Responsabilidade sobre o Plano de Segurança da Água no Brasil

Share Embed


Descrição do Produto

RESPONSABILIDADE  SOBRE  O  PLANO  DE  SEGURANÇA  DA  ÁGUA  NO   BRASIL   Danielle Mendes Thame Denny1 Antonio Carlos Mendes Thame2 RESUMO O presente artigo aborda a água como Direito Humano e como Objetivo de Desenvolvimento do Milênio. Detalha especificamente o Plano de Segurança da Água previsto nas recomendações da Organização Mundial da Saúde e na Portaria 2914/2011 do Ministério da Saúde como método de gerenciamento de riscos ambientais. Identifica que são obrigados a fazer esse Plano de Segurança da Água, tanto concessionárias do sistema de abastecimento, como quaisquer edifícios que façam captação, distribuição, tratamento uso e reuso de água. Na sequência, aborda quais penalidades podem ser aplicadas a empresas que não façam o Plano de Segurança da Água e quais órgãos da Administração Pública são responsáveis pela fiscalização. Constata, assim, que a impunidade é questão circunstancial pois há previsão legal, dessa forma, qualquer empresa que faça captação, tratamento, distribuição, uso e reuso de água, mas deixe de elaborar o Plano de Segurança da Água pode ser penalizada não só por infrações sanitárias como também pode ser responsabilizada ambientalmente triplamente, nos âmbitos administrativo, civil e penal. Sendo assim, eventuais condenações precisam ser contabilizadas para, inclusive, poder impactar positivamente a decisão sobre a viabilidade econômica de ser feito um Plano de Segurança da Água, diante dos custos respectivos, ponderando-os com os possíveis ganhos que essa forma de gerenciamento possa ter, por exemplo, para a construção de uma reputação ambiental. O caso do Estado de São Paulo é analisado com mais detalhes. E, na sequência, as negociações a respeito dos novos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. PALAVRAS-CHAVE: Plano de Segurança da Água, Gestão Ambiental, Tutela Jurídica da Água

Introdução   A água a partir do século XX ocupou diferentes lugares no ideário sócio-político ambiental. Antes tida como recurso ilimitado e com alta capacidade de resiliência passou a ser escasso e de difícil regeneração. Além disso, os riscos decorrentes da utilização desse bem

1

Professora na Fundação Armando Álvares Penteado e na Universidade Paulista. Doutoranda em Direito Ambiental Internacional pela Universidade Católica de Santos.   2 Professor licenciado na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo. Foi secretario de Recursos Hídricos do Estado de São Paulo entre 1999 e 2002.  

deixaram de ser apenas os relativos à potabilidade, para abarcar também os eventuais perigos vinculados à aspiração e ao contato. Dessa forma, o conceito de qualidade da água precisou ser ampliado para possibilitar a mitigação de eventuais riscos à saúde humana associados aos usos industriais, ornamentais, recreacionais, em sistema de resfriamento, na irrigação e em outros. A Assembléia Geral das Nações Unidas declarou ser a água direito humano essencial em 2010, pela Resolução A/RES/64/292. Por sua vez, em 2011, o Conselho dos Direitos Humanos adotou a Resolução 16/2, pela qual considera o acesso a água potável segura e ao saneamento um direito humano. Afinal, a água limpa e segura e o respectivo saneamento básico são pré-requisitos para o ser humano gozar plenamente uma vida digna e exercer os outros direitos humanos sobretudo o direito à vida e à dignidade humana. Sendo assim, as instituições e os meios que compõem o sistema de direitos humanos das Nações Unidas podem ser utilizados para fazer o acompanhamento do progresso atingido pelos Estados membros para efetivar em seus territórios o direito à água e ao saneamento, sendo viável responsabilizar governos por inércias e má gestão. Inclusive, na Agenda 21, o capítulo 18 já direcionava as ações dos Estados para um gerenciamento sustentável: “18.2. A água é necessária em todos os aspectos da vida. O objetivo geral é assegurar que se mantenha uma oferta adequada de água de boa qualidade para toda a população do planeta, ao mesmo tempo em que se preserve as funções hidrológicas, biológicas e químicas dos ecossistemas, adaptando as atividades humanas aos limites da capacidade da natureza e combatendo vetores de moléstias relacionadas com a água. Tecnologias inovadoras, inclusive o aperfeiçoamento de tecnologias nativas, são necessárias para aproveitar plenamente os recursos hídricos limitados e protegê-los da poluição.”

No Brasil, o controle e gerenciamento de riscos associados à água têm sido feito principalmente com base em normas do Ministério da Saúde, com a Portaria 518 de 2004, posteriormente substituída pela Portaria 2914 de 2011 a qual está em negociação para ser revista de modo a aprimorar os controles, a vigilância, as responsabilidades e o padrão de potabilidade da água. Na revisão possivelmente será mantida a necessidade de avaliação sistemática da água por meio de Plano de Segurança da Água, tanto para os sistemas de abastecimento (concessionárias de água), como também para outros que façam captação, tratamento e uso da água a exemplo de edificações, indústrias, condomínios, hospitais, shoppings centers. Essa

previsão normativa visa adequar o arcabouço jurídico brasileiro às recomendações da Organização Mundial de Saúde que desde 2000 tem proposto a difusão do Plano de Segurança da Água como método para gerenciamento dos riscos que esse recurso possa propiciar aos usuários.

Organização  Mundial  de  Saúde   Diante dos inúmeros desafios contemporâneos, as tradicionais análises laboratoriais da qualidade da água são insuficientes para garantir sua segurança para a saúde humana, elas não são rápidas o suficiente para prevenir o consumo da água contaminada, analisam apenas uma pequena amostragem e o preço cobrado pelos laboratórios muitas vezes tornam impeditivo um processo sistemático e constante de análise. A Organização Mundial de Saúde, em virtude disso, recomenda que o controle da qualidade da água seja feito por meio de Plano de Segurança da Água. Trata-se de uma ferramenta de gestão do sistema de abastecimento de água que possibilite tanto identificar os potenciais riscos de o sistema de água ocasionar eventuais danos à saúde dos usuários diretos ou indiretos, como permitir que haja gerenciamento sistemático e frequente desses riscos para minimizar a possibilidade de consumo de água não segura. Assim, para se ter uma água segura, as orientações da Organização Mundial da Saúde, sugerem a adoção de um método que primeiro avalie o sistema, para em seguida possibilitar seu monitoramento operacional constante e para que possa ser feito um eficiente plano de gestão. Seguindo essa metodologia todos os sistemas de água, não apenas os sistemas de água potável, são avaliados de acordo com suas especificidades como o fato de ser fonte de água, desinfecção, tratamento, distribuição ou pontos de consumo, para identificar os perigos em quatro principais riscos: ingestão, inalação, contato e desabastecimento de água.

Princípio  da  prevenção   Essa orientação tripartite (avaliar, monitorar e planejar) da Organização Mundial da Saúde está de acordo com um dos princípios basilares do Direito Ambiental que é o da prevenção, expresso na Constituição Federal Brasileira no art. 225. Esse princípio reconhece

que o custo da prevenção é menor que o da reparação e que alguns danos são irrecuperáveis, assim se os riscos são previsíveis podem e devem ser mitigados, pressupondo, também, necessárias medidas cautelares para impedir a continuidade de eventuais atividades lesivas ao meio ambiente. O objetivo desse princípio constitucional é obter a compatibilização entre a atividade potencialmente danosa e a proteção ambiental. Havendo análise prévia dos impactos que um determinado empreendimento possa causar à saúde e ao meio ambiente, é possível, desde que adotadas medidas compensatórias, condicionantes e mitigadoras, assegurar sua atividade inclusive com os benefícios econômicos dela decorrentes. Assim, pelo princípio da prevenção, em um sistema seguro de água, os riscos e vulnerabilidades são conhecidos previamente, os eventuais danos podem ser identificados, avaliados e portanto mitigados por medidas de controles adequadas que possibilitem ação rápida e eficaz para reduzir ao máximo o risco de qualquer consumo, ingestão, aspiração ou contato com água sem segurança.

Portarias  do  Ministério  da  Saúde   Além da previsão constitucional por meio do princípio da prevenção, o Plano de Segurança da Água está normatizado desde 2011 no Brasil, haja vista a Portaria do Ministério da Saúde 2914 de 2011: Seção IV Do Responsável pelo Sistema ou Solução Alternativa Coletiva de Abastecimento de Água para Consumo Humano Art. 13. Compete ao responsável pelo sistema ou solução alternativa coletiva de abastecimento de água para consumo humano: (...) IV - manter avaliação sistemática do sistema ou solução alternativa coletiva de abastecimento de água, sob a perspectiva dos riscos à saúde, conforme os princípios dos Planos de Segurança da Água (PSA), recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ou definidos em diretrizes vigentes no País, com base nos seguintes critérios: a) mapeamento da ocupação da bacia contribuinte ao manancial; b) histórico das características das águas; c) características físicas do sistema; d) práticas operacionais; e) qualidade da água distribuída;

Em uma primeira leitura das quase cinquenta páginas da Portaria 2914/2011, pode parecer que o Plano de Segurança da Água seja obrigatório apenas para os grandes responsáveis pelos sistemas de abastecimento, ou seja para as empresas concessionárias de água. Contudo uma análise mais detida do texto normativo leva ao entendimento de que

qualquer empresa que capte e distribua água para uso humano está sujeita a esse dispositivo legal. A Portaria do Ministério da Saúde 2914 de 2011 é abrangente para qualquer água distribuída coletivamente destinada a consumo humano, com exceção da água envasada que tem regulamento próprio. Art. 2° Esta Portaria se aplica à água destinada ao consumo humano proveniente de sistema e solução alternativa de abastecimento de água. (...) Art. 3° Toda água destinada ao consumo humano, distribuída coletivamente por meio de sistema ou solução alternativa coletiva de abastecimento de água, deve ser objeto de controle e vigilância da qualidade da água. Art. 4° Toda água destinada ao consumo humano proveniente de solução alternativa individual de abastecimento de água, independentemente da forma de acesso da população, está sujeita à vigilância da qualidade da água.

Assim, na Portaria 2914/2011 há uma distinção entre sistemas alternativos de abastecimento de água, se forem individuais deverão se submeter apenas à vigilância da qualidade da água, se forem coletivos além da vigilância ao controle, conforme os princípios dos Planos de Segurança da Água: Art. 5° Para os fins desta Portaria, são adotadas as seguintes definições: (...) VII - solução alternativa coletiva de abastecimento de água para consumo humano: modalidade de abastecimento coletivo destinada a fornecer água potável, com captação subterrânea ou superficial, com ou sem canalização e sem rede de distribuição; VIII - solução alternativa individual de abastecimento de água para consumo humano: modalidade de abastecimento de água para consumo humano que atenda a domicílios residenciais com uma única família, incluindo seus agregados familiares; (...) XV - controle da qualidade da água para consumo humano: conjunto de atividades exercidas regularmente pelo responsável pelo sistema ou por solução alternativa coletiva de abastecimento de água, destinado a verificar se a água fornecida à população é potável, de forma a assegurar a manutenção desta condição; XVI - vigilância da qualidade da água para consumo humano: conjunto de ações adotadas regularmente pela autoridade de saúde pública para verificar o atendimento a esta Portaria, considerados os aspectos socioambientais e a realidade local, para avaliar se a água consumida pela população apresenta risco à saúde humana;

Contudo, em nenhum momento a Portaria 2914/2011 faz distinção entre as obrigações dos responsáveis pelos sistemas de abastecimento de água e dos responsáveis pelas soluções coletivas alternativas de abastecimento de água. Dessa forma, inclui junto com as empresas concessionárias de água, qualquer empresa que capte água subterrânea ou superficial para uso humano. Sendo assim, a Portaria 2914/2011 precisa ser cumprida para exigir que essa importante ferramenta de gestão de recursos hídricos, que é o Plano de Segurança da Água, seja implementada em uma variedade cada vez maior de empreendimentos, principalmente no

contexto atual em que os novos desafios de sustentabilidade e a escassez implicam aumento do reuso de água, uso indiscriminado de fontes e uma deterioração geral da qualidade da água.

Fiscalização  e  penalidades   A Secretaria de Vigilância em Saúde e as Secretarias de Saúde estaduais e municipais são os órgãos competentes para fiscalizar todo o cumprimento da Portaria do Ministério da Saúde 2914 de 2011, inclusive para verificar se as empresas responsáveis pelo sistema ou por solução alternativa de coleta e abastecimento de água estão realizando o Plano de Segurança de Água conforme é solicitado para garantir a segurança dessa água para consumo humano. A empresa que não cumprir essa determinação sujeita-se às penas previstas para as infrações sanitárias conforme determina a Lei 6437/1977 e cumulativamente responde por eventuais descumprimentos das determinações previstas na legislação ambiental federal, estadual e municipal, sujeitando-se portanto a sanções administrativas, civis e penais. Essa disposição está expressa na Portaria do Ministério da Saúde 2914 de 2011: Art. 43. Serão aplicadas as sanções administrativas previstas na Lei no 6.437, de 20 de agosto de 1977, bem como na legislação estadual ou municipal, aos responsáveis pela operação dos sistemas ou soluções alternativas de abastecimento de água que não observarem as determinações constantes desta Portaria, sem prejuízo das sanções de natureza civil ou penal cabíveis Art. 44. Cabe ao Ministério da Saúde, por intermédio da SVS/MS, e às Secretarias de Saúde dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, ou órgãos equivalentes, assegurar o cumprimento desta Portaria.

Responsabilidade  ambiental   A tendência ao mencionar meio ambiente, é atrela-lo ao meio natural, às florestas e aos animais, contudo, as cidades também são meio ambiente e é onde a maioria da população vive, dessa forma, zelar pela qualidade da água para consumo humano também é uma responsabilidade ambiental. No Brasil a matéria tem importância constitucional. Segundo a mais importante lei brasileira, todos têm direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, que é

caracterizado como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Por isso deve ser defendido e preservado para as presentes e futuras gerações tanto pela iniciativa privada, pelo poder público e pela coletividade. Caso isso não ocorra, um único fato pode gerar a responsabilização administrativa, civil e criminal, sem que uma exclua a outra. Em termos de indenização, a responsabilidade independe de dolo ou culpa, basta que haja nexo causal e dano. Afinal, quem exerce uma atividade, ao auferir lucro com ela, assume o risco de responder pelo dano causado objetivamente, ou seja, independentemente de ter tido intenção de lesar, ou de ter agido com imprudência, imperícia ou negligência. Como, em se tratando de meio ambiente, o dano é exatamente o que se quer evitar, toda lógica jurídica de proteção e gestão ambiental fundamenta-se numa dinâmica preventiva, mas, uma vez ocorrido, ele deve ser reparado da forma mais ampla possível, para desestimular outros poluidores potenciais. A reparação, portanto, deve ser integral compreendendo o prejuízo efetivamente causado bem como toda extensão de danos consequentes produzidos. A existência digna só é possível se houver meio ambiente equilibrado, então ele é bem indisponível e difuso relacionado à dignidade humana. Por essa razão o dano ambiental é imprescritível. Ademais, todos os agentes respondem solidariamente, em conjunto ou individualmente por todo o dano, inclusive o adquirente de boa fé. Normalmente em casos de responsabilidade objetiva, há quatro causas que rompem o nexo causal: caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiros, mas, isso não se aplica à responsabilidade ambiental. Também há inversão do ônus da prova e presunção do nexo de causalidade. Assim, além da responsabilidade civil ambiental ser objetiva, integral, imprescritível e solidária, presume-se nexo causal e inverte-se o ônus da prova.

Crime  de  poluição     Conforme definido no inciso III, do art. 3°, da Lei n° 6.938/81, poluição é a “degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a)

prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população (…) d) afetem as condições (…) sanitárias do meio ambiente” E essa poluição pode ser considerada um crime ambiental, conforme o art. 54 da Lei 9605/98: Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora. Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º Se o crime é culposo: Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa. § 2º Se o crime: I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população; III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; IV - dificultar ou impedir o uso público das praias; V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos: Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

Porque é considerada crime, pode submeter o agente a penas de até cinco anos de reclusão. Uma empresa, no âmbito penal, pode ser condenada a multa, dissolução, interdição, suspensão da atividade, confisco, perda de benefícios fiscais e seus dirigentes podem ser condenados a penas privativas e restritivas de liberdade.

Eventos  de  massa     O Plano de Segurança de Água ganha especial relevância durante eventos de massa como serão as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016. Durante esses eventos, a contaminação pode se dar nos mais variados lugares como hotéis, ginásios, estádios, refeitórios, shopping centers. Essa realidade traz consigo uma responsabilidade muito maior com a qualidade da água e também com o vapor presente no ar e que pode carregar vírus e bactérias. Conforme conceitua Michael Hall, megaeventos são insustentáveis na sua natureza pois são grandiosos em termos de público, mercado alvo, nível de envolvimento do setor

público, efeitos políticos, extensão de cobertura televisiva, construção de instalações e impacto sobre o sistema econômico e social da sociedade anfitriã (HALL, 2010:5). Nesse sentido, para inverter tal lógica deletéria de um megaevento há necessidade de muito planejamento, gerenciamento, controle e ação rápida para mitigar eventuais riscos, inclusive os concernentes à qualidade da água, há necessidade de um plano para melhorar o desempenho ambiental do uso da água e promover sua sustentabilidade, reduzindo ao máximo os riscos à saúde humana e os impactos negativos sobre o meio ambiente e com isso também mitigando ameaças à reputação de uma marca ou empresa que possam ser vinculadas a esse tipo de incidente. Durante a Copa do Mundo, por exemplo, a falta de um gerenciamento adequado da água fez com que a vigilância sanitária da cidade de São Paulo autuasse diversos hotéis de luxo que tinham sido recomendados pela FIFA, entre eles: Renaissance, Maksoud e Pestana. Alguns desses hotéis nem tinham dutos de limpeza do ar-condicionado o que indica que eles nunca foram limpos. E que, portanto, o sistema ficou, durante todo o tempo, acumulando poeira, fungos e bactérias, entre elas a legionella que causa uma pneumonia muito forte que leva a óbito 2 em cada 10 pessoas contaminadas. Além de um processo administrativo junto à vigilância sanitária, os hotéis podem vir a ser processados pelas vítimas que cobrarão indenização por perdas e danos que sofreram e também pelo Ministério Público no âmbito civil e criminal por terem causado danos ao meio ambiente urbano e com isso colocado a população em risco. Com a magnitude das olimpíadas, há ainda de ser considerado o risco de haver processos internacionais, como os oriundos dos Estados Unidos onde a jurisprudência está bem mais avançada que a brasileira para punir e condenar de maneira exemplar casos de legionelose, por exemplo. Importante ressaltar que um cidadão americano infectado pode processar nos EUA empresas brasileiras públicas ou privadas que tenham sido responsáveis pela sua doença. A justiça americana irá processar a sucursal local, se for uma multinacional por exemplo, ou irá emitir carta rogatória à justiça brasileira para chamar ao processo os responsáveis brasileiros. O processo por envolver Direito Internacional Privado tende a ser mais demorado que o

normal mas nele pode haver condenação tanto pelas leis brasileiras como pelas americanas, conforme os elementos de conexão do caso concreto.

Reputação  corporativa     A reputação organizacional, para Roberts e Dowling, seria um ativo intangível com potencial de criação de valor, ela agrega atributos organizacionais, criados ao longo do tempo, que refletem o modo pelo qual os diversos stakeholders vêem a empresa como uma boa cidadã corporativa (DOWLING, 2002: 53). Nesse contexto, o efetivo comprometimento socioambiental das empresas envolvendo todos os seus stakeholders é uma das principais métricas para construção da reputação corporativa das empresas. Além disso, há uma tendência cada vez maior de empresas e executivos serem responsabilizados administrativa, civil e criminalmente por descumprimento de obrigações ambientais. Para prevenir isso, é necessário um ativo processo de gerenciamento e minimização dos riscos, monitorando integralmente os sistemas de água para impedir ao máximo a proliferação de elementos patogênicos e, com isso, zelar pela saúde dos colaboradores, clientes, visitantes e a comunidade do entorno. Nesse sentido, um adequado Plano de Segurança da Água pode contribuir com a construção dessa reputação corporativa promovendo o disclosure voluntário que é valorizado no mercado, principalmente para as empresas de capital aberto. A divulgação espontânea de informações e de vulnerabilidades, além de contribuir para a gestão interna da empresa, apresenta relevância para o mercado de capitais, na medida que pode influenciar o comportamento dos usuários e dos fornecedores dessas informações. A divulgação espontânea, ao mesmo tempo que afeta a percepção dos riscos para os agentes econômicos e dessa forma afeta a alocação de recursos e cálculo dos preços dos títulos da empresa, por outro lado, influencia decisões internas quanto ao nível de exposição de suas vulnerabilidades tendo em vista o custo do levantamentos dessas informações, as normas contábeis e societárias que obrigam ou facultam a divulgação de certos dados e o interesse de suprir seus investidores com informações.

Em  São  Paulo   Comparativamente com o resto do Brasil, o Estado de São Paulo é um dos mais sensíveis a riscos envolvendo água, o estágio de desenvolvimento industrial, a urbanização adensada, decorrente de uma ocupação desordenada do solo e a complexidade da sociedade paulista impõem a estruturação de uma vigilância sanitária e ambiental altamente eficaz para mitigar potenciais riscos à saúde e ao meio ambiente. O quadro de escassez atual mostrou o quanto a população paulista, que é essencialmente urbana, depende de sistemas coletivos de abastecimento de água. A simples diminuição da pressão com que passou a ser bombeada nos canos já foi suficiente para deixar milhões sem água. A cidade de São Paulo em específico, cortada por rios e emoldurada por represas não pode fazer uso desses recursos dada a poluição principalmente decorrente de esgoto não tratado nesses corpos hídricos. A seca faz com que aumentem as soluções alternativas de abastecimento como a prospecção via poços artesianos, a instalação de cisternas para captar água da chuva, o aumento do reuso da água nas edificações, entre outros. Todas essas iniciativas são insuficientemente fiscalizadas e controladas. E a cobrança da obrigatoriedade com relação aos Planos de Segurança da Água seriam um ótimo avanço no sentido de gerir esses usos alternativos com segurança e sustentabilidade. No tocante aos sistemas públicos de abastecimento de água, no Estado de São Paulo há uma iniciativa conjunta das secretarias de Saúde, Meio Ambiente, Saneamento e Agricultura para estabelecer diretrizes, regulamentar e fomentar a elaboração, implementação e acompanhamento de Planos de Segurança da Água por parte dos responsáveis pelos sistemas públicos de abastecimento. O objetivo é obrigar os sistemas públicos de abastecimento de água a referenciar seu planejamento e suas atividades com base em Planos de Segurança da Água, para garantir melhor gestão e controle do processo de produção (VALENTIM, 2014:25).

Objetivos  de  Desenvolvimento  Sustentável  

O acesso a água segura é essencial para que se possa perseguir todos os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, pois qualquer iniciativa de redução da pobreza ou de fomentar o desenvolvimento socioambientalmente sustentável depende necessariamente do acesso das pessoas aos recursos hídricos de qualidade em quantidade suficiente para garantir a sua existência digna. Além disso, o objetivo 7 tratou especificamente do tema “reduzir pela metade, até 2015, a proporção de população sem acesso sustentável a água potável segura e a saneamento básico”. Em linhas gerais, desde 1992 até 2015, os oito Objetivos do Milênio foram fundamentais para estruturar políticas públicas em torno de: redução da pobreza; ensino básico universal; igualdade entre os sexos e autonomia das mulheres; menos mortalidade infantil; melhor saúde materna; combate à Aids, malária e outras doenças; sustentabilidade ambiental e parceria mundial para o desenvolvimento. Para atingir esses objetivos, a ONU trabalhou com um conjunto de 18 metas, monitoradas por 48 indicadores. Essas metas decorrem da Declaração do Milênio, o mais importante compromisso internacional em favor do desenvolvimento e da eliminação da pobreza e da fome no mundo, assinada em setembro de 2000, por representantes de 191 estados membros da ONU, incluindo 147 chefes de Estado. Se ainda há muito a ser feito por alguns países para o cumprimento dos objetivos, a maioria, inclusive o Brasil, conseguiu alcançar ou se aproximar o máximo possível das metas, o que comprova a eficácia desses instrumento de soft law, que mesmo não prevendo sanções por descumprimento, é capaz de gerar comprometimento e cooperação dos países em busca de resultados . Este ano, a Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 será estabelecida na Assembléia Geral da ONU em setembro. O desafio é serem adotados objetivos e metas ainda mais arrojados a serem perseguidos nos próximos quinze anos. Atendendo ao objetivo de maior participação da sociedade civil o PNUD realizou uma consulta popular em escala global. Além disso, foi também submetido a análise pública as conclusões a que chegou o grupo de trabalho multidisciplinar, da ONU, designado, durante a Rio+20, para estudar as necessidades a serem refletidas nos próximos objetivos para o desenvolvimento sustentável. O relatório reconheceu a importância das responsabilidades serem comuns, porém diferenciadas.

A persistente fragilidade macroeconômica e as atuais incertezas políticas certamente fará com que o cenário das negociações não seja tão propício como em 1992 e em 2000. Neste contexto de crise os países buscam agregar valor às suas produções, maximizando benefícios e minimizando riscos, o desavio vai ser incluir as condicionantes com um crescimento inclusivo e que respeite o meio ambiente. O Brasil tem participado ativamente na construção da Agenda Pós-2015 e há uma coordenação nacional com mandato específico de construir as posições diplomáticas brasileiras, principalmente focada em definir meios que possam ser adotados pela comunidade internacional e pelos países desenvolvidos para apoiar os países em desenvolvimento na implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, como formas de financiamentos, transferência de tecnologia e capacitação de recursos humanos. Independentemente de quão auspicioso for o resultado da Agenda Pós-2015, certamente a qualidade da água estará presente, haja vista a sua importância basilar para garantir a consecução de vários outros objetivos e metas.

Considerações  finais   Se forem seguidas as orientações da Organização Mundial da Saúde, na elaboração do Plano de Segurança da Água serão atendidas, tanto as exigências legais brasileiras, afastando assim eventuais responsabilidades que possam decorrer da má gestão dos recursos hídricos, pode ser conseguido para a empresa uma construção de valor intangível decorrente da boa reputação corporativa decorrente de boas práticas e também estarão sendo cumpridos compromissos internacionais, tanto do regime internacional dos Direitos Humanos como do de clima e de desenvolvimento sustentável. O ideal é a Administração Pública conseguir coordenar todas as empresas que captem, tratem, reutilizem, ou distribuam recursos hídricos para que cada uma faça o seu Plano de Segurança de Água de modo a formar um conjunto organizado de ações e procedimentos de análise e gestão de todos os riscos previsíveis e portanto mitigáveis, relacionados ao abastecimento de água, para, dessa forma, monitorar e gerir o uso desde o manancial até o

consumidor de modo a garantir a melhor qualidade da água possível e assim prezar pela segurança para o consumo humano. Os Planos de Segurança de Água precisam referenciar o planejamento e as atividades levadas a cabo pelas concessionárias de água e inclusive devem ser objeto de fiscalização constante da Vigilância Sanitária e potencialmente de outros órgão da administração. Além disso, tendo em vista os demais empreendimentos que captem, tratem, reusem, ou distribuam água, ainda é raro os casos em que se faz esses Planos de Segurança da Água. É preciso maior divulgação da responsabilidade compartilhada já prevista na Portaria 2914/2011 e uma contundente fiscalização da Administração Pública para educar as empresas que atuam com abastecimento de água sobre suas responsabilidade e assim contribuam para um melhor gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil, protegendo a saúde pública e o meio ambiente.

Referências     ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11ª ed. Rio de Janeiro: Lumem Júris, 2008. BENSOUSSAN, Marcos D’Avila (org.). Legionella na visão de especialistas. São Paulo: Setri, 2014 BENSOUSSAN, Marcos d’Avila. Plano de Segurança da Água para Edificações e Indústria: gestão de risco por ingestão, aspiração e contato, São Paulo: 2015. Disponível em:<

http:/ / w w w .a be s - s p.or g.br / notic ia s / 1 9 - notic ia s - a be s / 6 6 9 2 - a r tigo- pla no- de -

s e gur a nc a - da - a gua - pa r a - e dific a c oe s - e - indus tr ia - ge s ta o- de - r is c o- por - inge s ta oa s pir a c a o- e - c onta to > Acesso em 22 março 2015.

BRASIL. Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF,

5

de

outubro

de

1988.

Disponível

em:

. Acesso em 22 março 2015. BRASIL. Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977. Configura infrações à legislação sanitária federal, estabelece as sanções respectivas, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 de agosto de 1977. Disponível em: . Acesso em 22 março 2015.

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 de agosto de 1981. Disponível em: . Acesso em 22 março 2015. BRASIL. Portaria nº 2.914, de 12 de dezembro de 2011. Dispõe sobre os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 de dezembro de

2011.

Disponível

em:

. Acesso em 22 março 2015. CRUZ, Cássia Vanessa Olak Alves. Reputação corporativa e nível de disclosure das empresas de capital aberto no Brasil. Revista Universo Contábil, FURB, Blumenau, v. 6, n.1, p. 85-101, jan./mar., 2010. Disponível em:< w w w .fur b.br / unive r s oc onta bil > Acesso em 22 março 2015. DENNY, Ercílio A. A verdade como liberdade. Piracicaba, Edicamp , 2004. DENNY, Ercílio A. e DENNY, Danielle M. T. Hermenêutica e argumentação. Editora Edicamp. Piracicaba. 2005. DENNY, Ercílio A. Ética e Política I. e II 2. ed. Capivari: Opinião E., 2001 . DENNY, Ercílio A. Interpretar e Agir. Capivari: Editora Opinião E., 2002. DENNY, Ercílio A. Liberdade e responsabilidade. Piracicaba, Editora Opinião E , 2004. DENNY, Ercílio A. Política e Estado. Capivari: Editora Opinião E., 2000. DILGUERIAN, Mirian Gonçalves. O Mal dos Legionários: um diálogo entre o direito ambiental e o direito sanitário. São Paulo: Juarez de Oliveira. 2010. DILGUERIAN, Mirian Gonçalves. Síndrome do edifício doente: responsabilidade civil da Municipalidade diante do Estatuto da Cidade. São Paulo: Letras Jurídicas. 2005. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. FREITAS, Gilberto Passos de; FREITAS, Vladimir Passos de. Crimes contra a natureza: de acordo com a lei 9.605/1998. 8ª ed. São Paulo: RT, 2006. GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2014. HALL, Michael. Sustainable mega-events and regional development. Paper presented at the Global EventsCongress IV, Leeds, 2010.

LEMOS, Patrícia Fraga Iglecias. Direito ambiental: responsabilidade civil e proteção ao meio ambiente. 2ª ed. São Paulo: RT, 2008. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008. MILARÉ, Edis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 5ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. MORAES, Luis Carlos Silva de. Curso de direito ambiental. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2004. MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. 6ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. ONU. Resolução A/RES/64/292. The human right to water and sanitation. Official Records of the General Assembly, Sixty-four Session, Supplement No. 292, 3 de agosto de 2010.

Disponível

em:

<

http://www.un.org/en/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/RES/64/292>. Acesso em 22 março 2015. POMPEU, Cid Tomanik. Direito de Águas no Brasil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. REBOUÇAS, Aldo da C. (Org.) Águas doces no Brasil: Capital ecológico, uso e conservação. São Paulo: Escrituras Editora, 1999. ROBERTS, Peter W.; DOWLING, Grahame R. Corporate reputation and sustained superior financial performance. Strategic Management Journal, v. 23, n. 12, p. 1077-1093, dec. 2002. SIRVINSKAS, Luis Paulo. Manual de direito ambiental. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. SOARES, Guido Fernando Silva. A proteção internacional do meio ambiente. São Paulo: Manole, 2003. VALENTIM, Luís Sérgio Ozório. Vigilância de fatores ambientais de risco à saúde associados aos eventos de massa no ESP: o caso da água para consumo humano. São Paulo:

2015.

Disponível

em:<

http:/ / w w w .c vs .s a ude .s p.gov.br / up/ Vigilânc ia %2 0 de %2 0 fa tor e s %2 0 a mbie nta is %2 0 de %2 0 r is c o%2 0 à%2 0 s a úde %2 0 a s s oc ia dos %2 0 a os %2 0 e ve ntos %2 0 de %2 0 ma s s a %2 0 no% 2 0 ESP %2 0 o%2 0 c a s o%2 0 da %2 0 água %2 0 pa r a %2 0 c ons umo%2 0 huma no.pdf

em 22 março 2015.

> Acesso

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.