RELAÇÕES ENTRE UM POEMA SIMBOLISTA E UMA MÚSICA IMPRESSIONISTA: ALPHONSUS DE GUIMARAENS, CLAUDE DEBUSSY E A “CATEDRAL”

July 19, 2017 | Autor: Tamíres Rampinelli | Categoria: Music, Debussy, História da Música, Música, SIMBOLISMO, Impressionismo
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RELAÇÕES ENTRE UM POEMA SIMBOLISTA E UMA MÚSICA IMPRESSIONISTA: ALPHONSUS DE GUIMARAENS, CLAUDE DEBUSSY E A “CATEDRAL”

Tamíres Lemos Rampinelli

1. INTRODUÇÃO O período histórico denominado Modernismo surgiu na França e se iniciou na segunda metade do século XVIII e se findou no final do século XX. Ocorreram nesse período grandes mudanças e revoluções na sociedade. Nas Artes (Música, Teatro, Dança e Artes Visuais), na Literatura e na organização social aconteceram movimentos de inovação cultural. As pessoas estavam modificando seu modo de ver e de viver na sociedade. O modernismo teve várias vertentes, dentre elas será citado nesse trabalho o Simbolismo e o Impressionismo, buscando relações entre esses dois movimentos através da análise entre uma poesia Simbolista e de uma música Impressionista. Esses

dois

movimentos

tiveram

uma

grande

importância

no

Modernismo. Podemos perceber que há uma característica importante na poesia Simbolista: a alusão a um aspecto sugestivo na escrita. Nesse aspecto é perceptível uma relação com a música Impressionista, que também usa esse aspecto de “sugestão” na música, usando assim, uma representação musical de uma imagem ou ideia. Além dessa característica, há outro aspecto em que essas duas artes se relacionam, “Ambos os movimentos são uma reação contra o materialismo e o cientificismo que imperavam na época, fins do século XIX. O artista parte em busca da essência do ser humano, daquilo que ele tem de mais profundo, o homem procura o seu verdadeiro “eu”, e não aquele eu do Romantismo – já desgastado e esvaziado – que se tornara superficial e piegas. Na literatura, a

sugestão acontece de várias formas, uma delas se encontra na exploração da musicalidade, da sonoridade, por isso a forte presença de recursos sonoros como a aliteração e a assonância.”

(COSTA, s/ data, p.2).

2. O SIMBOLISMO O Simbolismo surgiu na França, no fim do século XIX. Foi um movimento filosófico que atingiu as Artes Plásticas, o Teatro e a Literatura. Se colocava em oposição ao Naturalismo (representação fiel da realidade) e ao Realismo (movimento contra o subjetivismo romântico, representação da natureza sob um aspecto real) e retomava os ideais românticos. Os simbolistas usavam da sua intuição para interpretar a realidade e não a razão ou a lógica. O foco estava sempre no indivíduo, no “eu” e não no coletivo. A ênfase estava sempre no imaginário, na fantasia, preferiam assim, o indefinido e o impreciso. Buscavam a não racionalidade da sua existência e do que existia a sua volta. A subjetividade era primordial na arte e no pensamento simbolista, sendo assim, o simbolismo “redescobre e redimensiona a subjetividade, o sentimento, a imaginação, a espiritualidade; busca desvendar o subconsciente e o inconsciente nas relações misteriosas e transcendentes do sujeito humano consigo mesmo e com o mundo” (FERREIRA, 2007 p. 18).

Toda a filosofia simbolista se refletia nas áreas artísticas envolvidas nesse movimento, portanto, a produção de obras de arte era baseada na intuição, descartando a lógica e a razão.

Destacam-se como grandes nomes do simbolismo europeu: Charles Baudelaire (autor da obra As flores do mal - 1857), Arthur Rimbaud, Stéphane Mallarmé, Paul Verlaine dentre outros.

2.1 Poema Simbolista – A Catedral de Alphonsus de Guimaraens “ Entre brumas, ao longe, surge a aurora, O hialino orvalho aos poucos se evapora, Agoniza o arrebol. A catedral ebúrnea do meu sonho Aparece na paz do céu risonho Toda branca de sol. E o sino canta em lúgubres responsos: "Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!" O astro glorioso segue a eterna estrada. Uma áurea seta lhe cintila em cada Refulgente raio de luz. A catedral ebúrnea do meu sonho, Onde os meus olhos tão cansados ponho, Recebe a benção de Jesus. E o sino clama em lúgubres responsos: "Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!" Por entre lírios e lilases desce A tarde esquiva: amargurada prece Poe-se a luz a rezar. A catedral ebúrnea do meu sonho Aparece na paz do céu tristonho Toda branca de luar. E o sino chora em lúgubres responsos: "Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!" O céu e todo trevas: o vento uiva. Do relâmpago a cabeleira ruiva Vem acoitar o rosto meu. A catedral ebúrnea do meu sonho Afunda-se no caos do céu medonho Como um astro que já morreu. E o sino chora em lúgubres responsos:

"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!" ” (GUIMARAENS, 1985)

O autor do poema apresentado acima é Alphonsus de Guimaraens (1870 - 1921), poeta simbolista brasileiro. Nasceu em Ouro Preto, Minas Gerais. O simbolismo se iniciou no Brasil em 1893 com a publicação de dois livros: "Missal" (1893) e "Broquéis" (1893) de Cruz e Sousa. Logo no início da juventude de GUIMARAENS, aos 18 anos, sua noiva faleceu, o que causou um grande afeto na obra do autor. Podemos ver logo no primeiro verso a citação de sua amada, onde ele faz uma alusão ao seu aparecimento em um sonho que aos poucos se torna realidade, visto que ele representa o amanhecer do dia – “Entre brumas, ao longe, surge a aurora / O hialino orvalho aos poucos se evapora” (GUIMARAENS 1985, versos 1 e 2).

Além disso, o autor comenta, na maioria de suas obras, aspectos religiosos. O próprio título já escolhido intencionalmente pelo autor. A catedral é um local destinado a se buscar a religião, o ser divino. Nesse poema, sua amada é representada pela catedral, pelo ser divino que se falecera, como podemos ver nos seguintes versos – “Agoniza o arrebol/A catedral ebúrnea do meu sonho/Aparece na paz do céu risonho/Toda branca de sol.” (GUIMARAENS 1985 versos 3- 6). E a sua morte é

citada junto com o despertar do autor de seu sonho, ele volta a sua realidade sem sua amada “ O céu e todo trevas: o vento uiva. Do relâmpago a cabeleira ruiva Vem acoitar o rosto meu. A catedral ebúrnea do meu sonho Afunda-se no caos do céu medonho Como um astro que já morreu.” (GUIMARAENS 1985, versos 25 - 30).

O poeta usa onomatopeias neste poema: “E o sino chora em lúgubres responsos:/"Pobre Alphonsus! Pobre Alphonsus!"” (GUIMARAENS 1985, versos 7 e 8).

Esse trecho se repete algumas vezes ao decorrer do poema. É a forma que o autor encontra para representar sua angústia, pois ele faz uma alusão dos sons dos sinos da Catedral, relacionando-os com o seu sofrimento. O som do sino é representado

pelo seu próprio nome , sendo assim, cada badalar do sino representa a lembrança de sua dor.

3. IMPRESSIONISMO O impressionismo surgiu no século XIX, inicialmente na pintura. O Termo basicamente vem da palavra impressão. Na pintura os artistas buscavam uma miscigenação entre luz e movimento usando elementos técnicos de pinceladas mais soltas, sem exprimir uma forma real, sem contornos, sem uma figura nítida e com isso conseguiam representar ilusões óticas. Os impressionistas buscavam também uma expressão artística que não estivesse focada na razão e nem na emoção, mas sim que refletisse as impressões da realidade impregnadas nos sentidos. Todas essas características se refletiram na música, onde os compositores começaram a compor suas obras em contraposição total ao sistema tonal, presente no período clássico e romântico. Tinham em suas músicas sugestões de atmosferas, de climas de tensão. Assim como na pintura Impressionista, onde não havia uma figura nítida, na música não havia uma estrutura ou uma melodia nítida, todos os elementos musicais estavam diluídos no decorrer da música.

3.1 Música Impressionista - La Cathédrale Engloutie de Claude Debussy Claude Debussy (1862 – 1918) nasceu em Saint Germain em Laye – França. Foi um grande nome do Impressionismo Frances. Suas obras eram compostas com uma liberdade composicional muito grande, não se prendia a formas, repetições, cadências ou harmonia tradicionais, dava uma grande ênfase em acordes sem construir relações de importância entre eles (como por exemplo, relação de Dominante – Tonica da harmonia tradicional) não se formavam cadencia harmônica e arquitetava suas obras sempre pensando minuciosamente em timbres e contrastes.

A obra La Cathédrale Engloutie foi escrita originalmente para piano solo e faz parte de um caderno que contém doze prelúdios para piano publicado em 1910, esse prelúdio foi o de número dez. A música foi baseada em um mito antigo do povo de uma ilha chamada Breton. De acordo com o mito, havia uma catedral que se encontrava submersa na costa da Ilha. Esta catedral se submergia apenas nas manhãs em que a água se encontrava limpa. O compositor nos faz ouvir em sua musica o som do canto dos monges, das badalados dos sinos, e da catedral, depois desse momento em que emergia sobre as águas, o som da sua imersão se entrelaçando aos sons e movimentos da água. Para fazer tantos timbres diferentes e nos fazer remeter a cada imagem, Debussy utiliza vários recursos que ele explorava no piano. Dentre eles a grande extensão de notas, indo do extremo grave ao extremo agudo, utilizando também quintas e segundas paralelas, acordes suspensos e baixos contínuos. Todos esses elementos musicais eram utilizados por compositores no período da Idade Média, que foi o mesmo período histórico onde surgiram as grandes catedrais. No início da obra, o compositor utiliza escalas pentatonicas maiores, ascendentes em blocos de acordes. Nessa parte podemos ver uma ligação com o canto que era realizado nas catedrais medievais, (exemplo 1).

Exemplo 01: Vemos nesse exemplo os acordes em blocos utilizando a escala pentatônica e o baixo contínuo (compassos 1, 2 e 3).

Ao decorrer da peça o compositor utiliza de alguns movimentos cromáticos e utiliza uma construção de acordes que fogem de um centro tonal, como vemos a seguir no exemplo 2

Exemplo 02: Movimento cromático, acordes em blocos, modulações (compassos 18 e 19).

4. A RELAÇÃO ENTRE O POEMA A CATEDRAL DE APHONSUS DE GUIMARAENS E A MÚSICA LA CATHEDRÁLE ENGLOUTIE DE CLAUDE DEBUSSY As duas obras apresentadas, apesar de não terem sido escritas já com alguma relação, podemos ver que há alguns aspectos em comum entre elas. Nos versos iniciais de sua poesia, Alphonsus cita “Entre brumas, ao longe, surge a aurora,/O hialino orvalho aos poucos se evapora,”. Essa imagem de uma atmosfera que se esvai e se desfalece pode também ser percebida na medida em que os acordes se sobrepõem e causam também essa atmosfera. Além desse aspecto atmosférico em que os dois artistas abordam em suas obras, percebemos em comum o cunho religioso temático que aparece ao fundo das obras, cada uma aborda de uma forma diferente a questão da religiosidade, porém, em comum podemos perceber que há a imagem das catedrais antigas da Idade Média. Guimaraens cita “O céu e todo trevas: o vento uiva” (GUIMARAENS, verso 25), onde o céu e as trevas é um tema recorrente a Idade Medieval, conhecida também como Idade das Trevas. E Debussy usa das escalas pentatonicas, do baixo contínuo, as quintas paralelas também representando esse mesmo período histórico. O badalar dos sinos da catedral é abordado por Alphonsus de Guimaraens com onomatopeias com o seu próprio nome, e isso já faz uma relação

sonora entre o poema e a música, onde Debussy também usa da imagem do sino em sua catedral em sua música através de elementos explorados no piano. A imagem de um ser amado que falece, representado na poesia, tem o mesmo significado em que a música nos trás ao fazer a caracterização da catedral que se submerge nas águas. A música, o canto, a alegria de ter aquela catedral emersa se vai ao quando essa se submerge, assim como o ser amado de Guimarães se vai ao falecer. Nas duas obras há uma parte em que se vivencia um sonho, uma espécie de ir para fora da realidade. E nas duas vemos que ao final da peça, é como se o compositor e o autor se voltam à realidade. Na poesia, ele vê que a mulher amada não está mais lá, que era apenas um sonho vê-la, e toda sua dor vem à tona. E na obra de Debussy, podemos ver que um lago, onde havia uma lenda se submerge uma catedral, volta a sua realidade após a catedral se voltar às profundezas de onde veio.

5. CONCLUSÃO A partir dessas relações abordadas neste trabalho, podemos perceber que há grande afinidade entre a poesia simbolista e a música Impressionista. Cada uma tem, dentro do movimento Modernista, suas importâncias particulares. Os dois possuíam um vínculo com o Romantismo, e suas obras sempre estavam ligadas a subjetividade. Em diferentes manifestações artísticas, a música Impressionista e a poesia Simbolista conseguem atrelar um laço filosófico e estrutural em suas obras. É possível pontuar, que há outras diversas obras que tem essa relação. Muitas obras de Debussy foram escritas a partir de um poema Simbolista, e há poemas que foram escritos a partir da música Impressionista. Porém, foi escolhido neste trabalho obras diferente, a fim de encontrar relações musicais e para-musicais em diferentes contextos. Com isso, podemos perceber que mesmo a música Impressionista que não foi escrita a partir de um poema, pode ter relações com outra escrita Simbolista.

Diante disso, vemos que os dois movimentos tem influencia um sobre o outro, até mesmo em países diferentes. Visto que a música foi composta na França e o poema no Brasil.

6. REFERÊNCIAS ANALISE DO POEMA “A CAETEDRAL” http://solinguaeliteratura.blogspot.com.br/2013/04/analise-do-poema-catedral.html Acesso em 15/10/2014 as 22h09 CARDOSO, Rafael Denis. O design brasileiro antes do design Editora: Cosacnaify, São Paulo, 2005 http://en.wikipedia.org/wiki/The_Songs_of_Bilitis, acesso em 17/10/2014 as 14h00 http://pt.wikipedia.org/wiki/Cruz_e_Sousa#Obras, acesso em 17/10/2014 as 01:12 http://www.lalec.fe.usp.br/revistamelp/index.php/component/k2/item/32-simbolismo-eimpressionismo-um-apelo-aos-sentidos, acesso em 10/10/2014 as 00:30 https://digital.library.txstate.edu/bitstream/handle/10877/3271/fulltext.pdf?sequence=1, SEMANA DA ARTE MODERNA http://semana22artemoderna.blogspot.com.br/2012/10/simbolismo.html, acesso em 10/10/2014 as 01:12 h Análise do poema " A Catedral" de Alphonsus Guimaraes http://poetaaaronlino.blogs.sapo.pt/2193.html, acesso em 15/10/2014 as 23:00h GUIMARAENS, A. de. Os melhores poemas. São Paulo: Global, 1985 http://www.concertino.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1825:preudi o-la-cathedrale-engloutie-a-categral-submersa, acesso em 19/10/2014 as 15:00h Música La Cathedrale Engloutie – Claude Debussy: https://www.youtube.com/watch?v=yTwvtwlSh5U, acesso em 19/10/2014

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