Resenha e análise crítica do comentário de Hugues Portelli ao conceito de Bloco Histórico em Gramsci.

September 10, 2017 | Autor: Gustavo Racy | Categoria: History, Political Philosophy, Political Theory, Marxism, Philosophy of History, Gramsci
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PUC-SP
Teoria Sociológica – Gustavo Racy

Resenha

PORTELLI, Hugues. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.


O autor busca uma análise da ideia de bloco histórico cunhada por
Gramsci. Para isso, ele apresenta uma síntese do conceito tal qual ele
pretende demonstrá-lo ao longo do desenvolvimento de sua análise. Essa
síntese é a consideração do conceito sob um triplo aspecto:
- o essencialismo do estudo das relações entre super e infra-
estruturas como aspecto da noção de bloco histórico;
- a consideração do bloco histórico como o ponto de partida da analise
das formas de penetração, socialização e integração de um sistema de
valores culturais (que Gramsci chama de ideologia), num sistema social;
- a compreensão de que é no quadro do bloco histórico que se
desagregam as hegemonias das classes dirigentes e realizam-se novos blocos
históricos.
A partir daí, Portelli aprofunda-se na descrição do conceito. Antes de
tudo, ele descreve a articulação interna do bloco, ou seja, as
superestruturas do bloco, que formam um conjunto que pode ser distinguido
em duas esferas:
1ª. - Sociedade Civil – direção intelectual e moral de um sistema
social, que remete ao momento da superestrutura e não ao conjunto das
relações econômicas, como em Marx. Aproximando-se de Hegel, Gramsci define
a sociedade civil como o conjunto dos organismos que correspondem à
legitimação da hegemonia do grupo dominante, que compõem o conteúdo ético
do Estado e abrange um campo extremamente vasto, pois constitui o domínio
da ideologia, isto é, a concepção de mundo que se manifesta implicitamente
em diversas instâncias – arte, direito, economia – em todas as esferas da
vida, seja individual ou coletiva;
2ª. - Sociedade Política – opõe-se à sociedade civil no seio da
superestrutura e corresponde à dominação direta. É um aparelho coercitivo,
uma ditadura, que assegura legalmente a disciplinas dos grupos pertencentes
à sociedade civil. É o Estado, portanto.
A relação entre as duas sociedades dar-se-ia no quadro de uma unidade
dialética em que consenso e coerção são utilizados alternadamente, de modo
que o problema de suas relações se torna uma questão metodológica. O fato
de tal ou qual organização pertencer a uma ou outra sociedade importa menos
que o papel respectivo, num determinado momento histórico num determinado
país, desses dois momentos da superestrutura. Isso é premente, pois para
que a hegemonia se estabeleça, é preciso que sociedade civil e sociedade
política sejam igualmente desenvolvidas e organicamente ligadas. É assim
que a classe dominante as utiliza alternativa e harmoniosamente para manter
sua dominação. A partir desta vinculação orgânica, Portelli indica outro
problema metodológico em Gramsci: o da relação entre infra-estrutura e
superestrutura no interior do bloco histórico, ou seja, a relação entre os
fenômenos econômicos e os fenômenos sócio-culturais numa dada situação
histórica e política, pois esta organicidade é definida abstratamente por
Gramsci como a "necessidade de o movimento superestrutural do bloco
histórico evoluir nos limites de desenvolvimento da estrutura, mas também,
mais concretamente, como a obra dos grupos sociais encarregados de gerir as
atividades superestruturais"[1]. Cuja pedra-de-toque da interpretação de
Gramsci reside no fato de que, diferentemente de Marx, ele não atribui uma
importância desigual entre infra e superestrutura cuja igualdade ele
demonstrou ser importante na análise histórica ao mostrar, de acordo com
Portelli, que no Risorgimento o Partido dos Moderados, e não o Partido de
Ação, que dirigiu a unificação do Estado italiano. Sendo que os Moderados
eram os representantes orgânicos da classe dirigente, e o Partido de Ação
um partido sem base social verdadeira.
Esses momentos dicotômicos entre infra e superestrutura e sociedade
civil e sociedade política demonstram a importância, segundo o autor, da
sociedade civil no seio do bloco histórico. Importância essa que se
encontra na tradução histórica e política dessa noção: a hegemonia. Esse
conceito está originado na obra política de Lênin, conforme dito por
Gramsci nos Cadernos do Cárcere, mas Lênin, de acordo com Portelli,
encontrava-se totalmente influenciado pela luta bolchevique e ora o
conceito confunde-se com a ditadura do proletariado, ora caminha em direção
oposta, dizendo respeito à "direção" e "dominação" das sociedades, tanto
civil quanto política. Após análise, Portelli afirma que o aspecto
essencial da hegemonia se dará em seu monopólio intelectual, ou seja, "na
atração que seus próprios representantes suscitam nas demais camadas
intelectuais"[2].
Finalmente, Portelli parte para o fim de sua análise discorrendo sobre
o papel dos intelectuais, pois, conforme Gramsci nos mostra, os
intelectuais atuam como agentes da superestrutura, e isso por um triplo
aspecto: pelo vínculo orgânico entre intelectual e o grupo por ele
representado; pelas relações entre intelectuais orgânicos e intelectuais
tradicionais; e pela forma de organização dos intelectuais, do "bloco
intelectual", no seio do bloco histórico. O nó do conceito de bloco
histórico se encontra, então, em dois aspectos essenciais que são: o estudo
da Sociedade Civil – "portanto da hegemonia e do sistema hegemônico – e o
da ligação orgânica entre estrutura e superestrutura – portanto dos
intelectuais, da crise orgânica"[3].


Análise Crítica


O texto de Portelli nos permite uma análise concisa, porém rica de uma
parte do pensamento gramsciano. E isso principalmente porque, para
explicitar seu objeto, o bloco histórico, ele retoma grande parte do
arsenal teórico do pensador italiano. Assim, Portelli discute as idéias de
Sociedade Civil – fortemente apoiado em Bobbio - e Sociedade Política, bem
como suas relações; infra-estrutura e superestrutura; intelectuais
orgânicos e intelectuais tradicionais; hegemonia; e ideologia. Ou seja,
Portelli realiza, basicamente, uma revisão dos conceitos mais importantes
de Gramsci e não só da ideia de bloco histórico.
Conclui-se, em seu texto, que a análise da idéia de bloco histórico,
principalmente, nos mostra a importância do legado Gramsciano para o
pensamento político e para a teoria marxista, pois para a compreensão do
bloco histórico, além de ser necessária uma compreensão dos conceitos
fundamentais utilizados por Gramsci, faz-se necessária a compreensão de um
movimento dialético que se dá em dois momentos e, portanto, faz-se
necessária uma análise que se dá em dois aspectos: o estudo da sociedade
civil – portanto da hegemonia e do sistema hegemônico – e o da ligação
orgânica entre infra e superestrutura, ou seja, dos intelectuais.
A preocupação de Gramsci com a sociedade civil, com a hegemonia e o
sistema hegemônico, nos leva a uma crítica para além da crítica marxista.
Em outras palavras, ele estende a análise marxista para além da questão
econômica. Embora muitos marxistas critiquem Gramsci e o acusem de não ser
um marxista real, pois se detém sobre considerações histórico-culturais,
ele não inverte o pensamento marxista, mas procura expandir a análise do
materialismo histórico para formas de vida as quais Marx não se debruçou.
Se o primeiro quis analisar a lógica do Capitalismo do ponto de vista
principalmente do trabalho e de suas transformações históricas – e digo
isso me reportando aos Manuscritos Econômico-Filosóficos e aos Grundrisse,
e não a O Capital – Gramsci procurou revelar as influências da forma de
produção capitalista na reprodução de sistemas não só políticos, mas
culturais. Nesse sentido, se Gramsci não pode ser considerado marxista,
tampouco podem outros pensadores como Benjamin, que procurou determinar de
que modo a cultura influencia dialeticamente as formas de reprodução da
vida social, o que só me pode parecer absurdo. Mas o marxismo ortodoxo
infelizmente ainda tem vez na voz daqueles que não "perdem tempo" com a
lógica e o método dialéticos.
Pois Gramsci, a partir do momento em que lida com hegemonia e sistema
hegemônico e, conseqüentemente com bloco histórico, está falando de
sociedades com um desenvolvimento histórico próprio as quais só poderão
sofrer de coerção se for por parte de um sistema de significados próprios
aquela própria sociedade. Aqui cabe outro ponto de referência na teoria
gramsciana. Ao estender o pensamento marxista a uma analise dialética entre
infra e superestrutura, ele deixa claro que a construção de um bloco
ideológico não depende somente da primazia econômica.
Resta, no entanto, ao meu ver alguma ambigüidade desta relação. É bem
claro o fato de que, a construção de um bloco ideológico não seja puramente
dependente de questões econômicas, mas a forma de exercício deste bloco
parece, ao contrário, ser inteiramente dependente do poder econômico e da
ação das classes dominantes para seu sucesso. Exemplo disso é um texto de
Gramsci redigido no L'Ordine Nuovo em 8 de Maio de 1921[4]. Ali, Gramsci
discorre sobre a greve de trabalhadores da Fiat em Turim, que, após um mês,
voltaram ao trabalho. Segundo Gramsci, os motivos são claros e devem ser
reconhecidos principalmente pelos comunistas: os trabalhadores possuem
necessidades reais, que só podem ser conquistadas pelo trabalho. O que
denuncia claramente a predominância do fator econômico sob as condições
reais de reprodução da vida dos trabalhadores.
Não obstante, a relação entre o sistema hegemônico, a sociedade civil
e a ligação orgânica entre esta e a sociedade civil te a sua pedra de toque
na questão da intelectualidade. Os intelectuais pensados por Gramsci são a
tradução correta do caráter puramente abstrato dessa relação na teoria
marxista até então. Pois para ele, conforme o exemplo por ele dado sobre o
Mezzogiorno, o que interessa são os intelectuais como massa, e não como
indivíduos, que são representantes de toda tradição cultural de um povo,
resumo e síntese de toda sua história. Isso é vital para a desagregação de
blocos ideológicos, na medida em que leva à possibilidade de superação da
hegemonia da classe burguesa por um desenvolvimento histórico cuja síntese
só pode ser o rompimento da ligação orgânica entre as sociedades no seio do
bloco histórico, o que leva ao desenvolvimento de um bloco histórico
diferente.

Biografia

GRAMSCI, Antonio. Men of Flesh and Blood. In.
http://www.marxists.org/archive/gramsci/1921/05/flesh-blood.htm


PORTELLI, Hugues. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1983.
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[1] PORTELLI, Hugues. Gramsci e o Bloco Histórico. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1983. p. 46
[2] Idem, p. 65.
[3] PORTELLI, Hugues. Gramsci e o Bloco Histórico. Op. Cit. p 123.
[4] GRAMSCI, Antonio. Men of Flesh and Blood. In.
http://www.marxists.org/archive/gramsci/1921/05/flesh-blood.htm
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