Retrato de uma definição (naturalista) do Direito

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RETRATO DE UMA DEFINIÇÃO (NATURALISTA) DO DIREITO




Atahualpa Fernandez(




"Si no sabemos de lo que somos capaces,
entonces no sabemos de qué preocuparnos, qué
tendencias humanas estimular, y contra cuáles
protegerse". Carl Sagan & Ann Druyan


Em seu livro Moral Imagination, Mark Johnson faz uma crítica profunda
de praticamente todas as teorias éticas ocidentais. A característica comum
de todas estas teorias — da ética tradicional, poderíamos dizer — é que
apresentam a moral como algo que consiste fundamentalmente em "seguir
regras". Na cultura ocidental, diz Johnson, "hemos heredado la visión
errada de que la moral no es más que un sistema universal de leyes o reglas
que proceden de la esencia de la razón". Também crê que é moralmente
irresponsável pensar e atuar como se possuíramos uma razão universal e
desencarnada que gera regras absolutas, procedimentos para a tomada de
decisões, e leis ou categorias universais por meio das quais podemos
distinguir o bem do mal, o justo do injusto ou o verdadeiro do falso, em
qualquer situação em que nos encontremos. Centrar-se exclusivamente em leis
(morais ou jurídicas) e princípios racionais é uma ameaça para o bem-estar
humano, porque nos faz cegos para o cultivo da ciência que se necessita
para ser moralmente sensível e responsável com relação à natureza humana.
Mas quando se fala da possibilidade de vincular questões de grande
alcance com nossa natureza e os desenvolvimentos das ciências, há sempre
quem adverte sobre os perigos do "cientificismo". Este significa o intento
ofensivo de levar a ciência a lugares que supostamente não são de seu
domínio, ou bem a enorme ilusão de que a ciência pode explicar e fazer
tudo. A objeção de que uma aproximação científica ao entendimento da
moralidade ou do direito comete o pecado de "cientificismo" exagera
realmente o que a ciência é capaz de fazer, dado que a empresa científica
não intenta banir o conhecimento das humanidades e nem tampouco determinar
os valores humanos.
Como explica Patricia Churchland: "Shakespeare, Mozart y Hume no están
en competencia con las proteínas quinasas y el ARN micro. Por otra parte,
es cierto que las afirmaciones filosóficas sobre la naturaleza de las
cosas, tales como intuiciones morales, son vulnerables. Aquí, la filosofía
y la ciencia están trabajando sobre el mismo terreno, y las evidencias
deberían vencer a la reflexión de butaca. En el caso presente, no se trata
de decir que la ciencia dará cuenta de todos los dilemas sobre lo que es
bueno o malo, justo o injusto. Más bien, se trata de entender que
comprender más profundamente aquello que nos hace sociales, a nosotros y
otros animales, y aquello que nos dispone a preocuparnos por los demás,
podría conducirnos a un mejor entendimiento sobre cómo tratar con los
problemas sociales. Y eso no puede ser malo."
Ainda assim, para a maioria dos filósofos e juristas, que tendem a
fugir do problema da natureza humana como da peste, as "verdades" são
imposições razoadas, quero dizer, seguem propondo um processo descendente
em que formulamos os princípios, leis ou valores e logo os impomos à
conduta humana (F. de Waal). É como se vivessem enclausurados em uma
dimensão de abstração mental impermeável e misteriosa em que não lhes
interessassem saber nada de ciência, "… pero están varios milenos atrasados
y no pueden profundizar en cuestiones importantes, que han sido ya
respondidas por la ciencia, como por ejemplo qué es la vida, la psique, el
libre albedrío, el comportamiento moral, la justicia…" (M. Bunge).
E não é que haja nada radicalmente novo na ideia de reunir a filosofia
com a ciência. Não! Simplesmente se trata de levar a cabo o que James
Fowler chama "ciência emergente da natureza humana", de compreender a
natureza humana que surge da evolução, colocá-la ao serviço do direito e
destilar isso que os anglo-saxões chamam «o sentido da maravilha», de que
existem em verdade coisas dignas de assombro. Um simples sacudir-se os
prejuízos, que são breus pegajosos aderidos pela convenção e o conformismo,
e questionar tudo: os princípios, os conceitos, os processos, os resultados
e as soluções precedentes ou conhecidas. Uma franca atitude de não
conformar-se com o que todos sabem ou creem saber. Algo que, admitindo o
êxito relativo do direito (sempre à deriva do verdadeiro conhecimento
científico) e a fração pasmosamente pequena do mundo que lhes ensinam, os
juristas deveriam ter muito em conta. Vejamos por partes.
Para começar, talvez resulte conveniente recordar que o direito é,
desde qualquer ponto de vista, um fenômeno essencialmente humano, uma
dimensão da vida cujo sentido e função surgem exclusivamente da interação
cotidiana ou do intercâmbio social, e cujas normas, que têm que ver com o
justo e o injusto a um nível mais abstrato e desinteressado, estão
desconectadas da situação imediata de cada qual. Também tenho sustentado
que a origem desse sistema de justificação, controle e castigo tem que ver
com um desafio adaptativo que os seres humanos tiveram que afrontar: um
desafio que nasceu da necessidade humana de entender e valorar o
comportamento de seus congêneres, de responder a ele, de predizê-lo e de
manipulá-lo e, a partir disso, de estabelecer e regular as mais complexas
relações da vida em grupo.
Com efeito, o direito, como mecanismo cultural e normativo "dirigido
a lograr los proyectos de seres humanos empeñados en relaciones variables
de cooperación y de lucha" (V. Ferrari), acompanhou sempre ao ser humano. E
uma vez que o modo como este imaginou ou inventou sua natureza condicionou
sempre o modo de pensar-se a si mesmo e suas relações, a pergunta pelo
sentido e finalidade do direito conduz inevitavelmente à busca dos
fundamentos antropológicos da natureza e da conduta humana. O direito e as
normas jurídicas (e morais) existem unicamente porque os humanos, paradigma
das espécies culturais, estão orientados para a vida em grupo e estabelecem
relações sociais: seres que vivem e se desenvolvem em sociedade não porque
são anjos ou criaturas dotadas de uma alma imortal ou de uma racionalidade
onipresente, senão porque são animais.
Para entender o direito (ou a moral) – que faz parte da condição
humana e a sua ideia (ideia de direito ou da moral) é o resultado da ideia
do homem –, portanto, há que compreender ao mesmo tempo a dinâmica, em
conjunto, entre natureza humana e o mundo das representações culturais,
superando a estendida e corrosiva crença de que o homem deve ser
contemplado unicamente como um ser cultural sem instintos naturais (que
condicionam seu comportamento) e sem nenhuma história evolutiva - um tipo
de unilateralidade infundada, de definição da condição humana "por
amputação", que parte da suposição de que, posto que somos seres
históricos e culturais, é preciso desfazer-se da ideia de natureza
humana[1].
E isso não é tudo: esta forma de explicar o aparecimento e a natureza
do fenômeno jurídico sustenta que dispor de normas de conduta supõe uma
vantagem adaptativa, com o que a pergunta correta passa a ser a «que
constituiu (ou constitui) a vantagem seletiva ou adaptativa do direito?».
De não ser possível responder a esta questão, a presença do direito no
universo do existir humano seguirá sendo um enigma, sempre aberto as mais
disparatadas suposições acadêmicas[2].
Bem é verdade que um enfoque assim poderia ser qualificado de
adaptacionista extremo. Talvez as normas do direito sejam, em sua origem,
um subproduto de outras funções adaptativas desconhecidas sobre as que se
apoiaram. Mas o certo é que, se as teorias, princípios, valores e normas
jurídicas necessitam de determinados mecanismos cerebrais para ser
processadas, elaboradas, compreendidas, obedecidas, seguidas e aplicadas, é
preciso explicar qual é a razão da existência de ditos mecanismos. Daí a
importância de buscar as raízes de nosso comportamento ético-jurídico em
como somos, no que nos ocupa e o que nos preocupa, em nossa natureza, em
definitiva (P. S. Churchland).
De tal modo, somente um modelo integrador entre substrato inato e meio
ambiente parece descrever de maneira adequada o fenômeno da obtenção das
estruturas neurológicas cujo comportamento funcional se traduz em fatos
como os juízos morais, as normas de conduta, os vínculos sociais, os
valores assumidos pelo indivíduo, a tomada de decisões, etc....etc. Na
verdade, se borrássemos o conjunto de cérebros humanos da face da terra, a
moral, o direito, as normas de conduta (morais ou jurídicas) e as teorias
jurídicas desapareceriam ao mesmo tempo.
Ademais, se nossa evolução como espécie teve lugar, pelo que sabemos,
mediante mecanismos darwinianos e de acordo com limitações darwinianas,
podemos considerar o direito (e a moral) como um fenômeno natural, limitado
pelas forças da seleção natural, arraigado na neurobiologia do ser humano,
moldado pela ecologia local e modificado pelos avanços culturais. Como
consequência, a natureza do ser humano não somente gera, restringe e
circunscreve as condições de possibilidade de nossas sociedades, senão que
também guia e põe limites ao conjunto institucional e normativo que regula
as relações sociais.
As normas e os valores produzidos e assumidos pelos seres humanos
aparecem dentro de um processo de adaptação (darwiniana) de grande
complexidade à dinâmica fluida do mundo cotidiano. Nossas regras de
conduta, destinadas a controlar e predizer o comportamento humano, não se
deram à humanidade desde cima. Evolucionaram ao longo de muitos anos porque
resolviam problemas adaptativos recorrentes relativos à vida comunitária.
As leis não são simplesmente um conjunto de regras faladas, escritas ou
formalizadas que as pessoas seguem. Representam a formalização de regras
comportamentais sobre as quais uma alta percentagem de pessoas concorda. E,
para o bem ou para o mal, constituem o melhor mecanismo de organização
social em grande escala que nossa espécie descobriu até o presente e que
podem ser adaptadas às peculiares características da psicologia humana.
Refletem as inclinações do comportamento, regulam os vínculos sociais e
oferecem benefícios potenciais àqueles que às seguem.
Quando as pessoas não reconhecem ou não acreditam nesses benefícios
potenciais ou nos castigos eficazes, as normas são, com frequência, não
somente ignoradas ou desobedecidas – pois carecem de legitimidade e de
contornos culturalmente aceitáveis em termos de uma comum, consensual e
intuitiva concepção de justiça -, senão que seu cumprimento fica
condicionado a um critério de autoridade que se lhes impõem de forma
desagradável, brutal e arbitrária. E dado que a sociedade (Estado) usa leis
para encorajar as pessoas a se comportar diferentemente de como (elas) se
comportariam na falta de normas, este propósito fundamental não somente
torna o direito altamente dependente da compreensão das múltiplas causas do
comportamento humano, senão que, e na mesma medida, faz com que quanto
melhor for esse entendimento da natureza humana, melhor o direito poderá
atingir seus propósitos (O. Jones; T. H. Goldsmith).
Da mesma forma, formulamos juízos de valor sobre o justo e o injusto
não somente por motivos racionais, como expressam a teoria dos jogos e as
teorias jurídicas, senão porque também estamos dotados de certas intuições
morais inatas e de determinados estímulos emocionais que caracterizam a
sensibilidade humana e que permitem que nos conectemos potencialmente com
todos os demais seres humanos. Todas estas estratégias, que plasmam grande
parte de nossas intuições e emoções morais, não são construções caprichosas
ou produtos de uma racionalidade pura, senão que servem ao importante
propósito de, por meio de juízos de valor, tornar a ação coletiva possível
– e parece razoável admitir que os seres humanos encontram satisfação no
fato de que as normas sejam compartidas e cumpridas pelos membros da
comunidade.
As virtudes da tolerância, da compaixão e da justiça não são tampouco
fórmulas jurídicas que nos esforçamos para alcançar de forma puramente
racional, sabendo das dificuldades do caminho, mas compromissos que
assumimos e esperamos que outros assumam. O direito, se o entendemos mais
além da expressão formal dos códigos de conduta, não é um simples
constructo intelectual: apareceu e evoluiu como parte de nossa natureza a
partir de um largo e tortuoso processo coevolutivo. Para compreendê-lo
adequadamente devemos entender a forma como o conjunto mente-cérebro
processa os instintos e as predisposições que permitem criar e explorar
nossos vínculos sociais relacionais, assim como as normas que estabelecemos
para controlar nossa conduta em sociedade.
Isto implica que entre o mundo do ser e o mundo do dever-ser
existe uma manifesta e íntima relação, razão suficiente para considerar
nossa faculdade ético-jurídica como um análogo de outras faculdades
mentais. Admitir este fato é, indubitavelmente, o caminho mais seguro para
descobrir a origem, a evolução, o fundamento e a função dos modelos e das
vias jurídicas de regulação, explicação e articulação da conduta social
humana.
Assim as coisas, e para terminar, assumirei que todo esforço
intelectual, seja autêntico ou falso, sobre a relevância e/ou implicações
de qualquer assunto relacionado com o direito não somente possui uma
filosofia subjacente, senão que também pressupõe o dispor de alguma
concepção reveladora acerca do que se entende por direito, e que serve de
base para efetuar distinções e julgar seu valor - em concreto, uma
ontologia (uma teoria sobre o ser e o devenir) e uma gnoseologia (uma
teoria do conhecimento). (M. Bunge)
Há, por exemplo, quem crê que existe algo assim como um mundo
platônico de direitos que só temos que aprender a ver para reconhecer-lhes.
Outros creem que os direitos estão outorgados por um ente superior e que,
em escritos a «ele» atribuídos, deixou dito quais são. Outros, ainda, creem
que a só existência desse «ser» implica também a existência de direitos,
que se pode ir desglosando com boa Teologia. Também estão os que creem que
as cartas de direitos são provisionais e que refletem as preferências dos
mais poderosos. Finalmente está quem crê que os direitos poderão deduzir-se
usando a razão, estando escondidos nela e desde donde, razoando
adequadamente, poderemos sacar-lhes, esta vez com boa Metafísica.
Não é muito distinta esta última da postura platônica inicial, nem é
distinta a maneira em que cada qual crê haver vislumbrado o deduzido pela
razão. Mas o fato de que nenhuma destas posturas tenha conseguido avançar
em sua agenda, senão mais bem que para seus respectivos «progressos» haja
corroborado as próprias intuições e prejuízos, as fazem igualmente débeis e
inúteis. Frente ao anterior proponho a simples consideração de que não
existem mais direitos que os que concedemos uns a outros e/ou aos demais,
um conjunto de estratégias destinadas a oferecer soluções aos desafios
adaptativos que surgem em determinadas situações da vida em comunidade.
Certamente poderemos usar tanto a história como as preferências morais
e a razão para decidir que direitos queremos outorgar (a nós mesmos e aos
demais). A história nos vem dada, ainda que a interpretemos a nossa
maneira; as preferências morais se modelam por múltiplas interações
genéticas e/ou ambientais; e a razão, bem, a razão nem sempre vence aos
prejuízos e deduzimos coisas sem dar-nos conta das falácias e dos defeitos
que trazemos. Mas é a natureza humana, ao fim e ao cabo, com suas
limitações (biológicas) próprias da espécie (que impõem constrições
cognitivas fortes para a percepção, armazenamento e transmissão
discriminatória da cultura e demarcam o rol das variações culturais
possíveis) que, de uma maneira ou outra, define e circunscreve as condições
de possibilidade do direito e de sua realização prático-concreta.
Por dizê-lo de alguma maneira: o direito não é mais nem menos que um
produto biossocial, uma estratégia sócio-adaptativa – cada vez mais
complexa, mas sempre notavelmente deficiente – empregada para abordar,
regular e articular – de fato, nem sempre com justiça –, por meio de atos
que são qualificados como valiosos, os vínculos sociais relacionais
elementares através dos quais os humanos constroem sistemas aprovados de
interação e estrutura social. Um artefato cultural que deve ser manipulado
para desenhar e empregar um modelo normativo e institucional que evite, em
um entorno social repleto de assimetrias e desigualdades, a injustiça, a
dominação e a interferência arbitrária recíprocas, garantindo certa
igualdade material e, em última instância, permitindo, estimulando e
assegurando a titularidade e o exercício de direitos (e o cumprimento de
deveres) de todo ponto inalienáveis e que habilitam publicamente a
existência dos cidadãos como indivíduos plenamente livres.










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( Membro do Ministério Público da União/MPU/MPT/Brasil (Fiscal/Public
Prosecutor); Doutor(Ph.D.) Filosofía Jurídica, Moral y Política/
Universidad de Barcelona/España; Postdoctorado (Postdoctoral research)
Teoría Social, Ética y Economia/ Universitat Pompeu
Fabra/Barcelona/España; Mestre (LL.M.) Ciências Jurídico-
civilísticas/Universidade de Coimbra/Portugal; Postdoctorado (Postdoctoral
research)/Center for Evolutionary Psychology da University of
California/Santa Barbara/USA; Postdoctorado (Postdoctoral research)/
Faculty of Law/CAU- Christian-Albrechts-Universität zu Kiel/Schleswig-
Holstein/Deutschland; Postdoctorado (Postdoctoral research) Neurociencia
Cognitiva/ Universitat de les Illes Balears-UIB/España; Especialista
Direito Público/UFPa./Brasil; Profesor Colaborador Honorífico (Associate
Professor) e Investigador da Universitat de les Illes Balears, Cognición y
Evolución Humana / Laboratório de Sistemática Humana/ Evocog. Grupo de
Cognición y Evolución humana (Human Evolution and Cognition Group)/Unidad
Asociada al IFISC (CSIC-UIB)/Instituto de Física Interdisciplinar y
Sistemas Complejos/UIB/España.
[1] Esta narrativa contaminada e fragmentada é a narrativa do calvário do
direito de que nos fala Costas Douzinas ao referir-se ao "fim dos direitos
humanos": "Parte del problema debe atribuirse al lamentablemente inadecuado
sentido histórico y la conciencia filosófica de los liberales. El mundo en
el que viven es un lugar atomizado que está constituido por contratos
sociales, motivados por la ceguera y velos de ignorancia, atribuidos a
situaciones ideales de habla que retroceden a la certeza premoderna de la
existencia de una única respuesta correcta a los conflictos morales y
jurídicos. De manera similar, el modelo de persona que habita este mundo es
el de un individuo seguro, conocedor y reflexivo, el sujeto autónomo
kantiano que no pertenece a una clase o género, que no tiene experiencias
inconscientes o traumáticas y que se enfrenta al mundo en una posición de
perfecto control. En realidad, es sorprendente que nuestros mejores
teóricos de los derechos olviden 200 años de teoría y filosofía social [y
de ciencia] y actúen como si nunca hubiesen oído hablar de Marx, Freud,
Nietzsche o Weber"… E Darwin.
[2] O que resulta mais problemático é que, com a negação ou rechaço desta
perspectiva, não conseguimos captar o sentido do direito e nem tampouco
averiguar a função para a que este artefato ou mecanismo foi desenhado. Por
quê? Pois, porque a verdadeira compreensão supõe, entre outras coisas,
situar o presente em um largo e amplo dinamismo evolutivo, entender o
objeto ou o processo de que se trate como resultado de uma mescla de
realidades atuais e condicionamentos histórico-adaptativos, descobrir suas
razões e submetê-lo a uma peculiar análise crítica. Do contrário, podemos
acabar convertendo-nos em "idiots savants", posto que a tendência a
explicar os fenômenos modernos a partir de um conjunto de causas e
condições igualmente (ou exclusivamente) modernas é deficiente, enganosa e
desatinada. Dito de modo mais simples: preconizar a Tabula rasa, ignorar os
usos formados no transcurso de séculos de evolução (prolongados por
reunirem um processo adaptativo e civilizador, o caráter e a memória de
numerosas gerações), significa em muitos sentidos fazer que a situação
atual do direito se torne incompreensível. Parafraseando a David Marr,
intentar compreender o direito estudando somente suas normas, princípios e
postulados é como "intentar comprender el vuelo de los pájaros estudiando
solo las alas: es lo que no debe hacerse. Para comprender el vuelo de los
pájaros tenemos que comprender su evolución y la aerodinámica; solo
entonces la estructura de las alas y las diferentes formas de las alas de
los pájaros cobran sentido".
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