René Lalique - Da Natureza para a Joalharia

May 24, 2017 | Autor: Patrícia Ferrari | Categoria: Art History, Art Nouveau, Jewellery, Artes, História da arte, Jewelry, Joalharia, René Lalique, Jewelry, Joalharia, René Lalique
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Patrícia Ferrari

RENÉ LALIQUE DA NATUREZA PARA A JOALHARIA

René Lalique nasceu no ano de 1860 na região de Champagne, em França. Estudou na Escola de Artes Decorativas de Paris e partiu para Londres em 1878, onde frequentou o Colégio Sydenham durante dois anos.1 Lalique era um desenhador de jóias bastante talentoso, tendo trabalhado para grandes nomes como a Cartier, no entanto, decidiu seguir o caminho prático da joalharia, onde se revelou igualmente dotado e conseguiu alcançar a genialidade. Foi aprendiz de Louis Aucoc, que o introduziu às técnicas de ourivesaria, e teve também formação em escultura na Escola Bernard Palissy; esta formação foi complementada pelo apoio dos escultores Alphonse Ledru, pai e filho, que tinham sido colaboradores de Rodin.2

Fig. 1 – Peitoral Cantáridas
c. 1903-1904, René Lalique (1860-1945); ouro, prata, vidro, esmalte e turmalina. 5,2 x 16 cm, Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Fonte: Arquivo Fotográfico do Museu Calouste Gulbenkian.

A obra de Lalique é composta por peças dos mais diversos géneros, não só produziu desenhos e jóias, como também vários objectos de mobiliário e decoração, e alguns utilitários (como açucareiros, tinteiros ou abre-cartas). Na joalharia começou por seguir os cânones tradicionais, nos quais as pedras preciosas estavam sempre em 1

Vd. MADSEN, Stephan Tschudi – Art Nouveau, Porto: Editorial Inova, 1967, p. 155. Vd. LEITE, Maria Fernanda Passos – René Lalique no Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian/Skira, 2008, p. 21. 2

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destaque, sendo a dimensão artística menos relevante.3 No entanto, na última década do século XIX, Lalique embarcou em novas experiências e iniciou um percurso engenhoso que elevaria não só o seu nome, como também a arte da joalharia. O grupo de obras iniciado neste período é o que melhor descreve o seu trabalho, neste sentido, as características estilísticas aqui apresentadas dizem respeito a esse mesmo conjunto. Quanto à forma, o artista francês apresenta as suas figuras de forma estilizada, embora surjam, por vezes, num registo mais realista (como exemplo: o Diadema Orquídea). A linha, comum a todo o movimento Arte Nova, está bem presente na sua obra, utilizada com valor próprio ou como divisora de planos (entre a aplicação de esmaltes ou de pedras). A cor é também um dos principais elementos destas jóias, conferida sobretudo através da técnica do esmalte. Tematicamente, Lalique segue a orgânica da Arte Nova, representando vários animais e tipos de vegetação, nomeadamente insectos e flores, e também a figura feminina, por vezes acompanhada pela masculina. A sua paixão pela natureza era antiga, desde pequeno que observava e desenhava animais e flores, “pacientemente estudou Lalique todo o mundo vegetal. Com que cuidado estudou cada elemento e com sentido simbólico o aplicou. De toda a complexidade do pormenor, no entanto, retém apenas o que lhe interessa para o efeito decorativo que pretende obter. Os ciclos de vida encontram nele constantemente a sua expressão. (...) Aliada à natureza mostra-nos a mulher (...) de linhas elegantes, num todo idealizado, destacando-se nos rosto toucados como elemento importante de movimento e de adorno.”4 Os dois anos que passou em Londres foram determinantes no estilo de Lalique, pois, embora França tenha sido um dos grandes centros deste movimento, as origens da Arte Nova encontram-se na Grã-Bretanha.5 Aqui, o artista terá contactado com as influências regionais, como o Renascimento Celta e a Irmandade Pré-Rafaelita. Algo que se pode verificar através dos temas utilizados na sua obra e na presença de pequenos ornamentos e detalhes de origem medieval. Também na Arte Nova da região da Escandinávia é possível encontrar elementos em comum com a sua obra, nomeadamente na utilização de figuras zoomórficas e híbridas. Neste sentido, a obra de Lalique mostrase mais próxima da Arte Nova das regiões nórdicas do que da Art Nouveau francesa,

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Vd. LEITE, Maria Fernanda Passos – René Lalique no Museu Calouste Gulbenkian, p.21 Cf. Sala Lalique, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, pp. 8-9. 5 Vd. FAHR-BECKER, Gabriele – A Arte Nova, Colónia: Könemann, 2000, pp. 88-89. 4

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talvez tenha até sido esta umas das razões porque conseguiu tanto destaque no seu país de origem. René Lalique foi também um inovador nos materiais que escolheu para as suas peças. A joalharia foi sempre associada ao valor inerente das matérias-primas; esta situação mudou com a Arte Nova. Novos materiais começaram a ser utilizados na criação das jóias, como a madrepérola, as pedras semipreciosas e o chifre. Também o esmalte ganhou uma nova dimensão, sendo produzido nas mais diversas tonalidades.6 É frequente vermos nas jóias de Lalique a adaptação das pedras utilizadas ao formato da peça, enquanto outros artistas tinham por hábito encontrar as gemas e criar algo que as envolvesse. Ou seja, Lalique desenhava as suas jóias e procurava encontrar materiais que se adaptassem à sua criação, dando mais importância à peça e ao seu valor estético e artístico, do que ao seu valor material.7 O seu fabuloso sentido estético permitiu-lhe criar conjuntos harmoniosos em que as especificidades de cada material eram realçadas, tanto pelas suas qualidades próprias, como pelo aspecto global da peça.8 As jóias de Lalique mostram ser mais do que uma mera junção de elementos preciosos, pois reflectem um grande apuramento estético e estão envolvidas numa aura mística e poética, por vezes teatral. Uma aura que emana das imagens de “(...) criaturas cheias de espírito de um mundo intermédio, carregadas de simbolismo, a que foi dada forma pelo trabalho com materiais requintados.”9 O exotismo e a excentricidade são características inatas a estas jóias, que, aliadas à mestria técnica do artista, se tornaram no motivo principal do seu sucesso. Assim, René Lalique não produziu apenas jóias, ele criou obras de arte. As suas peças, para além da função decorativa, alcançam um patamar superior na escala artística, equiparando-se às grandes esculturas e, tal como a Arte Nova pretende, derrubam a barreira entre as artes maiores e menores. “«Jóias» que rivalizam com o fulgor das estrelas, que tornaram realidade a poesia, a música e a filosofia da vida da época de modo perfeito – assim é a fabulosa joalharia criada pelo joalheiro René Lalique.”10 A sua fama consolidou-se aquando da Exposição Universal de Paris, em 1900, onde a sua montra cativava todos os que por ela passavam. O joalheiro realizou também algumas peças para Sarah Bernhardt, uma estrela de teatro da época que trabalhou com

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Vd. WOLF, Norbert – Art Nouveau, Munique: Prestel Verlag, 2015,p. 80. Vd. CARVALHO, Rui Galopim de – Palestra As Pedras Preciosas no Tempo: Cartier e Lalique, 2015. 8 Cf. MADSEN, Stephan Tschudi – Art Nouveau, pp. 156-157. 9 Cf. FAHR-BECKER, Gabriele. – A Arte Nova, p. 87. 10 Cf. Ibidem. 7

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outros importantes artistas do movimento Arte Nova, como Alphonse Mucha, e que terá ajudado na divulgação da sua obra. A «divina» Sarah foi também um contacto comum entre Lalique e Gulbenkian.11 Mais tarde, Lalique adaptou-se às indústrias de produção em massa e modernizou o seu processo de trabalho. Neste sentido, dedicou-se às obras em vidro, realizando diversos modelos de objectos decorativos e utilitários, sobretudo vasos. Através destas criações o seu estilo também foi actualizado, tornando-se mais rectilíneo e afastando-se da organicidade. Assim, Lalique abriu as portas do movimento Art Déco.

Fig 2. – Peitoral Serpentes, c. 1898-1899, René Lalique (1860-1945), ouro e esmalte; 21 x 14,3 cm, Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa. Fonte: Arquivo Fotográfico do Museu Calouste Gulbenkian

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Vd. LEITE, Maria Fernanda Passos – René Lalique no Museu Calouste Gulbenkian, p. 23.

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