Representações Medievais Femininas

June 3, 2017 | Autor: Anna Esser | Categoria: Chaucer, Medieval Women, Medieval Women and Gender
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II ENCONTRO DE HISTÓRIA DA UGF Organizadores Prof. Dr. Adriano Rosa Prof. Ms. Artur Malheiro Profa. Dra. Carolina Coelho Fortes Profa. Doutoranda Márcia Teixeira Cavalcanti Prof. Dr. Sergio Chahon Prof. Mestrando Wendell dos Reis Velloso

25 a 27 NOVEMBRO

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FICHA CATALOGRÁFICA (Catalogado na fonte pela Biblioteca Central da Universidade Gama Filho) MF

Encontro de História da Universidade Gama Filho (2. : 2013 nov. 25-27 : Rio de Janeiro, RJ) Atas do II Encontro de História da Universidade Gama Filho / Organização de Adriano Rosa da Silva, Artur Malheiro, Carolina Coelho Fortes, Márcia Teixeira Cavalcanti, Sérgio Chahon e Wendell dos Reis Veloso. — Rio de Janeiro : Editora Gama Filho, 2013. 629p. : fot.

ISBN 978-85-7444-103-0 Inclui bibliografia.

1. História – Congressos. I. Silva, Adriano Rosa da. II. Malheiro, Artur. III. Fortes, Carolina Coelho. IV. Cavalcanti, Márcia Teixeira. V. Chahon, Sérgio. VI. Veloso, Wendell dos Reis. VII. Universidade Gama Filho. VIII. Título. CDD – 906

Capa, Projeto Gráfico e Diagramação André Luiz Santos

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SESSÃo 5 História Militar 162

Atuação da Marinha do Brasil na Batalha do Atlântico Andre Luiz Melo Tinoco Nogueira (UGF)

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o Correio Aéreo Militar (1931-1941) Prof.ª Karen da Silva Barros (UFF)

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o 31° corpo de voluntários da pátria na Guerra do Paraguai Roberto Cesar Medeiros Ferreira (UGF) SESSÃo 6 História Antiga e Medieval

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Representações Medievais Femininas Prof.ª Ms.ª Anna Beatriz Esser dos Santos (UFRJ)

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A morte dos não batizados n’A Divina Comédia Bruno Brandão Silva (Faculdade Saberes)

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os Livros de Horas da Real Biblioteca Portuguesa Prof.ª Mestranda Maria Izabel Escano (UFRJ) SESSÃo 7 História Moderna

205 As relações sociais e os jogos políticos de um provedor da Fazenda colonial Prof.ª Mestranda Ana Carolina da Silva (UNIRIO) 213 “E que se divida a terra não somente pelos espaços geográficos, mas, pelos aspectos exteriores dos corpos e, principalmente das faces, dos diversos povos do mundo” Prof. Doutorando Bruno Silva (UFF) 221

As Comedias de la privanza e a problemática do valimento no teatro ibérico do século XVii: um estudo sobre Lope de Vega e Francisco de Quevedo Prof.ª Mestranda Karenina do Nascimento Rodrigues (UFRRJ)

228 Pensamento ilustrado e educação nas gravuras moralizantes de William Hogarth na inglaterra do século XViii Prof.ª Mestranda Laila Luna Liano de León (UFF) 236 A imagem da ambição e da soberba: o discurso sobre a privança em Portugal no século XVii Prof.ª Mestranda Ligia Castellano Pereira(UFRRJ)

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Representações Medievais Femininas Prof.ª Ms.ª Anna Beatriz Esser dos Santos (UFRJ) 1

O Objetivo desta apresentação é analisar as representações feitas pelas mulheres medievais inglesas, aliando-as com a análise da época por nós estudada em nossa pesquisa, a Inglaterra do século XIV, época na qual Geoffrey Chaucer escreveu o The Canterbury Tales2 , obra que apresenta diversos tipos sociais, inclusive apresenta representações sobre as mulheres medievais inglesas. Quando nos referimos a caracterizações de mulheres, entendemos a importância de analisarmos as construções de identidade e, consequentemente, a idealização de todo um conjunto de expectativas e funções de cada papel social. Enquanto uma categoria e construção social, a noção de gênero refere-se aos papéis veiculados por uma sociedade, que regem comportamentos predeterminados como sendo apropriados e característicos de homens e de mulheres. Essa concepção se encaixa em nosso trabalho, pois na sociedade medieval temos a representação do conjunto de características esperadas para um homem nobre, religioso ou camponês, assim como as expectativas para as mulheres dessa sociedade. O processo de categorização inscrito no processo social de construção das identidades constitui-se pela diferenciação entre os grupos a que se pertença, mas também pela integração, sendo estes processos, de diferenciação ou integração, simultâneos, manifestados por práticas de aproximação e distanciamento relativo às situações sociais. Entendemos que diversas representações sobre as mulheres (e sobre os homens também) foram sendo construídas ao longo da Idade Média e estabelecem um conjunto de relações de expectativas. A desigualdade de gênero, como outras formas de diferenciação social, se relaciona a um fenômeno instituído social e culturalmente, que se processa no cotidiano de forma quase imperceptível e, com isso, acaba sendo disseminada: os sistemas de diferenciação social como o gênero, têm como objetivo o exercício e manutenção de poder. Utilizamos em nossas análises a literatura. E na literatura temos diversos exemplos de estruturação das representações que foram sendo disseminadas ao longo dos séculos e que ajudaram na construção de um imaginário do que é ser mulher. Os relatos bíblicos sobre a tentação e o pecado original forneceram as bases para a idealização do feminino3. A construção da imagem das mulheres no decorrer dos séculos é 1 2

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Mestre em História pelo Programa de Pós Graduação em História Comparada (IH/UFRJ). CHAUCER, Geoffrey. os Contos da Cantuária. Tradução de Paulo Vizioli. São Paulo: T.A. Queiroz, 1988. CHAUCER, Geoffrey. The Canterbury Tales. Tradução de Nevill Coghill. Londres: Penguin Books, 1975. MEDEIROS, Sooraya Karoan. A imagem das mulheres. In: MEDEIROS, Sooraya Karoan. Lamurientas, faladeiras e mentirosas?: estudo sobre a condição social feminina no quatrocentos português. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, 2009, p. 63

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iniciada com os erros de Eva, que não só se condenou, mas também carregou Adão junto em sua desobediência a Deus: “O principal papel que a mulher (Eva) tem no Antigo Testamento é o de instrumentum diaboli, um instrumento que causa a perdição do gênero humano, resgatado depois pela descida do Salvador.”4 No Velho Testamento, a visão da mulher enquanto instrumento diabólico é um componente presente na religião judaica e depois na cristã. Há, por exemplo, o caso de Sansão, que, por meio das artimanhas femininas de Dalila, arca com a morte de vários filisteus; ou Salomão, que se ajoelha diante de um falso ídolo por uma mulher. Esse perigo representado pela mulher tentadora se enquadrava em uma noção cultural em que a mulher assumia um papel subordinado ao homem. Os perigos a evitar são a traição da religião tradicional e também a perdição, o desencantamento do desejo e a impureza que conduz ao inferno5. Nos primeiros séculos do Cristianismo, se desenvolve um topos de visão feminina que aparece no contexto do monarquismo ascético, desenvolvido a partir do século III no Egito. A exemplo disso, temos a vida de Santo Antônio, em que depois de o Diabo tentá-lo com riquezas, alimentos, traz “a arma mais eficaz (…) aos jovens: a luxúria”6, com vistas à fazê-lo abandonar a sua solidão voluntária e o afastamento dos pensamentos sórdidos através da oração. Esta visão da mulher pecadora, seja o Diabo encarnado ou de uma mulher em pecado, aparecem frequentemente nas histórias das vidas dos monges e anacoretas. Uma nova representação é dada no Novo Testamento, onde há Maria Madalena, que é a pecadora arrependida, a que se redime. Vemos que as atitudes de Jesus para com a mulher estrangeira (samaritana), a adúltera (depois associada à Maria Madalena) condenada ao apedrejamento, eram de igualdade e compaixão. No tocante ao ideal de conduta feminina, os clérigos transmitiam suas idéias através de pregações, especialmente com o surgimento das ordens mendicantes, cuja principal tarefa era pregar. No século XIII, enfatizavam-se os exempla, pequenas histórias baseadas em lendas ou no cotidiano, que serviam de base para a pregação. Estes pregadores empenhavam-se em atacar a vaidade feminina e a infidelidade, pondo em oposição virtudes necessárias, como a castidade e a obediência7. Com a ascensão da burguesia, surgem tratados voltados para assuntos bastante práticos, ensinando a mulher a ser submissa ao marido e saber governar a casa. Ao longo dos dois últimos séculos da Idade Média, o pensamento da burguesia ascendente caracterizou boa parte da literatura desse período, com extremas críticas à personalidade da mulher8. Sentimentos como a vaidade, a ambição e a ingratidão caracterizavam diversas personagens de obras de 4 5

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PILOSU, Mário. A mulher, a luxúria e a igreja na idade Média. Lisboa: Estampa, 1995, p.29 DUBY, Georges. A mulher, o amor e o cavaleiro. In: DUBY, Georges. (Org). Amor e sexualidade no ocidente. Lisboa: Teramar, 1991, p .226. Ibdem, p.33 LEITE, Márcia Maria da Silva Barreiro. Representações femininas na idade média: o olhar de Georges Duby. Sitientibus, Feira de Santana, n.1, jul/dez 1999, p. 43. VAUCHEZ, André. A espiritualidade na idade Média ocidental. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995, p.149.

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autores da época. Muitas obras foram elaboradas com o intento de ilustrar os infortúnios que assinalavam a vida de um homem casado com uma megera. Além dessas, temos a figura que exemplifica a representação máxima de virtude: Maria, Mãe de Jesus, que se mostrou um exemplo de resignação, boa conduta e amor à Deus, pois enfrentou todas as adversidades para dar à luz e criar o Salvador, aquele que guiaria os homens – resgatando, assim, os pecados cometidos por Eva. Dessa forma, “a mulher não será, portanto, mais o instrumento material através do qual se exerce a tentação de Satanás: a Virgem resgatou o pecado original de Eva, a primeira tentadora, e a mulher já não é considerada perigosa como tal.”9 Na Inglaterra, também existem formas particulares de se verificarem os papéis sociais das mulheres. Normalmente se pensam as mulheres medievais em categorias extremas, baseadas em Eva ou em Maria, e até hoje a historiografia sobre mulheres no medievo está pautada nessas duas visões opostas de mulher: “se torna claro que nem a poço nem o pedestal – ou, de fato, o vasto espaço entre esses dois – podem descrever adequadamente o que significava ser uma mulher na Inglaterra de Chaucer.”10 Entendemos que, assim como em nossa fonte, essas representações de mulher se baseavam em Eva, em Maria Madalena ou na Virgem Maria, mas também as ultrapassavam, e muitas vezes mesclavam as características de uma ou outra em uma só personagem. Já que analisamos as mulheres inglesas da época de Chaucer, que foram por ele escritas, é necessário entender essas mulheres na história política inglesa, que é pautada em tradições. Por exemplo, as Rainhas Regentes, algo que só ocorreu uma vez em 1135 e tornou esta prática aceita em teoria, mas nunca mais praticada de fato. Todavia, as Rainhas Consortes tinham um papel importante no reinado, aliadas a um conjunto de expectativas que fariam determinada rainha bem ou malquista pela corte. Neste sentido, Judith Bennet cita a rainha da época de Chaucer, Anne of Bohemia. O motivo para que a memória de Anne tenha sido positiva foi seu sucesso exercendo um papel de intercessão, como conselheira do rei. E, segundo a autora, o papel de intercessora foi “a função definitiva das Rainhas Inglesas no final do século XIV”11. As rainhas eram responsáveis por interceder e ajudar o rei a reinar com sabedoria e justiça. E, neste momento, percebe-se mais um ponto interessante na análise de Bennett: a autora afirma que a intercessão não era algo particular das rainhas, mas havia também a noção de que toda esposa teria o papel de interceder nas atitudes de seu marido para levá-lo à bondade, ao trabalho, à caridade e à paz. Podemos lembrar que o papel de intercessora, assim como o da esposa fiel, nos remete à representação da Virgem Maria. 9 10

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PILOSU, Mário. op. Cit, p.32. “It becomes clear that neither the pit nor the pedestal – nor, indeed, the vast space between the two – can adequately describe what it meant to be a woman in Chaucer’s England.” (Tradução nossa) In: BENNETT, Judith. Queens. Whores and Maidens: Women in Chaucer’s England. London: Royal Holloway, 2002, p.7. “the defining function of late fourteenth-century English queenship” (Tradução nossa) In: BENNETT, J. M. op. Cit., p.12..

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Outra representação que podemos analisar são as prostitutas, uma vez que The Canterbury Tales mostra que a peregrinação se inicia em Southwark, local que na época tinha a prostituição tão bem estabelecida que no século XV foram escritas leis municipais para regular o comportamento das prostitutas, dos donos de bordéis, dos donos de estalagem e daqueles que usavam os serviços. Bennet defende que a posição da Igreja era encarar a prostituição como um “mal necessário”12 para conter outros males como estupro e homossexualidade. O que caracterizava realmente o papel da prostituta era a promiscuidade e não a troca de sexo por dinheiro. Esta hipótese, também defendida por Ruth Karras13, mostra que era normal que se pagasse pelo acesso à mulher, especialmente às suas habilidades e sua capacidade reprodutiva, já que era costume que a companhia feminina fosse trocada por dinheiro, valores e presentes. E por fim, há a representação da Donzela, especialmente um grupo de mulheres que poderiam permanecer castas para estarem se aproximando dos martírios de Cristo e se estabelecendo como um ideal para Santidade. O que Bennet argumenta é que, apesar de a virgindade permanecer importante na Inglaterra Medieval, ela era suplementada por outros caminhos para a Santidade; ou seja, a Santidade feminina não era necessariamente associada às virgens, mas sim àquelas que se permaneciam castas. Isto se deve ao fato de, na Inglaterra da época de Chaucer, haver um grande número de mulheres que não eram casadas, mas não eram necessariamente virgens; a maioria casava mais tarde e vivia parte da vida de maneira quase independente: sem precisar morar com os pais, ganhando seu próprio dinheiro e tendo bens. Outras poderiam passar a vida toda sem se casarem e sem supervisão de um homem (de acordo com o censo em 1377).14 As reflexões que elaboramos ao longo deste trabalho apresentaram noções muitas vezes dicotômicas entre as representações elaboradas pela Igreja e pela sociedade medieval e aquelas que sugiram através de nossa análise das fontes. As primeiras foram durante muito tempo analisadas e largamente discutidas pela historiografia, onde a noção de mulher era aquela submissa, e a que deveria representar expectativas baseadas em grandes representações de mulheres bíblicas. Em nossos Contos, podemos inferir não somente a quebra com esta noção, mas também uma nova articulação feminina. Através de nossa análise dos Contos, refletimos sobre novas representações de mulher, diferente daquelas lidas e legitimadas por uma sociedade trifuncional veiculada pela Igreja. Como suporte para nossa análise, utilizamos, dentro deste conto, as representações do autor sobre a atitude da mulher em relação à um novo contexto social na Inglaterra do século XIV. As representações são fruto de um processo histórico, no qual as relações culturais têm um papel essencial. Elas também não são grandes blocos engessados, mas parte de um grupo de fatores que passam por escolhas, significações e estratégias. A cultura trata sobre o modo com 12 13

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“as a necessary evil” (Tradução nossa) In: BENNETT, J. M. op. Cit, p.16. Em seu estudo sobre prostituição em Chaucer. KARRAS, R. Commom women: Prostitution and Sexuality in Medieval England. New York: Oxford University Press, 1996, p.131. MISKIMIN, Harry. . A Economia do Renascimento Europeu (1300-1600). Lisboa: Estampa, 1998, p. 301.

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o qual nos relacionamos com o mundo e isso se opera através da linguagem e pela atribuição de sentido através dos símbolos. E, ao optarmos por verificar as mulheres dos Contos com base nas representações, entendemos que foi possível analisar as mulheres em suas nuances. Verificamos que a sociedade de Chaucer possui uma configuração social marcadamente diversa daquela vigente no período feudal. Devemos considerar a ascensão material do burguês, e também o enfraquecimento dos laços de servidão que dá margens ao aparecimento de novos grupos sociais e fragiliza a nobreza senhorial. Além disso, há a progressiva centralização do poder empreendida pela monarquia inglesa, que se utiliza da força econômica da burguesia de forma a atingir seu objetivo de alcançar maior concentração de poder. A Igreja ainda era interpretada como a organização legítima da sociedade porque permitia a instituição mediadora das relações dos homens para com Deus. Portanto, veiculando representações da realidade, no sentido de explicá-la e legitimá-la enquanto tal, a Igreja agia com o objetivo de manter uma situação na qual sua posição era hegemônica. E, detendo tal posição dentro da Cristandade, vemos que, no nível simbólico, as representações veiculadas por ela tinham o estatuto de oficiais, sendo legitimadoras da ordem feudal anteriormente vigente. Ao nos atermos à situação da Igreja no século XIV, entendemos que ela passa por um período de crise. Esta se revela dentro da instituição, com as perdas humanas ocasionada pela Peste Negra com a longa ruptura ocorrida no interior do papado – o Cisma do Ocidente. Tal crise interna se reflete na imagem de guia espiritual que a Igreja detém e acaba por criar na Cristandade um sentimento de orfandade espiritual. Além disso, a prática mundana de seus membros que se desviava progressivamente da palavra cristã por eles pregada, cria um contexto de descrença no clero, estimulando uma religiosidade independente de sua mediação espiritual. No mesmo sentido, há um conjunto de mudanças à partir do século XII, com o surgimento de novas ordens voltadas para a prática da assistência aos necessitados e o contato com os mais pobres. Neste mesmo período cresce também o culto mariano e a consequente mudança no escopo de visão feminina, tirando a mulher da visão de ser somente um instrumento de erro e dando à mulher a visão de intercessora. O autor que utilizamos, Geoffrey Chaucer, torna-se, em nosso trabalho, o elemento representante das transformações sociais ocorridas na Cristandade durante a Baixa Idade Média. Como poeta da Corte, ele escreve a obra na qual ele procura retratar a sociedade em que vive. Mostra que a literatura pode ser uma fonte a estudar os elementos de uma sociedade e cultura. Para isto precisa-se entender o que o autor verificou em seu tempo, as suas influências e acontecimentos marcantes de sua época, os atores sociais que ele observava; e assim, perceber como este autor passou para um texto escrito suas impressões, passíveis de erros, abstrações, anacronismos e críticas. Chaucer representa em seus Contos toda a complexidade e variedade social da Inglaterra do quatrocentos com o objetivo de legitimar o espaço burguês (do qual faz parte), já há muito tempo integrado ao plano social. Por isso, à partir da análise dos Contos selecionados, foi 189

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possível entender alguns elementos que permeavam a rotina, a mentalidade e a vida das pessoas da época. Trabalhar com uma fonte literária como os Contos da Cantuária propicia uma visão bastante peculiar sobre o tema a ser estudado; é uma forma de perceber que haviam pessoas reais naquele tempo, e não apenas um ser imaginário, produto de especulações; é possível verificar a existência de pessoas que tinham opiniões, que interagiam umas com as outras que viviam e apreendiam informações através do ambiente em que viviam. Este trabalho abordou sobre os percalços de se pesquisar os cotidianos femininos na Idade Média e de se atribuir conceitos muito gerais a esses estudos sem se deixar levar pela subjetividade ao estudar tais casos. O pesquisador não consegue ser completamente imparcial, visto que ele é fruto de seu ambiente, de suas relações pessoas e de suas experiências; contudo o historiador deve buscar se despir do indivíduo contemporâneo ao analisar as realidades culturais e sociais dos indivíduos do passado. Propomos, entre os dois grandes blocos onde as mulheres poderiam se encaixar entre duas imagens ou condições sociais extremas, inferir que talvez os ideais fornecidos pela Igreja fossem postos em prática, de acordo com as condições materiais das épocas e locais e não como elemento determinante para compreensão da condição social feminina, pois esta era não somente consequência do aspecto religioso, mas também do contexto social vivido. Procuramos assim, em nosso trabalho, mostrar que as mulheres na Idade Média não estavam fixadas em padrões globais; estavam elas imersas em conflitos cotidianos frente a tais grandes representações que as encaixavam em padrões discursivos restritos. O que buscamos mostrar aqui foi que o feminino, como uma série de representações que se articulam umas às outras e com as demais dinâmicas e grupos sociais, é uma temática vasta para ser explorada, riquíssima e que demanda crescentes estudos que problematizem a história da mulher na Idade Média. Nossa pesquisa toma por foco essa direção, que consideramos relevante dentro dos estudos medievais, em um contexto atual de grandes transformações no qual as mulheres cada vez mais ocupam lugar de agentes na produção de conhecimento, e de uma realidade social atual que crescentemente busca sustentar suas bases na igualdade de direitos, com pressuposto constitutivo para além das diferenças de gênero, mas na diferença em si, como marca ontológica dos indivíduos em sociedade, independente de grupos e de interesses a eles ligados.

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