Resenha - A Ferro e Fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira

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DEAN, Warren. A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Resenha Resenhista: Emanuel Rodolpho Moura Batista de Oliveira. Introdução Dados. O historiador Warren faz constante uso de dados estatísticos, demográficos, topográficos, geográficos e científicos como base para a costura, para a construção de seu texto, que por este mesmo motivo torna-se deliciosamente denso e repleto de informações que exigem do leitor a atenção e por vezes o uso do dicionário, devida a aplicação de termos próprios das ciências da natureza, tais como a Biologia e a Química, seja quando se refere à fauna ou à flora da Mata Atlântica ou quando o autor passa a limpo as consequências do mau uso das terras por parte dos posseiros, dos nativos ou dos fazendeiros, que tanto exploraram as voláteis riquezas provenientes de um solo que se tornaria pobre após constantes queimadas e plantios de culturas exóticas. Detalhes. O pesquisador Warren Dean valoriza os detalhes, descrições com bases em registros fotográficos aéreos, mapas, matérias jornalísticas escritas e da televisão, fatos históricos, ocupações – quase sempre irregulares – de terrenos, instalação de fábricas, cartas, o clima, a chuva, a cultura, as instituições, as leis, os governantes e seus decretos, os órgãos públicos, as agências ditas reguladoras, os funcionários públicos corruptos, os ambientalistas corajosos, os ambientalistas tecnocratas a serviço do governo e de sua burocracia, entre outras minúcias, não escaparam do olhar crítico, observador e histórico do autor. Construir uma teia encaixando todas essas informações lança uma luz sobre um assunto fantástico, porém pouco difundido, que é a ligação da ação humana com a história e desta com o meio ambiente. Estado. A todo o momento, o historiador exibe a ação dos homens – que dependiam da natureza – na efetiva destruição daquela que era a provedora motriz de seu sustento. Entretanto, não faz vista grossa para a negligência estatal frente ao desmatamento e completa destruição do ambiente que era hábitat de milhares de espécies que sequer chegaram a ser catalogadas, seja por falta de interesse ou de recursos que proporcionassem as condições necessárias para tal.

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O solo, a mata e o homem. “Quem vier depois que se arranje” é o provérbio brasileiro que o autor escolheu para ilustrar o que estaria por vir em seus relatos. O egoísmo dos colonizadores e a não reflexão dos “donos” de terra a respeito do futuro produtivo de suas paragens chamou a atenção do autor, que salientou, quando falou das madeireiras, já no século XX, que os homens que ganhavam dinheiro com a devastação não estavam preocupados com as consequências negativas da destruição do meio ambiente. Rainol Grecco, quando questionado sobre as consequências do desmatamento, respondeu da seguinte maneira: “A consequência é o lucro” (p. 307). Intenção mais clara, sincera e sucinta, impossível. Porque segundo Warren Dean, o desenvolvimento e o progresso econômicos estavam sempre atrelados às ações de uso irracional dos recursos naturais. Com muita riqueza, Dean fala com propriedade sobre os biomas brasileiros e os compara com o bioma estudado por ele e que dá o subtítulo à obra aqui resenhada, a Mata Atlântica: “Áridos e ressecados, tradicionalmente considerados impróprios para agricultura e relegados a um tipo extensivo de pecuária, o cerrado e a caatinga constituem o sertão do Brasil, a antítese da exuberante e verdejante Mata Atlântica” (p. 27). “Ideias, somente ideias, podem iluminar a escuridão”, nos alertou o austríaco Ludwig von Mises, mas para os exploradores da Mata Atlântica, a única coisa que iluminaria a escuridão seria a abertura de mais uma clareira no meio da floresta. Não conformados com a luz das estrelas, da lua ou do sol, repetiam o cruel ritual de acender fogueiras que dariam, então, início aos catastróficos, destrutivos e inconsequentes incêndios. Pois queimar a mata, além de cultural, era também visto como algo enriquecedor – para o solo –, já que as cinzas das árvores queimadas em contato com a terra desencadeava uma reação química que proporcionava certa abundância de minerais imediatamente necessários para a produção agrícola, mas que depois de algumas safras “cansava” o solo e o deixava pobre, e para complicar ainda mais a situação, a terra nua, em decorrência do desmatamento e do fogo, acabava degradada ainda mais pelas voçorocas, fenômeno geológico que faz com que a terra fique esburacada, improdutiva e esteticamente horrenda. Para o autor, faltava informação e conhecimento àqueles que trabalhavam diretamente com a

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terra, fator que certamente os deixavam em situação de ignorância em relação às técnicas agrícolas menos destrutivas e mais produtivas a curto e longo prazo. Mas, que exigiam labor diário e empenho no aprendizado de novas formas de plantar, colher e conservar a terra, aplicação de mais horas de trabalho no decorrer de um ano e abrir mão do facílimo ato de tocar fogo na mata para atingir seus desejos, fossem eles por lenha, madeira, liberar áreas para cultivos e ou pecuária ou apenas grilagem, atitude muito comum e muito relatada em toda a obra. “É difícil dizer se é correto referir-se à Mata Atlântica no tempo presente” (p. 31). Tal afirmação, segundo o autor, tornou-se possível após quinhentos anos de intensa despreocupação com os recursos naturais. Dean, em todos os quinze capítulos de seu livro salienta com base em documentos e dados (pesquisas, porcentagens, estatísticas) o que o estado negligenciou, seja no período colonial, imperial ou já na república: a destruição da mata. Mata esta que seria por vezes motivo de vergonha por parte dos indivíduos oriundos dela, há relatos do historiador em que ele conta aos leitores que um aluno universitário desmentiu um professor que afirmou que ele era “do mato”, o discente disse ao seu mestre que de onde ele se

originava,

na

verdade,



havia

chegado

o

almejado

progresso

e

desenvolvimento, ser “do mato”, aquele mato que proveu o sustento durante seguidas gerações, passava a ser motivação para chacota. O desmatamento estava enraizado até na mentalidade dos homens, não era suficiente cortar as árvores, arrancar qualquer resquício de natureza também fazia parte da ideologia saqueadora que moveu séculos de ações maléficas contra o bioma Mata Atlântica. “O traço cultural mais importante dos tupis era antropologia. À captura de um inimigo em batalha, seguia-se um elaborado e sádico ritual de execução, muitas vezes na presença de aldeias convidadas. O falecido era então assado na grelha e distribuído entre os presentes. Com isso, acreditavam, os celebrantes assimilavam sua força e destreza. Na verdade, a captura de onças era seguida do mesmo ritual, para obter o mesmo benefício” (p. 49-50). O trecho escrito pelo historiador deixa claro que a fauna sofreu e fora dizimada desde os tupis e que os colonizadores estrangeiros apenas seguiram à risca o manual herdado dos habitantes mais antigos da América portuguesa. Adquirir poderes de caça semelhantes aos de uma onça parecia bastante sedutor para um povo que possuía um traço cultural firmado como caçadores e coletores dentro de uma gigantesca área verde que aparentava ser

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infinda. Apenas aparentava, já que o próprio Warren Dean levanta o questionamento de ela ainda existe mesmo. A planta que deu nome ao nosso país “Tratava-se de uma madeira corante chamada ibirapitanga – árvore vermelha – pelos tupis, que com ela coloriam suas fibras de algodão” (...) “os portugueses a chamavam de pau-brasil...” (p. 63). A demanda por esta árvore integrante das florestas brasileiras gerou muita cobiça e os colonizadores europeus armaram os tupis com machados para que eles pudessem pleitear na guerra contra Mata Atlântica. “Os tupis, portando machados europeus, ou talvez só cortando um anel em torno do tronco e queimando a base das árvores, derrubavam-nas, tiravam-lhes a casca e a cortiça e cortavam o tronco em seções menores” (p. 63). Dean relata o papel dos índios no processo de degradação da mata. Logicamente, a tecnologia utilizada pelos indígenas nos séculos XVI e XVII sequer comparava-se com os métodos de extração da madeira empregados nas décadas de 1960 e 1970 do século XX, que fazia uso de tratores, caminhões e motosserras, porém não apaga a participação daqueles que alguns ambientalistas tanto almejaram defender e poupar da culpa pela devastação, os índios. O caráter interdisciplinar do estudo de História Ambiental feito por Warren Dean torna singular o livro A ferro e fogo: A história e a devastação da Mata Atlântica brasileira. Da geologia à política, da biologia à química, da história à geografia, da economia à administração, perpassando pela contabilidade, a abordagem ampla e repleta de informações do escritor oferece aos leitores e estudiosos do assunto enorme arcabouço teórico e referencial, pois a obra conta com mais de sessenta páginas de notas que contém as fontes bibliográficas utilizadas pelo referido historiador que explora ricamente livros, revistas, jornais, arquivos, acervos públicos e privados, relatórios de eventos voltados para o meio ambiente, normas, leis e decretos estatais assim como os resultados de conferências internacionais. “A ideia de desenvolvimento econômico penetrava a consciência da cidadania, justificando cada ato de governo, e até de ditadura, e de extinção da natureza” (p. 281). Na segunda metade do século XX inúmeros anseios surgiram. O desenvolvimento social cobrava seu preço. A instalação de fábricas, a habitação, o

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suprimento das necessidades alimentares, a reforma agrária, e as demandas cada vez mais crescentes por energia elétrica vitimaram novamente a Mata Atlântica, pois a construção de usinas hidrelétricas exigia enormes faixas territoriais, e a inundação ocasionadas por suas respectivas barragens afetavam a reprodução e a sobrevivência de espécies de animais silvestres, sem falar nos milhares de árvores sucumbidas pelo motosserra, porque as empresas donas dessas usinas fossem elas do estado ou da iniciativa privada, antes da localidade encher-se d’água, explorava muitos metros cúbicos de madeira. Segundo o autor, a simples tentativa de tentar conservar a mata era tida, durante o governo militar instaurado em 1964, como ação subversiva e antiprogressista, pois “era impraticável propagar uma ideologia conservacionista sob um regime que suspeitava da ação cívica coletiva, qualquer que fosse sua forma” (p. 283). Desta forma, o Estado não tomava seu posicionamento de proteção à floresta, apesar do discurso em defesa da “soberania nacional”, muito menos permitia organizações civis de fazê-lo, pelo temor que possuíam de que tais ações fossem apenas desculpa para o agrupamento de indivíduos supostamente revolucionários e subversivos. Apesar do discurso de progresso e avanço econômicos, antigos hábitos que deterioravam ainda mais a Mata Atlântica continuavam em voga. “A lenha continuava a ser consumida mesmo nos fornos dos restaurantes, padarias e pizzarias mais modernos” (p. 288). A floresta primária, geralmente, já tinha sido devastada, a floresta secundaria também, então, esta lenha era retirada de localidades em que o solo já estava bastante desgastado e quase improdutivo, devido aos constantes cortes e recuperações. Exaurir os recursos naturais, ao que parece, após muitos relatos de Warren Dean, era a missão dos ocupantes daquelas terras. Começavam desmatando para o comércio de madeira, depois para o plantio, depois para a criação de gado, posteriormente para a construção de ferrovias, depois para a instalação de fábricas, e por vezes para tudo isso ao mesmo tempo. Mas a natureza é formada por ciclos, e um fator depende do outro para que ocorra normalmente. Chuvas ácidas, falta de água (secas), geadas, deslizamentos de terra, colheitas fracassadas, solos inférteis, desaparecimento de nascentes de água, sumiço de espécies nativas, ocupação por

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espécies exóticas e muitos outros pontos negativos da destruição de um ecossistema, no fim das contas, são frutos da ação antrópica no meio ambiente. Conforme escreveu Warren Dean: “Está claro que a pecuária e a agricultura extensivas foram as causas predominantes do desaparecimento da Mata Atlântica” (p. 289). A afirmação acima sintetiza claramente o enredo do livro e as causas da efetiva destruição do bioma. O autor, com base em inúmeros documentos e estudos a que teve acesso, nos mostra o processo que fez a Mata Atlântica sucumbir aos interesses privados e perante a indiferença do Estado, que pouco operou para evitar a deterioração desse bem natural. Articulações políticas, principalmente após a segunda metade do século XX, contribuíram muito para quase findar o pouco que restara da floresta. Programas de proteção aos parques e reservas ecológicas simplesmente se perderam no emaranhado burocrático e na falta de recursos destinados a este fim: a conservação. No estado de São Paulo, a reserva do Pontal foi praticamente vendida pelo então governador Adhemar de Barros, que autorizou naquele espaço, que era para ser resguardado pelo poder público, a construção de um ferrovia e a instalação de família imigrantes. Tal atitude era sinal de afago e imensa gratidão que o político sentia pelos prefeitos das cidades do noroeste paulista que haviam apoiado sua candidatura e vitória. Neste caso o toma lá dá cá foi em favor de si, sua parentela e sua prole. Anos depois dessa atitude de ignorar a conservação de uma área verde ele “havia sido eleito senador e seu próprio irmão e seu filho pleiteavam propriedades no Pontal” (p. 296). Para completar o – mau – exemplo: “Em 1966, Adhemar de Barros, novamente governador, decretou a abolição definitiva da reserva do Pontal” (p. 296). Este foi apenas um indivíduo que contribui institucionalmente para a degradação da floresta, antes e depois dele muitos outros dominaram a máquina do estado e pouco ou nada fizeram para impedir a destruição da Mata Atlântica, conforme exibiu muito bem em toda sua obra o historiador Warren Dean.

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