empírica, e tomando sobretudo o papel dos juízes e do Poder Judiciário como objeto de estudo, proporcionam reflexões metodológicas que contribuem por elevar a qualidade da pesquisa em Direito no país, colocando-se como desafio a ser enfrentado pela Pós-

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Graduação stricto sensu, de onde podem sair novos perfis de docente e pesquisador, capazes de retroalimentar a produção de conhecimento no ensino de graduação. 2. OS OBSTÁCULOS À QUALIDADE DA PESQUISA EM DIREITO NO BRASIL. Ao contrário dos discursos sobre o ensino jurídico, a análise e crítica da pesquisa em Direito no Brasil ainda é tão escassa e frágil quanto ela própria. É inegável, no entanto, que nos últimos dez anos houve um desenvolvimento considerável da produção científico-jurídica brasileira, ao menos em termos quantitativos. Essa ampliação tem exigido maior dedicação de professores para a orientação de alunos, maior qualificação e titulação dos docentes, além de uma maior capacitação metodológica e preparo para a pesquisa. Não obstante isso, e apesar de toda a crítica epistemológica desenvolvida nos anos 80’s e 90’s por importantes autores no Brasil, parece persistir o quadro pintado por José Eduardo Faria e Celso Campilongo em 1991, ao afirmarem que a pesquisa empírica - e mesmo a produção teórica nas faculdades de Direito praticamente não existia, limitando-se as faculdades de direito, quando muito, a reproduzir o legalismo oficial, e os professores, à tradicional pesquisa bibliográfica. Como compreender esse quadro? Quais são as características da pesquisa em Direito que se colocam como verdadeiros obstáculos à busca por padrões de uma qualidade que permitisse à produção acadêmica brasileira dialogar com os principais centros de pesquisa internacional? Várias causas são apontadas e vão desde exigências inerentes à natureza do trabalho de pesquisa, passando pelo perfil “pragmático” dos operadores do direito, ausência de investimento público, policiamento ideológico, mercantilismo dos cursos privados e precarização da carreira docente. Uma delas, no entanto, pode funcionar como ponto de partida para reflexão que se quer levar adiante: o mal estar de muitos juristas em torno do estatuto epistemológico do trabalho jurídico e das acusações (nem sempre explícitas) de não ser ciência o que os juristas fazem, ou ainda, de não

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possuir a pesquisa jurídica nenhuma relevância social ou mesmo de ser ela incompreensível para qualquer pessoa que não seja iniciada nos ritos e símbolos do mundo jurídico. Esse questionamento não é novo. Já em 1947, Von Kirchmann espicaçava: “El carácter acientífico de la jurisprudencia como ciencia puede significar, por un lado, “que la jurisprudencia, si bien constituye una ciencia, carece de aquella influencia en la realidad y la vida de los pueblos que cualquier ciencia posee y debe tener”; por ele otro lado, mi tema puede mentar “que la jurisprudencia carece de valor como ciencia teórica, que no constituye una ciencia con arreglo al auténtico concepto de la misma”. Diante de tal questionamento, os juristas normalmente tomam duas posturas diferentes: 1) o solipsismo epistemológico, consistente na afirmação simples de que o Direito é objeto de um ciência sui generis, cujo conceito é diverso não apenas das hard sciences mas até mesmo das ciências humanas; 2) a atitude, igualmente simplista, e de profunda arrogância epistemológica, que consiste em afirmar: “Se o que nós, juristas, fazemos, não pode ser chamado de ciência, pior para a ciência!” Além dessas duas posturas, o artigo buscará apontar, a partir da contribuições de autores ligados à Filosofia e à Sociologia do Direito, como Luciano Oliveira e Roberto Fragale, dentre outros, características importantes da pesquisa e dos pesquisadores em Direito, tais como o reverencialismo, o manualismo, a falta de tempo e de profissionalismo, a naturalização de conceitos e a produção de mega-hipóteses como obstáculos à qualidade da pesquisa jurídica no Brasil. Obviamente, o artigo não tem a pretensão de buscar as raízes históricas e sociais de cada um desses obstáculos, mas apenas contribuir para que os juristas, tomando consciência deles, possam superá-los. 3. O QUE HÁ DE NOVO: PERSPECTIVAS E TRANSFORMAÇÕES RECENTES O artigo pretende realçar o papel inovador das pesquisas empíricas em Direito. E o faz não por assumir uma realismo metafísico ou por assumir a existência de uma realidade ontologicamente transparente, carregada de sentido por si

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mesma. Ocorre que esse empirical turn traz consigo um conjunto de reflexões metodológicas para a pesquisa jurídica, a qual, durante muito tempo, resumiu-se à normalização de trabalhos e transmissão de regras de apresentação. Na verdade, a grande maioria das disciplinas de metodologia da pesquisa em Direito nos cursos de graduação ainda se resumem a esses conteúdos. Uma vez que não se pressupõe o poder de qualquer análise de chegar ao "verdadeiro" acerca da essência da realidade, a pesquisa empírica coloca-se como um locus de embates retóricos em que não apenas a realidade encontra-se em disputa, mas concepções acerca do conhecimento, dos valores e do próprio trabalho dos pesquisadores. É óbvio que a pesquisa empírica não é a única dotada de valor acadêmico. Mas ela tem tido o papel, ao menos no âmbito jurídico, a virtude de inserir o pesquisador no debate público, no questionamento do uso dos métodos e técnicas utilizados, na crítica a resultados e conclusões, o que o modelo tradicional sequer permitia. Tratava-se, outrora, de avaliar o mérito acadêmico de uma pesquisa pelo simples recurso à autoridade de seu autor na comunidade jurídica, por sua vez associada à função ocupada no sistema judicial. É a superação desse modelo, com um novo modelo de pesquisa, de debates e os locais de sua produção na cena acadêmica atual brasileira que o artigo pretende trazer à análise. 4. O PAPEL DA PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU. Embora tenha precedido a criação de universidades, os cursos jurídicos, por uma série de fatores, parecem não ter acompanhado o desenvolvimento daquelas em termos científicos e metodológicos. Nos últimos anos, entretanto, a área do Direito tem buscado se distanciar do tradicional perfil bacharelesco, livresco, baseado na difusão de discursos repletos de figuras retóricas e demonstrações de erudição, para inserir-se na tendência internacional de produção de pesquisas centradas em problemas sociais concretos, com sólida reflexão metodológica e tendo por objeto não apenas outros discursos, mas incorporando cada vez mais a perspectiva da pesquisa

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empírica. É nesse sentido que o último documento da área de direito afirmou como principais objetivos da pós-graduação, dentre outros: a) o ensino de fundamentos teóricos e metodológicos do Direito; b) o desenvolvimento autônomo de projetos de pesquisa científica; c) a divulgação dos resultados das pesquisas; d) a formação de novos pesquisadores; e) a divulgação de conhecimento científico para o público não acadêmico, visando a difusão de conhecimento, a efetiva realização do ordenamento jurídico nacional e a concretização de direitos dos cidadãos. Vê-se, a partir dessas definições, a declarada intenção de adensar a produção de conhecimento a partir de cânones diversos daqueles que têm caracterizado até aqui a pesquisa em Direito. Embora não detenha o monopólio dessa produção - ninguém o detém -, a Universidade parecer ser a instituição mais vocacionada para conduzir esse processo de mudança. A renovação dos quadros dos programas de pós-graduação nos últimos anos parece apoiar essa ideia. Assim, o desafio para a os programas de mestrado e doutorado é o de superar a tradição bacharelesca e os obstáculos acima apontados, para tornar-se um locus privilegiado de produção de conhecimento de qualidade, afirmando a importância da Universidade como talvez última instituição na qual se produz conhecimento sólido, socialmente relevante e livre, ainda que em menor grau, dos condicionamentos do mercado. 5. CONCLUSÕES. Conforme salientado alhures, é preciso evitar o risco da simplificação da realidade e dos problemas. Ela conduz sempre a duas alternativas perigosas. De um lado, os otimismos salvacionistas e, do outro, o niilismo dos desiludidos. São as mesmas pessoas e ideias que transitam entre um e outro desses polos. Nesse artigo, procurou-se evitar o niilismo ao se partir da constatação de que a pesquisa em Direito no Brasil, tradicionalmente limitada pela ausência de qualquer sofisticação metodológica, parece ir, aos poucos, se livrando de alguns dos obstáculos à sua qualidade. O artigo pretende mostrar quais são esses obstáculos, sem recusar a existência de outros tantos, colocando

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as novas experiências ligadas à pesquisa empírica como possibilidades de superá-los. Do mesmo modo, busca realçar a importância de os programas de mestrado e doutorado se inserirem nesse movimento, contribuindo assim, por meio da capacitação de pesquisadores e docentes, para recolocar, para a graduação em Direito, a perspectiva da formação do bacharel em Direito a partir da perspectiva da produção de conhecimento e não da mera repetição e do aprendizado mnemônico de manuais, apostilas e resumos, com o objetivo único de obter sucesso em concursos e exames, de qualidade e eficiência duvidosos.

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RESUMOS EXPANDIDOS DO GRUPO DE TRABALHO “NOVOS DESAFIOS AO ENSINO DO DIREITO” Primeira Seção, dia 08 de maio das 14h às 18h Segunda sessão, dia 09 de maio das 14h às 18h

Coordenadora: Christine Oliveira Peter da Silva (Centro Universitário de Brasília, UNICEUB). Debatedor: Marcus Firmino Santiago (Instituto Brasiliense de Direito Público, IDP).

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A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM DIREITO E A PREPARAÇÃO PARA CONCURSOS PÚBLICOS: CONEXÕES E DISPUTAS NO INTERIOR DO CAMPO JURÍDICO (Aline Sueli de Salles Santos, Universidade Federal de Tocantins, email: [email protected])

INTRODUÇÃO. Qualquer pessoa envolvida com a educação jurídica no Brasil sente a influência que os concursos públicos têm sobre a área. A estrutura burocrática do Estado brasileiro e sua regra constitucional dos concursos públicos para seleção dos servidores públicos em geral (CB/1988, art. 37, II), e dos profissionais de carreira jurídica pública em especial (CB/1988, art. 93, I; art. 129, § 3º; art. 131, § 2º; art. 132, § 1º) (além do Exame de Ordem para a advocacia – Lei 8906/1994), formam o pano de fundo desta realidade. Se levarmos em conta um contexto social mais amplo (que inclui o aumento de salários, de oferta e de concorrência para cargos – e empregos – públicos e jurídicos) e da educação jurídica, em particular (com o crescimento do número de cursos de Direito, a expansão da pós-graduação stricto sensu e a política regulatória do MEC), explicase o nascimento de um verdadeiro “sistema de ensino para cursos preparatórios” (na denominação do CADE, 2011). Com base na teoria dos campos de Pierre Bourdieu, este trabalho busca discutir os impactos desse cenário no campo jurídico nacional, apresentando e relacionando os subcampos da formação acadêmica em Direito e de preparação para concursos públicos, a fim de refletir sobre pontos de conexão e de disputa entre eles com ênfase no que acontece no âmbito dos cursos de graduação e pós-graduação (lato sensu) de Direito. O desenvolvimento da pesquisa apoia-se, além da pesquisa bibliográfica, basicamente na netnografia, com o uso de informações oficiais e públicas encontradas nas páginas de instituições envolvidas com a problematização apontada. O CAMPO JURÍDICO. Para Bourdieu, “o campo jurídico é o lugar de concorrência pelo monopólio do direito

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de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição (nomos) ou a boa ordem.” (O Poder Simbólico, Edições 70, 2011). A unificação e centralização das fontes jurídicas, sua interpretação e aplicação por um grupo especializado que age em nome do Rei e do Estado, os juristas, faz com que eles passem a deter uma espécie própria de capital simbólico, o capital jurídico, ao mesmo tempo que legitimam o próprio Estado que se consolida. O capital jurídico é, então, aquele relacionado à “competência ao mesmo tempo social e técnica que consiste essencialmente na capacidade reconhecida de interpretar (de maneira mais ou menos livre ou autorizada) um corpus de textos que consagram a visão legítima, justa, do mundo social.” (Idem, 2011). Neste sentido, o capital jurídico funda sua legitimidade em um discurso situado sobre a ilusão de universalidade (como expressão da justiça), neutralidade e autonomia (frente a outros campos e capitais sociais, como o econômico, o político, o religioso...), configurando-o como um capital simbólico de grande valor, por meio da construção de um espaço próprio de possibilidades daquilo que legitimamente pertence, ou não, ao campo jurídico. Esse espaço de possibilidades, que é o espaço da disputa e do jogo jurídico, comporta vários agentes, que são, eles próprios, parte da disputa (quem integra o campo jurídico? Quem são os intérpretes autorizados do Direito?). E nesse campo podem existir agentes que atuam, em graus variados, de duas formas: “de um lado, a interpretação voltada para a elaboração puramente teórica da doutrina, monopólio dos professores que estão encarregados de ensinar, em forma normalizada e formalizada, as regras em vigor; do outro lado, a interpretação voltada para a avaliação prática de um caso particular, apanágio de magistrados que realizam actos de jurisprudência e que podem, deste modo, – pelo menos alguns deles – contribuir também para a construção jurídica. (Idem, 2011). Além dessas duas forças tradicionais, o cenário nacional que se desenrola a partir da Constituição de 1988, fez surgir no campo jurídico uma terceira força representada por aqueles agentes,

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instituições e conhecimentos voltados para a preparação para concursos públicos, e que provoca forte impacto especialmente no âmbito da formação acadêmica, como se demonstrará. A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM DIREITO. Desde a criação dos cursos de Direito no Império do Brasil é grande a influência e participação dos bacharéis na construção da burocracia nacional, e não só na judicial. Ao que pese a qualidade não ter nunca caracterizado o ensino jurídico em nossa história, é a partir da década de 1970 que começa a surgir uma maior percepção, preocupação e debate sobre essa questão, segundo Alberto Venancio Filho (Das arcadas ao bacharelismo, 2 ed, São Paulo, Perspectiva, 1987), e desde então, a despeito de todas as mudanças ocorridas na área, firmou-se o diagnóstico de continuidade de uma crise no ensino jurídico, considerado acrítico, dogmático, reprodutivo, ensimesmado. À Constituição de 1988 seguiu-se uma ampla regulação do ensino superior e, na área jurídica, o amadurecimento de um campo do conhecimento voltado à educação jurídica (FELIX; SANTOS, 2011), o que não foi suficiente para assegurar uma expansão com qualidade, que veio a ocorrer a partir de meados da década de 1990, com o expressivo aumento de oferta de (vagas em) cursos de Direito. O sistema regulatório da educação superior, do qual a graduação (bacharelado) e a pós-graduação lato sensu (especialização) em Direito é parte, é bastante complexo e normatizado, contando com várias entidades com competências complementares (às vezes sobrepostas) e de cooperação. Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB – Lei 9394/1996) dispõe que a educação superior deve “formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua”. (art. 43, II). Para tanto, o Estado desempenha papel regulador sobre as instituições públicas ou privada e os cursos superiores por elas ofertados por meio da exigência de renovação periódica dos atos que a permitem funcionar

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(art. 46) e da emissão de normas gerais que disciplinam o exercício do seu poder de polícia, como as diretrizes curriculares para cursos de graduação (Resolução CNE/CES 9/2004, para os cursos de Direito), e a oferta de cursos de especialização (Resolução CNE/CES 1/2007). Nas diretrizes curriculares dos cursos de Direito encontramos o perfil que se espera do bacharel em Direito e ainda as competências que o curso visa desenvolver no aluno e os conteúdos mínimos obrigatórios que devem estar presentes em todos os cursos do Brasil, divididos em eixo de formação fundamental, profissional e prático. O processo avaliativo do curso de Direito (e de toda a educação superior) está regulamentado pelo Decreto 5773/2006 e diversas normas menores que disciplinam o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES). As responsabilidades no SINAES são distribuídas entre várias entidades públicas educacionais, além da contribuição (permanente ou pontual) de outras organizações. No caso dos cursos de Direito há participação efetiva da OAB, pois para se abrir novo curso e mantê-lo regular, ela deverá ser ouvida em todos os processos (por meio de sua Comissão de Educação ou Ensino Jurídico), além de compor outras iniciativas, como às ligadas à regulação e recentemente, encabeçar audiências públicas para um novo marco regulatório. A Associação Brasileira de Ensino de Direito (ABEDI) é outra entidade representativa da área que participa das ações de supervisionou do MEC, que na primeira iniciativa, com 82 cursos (com baixa avaliação no SINAES e no Exame de Ordem) levou ao fechamento de mais de 20 mil vagas e adequações para a melhoria dos cursos por meio de termos de saneamento de deficiências. esde a expansão dos cursos de Direito, podemos encontrar 4 tipos deles: as públicas, as comunitárias e católicas, as particulares de massa (que mais se proliferaram) e uma quarta apresentada abaixo. Na pós-graduação lato sensu, a Resolução CNE/CES 1/2007 retirou a possibilidade de entidades que não sejam instituições de ensino superior certificarem as especializações. A

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PREPARAÇÃO PARA CONCURSOS PÚBLICOS. Os bens e produtos relacionados à preparação para concursos públicos fazem parte do “sistema de ensino para cursos preparatórios”. Não se desconhece, ainda que aqui não tenhamos adotado, o significado de “sistemas de ensino” trazido pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Como parte do referido sistema (upstream), encontram-se vários mercados mais específicos (downstream), como os de cursos preparatórios; materiais didáticos e de autoajuda; mídia especializada; e, mais recentemente, o trabalho de coaching. O sistema de ensino de preparatórios para concurso é, sem dúvida, o setor mais expressivo deste mercado e o mais segmentado. No que se refere aos cursos preparatórios, de acordo com a pesquisa netnográfica, é o serviço mais antigo oferecido para a preparação para concursos públicos, derivados dos cursos de preparação para vestibulares de ingresso ao ensino superior. Os cursos para os concursos públicos em geral (onde o conteúdo jurídico é solicitado), também oferecem curso preparatório para o Exame de Ordem. Podemos encontrar uma grande diversificação na oferta de cursos preparatórios, que podem ser formatados de tantas maneiras quantas forem possíveis em decorrência do cruzamento de variáveis como: - quanto ao sistema de transmissão da informação (cursos presenciais, satelitários, web e gravados); - quanto ao conteúdo (genérico, por matéria ou modular); - quanto à abordagem do conteúdo (conceitual/teórico, resolução de exercícios) (com base em NEIVA, 2010). Além disso, há cursos que acabam se especializando em alguma área ou ente público, tendo, inclusive aqueles que são famosos na sua preparação para a área jurídica, como o Instituto Processus (presencial no DF), o Praetorium (satelário), a Rede LFG e o Damásio Educacional (satelitários e web). Além dos cursos preparatórios, outro instrumento importante de preparação para concursos públicos são os materiais didáticos, que incluem livros, com vários conteúdos (legislações – comentadas e “secas”, didáticos, questões comentadas ou de auto-ajuda), formatos

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(manuais, resumos e apostilas - Aqui entendemos apostila de acordo com seu sentido comum, como um material mais simples e que pode reunir vários temas, conforme programa do concurso para o qual ela se dirige) e mídias (impressos, virtuais ou digitais). As grandes e tradicionais editoras de livros didáticos jurídicos (Saraiva, Atlas, RT, Forense) têm hoje linhas voltadas especialmente para concursos, tanto de cunho didático, como as compilações legislativas, gerais e específicas. Também notamos várias editoras especializadas neste nicho de mercado, dentre as quais vale destacar a Método, a Impetus, a editora Ferreira. O coaching é um trabalho que busca ajudar individualmente o candidato a se preparar para concursos públicos, por meio de auxílio à organização e efetividade dos estudos. E as mídias especializadas divulgam concursos abertos e previstos; promovem fórum de discussão e interação entre os concursandos; disponibilizam materiais didáticos, questões de concursos; recursos administrativos e petições judiciais; dicas e textos de autoajuda; trazem notícias relacionadas ao tema; muita propaganda do mercado que visa a preparação para concursos públicos; entre outras possibilidades relacionadas à preparação para concursos públicos. GRADUAÇÃO E PÓS-GRADUAÇÃO (LATO SENSU) EM DIREITO E A PREPARAÇÃO PARA CONCURSOS PÚBLICOS. Aproveitando da expansão da graduação em Direito em parte concomitante, e em parte contigua ao crescimento da oferta e do interesse por concursos públicos, podemos identificar a criação de um 4º tipo de curso de Direito, para além daqueles apontados no tópico sobre educação jurídica: o curso de Direito derivado de cursos preparatórios para concursos públicos e voltados para “as carreiras públicas”. As faculdades de Direito Damásio de Jesus, da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul - FMP, do Instituto Processus, e do Grupo Educacional Fortium são exemplos de IES deste grupo. Algumas delas fazem dessa origem uma marca do curso (Processus e FMP). Normalmente há intercâmbio de professores

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(entre os cursos preparatórios e a graduação) e facilidades para os alunos frequentarem os cursos preparatórios para o Exame de Ordem e concursos públicos. Ainda na graduação, encontramos vários cursos de Direito que fazem convênio com cursos preparatórios (Faculdade Projeção, Unipê, FINAN/Uniesp). Os convênios são especialmente com aqueles satelários ou web, para o Exame de Ordem. Na outra mão, também é normal encontramos cursos de pós-graduação lato sensu (especialização) realizados por cursos preparatórios, mas certificados por uma IES (Grancursos/UDF, Vestcon/Faculdade Projeção). Vê-se pelo programa das pós-graduações ofertadas que elas se estruturam basicamente de disciplinas voltadas para concursos públicos, acrescidas de disciplinas (muitas vezes online mesmo quando o curso é essencialmente presencial) e trabalho de conclusão. Encontramos ainda a incorporação de várias instituições educacionais a um único grupo que atua em vários sistemas de ensino, com empresas diferentes, mas que se relacionam, como é o caso do grupo Anhanguera Educacional com, por exemplo, a pós-graduação do LFG sendo certificada pela IES Anhanguera-Uniderp. Por fim, também não é de desprezar o fato de que o Exame de Ordem pode interferir na regularidade dos cursos de Direito, uma vez que o resultado obtido pelos alunos é um indicativo a ser observado para ser alvo ou não de ações de supervisão do MEC. CONCLUSÕES. Vê-se que a exigência de aprovação em um concurso público (ou, no mínimo, no Exame de Ordem) para o exercício de uma profissão jurídica resultou em um espaço de superposição (e, portanto, de disputa) na formação do bacharel em Direito. Com isso, cursos de Direito nasceram a partir de cursos preparatórios para concursos públicos, alguns com a manutenção explícita desta proposta inicial. Além disso, desenvolveu-se uma série de convênios entres esses dois tipos de instituições, quer seja para a certificação de pós-graduação (lato sensu) de cursos de especialização ministrados por cursos preparatórios para concurso, quer seja para oferta de cursos

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preparatórios para os bacharelandos durante a sua formação nos cursos de Direito. Fusões e incorporações no mercado da educação também geraram grandes grupos que atuam, por meio de diferentes empresas, em ambas as áreas. E o Exame de Ordem interfere nos atos regulatórios do MEC. Com isso, os cursos preparatórios para concurso público têm impactado fortemente os cursos de Direito, deslocando ou pelo menos borrando os limites do foco da formação jurídica, antes de índole preponderantemente acadêmica (ou no espaço acadêmico). Claro que outras opções de pesquisa podem e devem ocorrer da interface proposta, como uma análise voltada ao conteúdo jurídico das provas de concurso, a extensão do uso dos livros de Direito para concursos nos cursos de Direito, bem como de avaliações com questões de concursos; o intercâmbio de professores, entre outros tantos.

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O DIREITO À EDUCAÇÃO E A AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS NO BRASIL (Amanda Madureira, Universidade Federal do Maranhão, UFMA, E-mail: [email protected]; Edith Maria Barbosa Ramos, UFMA; Márcio Flávio Lima da Silva, UFMA)

INTRODUÇÃO. O Direito passou a exercer, na atualidade, a fundamental missão de ser o elo de articulação de diferentes conhecimentos interdisciplinares, isto é, o espaço de interação entre a sociologia e a filosofia com a ciência e a técnica jurídicas. A exigência de um redimensionamento da legislação infraconstitucional, sobretudo, tendo em vista a Constituição Federal de 1988 e sua conformação analítica e conhecimentos que ultrapassam as fronteiras da ciência tradicional do Direito permitiram um processo de abertura do sistema jurídico, com a garantia de interfaces com diferentes questões que afligem os cursos jurídicos e a própria universidade, em geral. O estudo do direito à educação, enquanto direito social, em nossa Constituição e legislação ordinária, demonstra-se não apenas importante, mas fundamental para a compreensão das políticas públicas elaboradas e implementadas pelo Estado. Sobre educação superior a Constituição Federal fez poucas referências explícitas, no entanto, esses indicadores devem ser percebidos como elementos de conformação de um sistema mais abrangente, de garantia de direitos e de um estado democrático. Poucos autores se detiveram ao tema, o que justifica a pequena bibliografia que trata da matéria, para não mencionar a ausência na literatura nacional de obras que sistematizam esse conteúdo, de tal forma que a autonomia é um desafio para os teóricos do direito que não se enquadram dentre aqueles de visão tradicional e dogmática. Deve-se buscar a conciliação entre teoria e a realidade social para que se torne possível a instrumentalização das complexas questões que envolvem a estrutura

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do Estado e o direito à educação. Somente com a conciliação do tratamento constitucional dado à matéria da teoria dos direitos fundamentais e da experiência profissional, elementos intrinsecamente vinculados, pode-se realizar um estudo dialógico da realidade universitária brasileira que tenha a pretensão de ultrapassar os limites da dogmática jurídica. SEÇÕES DE DESENVOLVIMENTO. As reflexões acadêmicas, sem abandonar o caráter científico e de profundidade da reflexão, devem estar voltadas para o real, até porque é na prática do dia-a-dia que se comprova a utilidade social das normas e das instituições. Trata-se de pensar a realidade universitária como uma cartografia da ideia de autonomia universitária das instituições públicas. Deve-se perceber a autonomia, não como mera definição legal, mas como uma exigência social e política da liberdade. E como toda demanda social é constituída por especificidades e racionalidades específicas. É sob essa perspectiva que este artigo pretende constituir-se. Não há pretensão de esgotar o assunto, até mesmo em razão de sua complexidade. No entanto, a autonomia universitária é questão fundamental para a compreensão da natureza e da normatização das universidades públicas. O presente trabalho é resultado de um conjunto de reflexões conjuntas desenvolvidas no Núcleo de Estudos em Direito Sanitário (NEDISA) da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) sob a liderança da professora Edith Maria Barbosa Ramos. Nos meses entre março e outubro de 2013, o NEDISA realizou 10 (dez) seminários internos e procurou construir uma metodologia de análise que permitisse a maior participação possível de seus membros e convidados sob a temática do direito à educação. A partir da questão da educação outras subtemáticas foram surgindo, entre estas a de maior destaque foi o interesse pela compreensão da autonomia universitária e como essa ideia poderia permitir uma atuação mais efetiva da instituição nos problemas sociais e na consolidação da democracia. Santos (1996) recorda que os mapas são mecanismos comuns ao homem, no

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entanto, são pouco explorados pelos pesquisadores das ciências sociais em geral. Exatamente por não ser território que tenta reproduzir, o mapa é, verdadeiramente, distorções da realidade. Deve-se destacar que essas distorções não se configuram como um escamoteamento da verdade, se os indivíduos estiverem conscientes dos instrumentos construtores da representação. A cartografia é exatamente a técnica que se dedica ao estudo da confecção dos mapas. A compreensão da estrutura cartográfica, no entanto, só se torna possível pela identificação de dois elementos imprescindíveis da representação, quais sejam: a escala e projeção. A escala possibilita a identificação do grau de especificação que o mapa representa, selecionando o que deve ou não deve ser omitido, indicando seus detalhes mais importantes. O mapa deve reproduzir com maior fidelidade possível os detalhes caracterizadores da respectiva região, pois, quanto maior a escala maior o número de informações do local e menos panorâmica é a abordagem (SANTOS, 1996). O outro elemento fundamental para o controle da distorção cartográfica é a projeção. Esta permite que o mapa seja apresentado de acordo com a finalidade de seu criador. Eliminando ângulos e curvas em favor, por exemplo, da representação em plano de local. O momento da constituição do mapa pelo idealizador determina, necessariamente, o ponto, que ele, considera central e estrutura todo o resto em torno de sua perspectiva. Isto é, ressalta um espaço em detrimento de outros espaços possíveis, que não deixam de existir, mas são caracterizados como espaços marginais (SANTOS, 1996). Uma cartografia das relações sociais permitirá uma análise desmitificada dos espaços marginais, pois passará a compreender a realidade jurídica, por exemplo, não apenas como o produto normativo das casas legislativas, mas como resultado das ações e reações do cotidiano das relações sociais e das normas (SANTOS, 1996). Uma adequada análise da autonomia somente se faz viável a partir de um cartográfico da natureza das universidades. A norma do artigo 207 da Constituição

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Federal de 1988 é de eficácia plena e aplicabilidade imediata, pois independe de legislação complementar que disponha sobre seu conteúdo, alcance e sentido. A legislação infraconstitucional, nessas circunstâncias, está restrita a uma possível e necessária regulamentação que implemente ou otimize sua aplicação. A característica principiológica da autonomia universitária, atualmente definida como poder funcional derivado, vinculado ao específico interesse da entidade que o detêm e limitado pelo ordenamento que lhe deu causa, sem o qual ou fora do qual não existiria, ressalte-se o entendimento de que autonomia não é soberania, é poder derivado, não é independência, pois a autonomia é restrita ao específico interesse da entidade. A universidade, como instituição, tem o dever de ampliar e multiplicar conhecimentos, com o objetivo de produzir membros que cooperem com o avanço da sociedade que integram. Por meio do serviço público peculiar que a universidade deve prestar a sociedade – ensino, pesquisa e extensão – pode ser exercida a autonomia que lhe foi concedida, servindo esta como um meio à obtenção de uma finalidade social. A medida da autonomia da universidade dada pelos objetivos das universidades, isso significa que, no exercício de suas finalidades são plenamente autônomas. Em sentido maior, a autonomia da universidade é limitada pelos princípios gerais instituídos na constituição que congregam e determinam todo o ordenamento jurídico, pois mesmo no exercício de suas finalidades a universidade está submetida às normas constitucionais, especialmente, aos direitos fundamentais. Em termos mais precisos se faz necessário caracterizar os limites constitucionais próprios da autonomia universitária que são refletidos em quatro dimensões: autonomia didática, autonomia científica, autonomia administrativa e autonomia de gestão financeira e patrimonial. A autonomia didática está configurada como a competência que tem a universidade de definir a relevância do conhecimento a ser transmitido, assim como a forma de sua transmissão. A autonomia

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científica deve ser apreciada em duplo sentido, como autonomia coletiva referente à autogestão da universidade em matéria de seu específico interesse, assim como autonomia pessoal, pertencente ao direito do professor de pesquisar e ensinar aquilo que acredita, conforme artigo 206, II da Constituição Federal de 1988. A autonomia administrativa é decorrência da autonomia didático-científica e pressupõe a autonomia de gestão financeira patrimonial. Define-se no direito de elaborar normas próprias de organização interna, em matéria didático-científica, de administração de recursos humanos e materiais e no direito de escolher dirigentes. As autonomias de gestão financeira e patrimonial possibilitam as universidades gerir os recursos públicos (financeiros e materiais) que são postos à sua disposição. CONCLUSÃO. Tendo como referência metodológica a dimensão espacial da realidade, desenvolvida por Boaventura de Sousa Santos, que permitiu vislumbrar aspectos do real que antes estavam ofuscados pela necessidade de celeridade e instantaneidade, e privavam os indivíduos de uma força esclarecedora para seu pensar e para o seu agir. Assim, no primeiro momento objetivou-se desenvolver uma análise teórica sobre as diferentes estruturas e instâncias que configuram a universidade, destacando as interações entre o estado e o mercado. No segundo momento objetivou-se desvelar os elementos que configuram a autonomia da universidade no Brasil, para compreender sua configuração e fundamento. Por fim, com o escopo de identificar as circunstância de inserção da ideia de autonomia universitária e concretização da democracia no Brasil constatou-se que a ideia de autonomia está imersa numa crise e que esforços precisam ser reunidos para a modificação desse quadro. Reconhecendo que a profundidade da crise, no entanto, permanece como a engrenagem do dissenso e da produção de caminhos alternativos de sua superação. A compreensão da autonomia universitária implica uma referência ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Esse princípio

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reforça a autonomia das instituições, pois é capaz de transformar esses entes em verdadeiros parceiros do Estado. Compreende-se que o dever do estado com a educação implica a percepção de que, além dos ensinos fundamental e médio, o ensino superior público e gratuito é indispensável a uma comunidade social e política que se pretenda democrática. A universidade pública deve ser o local de continuidade dos estudos apenas pela qualidade que possuem, independente da condição social, credo, origem, etnia e quais outras formas de diferenciação. O financiamento do poder público e a garantia dos princípios de igualdade e da gratuidade fazem da universidade pública um lugar especial e a preservação desse lugar implica a definição clara de uma política para as universidades. Um assunto presente na discussão universitária é a função pública da universidade. Tendo em vista o alargamento de suas atividades, a universidade é cobrada pela sociedade em diferentes frentes, mediante prestação de serviços que, prioritariamente, não competiriam a ela fornecer, tais como assistência judiciária gratuita e hospitais universitários. Objetivou-se construir um mapa da temática da autonomia universitária, para que se tornasse possível a identificação da ideia que a constituição tal e os elementos que possibilitem o deslocamento do seu ponto central, permitindo, dessa forma, uma transformação do ambiente universitário. Esta perspectiva representou a caracterização da autonomia, no tempo presente, enfatizando a importância de se construir um novo caminho para a ideia de universidade. A autonomia, nessa acepção, não se reduz a um conjunto normativo portador de significado único, apenas compreendida pelos técnicos especialistas, mas passa a constituir-se como um conjunto de condições propícias para que todos os atores envolvidos participem do diálogo e das ações desenvolvidas. Essa abertura permitirá que das contradições do modelo atual surjam possibilidades de novas formas de liberdade, pois elas já existem, em latência na periferia do mapa. O verdadeiro dialogo só será possível se

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as contradições do rela forem encaradas, a partir do encontro entre diversas visões de mundo, entre professores e alunos, entre as universidades, entre estas e a sociedade. As contradições dos diálogos não devem ser ocultadas, mas transportadas da imaginação, que permita um olhar diferente sobre o real. A preocupação com a ampliação do dialogo não define somente o objeto, mas também o estilo da pesquisa. A cartografia é um metáfora acessível ao homem comum. Trabalhando com imagens para ilustrar o relato da crise universitária pode-se, enfim, ultrapassar as fronteiras do direito, permitindo que os leigos derrubem as barreiras sociais criadas pela chamada especificidade do direito.

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“RELAÇÕES DE GÊNERO” NA FORMAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS APÓS O ADVENTO DA LEI MARIA DA PENHA (Ana Paula Antunes Martins, Universidade de Brasília, UnB, e-mail: [email protected]; Lívia Gimenes Dias da Fonseca, UnB)

1. INTRODUÇÃO: A QUESTÃO DE GÊNERO NO BRASIL. Diversas reformas legais vêm alterando as relações sociais no Brasil nas últimas décadas. Parte delas denota significativos esforços estatais no sentido de garantir a efetividade da Constituição Federal de 1988, considerada um marco na defesa de direitos igualitários entre homens e mulheres. 25 anos após sua promulgação, a vedação às práticas discriminatórias vem garantindo a contundente inserção das mulheres nas mais diversas categorias profissionais. Foram conquistados direitos relacionados com a maternidade e a proteção contra o assédio sexual. Atualmente as mulheres representam cerca de metade da força de trabalho no País, ainda que persistam relevantes desigualdades salariais e na ocupação de cargos de direção. Além disso, o número de lares chefiados por mulheres quadruplicou na última década (Pnad, 2011), o que denota mudanças significativas nos papeis desempenhados por homens e mulheres. Como visto, o empoderamento das mulheres se evidencia nos mais diversos âmbitos da vida social, produzindo avanços significativos na garantia e na efetivação dos direitos civis, sociais e políticos. A despeito de todas as transformações nas relações sociais vivenciadas nas últimas décadas, há evidências de que maiores investimentos e esforços sociais são necessários para reduzir significativas e persistentes violações aos direitos humanos, especialmente a violência contra as mulheres. Este fenômeno tem se caracterizado como uma constante nas relações entre homens e mulheres dos mais diversos países, faixas etárias, escolaridades e classes sociais. A

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violência não se restringe, portanto, a certos modos de produção social ou arranjos culturais. Apesar de historicamente indeterminado, a elaboração conceitual do fenômeno da violência contra as mulheres começou a ocorrer recentemente, ganhando importância apenas na segunda metade do século XX. Nos anos 1960, as publicações tratavam da “violência intrafamiliar” e não individualizavam a mulher no contexto da violência. Esta opção denota a tendência da época de tratar os problemas da mulher como questões familiares, ou seja, a mulher era sujeito de direitos apenas na medida em que desempenhava o papel tradicional de mãe e esposa. Somente nos anos 1970, o movimento feminista internacional passou a utilizar a terminologia “violência contra a mulher”, que não restringe as situações de violência ao âmbito familiar e doméstico e permite que o problema seja compreendido em dimensão mais ampla, que engloba outros tipos de violação de direitos. Os estudos dessa época buscavam caracterizar a violência como um problema dos direitos da pessoa. Portanto, ampliaram sua visibilidade e a inseriram no campo do direito. Por isso, a partir dos anos 70, o movimento feminista passa a reivindicar a elaboração de leis específicas para o enfrentamento à violência contra as mulheres. Com o slogan “o privado é público”, as feministas brasileiras juntam-se a uma série de movimentos internacionais para exigir a ampliação do arcabouço estatal para garantir uma vida digna e sem violência às mulheres, especialmente no âmbito doméstico, onde ocorre o maior número de agressões e homicídios. O período da ditadura militar foi marcado pelo arrefecimento da organização do movimento feminista que, logo após a redemocratização, reorganizou-se e, como dito anteriormente, influenciou sobremaneira na elaboração da Constituição Federal de 1988. 2. O ADVENTO DA LEI MARIA DA PENHA. A Lei Maria da Penha, promulgada em 7 de agosto de 2006, constitui relevante avanço legislativo, provavelmente um dos mais significativos desde o advento da Constituição Federal de 1988, pois possibilitou o reconhecimento

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da violência contra as mulheres como violação dos direitos humanos. O texto da Lei realizou precisa conceituação de violência contra as mulheres, caracterizando-a como aquela que acontece nos domínios doméstico e familiar, bem como nas relações íntimas de afeto. Segundo definição elaborada pela Convenção de Belém do Pará, a violência doméstica e familiar contra a mulher foi definida como “qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial” (art. 5°, Lei 11.340/2006). Diante disso, a Lei estabeleceu uma série de proteções e garantias que permitem a preservação da integridade física, moral e patrimonial das mulheres em suas relações privadas e íntimas. Estas previsões ampliam e alteram os deveres dos órgãos pertencentes ao sistema de justiça, uma vez que envolvem e articulam os serviços policiais, jurídicos, psicossociais e de saúde para receber e tratar de modo adequado os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Em síntese, as principais inovações trazidas pela Lei Maria da Penha foram: a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; a proibição da aplicação de penas pecuniárias aos agressores; a possibilidade de concessão de medidas protetivas de urgência; e o caráter híbrido das ações, que podem ser, a um só tempo, penais e cíveis. 3. RELAÇÕES DE GÊNERO NA FORMAÇÃO JURÍDICA. Diante das substantivas transformações na vida social - que ensejaram relevantes reformas legais tendentes à garantia da igualdade entre homens e mulheres nos mais diversos âmbitos de convivência, faz-se necessário produzir constantes reflexões sobre a atualidade dos currículos e práticas desenvolvidas nos cursos de Direito no Brasil. A busca da igualdade material em oposição à igualdade formal, tão debatida – teoricamente – desde os anos 1990 no Brasil, parece finalmente ensejar tradução em práticas efetivas que garantam a atuação coerente dos atores do sistema de justiça com os novos modelos legais de igualdade e cidadania demandados por amplos setores sociais. Relativamente superada a

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associação entre cidadania e a mera possibilidade de exercer direitos civis e políticos, surge, de modo veemente, um conceito de cidadania feminista que requer a observância das especificidades e necessidades singulares das mulheres. Nesse sentido, vêm surgindo legislações cujos sujeitos são determinados por sexo, raça e condição socioeconômica, com o objetivo de garantir direitos e visibilidade a grupos com condições de opressão específicas. No caso das mulheres, dada a dimensão e gravidade da violência doméstica e familiar, surgiu a Lei Maria da Penha como mecanismo de eliminar situações que implicam em uma vida indigna, cujo desenvolvimento encontra-se prejudicado diante de relações marcadas pela ordem patriarcal. Portanto, a referida Lei surgiu com o objetivo específico de proteger as mulheres em situação de violências que se dão no âmbito das suas relações íntimas de afeto, familiares e/ou domésticas, em que os padrões de relacionamento de gênero permitem a ocorrência de abusos, dos quais resultam agressões físicas e psicológicas, danos morais e patrimoniais e até mesmo a morte. Na ocasião do seu advento, uma das principais polêmicas se deu em torno do princípio da isonomia, com base no dispositivo constitucional que atribuiu aos homens e mulheres iguais direitos e deveres. Afastada a inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (ADC 19 e ADI 4424), seguem presentes nos discursos e discussões dos atores do sistema de justiça – como promotores, juízes e defensores públicos – sérias dúvidas e questões sobre os limites de aplicação da Lei. Os debates dos atores sobre o alcance da aplicabilidade da lei envolvem, comumente, questões sobre o conceito de gênero e de violência nas relações interpessoais. A eventual permanência deste tipo de dúvidas tende a limitar o emprego da Lei e a restringi-lo a situações muito específicas e estereotipadas, o que exclui uma série de mulheres e situações do abrigo da lei. A questão que este trabalho pretende problematizar, portanto, diz respeito à contribuição dos cursos de Direito para a formação de juristas e atores do sistema de justiça

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capazes de compreender a complexidade dos conflitos interpessoais e atuar de modo a garantir a efetividade de mecanismos legais contemporâneos como a Lei Maria da Penha. As Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito, estabelecidas por meio da Resolução n. 09 de 29 de setembro de 2004 (CNE/CES), definem o perfil esperado do graduado em Direito, que deverá resultar de uma “sólida formação geral, humanística e axiológica”. Espera-se do graduado “capacidade de análise, domínio de conceitos e da terminologia jurídica, adequada argumentação, interpretação e valorização dos fenômenos jurídicos e sociais”. O texto do art. 3° menciona ainda a necessidade de uma “postura reflexiva e de visão crítica que fomente a capacidade e a aptidão para a aprendizagem autônoma e dinâmica, indispensável ao exercício da Ciência do Direito, da prestação da justiça e do desenvolvimento da cidadania”. Observa-se, portanto, que a necessidade de uma formação que contemple as relações de gênero e as respectivas transformações no ordenamento jurídico apenas tangencia as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Direito. As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, por sua vez, orientam o ensino fundamental, médio e superior. Segundo a Resolução n. 1 de 30 de maio de 2012, a Educação em Direitos Humanos tem a finalidade de promover a educação para a mudança e a transformação social e se fundamenta nos princípios: da dignidade humana, da igualdade de direitos, do reconhecimento e valorização das diferenças e diversidades, da laicidade do Estado, da democracia na educação, da transversalidade, vivência e globalidade e da sustentabilidade socioambiental. O presente documento estabelece que os assuntos de direitos humanos podem ser tratados de modo transversal ou em disciplinas específicas nos cursos oferecidos. Muito embora diversos cursos no Brasil contem com disciplinas de Direitos Humanos, percebe-se, uma vez mais que, embora seja relevante a existência de tais diretrizes, não estão presentes no seu texto categorias

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importantes ao tema em questão, como gênero e desigualdades e sexualidade. Desse modo, é possível que haja cursos de Direito em que marcadores sociais de gênero e sexualidade estejam completamente ausentes nos currículos. Tais reflexões ensejam pesquisas empíricas amplas e representativas dos currículos executados no Brasil, mas os textos das normativas permitem, nesse momento, reflexões relevantes sobre as exigências legais que orientam a formação dos bacharéis em Direito e a presença da temática das relações de gênero em seu conteúdo. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS PRELIMINARES. As reformas legais recentes que visam conferir maior efetividade aos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 no que diz respeito às relações de gênero requerem significativas alterações nos currículos e práticas dos cursos de Direito a fim de que os atores do sistema de Justiça possam atuar em consonância com os novos valores sociais que orientam a edição de modelos legais como a Lei Maria da Penha. As normativas que disciplinam a organização político-pedagógica dos cursos de Direito parecem atender apenas parcialmente essas demandas, uma vez que não mencionam a necessidade de incluir neles as temáticas de gênero e sexualidade – seja de modo transversal ou específico. Tais lacunas na formação dos juristas resultam, potencialmente, em inadequações na aplicabilidade de leis criadas para a superação das desigualdades de gênero, como a Lei Maria da Penha, em virtude da insuficiente inclusão de conceitos de natureza multidisciplinar – como gênero e violência – nos conteúdos das disciplinas dos cursos de Direito.

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EXPERIÊNCIAS DE ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO JURÍDICO SOB UMA NOVA PERSPECTIVA (Ana Paula Sales, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Cândido Mendes, E-mail: [email protected]; Wladimir Cerveira de Alencar, Universidade Cândido Mendes)

INTRODUÇÃO. O presente trabalho tem como objetivo compartilhar experiências vivenciadas em duas disciplinas diferentes de graduação: a realização de Júri Simulado para discussão de tópicos relacionados à bioética (na disciplina Sociologia Jurídica) e elaboração em grupo de Tratado Internacional como avaliação final (disciplina Direito Internacional Público). Deste modo, a intenção é demonstrar que através de estratégias diversificadas de ensino é possível lograr avanços no desenvolvimento de habilidades múltiplas dos alunos. 1.1 A EXPERIÊNCIA DE JÚRI SIMULADO COM GRUPOS DE OPOSIÇÃO. A realização de Júri Simulado em curso de graduação em Direito é uma prática comum a quase todos os cursos jurídicos no Brasil, entretanto, o ponto diferencial foi à inclusão do debate sobre bioética, atrelando, inclusive, o julgamento a temática trabalhada no filme “Não me deixe jamais”, onde não havia a discussão sobre a inocência de um indivíduo na prática de um crime, mas o debate sobre a validade jurídica de um programa de clones humanos para doação de órgãos, onde os participantes foram divididos em dois grupos de oposição (um de defesa do programa de clones humanos e outro que defendia a carência de validade do programa). A realização desta atividade fez parte de programa interdisciplinar com alunos do curso de Direito que se interessaram em participar do projeto. Antes da ocorrência do Júri propriamente dito foram realizadas cinco sessões de acompanhamento e debate com respectiva indicação bibliográfica. Tais textos exploravam o raciocínio crítico sobre o ato de julgar e

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diferentes fatores que influenciam a formação de opiniões em julgamentos, além de abordar a temática da bioética. Nas últimas duas sessões de monitoramento os integrantes foram divididos em dois grupos, cada um com seu respectivo coach (dois professores envolvidos no projeto) que auxiliaram os alunos na determinação de estratégias de atuação no Júri, assim como também atuaram no sentido de corrigir o material de apoio feito pelos alunos para o dia da apresentação. Os principais pontos de êxito que podem ser destacados estão relacionados com o desenvolvimento de habilidades diversificadas. Além do aprofundamento dos conhecimentos acerca da temática da bioética e dos limites jurídicos e éticos para atuação científica, a atividade pode estimular a capacidade argumentativa, desenvolvimento de pensamento analítico, a retórica e o aprofundamento teórico e crítico do ato de julgar e de defender pontos de vista diferentes, além de favorecer a familiarização com a postura profissional esperada da atuação do advogado. O papel do julgador recaiu inicialmente para professores do curso não vinculados à atividade desenvolvida. Tal julgamento, com verídico final redigido pelos professores julgadores, foi feito com base nos argumentos trazidos e defendidos pelos dois grupos de oposição. Cabe ressaltar, entretanto, que em próxima edição do projeto a intenção é de atribuir o papel de julgador a corpo de alunos de diferentes cursos de graduação, de maneira a conceder um perfil mais plural ao júri. A interação do grupo e de seus integrantes se deu de maneira interessante, alunos com perfil mais expansivo lideraram as sustentações orais (que tinham duração máxima e mínima de tempo para serem feitas), enquanto que outros integrantes com comportamento mais tímido se esmeraram em auxiliar o grupo redigindo o material de apoio e auxiliando na formulação da estratégia de atuação do grupo. Foi possível perceber que o monitoramento dos alunos e sua orientação coordenada pelos coaches favoreceu a realização de atividade de maneira mais madura

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e acadêmica, os alunos se preparam adequadamente com mais antecedência e estavam mais comprometidos com a execução técnica de suas apresentações. No modelo de Júri Simulado clássico o trabalho fica integralmente a cargo dos alunos que, muitas vezes, não compreendem a profundidade da atividade e não a levam com a devida seriedade e comprometimento. Foi possível perceber também que os alunos, ao se envolverem com mais seriedade na atividade, se engajavam mais estrategicamente nas discussões, o que permitiu um debate mais técnico que não recaiu no senso comum (os “coaches” sempre instigavam as discussões para aspectos científicos da questão, na tentativa de minimizar a possibilidade de desqualificação do debate – por se tratar de alunos majoritariamente de primeiro ano esta intervenção, ainda que sutil, se demonstrou fundamental para o êxito da atividade). Além disso, o contato mais direto com os grupos permitiu aos professores que integraram o projeto maior conhecimento das dificuldades e deficiência dos alunos envolvidos. 1.2 A EXPERIÊNCIA DE REALIZAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS ATRAVÉS DE “ROLE PLAY”. Na disciplina Direito Internacional Público, a experiência de elaboração em grupo de tratado internacional inédito como forma de avaliação do aluno se mostrou bem sucedida em diferentes aspectos. Não houve defesa oral em aula do tratado, apenas discussões internas nos grupos com a consequente elaboração final do tratado. Foi utilizada também técnica de role play, em todos os grupos, cada aluno deveriam defender a agenda da política externa de determinados países (alguns países foram de inclusão obrigatória e alguns ficaram a livre escolha dos alunos). A temática dos tratados também foi de livre eleição dos grupos com o monitoramento prévio dos temas escolhidos para que não ocorresse repetição de temática na mesma turma. A atribuição de defesa de agenda de política externa dos países atribuídos aos alunos não se deu de maneira a ser um fator essencial, mas sim como meio de introduzir pontos de atritos nas negociações das disposições dos

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tratados. A intenção era incluir um fator de dificuldade no desempenho da atividade (do contrário a redação do tratado poderia se dar de maneira excessivamente simplista e totalmente utópica em relação à realidade concreta da sociedade internacional). Ao incluir a obrigatoriedade de defesa de interesses de países como China, EUA, Irã e Rússia foi possível “desestabilizar” o debate e proporcionar experiência de composição com interesses em conflito. O monitoramento dos temas escolhidos para serem objetos dos tratados foi importante na medida em que permitiu certa orientação para as dificuldades de cada temática e seus principais aspectos, e também impedir a repetição dos assuntos. Foi incluída como elemento obrigatório no trabalho uma sessão de descrição geral da temática abordada e também um espaço de máximo de 300 palavras para exposição das dificuldades encontradas na elaboração do tratado. Esse elemento foi de relevância crucial para avaliação do êxito da atividade. Diversos grupos mencionaram os obstáculos de negociação em se tratando de oponentes com interesses distintos, e outros aproveitaram o ensejo para comentar sobre seus sentimentos sobre a realização do trabalho. Foi possível perceber que os alunos (de terceiro período) se surpreenderam com a dificuldade de elaboração de um instrumento jurídico – que justamente era um dos objetivos da atividade, além de proporcionar aprofundamento sobre direito dos tratados e conhecimento de temáticas internacionais de destaque e tratados internacionais importantes. E outros, inclusive, se admiraram com a possibilidade de produzir algo novo e criativo (prática tão pouco frequente nas escolas de Direito). Neste aspecto se destaca a importância de proporcionar ao estudante de Direito a oportunidade de elaboração de instrumentos jurídicos (realidade tão presente na prática profissional e tão vilipendiada no ensino nos cursos jurídicos). Deste modo, pode-se dizer que esta atividade – que simplesmente se dispôs a propor a redação de instrumento jurídico internacional novo – ultrapassou as intenções primariamente

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desejadas. Se no início a ideia era realizar um trabalho de redação jurídica, com o fim de aprofundar os conhecimentos da matéria (direito dos tratados), a atividade serviu como mecanismo de instigação da criatividade e desenvolvimento de trabalho em equipe e negociação, projetando para a realidade do aluno aquilo que até então era visto de maneira efêmera nas páginas dos livros dos manuais dogmáticos. CONCLUSÃO. Ambas as estratégias mostraram-se eficientes no que diz respeito ao processo de aprendizagem dos assuntos trabalhados e também o desenvolvimento de diversas outras habilidades dos alunos, dentre elas se destacam: capacidade de trabalhar em grupo, elaboração de instrumentos jurídicos, negociação em situação de diversidade de posicionamentos, habilidade em defender pontos de vista diferentes, pensamento crítico e ético em relação aos tópicos estudados. Ademais, foi possível perceber que os alunos, em ambos os projetos, se sentiram incentivados a buscar conhecimentos e novas informações além daquelas trabalhadas em sala de aula, e também passaram a incluir dentro destes conhecimentos aspectos concretos da realidade social. A lição aprendida é que é possível alcançar múltiplos objetivos pedagógicos através de novas técnicas ou técnicas clássicas reinventadas quando se trata de ensino jurídico, demonstrando que é possível ensinar Direito fora dos parâmetros clássicos da lousa e microfone, afinal, a utilização massiva e única da tradicional aula expositiva, inibe a criatividade do aluno e não favorece a formação de um raciocínio jurídico crítico sobre o Direito. A questão central que se coloca é justamente uma reflexão sobre o que é ensinar, algo que dentro desta concepção não se resume à mera transmissão de conteúdo, mas de um processo de reciprocidade onde apenas se ensina se o aluno aprende. A utilização de novos métodos, que não apenas a aula expositiva, permite chegar a uma concepção de ensino mais dinâmica em que o aluno é instigado a produzir seu próprio conhecimento. Desta forma, pode-se concluir que se mostra imperativo atualmente

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pesquisar novas abordagens de ensino, a fim de se construir aulas que desenvolvam conhecimentos significativos, voltados para a qualidade educativa e para a concretização de um perfil de saída de aluno coadunado com as expectativas e exigências contemporâneas.

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A (NÃO) ADAPTAÇÃO DO ENSINO DO DIREITO AO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (Angela Araujo da Silveira Espíndola, Universidade Federal de Santa Maria e Faculdade Meridional – IMED, e-mail: [email protected]; Ariane Farvezani da Luz, IMED; Fabiane Carla Pilati, IMED, e-mail: [email protected] ; Marina Teixeira Monteiro, IMED, e-mail: [email protected])

INTRODUÇÃO. A Constituição Federal de 1988 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro o paradigma do Estado Democrático de Direito, porém, embora passados mais de 20 anos, muitos dos direitos nela garantidos não foram plenamente efetivados. Uma das razões para a não concretização de alguns direitos se deve a grande parte do ordenamento jurídico, como o Código de Processo Civil, ainda estar arraigada no paradigma anterior, o racionalista, próprio do Estado Liberal. Este paradigma, que primava principalmente pela defesa de direitos individuais, pode ter sido adequado para o que foi construído. Mas a sociedade mudou, novos direitos surgiram, novas necessidades sociais, e os ideais racionalistas vêm se mostrando insuficientes para concretização de novos direitos. Para efetivar as promessas do atual paradigma, mostra-se elementar um estudo aprofundado de suas necessidades, aplicando – e elaborando – a legislação a partir de uma interpretação hermenêutica da Constituição Federal. E o ensino do direito ganha especial destaque nesse ínterim, uma vez que é na academia que inicia a formação jurídica. É a partir da atuação dos professores, doutrinadores e juristas que tanto pode ocorrer o incentivo para o estudo aprofundado dos ideais de um novo paradigma, com instigação à pesquisa, à leitura e à busca de conhecimento para além do ensinado em sala de aula; quanto pode reforçar os estudos do paradigma dominante (racionalista), fazendo com que o aluno não veja o

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ordenamento jurídico com os óculos do novo. Tão importante é o ensino do direito (voltado a efetivar o atual paradigma), que poderíamos elencá-lo como uma quarta “onda” daquelas propostas por Mauro Cappelletti para efetivar o acesso à justiça. Cappelletti visava apresentar os desafios que existem para que todos tenham acesso à justiça. Preparar os futuros juristas para entender e concretizar o atual paradigma, o do Estado Democrático de Direito, é um desafio para concretização de direitos, portanto, para o acesso à justiça. 1. A NECESSIDADE DA ADAPTAÇÃO AO NOVO PARADIGMA. Com o advento da Constituição de 1988, ingressa no ordenamento jurídico pátrio o paradigma do Estado Democrático Brasileiro e, com ele, a promessa de um Estado voltado a atender as necessidades dos seus cidadãos. A partir de um rol de “Direitos e Garantias Fundamentais” (Título II, artigo 5º e seguintes), a Constituição prevê atenção especial aos direitos individuais, coletivos, sociais, entre outros. Em que pese passados mais de 20 anos de sua promulgação, muitos desses direitos ainda não foram efetivados. Como boa parte do ordenamento jurídico pátrio ainda encontra-se vinculada à dinâmica do paradigma anterior, o racionalista, próprio do Estado Liberal, há uma consequente dificuldade de concretização de novos direitos, o que dá suporte para a sustentação de uma crise paradigmática. O modelo de jurisdição do Estado Liberal era próprio para a realização de direitos individuais, o que ensejava uma proteção judicial que afastasse a intervenção do Estado nos interesses privados dos cidadãos. Entretanto, as mudanças sociais ocorridas desde então, caracterizadas pela complexidade das relações sociais e pela evolução tecnológica, clamam também pela proteção de direitos transindividuais, o que exige uma atuação positiva do Estado para concretizá-los. Para superar a crise, é necessária uma adaptação do ordenamento jurídico aos ideais constitucionais, ao novo paradigma já que este prevê a proteção aos novos direitos-, além de consolidar a interpretação hermenêutica da legislação à luz da Constituição

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Federal. Para a efetivação de um novo paradigma, é elementar reconhecer o tempo em que ele está inserido e adaptar o ordenamento jurídico às necessidades sociais desse tempo. Norberto Bobbio, no clássico livro “A era dos direitos” apresentaos direitos humanos como sendo “direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 2004). Isso significa, conforme o próprio autor explana ao longo da obra, que alguns dos direitos que idealizamos hoje não poderiam sequer ter sido imaginados em outras épocas, como por exemplo, o direito a viver em um ambiente não poluído. Assim como novos direitos vão surgindo ao longo do tempo, a jurisdição precisa se renovar para concretizá-los, e isso acontece através da consolidação do paradigma adequado para cada época. 2. DO ACESSO À JUSTIÇA À MUDANÇA DE PARADIGMA. Em sua célebre obra “O Acesso à Justiça”, Mauro Cappelletti faz uma profunda análise acerca das dificuldades encontradas para o acesso à justiça, apontando inúmeras deficiências processuais históricas que culminam em um sistema jurisdicional deficitário. Ao longo da obra, o autor elenca questões referentes às custas processuais, ao tempo de duração dos processos, ao desconhecimento de direitos por parte da população, dentre outros que obstam o pleno exercício do direito de ação e, em última instância, o acesso à justiça. Após essa exposição, o jurista italiano relaciona três possíveis soluções para os problemas relacionados ao acesso à justiça, denominadas “ondas”, quais sejam: a) Assistência Judiciária aos pobres; b) Representação dos interesses difusos e c) Do acesso à representação em Juízo a uma concepção mais ampla de acesso à justiça. Um novo enfoque de acesso à justiça. Verifica-se que essas três ondas têm em comum uma referência histórica, ou seja, cada uma delas decorre de evoluções do pensamento social. Exemplificativamente, pode-se dizer que os países ocidentais

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concentraram esforços em aumentar o acesso à justiça através da assistência judiciária aos pobres, todavia, em princípio com métodos inadequados, posto que realizados por procuradores não remunerados. Com o passar do tempo percebeu-se a deficiência desse método, sendo que a Alemanha e a Inglaterra foram países pioneiros na idéia de remuneração por parte do Estado dos advogados que trabalhassem em prol dos menos favorecidos. Contudo, o ápice das reformas de assistência judiciária os pobres deu-se nos anos 60, crescendo mundial e gradativamente, fruto de diversas mudanças sociais e econômicas que seguiram ao longo das décadas. De qualquer sorte, essa tendência histórica permeia as três ondas propostas por Cappelletti. Tem-se, portanto, que para além de uma análise das deficiências de acesso à justiça e exposição de possíveis soluções, é possível, a partir de uma macrocompreensão da obra, perceber que “O Acesso à Justiça” propõe uma superação de paradigmas. Isso quer dizer que as três soluções apontadas propõem, sobretudo, a superação do paradigma (ineficiente) de jurisdição, ou, em linhas gerais, a ultrapassagem do paradigma do Estado Liberal e seus mecanismos de jurisdição para o Estado Democrático de Direito com seus novéis institutos jurisdicionais. Nesse caso, o presente trabalho propõe a inclusão de uma “quarta onda” ou solução às já criadas por Cappelletti, sendo esta o ensino do Direito. Sabidamente, é na academia que o aluno inicia sua formação jurídica, que tanto pode ser superficial quanto aprofundada, neste último caso com a inclusão de disciplinas que ampliem sua compreensão não somente jurídica, mas social, hermenêutica, etc, tais como filosofia do Direito, Sociologia e Hermenêutica Jurídica. A partir desse conhecimento ampliado o aluno tem mais condições de não reproduzir conceitos jurídicos padronizados, construídos a partir de parcas construções teóricas. Partindo dessas experiências acadêmicas é que o indivíduo pode contribuir com consolidação de um novo paradigma, mormente aquele inserido pelo Estado Democrático de Direito de que trata o

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texto constitucional. 3. ENSINO DO DIREITO: A “QUARTA ONDA” PARA A MUDANÇA DE PARADIGMA. A modificação do paradigma perpassa, sobremaneira, pela modificação do pensamento social. Com efeito, há nítida dificuldade de colocar em prática as premissas do Estado Democrático de Direito, sendo notório que o sistema jurídico pátrio, de maneira geral, não está afinado às premissas constitucionais. Assim, Lênio Streck observa “a ocorrência de uma espécie de fusão/imbricação entre o paradigma (neo)liberalindividualista e o paradigma da filosofia da consciência, que tem um terreno fértil para se concretizarem” (STRECK, 2009), uma vez que a realidade jurídica brasileira é permeada de antinomias entre a Constituição Federal e os Códigos vigentes devido aos contextos históricos diferenciados (e portanto, em paradigmas diferentes) em que surgiram. Um fator que contribui significativamente para não superação do paradigma vigente é o ensino jurídico pautado, sobretudo, pela dogmática jurídica. Nesse contexto, “o jurista [que nesse caso pode se aplicar ao aluno], inserido em um habitus dogmaticus, não se dá conta das contradições do sistema jurídico, as contradições do Direito e da dogmática jurídica que o instrumentaliza não ‘aparecem’ aos olhos do jurista” (STRECK, 2009). Dessa forma, os processos de ensino do direito guardam uma relação direta com o denominado senso comum teórico (STRECK, 2009). Tem-se que o método de aprendizagem através de práticas obsoletas, dogmáticas, distantes da realidade social acaba por formar juristas com compreensão limitada, bastando uma análise dos conteúdos ministrados nas salas de aula para perceber um conhecimento jurídico, muitas vezes, baseado em manuais (com conteúdo extremante restrito), sem o devido incentivo à pesquisa científica ou à interdisciplinaridade (com a hermenêutica, sociologia, ciência política, direito e literatura, etc.). Assim, cria-se “um imaginário que ‘simplifica’ o ensino jurídico, a partir da construção de standards e lugares comuns, repetidos nas salas de aula e posteriormente nos

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cursos de preparação para concurso, bem como nos fóruns e tribunais.” (STRECK, 2009). Nesse ínterim, é possível afirmar que “a crise do ensino jurídico é, antes de tudo, uma crise do Direto, que na realidade é uma crise de paradigmas, assentada em uma dupla face: uma crise de modelo e uma crise de caráter epistemológico” (STRECK, 2009). Percebe-se, portanto, que o sistema jurídico através do ensino restrito do direito promove a formação de profissionais pouco imbuídos da ideia de transformação social, que não compreendem criticamente a realidade e, sobretudo, perpetuam o senso comum teórico, o que dificulta a consolidação de um novo paradigma. 4. CONCLUSÃO. O texto constitucional de 1988 contemplou inúmeras modificações, promovendo evoluções do pensamento jurídico pátrio, mormente no que tange à proteção de direitos e garantias fundamentais, com a introdução do Estado Democrático de Direito. Entretanto, sua promulgação não foi suficiente para alterar o paradigma racionalista ao qual o direito e, principalmente, o processo civil brasileiro estava (e está) atrelado. De outro canto, a célebre obra “O Acesso à Justiça”, de Mauro Cappelletti e de co-autoria de Bryant Garth, apresenta diversas questões que obstam o acesso à justiça, apresentando, ao final, três soluções para os problemas elencados, denominadas “ondas”. Assim, o livro propicia uma macrocompreensão no sentido de que essas três “ondas” pressupunham a superação de um paradigma, ou seja, a resolução da problemática da jurisdição proposta pelo jurista italiano requer, em seu todo, uma verdadeira superação de um obsoleto e ineficiente paradigma jurisdicional, com a conseqüente inauguração de um novo. Dessa forma, o presente estudo visou incluir como uma “quarta onda”, ou como solução para superação do atual paradigma, a necessidade de modificação do ensino jurídico. E, de fato, é a partir das experiências acadêmicas que o aluno forma sua visão acerca da realidade, do conteúdo jurídico, sendo que estes podem ser expressos tanto em conceitos superficiais quanto em estudos aprofundados. Em

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outras palavras, o estudo dogmático e restrito do Direito apresentam conseqüências nefastas à compreensão jurídica, promovendo uma verdadeira padronização de conceitos legais, construídos a partir de manuais e técnicas de aprendizagem limitadas. Assim, o aluno que em sala de aula aprendeu as velhas práticas jurídicas não foi incentivado à pesquisa acadêmica, à leitura com conteúdo mais denso ou, ainda, que não teve (ou teve pouco) contato com disciplinas como filosofia do direito, sociologia, direito e literatura, etc, acaba por contribuir, cada vez mais, com o chamado senso comum teórico, que obsta, sobremaneira, a ultrapassagem do inadequado e obsoleto paradigma jurídico ao qual estamos inseridos, e, em linhas gerais, dificulta a verdadeira consolidação do paradigma do Estado Democrático de Direito expresso na Constituição Federal de 1988.

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A TOGA E A ESPADA: O IDEAL DE FORMAÇÃO DO JURISTA POLITICAMENTE ENGAJADO E SOCIALMENTE RESPONSÁVEL (Beatriz Bartoly, UPIS – Faculdades Integradas, e-mail: [email protected]; Esdras Dantas de Souza, UPIS – Faculdades Integradas, e-mail: [email protected])

INTRODUÇÃO – BODIN: A TOGA E A ESPADA. Inspirados pelo humanismo renascentista e tendo como escopo a recuperação do que se supunha ser o “autêntico direito romano”, alguns juristas franceses do século XVI – dentre os quais, Jean Bodin – desenvolveram um novo método de ensino jurídico, fundamentado na crítica filológica e histórica da compilação de Justiniano. Bodin acreditava que, com a aplicação deste método, seria possível a formação de um jurista conforme a imagem clássica do homem sábio, aquele que “utiliza a toga como espada nas questões sociais”. Em suma, um jurista perfeito, que seria, a um só tempo, o acadêmico conhecedor da história, das leis, da filosofia, da retórica, e de todas as matérias necessárias à compreensão do direito, bem como o homem político na sua acepção mais plena, participante ativo das discussões sobre o destino de sua comunidade (BARROS, 2001). Tal proposta, a de uma formação humanista apta a produzir o arquétipo de um jurista ideal, capaz de deter o conhecimento teórico fundamentado da “ciência do direito”, ao mesmo tempo em que revela-se o homem político, engajado e responsável pelos destinos de sua comunidade, arraigou-se tão profundamente em nosso imaginário que ainda hoje, em pleno século XXI, debatemos a perda da formação humanista dos cursos jurídicos. Este trabalho busca aproximar respostas à indagação que não se cala: é possível conceber uma educação jurídica de qualidade, apta a formar juristas socialmente responsáveis, politicamente conseqüentes e engajados, capazes de assumir o papel e as funções

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que a sociedade atual pede e exige dos principais atores do mundo jurídico – juízes, promotores e, acima de todos, advogados? Defendemos, para tanto, a necessidade de uma revisão metodológica no processo de formação dos bacharelandos em Direito de acordo com os conceitos e valores pós-modernos, como o da ética e do respeito à dignidade da vida, em todas as suas formas. Diante da perspectiva da existência de uma crise da modernidade, propõe a reflexão e a superação pós-moderna de seus conceitos para que seja possível a formulação de um modelo ensino jurídico de graduação brasileiro fundado no compromisso político com as novas demandas de uma sociedade em contínua transformação. Acreditamos que, para o atingimento de tais objetivos, o emprego do campo teórico e metodológico da Análise de Discurso Crítica – ADC – pode revelar-se profícuo. 1. HUMANISMO JURÍDICO E A ARTE JURÍDICA EM BODIN: 1.1. MOS ITALICUS E MOS GALLICUS 1.2. STUDIA HUMANITATIS. 1.3. A PRÁTICA FORENSE. 1.4. A ARTE JURÍDICA. 2. OS IDEAIS ILUMINISTAS E A FORMAÇÃO DO JURISTA. Embora os ideais Iluministas do século XVIII tenham tentado universalizar a democracia – “democracia para todos” –, a democracia grega da Antiguidade foi, essencialmente, concebida para uma minoria. Essa minoria de homens bem-nascidos tinha a disponibilidade de tempo necessária para dedicarem-se ao longo processo de construção das decisões que tinha lugar na eklésia. Longo deve ser o tempo dedicado ao debate, à polemização, argumentação e contra-argumentação. Cidadão é, sempre e, sobretudo, aquele que pode falar e que é ouvido. Cidadania é, eminentemente, discurso. Sem espaço de fala não há cidadania. Qual seria, por conseguinte, o papel do Direito e de seus operadores neste novo paradigma que então se apresenta, o do Estado Constitucional e Democrático de Direito? Em que a formação do jurista pode ou não contribuir para a plena efetivação do exercício da cidadania em bases democráticas? 2.1. CIDADANIA, DEMOCRACIA. A democracia é a forma de governo segundo a qual as melhores decisões são sempre

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tomadas em função do bem-estar e da felicidade da maioria dos cidadãos da polis. Para que os cidadãos deliberem adequadamente, portanto, é preciso que possam dedicar-se à sua Paidéia, à sua formação enquanto, como dizia Aristóteles, Politikon zoon. Na antiga Grécia a cidadania era para poucos, a grande utopia do Iluminismo, no entanto, expandiu esses limites de forma a abarcar todos os seres humanos. Todos são iguais por natureza. O que isso significa? Isto quer dizer que a igualdade é uma condição própria ao gênero humano enquanto tal. Dessa igualdade por natureza deriva um princípio social de igualdade diante da lei e do Estado. É a igualdade social. E, em função dessa igualdade, a democracia desponta como sendo a mais adequada – ou mesmo “perfeita” - forma de governo. 2.2. O DIREITO AO ESPAÇO DE FALA. Castoriadis (1991), a respeito da polis grega e da democracia, apontou três aspectos fundamentais acerca da concepção clássica sobre o governo. De acordo com esse autor, governo é essencialmente a síntese dos elementos – autonomia, autotelia e autodikia – ocorre através da ação do demos no jogo político que tinha lugar na àgora. Como corpo soberano efetivo, a Assembléia concretizava a participação política dos cidadãos. Nela, todos os cidadãos têm o direito de: tomar a palavra - isègoria - pois suas vozes têm cada qual o mesmo peso - isopsèphia. De acordo com Rouland (2003), Péricles eleva o direito a palavra à categoria de um dever cívico, o que coloca o cidadão ateniense em posição diametralmente oposta à do cidadão romano. Em Atenas havia a democracia da palavra, e lá, ao contrário de Roma, cada cidadão era convidado a participar dos debates, haja vista que, a isegoria constituía-se em um dos princípios fundamentais do regime ateniense. 2.3. A CONSTITUIÇÃO DISCURSIVA DA CIDADANIA. As categorias de sujeito e linguagem – sobre as quais se apoiavam as ciências humanas e sociais – sofrem, no século XIX, mudanças significativas. Em decorrência, os estudos sobre o discurso abriram todo um novo campo de investigações sobre a linguagem, o sujeito, a

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história e a ideologia, estudos esses que, na década de 60 ganharam mais força, expandindo-se para além das suas fronteiras originárias. A análise do discurso entende a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade social. É o discurso que opera essa mediação. São as práticas discursivas nas quais o sujeito se insere que o torna capaz de significar e significar-se. 3. DISCURSO JURÍDICO E PODER. Seguindo a recomendação de Saldanha (1992), acerca da necessidade de repensarmos a história das idéias sobre as relações entre linguagem, ordem e Poder, para melhor compreendermos o Direito - enquanto como forma de conhecimento e prática social acreditamos que, como um dos efeitos ideológicos e hegemônicos do discurso jurídico dentro das práticas sociais, a construção da identidade do operador do direito como ator político pode ser investigada a partir de categorias lingüístico-discursivas mais comuns usadas para fazer essa representação. 3.1. A ORDEM DO DISCURSO JURÍDICO. A ordem do discurso jurídico remonta à antiga Grécia onde ser cidadão consistia, em primeiro lugar, em poder falar e ser ouvido (Schüller: 2007). Era na ágora que a eklésia reunia-se para discutir, deliberar e decidir a sua vida em comum. Cabe-nos, então, indagar: Quem controla o ingresso no espaço de fala da cidadania? Quem institui a gramática e a lógica do discurso democrático? Pode-se afirmar que, hoje o discurso democrático é urdido pelas tramas do discurso jurídico. Esse discurso externaliza a estrutura de um pensamento modelado pelo positivismo legalista em que o normativismo (com seu perfil individualista e extremado formalismo), impondo a crença em uma suposta neutralidade político-ideológica do sistema e de seus intérpretes-aplicadores e pregando a igualdade formal de todos perante a lei - atua como uma forma velada de exclusão social. 3.2. A OPACIDADE DA LINGUAGEM JURÍDICA. O jurista argentino Carlos María Cárcova (1998), na obra “A Opacidade do Direito” aborda o tema do desconhecimento ou nãocompreensão do Direito. O autor discute que, entre o Direito e o seu

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destinatário, existe uma barreira “opaca” que os distancia, impossibilitando esse último de absorver do primeiro os seus conteúdos e sentidos, entender os seus processos e instrumentos, tornando-o, por isso, incapaz de dele se beneficiar como seria esperado. Para Cárcova, existe, pois, uma opacidade do jurídico. O Direito, que atua como uma lógica da vida social, como um livreto, como uma partitura, paradoxalmente não é conhecido, ou não é compreendido, pelo atores em cena. Estes costumam realizar certos rituais, imitam condutas, reproduzem certos gestos, com pouca ou nenhuma percepção de seus significados e alcances. 3.3. A MONOPOLIZAÇÃO DAS ESTRUTURAS DISCURSIVAS. De acordo com Neder (1995), a monopolização das estruturas discursivas por parte dos operadores do direito ocorre porque o discurso jurídico implica uma teia de representações ideológicas e reflete um nível específico do poder que reprime violentamente as classes subalternas. Essa violência pode ser percebida não só em um conjunto de ações a serem praticadas (a repressão, o controle social), mas, acima de tudo, no próprio discurso. Ao entramos em contato com o universo discursivo do Direito, percebemos que muitos juristas empregam termos difíceis e legíveis apenas para o privilegiado círculo de iniciados que o compõem. Observa-se que os juristas parecem acreditar que a autoridade de suas avaliações, pareceres e decisões serão tanto mais críveis quanto mais difíceis de compreender forem os termos, a linguagem que utilizam. Uma das formas mais sutis de fugir ao diálogo é impossibilitar o entendimento de seus interlocutores lançando mão de um discurso hermético. O discurso jurídico encastela-se em um sistema de referências fechado que busca manterse incomunicável com outros sistemas para, com isso, salvaguardar suas proposições de qualquer possibilidade de verificação ou refutabilidade. Trata-se de um discurso monológico e sacralizado, fundado nas antigas práticas da iurisdicitio romana, em que o poder de “dizer o direito” cabia apenas aos detentores da iurisprudentia –

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“sabedoria do direito” – monopólio da classe dominante dos patrícios, os únicos a deter o conhecimento das fórmulas e carminas, por meio das quais era provocada e exercida a juris-dicção (Rouland, 2003). 3.4. A FORMAÇÃO DO CAMPO DO DIREITO. Há na linguagem humana um caráter prático e intersubjetivo calcado no pressuposto básico de um acordo prévio a respeito de um sistema de normas e convenções sociais. A linguagem, dessa forma, é entendida como ação social o que implica a impossibilidade de explicá-la como produto de um único sujeito. Sendo ela a mediação necessária nas práticas sociais, deparamo-nos com o fato de que é a comunidade de sujeitos em interação, sua práxis comum, o ponto de referência ao qual devemos nos reportar. O estudo da linguagem, como constitutiva do conhecimento intersubjetivamente válido, representa, assim, tema de relevante interesse para o entendimento da sociedade. Com referência ao monopólio do discurso jurídico assim instrumentalizado por uma classe de operadores que servem às estruturas antidemocráticas do Estado, o sociólogo francês Pierre Bourdieu afirma que o “campo do direito” é “lugar de concorrência pelo monopólio do direito de dizer o direito, quer dizer, a boa distribuição ou a boa ordem, na qual se defrontam agentes investidos de competência ao mesmo tempo social e técnica”. 4. POR UMA NOVA METODOLOGIA DE ENSINO DO DIREITO. 4.1. O DIREITO COMO PRÁTICA SOCIAL. A prática do Direito é uma atividade, predominantemente, discursiva. Nesse sentido, em consonância com o que sustenta Fairclough (2003), a ordem do discurso dessa prática articula gêneros, estilos e discursos particulares, em que algumas possibilidades semióticas são selecionadas enquanto outras são excluídas. Essas escolhas que controlam e possibilitam a variabilidade linguística em determinadas áreas da vida social constituem outros elementos sociais assim como estes constituem a linguagem. 4.2 A ORDEM DISCURSIVA COMO INSTRUMENTO DE RITUALIZAÇÃO DOS CONFLITOS. O Direito estabelece limites e

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fronteiras, divide os quinhões, demarca os territórios, estabelece uma clara linha divisória que nos diz até onde vai o meu direito e a partir de onde começa o teu. O Direito divide, separa, delimita, estabelece uma ordem constitutiva e constituinte com a pretensa justificativa de evitar o conflito. Só que ao dividir, separar e delimitar ele automaticamente marginaliza e exclui: institucionaliza o conflito. Podemos dizer que somente em função de uma ordem a ser mantida há que se falar em controle e conflito. De acordo com Gluckman (2006), o conflito é a matéria prima da coesão social. Como, pois, entendermos a relação entre ordem e conflito? 4.3 A SUPERAÇÃO DO SENSO COMUM TEÓRICO dos JURISTAS. O “senso comum teórico” dos juristas oculta o caráter ideológico do discurso jurídico e é, por sua vez, reiterativo de uma prática jurídica que se reproduz sob a ideologia dominante. Constitui-se como uma teoria ideológica que não esposa a pretensão de construir um objeto de conhecimento sobre a realidade social. O que o “senso comum teórico” busca é normatizá-la e justificá-la por meio de um conhecimento padronizado. A ADC é uma ferramenta de investigação que permite contribuir para a pesquisa social no que tange à compreensão das mudanças sociais e culturais da pós-modernidade. Através desse posicionamento crítico podemos compreender, assumindo uma perspectiva lingüísticodiscursiva, como os sujeitos sociais são afetados pela estrutura social e pelas práticas que nela tomam curso.

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ENTRE MODELOS DE ENSINO JURÍDICO: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE MONITORIA NA DISCIPLINA TEORIA GERAL DO PROCESSO (Delton Ricardo Soares Meirelles, Universidade Federal Fluminense, UFF, e-mail: [email protected] ; Gabriel G. S. Lima de Almeida, UFF; Gabriela Sepúlveda Stellet, UFF)

INTRODUÇÃO. A aula expositiva, apesar de várias críticas, ainda é predominante no Curso de Direito. Mudanças dependem de grandes esforços, não apenas no que se refere à maneira de transmissão de conteúdo, mas também quanto ao desenvolvimento e aplicação de modelos de avaliação alternativos a tradicional prova escrita. Ademais, o próprio fato de os alunos de modo geral estarem condicionados ao modelo expositivo de aulas torna a exploração de outras metodologias um grande desafio. A partir da experiência desenvolvida na Disciplina Teoria Geral do Processo, no semestre de 2013.2, no âmbito do Laboratório Fluminense de Estudos Processuais – LAFEP-UFF, buscamos contrastar dois modelos de avaliação e ensino, aplicáveis ao direito processual: um, o tradicional modelo expositivo, avaliando-se o aluno por meio de duas provas escritas no semestre; o segundo, um modelo de avaliação seriada, baseada na resolução de diversos casos concretos curtos, ao longo do semestre, e uma atividade de sessão simulada de julgamento, onde os alunos em grupo atuariam como partes em um litígio. Estas propostas, inseridas no projeto de Monitoria – introdução à docência onde alunos graduandos auxiliam o professor na dinâmica de ensino –, foram desenvolvidas sob coordenação do Professor Delton Meirelles, e teve como monitores os coautores deste trabalho: Gabriel Almeida e Gabriela Stellet. Assim, pretendemos expor de que maneira cada metodologia de ensino repercutiu na avaliação dos alunos; na dinâmica entre discentes e docente. A posição dos alunos monitores,

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como ‘ponte’ entre o professor e turma, nos permitiu também aferir aspectos subjetivos não visíveis na avaliação objetiva. Desenvolvimento. A metodologia de ensino padrão nos Cursos de Direito, e também no caso Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense, é composta de aulas expositivas, no estilo preleção, onde o professor explica o conteúdo, em geral indicando uma bibliografia base para que os alunos acompanham o que será trabalhado em sala. Nessa metodologia, em regra, a postura do aluno em relação ao curso é passiva, no que se refere a apreensão do conhecimento: ele apenas escuta, e após leitura da bibliografia, aprofunda/revisa o que em sala foi dito pelo professor. Neste modelo, a aferição do conhecimento do aluno em relação ao conteúdo é feita por meio de duas provas escritas (discursivas e/ou com questões múltipla escolha). O programa de Monitoria da Universidade Federal Fluminense tem como objetivo, além de proporcionar aos graduandos uma experiência de iniciação à docência superior, incentivar e permitir utilização de metodologias inovadoras quanto ao ensino. Assim, no caso específico que aqui descrevemos, a proposta foi de, por meio de uma avaliação seriada baseada em casos concretos (referentes a questões processuais práticas) e uma atividade de sessão simulada (em que os alunos vivenciassem uma “processo judicial”), permitir que os alunos melhor entendessem os conceitos referentes ao Direito Processual (meios alternativos de resolução de controvérsias, sistema de garantias fundamentais, jurisdição, competência, teoria da ação e dos pressupostos processuais etc.) e também desenvolvessem outras habilidades necessárias aos profissionais do campo jurídico: oratória, raciocínio prático que atrele conceitos a casos reais, redação, dentre outras. O cenário do Ensino Jurídico brasileiro, no entanto, acaba por vezes a inibir tais iniciativas, tornando a sala de aula uma instância de pré-preparação para concursos públicos, utilizando questões e provas deste como único meio de aferição de conteúdo, como se este fosse o único campo

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possível para profissionais do Direito. Mais do que isso: implica em ver o próprio ensino jurídico enquadrado num modelo de concurso público, que não necessariamente se mostra o mais adequado frente às inúmeras possibilidades do Direito, como campo do conhecimento. O campo analisado nesta investigação foram duas turmas noturnas do Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal Fluminense (primeiro e segundo semestres letivos de 2013), ambas com o módulo pleno (sessenta inscritos). Como esta universidade reconhece o sistema de cotas, os estudantes pertencem a origens sociais diversas, sendo alguns trabalhadores em tempo integral ou realizando estágios extraoficiais (situação que poderia levar a algumas dificuldades no estudo prévio à aula e à execução de algumas atividades extraclasse). A metodologia aplicada ao longo de 2013, deste modo, se utilizava de três momentos de avaliação 1. Ao longo do semestre, houve dez exercícios correspondentes a cada tópico do programa, retirados de casos reais julgados por tribunais superiores e realizados exclusivamente em sala de aula e em grupo de até quatro pessoas; 2. Atividades complementares realizadas em horários alternativos às aulas presenciais, não necessariamente na própria faculdade (palestras, exibição de vídeos, resenhas e relatórios etc.); 3. A sessão simulada, onde dois grupos de alunos atuaram em pólos de um litígio, que versasse sobre algum dos conteúdos de Teoria Geral do Processo (competência, possibilidade jurídica do pedido, legitimidade). Os grupos, de quatro alunos, se dividiam em quatro tarefas: pesquisa doutrinária, pesquisa jurisprudencial, redação e sustentação oral. Além destes, em cada caso haveria um estudante atuando como juiz e outro como membro do Ministério Público. Em todas as fases da sessão os monitores auxiliaram os alunos quanto a dúvidas, modelo para redação das peças, etc. No semestre de 2013.2, no entanto, foi executada uma avaliação distinta, para que pudéssemos avaliar os contrastes entre aquele modelo tradicional escrito, e este relatado acima. Os alunos puderam escolher como seriam avaliados: no

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modelo da “sessão simulada", ou as tradicionais duas provas escritas (sendo que neste último a presença em sala não seria obrigatória). Assim, buscamos avaliar a reações dos alunos de uma mesma turma quanto ao tipo de avaliação que preferiam, tendo como hipótese que perfis de alunos distintos iriam escolher modelos distintos. O modelo tradicional, via de regra, exige do aluno uma atitude mais passiva, e o próprio estudo intenso do conteúdo se mostra apenas em períodos próximos às provas. Já o modelo seriado impõe um acompanhamento constante do conteúdo, além de uma mais rígida frequência presencial nas aulas, visto que ao longo do semestre há pequenas avaliações. Destaque para o fato de que a presença em sala era exigida apenas para os alunos do segundo grupo. Deste modo, a análise deste contraste é realizada, nesse trabalho, de dois modos: primeiro, a partir de uma análise estatística quanto aos resultados dos alunos envolvidos nestes modelos de avaliação em perspectiva comparada; e segundo, quanto às percepções e relatos dos alunos durante o semestre, especialmente a partir da observação dos monitores e do professor orientador, respectivamente, coautores e autor da pesquisa em questão. O trabalho está dividido em três momentos de análise: 1. Descrição da Metodologia utilizada, situando-a dentro do quadro do ensino em Sala de Aula de Direito Processual; 2. Descrição da Experiência de Monitoria ao longo de 2013, no que se refere à dinâmica de sala de aula e as reações dos alunos a cada metodologia de ensino; e 3. Uma análise comparada dos dois momentos, refletindo sobre os resultados e percepções quanto a temática. Conclusão. Podese afirmar que o ponto mais significativo da presente pesquisa tangencia a questão da presença obrigatória em sala. Como já foi dito anteriormente, ao longo do semestre 2013.1, todos os alunos tiveram o mesmo sistema de avaliação; como parte integrante das regras do curso, a presença era obrigatória para todos os estudantes. Já no semestre seguinte, 2013.2, a presença não era exigida àqueles que optaram pelo método tradicional de avaliação. Nessa linha, a primeira

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constatação que se pode fazer é com relação à presença física dos alunos em sala de aula. No semestre em que a frequência era exigida a todos os estudantes, o índice de alunos nas aulas expositivas era perceptivelmente maior que quando comparado ao outro semestre. Dessa maneira, verifica-se uma percepção paternalista, na qual se presume que os alunos, na maioria das vezes, apenas frequentam as aulas quando sua presença é demanda; caso contrário, normalmente abandonam o curso no decorrer do semestre letivo. A segunda observação a ser feita, surge como consequência desse fato. Foi percebido que as notas daqueles cuja assiduidade em sala fora imposta foram superiores ao outro grupo; o que denota a importância da participação nas aulas expositivas com a presença do professor e de seus monitores, e não apenas do acompanhamento do suporte do curso. Assim, constatou-se um melhor aproveitamento do curso por parte daqueles que optaram pelo modelo não tradicional; que incluía a cobrança da presença dos estudantes, a exigência de uma postura mais ativa dos alunos no decorrer das aulas – uma vez que eram obrigados a resolver casos concretos em sala –, e ainda inseriu os mesmos no ambiente do julgamento, com a simulação do mesmo e as atividades extraclasses. Assim, ao trazer a descrição desta experiência e análise comparativa entre dois momentos, pretendemos contribuir para propostas mais eficientes e participativas de ensino do Direito, especialmente o Direito Processual.

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A MEDIAÇÃO PODE SER ‘ENSINADA’ NO CURSO DE DIREITO? (Delton Ricardo Soares Meirelles, Universidade Federal Fluminense, UFF, e-mail: [email protected]; Isabela Dantas , UFF)

Ao longo das últimas décadas, lutas sociais travadas no Brasil levaram à conquista da garantia de direitos fundamentais, que nortearam a elaboração da Constituição de 1988 no contexto do processo de democratização pelo qual passava o país naquela época. Nessa nova ordem que se estruturava, a vulnerabilidade econômica e social na qual se encontrava o Brasil, sem respaldo de políticas públicas consolidadas que garantissem o exercício desses direitos fundamentais, aliado a um cenário mundial de franca ascensão capitalista e o apoio financeiro internacional, foram adotadas políticas de neoliberalismo econômico que exigiram, reflexamente, a estruturação de um modelo processual neoliberal. Com propostas de valorização do acesso à Justiça (Ressaltando-se que não apenas no sentido dado à obra fundamental de Cappelletti & Garth (como diagnóstico da incorporação das políticas públicas de Acesso à Justiça nos países centrais na Era do “Welfare State)”, como na crítica feita por Boaventura de Sousa Santos – Pela mão de Alice. O social e o político na transição pós-moderna. São Paulo: Cortez, 1997 – e Eliane Junqueira – Acesso à Justiça: um olhar retrospectivo” – Revista Estudos Históricos, n. 18, 1996) acerca deste processo em nosso país), reformas no Judiciário e no Processo Civil, em nome de uma pretensa aplicação social do Direito, incentivou-se um protagonismo judicial que visasse à proteção de interesses de escopo metajurídico (político, social e econômico), que, afinal, se desdobrou em um significativo incentivo à litigiosidade, uma aplicação do Direito voltada aos interesses de uma sociedade dominada pelo Mercado (Entre outros, destacam-se os estudos de Antoine Garapon, especialmente em seu

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texto com Julie Allard – Os juízes na mundialização. Lisboa: Piaget, 2006 –, abordando o papel dos magistrados no processo de globalização nos últimos anos, e de como estes enfrentam o “soft power” do Mercado e a manutenção do poder jurisdicional – em detrimento dos direitos humanos –, e um ativismo judicial que vem redundando em uma judicialização das relações sociais e da política (atrelada à politização do Judiciário), criando um espaço simbólico onde o ideal de democracia se desloca do Estado para o Judiciário. Observa-se o que Dierle Nunes classifica como “privatização da cidadania” (Processo Jurisdicional Democrático – Uma Análise Crítica das Reformas Processuais”. Curitiba: Juruá Editora, 2011, p 159), onde o aumento da atuação judicial visa à produtividade, esvaziando o papel formador de decisões individualizadas. A sumarização da cognição e a defesa da rapidez procedimental a qualquer preço, aliada à formação de magistrados e demais operadores do direito já inseridos nesse contexto, que visa atender imperativos do Mercado, põe em jogo a aplicação e garantia dos direitos fundamentais. Nesse cenário, em que a posição prevalente no Judiciário prioriza interesses econômicos por meio da valorização da eficiência, da celeridade e visando uma previsibilidade que garanta a segurança jurídica daqueles que têm poder de compra, faz-se necessário o questionamento desse discurso pseudo-socializador, que vem justificando o protagonismo judicial e acarretando a desumanização do processo, e uma profunda reflexão sobre a formação dessa nova geração de operadores do Direito. No entanto, para além dessas recentes mudanças, segundo as palavras de Boaventura de Souza Santos (Palestra “O que seria uma revolução democrática da justiça?”, 2ª Conferência do Ciclo “Cidadania e Desenvolvimento: a governação e a organização do sistema de justiça", Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, Portugal, em 25 de janeiro de 2013), o lugar do Direito e da Justiça no mundo, historicamente, sempre foi o da justificação da pilhagem, o da garantia de legitimidade à

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concentração de recursos e poder nas mãos das classes dominantes. O primado de violência vem sendo mantido pelo Direito através da justificação da violência – violência legalizada. Vale lembrar o clássico conceito weberiano de que o Estado pretende o monopólio do uso da força, e que cabe ao Direito regulá-lo. Nesse sentido, já em 1915, no texto “Considerações Atuais sobre Guerra e Morte”, Freud refletia sobre o que encobre o poder emanado pelo Judiciário: “O Estado proibiu ao indivíduo a injustiça, não porque quisesse abolí-la, mas porque pretendia monopolizá-la, como o tabaco e o sal” (ESB, vol. XIV, 1974, p. 316). A cultura vigente é a da litigiosidade, e uma mudança dessa lógica exige uma grande transformação no campo da educação, especialmente no que pertine à formação dos futuros operadores do Direito. Atravessamos uma época em que as contradições, os paradoxos e as diferenças marcam profundamente a sociedade do nosso tempo, que, embora já tenham alcançado grandes avanços nas ciências, na tecnologia, nas comunicações, enfrentam hoje imensos desafios de natureza complexa, seja pela emergência de questões que uma visão positivista não consegue dar conta, seja pelo surgimento de novas questões oriundas, justamente, do grande avanço do pensamento científico. Princípios do paradigma hegemônico da ciência moderna encontram hoje, na subjetividade também implicada na produção de conhecimento, seu ponto de relativização. A interdisciplinaridade desponta como um campo que reconhece o nãotodo das disciplinas e valoriza a necessidade da religação entre os saberes, para que nesses espaços inexplorados a partir, justamente, do que pode haver de fértil nas diferenças existentes entre elas, seja possível a busca colaborativa de respostas, visando à construção de solução para as novas-velhas questões que se colocam no mundo atual. Exercitar a mediação (como prática dialógica) entre os diversos campos do conhecimento na formulação do ensino jurídico pode fazer parte da própria mensagem de coexistência, colaboração e corresponsabilidade fundamentais à transformação da lógica de

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litigiosidade vigente, a reformulação do Direito e a democratização da Justiça. Há que se promover a valorização da diversidade jurídica, como mola propulsora do pensamento jurídico crítico. Como ensina Humberto Dalla, o Poder Judiciário deve ter o monopólio da função jurisdicional, mas não da Justiça, muito menos confundir-se com ela. Nesse ponto, há que se reconhecer que diversas comunidades e organizações sociais têm formas sábias e simples de resolver problemas, por meio do diálogo, onde realizam outro modo de administração de conflitos de forma não-violenta. Desta forma, uma política ampla de acesso à Justiça deve incluir a Justiça não oficial sem a oficializar, e a mediação de conflitos deveria ser abordada e adotada nos currículos acadêmicos a partir desse prisma. Todavia, inserida no programa de reformas como uma das “inovações institucionais” propostas por esse modelo neoliberalista, pautado em diretrizes do Mercado, a mediação tem esvaziado seu propósito humanizador e democrático, servindo apenas como mais um instrumento para atendimento à eficiência e à produtividade na administração judiciária. O movimento político que se observa hoje, no sentido da regulamentação da mediação judicial e extrajudicial, indica a garantia da manutenção do controle, o monopólio da Justiça, através da formalização de práticas comprometidas com metas de resultado, velado por um discurso de valorização das relações humanas, incompatível com o hermetismo do método adotado pelo Conselho Nacional de Justiça para formação de mediadores, agravado pela manutenção da cultura adversarial sustentada pelo discurso monológico presente na transmissão do saber sobre o Direito, que tem efeitos totalitários de poder (Introdução Geral ao Direito II, A Epistemologia Jurídica da Modernidade. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p. 354). O conflito é inerente à natureza humana e, em um estudo sobre mediação, deve ser abordado como algo que pode ser desconstruído pelas partes a fim de restabelecer uma relação social harmônica, com a construção de uma solução baseada

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no diálogo. De acordo com os estudos de Lawrence Susskind e Jeffrey L. Cruikshank, o que se atinge com a prática da mediação é um pacto de convivência e não de concordância (Breaking Roberts Rules – The new way to run your meeting, build consensus, and get results. Oxford: Oxford University Press, 2006). Essa diferenciação é de extrema importância, tendo em vista que o primeiro pacto inclui a possibilidade de manter-se em desacordo, convivendo, ainda que não concordando. O objetivo da mediação não deve ser um produto análogo à sentença ou mesmo a um acordo: é o alcance do restabelecimento dos canais de comunicação, a abertura de um espaço amistoso, não adversarial, onde as partes possam se implicar na busca colaborativa por uma solução, empoderando-se nessa experiência, que poderá transformar, daí para a frente, sua forma de lidar com os conflitos. É um trabalho de reconstrução simbólica que pode promover não só o equacionamento do conflito atual, mas também a conquista de uma autonomia pelas partes, que possibilite a realização de novas escolhas a partir dessa experiência. Embora o discurso sustentado pelo Judiciário para proposta de implementação da mediação como meio alternativo de resolução de conflitos afirme ter o “empoderamento” das partes como um dos objetivos, ao lado do “desafogamento” do sistema, apresenta grande contradição de propósitos, na medida em que ao demandar um tempo maior e não visar um resultado quantificável, a mediação parece não atender ao interesse de desafogamento, ao mesmo tempo em que ao insistir em regular essas práticas não-adversariais de resolução de controvérsias revela não haver um real interesse em abrir mão do seu poder em prol dos sujeitos que alega querer ver empoderados. Para a construção de uma Justiça verdadeiramente democrática, é necessário valorizar uma justiça de proximidade, fortalecendo as dimensões humanas e as relações em comunidade, transformações múltiplas e recíprocas no Estado, na sociedade e nas instituições. O Judiciário deve buscar sair do isolamento em que se encontra e

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promover uma articulação com outras áreas do saber, para criar uma cultura de proximidade, com a reflexão constante – começando nas universidades e alcançando os cursos da magistratura – sobre as melhores formas de garantir o exercício dos direitos fundamentais pelos cidadãos. A interlocução com movimentos sociais e especial atenção à diversidade, à pluralidade de Justiças existentes, em defesa da aplicação dos direitos fundamentais são medidas que se impõem a essa necessária transformação na cultura jurídica. Neste sentido, os Cursos de Direito podem se constituir num locus apropriado para o desenvolvimento de práticas e reflexões interdisciplinares sobre a mediação. De fato, aos poucos vem sendo incorporada como componente curricular, seja como matéria incluída em disciplinas obrigatórias ou optativas, seja nos Núcleos de Prática Jurídica ou mesmo como objeto de investigação científica. Todavia, é importante refletir sobre que mediação está sendo falada nos cursos de Direito. Será que o papel das faculdades é capacitar tecnicamente operadores do Direito para mais este campo profissional? Esta capacitação deverá seguir os parâmetros determinados pelo Conselho Nacional de Justiça, para que os futuros bacharéis venham a ser incorporados mais facilmente por este sistema? Ou será que, mais do que capacitar profissionalmente, os cursos de Direito podem criar uma cultura mais aberta a métodos não-adversariais de composição de conflitos, fundada não na pacificação artificialmente imposta, e sim no diálogo e na não-violência?

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EDUCAÇÃO ARISTOCRÁTICA E ENSINO DO DIREITO (Felipe Adaid , Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas, e-mail: [email protected]; Samuel Mendonça, PUC­Campinas)

Sobre a educação, lato sensu, pode-se dizer que ela se relaciona ao processo de aprendizagem dos inúmeros aspectos culturais, onde o indivíduo apreende comportamentos, valores e técnicas relativas à cultura ou a determinado aspecto de seu grupo social. Assim, é contundente aferir que o mais elementar conceito a respeito de educação se relaciona ao processo de apreender um conhecimento. Nesta linha de raciocínio, segundo Abbagnano (2007): “Em geral, designa-se com esse termo a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produção e comportamento, mediante as quais um grupo de homens é capaz de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto, de modo mais ou menos ordenado e pacífico”. Seja qual for a sociedade que se está analisando, a educação aponta para um fenômeno de transmissão de conhecimento, o que, indiretamente, se relaciona a introjeção de aspectos culturas e axiológicos, importantíssimo para o desenvolvimento do convívio social. Ademais, é por meio da educação que são construídas as balizas socio-antropológicas, imprescindíveis a transferência e aglutinação do conhecimento. Em que pese as diversas acepções do conceito de educação, com o advento da modernidade, a ideia principal que se tem refere-se ao ensino formal – qual seja, o aspecto educativo vinculado às instituições de ensino. Porém, sejam particulares ou privadas, estão sob a égide da Administração Pública, controladas por mecanismos legais, o que, em última análise, reflete a hegemonia estatal em detrimento do processo educativo. Especificamente no que tange o ensino jurídico brasileiro, essa

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atividade é reservada apenas à graduação e pós-graduação das Faculdades de Direito. Atualmente, por meio do beneplácito legiferante, o Ministério da Educação, por intermédio do Conselho Nacional de Educação, fornece as regras mínimas para os cursos jurídicos: ao delimitar o tipo de formação docente, currículo mínimo de disciplinas, carga horária, ementa, número de semestres, entre outras especificações burocráticas. É cada vez mais crescente o número de cursos jurídicos, o Brasil é um dos países que mais forma bacharéis em Direito. Ao avesso da quantidade de instituições brasileira que oferecem cursos jurídicos, pode-se dizer que a qualidade do ensino está caindo e, em que pese história da formação em Direito no Brasil, as vésperas de seu ducentésimo aniversário do surgimento, pouco se pode falar numa mudança efetiva. O que aponta para o fato de que este panorama organizacional, monopolizado pelo estado, é reflexo de seu próprio desenvolvimento histórico tradicionalista. Um famigerado aspecto da educação hodierna se refere ao nefasto movimento de democratização que muito vem sendo discutido e – muitas vezes – defendido. Utilizando-se da filosofia de Nietzsche como baldrame, pode-se dizer que a democracia educacional, enquanto solução ou método de desenvolvimento cultural, é equivocada. Uma vez que o nivelamento da educação é um processo atroz que leva o indivíduo a uma mediocridade coletiva sem precedentes. A ideia de ensino democrático ignora a idiossincrasia humana e o fato de que a desigualdade é um fato natural. Visto que são seres singulares, não há dúvida de que existirá diferença no desenvolvimento intelectual e afetivo. A busca da padronização distancia o estímulo à singularidade, obstrui a possibilidade de conquista individual, a visão crítica e mormente a superação. Neste sentido, a educação – por meio dos estabelecimento de ensino – tem servido como base do distanciamento individual em relação a suas potências. Em suma, parece razoável defender e fomentar a existência de uma concepção educacional que tenha a excelência do homem no

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horizonte. 1.1. DA EDUCAÇÃO ARISTOCRÁTICA. Em linhas gerais, toda aristocracia aponta para o elitismo de determinado grupo. Esta consideração decorre da estratificação de determinada sociedade em dois blocos distintos, quais sejam: o rebanho, cuja mediocridade fê-los tornar homogêneos em meio a grande massa; e os aristocratas, cujo escoismo fê-los tornar demasiadamente distintos e superiores à massificação. Esta distinção não pretende aniquilar a educação para as massas. No fundo, a massificação é a base para o desenvolvimento de uma concepção educacional que tem, no horizonte, a busca da excelência de cada um. Embora a própria filosofia de Nietzsche não permita estabelecer conceitos derradeiros a respeito do aristocracismo nem de qualquer outro ser, é possível refletir a respeito desta ideia: “Uma aristocracia se define pela independência, auto-referência e autodomínio dos seus membros em relação a todos os outros homens, que são escravos e devem trabalhar como instrumento dela. Esta nova nobreza se define então pelo distanciamento e oposição ao populacho, para quem todos são iguais e não há homens superiores” (MELO SOBRINHO). É possível asseverar que a exaltação da figura do aristocrata, realizada por Nietzsche, utiliza-se, em última análise, de um parâmetro intelectual. Sendo assim, a atividade de excelência necessariamente pressupõe uma autopsia. Uma vez que é indispensável que o indivíduo conheça a si mesmo, a ter o máximo de conhecimento de suas limitações subjetivas e possibilidade exteriores. Além disto, são indispensáveis dois aspectos, quais sejam: superação e crítica. Tendo em vista que o homem moderno está acomodado a responder passivamente aos processos sociais, políticos e econômicos do mundo. Sua mister preocupação se refere ao modo como o homem hodierno se comportava de forma apática em relação aos valores que lhe são impostos. Neste sentido, a filosofia desenvolvida por Nietzsche se refere a essa superação, não como uma forma de mudança e melhoria da condição humana por meio de substâncias definidas e uma

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teleologia absoluta, mas, diferente disto, a superação que nasce da vontade de potência, isto é, das forças internas e externas que permitem a contínua revaloração de valores, onde paulatinamente o indivíduo se aproximaria do modo de vida aristocrático. A busca da excelência pressupõe, assim, o contínuo movimento de alteração da condição atual, o que se distingue do comodismo em que se encontra a grande massa. Sendo assim, a filosofia de Nietzsche aponto duas características essenciais, quais sejam, a capacidade crítica e a superação como meta, tendo em vista que são marca da educação aristocrática. Portanto, a busca da excelência, não depende de um modelo educacional, muito menos deve ser confundida com uma diretriz pedagógica. Em última instância o desenvolvimento da aristocracia depende apenas do próprio sujeito. A educação aristocrática propõe o desenvolvimento das potências de forma individualizada, baseada na superação e capacidade crítica; diferentemente da educação de massas, que se fundamenta na ideia de nivelamento. Assim, dado que esta educação de excelência depende única e exclusivamente do indivíduo, de pouco importa a qualidade geral das instituições. Nesta linha, o que de fato influencia a aristocracia é o desenvolvimento de um pensamento superior e a consciência de que é possível seu aprimoramento. “Em contraposição à educação de rebanho, a educação aristocrática privilegia a dureza e expurga a igualdade. Mais que isso, a educação aristocrática toma como parâmetro o homem que foi capaz de abrir seus olhos e consciência para revalorar os valores” (MENDONÇA, 2009). Dessa arte, é plausível ressaltar que a educação aristocrática representa o contrário do ideal de igualdade e democracia, uma vez que trabalha as potências individualmente, a brindar esta possibilidade de se tornar melhor. Assim, este tipo de educação propicia o desenvolvimento da capacidade emancipatória do homem, por meio da superação e crítica. Em última instância, ela atua no estímulo do virtual filosófica de cada indivíduo. Tanto o educador quanto o educando devem considerar o

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rigor e a dureza consigo como características para sua vida aristocrática. A inquietudo e a insatisfação com a educação de rebanho imposta também pode ser outro fator importante, a estar diretamente ligada à consciência de sua altivez. Ademais, o educador de excelência deve tornar a vida acadêmica sua prioridade profissional; ao passo que o educando deve se dedicar o máximo que puder a sua função de incipiência. Em suma, assim como no caso do filósofo, aquele que busca a aristocracia também é o amigo do saber. 1.2. DA EDUCAÇÃO ARISTOCRÁTICA E DO ENSINO DO DIREITO. Segundo Bittar, o Brasil está longe de ter um modelo educacional arrojado. Em relação à sua estrutura, pode-se dizer que os cursos não são desenvolvidos a partir de práticas pedagógicas direcionadas, mas a partir de uma tradição elitista e dogmática de Direito, derivada do modelo imperialista. Soma-se a isto o sucateamente das instituições de ensino, privadas e particulares; a formação docente retardada, a respeito da bagagem teórica, produção acadêmico e conhecimento pedagógico; somado ao baixo investimento em pesquisa e extensão por parte do Estado e das próprias instituições de ensino. O modelo educacional positivista e a formação tecnicista ainda são muito observados no ambiente acadêmico. O educando é ensinado a decorar dispositivos legais, conceito doutrinários e jurisprudenciais, enquanto que a capacidade crítica e interpretativa é subjugada. O Direito é ensinado de forma dogmática, por meio de uma concepção derradeira e tradicional. Grosso modo, esta estrutura possibilita que o bacharel recém-formado se torne um operador do Direito sem a necessária visão e reflexão da realidade global. Nesse diapasão, a ter em observação o precário cenário educacional e a anacrônica concepção jurídica do Brasil, como cogitar formas alternativas de educação, quer na figura do educado, quer na figura do educando? No que tange ao objetivo do presente trabalho, ressalta-se, todavia, que por hora não se fala em uma forma alternativa de prática pedagógica ou modelo a ser implantado. O foco desta pesquisa parte da propositura de uma

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revaloração educacional de ordem filosófica. Esta nova concepção de educação tenta trabalhar as potências individuais de superação, emancipação e crítica. Em última análise, esta nova forma de pensar a educação jurídica aponta para a dimensão mais sublime de cada protagonista. “Os cursos jurídicos têm, desde a sua implementação no Brasil, como característica marcante a transmissão de um conhecimento reproduzido e sem grandes inovações, tendo como finalidade preparar um profissional do Direito estritamente tecnicista, refém do sistema normativo codificado como se essa fosse a essência do direito “(CERQUEIRA, 2008). Nessa premissa, diante do contexto histórico tardio e elitista em que se desenvolveu o ensino, jugado aos evidentes e inúmeros equívocos ainda bastante arraigados neste sistema, não é de se estranhar o esquálido cenário da educação jurídica no Brasil. Assim, dado que o simples objetivo deste trabalho é a reflexão e – quiçá – uma corroboração, na tentativa de apontar uma plausível solução de ordem filosófica a respeito deste sistema, pergunta-se sobre a possibilidade prática da educação aristocrática no ensino jurídico. Neste diapasão, no que intersecta à prática jurídica, a educação aristocrática se torna realidade na medida em que o operador do Direito, em consonância com a filosofia nietzschiana, torna-se crítico ao próprio dogmatísmo. Do mesmo modo, uma vez que o Direito tem um caráter dogmático por essência, esta crítica à dogmática jurídica configura a própria insatisfação ao modelo. Em extrema análise, esta reflexão sobre o Direito já aponta para a própria aristocracia. CONCLUSÃO. A ter em vista que os primeiros cursos superiores só se iniciaram no século XIX, pode-se dizer que a ascendência jurídica no Brasil revela fortemente um inequívoco reflexo da falta de maturidade científica e filosófica. Outrossim, as parcas políticas educacionais coevas de incentivo à pesquisa e a formação dos professores são, praticamente, nulas. São fatos como estes que, somados ao grande florescimento de cursos jurídicos e a consequênte saturação do mercado de trabalho,

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favoreceram para o desprestígio desta nobre classe. Destarte, refletir sobre alternativas à educação jurídica no Brasil se torna mais do que relevante, visto que o atual modelo de ensino, igualitário e democrático, pouco tem auxiliado neste processo. É importante asseverar que, em absoluto, esta nova forma de se pensar a educação deve ser entendida como um modelo educacional, a tal ponto de poder ser padronizado e difundido entre todos os profissionais da educação. A educação aristocrática se constitui exatamente pela oposição entre os modelos derradeiros, seu viés filosófico e individualista propõe que tanto o educando quanto o educador possam desenvolver seus potenciais de forma solitária, superando-se gradualmente. Tornar a educação aristocrática um modelo educacional que vise à igualdade e a democracia, seria o mesmo que destituir totalmente sua essência, rebaixando-a ao nível dos modelos pedagógicos já existentes e, mutatis mutandis, ineficientes. Como resultado, a presente pesquisa pretende influenciar alunos e professores a buscarem sua excelência de forma autodidata. Em seu diapasão, pode-se dizer que a educação aristocrática surge da filosofia de Nietzsche como uma plausível alternativa ao contexto educacional hodierno, o qual clama por respostas e soluções frente a esta crise paradigmática sem precedentes. Deste modo, diante da insatisfação perante à educação de massas imposta e do caótico cenário profissional do operador do Direito, pode-se pensar na aristocracia enquanto uma ferramenta propulsora, em última análise, objetivando a revaloração da educação jurídica, a tornar educandos e educadores indivíduos críticos, capazes de não apenas refletir o Direito enquanto teoria abstrata, mas em sua própria técnica e prática. In summa, por meio do legado nietzschiano, no que se refere à emancipação por meio da superação e da capacidade crítica, a educação aristocrática aplicada nos cursos jurídicos se torna um plausível subterfúgio intelectual de ordem filosófica aos operadores legais. Para tanto, é mister possuir a consciência e a certeza da fundamental importância

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da mais crítica formação no Direito para, enfim, gerar o crescimento individual. Somente após a formação de indivíduos efetivamente conscientes de sua importância social e profissional, enquanto pensadores aristocratas e analista de sua mesma aristocracia, que será possível cogitar a possibilidade de se criar tal excelso grupo. Longe de oferecer elementos derradeiros sobre a educação aristocrática e mesmo em relação ao ensino jurídico, no entanto, é possível observar a relevância desta temática para a qualificação contínua dos Projetos Políticos Pedagógicos dos cursos jurídicos brasileiros.

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PROBLEMATIZANDO A DIDÁTICA NO ENSINO DO DIREITO: ENTRE AS ÂNCORAS DA TRADIÇÃO E AS BOIAS COLORIDAS DA INOVAÇÃO - A NECESSIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA (João Virgílio Tagliavini, Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR, e-mail: [email protected])

Diante da crise do direito e da justiça no Brasil e, consequentemente, do ensino do direito, esta comunicação parte do problema que se apresenta à sociedade, aos docentes e principalmente aos coordenadores dos mais de 1200 cursos de direito instalados no país: “Como educar alunos reais (e não alunos ideais), para o direito e a justiça, com alegria, com tesão, e com qualidade, neste país de desigualdades gigantescas, e corrupção galáctica, em que masmorras como “Pedrinhas” convivem com o “padrão FIFA” dos estádios da copa do mundo de futebol, e sobrevivem capitanias hereditárias, e negros são amarrados e torturados em postes ignominiosos da vergonha nacional?” Para aprofundar a problematização, diagnosticar a realidade, e firmar os fundamentos últimos do debate, estabelece-se um diálogo, inspirado na paródia criada por Luis Alberto Warat em “A ciência jurídica e seus dois maridos”, que, por sua vez, bebia nas fontes da Dona Flor de Jorge Amado. Sem respeito à separação das dimensões, como naquela obra literária, o diálogo se dá frente a frente entre personagens do “aquém e do além”: Jorge Amado, bacharel em direito em 1935, que o preside, cercado por Luis Alberto Warat, Roberto Lyra Filho, Boaventura de Souza Santos, Paulo Freire, José Geraldo de Souza Júnior, Jorge Luis Borges, Norberto Bobbio, Karl Marx, Orlando Gomes, Johann Friedrich Herbart, David Ausubel, Helder Câmara, Leonardo Boff, dentre outros. Quase como um Manifesto na defesa clara da área de fundamentos como solução para embasar e “focar” melhor a tão perdida discussão sobre a secular

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crise da educação jurídica e os “tais novos marcos regulatórios do ensino do direito”, a comunicação provoca, indica, orienta e abre o debate sobre o que fazer, o que ler, o que estudar, o que problematizar numa área tão extensa para tirar o direito do marasmo em que se encontra. A fala, quase informal, mas de densidade oceânica, de autores de tamanho peso, pode se apresentar como um bálsamo e uma estrela oriente para substituir a esterilidade de tantas audiências que se sucederam e apenas fizeram com que seus participantes sentissem que não há nada de novo sob o sol, a não ser receituários que culpabilizam as vítimas pelas suas desgraças e resolvem os problemas pelo caminho fácil da extinção das oportunidades: exclusão. Isso fica muito claro, tanto em reuniões de docentes, quanto em congressos e audiências, quando os luminares descem à terra para solucionar os problemas dos mortais e vão logo pontificando suas brilhantes análises: - O problema está na educação básica. Os alunos chegam ao ensino superior sem saber ler nem escrever. É preciso estancar a abertura de novos cursos, fechar muitos dos que existem, reprovar os alunos... Acabei de ingressar nos sessenta, não tenho mais paciência para a negociação da fala mansa. Eu traduzo essas falas na minha comunicação: - A educação superior era boa quando só as elites tinham acesso a ela. Quando abriram as portas para a patuléia, virou essa desgraça. Precisamos voltar aos velhos e bons tempos, como é vontade divina, cada um no seu lugar: uns ficam na roça, outros no chão da fábrica, poucos, pouquíssimos são guindados às alturas das Arcadas do Saber superior. O mundo sempre foi assim. E agora esse negócio de cotas estragou o resto. Se não dermos nomes aos bois, as discussões continuarão estéreis. Precisamos definir: quem quer debater com honestidade na busca de uma saída e a eles nos aliamos; quem ainda não despiu o fardão escravocrata e não depôs a chibata e os excluímos do debate para não perdermos tempo. Em contrapartida, a legislação brasileira determina que o Brasil deve colocar no ensino superior, queiram ou não os senhores escravocratas extemporâneos, mais de

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30% dos jovens em idade universitária. Ainda não foram incluídos 20%. Obviamente que não precisam ser todos em cursos de direito. Mas a Constituição também diz que há Liberdade de Ensinar e Aprender. Por que, alguns, que já chegaram lá, arrogam-se no direito de comandar os desejos, os projetos e as utopias dos outros? Subiram e jogam a escada fora? Além disso, os dados da realidade também nos dizem o seguinte: em nota de zero a dez, a média do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB), segundo os últimos dados publicados pelo INEP/MEC, em relação ao levantamento feito em 2011, referentes ao Ensino Médio nas Escolas Públicas, é de 3,4. Podemos até não concordar com a metodologia do IDEB, com o que é avaliado, etc. Mas são dados preocupantes. Na comunicação (agora deixo os escravocratas de lado, não me interessa dialogar com eles, eles também não querem dialogar comigo, pois eles têm suas próprias associações) proponho os desafios para os educadores dispostos a enfrentarem o problema. O ensino médio teve três anos para trabalhar com os estudantes. O curso de direito terá cinco anos! Nesse ponto, do muro das lamentações do diagnóstico da desgraça anunciada, parte-se para a mesa do planejamento das ações que inspiram esperança. Nota: para ir em frente, este é um momento crítico – é preciso não se deixar dominar pelos ingênuos (eles ignoram, mas podem sair da ignorância, se tiverem boa vontade – há salvação); e ter firmeza para fazer frente e excluir os cínicos (estes sabem que fazem caca e continuam fazendo – não há salvação – só milagre). Tendo partido da problematização, do diagnóstico e dos fundamentos, a comunicação atinge o seu ponto central: o que fazer? A resposta ao que fazer necessita, em primeiro lugar, fugir de algumas armadilhas: 1. Pragmatismo tecnicista superficial: é a tentativa de encontrar soluções fáceis e mágicas pela implantação de novidades tecnológicas (TICs – tecnologias de informação e comunicação); 2. Incondicional e saudosista volta a um passado supostamente dourado – é a tentativa de copiar e reproduzir o que deu certo nos tempos de

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nossos avós; 3. Democratismo absoluto: é a tentativa de solucionar o problema do desinteresse pelo estudo, pela implantação de um sistema de autonomia total do estudante; 4. Prolongamento indefinido da duração dos cursos: é a tentativa da solução pela quantidade do tempo letivo; 5. Política da exclusão: se nenhuma das alternativas anteriores der certo, elitiza-se o ensino superior. O que fazer, fugindo dessas armadilhas e de qualquer solução populista de incluir para fazer melhor figura nas estatísticas? A primeira armadilha é a daqueles que apostam nas novidades dos mascates de ilusões. São os que se extasiam pelas boias coloridas da inovação. Imaginam que a solução esteja na aquisição da última lousa digital, software de apresentação, tecnologia de comunicação; mudam métodos e técnicas; propagam uma nova didática como única e imediata salvação da lavoura. Em geral, esquecem-se de combinar com dois personagens significativos no processo educacional escolar: docentes e estudantes. Compram equipamentos, mas não investem na formação docente para utilizá-los, nem na formação discente para deles usufruir. O “aggiornamento” tecnológico é importante, mas não faz milagre por si só. A segunda armadilha é a daqueles que, em primeiro lugar, acreditam, equivocadamente, que, algum dia, no Brasil, a educação jurídica tenha sido de qualidade inquestionável. A eles indico o estudo de história da educação e história do Brasil. Em relação às chamadas boas faculdades de direito, solicito que consultem Rui Barbosa e Luis Gama, o ”Advogado dos Escravos”. Apenas algumas perguntas para quem não estudou história: aquelas escolas serviam a quem? a quantas pessoas? a que classe social? a quais interesses? o que se aprendia? Para questionar o mínimo: eram socialmente referenciadas? Quem preparou a minuta do Ato Institucional nº 5, de 13 de dezembro de 1968, e o assinou, foi diretor de uma das mais tradicionais faculdades de direito do país. Um diretor de faculdade de direito que assina um ato para acabar com os direitos! Serve de modelo? Para mim, não. No título deste capítulo, apelido essas

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armadilhas de âncoras da tradição. Âncoras são boas para aportar, mas precisam ser levantadas para navegar, senão, condenam ao imobilismo. Há também aqueles que levantam âncoras, mas não abandonam as costas, porque não têm coragem de perder de vista os faróis. Fazem do ensino do direito aquilo que Orlando Gomes denunciava: uma navegação de cabotagem ao redor dos códigos. É preciso levantar âncoras, abandonar a segurança dos faróis e correr o risco de enfrentar os monstros do alto mar. Assim fizeram os grandes navegadores. A terceira armadilha é bem rousseauniana: acreditar na bondade e no interesse natural de todos os estudantes, assim como na sua capacidade de virarem-se sozinhos. Às vezes é, também, uma forma de comportar-se como Pilatos: terceirizar as responsabilidades. Não se inventou nada diferente ainda: educação requer algum nível de direção segura. A quarta armadilha é fácil de desarmar: se o que está aí já não presta, por que prolongar o sofrimento aumentando o tempo de escola? A quinta, não é uma armadilha, é uma vergonhosa, inconstitucional, cruel, egoísta e desumana solução. Já a descartamos. Desmontadas as armadilhas, segue-se para o ato mais complicado da peça: o que fazer com o que fizeram de nós? Ou deles, os estudantes? É a parte mais difícil porque não é possível, em poucas palavras tecer receitas que apontem saídas e soluções para um diagnóstico tão complexo. No entanto, não se pode fugir à responsabilidade. Se não apontamos fórmulas prontas, indicamos possíveis caminhos que, combinados, de acordo com a leitura, o momento e o contexto de cada realidade concreta, poderão fecundar novas experiências educacionais no campo da didática do direito. Eu aponto na comunicação, e vou além de algumas idéias que estão no livro Aprender e ensinar direito que publiquei em 2013, e que já foi enriquecido no debate com muitos professores e coordenadores de direito, alguns caminhos: 1. A base de um direito que se ensina e que se aprende direito é a formação didático-pedagógica permanente do corpo docente. Em geral, e quando o fazem, as IES proporcionam

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apenas uma palestra ou um minicurso no início do ano, para os seus docentes. Isso não resolve. Há necessidade da implantação de um projeto permanente, com planejamento, acompanhamento, avaliação, correção de rumos, etc. IES que acreditam e investem na implantação de projetos permanentes de formação pedagógica conseguem avançar além do que imaginavam; 2. A formação didática discente para a aprendizagem encurta caminhos para o sucesso dos estudantes. Formar para aprender é tão ou até mais importante quanto formar para ensinar. Aqui também é necessário corrigir um erro ou armadilha: não se trata de inserir uma aulinha na “grade” curricular, no início do curso. A minha proposta é de um projeto de formação que acompanhe todo o curso de direito. Esse projeto estará detalhado no artigo mais longo que se seguirá a este resumo. É necessário, portanto, o estudo das Teorias de Ensino e Aprendizagem para que, ao saber como se aprende, o professor saiba ensinar e o estudante aprenda a aprender; 3. Pelo fim da “tricotomia”: propedêuticasprofissionalizantes-práticas. Se há algo que fez com que o direito se tornasse algo tão sem sabor, sem graça, sem tesão, foi a cisão entre suas partes indivisíveis. A disciplinarização e a fragmentação do direito, e em consequência, da própria justiça, destroem o processo do seu ensino e do seu conhecimento. No seu lugar não propomos a interdisciplinaridade. Propomos a reconstituição da unidade perdida, nos seus fundamentos (excluindo para sempre o termo “propedêuticas”, que se assemelham a “preliminares”, antes da partida principal). Por fim, com base em textos de Alysson Leandro Mascaro, de Introdução ao Estudo do Direito, Filosofia do Direito e Sociologia do Direito e no Curso de Direito do Trabalho de Jorge Luiz Souto Maior, eu faço uma discussão sobre a possibilidade de superação concreta da “tricotomia”, propondo, a partir da leitura do mundo (prática, mundo concreto, direito achado na rua, etc.), com o auxílio do farol da teoria (fundamentos, o bisturi que ajuda a cortar a realidade) a possibilidade de estudar, pensar e até, obviamente de

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questionar os códigos (profissionalizante). No curso de Direito do Trabalho (4 volumes), Souto Maior dedica o Volume I (Parte I), à Teoria Geral do Direito do Trabalho, em quase 800 páginas, para colocar os alicerces de um direito tão questionado. Promete ainda uma Parte II para abordar a trajetória do Direito do Trabalho no Brasil. A leitura crítica dessa obra poderá nos dizer se o projeto de superação da “tricotomia” foi alcançado e o que fazer para contaminar as outras áreas de conhecimento jurídico. A comunicação tem um tom de manifesto e de desafio. É também o balanço da experiência de um educador que mergulhou no mundo da educação jurídica, na teoria e na prática; nas salas de aula e na avaliação de inúmeros cursos de direito como integrante da Comissão de Educação Jurídica da OAB de São Paulo; nas pesquisas, como líder do Grupo de Pesquisa “Educação e Direito na Sociedade Brasileira Contemporânea”, da UFSCar; nos encontros que organizou com coordenadores de cursos de direito; nos inúmeros encontros de formação com docentes de cursos de direito; nas palestras e debates com estudantes; e na participação na ABEDi, desde 2002, alguns anos fazendo parte de sua diretoria. Sua intenção é provocar, e, junto com Warat, tentar despinguinizar a educação jurídica brasileira. Sou aprendiz, não tenho a pretensão de ser mestre de ninguém, mas... quero incomodar.

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O ENSINO JURÍDICO (SIMPLIFICADO) BRASILEIRO: UM ‘DELIVERY’ DE VERDADES QUE SE COMEM RÁPIDO E INTOXICAM (José Carlos Kraemer Bortoloti, Faculdade Meridional – IMED, e-mail: [email protected]); Thaise Nara Graziottin Costa, Faculdade Meridional – IMED, e-mail: [email protected])

INTRODUÇÃO. Considerar as circunstâncias e as peculiaridades que marcam contemporaneamente o ensino jurídico no Brasil necessita ser feito a partir da própria crise do (no) Direito em solo brasileiro. Indicar um ensino simplificado, desvirtuado em sua proposta que insere/repete (somente) a construção de standards e lugares comuns (Streck), promove o distanciamento (hermenêutico) dos operadores do Direito do enfrentamento da crise de compreensão do Direito a partir de um “modelo” liberal-individualista-normativista, não raras vezes, exegético, que se perpetua justamente no discurso (fetichista) de se fazer-o-ensino, como um delivery de verdades que se comem rápido, porém, logo intoxicam (Warat). Isso remete à criação de profissionais que contribuem para que a dogmática jurídica se revesta de um discurso fetichista que dificulta (impossibilita) o mediar do (entre) fenômeno social e o acontecer da Constituição. Em primeiro momento, contextualiza-se o ensino jurídico na atualidade, com algumas das características vinculadas ao ensino jurídico brasileiro, em especial, a necessidade de alteração do “modelo” central (objetificante), ou seja, da matriz desse ensino, constituído – até então – sob excessivo aspecto teórico/dogmático, perdido em discursospromessas normativista-positivistas (ou perdidos, procurando uma “ponte”, entre exegetismo e normativismo), em consequência, formando operadores (inoperantes) jurídicos despreparados para enfrentar a atividade profissional e interpretar o fenômeno social. Posteriormente, analisa-se o ensino jurídico sob um aspecto de crise,

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vinculado à continuidade estanque, sem inovações e rompimento com “as velhas práticas”. Afinal, o ensino jurídico brasileiro se centrou em seus próprios dogmas, despreocupando-se com o contexto complexo da contemporaneidade e vinculando-se às peculiaridades da descontextualização (jurídica e social), dogmatismo objetivista e unidisciplinaridade, isolamento as “áreas” do Direito (com se o “corpo” da estrutura curricular dos Cursos pudesse ser desmembrada e depois “colada” onde – tomara – se encaixar – o Frankenstein do ensino à brasileira). A proposta do texto não é trazer resposta(s) mágica(s) pronta(s), mas, justamente, des-velar (hermeneuticamente) a simplificação do Direito que se repete no ensino jurídico brasileiro e tem culpa, sim, na dificuldade da dogmática jurídica de terrae brasilis em lidar com o “constituir” da Constituição e o Estado Democrático (e Social) de Direito. E nesse sentido, indicar a (in)eficácia do modo-defazer-o-ensino e sua relação com a (dis)funcionalidade do Direito brasileiro. 1. O ENSINO JURÍDICO ATUAL E O SEU “MODELO” OBJETIFICANTE. O incremento histórico-jurídico desempenhou basal extensão sobre as particularidades atuais do ensino jurídico brasileiro. As constantes alterações curriculares, bem como a carência de uma matriz eficaz e voltada à realidade do âmbito jurídico brasileiro, trouxeram à atualidade um ensino estagnado, preocupado unicamente em legislar sobre o perfil burocrático-administrativo de suas instituições, assim como, sobre o aparato teórico (objetificante) excessivamente centralizado de seus currículos. O ensino jurídico se deparou nas últimas décadas por uma forte necessidade de alteração em seu “modelo” central, sendo analisado principalmente pelo excessivo aspecto teórico/dogmático, descartando qualquer atividade de fomento às atividades de conciliação do âmbito jurídico e o social. Assim, formando, em sua grande maioria, dogmáticos despreparados para enfrentar a atividade profissional e, mais grave, permitindo a continuidade e o aumento preocupante de uma singularidade no fomento às novas necessidades da sociedade. Essa estagnação

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histórico-jurídica na qual se desenvolveu o ensino jurídico brasileiro esteve marcada, praticamente desde o seu início, por crises voltadas à eficácia de seus currículos ou pelo fracasso da estruturação burocrático-administrativa de suas instituições, totalizando aproximadamente um século de permanência desta “crise do ensino jurídico e, o que é mais grave, sem a percepção de que, com efeito, ele nunca foi suficientemente bom para que se pudesse falar, propriamente, em crise” (Santos). Na atualidade se vivencia um perfil diferente do público acadêmico, se nos primeiros moldes se caracterizava como principal classe a frequentar o ensino jurídico as mais abastadas, tem-se hoje uma grande alteração, bem com suas consequências relativas às próprias características das classes vinculadas atualmente ao referido ensino, originadas por ensinos de base largados à vontade do Poder Público e do esquecimento da sociedade individualista. E da vinculação às características dos que estão “ali sentados” (alunos) esperando que a “magia do conhecimento” possa brotar (por si só) de manuais, uma boa parcela dos que estão “logo ali, em pé” (professores), acaba por intensificar a relação objetificante do ensino jurídico em terrae brasilis. A racionalidade meramente instrumental é refletida pela dogmática jurídica anteriormente relatada e que prolifera nas salas de aulas, convertendo o Direito em um “compêndio” simplificado, logo, produzindo (in)operantes do Direito. Afinal, é preciso questionar a cultura estandardizada à brasileira (Streck) que vem dando força ao ensino objetificante, e que somente (e cada vez mais) vende a imagem de que os Cursos de Direito são cursinhos-de-Direito. 2. COMO O DIREITO VEM SENDO “TRATADO” A PARTIR DO QUE SE (DE) FORMA NO ENSINO JURÍDICO. O centro das discussões referente à crise do ensino jurídico circunda o fato de que o modelo de ensino jurídico tradicional não contribui para a formação de profissionais mais conectados com a realidade social, muito menos com condições para entender o fenômeno jurídico, e sua única miragem (singela) de

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analisar o Direito é a partir da relação sujeito-objeto. Além disso, ainda é um indício de ficção científica se falar em direitos transindividuais. Junto a isso, as instituições de ensino vem se dedicando (quase que) exclusivamente em aprovar o maior número “possível” de alunos nos Exames de Ordem, afinal, o percentual de aprovação no Exame é uma grande “arma de marketing”, e sem falar na hipocrisia de que a preocupação é a vinculação ao mercado de trabalho. Sabe-se, sem ingenuidade, que as instituições privadas necessitam ter sua sustentabilidade financeira, não é esta a preocupação! A preocupação é o que se está fazendo com o Direito a partir do ensino jurídico. Já se tem resultados do que se (não) produz a partir dos Cursos de Direito, e, pior, continua-se a perpetuar “as velhas práticas”. Dessa forma, o ensino vive o que Buarque classifica de “Síndrome de Salamanca”. Em consequência, o ensino jurídico em terrae brasilis, ante seus próprios dogmas, reagiu de forma desorganizada às especificidades desta contemporaneidade complexa. Em vez de buscar a ruptura com os “velhos hábitos”, reestruturando e dando alternativas à inserção de conhecimentos voltados às realidades sociais e profissionais (visto a sua reciprocidade), buscou na inversão de seu sentido e finalidade sua estrutura. O ensino jurídico brasileiro vem se caracterizando “pela descontextualização, dogmatismo e unidisciplinaridade” (Porto). Características que dão continuidade a perfis problemáticos de instituições, alunos e profissionais do Direito, ou seja, instituições com “modelos” limitados a formar meros divulgadores de códigos, estes condenados à singularidade profissional, e cúmplices das mazelas que permeiam o Direito. 3. A (IN)EFICÁCIA DO MODO-DEFAZER-O-ENSINO DO DIREITO BRASILEIRO. A primeira característica vinculada ao ensino jurídico brasileiro conservador das “velhas práticas” liberal individualistas, é a descontextualização desse ensino ao âmbito social e jurídico, bem como suas transformações cotidianas. Tal característica se dá exclusivamente por meio de pensar o direito

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somente como uma racionalidade meramente instrumental, um dado pronto e estanque, dando continuidade a existência de um senso comum teórico (Warat), o qual não tem o condão de estabelecer o conhecimento sobre a realidade social, somente padronizar sua justificação. Nota-se que a descontextualização possui ligação direta com o positivismo normativista, característica determinante do ensino jurídico desenvolvido por meio da história, bem como do atual ensino jurídico brasileiro, afinal, não se questiona, replica o mesmo molde, seja qual for a consequência. Nesse modelo de ensino jurídico perpetuado é o fundamento dogmático exposto e seguido como base para este ensino singular desenvolvido. Singularidade que dá continuidade ao afastamento da capacidade de medicação especificada anteriormente, pois, na medida em que se torna única a capacitação do aluno por meio do positivismo “lógico”, mais este estará inserido em um processo de descontextualização. Faz-se necessário arguir que a dogmática imposta ao atual ensino jurídico brasileiro, de âmbito centralizado ao positivismo normativista, contraria o que Ferraz Jr. delimita como dogmática de estilo hermenêutico. A dogmática centrada ao direito positivo representa o conhecimento singular, unilateral, que visa somente a estrutura interna, já a dogmática de estilo hermenêutico faz a distinção do jurídico e do antijurídico. Como terceira característica de estagnação do ensino jurídico, sob a continuidade de um modelo, conforme já explicado, marcado pela descontextualização e o dogmatismo, a unidisciplinaridade isolando as “áreas” do Direito, com se o “corpo” da estrutura curricular dos Cursos pudesse ser desmembrado e depois “colado” onde – tomara – se encaixar, típico o Frankenstein do ensino à brasileira. A falta de harmonia entra disciplinas, bem como a inserção de diversas disciplinas ao currículo dos cursos, soma um conhecimento fragmentado, peculiaridade vigente no ensino jurídico e que auxilia na defasagem do ensino. Exemplo disso é a tentativa dos cursos em anexar várias disciplinas, de contextos diferentes, cursos

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diferentes, em uma só, além de causar uma crise epistemológica nos alunos, configura-se a inexistência de integridade do conhecimento aplicado. A falta de harmonia entre as disciplinas introdutórias e de Direito material e processual, configura e dá ênfase ao paradigma do conhecimento fragmentado, pois não possibilita ao acadêmico o compreendimento, bem como a possibilidade de análise daquilo que se está praticando, e dessa forma, fomentando a dogmática prêt-àporter brasileira. A deficiência, vai além, áreas fundamentais para compreensão do Direito não fazem parte dos currículos jurídicos brasileiros, ou fazem parte exclusivamente com a preocupação de “dar conta” de responder questões objetivas para “enfrentar” o Exame de Ordem. Como isso, disciplinas como Direitos Humanos, Direitos Transindividuais ficam à mercê de aulas expositivas objetivistas, quando não subjetivistas, vinculando metafisicamente os conteúdos. A referida constatação vai além das salas de aula, inicia nessas para o posterior enquadramento do operador (intérprete) do Direito à sociedade. Para tal, como registra Prando, “tomar o direito não a partir dos códigos, tão somente, mas a partir de sua constante produção social. Tomar o direito como algo inserido na sociedade, e não como uma moldura onde a sociedade tem que se adequar”. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. As provocações feitas permeiam a constatação de que o ensino do Direito vem sendo simplificado, deturpado em sua proposta que prolifera a construção de standards e lugares comuns (Streck). Se perpetua justamente o discurso (fetichista) de se fazer-o-ensino, como um delivery de verdades que se comem rápido, porém, logo intoxicam (Warat) o acontecer da Constituição e do Estado Democrático de Direito. A referida crise é característica indissociável do ensino jurídico desenvolvido durante os tempos e que se mantêm até os dias de hoje. A estagnação histórico-jurídica do ensino jurídico brasileiro é a carga hereditária que firmou os moldes do atual ensino. Constata-se que o atual ensino jurídico brasileiro é o relato de crises voltadas à eficácia de seus

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currículos e a frustração de sua estruturação burocráticoadministrativa de suas instituições. A matriz vinculada ao ensino jurídico é marcada por características centradas na descontextualização, dogmatismo e unidisciplinaridade, instituições com modelos limitados a formar meros divulgadores de códigos condenados à singularidade profissional e condenando o Direito em terrae brasilis a uma versão simplificada. Por esse viés, o ensino jurídico brasileiro demonstra a ausência de perspectivas em relação à neutralidade teórica vinculada à matriz acadêmica contemporânea. Igualmente, a ineficácia caracterizada pelo fomento estagnado da teoria do direito (entenda-se tanto pela não recepção do giro linguístico, como pela confirmação de um modelo liberal individualista), demonstra a singularidade na construção práticoteórica do operador jurídico, e o que é mais grave, o ensino jurídico brasileiro ainda não institucionalizou a interdisciplinaridade como característica de seu desenvolvimento, perpetuando-se pela descontextualização, dogmatismo e pela unidisciplinaridade.

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EDUCAÇÃO JURÍDICA E CORPO: NA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA (Rafael de Deus Garcia, Universidade de Brasília, UnB, e-mail: [email protected])

Com frequência, aponta-se uma crise no ensino do Direito. A visão mais recorrente é a de que a educação jurídica se mostra incapaz de desenvolver um pensamento crítico, transformador e emancipatório, e de que as faculdades de direito têm compactuado basicamente para a reprodução do paradigma dogmático-positivista, distanciando os “operadores do Direito” da realidade social e dos problemas que permeiam quem necessita da Justiça. A origem da crise é analisada de variadas formas pelos estudiosos da área da educação jurídica. O debate não é novo e, desde a década de 1980, autores como Roberto Lyra Filho e Luis Alberto Warat denunciavam as diversas inconsistências do modelo de Ensino Jurídico. No entanto, com o passar dos anos, estudiosos têm insistido no fato de que essa crise tem se agravado, principalmente com a ampliação significativa das faculdades de direito, acompanhada da mercantilização do ensino superior, bem como com o enfoque do ensino nos concursos públicos e em provas de característica mais dogmática e carente em crítica, como o exame da Ordem dos Advogados do Brasil. O termo crise, embora didático na compreensão de um sentimento de insatisfação geral sobre determinado fenômeno, carrega consigo uma multiplicidade de sentidos e, logo, de compreensões, podendo dificultar a comunicação e a solução de problemas que os pesquisadores almejam. Dessa forma, é imperioso que se situe com mais precisão o termo crise, principalmente quando utilizado e compreendido de tantas formas distintas. Para o presente estudo, portanto, a crise no ensino jurídico será compreendida na concepção formulada por Thomas Kuhn (2007). O diagnóstico de crise na

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educação jurídica parte de uma sensação geral e crescente de insegurança em relação ao seu modelo, e está necessariamente vinculada ao constante fracasso em responder às demandas e aos problemas do sistema jurídico, não conseguindo produzir os resultados que se espera dessa modelo (KUHN, 2007, p. 95). Para Kuhn, “O significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos” (KUHN, 2007, p. 105). O momento seguinte à crise é a busca da comunidade científica por um novo paradigma que seja mais eficiente e que se mostre capaz de responder aos problemas e inconstâncias que o anterior já não era mais capaz de lidar. “A transição para um novo paradigma é uma revolução científica” (KUHN, 2007, p. 122), e é um momento de grande agitação na comunidade de pesquisadores. Diante desse cenário, são muitas as soluções propostas: dinamização da sala de aula com novas estratégias pedagógicas, buscando-se uma maior interação entre docente e discente; mais vinculação com a prática, valorizando-se os Núcleo de Prática e os estágios; abertura da grade curricular, na intenção de uma abordagem interdisciplinar do Direito; maior exigência da formação do professor; maior incentivo na pesquisa; e valorização da extensão, em suas variadas formas e compreensões, nas quais se destaca a extensão popular, onde se busca uma aproximação dialógica entre a Universidade e a sociedade. No entanto, como aponta Kuhn, não se renuncia imediatamente ao paradigma em crise. Esse abandono somente ocorre quando um novo paradigma mostra-se como alternativa disponível e válida pela comunidade científica (KUHN, 2007, p. 107). De fato, como é possível de se observar, as soluções propostas pelos estudiosos, paulatinamente acolhidas pelas instituições, se revelam verdadeiros testes para um novo modelo de educação jurídica. Esses “testes” variam em intensidade no que se refere à rejeição ao modelo anterior. Talvez a análise de Kuhn não se aplique de maneira tão objetiva e estanque na realidade do ensino jurídico, pois este permite uma

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fluidez maior do que se refere à coesão dos atores jurídicos, e as determinações de ordem política se fazem muito mais explícitas do que em comunidades das ciências exatas. No entanto, partir da concepção formulada por Kuhn é essencial para a compreensão desse fenômeno de crise e de proposituras. A perspectiva presente neste estudo também se coaduna com a ideia de que a maioria das mudanças propostas como alternativa ao modelo (dito por alguns como ultrapassado) de Educação Jurídica pouco significam uma verdadeira transformação paradigmática. De fato, o que se intenta, muitas vezes, é a criação de mecanismos que buscam exatamente aquilo que se quer mudar. Um exemplo a ser lembrado é o contínuo desinteresse pelos estudantes nas salas de aula. As alternativas para esse quadro acabam sendo justamente as de retomar a atenção desses alunos, sem questionar o próprio sistema de sala de aula como insuficiente para dar conta das funções cognitivas do jovem. Trata-se de compreender que os jovens necessitam, cada vez mais, não somente de novos estímulos visuais e auditivos, como os proporcionados pelas mídias eletrônicas, mas também e principalmente necessitam ser ouvidos nos novos espaços. Ou seja, é menos uma questão de chamar a atenção do jovem para o velho modelo expositivo de sala de aula, e mais de dar a esse jovem a oportunidade de se manifestar, reconhecendo que o espaço atual de desenvolvimento está mais ativo e multidimensional. Mesmo reconhecendo que as mídias virtuais podem dar um caráter passivo à formação do estudante, esses novos espaços permitem também o contato cada vez menos restrito, forçando o usuário a se ver integrado a uma rede muito mais ampla de pessoas e ideias. O espaço da sala de aula passa a ideia justamente inversa, e restringe a possibilidade da comunicação com o outro, sendo essa fundamental para seu desenvolvimento. A partir da compreensão de que a reforma na Educação Jurídica tenha que ser de fato paradigmática, buscando reconhecer na própria sociedade uma nova complexidade insurgente,

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com a qual o tradicional modelo de Ensino está absolutamente incapaz de dialogar, este artigo se insere na tentativa de elaborar uma (dentre várias possíveis) justificativa teórica para um novo modelo de Educação Jurídica. Não convém aqui pontuar os problemas nem exemplificar de que maneira o Ensino Jurídico tem se mostrado deficiente e incapaz de refletir-se em egressos críticos e qualificados. Parte-se, portanto, da ideia de que o momento atual da comunidade de pesquisadores é o de buscar novos caminhos para enfrentar as deficiências do modelo tradicional, que estão suficientemente explicitadas por essa comunidade. Na chamada crise, levando em consideração de que há inúmeros problemas a serem destacados, o presente estudo irá focar no processo de dessensibilização que ocorre com o estudante de direito, pois se reconhece que é justamente na sensibilização do ator jurídico – na capacidade de compreender o outro, na visualização de uma subjetividade humana a ser desenvolvida e potencializada pelos instrumentos jurídicos – a está o potencial transformador e emancipatório do Direito. Luis Alberto Warat é lembrado por explicar o processo de dessensibilização do estudante como um processo de “pinguinização” (WARAT, 2006, p. 12-13), em uma alusão metafórica às vestimentas e ao comportamento “travado” comum dos juristas. Os estudantes passam a usar roupas que dificultam a mobilidade, enrijecendo os movimentos; passam também a alterar o modo de falar, comumente optando por um vocabulário inacessível e arcaico; conformam-se com os ideais apresentados pelos manuais, fazendo de sua didática modelos prontos a serem posteriormente ocupados pelos problemas reais. Nas salas de aula, o estudante, embora seja compreendido epistemologicamente como um sujeito a ser respeitado em sua individualidade, é trabalhado antes de tudo em sua categoria e somente é avaliado e entendido em uma condição orgânica, quando passa a representar uma validade e um papel econômico em relação àquilo que se espera dele. Compreendendo, portanto, que o processo

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de dessensibilização do estudante está menos ligado à estrutura curricular ou formal de uma faculdade de direito, este artigo parte da concepção de que não se liberta o pensamento sem se libertar, ao mesmo tempo, o corpo. Do contrário, as tecnologias políticas do corpo continuarão atuando e até mesmo as disciplinas críticas serão dogmatizadas pelos estudantes, se já não estão também dogmatizadas pelos docentes. O corpo se estabelece em uma estrutura complexa que relaciona discursos, técnicas e dispositivos. Porém, é absolutamente injusto apontar um fator de culpa a qualquer categoria que compõe a Educação Jurídica. Também do professor é esperado um mero expositor de conteúdo, muitas vezes sendo avaliado por filiar-se a uma corrente doutrinária ou outra. Não se espera que haja um diálogo efetivo com aquele sujeito específico. As subjetividades dos sujeitos dessa relação do ensinar e aprender são perdidas em detrimento de um saber que se é colocado como inquestionado e inatingível. Nesse sentido, para se buscar um novo modelo de Educação Jurídica, pautado a partir da ideia de um sujeito que interage – inexoravelmente – de maneira ativa com o mundo, deve-se reconhecer o corpo não somente como um instrumento poderoso de transformação, mas de reconhecer que a disposição do corpo durante o processo de aprendizagem é delimitador, é inseparável, da maneira com que se aprende o Direito. Neste artigo, o marco teórico adotado será a concepção de corpo de Merleau-Ponty, utilizando-o para reconhecer no corpo um locus de poder, um elemento determinante e estratégico nas relações de poder, a partir do qual e sobre o qual as estruturas atuam e se alteram. Reconhece-se, portanto, a complexidade fenomenológica e biopolítica que circunda a educação jurídica em sua relação estreita com o corpo. Para subsidiar essa visão, também se utiliza a concepção de biopolítica em Foucault, bem como sua compreensão sobre as relações discursivas sob as quais o corpo está envolto. Dessa forma, a intenção é a de contribuir para a crítica da Educação Jurídica no sentido de permitir a visualização de

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novos caminhos, a fim de que finalmente se efetive a superação de sua já longa crise.

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A INTERDISCIPLINARIDADE COMO DESAFIO CONTEMPORÂNEO AO ENSINO JURÍDICO (Simone Trindade da Cunha, Universidade de Fortaleza, UNIFOR; Beatriz de Castro Rosa, UNIFOR, e-mail: [email protected]; Katherinne de Macedo Maciel Mihaliuc, UNIFOR; Janine de Carvalho Ferreira Braga, UNIFOR)

INTRODUÇÃO. Na dinâmica da globalização e da interdependência das relações econômicas, pelos contextos político-sociais em que se inserem as nações, atualmente, se verifica uma crescente internacionalização do Direito. Isso se dá, mormente, diante de questões que indiscutivelmente interessam à humanidade numa perspectiva sistêmica de mundo, a exemplo da necessidade da construção consistente de uma visão ecológico-ambiental da sociedade, da imprescindibilidade do respeito à diversidade cultural dos povos, da proteção e consolidação dos direitos humanos e do avanço acelerado das diversas áreas do conhecimento, em especial nos âmbitos das ciências tecnológicas e da saúde. Nesse contexto, ganham destaque nos sistemas jurídicos internacionais os instrumentos de soluções extrajudiciais de conflitos, em uma busca da superação do modelo de conflito, substituindo-o por um modelo estruturado sobre o diálogo, em que estão presentes ideais de solidariedade, de respeito às diferenças e pela primazia na garantia de uma convivência harmônica entre as nações. Com a crescente democratização do conhecimento e da informação, as relações e, por consequência os conflitos, estão cada vez menos restritos à realidade local. Para a integração dessas realidades e participação efetiva nesses contextos sociais, o profissional do Direito deve estar habilitado a travar esses diálogos e intervir nessas relações de forma consequente. O cenário contemporâneo do ensino jurídico no Brasil enseja a necessidade de elaboração de um projeto de formação desse

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acadêmico com consistente embasamento não somente no campo técnico-científico, mas com forte ênfase na sua dimensão social, ética e atitudinal. A ausência dessas perspectivas no âmbito da discussão do ensino do Direito acarretará uma visão fragmentada e dissociada do que enseja a realidade jurídico-social vigente. O desafio que se apresenta para os estudiosos da temática é a identificação de elementos teóricos e metodológicos para o enfretamento dessa realidade do ensino jurídico nacional, no intuito de superar os paradigmas do pensamento positivista, historicamente vigentes, em substituição a uma nova dinâmica de formação, consubstanciada na aprendizagem materializada em competências duráveis. Essas são, em linhas gerais, as características das concepções que estão sendo sistematizadas neste trabalho. Elas apresentam, em níveis de complexidade crescente, esse movimento de ligação pensamentorealidade, intencionando revelar aspectos complexos presentes no campo da discussão que envolve o ensino do Direito e sua proposta de transformação. Todavia, é extremamente difícil perceber essa possibilidade de transformação diante de um ensino distanciado da realidade prática. Por isso, a interdisciplinaridade é uma categoria fundamental nesta discussão. Assim sendo, inicialmente, apresenta-se uma breve perspectiva histórica do ensino jurídico no Brasil e suas implicações no contexto vigente, para, em seguida, apresentar a relevância em viabilizar a efetividade do processo de ensino – aprendizagem interdisciplinar. O ENSINO JURÍDICO NO BRASIL: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA. O ensino jurídico no Brasil se estabeleceu em 1827, como uma opção política e tinha como função primordial estruturar a elite política, na época ligada à consolidação do Estado Nacional emergente. As primeiras Academias de Direito foram em Recife e São Paulo. Nesse período, a formação jurídica no Brasil não traduzia uma preocupação condizente às necessidades sociais em sentido amplo. O ensino jurídico contemplava, essencialmente, os direitos do próprio Estado

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(FERREIRA, 2005). Nenhuma alteração substancial conduziu a orientação do ensino jurídico no Brasil até 1879, quando ocorreu a Reforma do Ensino Livre. Com essa reforma, passou-se a discutir sobre o currículo ideal para os cursos jurídicos e como ensina Ferreira “as disciplinas que compõem o currículo devem estar guiadas pelo propósito do curso, ou seja, integradas ao tipo de profissional que se visa formar” (2005, p. 8). O término da primeira fase do ensino jurídico no Brasil foi demarcado com a República (1889), estando a formação jurídica, nessa situação, vinculada ao pensamento humanista, voltado às concepções cristãs, com o fim de estruturar as práxis forenses, e preencher os quadros administrativos da nação. Somente, ao final de 1930 é que a advocacia foi encarada como profissão autônoma e desvinculou-se do Poder Público. Nesse cenário foi criada a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB. A primeira reforma educacional no ensino jurídico, de caráter nacional, foi realizada pelo então Ministro da Educação e Saúde Francisco Campos, em 1931, conferindo uma estrutura orgânica ao ensino secundário, comercial e superior. Contudo até meados de 1964, mesmo com a Reforma Francisco Campos, ainda era possível perceber que os Cursos de Direito continuavam atrelados às concepções ideológicas do poder político, sofrendo alterações na grade curricular, a ponto de estruturar os cursos de acordo com as determinações do Estado, ou seja, a formação jurídica continuava dissociada dos problemas e da realidade social de seu tempo. Nesse contexto foi editada a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 4.024/61 com o propósito de definir os princípios educacionais básicos para a Educação. No entanto, só em 1972 estruturou-se um novo currículo mínimo para os Cursos de Direito, através da Resolução nº 3, do Conselho Federal de Educação, a qual vigorou até o advento da Portaria nº 1.886 em 1994, que permitiu ao ensino jurídico, pela primeira vez, a flexibilização da matriz curricular, proporcionando adequação às necessidades do mercado de trabalho e às realidades

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locais e regionais. Após ampla discussão, entrou em vigor, em 2004, a Resolução nº. 9 do CNE/CES, que estabeleceu as novas diretrizes curriculares para os cursos de Direito. A referida Resolução previu a necessidade de organização do Projeto Político Pedagógico, através de um conjunto de ações, como a previsão de uma formação geral e humanística, pela qual seja capaz de analisar e interpretar o fenômeno jurídico, aliada a uma postura crítica como referencial do perfil do graduando e a identificação de habilidades e competências profissionais para egresso. A regulamentação trazida pela Portaria nº 1.886/94, do MEC e consolidada na Resolução nº 09/2004 contemplou significativas mudanças para readequar os currículos dos cursos jurídicos a uma nova realidade social, já integrada à globalização e aos novos recursos tecnológicos e de comunicações. Assim, a partir de 2004, o ensino jurídico brasileiro recebeu como ganho normativo a flexibilidade organizacional de seus Projetos Políticos Pedagógicos, instituindo diretrizes que viabilizam a consecução de Cursos de Direito que possam se articular às novas demandas, novos saberes, novas tecnologias, a fim de garantir um aprendizado efetivo, consubstanciado na capacidade e abertura para o diálogo, na renovação do repertório teórico-conceitual e na integração dos conhecimentos e saberes nos diferentes campos político, científico, social, cultural e técnico. Destaca-se que as diretrizes, estão em consonância com os anseios da sociedade de formação de cidadãos e profissionais comprometidos com o projeto de nação. INTERDISCIPLINARIDADE: SENTIDO E IMPORTÂNCIA NO ENSINO JURÍDICO. Porém, dez anos após a Resolução nº. 9 do CNE/CES ainda é necessário discutir o Ensino Jurídico sob o aspecto da formação dos futuros juristas. O grande desafio contemporâneo das Instituições de Ensino Superior ainda é efetivação dessas diretrizes, o que, entende-se, encontrar na interdisciplinaridade um movimento propício para desencadeamento de ações que viabilizem sua realização, uma vez que proporciona a integração entre saberes,

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garantindo sua intercomunicação. Segundo Fazenda (1999), o movimento da interdisciplinaridade surgiu na Europa, principalmente na França e na Itália, em meados da década de 1960, época do movimento estudantil em prol da reforma universitária, como tentativa de elucidação das propostas educacionais que começaram a aparecer na época. Com a extinção da cátedra, o professor ficou vinculado a um departamento que se constituiu em conformidade com a área de conhecimento de seus docentes. A partir de então, o docente deixou de ser especialista de uma matéria e assumiu uma função polivalente, ou seja, o professor passou a ser considerado apto a ministrar qualquer disciplina afim à área de conhecimento que o departamento oferecia aos diferentes cursos. Surgiu, então, a construção da interdisciplinaridade do saber docente no ensino superior, que, por estratégia didática se subdividiu em três décadas: 1ª década, anos 70 - busca de uma explicação filosófica; 2ª década, anos 80 - busca de uma diretriz sociológica; 3ª década, anos 90 busca de um projeto antropológico (FAZENDA, 1999). No Brasil, a ideia de interdisciplinaridade chegou ao final dos anos sessenta e, de acordo com Fazenda (1999), com sérias distorções. Revela ainda que, no início da década de 1970, a preocupação básica era a de uma definição terminológica. Os estudos de Japiassú (1976, p.45) inauguram a primeira produção significativa sobre a interdisciplinaridade no Brasil, que na época apresentava importantes indagações em torno da temática, refletindo acerca dos pressupostos fundamentais que contribuiriam para uma metodologia interdisciplinar: “O desenvolvimento das ciências desencadeou necessidades teóricas que exigem dos intelectuais e cientistas respostas eficazes no plano do saber. Com isso, torna-se indispensável uma abordagem que convirja o saber à integração e à totalidade. Hoje, a interdisciplinaridade se apresenta como uma exigência contra os limites de cada disciplina, onde cada um se fecha como que para fugir ao verdadeiro conhecimento; contra uma política universitária que

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privilegia a compartimentação e a setorização; contra a sociedade na medida em que condiciona os indivíduos tarefas limitadas e repetitivas, impedindo-os de desenvolver suas potencialidades e capacidades; contra o conformismo tanto das ideias como das situações impostas”. Postula Japiassú a necessidade de rompimento de barreiras entre disciplinas, por meio de abordagem interdisciplinar que, segundo Fazenda (1999, p.53) deverá respeitar “a verdade e a relatividade de cada disciplina, tendo-se em vista um conhecer melhor.” A autora não descarta o ensino por disciplinas. Esclarece que não pretende “propor a superação de um ensino organizado por disciplina, mas a criação de condições de ensinar-se em função das relações dinâmicas entre as disciplinas, aliando-se aos problemas da sociedade” (FAZENDA, 1999, p.53). Para isso, torna-se indispensável a interdisciplinaridade, que permite a passagem de um conhecimento compartimentado a um conhecimento integrado e articulado no seu aspecto conceitual, metodológico, processual e organizacional. É necessário reconhecer que, nos empreendimentos interdisciplinares, não é mais possível dissociar a teoria da prática. Há uma interdependência profunda entre o nível teórico e prático do conhecimento. Pode-se inferir que a interdisciplinaridade, antes de se construir uma metodologia ou um movimento que questiona os limites e a dicotomia existente entre teoria e prática, a dimensão técnica e política do ato de aprender, é um estado de espírito que não se limita em saber falar sobre o assunto, mas antes de tudo uma questão atitudinal. Neste cenário, Horácio Wanderlei Rodrigues (2010, p.50, grifo do autor) leciona ao tratar da relação ensinoaprendizagem na esfera do ensino jurídico que, dois dos principais problemas dos projetos pedagógicos tradicionais dos Cursos de Direito são a falta de integração entre as disciplinas ou os módulos – principalmente entre as do eixo fundamental e aquelas dos eixos profissional e prático – e a excessiva autonomia do docente ante sua disciplina ou seu módulo. O autor enfatiza que: “As avaliações,

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acompanhando esses problemas, são, geralmente, restritas à esfera cognitiva, administradas apenas pelo docente que as faz, segundo seu critério de importância, muitas vezes exigindo esforço descabido ou esforço insuficiente por parte do aluno e resultando, respectivamente, na prática de estratégias pedagógicas terroristas ou no pacto de mediocridade. Ou seja, na prática o modelo tradicional de projeto pedagógico é pulverizado, possuindo cada membro do corpo docente o seu próprio projeto”. Assim, a experiência no ensino jurídico nos remete a refletir, alicerçados nas lições de Edgar Morin (2000, p.1320), sobre os danos causados pelo “recorte” do conhecimento, simbolizado pela estruturação estratificada e segmentada nas disciplinas, extremamente dissociadas de seu contexto, intensamente ressentidas de qualquer intersecção problematizadora. Considerando as lições do autor e as percepções históricas, ideológicas, culturais e sociológicas no ensino jurídico das últimas décadas e a percepção do papel libertador que a interdisciplinaridade poderá assumir no nosso cenário jurídico nacional da educação superior, é imperioso pensar um modelo para o ensino jurídico libertador e emancipatório, que conceda ao educando a possibilidade de se conhecer e reconhecer, e a partir deste processo, se construir como ator de sua própria história, considerando o caráter efêmero do saber e a necessidade de sua formação ser atemporal no processo de cognição, pois preparado para os desafios da incerteza do mercado globalizado. CONCLUSÃO. Diante das considerações apresentadas urge retomar a discussão sobre o Ensino Jurídico brasileiro, pois no modelo utilizado pela maior parte dos Cursos de Direito, os discentes da área jurídica perdem suas aptidões naturais para contextualizar os saberes e integrá-los, bem como de criar soluções globalizadas e inovadoras para velhos problemas, validando um aprendizado míope, estancado pelas “grades curriculares”. Assim sendo, esse caminho rumo a um processo de interdiciplinarização no ensino jurídico sinaliza que mais do que possuir competências específicas e técnicas, a qualidade de trabalho

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de um profissional do Direito é definida pela sua capacidade de visualizar novos percursos, engendrar novas soluções e concretizar ideias, munido de um espírito crítico, curioso e reflexivo.

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RESUMOS SIMPLES, ORGANIZADOS POR SOBRENOME DO PRIMEIRO AUTOR E EM ORDEM ALFABÉTICA

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EDUCAÇÃO ARISTOCRÁTICA E ENSINO DO DIREITO (Felipe Adaid , Pontifícia Universidade Católica de Campinas, PUC-Campinas; Samuel Mendonça, PUC­Campinas) A presente pesquisa se baseia na filosofia desenvolvida pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche, mormente em que tange sua contribuição a respeito da educação e da formação intelectual em detrimento da moral. Sendo assim, considerando o legado, absolutamente, relevante e contemporâneo de Nietzsche sobre a crítica e a superação: como pensar a educação aristocrática diante do ensino jurídico brasileiro? Desta forma, o trabalho tem por objetivo problematizar as questões educacionais, sobremodo no que se refere ao ensino jurídico, levandose em conta o crítico cenário atual e o progressivo sucateamento do conhecimento. Na mais objetiva definição, se é que lhe seja possível um conceito derradeiro, a educação aristocrática se refere a uma educação superior, elitista e individual, oposta a qualquer tipo de massificação. Em última análise, ela se antagoniza a própria constituição de democracia, na medida em que não pode ser confundida com uma prática pedagógica. Destarte, se a educação aristocrática aponta para a superioridade intelectual, por meio da dimensão individual, será que ela poderia ser aplicada também ao ensino jurídico? Neste diapasão, os resultados alcançados evidenciam que a concepção de educação aristocrática, pensada no contexto do Direito, em suma, propicia a revaloração da própria educação jurídica, refletindo, indiretamente, na própria atuação do operador do direito. Assim sendo, visto o esquálido cenário educacional brasileiro, faz-se necessário uma nova concepção de educação que não seja sectária, estanque ou moralizadora. A educação aristocrática se torna, então, uma plausível solução ao indivíduo que busca excelência.

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A QUESTÃO RACIAL E A PESQUISA NO CURSO DE DIREITO (Carlos Alberto Lima de Almeida, Universidade Estácio de Sá, UNESA) O presente trabalho decorre de pesquisa em andamento envolvendo uma amostra de alunos do curso de direito da Universidade Estácio de Sá no município do Rio de Janeiro, e tem por objetivo contribuir para a produção de conhecimentos relativos à operação do racismo na sociedade brasileira, em especial no campo da política de educação. Tem como objetivos específicos: Investigar, entre os alunos das referida instituição de ensino superior, vivências relacionadas à discriminação racial; Investigar a percepção dos alunos sobre o desenvolvimento de ações, por parte das instituições de ensino da educação básica, com foco específico no ensino fundamental e ensino médio, que revelem a efetivação da política de afirmação e valorização do negro em nossa sociedade, em decorrência dos objetivos previstos na Lei 10.639/2003, para fixou a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas, com o objetivo de promover uma mudança nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas, modo de tratar as pessoas negras, a partir da disseminação da história e cultura africanas, buscando-se especificamente desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que desconsiderou as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros; e, Investigar a percepção dos alunos sobre o conteúdo estudado ou a ser estudado no curso de Direito que guardem relação com a questão racial no Brasil e/ou com políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar posturas preconceituosas de cunho étnico-racial. O enquadramento teórico do presente estudo parte da problemática das relações raciais no ambiente escolar, especialmente na investigação quantitativa (a) da percepção dos alunos em relação às vivências relacionadas à discriminação racial; (b) da percepção dos alunos sobre o

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desenvolvimento de ações, por parte das instituições de ensino da educação básica, com foco específico no ensino fundamental e ensino médio, que revelem a efetivação da política de afirmação e valorização do negro em nossa sociedade, em decorrência dos objetivos previstos na Lei 10.639/2003; e (c) da percepção dos alunos sobre o conteúdo estudado ou a ser estudado no curso de Direito que guardem relação com a questão racial no Brasil e/ou com políticas educacionais e de estratégias pedagógicas de valorização da diversidade, a fim de superar posturas preconceituosas de cunho étnico-racial. A amostra da pesquisa que envolve método quantitativo consiste numa representação do alunado do Curso de Direito, por intermédio de uma amostra que tem por base a representação do aluno ingressante, com recorte específico nos alunos matriculados no 1º período em 2014.1, e a representação do aluno concluinte, com recorte específico nos alunos matriculados no 10º período em 2014.1, das unidades da Universidade Estácio de Sá no município do Rio de Janeiro. UNIVERSIDADES ALIADAS POR MEDICAMENTOS ESSENCIAIS (UAEM): EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA EM PROL DO DIREITO À SAÚDE (Rachelle Balbinot, Universidade de São Paulo, USP) A atuação de estudantes de diversas áreas da graduação, pósgraduação e pesquisadores, em diferentes Estados do país, com o intuito de promover o ativismo em saúde pública é essencial para o acesso a medicamentos e tecnologias médicas. O projeto da UAEMBrasil tem como um dos seus focos promover o financiamento das doenças negligenciadas para a garantia do direito à saúde. O projeto visa incentivar a atuação dos estudantes para além da academia e propiciar a atuação politizada desde a graduação e sua interação com diversos setores e atores que atuam nas políticas de saúde. Na UAEM o protagonismo e ação é do corpo estudantil, com o apoio e suporte dos coordenadores do projeto para a elaboração de estratégias. O

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potencial da UAEM como projeto de extensão está em promover a multiplicidade de estratégias para a garantia do direito à saúde, devido as diferentes atuações dos diversos cursos universitários envolvidos. A metodologia para o desenvolvimento do projeto envolve a pesquisa aprofundada sobre o tema e a elaboração de cenários sobre as doenças negligenciadas. Os objetivos são: promover estudos e discussões em grupo para entender o conceito, a epidemiologia e as estatísticas dessas doenças. Verificar a importância do tema e a necessidade de respostas efetivas para a promoção dos direitos humanos, direito à saúde, desenvolvimento econômico e social e a luta contra doenças negligenciadas. O pano de fundo é a contextualização econômica e social do país, especialmente o acesso a medicamentos versus a garantia ao direito à saúde. A questão posta está além do acesso a medicamentos. Neste quadro verifica-se o estado da arte da Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I) na área da saúde em relação ao acesso a medicamentos e novas terapias e analisa-se os custos para seu desenvolvimento em face às prioridades em P,D&I, tendo as doenças negligenciadas como principal, com base em dados de financiamento nacionais e internacionais. E, finalmente, são apontadas as iniciativas nacionais e internacionais para financiamento em P,D&I com destaque a casos de sucesso e/ou fracasso. No projeto UAEM a organização dos grupos é chamada de capítulos, com tema central para ser desenvolvido. O processo é bastante dinâmico, com o envolvimento dos estudantes que ainda interagem com os demais capítulos do Brasil e do exterior e, com as instituições que trabalham com o tema, formando assim uma rica rede de colaboração. Analisar o acesso a medicamentos, as políticas públicas de saúde, as possibilidades de P,D&I para as doenças negligenciadas, capacita estudantes para um melhor entendimento do tecido social e de suas relações. A universidade é o locus privilegiado para a atuação engajada dos estudantes em prol de uma questão socialmente relevante que possibilita o ativismo

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estudantil e a organização e implementação de estratégias. A variedade de possibilidades de atuação para os estudantes dentro de uma instituição de ensino é ampla, pois além dos centros de pesquisa existe a valorização da comunidade, propiciando que a atuação dos estudantes ocorra de forma mais efetiva e conte com o apoio de outras instituições que tenham o mesmo objetivo. A TOGA E A ESPADA: O IDEAL DE FORMAÇÃO DO JURISTA POLITICAMENTE ENGAJADO E SOCIALMENTE RESPONSÁVEL (Beatriz Bartoly, UPIS – Faculdades Integradas; Esdras Dantas de Souza, UPIS – Faculdades Integradas) O presente trabalho busca refletir sobre o ensino jurídico de graduação brasileiro e o seu papel na formação de um jurista capaz de deter o conhecimento teórico fundamentado da “ciência do direito”, ao mesmo tempo em que revela-se o homem político, engajado e responsável pelos destinos de sua comunidade, tal qual foi almejado pelo jurista francês do século XVI, Jean Bodin, uma vez que este “arquétipo” por ele concebido arraigou-se tão profundamente em nosso imaginário que ainda hoje, em pleno século XXI, debatemos a perda da formação humanista dos cursos jurídicos. Este trabalho busca aproximar respostas à indagação: é possível conceber uma educação jurídica de qualidade, apta a formar juristas socialmente responsáveis, politicamente conseqüentes e engajados, capazes de assumir o papel e as funções que a sociedade atual pede e exige dos principais atores do mundo jurídico – juízes, promotores e, acima de todos, advogados? Defende, para tanto, a necessidade de uma revisão metodológica no processo de formação dos bacharelandos em Direito de acordo com os conceitos e valores pós-modernos, como o da ética e do respeito à dignidade da vida, em todas as suas formas. Diante da perspectiva da existência de uma crise da modernidade, propõe a reflexão e a superação pós-moderna de seus conceitos para que seja

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possível a formulação de um modelo ensino jurídico de graduação brasileiro fundado no compromisso político com as novas demandas de uma sociedade em contínua transformação. Em especial, reflete sobre a possibilidade de empregar a Análise de Discurso Crítica – ADC – como campo teórico e metodológico apto a aproximar respostas ao atingimento destes objetivos. O ACESSO À JUSTIÇA E A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO REALIZADO PELOS ESCRITÓRIOS­ESCOLA DAS FACULDADES DE DIREITO: A REALIDADE LUDOVICENSE (Glaucia Fernanda Oliveira Martins Batalha, Faculdade Santa Terezinha. CEST; Carolina dos Santos Mendonça Lima, CEST; Thales da Costa Lopes, CEST; Luana Celina Lemos de Moraes, CEST; Amanda Silva Madureira, CEST) A busca do homem pela solução de conflitos remonta as antigas civilizações e o acesso à justiça representa requisito essencial para efetivação de uma sociedade mais justa e igualitária. A partir da Carta Magna de 1988, o acesso à justiça galga o status de direito fundamental e passa a ser dever do Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência financeira. Ressalta-se que hodiernamente a tese de que a mera possibilidade de acesso ao Poder Judiciário seja o verdadeiro significado da acepção jurídica de acesso à Justiça está ultrapassada, de modo que este direito deve ser compreendido como a possibilidade efetiva do ser humano conviver numa sociedade, onde o direito e a justiça são realizados de forma concreta. Entretanto, apesar da essencialidade do acesso a justiça muitos sãos os entraves para plena aplicação de tal direito, quais sejam: o desconhecimento e a falta de educação do mais carente; o estado de pobreza extrema; o descrédito da população em razão da demora na prestação judiciária; os parcos números de defensores públicos; a falta de interesse dos governos para implementação de políticas públicas para erradicação da

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desigualdade social; dentre outros. É neste contexto que surge como meio para efetivação de direitos fundamentais o atendimento aos carentes, através dos Escritórios–Escola vinculados aos Núcleos de Prática Jurídica das Faculdades de Direito. Este resumo se vale da realidade ludovicense para demonstrar que na atualidade os Escritórios-Escola desempenham dois papeis de fundamental importância, quais sejam: a contribuição na concretização do acesso à Justiça aos necessitados e a formação prática e pedagógica aos alunos dos períodos mais avançados do curso de Direito. NA PRÁTICA A TEORIA É OUTRA: O PAPEL DO ESTÁGIO OBRIGATÓRIO DA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DO DIREITO E SEU DESCOMPASSO COM A SALA DE AULA (Rogerio Borba (Universidade Estácio de Sá, UNESA) O presente trabalho tem por objetivo a discussão do estágio obrigatório no direito, momento em que, teoricamente, o estudante tem a oportunidade de colocar em prática os conhecimentos adquiridos ao longo do curso. Discutir-se-á a metodologia aplicada, a estrutura oferecida, a integração entre os conhecimentos - se existir da sala de aula e dos tribunais, bem como o papel do estágio na formação do estudante e o papel do estudante nas instituições que oferecem o estágio. Em um mundo onde cada vez mais as fronteiras políticas, econômicas e territoriais são ultrapassadas, as Instituições de Ensino tem buscado novas metodologias de ensino, inclusive copiando métodos mundialmente reconhecidos. Dentre estes o mais alardeado é o modelo de Harvard, onde confere-se mais ênfase à prática, com uma metodologia baseada na análise de casos concretos. Em uma tentativa de copiar este modelo de sucesso, utilizando-se da ideia - não necessariamente da metodologia - busca-se aproximar o estudante de direito da prática, para que o mesmo tenha maior aproveitamento do conhecimento obtido em sala, servindo ainda como mecanismo de aprimoramento da qualidade de ensino, busca-

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se, por meio de alterações legislativas, antecipar o ingresso formal do estudante no estágio. Na mesma linha, busca-se ainda retirar das Instituições de Ensino o comando do estágio, transferindo-o à Instituições Públicas – Tribunais, Ministério Pública, Procuradorias, Defensorias - na esperança de que a formação tenha contornos mais próximos do ideal de formação de um profissional conectado com a realidade de mercado. Discute-se, a partir dessa realidade que se forma, as repercussões aos atores envolvidos - Instituições de Ensino, Instituições Públicas e, principalmente, Estudantes de Direito devendo-se ponderar os reais ganhos e perdas, bem como quais as metas a serem atingidas e, acima de tudo, que profissional de direito queremos formar. O ENSINO JURÍDICO (SIMPLIFICADO) BRASILEIRO: UM ‘DELIVERY’ DE VERDADES QUE SE COMEM RÁPIDO E INTOXICAM (José Carlos Kraemer Bortoloti, Faculdade Meridional – IMED; Thaise Nara Graziottin Costa, Faculdade Meridional – IMED) O ensino jurídico simplificado brasileiro vem sendo praticado com fórmula(s) mágica(s) pronta(s), como se fosse uma receita, um manual, como se tudo estivesse (sempre) “logo ali”, pronto. Como consequência, a intoxicação pelo acúmulo de verdades objetificantes (Warat) indica que grande parcela dos cursos de Direito no Brasil vem se preocupando exclusivamente (mercadologicamente) em vender promessas tecnicistas para aprovação no Exame de Ordem ou (quando muito) concursos públicos. Assim, a proposta do texto não é trazer resposta(s) mágica(s) pronta(s), mas, justamente, des-velar a simplificação do Direito que se repete no ensino jurídico brasileiro e tem culpa, sim, na dificuldade da dogmática jurídica em lidar com os fenômenos sociais, possibilitando que o acontecer (hermenêutico) do ensino possa romper com o quadro de estagnação do ensinar-odireito.

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A INTERDISCIPLINARIDADE COMO DESAFIO CONTEMPORÂNEO AO ENSINO JURÍDICO (Simone Trindade da Cunha, Universidade de Fortaleza, UNIFOR; Beatriz de Castro Rosa, UNIFOR; Katherinne de Macedo Maciel Mihaliuc, UNIFOR; Janine de Carvalho Ferreira Braga, UNIFOR) No atual contexto mundial, em que as relações e conflitos econômicos, políticos e sociais transcendem aos limites impostos pelo espaço territorial das nações, observa­se a necessidade de inovação por parte dos Cursos de Direito quanto à preparação dos futuros profissionais. O destaque em relação aos demais bacharelados decorrerá da aplicação de novas perspectivas pedagógicas, que permitam formar bacharéis contextualizados com realidade social na qual estão inseridos. Tal inovação não se apresenta exclusivamente para atender às expectativas institucionais e do Ministério da Educação (MEC), mas para continuar oferecendo à sociedade, profissionais adequados ao perfil exigido pelo mercado mundial. No presente ensaio pretende­se apresentar a interdisciplinaridade como desafio contemporâneo ao ensino do Direito, considerando a possibilidade de oportunizar ao futuro profissional do direito uma formação mais ampla, que supere a atual habilitação teórico­científica. Inicialmente, apresentar­se­á uma breve perspectiva histórica do ensino jurídico no Brasil e, em seguida buscar­se­á apresentar a relevância em viabilizar a efetividade do processo de ensino – aprendizagem interdisciplinar. A (NÃO) ADAPTAÇÃO DO ENSINO DO DIREITO AO PARADIGMA DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO (Angela Araujo da Silveira Espíndola, Universidade Federal de Santa Maria e Faculdade Meridional – IMED; Ariane Farvezani da Luz, IMED; Fabiane Carla Pilati, IMED; Marina Teixeira Monteiro, IMED) Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o Brasil viu-se diante de um novo paradigma, o do Estado Democrático de Direito, o

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qual pressupõe atenção especial à efetivação dos direitos fundamentais. Colocar em prática este paradigma demanda a adaptação do ordenamento jurídico aos ideais constitucionais, principalmente no que tange a uma interpretação hermenêutica do ordenamento jurídico à luz da Constituição Federal. Para tanto, surge a necessidade de superação, principalmente, do paradigma racionalista que prevalece no sistema judicial pátrio, que traz arraigado em seus institutos as premissas do Estado Liberal, em flagrante dissonância com os pressupostos do Estado Democrático de Direito. Nesse sentido, a obra “O Acesso à Justiça” de Mauro Cappelletti, de co-autoria de Bryant Garth, faz uma profunda análise da jurisdição demonstrando as inúmeras deficiências que obstam o acesso à justiça. No livro, o autor elenca três soluções denominadas “ondas” para facilitar o acesso à Justiça, quais sejam: “assistência judiciária aos pobres”, “representação dos interesses difusos” e “do acesso à representação em Juízo a uma concepção mais ampla de acesso à Justiça. Um novo enfoque de acesso à Justiça”. De fato, a construção teórica e a aplicação dessas três soluções, em última instância, ensejam a ultrapassagem do paradigma atual de jurisdição. Assim, além dessas três ondas propostas por Cappelletti, o presente trabalho acrescenta como possível ferramenta de consolidação do novo paradigma a reformulação do ensino do direito, vez que é na academia que os doutrinadores e juristas ingressam no mundo jurídico e é nos cursos de pós-graduação que a pesquisa acadêmica se intensifica. Todavia, verifica-se o modelo atual de ensino jurídico, calcado na dogmática jurídica e em conceitos padronizados, que não estimula o senso crítico do aluno - mormente pela utilização indiscriminada de manuais e técnicas de simplificação do Direito -, promove o crescimento do denominado senso comum teórico. Assim, a ausência do estudo aprofundado do Direito tem consequências extremamente negativas, conquanto um aluno com conhecimento jurídico limitado não consegue compreender as contradições do

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sistema/paradigma atual, e por não compreender, tampouco é capaz de buscar ferramentas para modificá-lo. O modo com que o direito é ensinado, portanto, pode incentivar o estudo da adaptação a um novo paradigma ou manter a dinâmica do paradigma anterior, sendo, dessa forma, de suma importância, a discussão acerca da maneira como o ensino jurídico dogmático dificulta a ultrapassagem do paradigma racionalista e, em última análise, a consolidação das premissas do Estado Democrático de Direito, inaugurado pela Carta Maior. EDUCAÇÃO JURÍDICA E CORPO: NA CONSTRUÇÃO DE UM NOVO PARADIGMA (Rafael de Deus Garcia, Universidade de Brasília, UnB) Acompanhando a ideia da comunidade de estudiosos de que a área da Educação Jurídica está em crise, este artigo busca construir uma justificativa teórica que possa servir como elemento de soma ao fundamento para um novo modelo de Educação Jurídica. Dentre outros elementos, trata-se de um novo modelo que reconhece o processo de dessensibilização do estudante ao longo do curso de Direito e de que o corpo, compreendido em sua dimensão biopolítica, profundamente imerso nas múltiplas relações de poder presentes na área do Direito, representa o ponto nodal na estrutura do modelo a ser criticado. Para cumprir tal pretensão, parte-se, principalmente, da compreensão de corpo de Merleau-Ponty, especialmente a partir de sua principal obra “Fenomenologia da Percepção”. VISÕES DE UNIVERSIDADE NAS CRÍTICAS AO ENSINO JURÍDICO BRASILEIRO (José Garcez Ghirardi, Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, Direito GV; Marina Feferbaum, Direito GV; Bruna Romano Pretzel, Direito GV; Guilherme Forma Klafke, Direito GV) De acordo com o Censo da Educação Superior realizado pelo INEP, existiam, em 2012, 1155 cursos de Direito no Brasil. As críticas a esse

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número excessivo de cursos tornaram-se lugar-comum. Implícitas nessas críticas estão, entretanto, visões muito divergentes de Universidade e de sua função social. Este paper discute três leituras recorrentes de Universidade no ambiente brasileiro: Universidade como lócus gerador de conhecimento de ponta; Universidade como lócus garantidor de um repertório conceitual mínimo; e Universidade como lócus de formação profissional. A partir desse esquema, os autores argumentam que o avanço do debate sobre a realidade do ensino jurídico brasileiro depende de clareza quanto à visão de Universidade que se quer privilegiar. O FORMATO DO RESUMO EXPANDIDO NO DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA JURÍDICA: A EXPERIÊNCIA DOS CONGRESSOS NACIONAIS DA FEPODI (Caio Augusto de Souza Lara, Escola Superior Dom Helder Câmara; Lívia Gaigher Bósio Campello, Universidade de Marília) A pesquisa acadêmica jurídica é aquela voltada à elaboração de trabalhos científicos nas instituições de ensino de Direito, destinada à produção e expansão de conhecimento nesta seara. As espécies de trabalhos acadêmicos variam conforme as características particulares da pesquisa, como sua profundidade ou a etapa de desenvolvimento em que se encontra. Assim, o resumo expandido se apresenta como um formato de trabalho acadêmico dotado de considerável versatilidade, possibilitando ao pesquisador apresentar os resultados de seu trabalho em quaisquer de suas fases de desenvolvimento. Dessa forma, a utilização do resumo expandido para divulgação em congressos de Direito contribui significativamente para a evolução da pesquisa jurídica. No presente trabalho, avalia-se aexperiência dos dois Congressos Nacionais da Federação dos Pós-graduandos em Direito – FEPODI, concluindo-se que o formato utilizado contribuiu ainda para a popularização da pesquisa jurídica.

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O DIREITO À EDUCAÇÃO E A AUTONOMIA DAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS NO BRASIL (Amanda Madureira, Universidade Federal do Maranhão, UFMA; Edith Maria Barbosa Ramos, UFMA; Márcio Flávio Lima da Silva, UFMA) A partir da metáfora cartográfica de Boaventura de Sousa Santos objetiva-se desenvolver uma análise teórica sobre as diferentes estruturas e instâncias que configuram a autonomia das universidades públicas, destacando as interações entre o Estado e o mercado. Empreendem-se, ainda, esforços no sentido de desvelar os elementos que configuram a autonomia da universidade no Brasil, para compreender suas configurações e fundamento. Por fim, com o escopo de identificar as circunstância de inserção da ideia de autonomia universitária e concretização da democracia no Brasil analisou-se a crise da ideia de autonomia universitária, reconhecendo que a profundidade da crise permanece como a engrenagem do dissenso e da produção de caminhos alternativos de sua superação “RELAÇÕES DE GÊNERO” NA FORMAÇÃO JURÍDICA: DESAFIOS APÓS O ADVENTO DA LEI MARIA DA PENHA (Ana Paula Antunes Martins, Universidade de Brasília, UnB; Lívia Gimenes Dias da Fonseca, UnB) As reformas legais recentes que visam conferir maior efetividade aos direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 no que diz respeito às relações de gênero requerem significativas alterações nos currículos e práticas dos cursos de Direito a fim de que os atores do sistema de Justiça possam atuar em consonância com os novos valores sociais que orientam a edição de modelos legais como a Lei Maria da Penha. As normativas que disciplinam a organização político-pedagógica dos cursos de Direito parecem atender apenas parcialmente essas demandas, uma vez que não mencionam a necessidade de incluir neles as temáticas de gênero e sexualidade –

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seja de modo transversal ou específico. Tais lacunas na formação dos juristas resultam, potencialmente, em inadequações na aplicabilidade de leis criadas para a superação das desigualdades de gênero, como a Lei Maria da Penha, em virtude da insuficiente inclusão de conceitos de natureza multidisciplinar – como gênero e violência – nos conteúdos das disciplinas dos cursos de Direito. ENSINO JURÍDICO E MEIOS ALTERNATIVOS PARA O TRATAMENTO DOS CONFLITOS: A MEDIAÇÃO NO ENSINO JURÍDICO – EXPERIÊNCIAS DO CENTRO DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA DA UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE (Delton Ricardo Soares Meirelles, Universidade Federal Fluminense, UFF; Cibele Carneiro da Cunha Macedo Santos, UFF; Esther Benayon Yagodnik, UFF; Giselle Picorelli Yacoub Marques, UFF) Questiona-se contemporaneamente a legitimidade de o Judiciário monopolizar a administração de todos os conflitos cotidianos, impregnados de questões sociais, familiares, religiosas e tantas outras externas ao sistema normativo; as quais precisam ser enfrentadas para que os litígios possam vir a ser compreendidos e efetivamente compostos. Daí a importância de se pensar em meios mais adequados para o tratamento dos conflitos, não se fechando exclusivamente no modelo jurisdicional tradicional. Nesta perspectiva, o desafio é romper o modelo comum de ensino jurídico, no sentido de se propor aos futuros operadores do Direito uma outra visão de administração de conflitos, não mais limitada ao projeto autoritário e impositivo da cultura da sentença, e sim buscando a compreensão fenomenológica e estimulando a emancipação dos sujeitos. Para tanto, o Laboratório Fluminense de Estudos Processuais da Universidade Federal Fluminense (LAFEP/UFF) vem investigando a possibilidade de inserção da mediação no curso de graduação em Direito, não apenas como matéria incluída na grade curricular (disciplina obrigatória “Meios Alternativos e Garantias do Processo” tanto na sede como a

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disciplina “Meios Alternativos” no campus de Macaé), mas principalmente como habilidade a ser compreendida e praticada no Núcleo de Prática Jurídica. Com isto, pretende-se apresentar dados dos projetos de extensão desenvolvidos no Centro de Assistência Jurídica da Universidade Federal Fluminense (CAJUFF) e as pesquisas feitas no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD/UFF), bem como relatar o processo de implantação da disciplina de meios alternativos e a matéria de mediação no curso de graduação. ENTRE MODELOS DE ENSINO JURÍDICO: UM ESTUDO DE CASO A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE MONITORIA NA DISCIPLINA TEORIA GERAL DO PROCESSO (Delton Ricardo Soares Meirelles, Universidade Federal Fluminense, UFF; Gabriel G. S. Lima de Almeida, UFF; Gabriela Sepúlveda Stellet, UFF) A aula expositiva, apesar de várias críticas, ainda é predominante no Curso de Direito. Mudanças dependem de grandes esforços, não apenas no que se refere à maneira de transmissão de conteúdo, mas também quanto ao desenvolvimento e aplicação de modelos de avaliação alternativos à tradicional prova escrita. Ademais, o próprio fato de os alunos de modo geral estarem condicionados ao modelo expositivo de aulas torna a exploração de outras metodologias um grande desafio. A partir da experiência desenvolvida na Disciplina Teoria Geral do Processo, em 2013.2, buscamos contrastar dois modelos de avaliação e ensino, aplicáveis ao direito processual: um, o tradicional modelo expositivo, avaliando-se o alunopor meio de duas provas escritas no semestre; o segundo, um modelo de avaliação seriada, baseada na resolução de diversos casos concretos curtos, ao longo do semestre, e uma atividade de sessão simulada de julgamento, onde os alunos em grupo atuariam como partes em um litígio. Estas propostas, inseridas no projeto de Monitoria – introdução à docência, onde alunos graduandos auxiliam o professor

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na dinâmica de ensino –, foram desenvolvidas, de modo que este trabalho pretende expor de que maneira cada metodologia de ensino repercutiu na avaliação dos alunos; na dinâmica entre discentes e docente. A posição dos alunos monitores, como ‘ponte’ entre o professor e turma, nos permitiu também aferir aspectos subjetivos não visíveis na avaliação objetiva. O trabalho está dividido em três momentos de análise: 1. Descrição da Metodologia utilizada, situandoa dentro do quadro do ensino em Sala de Aula de Direito Processual; 2. Descrição da Experiência de Monitoria ao longo de 2013, no que se refere à dinâmicade sala de aula e as reações dos alunos a cada metodologia de ensino; e 3. Uma análise comparada dos dois momentos, refletindo sobre os resultados e percepções quanto a temática. Assim, ao trazer a descrição desta experiência e análise comparativa entre dois momentos, pretendemos contribuir para propostas mais eficientes e participativas de ensino do Direito, especialmente no Direito Processual. A MEDIAÇÃO PODE SER ‘ENSINADA’ NO CURSO DE DIREITO? (Delton Ricardo Soares Meirelles, Universidade Federal Fluminense, UFF; Isabela Dantas , UFF) A redemocratização brasileira, com o reconhecimento de novos direitos e a expansão orgânica do Poder Judiciário, contribuiu para o aumento da judicialização de conflitos como fenômeno do Acesso à Justiça. O Sistema Judiciário vem se preparando para absorver este aumento quantitativo dos conflitos, inclusive incorporando as políticas públicas de estímulo aos meios alternativos, mas ainda preservando a lógica da decisão. O presente trabalho busca analisar este movimento de estímulo à mediação, diferenciando-a da jurisdição, questionando até que ponto os Cursos de Direito podem contribuir para a formação de uma nova cultura de reconhecimento de diferenças, pluralidade, emancipação e empoderamento.

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COMBINANDO ENSINO E EXTENSÃO NA PRÁTICA PEDAGÓGICA DO DIREITO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA (Flávia Almeida Pita, Universidade Estadual de Feira de Santana) Pretende-se descrever experiência desenvolvida no bojo do projeto de extensão denominado “Encontro com os pais da Creche-escola Municipal Dalva Suzart Gomes: integrando o SAJUEFS à comunidade em uma atividade de disseminação de conhecimentos jurídicos”, executado entre outubro de 2011 e julho de 2012, com a participação de alunos do 7º e 8º semestres do Curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana, matriculados nos componentes curriculares Serviço de Assistência Jurídica I e II, ambos com carga horária de 30 h, únicos que preveem prática real cível no currículo do referido curso. O projeto tinha por intenção diversificar e dotar de maior significado social e pedagógico a prática jurídica, promovendo a interseção entre a extensão e o conteúdo curricular ao i) estimular os discentes extensionistas a pesquisarem as melhores formas de apresentar informações jurídicas ao público leigo; ii) trabalharem a linguagem utilizada, minimizando a tendência do profissional do Direito de empregar vocabulário rebuscado e distante da linguagem falada em sociedade; e, finalmente, iii) aproximar as atividades desempenhadas pelo Serviço de Assistência Jurídica da UEFS de práticas mais inovadoras, associando-se à assistência jurídica individualizada atividades que visam à conscientização da população acerca de seus direitos, das formas para concretizá-los e dos serviços públicos à sua disposição na cidade de Feira de Santana. A metodologia escolhida consistiu na produção de material informativo e sua apresentação, a partir de demanda identificada pela direção da escola em reuniões de pais e mestres, realizando-se rodas de conversas com os pais e professores, visando à troca de experiências e o esclarecimento de dúvidas jurídicas.

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LIMITES E OPORTUNIDADES DA PESQUISA EM DIREITO NO BRASIL: O PAPEL DA PÓS­GRADUAÇÃO STRICTO SENSU (Isaac Reis, Instituto de Educação Superior de Brasília, IESB) Este artigo busca delinear os contornos da pesquisa em Direito no Brasil, com o intuito de identificar as suas características que funcionam como obstáculos na produção de conhecimento academicamente relevante. Apresenta o surgimento, embora ainda restrito a poucos centros e instituições, de experiências e práticas de pesquisa que envolvem coleta de dados empíricos e reflexão metodológica o que, pouco a pouco, aponta para possibilidades de superação dos problemas da tradicional produção acadêmica feita pelos juristas. Ao atribuir a essas novas práticas e experiências um papel renovador, coloca a Pós-Graduação stricto-sensu como responsável por conduzir esse processo, de modo a propiciar uma oxigenação da produção jurídica e um incremento de qualidade nos cursos de graduação em Direito. EXPERIÊNCIAS DE ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS NO ENSINO JURÍDICO SOB UMA NOVA PERSPECTIVA (Ana Paula Sales, Universidade do Estado do Rio de Janeiro e Universidade Cândido Mendes; Wladimir Cerveira de Alencar, Universidade Cândido Mendes) O presente trabalho tem como objetivo compartilhar experiências vivenciadas em duas disciplinas diferentes de graduação: a realização de Júri Simulado para discussão de tópicos relacionados à bioética (na disciplina Sociologia Jurídica) e elaboração em grupo de Tratado Internacional como avaliação final (disciplina Direito Internacional Público). A realização de Júri Simulado em curso de graduação em Direito é uma prática comum a quase todos os cursos jurídicos no Brasil, entretanto, o ponto diferencial foi à inclusão do debate sobre bioética, atrelando, inclusive, o julgamento a temática trabalhada no

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filme “Não me deixe jamais”, onde não havia a discussão sobre a inocência de um indivíduo na prática de um crime, mas o debate sobre a validade jurídica de um programa de clones humanos para doação de órgãos, onde os participantes foram divididos em dois grupos de oposição (um de defesa do programa de clones humanos e outro que defendia a carência de validade do programa). Na disciplina Direito Internacional Público, a experiência de elaboração em grupo de tratado internacional inédito como forma de avaliação do aluno se mostrou bem sucedida em diferentes aspectos. Não houve defesa oral em aula do tratado, apenas discussões internas nos grupos com a consequente elaboração final do tratado. Foi utilizada também técnica de role play, em todos os grupos, cada aluno deveriam defender a agenda da política externa de determinados países (alguns países foram de inclusão obrigatória em todos os grupos e alguns ficaram a livre escolha dos alunos). A temática dos tratados também foi de livre eleição dos grupos com o monitoramento prévio dos temas escolhidos para que não ocorresse repetição de assuntos na mesma turma. Ambas as estratégias mostraram-se eficientes no que diz respeito ao processo de aprendizagem dos assuntos trabalhados e também o desenvolvimento de diversas outras habilidades dos alunos, dentre elas se destacam: capacidade de trabalhar em grupo, elaboração de instrumentos jurídicos, negociação em situação de diversidade de posicionamentos, habilidade em defender pontos de vista diferentes, pensamento crítico e ético em relação aos tópicos estudados. A lição aprendida é que é factível alcançar múltiplos objetivos pedagógicos através de novas técnicas ou técnicas clássicas reinventadas quando se trata de ensino jurídico, demonstrando que é possível ensinar Direito com êxito fora dos parâmetros clássicos da lousa e microfone.

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A FORMAÇÃO ACADÊMICA EM DIREITO E A PREPARAÇÃO PARA CONCURSOS PÚBLICOS: CONEXÕES E DISPUTAS NO INTERIOR DO CAMPO JURÍDICO (Aline Sueli de Salles Santos, Universidade Federal de Tocantins) A estrutura burocrática do Estado brasileiro e a regra constitucional dos concursos públicos para seleção dos servidores públicos em geral, e dos profissionais de carreira jurídica pública em especial (além do Exame de Ordem para a advocacia), fez surgir no campo jurídico uma terceira força representada por aqueles agentes, instituições e conhecimentos voltados para a preparação para concursos públicos. O campo jurídico, com base em Pierre Bourdieu, é o espaço social onde atores disputam o poder de dizer o Direito. Tradicionalmente este campo é dividido em duas grandes forças: de um lado a elaboração teórica da doutrina feita especialmente pelos professores de Direito (âmbito da formação acadêmica e dos cursos de Direito), e de outro, a interpretação prática dada pelos magistrados na jurisprudência (âmbito do exercício profissional e do ambiente forense). Mas, a partir das décadas de 1990 e 2000, o contexto social mais global (que inclui o aumento de salários, de oferta e de concorrência para cargos – e empregos – públicos e jurídicos) junto com o cenário próprio da educação jurídica (com o crescimento do número de cursos de Direito, a expansão da pós-graduação stricto sensu e a política regulatória do MEC), nasce um verdadeiro “sistema de ensino para cursos preparatórios” (na denominação do CADE). Neste sentido, este trabalho busca apresentar e relacionar os subcampos da formação acadêmica em Direito e de preparação para concursos públicos, a fim de refletir sobre pontos de conexão e de disputa entre eles com ênfase no que acontece no âmbito dos cursos de graduação e pós-graduação (lato sensu) de Direito. O desenvolvimento da pesquisa apoia-se, além da pesquisa bibliográfica, basicamente na netnografia, com o uso de informações oficiais e públicas encontradas nas páginas de instituições envolvidas

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com a problematização apontada. Vê-se que a exigência de aprovação em um concurso público (ou, no mínimo, no Exame de Ordem) para o exercício de uma profissão jurídica resultou em um espaço de superposição (e, portanto, de disputa) na formação do bacharel em Direito. Com isso, cursos de Direito nasceram a partir de cursos preparatórios para concursos públicos, alguns com a manutenção explícita desta proposta inicial. Além disso, desenvolveu-se uma série de convênios entres esses dois tipos de instituições, quer seja para a certificação de pós-graduação (lato sensu) de cursos de especialização ministrados por cursos preparatórios para concurso, quer seja para oferta de cursos preparatórios para os bacharelandos durante a sua formação nos cursos de Direito. Fusões e incorporações no mercado da educação também geraram grandes grupos que atuam, por meio de diferentes empresas, em ambas as áreas. DIREITO: ENTENDENDO OS OBSTÁCULOS PARA SUPERAR OS DESAFIOS (Candisse Schirmer, Faculdade de Direito de Santa Maria, FADISMA; Jefferson Zanette, FADISMA) O ser humano carrega consigo, dentro de si, uma chama que o instiga e fascina ao passo que por ela é consumido. Essa centelha o impele a superar obstáculos e alçar voos rumo a novos desafios. De todas as capacidades desse ser à de acumular conhecimento merece destaque. Esta palavra, conhecimento, resume um conceito: ato ou efeito de conhecer, e o conhecimento, sendo gênero, vem sendo adquirido ao longo do tempo tanto pelo anseio humano na busca incessantemente por respostas quanto através de sua luta na superação de desafios. Nesse prisma, talhamos do gênero a espécie e projetamos na lousa imaginária para cristalina análise do ramo do conhecimento com o qual se pretende trabalhar, o Direito. O desafio dentre outras acepções pressupõe a existência de um obstáculo, algo que impede o acesso a novas possibilidades. Logo, ao se analisar o Direito e os

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desafios que este vem ou virá a enfrentar na atualidade e no futuro, sob tal ótica, significa limitar o foco e vislumbrar apenas parte de um cenário muito mais rico e complexo, quiçá, inviabilizando o sucesso ou gerando soluções meramente paliativas. Assim, como aventureiro que se vê desafiado a cruzar o desfiladeiro, hoje se vê o Direito desafiado a solucionar questões em todas as particularidades da vida e do quotidiano passando tanto pelo campo espiritual como pelo existencial. Tem a sua frente um desfiladeiros repleto de demandas escarpadas e escorregadias, restando então analisar quais obstáculos que estão a motivar tais desafios perscrutando todas as possibilidades para superá-los agregando e se necessário for reinventando o conhecimento. “AS LEIS NÃO BASTAM”: UMA PROPOSTA DE FORMAÇÃO ENGAJADA NAS LUTAS DAS COMUNIDADES DE FUNDO DE PASTO (Maria José Andrade de Souza, Universidade Estadual de Feira de Santana) Com o entendimento de que não existe proposta de educação que seja “neutra”, “desinteressada”, seja nos seus espaços formais ou não, o trabalho de Educação Jurídica Popular de que se trata tem como tarefa articular as lutas específicas e promovidas por esse grupo campesino – as Comunidades Tradicionais de Fundo de Pasto - como forma de viabilizar instrumentos concretos na transformação da realidade em que se encontram, que ainda é marcada por disputas, ameaças e conflitos em torno da terra. Desse modo, faz-se necessário superar as proposições de educação que trazem, explícita ou implicitamente, o aspecto reprodutivo das relações sociais desiguais, no sentido de entender ser possível a formulação de ideologias, discursos e proposições relativos às aspirações dos grupos socialmente subalternizados. Para esse propósito, o processo de formação sugerido por este trabalho, se orienta nas concepções e na metodologia de trabalho em Educação Popular, sobretudo, nas

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formulações do educador Paulo Freire, que muito contribuiu para pensar a educação como um espaço possível à emancipação, à autonomia, e à valorização dos saberes de todos os sujeitos envolvidos no processo de formação. Em síntese, uma proposta de Educação Jurídica Popular não pode fugir à análise da inter-relação entre o campo jurídico e a realidade social das comunidades tradicionais referidas. É preciso, pois, trazer para o centro do debate os conflitos que até então permearam as decisões e interpretações legais acerca da ocupação territorial onde se encontram essas comunidades. Em outras palavras, a luta pela terra e o próprio reconhecimento enquanto “Povos e Comunidades Tradicionais” são disputas sobre o sentido da história, sobre as possibilidades de lógicas conflitantes com o direito absoluto de propriedade, quando apontam para outros modos de fazer, criar e viver. A AMPLIAÇÃO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA: DA FORMAÇÃO ‘ESPECIALISTA’ À FORMAÇÃO HUMANISTA DE NUSBAUM E UNGER (Carolina Elisa Suptitz, Faculdade de Direito de Santa Maria, FADISMA) Discutir a educação jurídica se tornou pauta constante de uma década para cá. Afinal, que tipo de formação é importante fornecer àqueles que exercerão funções das mais relevantes na sociedade – a de gestão da convivência social? Um dos tantos problemas que podem ser identificados no modelo de educação jurídica brasileira é o da sua especialização, que, na mesma medida em que aproxima o estudante das normas estatais, o distancia da sociedade e da realidade, público e local para quem e onde atuará, bem como o desabilita ao pensamento e ação transformadoras. Afinal, nas palavras de Edgar Morin (2003), “a hiperespecialização impede de ver o global (que ela fragmenta em parcelas), bem como o essencial (que ela dilui)”. Com efeito, a educação especialista estaria a provocar, então, ou uma distorção da realidade, na medida em que olhando para ela a partir do paradigma

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da separação a veremos como se fosse composta por vários elementos independentes entre si que exigirão atenção igualmente independente. Ou uma atrofia nas nossas capacidades de responder a ela, já que, apesar de conseguirmos vê-la na sua complexidade, não conseguimos criar ferramentas e mecanismos que a atendam. De qualquer modo, a realidade não será adequadamente pensada e discutida se observada por sujeitos reféns de uma educação especialista. Com o intuito de encontrar alternativas que busquem reduzir ou sanar este déficit, é que o pensamento de Martha Nussbaum e Mangabeira Unger foram aqui estudados. Ambos defendem a ampliação da educação jurídica, contribuindo para uma formação humanista e crítica dos futuros juristas. Para Nussbaum, nenhuma instituição e conquista social é estável, nem mesmo a democracia ou os direitos humanos, razão pela qual a humanidade precisa ser cultivada constante e perpetuamente. Segundo ela, a humanidade deverá ser cultivada mediante o investimento em três valores centrais, assim denominados: auto-exame socrático, cidadania mundial e imaginação narrativa. Mangabeira Unger apresenta inúmeras propostas tanto para a educação de um modo geral, como para a educação jurídica. Quanto à educação em geral, enfocando nos estudos pré-universitários, Unger, explicita a crítica à especialização em prol de uma formação mais genérica e ampliada: “Nada de especializações rígidas e de profissionalizações precoces. Ensino de século 21 é transmitir a milhões de pessoas capacitações genéricas.” Em específico ao que mais nos interessa, a educação jurídica, Unger elabora proposta original e inovadora, pois, apesar de reconhecer que a educação jurídica brasileira, como ele mesmo diz, “não presta”, também não encontra outra que poderia servir de modelo. A crise da educação jurídica é, portanto, mundial, mesmo que a brasileira se destaque como paradigma negativo. De todo modo, propostas como a de Nussabum e Unger, se não servirem para um aproveitamento imediato e nos seus exatos termos, que sirvam para contribuir para o

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debate que já se estende há vários anos e que cada vez mais se intensifica em prol de uma mudança bastante grande na formação do profissional do Direito. A CONTRIBUIÇÃO DO PROJETO RONDON PARA A SOCIALIZAÇÃO DO CONHECIMENTO TRADICIONALMENTE ELITISTA DO DIREITO (Carolina Elisa Suptitz, Faculdade de Direito de Santa Maria, FADISMA) Inúmeras são as opiniões voltadas a solucionar a problemática da educação jurídica. O consenso gira em torno da má qualidade da (trans)formação do bacharel em Direito. Resistências parecem existir, porém, quando eventual proposta de melhoria afeta o almejado status de profissionais e estudantes do curso de Direito com a sugestão de práticas que envolvem a troca de saberes com a sociedade “leiga”, nos termos propostos por algumas atividades extensionistas. O curso de Direito é um dos mais elitistas da sociedade brasileira. Foi criado com o escopo de formar os futuros profissionais de inúmeros cargos públicos estatais e de educar os filhos das elites, que, então, não mais precisariam se deslocar a Portugal para realizar os seus estudos. Atualmente, mesmo diante de uma realidade bastante distinta, o curso de Direito persiste extremamente elitista. Um contato prévio com parte dos estudantes de Direito e com alguns dos seus profissionais denota existir ali uma grife. Não só pelas roupas, que não cedem ao clima e à informalidade de várias instituições jurídicas surgidas nas últimas décadas, mas pelos objetivos que guiam boa parte das preocupações estudantes e profissionais: remuneração, reconhecimento, status social e poder. Não se ignora que muitos estudantes almejam contribuir para a justiça social. Contudo, a impressão é de que esta ambição se obscurece diante de tantos possíveis cifrões, somente voltando à tona com a maturidade e a consequente consciência das conquistas que mais importam para

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legitimar uma vida. Em meio a esta tendência é que defendo a indispensabilidade das atividades de extensão no seio de um curso como o Direito. Mas não falo aqui dos clássicos serviços de atendimento jurídico. Estes são fundamentais para o aprendizado dos alunos, sobretudo quanto às técnicas jurídicas, entretanto pouco informam e sensibilizam quanto à sociedade. Me refiro àquelas atividades de extensão que reproduzem um duplo sentido de aprendizado na relação dos estudantes com a comunidade. Exemplo disso podemos encontrar em atividades em que os estudantes despem-se de suas vestes jurídicas e convivem com uma comunidade de culturas e costumes diferentes das suas. Assim, ao mesmo tempo em que os estudantes prepararão saberes a serem compartilhados com a comunidade, esta inevitavelmente compartilhará seus conhecimentos, enriquecendo os estudantes, que, agora, saberão muito mais da sociedade e até mesmo da Constituição Federal do que os livros e a sala de aula sempre pretenderam. O Projeto RONDON, do governo federal, dentre outros projetos de extensão, oportuniza uma tal convivência e, consequentemente, tal aprendizado. É uma pena que projetos como o RONDON sofrem inúmeras resistências de professores, cursos e até mesmo de estudantes de Direito por implicarem exatamente a simplicidade que permitiria nos desnudarmos da farda elitizante para nos vestirmos de verdadeiros funcionários essenciais à justiça. Tanto é que número ínfimo dos rondonistas provém do curso de Direito. É deste tipo de (trans)formação e, portanto, de aprendizado que estamos todos carentes nos nossos currículos. O trabalho definitivo desenvolve esta problemática discutindo a extensão universitária e as contribuições do Projeto RONDON para a educação jurídica.

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PROBLEMATIZANDO A DIDÁTICA NO ENSINO DO DIREITO: ENTRE AS ÂNCORAS DA TRADIÇÃO E AS BOIAS COLORIDAS DA INOVAÇÃO - A NECESSIDADE DE TRANSFORMAÇÃO DA EDUCAÇÃO JURÍDICA (João Virgílio Tagliavini, Universidade Federal de São Carlos) A comunicação apresenta-se na forma de um café literário-filosófico com a participação de Luiz Alberto Warat, Roberto Lyra Filho, José Geraldo de Souza Júnior, Boaventura de Souza Santos, Paulo Freire, dentre outros, sob a presidência de Jorge Amado, no estilo da “Ciência jurídica e seus dois maridos” (Warat), em que não há distinção entre as dimensões (aquém e do além), em que os personagens estão diante de um verdadeiro enigma: como educar para o direito e a justiça, com qualidade, sem perder o tesão, num Brasil, com 1200 cursos de direito, com os alunos que temos (e não com os alunos que idealizamos), de desigualdades gigantescas, em que “Pedrinhas” convivem com o “Padrão Fifa” dos estádios da copa do mundo e em que sobrevivem capitanias hereditárias e negros ainda são amarrados nos postes? ENSINO DO DIREITO: DEMOCRATIZAÇÃO, BANALIZAÇÃO OU DESPERDÍCIO? (Alexandre Veronese, Universidade de Brasília, UnB) O presente ensaio é uma demanda relacionada com lançamento do primeiro relatório do Observatório do Ensino do Direito (OED), da Escola de Direito de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas (Direito GV). O objetivo do ensaio é apreciar os dados e as conclusões relacionadas com a primeira pesquisa, que mapeou os cursos de direito para postular uma resposta à pergunta: “quem é o professor de direito no Brasil?” O ensaio está dividido em três partes. Na primeira parte, é descrita a pesquisa realizada pela equipe científica da Direito GV, acompanhada de anotações teóricas. Na segunda parte é realizada a apreciação crítica das anotações realizadas

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anteriormente, focalizadas no dilema regulatório para a área de direito: como é possível modificar as práticas educacionais se as mesmas respondem diretrizes fixadas por sistemas externos ao mundo acadêmico, que possuem ampla repercussão cotidiana nos cursos? Na terceira e última parte são efetuadas considerações acerca da ampla expansão da oferta de vagas nos cursos de graduação em direito. A questão final colocada pela última parte do ensaio pode ser expressa da seguinte forma: como será possível lidar com a democratização do conhecimento jurídico, tendo no horizonte o processo social em marcha do predomínio da simplificação?

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DIRETORIA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DO DIREITO – ABEDI – PARA O BIÊNIO DE 2012-2014

Presidente: Evandro Menezes de Carvalho (UFF / FGV Direito Rio) Vice-Presidente: Solange Ferreira de Moura (UNESA) Secretário-Geral: Alexandre Veronese (UnB) Diretor Financeiro: Fernando de Castro Fontainha (FGV Direito Rio) Diretor de Comunicação: Bruno Lewicki (IBMEC) Diretor de Relações Institucionais: Otavio Luiz Rodrigues Junior (USP) Diretor de Relações Discentes: Frederico de Almeida (FGV Direito SP) Diretora de Formação Docente: Angela Araújo Espíndola (UFSM / IMED) Diretor Científico: José Garcez Ghirardi (FGV Direito SP)

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DIRETORIA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ENSINO DO DIREITO – ABEDI – PARA O BIÊNIO DE 2014-2016

Presidente: Alexandre Veronese (UnB) Vice-Presidente: Angela Araújo Espíndola (UFSM / IMED) Secretário-Geral: Otavio Luiz Rodrigues Junior (USP) Diretor Financeiro: Paulo Roque Khouri (IDP) Diretor de Comunicação: Fernando de Castro Fontainha (FGV Direito Rio) Diretor de Relações Institucionais: José Antonio Peres Gediel (UFPR) Diretor de Relações Discentes: Bernardo Bissoto Queiroz de Moraes (USP) Diretor de Formação Docente: Larissa Leal (UFPE) Diretor Científico: Roberto Fragale Filho (UFF)

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debate sobre a questão da educação na área de direito no Brasil é bastante tradicional. A autorização para abertura dos cursos jurídicos no país, havida com a aprovação da Lei de 11 de agosto de 1827, está refletida no tema, que possui uma evidente relação com o conceito de uma soberania nacional e de uma identidade pátria. Todavia, formar juristas não é uma questão meramente técnica, pelo prisma mencionado antes, também é uma questão política e de desenvolvimento social e econômico. Alexandre Veronese, Presidente da ABEDi.

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