Resenha de A. Munslow, Desconstruindo a História

September 10, 2017 | Autor: P. Funari | Categoria: História, Teoria e metodologia da história
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Publicado em ISSN 1807-1783

atualizado em 23 de dezembro de 2009, historiaehistoria,

http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=resenhas&id=52 Resenha Alun Munslow, Desconstruindo a História. Petropolis, Vozes, 2009, 272 pp., ISBN 9788532638311. Pedro Paulo A. Funari1

Alun Munslow, professor da Universidade de Staffordshire e editor de Rethinking History, apresenta uma bem documentada introdução à História, no contexto do pós-modernismo e com especial atenção para a historiografia anglo-saxônica. Ainda que do ponto de vista da descontrução, o autor procura apresentar os argumentos dos historiadores reconstrucionistas, fornecendo um quadro bastante amplo das discussões contemporâneas. A introdução começa com a constatação de que a História é sempre uma tarefa contemporânea e adota uma abordagem desconstrutiva, segundo a qual a História é uma narrativa (o produto textual do historiador ) e, assim, fornece o modelo textual para o próprio passado. O passado e a narrativa história não são, pois, idênticos, sendo a História um gênero literário caracterizado pelas quatro figuras de linguagem: metáfora, metonímia, sinédoque e ironia. A História pós-moderna opõe-se, programaticamente, ao paradigma tradicional.

Munslow

divide

os

historiadores

em

três

grandes

grupos:

reconstrucionistas,

construcionistas e descostrucionistas. Os primeiros cobrem uma gama de empiricistas, como Trevor-Roper, Lawrence Stone, Lynn Hunt. Os segundos podem também ser chamados de praticantes da História social, como a Escola dos Annales, mas também Norbert Elias, Robert Darnton, além das vertentes marxistas, como Eugene Genovese, Perry Anderson, E.P. Thompson. Os terceiros focam sua atenção para a relatividade do conhecimento, como Hayden White, Domick LaCapra, David Harlan, Joan Scott, Roger Chartier.

1Departamento

de História, IFCH/UNICAMP, C. Postal 6110, Campinas, 13081-970.

Alguns são explícitos em seu empirismo, como é o caso de G.R. Elton: "Ad fontes continua sendo o grito de guerra obrigatório. Para o historiador, a realidade - sim, a verdade - do passado existe nos materiais diversos produzidos pelos passado e deixados como testemunho". Esta busca de novas evidências, tão característica da historiografia anglo-saxônica, representa o extremo de uma posição bastante generalizada. As interpretações construtivistas fundam-se em sofisticadas teorias sociológicas, culturais, lingüísticas, com possíveis referenciais em autores como Weber, Geertz, Giddens, Gramsci, entre outros. Munslow descreve, em seguida, seu próprio paradigma, a desconstrução. Partindo de Nietzsche, Foucault e Barthes, chega a Hayden White, para propor que "a História não é apenas a busca da evidência e a constituição de fatos, a própria interpretação é uma criação lingüística e literária".

No capítulo dedicado à crítica à desconstrução, Munslow menciona a objeção marxista de que ela separa os autores dos contextos sociais, assim como outras, quando se afirma que ela destruiria a diferença entre fato e ficção (Stone, Callinicos). Dedica também um capítulo à crítica da História reconstrucionista e construcionisa, ressaltando que só podemos ter contato com o mundo pela linguagem, pois o passado chega até nós por meio dela e só podemos expressá-lo por nossa linguagem. Retoma Collinwod e propõe que o objeto do historiador é o que se passa em sua própria cabeça, sendo a História uma tarefa literária. Dedica um capítulo a Foucault e outro a Hayden White. Foucault propugna o estudo de como as sociedades interpretam, imaginam, criam, regulam e dispõem

do conhecimento, cada época

possuindo suas características. Pode objetar-se que a noção de a sociedade e de a época são conceitos que se coadunam com um modelo normativo e holístico de sociedade, bastante criticado por muitos estudiosos. A partir de diversos pontos de vista, tem-se observado que as sociedades são heterogêneas e que as épocas testemunham diversas Weltanschauungen, objeções ausentes em Munslow.

Para White a História é um texto que possuiu um sentido imposto ou inventado, sendo a separação entre os historiadores e seus dados impossível. Como a História é uma narrativa, as Histórias narradas pelo historiador mais convincentes serão aquelas, justamente, que ecoam os mitos e crenças culturais de sua época. Em sua conclusão, Munslow ressalta a importância do efeito-realidade na narrativa e

da consciência da subjetividade. A História apenas existe nos discursos contemporâneos dos historiadores, nenhum historiador pode ignorar as interpretações ou as tramas do arquivo. O passado não é descoberto, mas criado e representado pelo historiador como texto.

O livro de Musnlow pode ser caracterizado como uma ampla introdução à literatura anglo-saxônica sobre a teoria da História, de um ponto de vista pós-moderno bem explicitado, sendo esses seus méritos e suas limitações. O grande mérito reside em congregar um manancial de autores britânicos e norte-americanos, pouco difundidos no Brasil, mas muito importantes para a historiografia do mundo anglosaxão e eo ipso para a historiografia em geral. Neste sentido, sua leitura permite notar a variedade de vertentes vigentes naquela tradição historiográfica e relativizar, portanto, a importância atribuída, no Brasil àquelas correntes importadas e adotadas como canônicas. Ao contrário do que pode parecer a quem conhece apenas a História Social Inglesa, o panorama historiográfico anglo-saxão é extremamente variado e não há um único discurso canônico. Isto já bastaria para recomendar a leitura deste volume no Brasil, pois nada mais saudável do que o conhecimento da diversidade para permitir o surgimento do espírito crítico.

A clareza dos argumentos, o recurso constante à citação dos mais variados pontos de vista, em particular aqueles com os quais o autor não concorda, permitem que o livro seja usado por historiadores que tenham as mais variadas opções historiográficas. Como qualquer bom balanço historiográfico, Munslow é mais bem sucedido em apresentar uma análise crítica das abordagens das quais discorda, do que propor um modelo. Assim, a divisão do campo historiográfico em três grandes abordagens, a partir de sua construção , reconstrução ou descontrução do passado, parece bastante artificial ao agrupar historiadores com pouca ou nenhuma ligação, enquanto separa autores que compartilham estruturas ou quadros interpretativos. Um mesmo autor, Peter Burke, aparece como desconstrucionista (p. 105) e costrucionista (p.112), demonstrando a fragilidade conceitual dessas categorizações.

Outro aspecto não negligenciável, ainda que muito comum, é a ausência de preocupação com outros universos historiográficos. Com freqüência, os autores anglo-saxões não se sentem constrangidos

a conhecer e citar a produção não publicada em inglês e Munslow não foge à regra. Suas referências aos teóricos franceses restringe-se àquelas obras traduzidas e não inclui importantes estudiosos já bem difundidos em inglês, como é o caso de Pierre Bourdieu ou os filósofos da Escola de Frankfurt, cujas considerações poderiam contribuir para diversificar e tornar seu mapeamento mais representativo. Neste sentido, não se compreende a ausência completa da historiografia alemã, em particular tendo em conta o imenso manancial produzido, desde o século XIX e, especialmente, nos últimos anos. O tema da narratividade tem sido tratado pela historiografia alemã antes e mais amplamente do que no mundo anglosaxão, enquanto tendências historiográficas originais, como a Begriffsgeschichte, tem fornecido à historiografia internacional, inclusive à anglo-saxônica (pace Ankersmit), importantes contribuições.

A despeito das ausências e de uma organização das correntes historiográficas discutível, o volume apresenta um amplo painel da teoria da História, no mundo de língua inglesa. Ao apresentar uma pletora de argumentos e de citações, constitui um manual de leitura fácil, agradável e muito útil, em particular para se usar em disciplinas de "Teoria da História", um dos objetivos do volume, destinado, justamente, aos estudantes de língua inglesa. Sua leitura pelos estudiosos brasileiros só pode contribuir para a abertura de horizontes e, ao menos por isso, recomenda-se a sua leitura e discussão.

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