Remixagem e colaboração na construção de conteúdos na internet ELOISA KLEIN ALCAR 2015

July 15, 2017 | Autor: Eloisa Klein | Categoria: Collaboration, Social Media, Jornalismo, Mídias Sociais
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Fabricação colaborativa de conteúdos e circulação de informações em mídias digitais: reflexão sobre as tensões ao jornalismo1 KLEIN, Eloisa (Doutora em Ciências da Comunicação) 2 UFRN/Rio Grande do Norte Resumo: A proposta deste texto é refletir sobre as lógicas da circulação de informações que aparecem fora do eixo prioritário entre o jornalismo e seus públicos, com o objetivo de expandir a reflexão sobre a colaboração vista em perspectiva intencional e pautada por objetivos e práticas concernentes ao jornalismo, como instituição. Com isso, pretendemos contemplar elementos fluídos, dinâmicos e dispersos da circulação de temas da vida coletiva e refletir sobre seus tensionamentos ao jornalismo. Argumentamos que tal abertura é essencial para o exame de fenômenos que têm se destacado, como parte da história recente, pelo seu caráter de fragmentação, fluidez, rápidas formações de ondas – e consequentes dissipações. A discussão aqui realizada é tomada como base para a análise, em trabalhos paralelos, de casos de conteúdos que tiveram intensa dissipação nas eleições de 2014 e manifestações de 2013. Palavras-chave: Mídia digital; Colaboração; Circulação; Jornalismo.

Introdução O desenvolvimento de mídias com capacidades de produção de conteúdos por usuários comuns tem afetado diretamente as relações entre indivíduos e instituições. No âmbito da circulação de informações em função da discussão de temas da vida pública, estas transformações na produção e disseminação de conteúdos são significativas em contextos eleitorais e de tensão política. Considere-se, por exemplo, que um dos objetivos do jornalismo relaciona informação e participação política, para “suprir a necessidade de informação das pessoas com vista à sua formação individual e consequente participação na democracia” (COELHO, 2015, p. 127). No entanto, recentemente, os lugares tradicionais de informação, debate e preparação para a participação, como o jornalismo, estão se associando com outras possibilidades de mídia. Em 2014, o Facebook, por exemplo, registrava 84 milhões de brasileiros como

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Trabalho apresentado ao GT de História da Mídia Digital Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Doutora e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Graduada em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Jornalista. [email protected]. 2

usuários3, dos quais 59 milhões acessavam à mídia social todos os dias. O intenso uso desta mídia fez com que as eleições presidenciais brasileiras de 2014 se tornassem o assunto mais comentado da história do Facebook4 – e esta mídia foi o destaque da disputa eleitoral. Estes conteúdos, postados na forma das mais variadas publicações, fazem parte da constituição de uma densa circulação social de informações. Elementos como volume, frequência, características dos conteúdos relacionados à política que circulavam no Facebook no segundo semestre de 2014 (período eleitoral) tornaram-se objetos de investigação em atividades desenvolvidas com alunos de Tecnologia Digital na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Em razão deste projeto pedagógico, houve um retorno expressivo de materiais como memes, montagens e remontagens (remix), combinações de vários materiais midiáticos, “mashup” sobre vídeos, imagens, músicas, textos. Os estudantes recorriam genericamente ao termo “meme” para categorizar suas escolhas, acompanhando a tendência dos usuários de internet em geral, como observa Shifman (2014), ao tratar da definição do meme da internet. A displicência dos conteúdos, as remontagens (remix) e a provocação do riso foram as justificativas mais comentadas pelos alunos para a escolha dos casos. Além disso, observávamos um alargamento das noções de ‘fazer mídia’, ‘produzir conteúdo’, fazer coisas ‘coletivamente’, ‘tomar conhecimento’ sobre a atualidade partilhada. Notamos, assim, a ocorrência de uma dissipação de temas e fabricação fragmentada de conteúdos, que organizam a experiência ao redor de fatos e eventos do cotidiano. A partir das questões que apareceram como instigantes naquele momento, defini angulações de pesquisa para pensar o espalhamento de temas e a fabricação de conteúdos de uma forma fragmentada e também coletiva. Este tipo de produção é de difícil categorização – muito embora possamos ver a composição informacional coletiva, dificilmente falaremos de apoio ou suporte entre indivíduos, trabalho em grupo, intenção e objetivos em comum com o jornalismo (características comumente convocadas para tratar da noção de “colaboração” ou de “cooperação”, por exemplo). Assim, dificilmente categorizações como “participação” ou “prosumer” correspondem 3

Dados divulgados pelo Facebook e reportados em matéria do Portal G1, em http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/08/oito-cada-dez-internautas-do-brasil-estao-nofacebook-diz-rede-social.html. 4 Dados divulgados pelo Facebook e reportados em matéria do Portal G1, em: http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/10/eleicoes-brasileiras-foram-maiscomentadas-da-historia-do-facebook.html.

ao nível de dispersão de parte das atividades de produção, modificação e espalhamento de conteúdos – muito embora tais atividades façam parte da dimensão pública da discussão de temas, o que interessa ao jornalismo como campo de atuação. Neste texto, a proposta é refletir sobre as lógicas da circulação de informação que aparecem fora do eixo prioritário entre o jornalismo e seus públicos, com o objetivo de expandir a reflexão sobre a colaboração vista em perspectiva intencional e pautada por objetivos e práticas concernentes ao jornalismo, como instituição. Com isso, pretendemos contemplar elementos fluídos, dinâmicos e dispersos da circulação de temas da vida coletiva e refletir sobre seus tensionamentos ao jornalismo. Estas parecem questões cruciais para examinarmos fenômenos que têm se destacado, como parte da história recente, pelo seu caráter de fragmentação, fluidez, rápidas formações de ondas – e consequentes dissipações. Assim, as reflexões advêm da observação de fenômenos e igualmente retornam a eles, na medida em que tomamos a discussão aqui realizada como base para a análise, em outros trabalhos, de algumas formas e conteúdos que tiveram intensa dissipação no período eleitoral de 2014 e manifestações de 2013. Colaboração midiática e a discussão sobre o jornalismo As mídias sociais vêm transformando o modo de se pensar a política e a democracia, antes pautada pela relação formal entre cidadãos e instituições políticas (ANDERSEN; ROMY, 2009), a ponto de se falar em campanhas dominantemente realizadas na internet (GIBSON; WILLIAMSON; WARD, 2014). O desenvolvimento das mídias de colaboração ofereceu, crescentemente, a possibilidade de contar com a capacidade “colaborativa” e não apenas informar, levar dados, mas também contar com compartilhamentos, opiniões, envios de fotografias e vídeos por eleitores, e a criação de grupos de discussão – além da inserção entre diferentes segmentos populacionais, particularmente jovens (COHEN; KAHNE, 2012). Alguns estudos sugerem inclusive a possibilidade de previsão eleitoral baseada na ação do público (KACZMIREK et al, 2014). Estes indicativos demonstram como a discussão de assuntos públicos transborda as fronteiras das instituições que se ofereciam como mediadoras. Parece-nos clara a necessidade de se pensar a atividade do jornalismo cada vez mais condicionada pela circulação de informações em rede. Uma das estratégias utilizadas para pensar esta

circulação é o desenvolvimento de atividades de colaboração em função de informações. Em geral, esta atividade é analisada numa relação entre as pessoas e o jornalismo, tomado como instituição. Neste sentido, características do conceito de colaboração são acionadas, como a intenção de colaborar (dada a referência aos objetivos comuns), o trabalho em conjunto ou a realização de atividades em grupo. Mesmo que boa parte dos estudos sobre colaboração em mídias acione teorias dos estudos de rede, há uma primazia para a relação entre indivíduos e instituições, e se mantêm as perspectivas tradicionais do conceito de colaborar. De forma geral, a colaboração compreende a associação entre uma ou mais pessoas, com ajuda, trabalho conjunto, objetivos comuns (BITTENCOURT; MOURA FILHO, 2015; WEBBER; VIEIRA, 2010). Há uma especificação em relação à educação colaborativa, que considera a dissipação de conhecimentos e a possibilidade de gerenciar projetos de forma coletiva. Considera-se indivíduos envolvidos no mesmo tipo de demanda, com a mesma participação e que trabalham juntos, com objetivos comuns.

Nos

campos

de intersecção entre economia e comunicação, o termo cooperação é invocado para tratar de “participação criativa”, de uma “força coletiva maciça” e “descentralizada”, com “milhões de produtores autônomos e conectados” em “fluxos de colaboração” (BITTENCOURT; MOURA FILHO, 2015). No jornalismo, a reflexão sobre colaboração é frequentemente associada ao trabalho de blogueiros, ou sites de notícia open source. Em ambos os casos, a colaboração ocorre de forma organizada, com intenções prévias e conduta similar aos parâmetros da instituição jornalística. No entanto, quando analisamos circuitos de informação (que podem ser observados a partir de análise temática ou de casos sociais, por exemplo), observamos que há uma colaboração para tratar de informações sobre a atualidade sem que haja uma intenção de colaborar com o jornalismo. O jornalismo perde o controle sobre a informação e o modo como ela é disseminada e debatida (ROJO VILLADA, 2008). Boa parte das análise da relação entre o jornalismo, seus públicos e outras formas de produção de conteúdo ainda tomam em conta uma perspectiva instrumental sobre a tecnologia. Isso acontece mesmo quando são invocados nomenclaturas tais quais “jornalismo colaborativo”, “jornalismo participativo”, que implicam em um deslocamento da tradicional concepção da relação entre o jornalismo e seus públicos.

A expressão jornalismo colaborativo se tornou comum a partir dos anos 2000, quando a popularização das tecnologias de registro, edição, arquivamento e compartilhamento de dados tornou as práticas de narrativas midiáticas do cotidiano mais acessíveis. Abordagens sobre jornalismo e colaboração tratam frequentemente da colaboração desde a perspectiva do jornalismo. Assim, é “colaborativo” quando o “leitor” colabora com o jornalismo. Neste caso, há seções ou periódicos colaborativos (PRIMO; TRÄSEL, 2006), em que há pouca distinção entre produção e leitura; ou são definidos mecanismos de participação do público (QUADROS; PALÁCIOS; SILVA, 2008). Em outros casos, trabalha-se com a concepção de um aprimoramento da edição jornalística a partir de materiais enviados por cidadãos (BRAMBILLA, 2007). Há uma evidente separação entre o que seria jornalismo e os outros, que colaboram. A colaboração é também pensada como um elemento objetivo, decidido conjuntamente por um grupo de pessoas – chegando-se às vezes a identificar comunidades. Träsel (2007) vai além desta concepção quando analisa colaborações involuntárias em relação sistemas de classificação, de recomendação e de trocas de arquivos entre pares (peer-to-peer). A separação entre o que seria cooperação acontece também com relação a outros âmbitos institucionais. O guia do wikinews estabelece que “editoriais, press releases e artigos científicos não são aceitos” como “news” – estas podem ser publicadas e alteradas por qualquer pessoa, no site, são publicadas imediatamente, e devem levar em conta a factualidade, a relevância, elementos globais e locais e ter um ponto de vista neutro (TRÄSEL, 2007, p. 24). A colaboração envolveria, neste caso, uma disposição em escrever sem interesses empresariais, políticos e acadêmicos, seguindo alguns dos padrões historicamente consolidados pelo jornalismo. O uso das expressões “colaboração” e “jornalismo colaborativo” é pensado separadamente por Zanotti (2010), para quem a colaboração sempre existiu no jornalismo, considerando-se cartas, visitas às empresas jornalísticas, envio de sugestão de pautas, etc. Já o “jornalismo colaborativo” passa a ser usado quando as pessoas podem fazer registros, tomar notas, enviá-las instantaneamente (ou quase) para o jornalismo ou até mesmo publicá-las por si mesmas. Nesta linha, Zanotti afirma que a maior mudança é a publicação, não o registro, já que antes as pessoas podiam registrar, mas não publicar. “O novo estágio, contudo,

trouxe consigo o advento de ferramentas agrupadas sob a designação de TICs” (ZANOTTI, 2010). Nesta perspectiva, a tecnologia é concebida como “ferramenta” e assim a grande mudança é uma ferramenta que permite a publicação. Mas, neste caso, caberia questionar-se por que não registravam, ou registravam de um modo diferente a partir da incorporação de dispositivos digitais à vida diária. Outras propostas abrangem um alargamento do território da colaboração, compreendendo a dimensão do que tem sido chamado de “comentários”. Um destes âmbitos foi observado por Träsel no Kuro5hin, quanto às discussões geradas em comentários de postagens realizadas por “repórteres amadores” (TRÄSEL, 2007, p. 25). Outro âmbito é caracterizado por Anderson (2006), ao pensar a gestão da informação abrangendo públicos periféricos e nichos (‘cauda longa’). Estes públicos iriam trabalhar a

primeira

notícia,

a

partir

de

comentários

realizados

conjuntamente

ao

compartilhamento, e que fariam com que as informações agrupariam características do jornalismo e de outras pessoas. Produção fragmentada de conteúdos na circulação de informações A existência de algumas lógicas comuns na produção de conteúdos de forma dispersa e com algumas características de coletividade permitem pensar na reformulação das matrizes sociais que dão base ao tipo de organização e dinâmicas da circulação informativa. Estas matrizes, pensadas como “dispositivos interacionais” (BRAGA, 2011), variam de acordo com as circunstancias e as características de um processo social, são caracterizados por elementos heterogêneos que, por questões pragmáticas, e “desenvolvem sistemas de relações perceptíveis na conjuntura social” (BRAGA, 2012). As regras deste sistema de relações são socialmente pensadas e tentadas em “episódios comunicacionais” – e por isso a observação deste episódios permite-nos compreender parte das lógicas em desenvolvimento ou execução. Em uma medida, as lógicas da produção de conteúdo disperso em mídias digitais podem ser pensadas como uma complexificação dos sistemas de fala sobre a mídia, de crítica e de aprendizagem social. Com ênfase na recriação e no tensionamento de agendas e produtos midiáticos, conformam-se dispositivos – matrizes dinâmicas que envolvem circuitos de informação, conteúdo e experimentação criativa, com exercícios de análises e criação de conteúdo sobre produtos jornalísticos, informativos, de

entretenimento. Tais conteúdos perdem seu vínculo com um autor específico, se transformam pela característica imediata de sua propagação em rede, que facilita a ocorrência de transgressões dos conteúdos midiáticos e espalhamento de temáticas sociais, observados em fotomontagens, charges, memes, vídeos, desenhos, comentários, textos e debates. Interessantemente, as possibilidades tecnológicas dizem tanto sobre estes conteúdos quanto as práticas sociais em torno delas. A possibilidade de tirar fotos, gravar vídeos, utilizar recursos básicos de edição e compartilhar materiais instantaneamente em aplicações da internet transforma a concepção do que é um conteúdo midiático. A própria ideia da publicação altera a ideia do registro. Weilenmann, Hillman, e Jungselius (2013), sobre usuários do Instagram em museus, analisam que estes associam características do ambiente, da aplicação e de suas redes sociais para construírem suas narrativas de visitação ao museu, em uma dimensão que vai além do lugar, que já conta com a capacidade de compartilhamento imediato na concepção do produto. Além disso, os autores analisam que mesmo a concepção narrativa adquire características diferentes, uma vez que o aspecto ordinário das fotos na atualidade atribui elementos de instantaneidade, fluidez, engajamento com os acontecimentos do presente imediato. A antecipação do que vai acontecer com o espalhamento em córregos de conteúdos (CAMPBELL, 2013), mais que em telas e impressos, muda o uso das câmeras. É o que acontece em registros de protestos, em que a câmera atua como garantia de que haverá uma divulgação dos eventos e também como tentativa de proteção. Em janeiro de 20135, skatistas praticavam o esporte em uma praça quando um dos jovens foi xingado por um policial à paisana. Outros policiais compactuaram com a ação. Os skatistas se aproximaram e um deles passou a gravar a investida policial. Enquanto gravava a ação da polícia contra o jovem agredido, o skatista com a câmera registrou um policial se aproximar dele e usar gás de pimenta, aplicados diretamente sobre seus olhos. O jovem não desliga a câmera, registra seus sons de dor e filma seu próprio olho, muito vermelho. Relata os fatos acompanhados e dialoga com a audiência prevista: “vocês podem ver que ele está ali ameaçando ele [o outro skatista] e está

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A íntegra do vídeo pode ser vista no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=-DhVFuiK9dE.

ameaçando todo mundo. É este rapaz ali, esse próprio” – momento no qual o homem se aproxima dele, xingando, usando palavras de baixo calão e mandando-o parar de filmar. O jovem não para e conclui: “vocês vão estar na televisão já, já”. O vídeo se espalha rapidamente, vira pauta do jornalismo e ocorre a punição dos policiais envolvidos. A expressão “jornalismo colaborativo” é acionada, interessantemente, pelo jornalista João Paulo Vale (2013), em artigo que associa a repercussão da gravação do protesto dos skatistas com outro caso6 de violência policial, registrado pelo jornalismo. Ambos os casos continham registros audiovisuais e ambos tinham como marca da violência policial a atuação de um mesmo homem. O registro do skatista se espalha, vira notícia e resulta em punições à polícia. No caso cujo registro e divulgação ficou centrado no jornalismo não houve punição. Vale credita o diferencial foi à “ação do ‘cidadão comum’”. Por pautar conflitos ou problemáticas sociais emergentes, este tipo de registro foi tradicionalmente desenvolvido pelo jornalismo. O jornalismo também costumava colocar-se como campo de prestação de serviço público, atendendo a demandas de críticas e reclamações das pessoas – função particularmente desenvolvida pelos jornais populares nos anos 1990 e início dos anos 2000. Entretanto, partes significativas da vida cotidiana não ganham espaço no jornalismo, seja por chocarem-se com as definições de interesse informativo, seja por chocarem-se com interesses comerciais da instituição. Mas a internet abarca todos estes tipos de reclamação e de apresentação de demanda. Em julho de 2013, um professor de história que não tinha recebido parte dos móveis já pagos, entrou na loja em que fez a compra e quebra os itens que não lhe foram entregues, registrando toda a ação com uma câmera. O professor gravou seu próprio rosto antes de entrar na loja, explicou seus motivos, mas não disse exatamente o que iria fazer, como que preparando a construção da narrativa. Nas situações que se seguem, no vídeo, ele entra na loja e grita que não se aproximem dele. A câmera registra flashes de funcionários, alguns dizendo que querem conversar. O professor avisa que tentou conversar antes e executa o plano: anuncia o produto comprado (e não recebido) e o destrói, filmando. O vídeo é registrado no YouTube7 e se espalha rapidamente, 6

http://tvuol.uol.com.br/video/blitz-da-guarda-civil-gera-confusao-no-centro-de-sao-paulo0402CC993164CCA13326/), 7 https://www.youtube.com/watch?v=pVRH6hGf-nM

intitulado como “Dia de Fúria”, em alusão ao filme. Este tipo de ação se dirige ao espaço público (KLEIN, 2014), com o intuito de formar opinião, trata tematicamente da vida coletiva, age tendo em conta a existência de um fato ou a causação de um, visa a tematização pública para gerar a responsabilização dos culpados – ações comuns no jornalismo. Mas dificilmente a gravação destes vídeos ocorre com qualquer intuito de “colaboração” com o jornalismo. Eles chegam ao jornalismo por seu caráter de espalhamento na rede. Parece que a noção de colaboração adquire, de fato, um caráter muito mais amplo do que a relação entre pessoas e uma instituição reconhecida, o jornalismo. A colaboração passa a tanger um tipo de abordagem sobre a vivência de cotidiano, com notórios elementos de factualidade e de interesse público (como a cobertura de protestos), mas com a inclusão de elementos ordinários da vida e sua capacidade de transformação para eventos singulares na vida de pessoas comuns. Ao pensar colaboração em mídias na internet, Löwgren e Reimer (2012) analisam que há uma vinculação com instrumentos, com a existência de ferramentas, e uma associação entre indivíduos em seu uso. Em contextos digitais, estas ferramentas têm que ser fáceis o suficiente para serem usadas de uma forma relativamente fácil por quem não tem experiência. Interessantemente, este tipo de colaboração acompanha a dissipação de informações sobre como usar tais ferramentas, a partir da realização de fóruns, ou pela constituição de variados sites, blogs, vídeos que se dedicam a explicar como otimizar o uso de recursos. Associado a isso estão as lógicas dos sites em que se pode distribuir, socializar conteúdos, baixar coisas. Assim, observa-se um fluxo que é inicialmente motivado por usuários habilidosos, que revertem as funções originais das tecnologias e socializam a aprendizagem que construíram neste processo (LÖWGREN; REIMER, 2012). Este fenômeno muda a lógica do que é consumir e o que é criar: quando muitos intervêm no processo de produção de conteúdos, é difícil estabelecer as dinâmicas que separam quem produz criativamente algo que será consumido como entretenimento por outros. Entreter-se também é fazer. E neste processo, os altos usuários e fãs tem uma importância significativa, ao ultrapassarem os limites dos locais em que supostamente deveriam estar (LÖWGREN; REIMER, 2012). Edwards” (2012, p. 29) fala de “criadores digitais”, “crescimento dos amadores” e “confluência entre mídia social e

participativa”, para diferenciar de artistas e profissionais treinados. No entanto, até mesmo a distinção entre profissionais e amadores é problemática e parece não ser apenas uma questão de “criação”, uma vez que tantos os conteúdos produzidos são diferentes como as formas pelas quais se relacionam com outros indivíduos e instituições. Em trabalho sobre mashups, Edwards (2012) analisa ações de autoria e criatividade, mesmo considerando-se a combinação de materiais midiáticos anteriores. Esta “autoria” é coletiva, depende da colaboração de múltiplos indivíduos, no uso de facilidades encontradas em suas redes e em aplicações da internet (EDWARDS, 2012). Podemos pensar, a partir disso, que o jornalismo não participa exatamente como parte especializada e mediadora, mas como um dos participantes constituintes deste circuito de informações. Assim, não é necessariamente visto pelas pessoas que criam os conteúdos como coisa a ser contraposta, ou como membro principal de um circuito. Na economia, na administração e no marketing, a colaboração diluída e difusa de muitas pessoas recebeu o nome de “crowdsourcing”, frequentemente traduzida para o português do Brasil como “colaboração das massas”. Esta colaboração não ocorre em reuniões presenciais e atividades institucionais, mas em mídias construídas sob o ideal de contar com conteúdos dos próprios usuários, como Flickr, Second Life, Youtube (WILLIAMS; TAPSCOTT, 2006). Este tipo de colaboração tem como expoente as investidas dos sites e aplicativos de tradução, mas até mesmo o trabalho realizado de forma dispersa, e com reuniões em fóruns, salas de bate papo, videoconferências podem ser consideradas formas de colaboração em massa. Williams e Tapscott (2006, s/p) analisam a ocorrência de “mudanças profundas na estrutura e no modus operandi da empresa e da nossa economia, baseadas em novos princípios competitivos”. Em relação à produção de conteúdos comunicacionais-midiáticos, a questão da dissipação é ainda mais interessante. Dificilmente se pode chegar à uma conclusão sobre qual será um caso de intensa circulação e qual será apenas mais uma postagem. Algumas características partilhadas pelos materiais de mais intensa circulação são comuns e muitos deles cabem no tipo de definição de “meme da internet”. A palavra “meme” é oriunda do campo da biologia, com o significado de algo que se replica (HEYLIGHEN, 1999), que é capaz de ser copiado de um para o outro, ao mesmo tempo sendo modificado. Os memes das mídias colaborativas são marcados por humor,

contraste de materiais variados, montagem e a ausência de solenidade e de acabamento – característicos nos produtos midiáticos. “A etiqueta ‘meme da internet’ é comumente aplicada para descrever a propagação de itens como piadas, rumores, vídeos e websites de pessoa para pessoa via internet” (SHIFMAN, 2014, p. 2)8. Por causa de sua propagação acelerada, os memes permitem que seja possível visualizar algumas características de uma colaboração fragmentada, que vai ganhando adesão de várias pessoas, que tem um caráter coletivo, mas dissipado. Durante as eleições de 2014, por exemplo, os memes tratam os personagens e os episódios da campanha eleitoral e sua cobertura midiática à luz de outros programas midiáticos reconhecidos. Em alguns casos, são enfatizadas as características do programa midiático. Em outros, são enfatizadas características dos candidatos – variando entre características físicas, declarações e propostas. Assim, trabalha-se uma composição lógica que relaciona os discursos das falas de candidatos e de debates com características contextuais e históricas, e que muitas vezes serve à uma finalidade política, para tratar dos demais candidatos, que apareciam com maior pontuação nas pesquisas de intenção de voto. Uma vez que as montagens toquem o âmbito comum da vida coletiva, a tendência de espalhamento é maior. As combinações e sobreposições de imagem são reaproveitadas por pessoas diversas, que se apropriam dos trabalhos anteriormente realizados e lhes adicionam características. Apontamentos finais sobre uma colaboração fluída e dispersa Este tipo de composição pode ser visto como algo "fluído", nos termos especificados por Bauman (2001), cuja propriedade é ser constituído por fluxos, o que significa a flexibilidade nos objetos originais. Quanto aos líquidos, há ainda uma dificuldade em manterem suas formas: "não fixam o espaço nem prendem o tempo" (2001, p.8). Os fluídos se dissolvem, escorregam, invadem os outros, não são facilmente contidos. E por serem fluidos, tendemos a ver os líquidos com uma leveza. Bauman destaca está uma característica das sociedades contemporâneas porque mesmo observando que a modernidade nasce pela crítica aos sólidos instituídos, a ideia era 8

“The tag ‘internet meme’ is commonly applied to describe the propagation of items such as jokes, rumors, videos, and websites from person to person via the Internet”

substituir por outros sólidos, melhores e mais confiáveis. As relações fluidas entre as pessoas efetivam mesmo assim alguma ação de nível político, cuja base é exatamente as relações sociais. As relações sociais fluídas promovem algumas aproximações que se não podem ser consideradas como engajamentos, resultam, mesmo assim, em criação de modificações, em realização de coisas. Esta criação toma por base a lógica fluida do conteúdo. O conteúdo, diferentemente do produto, se espalha, se modifica, se altera. E se dissipa no espaço, portanto eliminando suas fronteiras. Embora esta dissipação seja caracterizada por movimentos aleatórios, o fato de que os conteúdos não viajam intactos, mas são sempre e mais modificados, implica que reste alguma formação coletiva. Esta formação coletiva não será feita aos modos de uma reunião de partido e sua produção de manifestos. Não são a cognição deliberativa, a decisão de participação e formulação de objetivos individuais e sociais claramente políticos (que estão na base de parte das teorias políticas sobre engajamento e teorias cognitivas tradicionais da aprendizagem) que norteiam estas lógicas de produção e difusão de conteúdo. Misturam-se lógicas estéticas e de desejo, a impressão, a indecisão, a inconformidade, o acaso. Os conteúdos passam por um retrabalho, remixagem. E seus jogos cruzados não são de todo aleatórios. Carregam a identificação de contextos e relatos, a revisão de elementos midiático-culturais socialmente partilhados, e uma certa costura não institucional dos eventos. O jornalismo (quando mais atualizado às transformações recentes) entende uma mudança de lugar na fonte (CHAPARRO, 2015), mas ainda compreendemos fonte como um direito de fala, que encontra sua exposição ideal na atividade de blogueiros – pessoas que trabalham textualmente a fala. Mas presenciamos igualmente este laborioso córrego de imagens fazendo coisas transversais, tecendo pontos de ligação ao que aparece como movimento aleatório. É um tipo de contradição explorada por Gunkel (2012, p. 3) ao analisar a história da constituição do termo hacker e como ele passa a abarcar uma dicotomia: como coisa de alguém criativo, mas também como coisa criminosa, transgressiva. Mas esta contradição não é um resultado de mau uso, mas de uma "disseminação irredutível e original" (idem, p. 4) dos significados, que alterou a palavra – que não está apenas ligada a algum conceito com regras, apenas, mas também a pessoas, movimentos,

práticas, performances. Assim, a palavra não tem um conceito regrado, como não existe uma trajetória a ser seguida para se tornar um hacker. O termo é construído a partir de várias práticas dissonantes e "radicalmente empíricas" (GUNKEL, 2012, p. 4). A colaboração em mídias cujos conteúdos são postados pelos usuários também é compreendida como um conjunto de práticas em pleno desenvolvimento, dissonantes e variadas, com elementos de transgressão, de inovação de conteúdo e também de experimentação tecnológica. Esta atividade sobre conteúdos toma em conta questões do conhecimento sobre o mundo, ou da aprendizagem social, cotidiana, que não está restrita às instituições e a intenções declaradas e oficiais, como o jornalismo. Pensamos os conteúdos trabalhados como práticas coletivas que acionam elementos do mundo e que desenvolvem a aprendizagem sobre técnicas, mídia, humor, linguagens, também de uma forma coletiva. Neste sentido, a transgressão não é vista como um ataque, mas como um processo de aprendizagem coletiva, que acaba por envolver uma constituição igualmente diferenciada dos conteúdos da vida coletiva. Neste sentido, a ideia de uma colaboração com uma instituição específica, neste caso, o jornalismo, parece não dar conta da complexidade das atividades sociais em função da produção de conteúdo em mídias digitais – muito embora seja possível identificar vários níveis de projeção ao espaço público, projeção de temas e discussão de fatos.

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