Representações sobre o espaço criativo: estudo de caso na cidade de Natal (RN/Brasil)

June 30, 2017 | Autor: C. Rn | Categoria: Creative City, Brasil, Cidades criativas
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Representações sobre o espaço criativo: estudo de caso na cidade de Natal (RN/Brasil) Fernando Manuel Rocha da Cruz Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) [email protected]

1. Espaços e Cidades Criativos O conceito de “cidade criativa” foi interpretado, inicialmente, como refere Landry (2011, p. 10), como o lugar onde os artistas possuíam uma ação relevante e onde a criatividade se destacava de tal modo que caracterizava o espírito da cidade. Porém, as indústrias criativas vieram aos poucos definir identidades urbanas e ocupar o centro dos debates. Finalmente, a existência de uma grande “classe criativa” foi vista como indicador primordial de cidade criativa. (LANDRY, 2011, p. 10) Ao mesmo tempo, meu próprio entendimento era de que uma cidade criativa deve ser criativa por completo, de modo transversal a todos os campos, muito além das indústrias criativas ou da presença de uma classe criativa. Minha lógica tem sido que os outros setores ou grupos, como a classe criativa, só podem florescer quando a administração pública é imaginativa, onde há inovações sociais, onde a criatividade existe em áreas como saúde, serviços sociais e mesmo política e governança. (LANDRY, 2011, p. 10) A cidade criativa implica, conforme discorre Landry (2011, p. 10), uma esfera ou ambiente criativo procurando estimular a abertura a novas ideias, a imaginação e a participação pública e não somente a reunião de setores criativos no espaço urbano. Procura-se assim atuar e repensar, a partir desta ideologia, novas formas de cultura organizacional. Isto exige a criação de novas condições para que o pensamento, o planejamento e a ação sejam colocados em prática criativamente na resolução dos problemas urbanos. Daí que todas as cidades possam ser criativas, ainda que algumas o sejam de forma mais integral como acontece com Londres, Nova Iorque ou Amesterdã. (LANDRY, 2011, p. 10-13) Uma infraestrutura criativa é uma combinação de hard e soft, incluindo a infraestrutura mental, o modo como a cidade lida com oportunidades e problemas, as condições ambientais que ela cria para gerar um ambiente 1

e os dispositivos que fomenta para isso, por meio de incentivos e estruturas regulatórias. (LANDRY, 2011, p. 14) Desse modo, a cidade precisa abranger para além dos equipamentos e infraestruturas físicas, uma cultura geral de empreendedorismo dinâmico com pessoas altamente qualificadas, capacitadas e flexíveis, capazes de aceitar personalidades díspares no seio de equipes, perseverantes e dispostas a correr riscos, com comunicação e participação intensa em redes locais, nacionais e internacionais, tanto ao nível social como econômico. A cidade criativa precisa de ser entendida de modo global, dinâmico e processual, através das redes que a constituem. Nesta, a criatividade exige o aproveitamento intenso de seus recursos, nomeadamente de seus recursos culturais onde a história dos lugares e a evolução cultural da urbe assumem particular destaque. (LANDRY, 2011, p. 14-15; 2008, p. 4-6) Nesse mesmo sentido, Martel: A Disney se alia ao prefeito republicano de Nova York, famoso pelo conceito de "tolerância zero", para revitalizar a Broadway com interferência policial, econômica e de entretenimento para a família. Todas as sex-shops são fechadas por decreto municipal, grandes lojas turísticas são abertas com a ajuda de subvenções públicas (entre elas a maior Virgin Megastore do mundo, uma loja Gap e um imenso hotel Marriott) e também são recebidas sedes de grandes multinacionais de entretenimento e de redes de televisão, em troca de deduções fiscais. Com isso, a Disney transforma-se no mascote da operação, com tudo que seu simples nome pode representar a bem da causa da família e da higienização programada da nova Times Square. (MARTEL, 2012, p. 76) A teoria do capital criativo, enunciada por Florida (2011a, p. 223), procura explicar o crescimento regional pelas opções geográficas dos titulares de capital criativo por elegerem lugares diversificados, tolerantes e receptivos a novas ideias. Para este autor, o lugar está se tornando o elemento organizador e responsável pelo crescimento econômico, substituindo o papel histórico das grandes corporações. (FLORIDA. 2011a, p. 224) Desse modo, propõe o Índice de Criatividade combinando quatro fatores, todos eles com o mesmo peso: •

A proporção de trabalho que cabe à classe criativa;



O grau de inovação traduzido pelo número de patentes per capita;



O Índice de Alta Tecnologia, de acordo com o Tech Pole lndex, do Milken lnstitute;



A diversidade medida pelo Índice Gay. (FLORIDA. 2011a, p. 244-245)

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Como bem enumera Borja, nas cidades, a modernidade exige inovação, criatividade, predisposição para a mudança, flexibilidade, tolerância, curiosidade intelectual, troca, imaginação e múltiplos conhecimentos, para além de uma certa transgressão. (BORJA, 2009, p. 19) Para Rotem (2011, 139-140), a criatividade humana deve propiciar a existência de ambientes “estimulantes” para todos os cidadãos, em vez de o ser para uma pequena camada populacional, muitas vezes, transitória ou mesmo, momentânea. Para essa autora, o espaço público não deve ser pensado em função de “pessoas criativas”, mas como esse espaço pode fomentar a criatividade tanto para aqueles que são mais criativos, como para os que o são em menor grau. Partindo do conceito de publicness que se define como “o estado e a qualidade do espaço público”, essa autora reflete sobre a viabilidade e a vitalidade do lugar, seu etos e ambiente. Desse modo, entende que a viabilidade de um lugar é explicada por suas características físicas como organização, tamanho e design. Por outro lado, explica a publicness pelo “perfil das atividades” que variam, entre outras, em termos de importância, motivação, extensão, padrão de repetição. Finalmente, conclui que há que atender ao tipo de mentalidade das pessoas quando se encontram no espaço público participando em atividades públicas. Assim, uma mentalidade – ativa – é “voltada ao externo, engajada, consciente, produtiva e potencialmente criativa”. Já uma mentalidade indiferente, é voltada às práticas rotineiras e necessidades comuns. E finalmente, uma mentalidade ausente, verifica-se quando as pessoas estão isoladas do público. (ROTEM, 2011, p. 140-141) Seixas e Costa (2011, p. 70) identificam três grandes vertentes na relação entre criatividade e a promoção de desenvolvimento urbano. A primeira diz respeito à ideia de necessidade de criatividade no desenvolvimento de ferramentas para o desenvolvimento urbano nomeadamente nos novos contextos socioeconômicos e culturais. A segunda vertente centra a sua atenção nas atividades e setores criativos como base estrutural do desenvolvimento urbano. A última vertente defende a necessidade de atrair e sustentar atividades e competências criativas e baseadas no conhecimento e inovação. A concentração de atividades de uma mesma fase produtiva em um determinado território permite uma nova forma de organização da produção caracterizada pela flexibilidade e pela terceirização. Estes atributos são favoráveis à inovação. Para as empresas, esta proximidade implica uma redução de custos quer de transação, quer de interação. (VIVANT, 2012, p. 65) A mobilidade interempresarial dos trabalhadores é, ao mesmo tempo, um modo de circulação das informações e dos métodos de trabalho, um modo de socialização para os trabalhadores e um modo de construção 3

da confiança entre parceiros que frequentemente se cruzam. (VIVANT, 2012, p. 66) Bertacchini (2011, p. 73), a propósito da cidade de Turim (Itália), explica que o objetivo na criação de distritos e clusters criativos era conceber um círculo vicioso entre consumo e produção de bens e serviços culturais, tendo por base uma infraestrutura cultural, composta por eventos e locais dedicados a essas atividades. Porém, como estes espaços criativos são menos vocacionados a se fundarem espontaneamente, entende este autor que é necessário a existência de políticas públicas dirigidas às questões culturais, ainda que ajustadas às fontes e ativos culturais locais. A eficácia dessas políticas depende de uma visão a longo prazo por parte dos agentes envolvidos, mas também da coordenação e alinhamento das administrações locais que se sucedem no tempo, independentemente da sua orientação política, na necessária regeneração urbana e regional. (BERTACCHINI, 2011, p. 73-74) O maior desafio, como era de se esperar, é encontrar um equilíbrio entre as abordagens top-down e bottom-up, entre explorar germes preexistentes de vitalidade cultural e introduzir na ecologia urbana novas sementes promissoras, embora ainda não adaptadas. (BERTACCHINI, 2011, p. 73) Esse equilibrio entre top-down e bottom-up, é particularmente importante para uma cidade criativa, visto que as áreas criativas necessitam de ter na base comunidades com alto índice de capitais social e institucional, o que não se alcança unicamente com intervenções top-down. Por outro lado, há que ter em atenção que é normalmente no centro da cidade que se localizam as áreas mais atraentes e criativas, já que a periferia beneficia em menor grau das políticas culturais. Desse modo, é necessário se pensar na expansão dessas políticas culturais para a perfiferia, onde se pode encontrar uma população menos seduzida pelas expressões artísticas e culturais e onde os hábitos de consumo cultural são consequentemente menores. (BERTACCHINI, 2011, p. 74-76) A cidade é o lugar mais propício de encontros e intercambios imprevistos, do acaso, o qual é responsável pela conexão entre atores potencialmente criativos que não estão conetados por necessidade ou proximidade, mas dos quais podem resultar ideias novas ou algo que não estavam procurando. (BORJA, 2009, p. 19-20) Do mesmo modo, Elsa Vivant (2012, p. 8384) entende que um espaço onde tudo está programado e planejado dificulta a ocorrência do “imprevisto”. Uma cidade criativa necessita de espaços onde possam ocorrer práticas não planejadas, as quais só poderão surgir se forem criadas “condições de serendipidade e de 4

criatividade”. A criatividade brota da tensão entre alteridade e encontros imprevistos. (VIVANT, 2012, p. 84-87) Espaços da criatividade artística, os lugares culturais off constituem, ao mesmo tempo, um respiro na cidade, zonas de intemperança, lugares de imprevistos, cenas da marginalidade e surpresas urbanas. Criados por necessidade, descobertos pelo passante durante um passeio, percebidos pelos experts da arte como potenciais locais de integração de jovens artistas promissores, os lugares culturais off representam as virtudes do acaso da cidade. (VIVANT, 2012, p. 84) Os lugares bem-sucedidos oferecem vários atrativos ou opções para pessoas de diferentes grupos etários. Nem todos os eventos culturais se mostram eficaces na atração de pessoas criativas e Florida coloca mesmo em causa que os megaeventos tenham essa capacidade. Para ele (e seu grupo de discussão), é “a cultura vibrante das ruas, o lazer ao ar livre prontamente disponível e uma cena musical de vanguarda” que se mostram eficazes na hora de atrair pessoas talentosas para determinados lugares. (FLORIDA. 2011a, p. 233-260) A cidade criativa é acompanhada da ideia de revalorização dos espaços urbanos deixando para trás os aspectos negativos das cidades industriais. Mas esta cidade continua correndo o risco da cidade dual que rejeita os seus concidadãos em virtude da baixa condição econômica. (VIVANT, 2012, p. 23-24) O artista está amiudadamente ligado à recuperação de bairros tradicionais ou zonas industriais abandonadas quer pela sua iniciativa, quer por se instalar em áreas gentrificadas. Ademais a gentrificação coloca em evidência a revalorização simbólica quer do artista, quer do próprio espaço urbano. (VIVANT, 2012, p. 39-52) Nas duas últimas décadas, diversas cidades conheceram um renascimento notório, que colocou sua vida cultural no seio das operações de urbanismo, por meio da criação de equipamentos espetaculares, de um bairro cultural, da organização de eventos ou, ainda, do reconhecimento e do apoio de novas práticas artísticas. Assim, a cultura é utilizada no quadro de políticas urbanas como ferramenta de valorização do espaço. (VIVANT, 2012, p. 19) Sobre o futuro da cidade há ainda que ponderar as palavras de Borja. Para este autor, a cidade compacta está se prevertendo sob a pretensão de ser competitiva devido à sua ostentação e não pela sua criatividade. O aparato arquitetônico banaliza a cidade e aliena os cidadãos, visto que esta arquitetura de autor se destina a provocar sentimentos de não identidade em vez de

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identificação ou emoção integradoras. Assim, a pós-modernidade surge negando a cidade como lugar de criação. (BORJA, 2009, p. 21) A cidade do conhecimento é o espaço de sinergias daí que as estratégias territoriais para a desenvolver possam ser genéricas ou específicas. No primeiro caso, incluem-se todas aquelas destinadas a melhorar as infraestruituras de transportes e comunicações, centros logísticos, áreas aeroportuárias, bem como, as estratégias de embelezamento da cidade para organização de congressos e conferências, oferta cultural e hoteleira, ambiente urbano, etc. Já as estratégias específicas são aquelas destinadas a favorecer diretamente a produção do conhecimento, sua conexão com o tecido produtivo e a difusão do uso de tecnologias avançadas no conjunto da atividade econômica. Nestas se incluem a transformação de certas áreas urbanas em áreas de economia criativa. (BORJA, 2009, p. 22) Na continuação, Borja (2009, p. 23-24) identifica os elementos que estão presentes, total ou parcialmente, na caracterização de áreas de economia criativa: •

Diversidade de atividades comerciais e de serviços, e boa comunicação com um centro urbano de qualidade;



Potencialidade para adquirir qualidades de nova centralidade urbana, através da oferta cultural e de ócio;



Proximidade de centros universitários e de pesquisa;



Espaço público animado e seguro com densidade de usos diversificados;



Existência de habitação e de diversidade social;



Acessibilidade interna e externa;



Flexibilidade morfológica para usos diferenciados do espaço;



Instalação de atividades geradoras de valor acrescentado;



Representação e visibilidade do global e do local;



Capacidade de gestão do processo de renovação urbana pelo setor urbano com gestão flexível e partilhada com os atores sociais.

Os “bairros criativos” são valorizados pelo seu alto capital simbólico e cultural, para além de atrativos turísticos e boêmios. Nesse sentido, Seixas e Costa (2011, p. 78) concluem que Os espaços alternativos/emergentes são ocupados por classes sociais ou grupos que detêm uma elevada diferenciação (artistas, imigrantes), e na maioria das situações existem em espaços intersticiais/expectantes da cidade institucional e urbanística, com rendas baixas. (SEIXAS; COSTA, 2011, p. 78)

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2. Setores e Indústrias Criativos Nos Estados Unidos, os empregos em setores criativos, aumentaram em 20 milhões e os salários nestes setores atingiram cerca de 2 bilhões de dólares, o que representa metade dos salários em este país. O mesmo se passa em países desenvolvidos do norte da Europa, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e Japão, onde o setor dos trabalhadores criativos representa entre 30 e 40% da população ativa. (Florida, 2011b, p. 166) No Reino Unido, as indústrias criativas representam entre 3% e 4% do emprego total. (BOP CONSULTING, 2010, p. 38) As artes e a cultura sempre foram vistas pela sua dependência dos subsídios estatais e pelo seu fraco impacto na economia. Em meados dos anos noventa, o governo do Reino Unido vem propor uma nova visão destas atividades através do conceito de indústrias criativas. O Grupo de Trabalho para as Indústrias Criativas criado pelo Departamento de Cultura, Mídia e Esporte (DCMS), está na origem da publicação em 1998, de “Mapeamento das indústrias criativas”, e em 2001, de um relatório de acompanhamento. Nesse primeiro documento, o DCMS definiu as indústrias criativas como “aquelas atividades que tem sua origem na criatividade, habilidade e talento individuais, assim como possuem o potencial de criar emprego e riqueza através da geração e exploração da propriedade intelectual”. (BOP CONSULTING, 2010, p. 13-14) Com algumas variações no que diz respeito aos setores considerados como indústrias criativas, esta mesma definição tem sido tomada como referência-padrão nos planos estratégicos e outros documentos governamentais dedicados ao setor em alguns dos países que mais avançaram do ponto de vista da institucionalização da temática, como Austrália, Nova Zelândia e Cingapura. (MIGUEZ, 2007, p. 102) A indústria criativa evidencia, segundo Botelho (2011, p. 84), de forma perseverante a criatividade individual de trabalhadores autônomos e empreendedores que optam por contextos singulares de liberdade e independência. Assim, a indústria criativa se distingue da indústria cultural por preterir o modelo das grandes empresas em favor dos negócios dos pequenos empreendedores autônomos. Por outro lado, o ideal ao nível do planejamento urbano e das cidades criativas se apóia na criação e promoção de clusters para estes pequenos negócios. (BOTELHO, 2011, p. 84-85) No Brasil, as indústrias criativas distinguem-se igualmente das indústrias culturais

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percebemos que os setores criativos vão além dos setores denominados como tipicamente culturais, ligados à produção artístico-cultural (música, dança, teatro, ópera, circo, pintura, fotografia, cinema), compreendendo outras expressões ou atividades relacionadas às novas mídias, à indústria de conteúdos, ao design, à arquitetura entre outros. (BRASIL, 2011, p. 22) ainda assim, e de acordo com Saravia (2011, p. 88), as indústrias culturais reúnem os três seguintes elementos: criatividade, tecnologia e mercado. O Observatório de Indústrias Criativas (OIC) aceita como criativas as atividades e produtos envolvidos em artes cênicas e visuais, audiovisual, design, editorial, música e serviços criativos conexos (informática, games, internet, arquitetura, publicidade, agências de notícias, bibliotecas, museus, entre outros). (CAIADO, 2011, p. 18) Uma das particularidades das indústrias criativas, nos Estados Unidos, é a de se encontrarem bastante dependentes dos investidores financeiros e estarem, por conseguinte, muito sensíveis às oscilações do mercado. (MARTEL, 2012, p. 70) Concluindo, na revisão de literatura sobre o conceito de indústria criativa, Bendassoli et al (2009, p. 13) propõem o agrupamento das características destas em três blocos: o primeiro bloco refere-se a uma forma de produção que tem a criatividade como recurso-chave, que valoriza a arte pela arte, que fomenta o uso intensivo de novas tecnologias de informação e de comunicação, fazendo uso extensivo de equipes polivalentes; o segundo bloco abrange os contornos específicos dos produtos gerados, tais como a variedade infinita, a diferenciação vertical e a perenidade; e o terceiro bloco representa uma forma particular de consumo, que possui caráter cultural e apresenta grande instabilidade na demanda. (BENDASSOLLI et al, 2009, p. 13) Por fim, o Plano da Secretaria da Economia Criativa (Brasil) adota a designação de setores criativos, em detrimento de indústrias criativas, para se referir aos empreendimentos que atuam na área da Economia Criativa propondo como seu conceito: os setores criativos são todos aqueles cujas atividades produtivas têm como processo principal um ato criativo gerador de valor simbólico, elemento central da formação do preço, e que resulta em produção de riqueza cultural e econômica. (BRASIL, 2011, p. 22) Os setores criativos considerados no referido Plano são: •

No campo do Patrimônio: Patrimônio Material; Patrimônio Imaterial; Arquivos; Museus 8



No campo das Expressões Artísticas: Artesanato; Culturas Populares; Culturas Indigenas; Culturas Afro-brasileiras; Artes Visuais; Arte Digital



No campo das Artes de Espetáculo: Dança; Música; Circo; Teatro



No campo do Audiovisual/do Livro, da Leitura e da Literatura: Cinema e Vídeo; Publicações e Mídias impressas



No campos das Criações Culturais: Moda; Design; Arquitetura. (Brasil, 2011, p. 29)

3. Natal, cidade criativa? Na nossa pesquisa sobre a cidade de Natal, no estado do Rio Grande do Norte (Brasil), propusemos a nossos (34) alunos de Tópicos VII: Políticas Públicas para o desenvolvimento da economia criativa, a maioria alunos da graduação de Gestão de Políticas Públicas, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, na cidade de Natal, que respondessem a quatro questões1: 1) Natal é uma cidade criativa? Justifique. 2) Que bairro(s) de Natal considera mais criativo(s)? 3) Que setores ou profissões criativos se destacam em Natal? Justifique. 4) Que papéis desempenham ou podem desempenhar as Políticas Públicas sobre “Natal, cidade criativa”? Justifique.

3.1) Natal, cidade criativa? Quando questionados sobre se Natal pode ser considerada uma cidade criativa, verificamos que são díspares as respostas, pelo que poderíamos dizer que metade confirma Natal como cidade criativa enquanto a outra metade nega essa possibilidade. Obtivemos 13 respostas positivas mais 4 respostas que admite parcialmente essa possibilidade. Contudo, 17 respostas foram negativas embora se verifique que alguns confundem criatividade com originalidade. Mas, atentemos a algumas respostas que conferem o título de cidade criativa a Natal.

Do ponto de vista dos eixos que delimitam as atividades criativas, Natal pode ser considerada uma cidade criativa, pois desempenha atividades culturais de cunho local ou importado e consegue dinamizar a economia em torno destas atividades. Além disso, há produção de conhecimento que faz desenvolver produções artesanais e audiovisual diferente das que são produzidas nos grandes centros. (Kayck Araújo)

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Questionário aplicado a 25 de setembro de 2013.

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Sim, pode-se dizer que Natal é uma cidade criativa. Isso pode ser afirmado a partir das definições de criatividade, as quais dizem que é trazer algo de diferente para uma determinada localidade. Alguns exemplos a serem citados são o Circuito Cultural Ribeira, que traz vasta programação artística gratuita no primeiro domingo do mês. Ainda que não seja o tipo de programação mais lucrativa (em termos de entretenimento), ela é bastante frequentada. Outro tipo de programação são os pequenos carnavais de rua e o “Agosto da Alegria”, uma versão maior do Circuito Cultural Ribeira (iniciativa privada) e feita a partir da iniciativa pública. (Natália Farkatt) Em sentido contrário, atentemos a algumas das respostas que para além de negarem o título de “cidade criativa” a Natal, reconhecem potencialidades.

Num contexto geral, não. Embora a cidade tenha um potencial natural a ser explorado pela indústria criativa, principalmente ao que se refere na questão turística. Não existe na cidade algo que se destaque nesse sentido. Apenas alguns pontos dispersos. (Thiago Silva) Não, visto que não existe uma actividade com peso econômico grande do setor criativo porém há potencial para ser explorado. (Renato Lima) Não. Na minha opinião a cidade tem potencial a ser criativa mas tal potencialidade não é aproveitada, tem bons espaços ambientais, tem uma história rica que poderia ser utilizada de forma de desenvolvimento econômico por meio da cultura. Só o seu nome já poderia ser utilizado de forma criativa, se aproveitaria seu potencial turístico principalmente no verão com o período natalino e fazem de Natal a capital nacional ou quem sabe até mundial da comemoração natalina. (Aline Rocha)

3.2) Bairros criativos em Natal Independentemente da questão anterior, relativa à representação da cidade de Natal como cidade criativa, questionamos aos nossos entrevistados sobre os bairros mais criativos de Natal. Desse modo, verificamos que a Ribeira foi o bairro com mais menções devido às atividades culturais aí desenvolvidas. Ponta Negra foi o segundo bairro considerado mais criativo dada a sua ligação ao turismo e ao artesanato. O terceiro bairro mais criativo de Natal é o bairro do Alecrim devido à diversidade da actividade comercial e de serviços (cfr. Tabela 1).

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Bairros Alecrim Bairros litorâneos Centro da Cidade Cidade Alta Felipe Camarão Lagoa Nova Neópolis Petrópolis Ponta Negra Ribeira Santos Reis Tirol Zona norte Nenhum Todos Zona sul de Natal

Nº de menções 9 1 1 1 1 1 1 1 13 20 1 1 1 2 1 1

Tabela 1 – Bairros criativos de Natal. Elaboração própria.

Vejamos também alguns excertos das declarações prestadas. O bairro que me parece mais criativo na cidade de Natal é o bairro da Ribeira. Ele usa de seu potencial histórico para promover a cultura não só da cidade, mas regional. O bairro é palco de inúmeros eventos culturais durante o ano, abriga museus, galerias de arte, centros culturais e memoriais. Além disso, faz parte do centro cultural histórico de Natal e é parada obrigatória para o turista que quer conhecer a cidade. (José Igor Mulatinho) Ribeira, Vila de Ponta Negra e Ponta Negra. No primeiro bairro, a produção e atuação musical são diariamente utilizadas na produção cultural. Assim como a existência de teatro que atrai um contingente de pessoas. No segundo existem produções artesanais simples que são vendidos aos turistas. No terceiro são encontrados restaurantes que dependem da criatividade de que cria seus pratos para a degustação. (Kayck Araújo) Pelo meu ponto de vista é o bairro do Alecrim, devido à multiplicidade de espaços com os mais variados segmentos de varejo, saúde, religioso, alimentício dentre outros. (Melquizedeque Nascimento) Considero como mais criativo os bairros do Alecrim e Ribeira. O primeiro pela quantidade de pessoas que são atraídas todos os dias pelo comércio e a variedade desse comércio. A tradicionalidade e a história do bairro também são bem 11

interessantes e sempre retomadas pelo teatro local. A Ribeira por ser um bairro histórico que apesar das dificuldades encontradas, ainda existe um esforço no resgaste da cultural e sua preservação. (Manuella Sobrinho) A mídia tem destacado o bairro de Ponta Negra, com seu monumento natural “Morro do Careca”. Bairro de atração turística, cartão postal de Natal, o que favorece o desenvolvimento das atividades criativas (arte, artesanato, propaganda, pintura…). Porém, outros bairros como o centro da cidade, Ribeira e Santos Reis também apresentam potencial para o desenvolvimento da economia criativa. (Hélio Soares)

3.3) Setores criativos em Natal Quanto à terceira questão, perguntamos aos alunos quais os setores ou profissões criativos que se destacam em Natal. Em primeiro lugar, surge o artesanato e em segundo lugar a gastronomia. Em terceiro lugar, vemos um conjunto de setores/atividades como arquitetura e engenharia, design, música e turismo (cfr. Tabela 2). Como podemos observar a maioria destes setores e profissões – uns mais criativos que outros – surgem ligadas à cidade de “sol e mar”, cidade turística, por excelência.

Sectores/Atividades criativos Animadores de loja Arquitectura e Engenharia Arte Artes visuais Artesanato Audiovisual Bugueiros (condutores de buggy) Construção civil Cultura Design Design de interiores Entretenimento Gastronomia Hotelaria Imobiliário Mídias Moda Música Publicidade

Nº de menções 2 6 1 2 13 2 1 2 2 6 1 1 8 1 2 1 1 7 2 12

1 2 7 1 3

Publicidade Teatro Turismo Venda ambulante Nenhum Tabela 2 – Bairros criativos de Natal. Elaboração própria.

Mas, vejamos também algumas das declarações dos entrevistados.

O setor que se destaca em Natal é o do artesanato com suas rendas e bordados cada vez mais inovadores e atractivos aos olhos dos turistas e da comunidade local. (Katyene Azevedo) Como fator criativo que já atração e pode ser potencializado observa-se o turismo e as belezas naturais da região metropolitana e áreas adjacentes, em seus municípios, os quais proporcionam grandes potencialidades a serem exploradas. (Anderson Araujo)

3.4) Políticas Públicas para o desenvolvimento da Economia Criativa, em Natal Na última questão, obtivemos respostas que mostram a necessidade da existência de Políticas Públicas na promoção da Economia Criativa e de uma Cidade Criativa, face às potencialidades (adiadas?) da cidade de Natal. Assim, são propostas Políticas Públicas que promovam a economia criativa na cidade. Em segundo lugar, verifica-se um apelo para que se cuide da preservação histórica (cfr. Tabela 3) Políticas Públicas (Economia Criativa) Incentivos financeiros Incentivo educacional Despertar talentos Sustentabilidade Inovação Inclusão Emprego Desenvolvimento da economia local Espaço de encubação Desenvolvimento da economia criativa Preservação histórica Organização de eventos (tecnologia, música, gastronomia, artesanato) Revitalização urbana

N.º de menções 3 1 1 2 1 1 1 2 1 13 4 2 1 13

Segurança pública Divulgação da cultura local Incentivo cultural Fiscalização Políticas culturais Políticas sociais Políticas Públicas para o turismo Políticas económicas Incentivos fiscais Mobilidade urbana Secretaria Estadual da Cultura Educação criativa Saúde criativa

1 2 4 1 2 2 2 1 2 1 1 1 1

Tabela 3 – Propostas de Políticas Públicas (Economia Criativa). Elaboração própria.

No mesmo sentido, os seguintes testemunhos.

Para que o setor da economia criativa necessidade de investimentos por parte financiadores privados. Seria interessante pequenos sectores criativos a baixos juros; sucesso…

seja desenvolvido mais na cidade, a do setor público e de captação de que existisse uma forma de financiar esse empréstimo poderia ser a chave do (João Paulo Viana)

Todos os papéis possíveis. Primeiramente, uma cidade para ser criativa precisa não só de novos sectores económicos criativos, mas sim de “educação criativa” onde os alunos têm a liberdade de usar a imaginação, a criatividade; de “saúde criativa”, onde recursos são usados de forma inteligente; a parte estruturante da cidade deve ser também criativa com utilização de arquiteturas inteligentes e com custos cada vez mais baixos. E por fim, projetos, programas incentivadores à população para o uso da criatividade na vida cotidiana e nos empreendimentos. (Apolliane Souza)

Nota conclusiva Nas representações dos nossos inquiridos, não é pacífico que Natal se assuma como cidade criativa. No entanto, existem setores criativos na cidade e alguns bairros que se assumem como criativos face aos demais quer pelas atividades culturais e criativas que aí se desenvolvem, quer por alguns destes setores estarem ligados ao turismo, como acontece com o artesanato e a gastronomia.

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Natal é a chamada “cidade do sol e mar”, mas necessita de se reinventar continuamente sob pena de perder os milhares de turistas, nacionais e internacionais, que por ela passam anualmente. Assistimos a uma lenta e silenciosa “revolução” nacional e estadual na política cultural e alguns setores ditos “criativos” foram associados às atividades culturais, todas elas sob a alçada do Ministério da Cultura. Contudo, nos parece que qualquer cidade apenas se poderá assumir como cultural ou criativa se as suas atividades ou setores criativos passarem a ter maior visibilidade, quer interna, quer externa… E aí, os Poderes Públicos podem assumir responsabilidade. Ora, as atividades culturais e criativas desenvolvidas em Natal, não possuem essa notoriedade.

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