Resenha O Imperio da Visao

May 31, 2017 | Autor: C. Sampaio Barbosa | Categoria: Photography, Portuguese History
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VICENTE, Filipa Lowndes (Org.).O Império da Visão: fotografia no contexto colonial português (18601960). Lisboa: Edições 70, 2014, 503 p. Carlos Alberto Sampaio Barbosa Universidade Estadual Paulista [email protected]

É com grande satisfação que apresentamos ao público brasileiro o livro O Império da Visão: fotografia no contexto colonial português (1860-1960), organizado pela investigadora Filipa Lowndes Vicente do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Os estudos relativos à fotografia colonial ainda são pouco conhecidos do público brasileiro, mesmo o mais especializado. Portanto, essa obra é uma excelente oportunidade dos nossos pesquisadores se aproximarem dessa temática. A fotografia, que surge em meados do século XIX, se desenvolve paralelamente à expansão imperial europeia e leva diversos fotógrafos a todas as partes do mundo com o intento de inventariar e reduzir o mundo a uma imagem bidimensional. Entretanto, temos que ter certa cautela ao nos aproximarmos dessa problemática, pois, como afirma James Ryan na excelente introdução do livro, "a fotografia e o império tem uma relação próxima e complexa." No contexto da expansão imperial europeia no século XIX, temos o surgimento do Positivismo, de disciplinas como a antropologia e a etnografia, assim como as câmeras fotográficas. Estas, por seu turno, imediatamente passaram a ser usadas por exploradores, etnógrafos,

missionários, soldados, médicos e administradores coloniais. Essas imagens estamparam álbuns, livros, diários, relatórios, jornais, auxiliando o controle e o exercício da dominação colonial,embora nem sempre tenham servido como arma desse poder. De forma ambígua e complexa e menos instrumental, a fotografia torna-se argumento poderoso e eficaz de resistência na construção de novas identidades, no suporte a campanhas contra a escravidão e a luta pela emancipação política, como muito bem apresenta alguns dos trabalhos reunidos nesse livro. Produzida tanto por fotógrafos profissionais como amadores, a imagem técnica permitiu maior circulação, tanto nos suportes impressos como nas exposições universais ou coloniais, museus, gabinetes, universidades e sociedades científicas que se proliferaram no velho continente. Constitui, portanto, um importante instrumento de conhecimento e domínio. Não é mera coincidência que, assim como ocorre o auge do colonialismo europeu, se segue mas viagens de fotógrafos itinerantes e a abertura de estúdios fotográficos. Portugal não estava ausente desse processo e esse livro é um esforço importante em apresentar uma parcela das diversas experiências lusas. O tema da fotografia imperial ou colonial já possui uma fortuna crítica considerável, embora recente, como muito bem nos apresenta Filipa Vicente e James Ryan em seus textos introdutórios. Cabe destacar alguns trabalhos como exemplos dos estudiosos que nas últimas décadas buscam o cruzamento da fotografia 196

com as dimensões culturais do império, do orientalismo e do póscolonialismo, como os de Elizabeth Edwards, Christopher Pinney, Martin Jay e Sumathi Ramaswany e do próprio James R. Ryan.A organizadora do livro, Filipa Vicente, possui uma trajetória significativa como investigadora dos temas, que além da fotografia se debruça sobre as exposições e questões de gênero. Seu doutorado foi publicado em livro com o título Viagens e Exposições: D. Pedro V na Europa do Século XIX (Prêmio Victor de Sá de História Contemporânea, 2004).Publicou também Outros Orientalismos: a Índia entre Florença e Bombaim 1860-1900 (2009) e Arte sem História: mulheres e cultura artística - séculos XVI-XX (2012) e o capítulo "Fotografia e Colonialismo: para lá do visível", no livro O Império colonial em questão (séculos. XIX e XX). Falando mais precisamente do livro, ele é resultado de um projeto coletivo denominado Conhecimento e Visão fotografia no Arquivo e no Museu Colonial Português (18501950), financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. O projeto parte do farto material visual presentes nas bibliotecas e arquivos públicos portugueses, em especial de Lisboa. O livro reúne mais de 30 autores portugueses e estrangeiros. Com 503 páginas está organizado em quatro grandes linhas de investigação que dão conta da relação entre fotografia e o contexto colonial português, a saber: Classificação Missão; Conhecimento - Circulação; Exposição Reprodução; e Resistência e Memória. A primeira seção do livro, Classificação - Missão, organiza os

trabalhos que abordam as investigações da relação entre as Missões Antropológicas, Etnográficas e Geográficas e as colônias portuguesas. Para o primeiro tema sublinho o excelente trabalho de Patrícia Ferraz de Matos "A fotografia na obra de Mendes Correia (18881960): modos de representar, diferenciar e classificar da 'antropologia colonial'", enquanto que Cláudio Castelo e Catarina Mateus investigam a Missão Etnográfica de Elmano Cunha e Costa a Angola entre 1935 e 1939. O paralelo entre a caça e o ato de fotografar é explorado no trabalho de Bárbara Direito a partir do arquivo fotográfico da Companhia de Moçambique. Esse grupo de artigos se debruça sobre as relações entre o aparelho fotográfico como ferramenta de conhecimento e o desenvolvimento da antropologia e a expansão colonial portuguesa de meados do século XIX até as primeiras décadas do século XX. O segundo bloco, Conhecimento e Circulação, aborda a fotografia como ferramenta de conhecimento e cartografia de espaços e pessoas, bem como seus usos ao serviço das ciências naturais, nos relatórios médicos ou missões políticas. Destaque-se o artigo de Noeme Santana "Olhares Britânicos: visualizar Lourenço Marques na ótica de J and M Lazarus, 1898-1908". Neste capítulo a autor arealça a mobilidade e a transnacionalidade dos fotógrafos a partir da experiência dos irmãos fotógrafos Lazarus, o que coloca em debate a historiografia que parte de uma perspectiva eminentemente nacional para a questão do império e, claro, da própria visualidade fotográfica. 197

Afinal, para além dos fotógrafos, o próprio mercado da visualidade era internacional num período em que vigorava febre dos cartões postais. A terceira parte do livro Exposição Reprodução- investiga a fotografia nas suas múltiplas formas de reprodução e intersecção com outras expressões visuais como o cinema, a litografia, o desenho entre outras. Um bom exemplo é o ensaio de Leonor Pires Martins "Imaginar o império através da revista ilustrada O Ocidente (1878-1915)". Aqui a autora explora como os periódicos ilustrados portugueses não só auxiliaram na construção da representação das colônias, mas também constitui e cria a própria experiência colonial. Para tornar o império visível o governo colonial utilizou não só a fotografia, mas também o cinema e as exposições coloniais como ferramenta de propaganda. Como afirma Filipa Vicente sobre as exposições, esses eram "lugares onde imperava o sentido da visão, e a estetização do império" (Vicente: 2014, 19). Por fim, a quarta parte do livro, Resistência e Memória se insere na busca das imagens que não só glorificaram o poder imperial, mas também se contrapunham a essa dominação. Os trabalhos desse último apartado do livro voltam-se para as imagens de violência, racismo, tortura, trabalho forçado, guerra e morte no mundo colonial lusitano. Um dos capítulos mais impactantes, talvez pela proximidade do período, é o de Afonso Ramos "Angola 1961, o horror das imagens", que parte de um rico grupo de fontes escritas e visuais, estampadas em folhetos, panfletos, revistas, livros e

algumas imagens exibidas nas seções da ONU. Esse corpus documental revela como a fotografia esteve no centro da guerra colonial de Angola. Convido aos estudiosos brasileiros a lerem e aproveitarem a galáxia de informações contidas nessa publicação. O livro é um campo fértil tanto para os pesquisadores da fotografia, mas também para os da antropologia, da história assim como para os investigadores de temáticas relacionadas ao patrimônio, arte e museus. No caso dos historiadores, minha área de atuação, creio que o livro é uma passagem obrigatória para aqueles que trabalham com Portugal, África e os processos coloniais nos séculos XIX e XX. Os estudiosos reunidos nesse trabalho trazem à tona uma contribuição significativa aos estudos dos regimes visuais coloniais, particularmente os portugueses, bem como, revelam as múltiplas possibilidades de pesquisa da fotografia. Oxalá, para usar uma palavra de origem africana, sirva de inspiração aos estudantes brasileiros a se debruçarem nos vastos arquivos e coleções fotográficas de nosso país.

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