Responsabilidade por atos ilícitos e por atos não-proibidos em direito internacional do comércio

June 3, 2017 | Autor: Michael Lawson | Categoria: International trade law
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Responsabilidade por atos ilícitos e por atos não-proibidos em direito
internacional do comércio
Michael Nunes Lawson[1]

Resumo: Começando por uma visita a como evoluiu o regime geral de
responsabilidade nos trabalhos da Comissão de Direito Internacional (CDI)
da ONU, o artigo pretende examinar como se encontra conformado o regime de
responsabilidade em direito internacional do comércio (DIC).

1. Introdução
É implícito à idéia de ordem jurídica que, aquele que prejudicar
direito alheio, deverá reparar o dano causado. A assertiva é válida tanto
para a ordem jurídica interna quanto para a internacional. A Corte
Permanente de Justiça Internacional, em célebre dictum, afirmou que é um
princípio de direito internacional, e mesmo uma concepção geral de direito,
que a violação de um compromisso acarreta a obrigação de reparar de forma
adequada[2]. Aplicável, no mais das vezes, a situações onde há agir
ilícito, o instituto da responsabilidade se desenvolveu para,
excepcionalmente, fazer surgir a obrigação de reparar sem que tenha havido
ilicitude na conduta do agente.
Em direito internacional há um regime geral de responsabilidade, de
índole costumeira, e de cuja codificação a Comissão de Direito
Internacional (CDI) da ONU tem se ocupado desde 1955. Convivendo com o
regime geral existem inúmeros regimes especiais de responsabilidade, tal
como o da OMC, que tem como eixo o Entendimento de Solução de Controvérsias
(ESC).

2. A responsabilidade internacional nos trabalhos da CDI
Instada por resolução da Assembléia Geral (799/VIII) de 1953, a CDI,
no ano de 1955, iniciou a codificação da responsabilidade internacional do
Estado. Propunha-se, num primeiro momento, que a codificação abarcasse tão-
somente a responsabilidade do Estado por danos causados em seu território a
estrangeiros. Substituído o Relator-Especial Francisco García-Amador por
Roberto Ago, esse propôs que se procedesse à codificação de um regime geral
da responsabilidade internacional, e tal foi o curso tomado pela CDI.
Cedo a Comissão verificou que a jurisprudência e a doutrina
convergiam quanto a ser o ato internacionalmente ilícito requisito para a
responsabilidade internacional[3]. Mais uma vez refinando o seu objeto de
estudo, a CDI passou a se concentrar na codificação da responsabilidade por
atos internacionalmente ilícitos. O art. 1º do Projeto de Artigos concluído
em 2001 (intitulado Responsibility of States for Internationally Wrongful
Acts) dispõe que Todo ato internacionalmente ilícito de um Estado implica a
responsabilidade internacional daquele Estado.
O labor da CDI assenta sobre a estrita separação entre regras
secundárias de responsabilidade e regras primárias, que visam a regular
comportamentos; a codificação só encampa as primeiras, que entram em cena
quando ocorre a violação das regras primárias. Assim, consignou a CDI nos
comentários ao Projeto de Artigos:
"The emphasis is on the secondary rules of State responsibility: that
is to say, the general conditions under international law for the
State to be considered responsible for wrongful actions or omissions,
and the legal consequences which flow therefrom. The articles do not
attempt to define the content of the international obligations, the
breach of which gives rise to responsibility. This is the function of
the primary rules, whose codification would involve restating most of
substantive customary and conventional international law"[4].


Por enfocar o seu labor, apenas, regras secundárias, à CDI foi
possível evitar a controvérsia acerca do papel da culpa na responsabilidade
internacional. Eventual reclamo de culpa para que ocorra o ato
internacionalmente ilícito – vejam-se, por exemplo, as obrigações de due
dilligence – deve ser pesquisado na regra primária que estipula a
obrigação[5]. A orientação é a mesma relativamente ao dano (na acepção de
prejuízo, material ou moral) como requisito da responsabilidade: caberá à
regra primária dizer. Na esteira do art. 1º, mesmo ausente qualquer dano
material ou moral, a responsabilidade internacional é implicada; o Projeto,
com efeito, absorve a noção de dano jurídico, que consiste na mera violação
da obrigação internacional, e faz recair sobre o ofensor o dever de cessar
a ilicitude.
O Projeto de Artigos finalizado em 2001 é composto de quatro partes.
A primeira (The Internationally Wrongful Act of a State) versa sobre as
condições para o surgimento da responsabilidade, a atribuição do ilícito ao
Estado e as circunstâncias que excluem a ilicitude; a segunda (Content of
the International Responsibility of a State), sobre as obrigações de
cessação do ilícito e de reparação; a terceira (The Implementation of the
International Responsibility of a State), sobre a invocação da
responsabilidade e as contramedidas; por fim, a quarta traz disposições
gerais. O art. 55 evidencia o caráter residual do Projeto: o regime geral
somente é aplicável na medida em que regras especiais de responsabilidade
não disponham diferentemente.
Cedo, também, a CDI constatou que a responsabilidade internacional
pode se originar não apenas de atos ilícitos, mas igualmente de atos
lícitos. Em razão de diferenças estruturais entre as duas espécies de
responsabilização, a impossibilitar um exame conjunto, a Comissão houve por
se concentrar, unicamente, na responsabilidade por atos ilícitos. Em 1978 a
CDI inseriu na sua agenda de trabalho o tópico da responsabilidade
internacional por conseqüências danosas decorrentes de atos não-proibidos
pelo direito internacional (doravante responsabilidade por atos não-
proibidos ou sine delicto).
Embora denominada "responsabilidade", a responsabilidade por atos não-
proibidos não se amolda ao critério que estabelece serem as regras desse
campo secundárias. A responsabilidade sine delicto encampa, em verdade,
regras primárias: grosso modo, ela determina que o Estado A, caso
desenvolva (ou permita que seja desenvolvida) atividade que cause dano ao
Estado B, será obrigado a reparar o dano. Inadimplida tal obrigação, o
Estado lesado pode recorrer às regras secundárias de responsabilidade (com
as reservas necessárias), postulando indenização, por exemplo.
Como no direito interno, a responsabilidade sine delicto em direito
internacional articulou-se principalmente em torno de atividades perigosas.
A CDI, no entanto, verificou não haver elementos na prática estatal que
autorizassem a formatação de um regime geral de responsabilidade sine
delicto, apto a ser aplicado na ausência de normas convencionais. Em face
dessa grave limitação, o trabalho da CDI sobre responsabilidade por atos
não-proibidos produziu resultados tímidos. O primeiro foi um Projeto de
Artigos sobre Prevenção de Dano Transfronteiriço decorrente de Atividades
Perigosas[6]. O segundo foi denominado Projeto de princípios sobre a
alocação de prejuízo no caso de dano transfronteiriço decorrente de
atividades perigosas[7], que não afirmou a responsabilidade do Estado por
danos decorrentes de atividades perigosas nem na modalidade de uma
responsabilidade subsidiária relativamente ao particular causador do dano.

2. A responsabilidade em DIC
O regime de responsabilidade em DIC[8], centrado, hoje, no ESC da
OMC, deriva, em larga medida, do art. XXIII do GATT 1947, bem como da
prática subseqüente das partes-contratantes a respeito da aplicação desse
artigo. Um ligeiro olhar sobre como o art. XXIII veio a lume ajuda a
entender a forma como a responsabilidade é conformada em DIC.
Os Estados Unidos, no pós-2ª Guerra, foram os grandes idealizadores
da criação de uma Organização Internacional do Comércio (OIC). Assim é que
confeccionaram um projeto de Carta da OIC, marco a partir do qual as
negociações para a criação da organização, iniciadas em Londres em 1946, se
seguiram. O antecedente próximo do art. XXIII apareceu no art. 30 do
projeto de Carta, no capítulo que cuidava da Política Comercial, e
apresentava a seguinte redação:


"If any Member should consider that any measure adopted by any other
Member, whether or not it conflicts with the terms of this Chapter,
has the effect of nullifying or impairing any object of this Chapter,
such other Member shall give sympathetic consideration to such written
representations as may be made with a view to effecting a mutually
satisfactory adjustment of the matter"[9].


Já então conhecido como cláusula de anulação ou prejuízo
(nullification or impairment), esse artigo espelhava os dispositivos de
solução de controvérsias existentes em tratados bilaterais de comércio
firmados pelos EUA a partir da década de 20. Também chamados de "tratados
de reciprocidade", buscava-se, com ditos instrumentos, intercambiar
oportunidades de comércio, sobretudo pela redução recíproca de tarifas
alfandegárias. Considerando, no entanto, que o alcance regulatório dos
tratados era limitado, restava aos Estados ampla liberdade para adotar
medidas que tivessem por efeito frustrar as obrigações tarifárias referidas
no instrumento. Um comentário editorial escrito por Philip C. Jessup no
American Journal of International Law em 1933 ilustra, exemplarmente,
preocupação dessa ordem. Ele dizia que, conquanto EUA e Cuba tivessem
firmado tratado em 1902, através do qual asseguravam ao parceiro
preferências alfandegárias, as exportações estadunidenses estavam
experimentando considerável declínio. Jessup apontou que a simples fixação
de preferências não constituía uma estratégia eficiente, vez que outras
questões, sem regulação no tratado, tinham o condão de privar as
preferências de todo efeito. Ele observou, por exemplo, que Cuba teria
aumentado a fatura de certificação consular de 1% para 5% ad valorem,
quantia essa que escapava à rubrica "imposto tarifário" regulada no
tratado[10].
Num contexto, portanto, em que muitas questões escapavam a qualquer
regulamentação, é compreensível que a legalidade não se afigurasse a melhor
baliza para orientar a solução de controvérsias. Dessa forma, a
justificativa para uma parte reclamar surgia de uma noção vaga, a quebra da
reciprocidade, ou anulação ou prejuízo de vantagens, não importando se o
comportamento da contraparte fosse legal ou não. A propósito, Petersmann
apresenta um dado significativo: um estudo conduzido pela Liga das Nações
em 1931 teria apontado que, de 73 tratados comerciais bilaterais firmados
entre países europeus, nenhum deles apontava a ilegalidade da conduta como
requisito para que fosse iniciada uma disputa[11].
O art. 30 proposto pelos EUA sofreu várias alterações de redação[12].
Na Conferência de Londres, o delegado australiano propôs que não apenas
medidas, mas, também, a ocorrência de uma situação permitisse o recurso ao
dispositivo. Com isso, desejava assegurar que situações para as quais
nenhum membro concorreu de forma direta, como uma depressão econômica,
servissem de razão para que se readequasse a balança de direitos e
obrigações[13]; aí reside o surgimento da ação de situação (situation
complaint).
Na sessão negociadora seguinte, ocorrida em Genebra em 1947, foram
postos em destaque os três tipos distintos de ação previstos: além da ação
de situação, a ação de violação (violation complaint) e a ação de não-
violação (non-violation complaint). Finda a conferência, as partes
negociadoras já haviam logrado concluir uma série de concessões tarifárias,
que desejavam implementar desde logo. A solução encontrada foi pôr em
vigor, em caráter temporário, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT),
até que fossem concluídas, na Conferência de Havana em 1948, as tratativas
para a criação da OIC.
O único dispositivo do GATT que tratou de solução de controvérsias, o
art. XXIII, representou virtualmente uma cópia da cláusula de anulação ou
prejuízo conforme essa emergiu das negociações genebrinas. Eis o seu teor:
"Nullification or Impairment


1. If any contracting party should consider that any benefit accruing
to it directly or indirectly under this Agreement is being nullified
or impaired or that the attainment of any objective of the Agreement
is being impeded as the result of:


(a) the failure of another contracting party to carry out its
obligations under this Agreement, or

(b) the application by another contracting party of any measure,
whether or not it conflicts with the provisions of this
Agreement, or

(c) the existence of any other situation,


the contracting party may, with a view to the satisfactory adjustment
of the matter, make written representations or proposals to the other
contracting party or parties which it considers to be concerned. Any
contracting party thus approached shall give sympathetic consideration
to the representations or proposals made to it".


A leitura do artigo denota a centralidade do conceito de anulação ou
prejuízo de benefícios. Para que um membro recorra à solução de
controvérsias, invocando a responsabilidade de outro, é indispensável que
um benefício do acordo esteja sendo anulado ou prejudicado (ou que um dos
objetivos do acordo esteja sendo dificultado). E de que forma ocorrer tal
anulação ou prejuízo? A resposta é fornecida pelas alíneas do art. XXIII:
tanto uma (a) medida violadora como uma (b) medida não-violadora, ou, até
mesmo, (c) qualquer outra situação[14].
A seguir, será examinado, sucintamente, como se articulam a
responsabilidade por violação e por não-violação. As categorias fornecidas
pelo regime geral de responsabilidade não deixam de ser pertinentes: trata-
se, em última análise, de responsabilidade por atos ilícitos e por atos não-
proibidos em DIC.

2.1. Responsabilidade por atos ilícitos
A responsabilidade por violação, instrumentalizável por meio da ação
de violação, adquiriu proeminência na solução de controvérsias no GATT/OMC.
Isso se explica, inter alia, pelas muitas interrogações circundando as duas
outras ações, e pela busca de segurança jurídica por parte daquele que
pretende fazer vingar a sua queixa.
O elemento subjetivo não é relevante, posto que as regras comerciais
multilaterais (primárias) não requerem culpa para que aconteça a
responsabilização por violação; é suficiente a violação da norma
objetivamente considerada[15].
A responsabilidade por violação goza de uma presunção de anulação ou
prejuízo de benefícios, insculpida, hoje, no art. 3:8 do ESC[16]. A
presunção possui origem jurisprudencial, tendo sido cunhada em 1962 no
contencioso Uruguayan Recourse to Article XXIII[17].
O art. 3:8 prevê, expressamente, que a presunção é refutável. Num
exercício especulativo, concebe-se que o único modo de elidir a presunção
seria comprovar que a medida em questão não origina efeitos comerciais
adversos. Sem embargo, essa possibilidade se fecha quando se verifica que o
entendimento assentado na jurisprudência é que as regras comerciais, em
geral, protegem condições de concorrência, ou oportunidades de comércio, e
não volumes de comércio[18]. A tão-só violação das regras,
independentemente dos seus efeitos sobre o comércio, é entendida como
perturbadora das condições de concorrência, fazendo com que, na prática, se
torne impossível elidir a presunção de anulação ou prejuízo (tanto que ela
nunca foi rebatida com sucesso). A premissa de que se tutelam condições de
concorrência revela, ademais, que o prejuízo materialmente quantificável
(diminuição dos volumes de comércio) não constitui requisito da
responsabilidade em DIC[19].
No concernente a remédios jurídicos[20], o remédio por excelência em
se tratando de responsabilidade por violação é a recomendação para que a
medida ilegal seja posta em conformidade com o acordo em apreço, prevista
no art. 19:1 do ESC[21]. A despeito da brandura do termo "recomendação", o
ESC, lido no seu conjunto, aponta para a obrigatoriedade de o membro
vencido observar a recomendação emitida pelo painel ou órgão de apelação,
tornando-a verdadeira obrigação de cessação, no espírito do art. 30 do
Projeto de Artigos da CDI[22]. Por outro lado, o ESC não prevê reparação,
pelo que os danos experimentados por um membro em virtude da conduta ilegal
de outro ficam a descoberto. É evidente, nesse ponto, a limitação dos
remédios de DIC relativamente àqueles de direito internacional geral, que
compreendem três modalidades de reparação: restituição, compensação e
satisfação.
Em não tendo havido o cumprimento da recomendação, ou tendo o
cumprimento sido julgado ruim pelo painel previsto no art. 21:5 (o
compliance panel), o membro vencido, caso requisitado, vê-se obrigado a
entabular negociações objetivando a concessão de compensação (art. 22:2). A
compensação consiste em abertura de mercado oferecida pelo vencido,
enquanto, teoricamente, é providenciada a conformação da medida ilegal com
o regime. Transcorridos 20 dias do fim do prazo de cumprimento sem que as
partes tenham acordado quanto a compensação, o membro vencedor está livre
para solicitar ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) a suspensão de
concessões ou outras obrigações, ou retaliação. A compensação e a
retaliação são medidas temporárias, que não substituem a obrigação de
desfazer a ilicitude[23].
No art. 22:3 o ESC impõe determinadas diretrizes ao Membro que deseje
retaliar. Assim, a retaliação deve atingir: (i) preferencialmente, o mesmo
setor do produto objeto da controvérsia; (ii) secundariamente, outros
setores sob o mesmo acordo; (iii) por último, concessões sob outros
acordos. Outro princípio a ser obedecido, cristalizado no art. 22:4, é que
haja equivalência entre o prejuízo sofrido (benefícios anulados ou
prejudicados) e o montante da retaliação. Se a análise de fluxos de
comércio é desimportante para que se configure a responsabilidade, nota-se
que no art. 22:4 ela assume importância. Por fim, o ESC possibilita, no
art. 22:6, que o membro infrator se irresigne contra a não-observância dos
princípios contidos no art. 22:3 e 22:4, através de recurso ao painel
original ou a um árbitro nomeado pelo Diretor-Geral.

2.2. Responsabilidade por atos não-proibidos
A responsabilidade por não-violação presta-se a um enquadramento na
categoria da responsabilização sine delicto ou por atos não-proibidos[24].
Ela encaixa-se na lógica da CDI de que o que se convencionou chamar de
responsabilidade por atos não-proibidos consiste numa obrigação primária:
em linhas gerais, a responsabilidade por não-violação estabelece que, se um
membro, através de uma medida não-proibida, frustrar benefícios de outro
membro, deverá prestar compensação. Caso essa não seja prestada, cabe ao
membro lesado recorrer à suspensão de concessões, isto é, às regras
secundárias de responsabilidade por atos ilícitos[25].
O porquê da responsabilidade por não-violação confunde-se com o
espírito da antiga cláusula de anulação ou prejuízo, de que compromissos
tarifários poderiam ser facilmente frustrados por práticas governamentais
não-proibidas. Se bem que o art. XXIII tenha mencionado como passíveis de
frustração benefícios em geral, o histórico da cláusula aponta que ela (e
por conseqüência a responsabilidade por não-violação) foi planejada para
proteger compromissos tarifários.
É interessante notar que a responsabilidade por não-violação aportou
no GATT sem que tivesse sido objeto de uma teorização jurídica. Ela era,
antes de tudo, um instrumento para resolução política de disputas (daí a
vagueza dos seus termos), que induzia as partes a "conversar a respeito"
quando a reciprocidade do tratado fosse afetada. Coube à jurisprudência que
enfrentou a ação de não-violação a difícil tarefa de dar concretude a
termos como "anulação ou prejuízo de benefícios"[26].
O núcleo da responsabilidade por não-violação encontra-se no art.
XXIII:1(b) do GATT, o qual "revive", com melhoramentos, no art. 26:1 do
ESC. A alínea (a) codifica alteração procedimental cunhada em Uruguayan
Recourse to Article XXIII[27], segundo a qual a ação de não-violação deve
ser acompanhada de uma justificação detalhada da pretensão. A exigência de
justificar detalhadamente robustece o ônus da prova na responsabilidade por
não-violação, o que fica evidente ao se traçar o paralelo com a
responsabilidade por violação: ao passo que nessa a ilicitude acarreta
presunção de anulação ou prejuízo, naquela exige-se uma argumentação
detalhada sobre a ocorrência de anulação ou prejuízo de benefícios.
Em face de se estar lidando com uma medida não-proibida, o ESC, no
art. 26:1(b), adota a posição de que não se pode exigir a sua retirada.
Entendimento diverso imporia ao membro uma obrigação com a qual ele não
anuiu, situação que o ESC se esmera para combater quando, no art. 3:2, reza
que as decisões do OSC não podem promover aumento ou diminuição das
obrigações contidas nos acordos abrangidos. Ainda de acordo com o art.
26:1(b), o pronunciamento dos painéis ou órgão de apelação, na ação de não-
violação, deve se limitar a recomendar ao Membro que proceda a um ajuste
mutuamente satisfatório.
O art. 26:1(c) coloca à disposição dos litigantes a arbitragem do art.
21:3 – prevista originalmente para decidir sobre o período dentro do qual a
recomendação deve ser cumprida –, perante a qual se poderá requerer o
cálculo dos benefícios anulados ou prejudicados e/ou a sugestão de meios
para se atingir um ajuste mutuamente satisfatório. Por fim, o art. 26:1(d)
prevê a aplicação do instituto da compensação à responsabilidade por não-
violação, ressalvando-se que se trata, aqui, de uma solução definitiva para
a disputa.
Apesar de o art. 26:1 ser silente a respeito, a suspensão de
concessões, como remédio último, aplica-se à responsabilidade por não-
violação. Mesmo que, durante todo o período do GATT/OMC, a suspensão de
concessões nunca tenha sequer sido requerida numa ação de não-violação, a
jurisprudência já manifestou a sua aplicabilidade à referida ação[28].

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[1] Mestrando em Direito Internacional – Universidade Federal do Rio Grande
do Sul (UFRGS). [email protected]
[2] P.C.I.J., Case Concerning the Factory at Chórzow, Merits, Series A, No.
17, 1928, p. 29. Disponível em: . Acesso em:
04 jul. 2008.

[3] "The legal content of international responsibility did not give rise to
any major difficulties in traditional doctrine and practice. It was
regarded as a consequence of the breach or non-performance of an
international obligation, the State being then under a 'duty to make
reparation' for the injury occasioned" (ILC Yearbook, 1956, vol. II, p.
180, § 35).
[4] Report of the ILC on the Work of its 53rd Session (2001). Document
A/56/10, p. 31.
[5] "Whether there has been a breach of a rule may depend on the intention
or knowledge of relevant State organs or agents and in that sense may be
'subjective'. (…) In other cases, the standard for breach of an obligation
may be 'objective', in the sense that the advertence or otherwise of
relevant State organs or agents may be irrelevant. Whether responsibility
is 'objective' or 'subjective' in this sense depends on the circumstances,
including the content of the primary obligation in question. The articles
lay down no general rule in that regard. The same is true of other
standards, whether they involve some degree of fault, culpability,
negligence or want of due diligence. Such standards vary from one context
to another for reasons which essentially relate to the object and purpose
of the treaty provision or other rule giving rise to the primary
obligation. Nor do the articles lay down any presumption in this regard as
between the different possible standards. Establishing these is a matter
for the interpretation and application of the primary rules engaged in the
given case" (Idem, p. 34-35).
[6] Idem, p. 146-148, § 97. O documento é composto de 19 artigos versando
sobre medidas como autorização prévia da atividade, estudo de impacto
ambiental, notificação, trocas de informações e consultas entre os Estados
envolvidos, medidas unilaterais de prevenção etc. O desiderato foi
estabelecer um regime geral para a prevenção de danos transfronteiriços
gerados por atividades perigosas, com aspiração a nortear o comportamento
dos Estados na ausência de um regime convencional.
[7] Report of the ILC on the Work of its 58th Session (2006). Document
A/61/10, p. 106-10.
[8] As regras de DIC podem ser formuladas em nível bilateral, regional ou
multilateral, sendo a produção normativa considerável em qualquer dos três
níveis. Contudo, no presente artigo, estar-se-á focando nos
desenvolvimentos observados no âmbito multilateral, especificamente no
regime do GATT/OMC (e seus antecedentes). Desse modo, a menção a DIC indica
referência às normas formuladas em nível multilateral.
[9] Apud DURLING, James P.; LESTER, Simon N. Original Meanings and the Film
Dispute: The Drafting History, Textual Evolution, and Application of the
Non-Violation Nullification or Impairment Remedy. George Washington Journal
of International Law and Economics, vol. 32, 1999, p. 232.
[10] JESSUP, Philip C. Negotiating Reciprocity Treaties. American Journal
of International Law, v. 27, 1933, p. 738-743.
[11] PETERSMANN, Ernst-Ulrich. The GATT/WTO Dispute Settlement System:
International Law, International Organizations and Dispute Settlement.
London: Kluwer Law International, 1997, p. 143.
[12] Devido a limitações de espaço, só haverá menção àquelas consideradas
mais significativas.
[13] HUDEC, Robert E. The GATT Legal System and World Trade Diplomacy. New
York: Praeger Special Studies, 1975, p. 35.
[14] A ação de situação desperta pouco interesse, não tendo, desde o início
da vigência do GATT, sido objeto de sequer uma decisão – o que leva autores
como Petersmann a pleitear sua abolição. Contudo, para que não passe em
branco, esclareça-se que a ação de situação é regulada pelo art. 26:2 do
ESC, que dispõe que as suas regras só se aplicarão até a fase de circulação
da decisão do painel. A partir daí, a regência será de Decisão das Partes-
Contratantes de 12/04/1989 (Improvements to the GATT Dispute Settlement
Rules and Procedures), a qual prevê a adoção da decisão por consenso e
mecanismo não tão elaborado para a supervisão do cumprimento, bem como não
contempla o grau de recurso. Ainda, o art. 26:2 requer que a ação de
situação seja acompanhada de uma justificação detalhada e que a decisão
sobre essa ação seja contida num relatório separado. O GATS excluiu a ação
de situação. Um dos raros casos em que se invocou a ação foi Article XXIV:6
renegotiations between Canada and the EEC, apresentado pelo Canadá em 1974
e que resultou em acordo das partes.
[15] Só excepcionalmente é que a regra primária torna relevantes
considerações sobre culpa para que se configure a sua violação, como, p.
ex., no art. XXIV:12 do GATT ("Each contracting party shall take such
reasonable measures as may be available to it to ensure observance of the
provisions of this Agreement by the regional and local governments and
authorities within its territories"). Nesse caso, o membro somente será
responsável por uma violação se se furtar a agir razoavelmente; a
disposição, para Petersmann, introduz algo como a obrigação de due
dilligence de direito internacional geral (op. cit., p. 136-137).
[16] "In cases where there is an infringement of the obligations assumed
under a covered agreement, the action is considered prima facie to
constitute a case of nullification or impairment. This means that there is
normally a presumption that a breach of the rules has an adverse impact on
other Members parties to that covered agreement, and in such cases, it
shall be up to the Member against whom the complaint has been brought to
rebut the charge".
[17] Uruguayan Recourse to Article XXIII, GATT Panel Report, adopted 16
November 1962, L/1923, BISD 11S/95, p. 04, § 15.
[18] "For these reasons, Article III:2, first sentence, cannot be
interpreted to protect expectations on export volumes; it protects
expectations on the competitive relationship between imported and domestic
products. A change in the competitive relationship contrary to that
provision must consequently be regarded ipso facto as a nullification and
impairment of benefits accruing under the General Agreement" (United States
– Taxes on Petroleum and Certain Imported Substances, GATT Panel Report,
adopted 17 June 1987, L/6175, BISD 34S/136, p. 16, § 5.1.9).
[19] "Tal assimilação [entre a violação e o seu efeito de 'anulação do
benefício'] é análoga à violação em direito internacional, consubstanciada
na idéia de dano jurídico. Também na jurisprudência da OMC, a transformação
do bem jurídico protegido pela norma primária internacional, de um bem
material (e.g. volumes de exportação) em um princípio imaterial (e.g.
relação competitiva), presta-se à fórmula de Dionisio Anzilotti segundo a
qual 'le dommage se trouve compris implicitement dans le caractère anti-
juridique de l'acte'. Se a anulação do benefício é identificada ao objeto
da obrigação, o dano é puramente jurídico e a presunção torna-se de facto
impossível de ser revertida" (NETO, Adelino Arantes. Responsabilidade do
Estado no Direito Internacional e na OMC. 2.ed. Curitiba: Juruá, 2008, p.
239).
[20] Expressão mais familiar no jargão jurídico em língua inglesa
(remedies), e que diz respeito aos provimentos e medidas judiciais que o
sujeito que busca o judiciário faz jus.
[21] "1. Where a panel or the Appellate Body concludes that a measure is
inconsistent with a covered agreement, it shall recommend that the Member
concerned bring the measure into conformity with that agreement. In
addition to its recommendations, the panel or Appellate Body may suggest
ways in which the Member concerned could implement the recommendations".
[22] "The state responsible for the internationally wrongful act is under
an obligation: (a) to cease that act, if it is continuing; (…)". Nos
comentários ao Projeto de Artigos há uma nota de rodapé remetendo ao ESC, e
dizendo que o foco do sistema de solução de controvérsias da OMC é a
cessação, ao invés da reparação (Report of the ILC on the Work of its 53rd
Session (2001). Document A/56/10, p. 89).
[23] Art. 22:1: "Compensation and the suspension of concessions or other
obligations are temporary measures available in the event that the
recommendations and rulings are not implemented within a reasonable period
of time. However, neither compensation nor the suspension of concessions or
other obligations is preferred to full implementation of a recommendation
to bring the measure into conformity with the covered agreements. (…)"
[24] Proposição dessa ordem já foi feita pela doutrina: VON BOGDANDY,
Armin. The Non-Violation Procedure of Article XXIII:2 – Its Operational
Rationale. Journal of World Trade, vol. 26, n. 04, 1992, p. 111; KIM, Dae-
Won. Non-Violation Complaints in WTO Law – Theory and Practice. Bern: Peter
Lang, 2005, p. 255-256.
[25] O entendimento de que a responsabilidade por não-violação se equipara
a uma obrigação primária é compartilhado por Adelino Arantes Neto (op.
cit., p. 252-257). Não se concorda com esse autor, porém, quando ele diz
que se trata de uma responsabilidade vazia de conteúdo, não sendo possível
o recurso à suspensão de concessões. Embora esse expediente nunca tenha
sido utilizado numa ação de não-violação, ele se encontra, sim, disponível,
conforme já apontou a jurisprudência, por exemplo, em EEC – Payments and
Subsidies Paid to Processors and Producers of Oilseeds and related Animal-
Feed Proteins (GATT Panel Report, adopted 25 January 1990, L/6627, BISD
37S/86, p. 36, § 148).
[26] Dessa tarefa foi poupada a jurisprudência sobre violação em razão da
presunção de anulação ou prejuízo que se estabeleceu. Joel P. Trachtman
alude ao poder considerável delegado aos painéis em razão da amplitude dos
termos do art. XXIII:1(b): "The availability of recourse under article
XXIII(1)(b) of GATT and coordinate provisions for NVNI [non-violation
nullification or impairment] of tariff concessions is a legislative
invitation to extraordinary construction" (The Domain of WTO Dispute
Resolution. Harvard International Law Journal, vol. 40, 1999, p. 26.
Disponível em: .
Acesso em: 04 jul. 2008).
[27] Uruguayan Recourse to Article XXIII, p. 04, § 15.
[28] Remete-se o leitor à nota de rodapé 25.
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