[Resenha] Sobre o Problema da Autonomia da Arte na Sociedade Burguesa, de Peter Bürger

July 15, 2017 | Autor: Claudia Peterlini | Categoria: Literatura, Arte, Arquitetura e Urbanismo
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“Sobre o Problema da Autonomia da Arte na Sociedade Burguesa”, de Peter Bürger1 Claudia Peterlini

Manifestação individual ou coletiva, subjetiva ou objetiva, autônoma ou engajada, a Arte é, para Peter Bürger, uma categoria fundada em contradições. Considerada pelo autor como “esfera social”, a Arte é produção intelectual e material condicionada por e em um tempo histórico através de e em uma sociedade da qual se realiza e participa ativamente, inseparável de suas relações imanentes, as influencia ao mesmo em que às mesmas se submete. Dessa forma, a questão central que empreende Bürger é menos um entendimento totalitário da obra de arte do que a representação desta em um contexto histórico e social específico. É o significado da arte na sociedade burguesa o foco de sua discussão, a qual compreende que, para tanto, uma outra categoria torna-se imprescindível: a ideia de “autonomia”. Para o autor, “a autonomia da arte é uma categoria da sociedade burguesa”. Um estudo acerca desta categoria, subjacente ao próprio processo de desenvolvimento da produção artística, permite seu entendimento como um fenômeno historicamente condicionado, permitindo, também, atribuir sentidos à própria concepção artística. À esta, deve-se considerar o caráter de sua produção, recepção e consumo. Na esfera da sociedade burguesa, o objeto artístico torna-se revestido de individualidade, no que se refere à sua produção – a liberdade técnica e estética de que gozavam os artistas, os produtores de arte – e também no que se refere à sua recepção, entendida na ponta do consumo, o objeto artístico torna-se um objeto simbólico, com fins à representação de uma idéia de classe, advinda da autocompreensão de si mesma – é uma concepção simbólica do individual frente ao social mais amplo. Desta concepção de arte pode-se delinear algumas sub-categorias apontadas por Bürger como constitutivas da categoria autonomia, das quais se serve o autor para tecer uma genealogia da idéia de autonomia no processo histórico da atividade artística, e que acaba por desvelar um processo não linear, como sublinha o autor, mas sim, em si mesmo, repleto de contradições. Finalidade de uso, produção e recepção são estas sub-categorias inerentes à ideia de autonomia que perpassam uma tipologia histórica projetada por Bürger e circunscrevem três momentos, ou etapas, de emancipação da arte – entendida como um processo de “cristalização do subsistema social arte”, ou seja, da arte enquanto esfera social, como concebe o autor. Em termos gerais, da arte sacra, medieval, à arte burguesa, desde os primórdios da era industrial, passando pela arte cortesã, sua finalidade passa de “objeto de culto” à representação de uma idéia de classe; sua produção se desloca do âmbito coletivo (artesanal) enquanto artefato social ao individual; sua recepção, por vez, desenvolve-se de “coletivamente institucionalizada” em direção ao particular, o individual. Nestes três momentos transparece o juízo de que jamais a arte pode ser tomada como desvinculada de seu contexto histórico e social, pois é a partir do conceito de práxis vital de uma

BÜRGER, Peter. Sobre o Problema da Autonomia da Arte na Sociedade Burguesa. In: Teoria da Vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

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sociedade em um determinado contexto histórico que a categoria arte se revela como esfera [do] social. Na sociedade burguesa tal esfera se divorcia da práxis vital ao não se submeter à racionalidade da divisão do trabalho, a que os burgueses consolidaram, mantendo-se à parte desta lógica de produção pelos próprios burgueses, os quais passaram a considerar a atividade artística como meio de fruição de uma totalidade de si mesmos enquanto seres humanos, enquanto indivíduos, apartados de si por suas próprias vias, fragmentados por uma lógica utilitarista de produção que logrou alcançar os pormenores de suas existências. Este apartamento da práxis vital envolve, pode-se perceber, a arte em sua produção e em sua recepção, o artefato artístico, neste contexto, somente o é se concebido alheio a este sistema prático e utilitário da vida burguesa. Essa dissociação da arte atribuída e empreendida pela sociedade burguesa torna-se a própria concepção de arte, ou simplesmente “arte”, no seio desta sociedade, o que acaba por dissimular a própria arte através de seu status como autônoma. Neste sentido, a autonomia, sublinha Bürger, não é mais que a uma categoria ideológica desta sociedade, que agrega um momento de verdade (dissociação da arte da práxis vital) e um momento de não verdade, que é concepção da arte como autônoma, ou seja, a autonomia como essência da atividade artística. Contrárias à concepção de arte e à ideologia burguesa, as manifestações de vanguarda emergiram como reação ao então status da arte autônoma, contemplando sua autonomia numa direção oposta que privilegiou o retorno dessa esfera social à praxis vital da sociedade, não como forma de integração, mas como ação sobre a realidade e reflexão acerca da função social da arte. O empreendimento vanguardista nesta direção fora, no entanto, falho, pois a intenção de superar a distância entre arte e prática social jamais fora concretizada, acabou sendo, na realidade, substituída pela falsa ideia de sua realização com o advento da indústria cultural. Pode-se dizer, portanto, que esta superação da distância entre arte e práxis aconteceu num plano ideológico, amparada ainda pela pretensa liberdade na produção da arte e a dissociação profunda que se deu, de fato, entre produtor e receptor. Além disso, a produção e a recepção do artefato artístico atestam também para um rompimento com o caráter individualizante da arte burguesa. Este rompimento, entretanto, não consistiu em um movimento contrário à socialização da arte e do artista por exemplo, mas sim em uma completa transformação da concepção artística e de sua experimentação. A vanguarda, na medida em que reagiu ao status da arte burguesa, acabou por negar também todos os princípios apontados por Bürger como essenciais para a arte autônoma, caminhando, novamente, não para seu contrário, uma espécie de engajamento social, mas sim para uma completa transformação da concepção artística.

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