RETRATOS (DES)CONEXOS. Portugal anos 90

June 6, 2017 | Autor: Ivo Oliveira | Categoria: Architecture, Portuguese Architecture, Architecture Competitions
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OLIVEIRA, Ivo

RETRATOS DESCONEXOS Portugal anos 90

Prova Final de Licenciatura, Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto, 2000

Início

1ªparte

2ªparte

3ªparte

anexos

Índice Justificação Introdução Processos Uma nova realidade A mudança Global e local Os espaços de formação Análise da base de dados Diversidade Júris e Ordem Infraestruturação e espectáculo Espaço de experimentação Capacidade de comunicação O desenho e as tecnologias Agrupar posturas A partir das conversas Origens Referências O argumento inicial A ideia e o espaço O papel das restantes disciplinas A especificidade Conclusão Bibliografia Origem das ilustrações Conversas

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fim

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Introdução A reflexão, sobre a arquitectura que caracteriza as nossas cidades, é uma tarefa ingrata mas seguramente legítima e, mais ainda, necessária. A actividade reflexiva deve sempre estar inerente à prática, acompanhando-a, estimulandoa e fundamentando-a. Afirmar que o panorama actual da arquitectura ocidental está disperso por uma enorme quantidade de individualismos, sem pontos em comum nem um fio condutor que permita detectar tendências dominantes é, no mínimo redutor. A globalização, disponibilizando uma enorme quantidade de informação, gera a hiperdiversidade que torna difícil a concentração em movimentos abrangentes de pensamentos e tendências. Importa, então, atentar nos constantes acontecimentos que vão dando corpo à cultura arquitectónica contemporânea promovendo uma aberta reflexão sobre o estado das coiA Arquitectura Portuguesa Contemporânea não pode ser compreendida a partir de visões corporativas, linhas geracionais, escolas ou linguagens. Apesar de toda a devoção que temos pela geração dos mestres, é necessário compreender que a mudança qualitativa da nossa posição no mundo só ocorreu quando se deu a profunda mudança cultural a que se tem assistido e que se caracteriza pela crise do modelo cultural dominante. A internacionalização da Arquitectura Portuguesa deu-se, certamente, porque contém aspectos de interesse e singularidade que não são de desprezar, mas principalmente pelo reconhecimento de certas personalidades que nos inseriram nas redes multipolares que formam hoje o tecido da cultura arquitectónica global, alimentado pela proliferação de revistas, exposições, conferências, presenças nas mais prestigiadas universidades e mudança de regime político. A arquitectura produzida em Portugal foi acolhida no NETWORK mundial como algo de genuíno e com personalidade própria. O presente trabalho não procura reflectir sobre os casos exemplares, antes procura aqueles que no seu conjunto possam exprimir a cultura da época. Reflectir sobre a arquitectura dos últimos anos é identificar os pontos de contacto entre as mais variadas tendências e os caminhos percorridos por aqueles que serão objecto de estudo. Dada a diversidade de ângulos a partir dos quais podemos olhar a arquitectura da última década, explorar-se-á um conjunto de projectos e arquitectos para a partir daí, compreender as manchas estruturais que fazem a cultura arquitectónica do nosso tempo. página5

Processos Optar-se-á por construir uma base de dados com os projectos apresentados em concursos públicos, apoiados pela Ordem (então A.A.P.), durante os anos noventa. Essa base de dados permitirá uma visão do heterogéneo conjunto que inclui hipotéticos representantes de diversas posturas, permitindo ordenar personalidades e projectos com o máximo de credibilidade e rigor. O Jornal dos Arquitectos será a fonte de informação mais eficaz na medida em que identifica claramente o concurso e os premiados, data com rigor o acontecimento e disponibiliza uma imagem que ajuda à memorização, embora aí a apresentação dos projectos se limite a uma ou duas imagens o que obriga a utilizar a nossa experiência, conhecimento e sensibilidade para os descodificar. Decorrente da limitação da informação produzida na apresentação dos projectos e ainda da impraticabilidade do conhecimento da totalidade dos mesmos, devido ao seu número, optar-se-á por seleccionar os jovens arquitectos mais premiados, para responder à vontade de aprofundamento do estudo. Far-se-á, esta selecção, esperando que estes jovens arquitectos, produtos também da época, representem ateliers onde a investigação reflexão tem lugar, que procurem ter voz própria e estabelecer relações com os núcleos mais activos na experimentação arquitectónica do mundo, onde se tenta sistematizar procedimentos. Realizar-se-ão conversas e visitas aos ateliers destes arquitectos e daqueles que se dedicam à crítica e que são, também eles, jovens críticos. Finalmente, importará cruzar todas as informações recolhidas no estudo feito no terreno, tendo por base um conhecimento que existe à priori, fruto da investigação académica.

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1ªparte

Uma nova realidade A aceleração do tempo moderno produziu uma acumulação de acontecimentos, cada vez mais rápidos e em maior número sobreinflacionando a informação a seleccionar. A informática promete tudo processar em “bases de dados”, mas o único critério de selecção possível é o dos sujeitos, enquanto autores: aquilo que somos determina a nossa escolha, selecção e significados. Essa responsabilidade implica um investimento sério no auto-conhecimento, implica expor-se, antes da exposição dos dados seleccionados e historicizados.

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A mudança Em 1967 a revista “Hogar Y Arquitectura” publica o primeiro artigo sobre Álvaro Siza escrito por Nuno Portas. Em 1972 Vittorio Gregotti escreve na revista “Controspazio” sobre o significado da arquitectura de Álvaro Siza no ambiente português. É só no pós 25 de Abril que surgem os primeiros números de revistas inteiramente dedicados a Portugal. Os projectos do SAAL ocupam muitas dessas páginas e levam a que Siza seja chamado para intervir em Berlim e convidado a leccionar em Lausanne, Pennsylvania, Bogotá e Harvard. A internacionalização de Siza Vieira não significou o seu reconhecimento interno. À chegada das primeiras notícias sobre Venturi e Rossi que vieram romper com as lógicas existentes, juntam-se as mudanças democráticas no país. Surgem exposições que anunciam o fim do modernismo, que mostram o trabalho de onze arquitectos do Porto, e que apresentam as tendências da Arquitectura Portuguesa. Apesar de aquecido o ambiente em torno da arquitectura e das diversas “correntes”, é só após a realização de grandes empreendimentos mediáticos dos quais se destaca o das Amoreiras em Lisboa, que a personagem do arquitecto deixou de ser obscura em Portugal e que se alterou a concepção popular do que é a arquitectura. O poder económico e político apercebe-se das virtudes da arquitectura. Iniciase uma época de infraestruturação do país apoiada pelos fundos económicos provenientes da entrada na Comunidade Europeia, vulgarizam-se os concursos públicos que, segundo Portas, são dominados por uma corrente neo-moderna responsável pelos equipamentos, habitação social e campus universitários, ficando o sector privado nas mãos dos neo-decorativistas. Os anos noventa são fortemente marcados pelo reconhecimento nacional de Siza após ter sido convidado em 1989 para a recuperação do Chiado. Paulo Varela Gomes “Arquitectura dos últimos vinte e cinco anos”. in História da Arte Portuguesa, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995 pág.487

“A obra de Siza começa a ter uma tal repercussão que constitui factor singular mais poderoso na expulsão do pós-modernismo para fora da esfera da arquitectura “de escola”.” De duas passamos para vinte escolas e o número de arquitectos aumenta descontroladamente. Continua a infraestruturação do país, o sector privado recorre aos arquitectos de “escola” como estratégia comercial, dilata-se o mercado, aumenta a importância da arquitectura como objecto comercial. Florescem modas e influências diversas que nos chegam através dos meios

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audiovisuais que saem de uma profunda letargia, descobre-se o poder da publicidade e da comunicação na manipulação das massas através da imagem. As imagens, em vez de se apresentarem ao pensamento como proposta de reflexão, visam violentá-lo, sem darem tempo a qualquer controlo racional de edificar uma barreira ou simplesmente interpor um filtro. Esta obsessão pela imagem, promoveu o triunfo actual da arte. Os museus, as múltiplas exposições convidam à admiração das obras primas e as reproduções em revistas e livros transportam para casa a presença insubstituível do autor. A imagem, além de fundamentar muita da arquitectura que se vai construindo, de assumir um papel preponderante no seio da disciplina, também retrata a arquitectura a partir do seu exterior, condicionando a sua leitura, a sua relação com o mundo, com os media, revelando o papel da arquitectura na sociedade. A imagem produz arquitectura, a arquitectura produz imagens. Global e local A extrema dilatação dos mass media com a consequente divulgação da informação cultural entre todos os países e nações da Terra leva a uma generalização da expressão artística, fazendo com que a arte de todo o mundo num futuro talvez distante seja conduzida para uma única plataforma cultural. A unificação da cultura torná-la-á extremamente abstracta por ser demasiado ampla, lata e global a sua ligação ao real, porque, não emerge do lugar antes, emerge do mundo. A abstracção da cultura dará lugar à tolerância pela diversidade e pela escolha individual. Torna-se, no entanto, difícil prever onde poderá terminar o processo de globalização: como será um mundo completamente globalizado. Num mundo globalizado todo o planeta será ocupado por uma única sociedade e por uma única cultura e, o mais provável será que ambas (sociedade e cultura) se encaminhem para altos níveis de diferenciação, para o policentrismo e para o caos. Não haverá um conjunto orientador de preceitos e de preferências culturais. Se a globalização é um processo que impulsiona sobretudo o desenvolvimento de sistemas culturais, então, o sistema de conhecimento designado por arquitectura não lhe deve ficar imune.

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Malcolm Waters . “Globallização” Celta Editora , Oeiras 1999 pág.31

“A unificação da cultura torna-a extremamente abstracta, exprimindo tolerância pela diversidade e pela escolha individual. Sobretudo a territorialidade desaparecerá enquanto princípio organizativo da vida cultural e social, dando lugar a uma sociedade sem fronteiras nem outros limites espaciais. Num mundo globalizado não saberemos prever as práticas e as preferências sociais a partir da localização geográfica” A globalização caracteriza-se pela redução dos constrangimentos geográficos sobre a vida social. O espaço, no mundo globalizado, é a superfície finita do planeta: Contudo, na medida em que várias pessoas estão ligadas a uma rede electrónica (edifício imaterial de espaço infinitamente contínuo, espaço de sobremodernidade e do anonimato) é possível partilhar experiências, logo, uma visão social do ciberespaço. O espaço real perde influência . É ele, no entanto, o suporte físico, o território de actuação dos arquitectos. São eles que fazem a experiência da organização e construção dos espaços e das suas imagens. No campo da arquitectura a globalização apenas acelerou e modificou a forma como as arquitecturas estabelecem as suas conexões e intercâmbios. As grandes correntes culturais atravessaram o mundo e universalizaram-se. Partiram de centros e irradiaram-se contaminando as regiões periféricas. Portugal, viveu sempre na periferia em relação às grandes correntes. Razões de ordem geográfica e política, que condicionaram modelos culturais, colocaram-nos na situação de importação de modelos e sua transformação. O Movimento Moderno Português estava fora do mapa internacional. Nos últimos anos passámos de um sistema hierárquico, dual, apoiado no modelo centro/periferia para um sistema global, um sistema em rede. A Arquitectura Portuguesa internacionalizou-se não só devido à existência de uma produção qualificada e à emergência e reconhecimento de certas personalidades mas sobretudo devido à queda do modelo cultural e político dominante em Portugal até meados dos anos setenta.

. Manuel Graça Dias “Veinte años de liberdad La arquitectura Portuguesa desde la Revolution ” in A&V nº47, Madrid 1994, pág.4

“ A revolução dos cravos foi o renascimento cultural do país, e foi o início de um processo de integração internacional que culminou com a adesão de à comunidade Europeia” A Arquitectura Portuguesa passou a ser reconhecida internacionalmente como algo de genuíno e singular. Muito embora essa internacionalização já não nos possa colocar no centro (uma vez que o modelo centro/periferia caiu), ela coloca-nos na rede, no mercado internacional global.

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Este processo que compromete simultaneamente o global e o local é um conflito inerente à própria natureza da modernidade. Este conflito materializa-se na arquitectura pela procura da chave que possibilite uma interpretação simultaneamente global e local, que possibilite uma arquitectura simultaneamente internacionalizada e contextualizada. Pedro Maurício Borges, “ O lugar na Modernidade” Prova de aptidão pedagógica e capacidade cientifica, Coimbra, 1997 pág.3

“É condensando o sentido de lugar no mundo que se encontra a chave para fazer uma arquitectura contextualizada.” Por um lado, a sobreposição do global, por outro a construção de um sistema de relações, objectos e signos feita pela modernidade, independentemente dos lugares, impondo-se-lhes, ameaçam de erosão a identidade dos lugares. A arquitectura contextualizada faz-se como resposta a essa ameaça de erosão dos lugares e também como forma de “humanização” da arquitectura do Movimento Moderno. No entanto, esta arquitectura do lugar não pode alinhar em processos artificiais repescando valores do lugar para um lugar que o deixou de ser, onde a suspensão do tempo é astutamente simulada. Assente na ideia patética de “museu vivo” todo o lugar passa a ser um simulacro. Esta arquitectura deverá fazer perdurar a memória mas sem esquecer o que somos hoje.

Alexandre Alves Costa , “A procura da harmonia ou quem tem medo da arquitectura moderna?” in ecdj1, A polémica do Freixo Fernando Távora, Coimbra, 2000 pág.14

“O que marcou profundamente a Escola.. foi a consideração da História como um instrumento operativo para a construção do presente...” É preciso agarrar o passado e reconstruí-lo submetendo-lhe a inteligibilidade aos nossos propósitos. É a visão do lugar contemporâneo que tem de se reconfirmar. Porque o lugar é outro. Porque o mundo mudou. A modernidade trouxe transformações radicais ao espaço-tempo pela sobreposição do global ao local. Será que a globalização, potenciando a erosão do lugar e a anulação de diferenças, esvaziando a memória de sentido, será o fim da arquitectura? Ou potenciará uma nova arquitectura que, emergindo do caos, se reapropriará do próprio caos para se recriar, numa invenção, agindo à revelia dos esquemas racionais estabelecidos?

Kierkgoard

“ O momento de decisão é sempre um momento de loucura.”

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Contaminando o existente com movimentos que façam da confusão, do caos, do banal, elementos de composição, dar-se-á, a esta crise, o carácter de crise de crescimento ao invés da crise de degenerescência em que muitos acreditam. Trata-se de assumir a crise em vez de fenecer perante ela, aprofundando a actividade crítica, aceitando a importância do contexto, dialogando com ele para o renovar, para o transformar. Enquadramento dos espaços de formação na problemática contemporânea O novo contexto da arquitectura, num mundo a caminho de uma cada vez maior globalização, implica que os espaços produtores de arquitectos se adaptem às novas exigências e às novas regras do presente. Os acontecimentos promovidos pela escola devem potenciar a utilização da base de referências de cada aluno como instrumento do trabalho de investigação. É necessário provocar um distanciamento que permita tomar consciência do real, perceber o mundo, perceber a quem se dirige a arquitectura, para poder enquadrá-la nesse mesmo mundo e não pretender mantê-la isolada no seu território onde as paisagens são sempre brancas. Ao nível do nosso país, tomar consciência do real implica reconhecer que cada vez mais a destruição da paisagem territorial agride a nossa sensibilidade. Será que nos reconhecemos na paisagem que criamos ou nos abstemos e desresponsabilizamos de criar? Por outro lado, a este estado do território podemos juntar a crise da Alexandre Alves Costa “cinco pensamentos de nexo inexplicável” in ecdj2 10anos de arquitectura no colégio das artes, Coimbra, 2000 pág.65

arquitectura que, segundo Alexandre Alves Costa, passa pela inexistência de uma unidade no Movimento Moderno, pela insuficiência do binómio forma/função, pela crítica da ideia de vanguarda e pela consciência da falta de poder da arquitectura na transformação radical da sociedade. É neste contexto de destruição do território, por um lado, e de crise da arquitectura, por outro, e cientes de que a arquitectura vai dar forma ao futuro, que a responsabilidade social das escolas de arquitectura se afirma pela óbvia necessidade de qualificar o seu ensino, promovendo o reencontro da prática artística com o colectivo, de modo a que se entenda o acto de projectar como uma acção interventora no sentido de transformação do real.

António Reis Cabrita “2ª reflexão sobre o perfil do curso e o papel da Teoria da Arquitectura” in ecdj2 10anos de arquitectura no colégio das artes, Coimbra, 2000 pág.55

Nesta óptica, e segundo António Reis Cabrita, o objectivo central do ensino da arquitectura deverá ser o de contribuir para a transformação positiva do quadro físico do habitat urbano e territorial. página12

Este objectivo, uma vez atingido, não impede que continuem a existir arquitectos capazes de ter, no mundo, uma postura reflexiva, crítica, interventiva e responsável. Atingir este objectivo central ou geral passa obrigatoriamente por conseguir atingir outros de âmbito mais específico que as escolas deverão perseguir. Objectivos a perseguir pelas escolas de arquitectura

Construir um modelo de ensino que parta das metodologias perenes do saber arquitectónica para enfrentar os desafios que se colocam já como presenças do futuro. Fundamentar as cadeiras de projecto em conceptualizações teóricas devendo esta vertente teórica-prática integrar as dificuldades em vez de as contornar com ilusões de “gosto” ou “habilidade”. Munir as cadeiras de projecto de capacidade para simultaneamente enquadrar as convenções da disciplina e integrar criticamente a explosão de conceitos e a condição errante da arquitectura contemporânea. Recusar a vertente praticista da arquitectura pela formação de um discurso crítico. Manter relações com outras áreas disciplinares indispensáveis à formação do arquitecto. Criar a capacidade de utilizar os saberes transmitidos pelas gerações anteriores como resposta aos desafios criados pelo programa de cada obra, respondendo às complexidades e perplexidades apresentadas. Produzir arquitectos (que não se demitem da sua qualidade de pessoas) capazes de compreender a realidade naquilo em que ela escapa ao saber da escola e tem mais a ver com os humanos, os seus corpos, as suas emoções, a cidade em que vivem. Promover a procura de uma ética que substitua a do modernismo, uma ética do possível que não dê o primado ao realismo mas sim à realidade. Uma ética da arquitectura para o próximo século, distante quanto baste, comprometida sempre e engajada, mas também profissional e perfeccionista, sabedora Mário Kruger “uma autobiografia prospectiva do departamento da fctuc” in ecdj2 10anos de arquitectura no colégio das artes, Coimbra 2000 pág.28

tecnicamente, culta de muitos saberes – algures entre o profissionalismo de Alberti invocado por Mário Kruger e a mundivisão humanista Vitruviana.

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Para atingir estes objectivos, de que escola precisamos?

Paulo Varela Gomes “entre coimbra e o mundo” in ecdj2 10anos de arquitectura no colégio das artes, Coimbra, 2000 pág.50

É através da voz de Paulo Varela Gomes que respondemos a esta questão. Precisamos de uma escola que não deixe o desenho em paz, sozinho no centro das coisas. Onde ele apareça desde logo carregado com o peso de muitas coisas e não apenas leve com o saber fazer automatizado. Uma escola onde haja efectivamente inter-relação de saberes e capacidades onde o projecto não se faça apenas no estirador mas também na sala de conferências, na visita de estudo, na palestra, no debate. De tal forma que toda a cultura seja convocada para a realização de uma obra com projectistas que pensem qualquer obra através desta amplitude, deste desejo de saber e de fazer. Uma escola viajante e curiosa, assente no rigor e no debate. Uma escola capaz de ouvir filósofos, sociólogos, cineastas, músicos, jornalistas, políticos e de os pôr a conversar uns com os outros. Uma escola capaz de publicar tanto um projecto como um texto filosófico, tanto imagens de arquitectura como imagens de vídeo, capaz da mais rigorosa investigação teórica e histórica e da mais provocatória emissão de manifestos. Que escola temos?

Traçar as características da escola ideal é importante na medida em que o ideal é uma meta a atingir, é uma ideia, algo que nos define o caminho a trilhar. Contudo, não poderemos caminhar para parte alguma se não soubermos onde estamos. Interessa, portanto, ter uma visão crítica do estado contemporâneo do ensino da arquitectura, não só porque pretendemos analisar a última década da Arquitectura Portuguesa e o ensino da arquitectura é parte integrante desse estado mas também porque precisamos de nos situar para partir rumo ao futuro. Até aos anos 80, com duas escolas no país a bipolarização da cultura arquitectónica era uma realidade pela evidente diferente opção de cada uma das escolas. Hoje, com mais de vinte escolas semeadas pelo país, a bipolarização desfez-se, a escola do Porto avolumou-se internamente, internacionalizou-se e passou a dominar quase hegemonicamente o espaço nacional. Paulo Varela Gomes “o susto” in unidade 2, Porto, 1989 pág.87

“Neste momento, todo o fascínio dos meios arquitectónicos e da cultura arquitectónica vai para objectos arquitectónicos que giram na órbita da Escola do Porto.”

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Esta escola defende um método de ensino que passa pela criação de instrumentos pessoais para uma expressão individual que não dê lugar à gratuitidade. Não impõe nenhum modelo em especial. A entrada de modelos é entendida como mais um elemento de trabalho. A informação que chega é positiva, útil, necessária na qualificação do projecto próprio. Há a consciência de que todos os projectos, por mais personalizados que sejam passam pela reinvenção ou até recuperação de formas do passado. A presença de Siza nos ateliers da escola funciona não como um fornecedor de modelos mas sim como sendo aquele que propõe um método para a abordagem das questões caso a caso. Independentemente das transposições que se possam fazer de uma obra para a outra, a certeza é que cada obra é uma surpresa, uma abordagem sempre particular. Siza não é indiferente em relação às formas arquitectónicas que se produzem no mundo; pelo contrário podemos na sua obra encontrar referências, homenagens. Sendo a obra de Siza exemplo do entendimento metodológico da escola pena é que não exista uma cuidada reflexão sobre o seu trabalho. O que é claro para alguns docentes não o é para muitos alunos. No conjunto das escolas nacionais é visível a falta de estruturas enquadradoras de projectos de investigação. A força das referências, quando associada ao distanciamento entre a reflexão e a prática instalada em não poucos espaços de ensino, tem inviabilizado a incursão do aluno no território da investigação. O que resulta deste autismo é uma arquitectura sem qualidade, que se esgota em si mesma, no jogo permanente da auto-referenciação. É um trabalho que nos pode emocionar quando resulta bem feito mas que como regra de aprendizagem parece insuficiente. Na maioria das escolas existentes o plano de estudos apresenta uma organização semelhante, mas, de nada serve um bom plano se não existirem docentes capazes e interessados. Sem eles não se pode garantir a qualidade do ensino. Muitos dos novos espaços de ensino procuram personagens “famosas”, mas, sabemos que elas não chegam para garantir a qualidade do corpo docente de uma faculdade. No entanto servem perfeitamente para atrair os seus clientes (essenciais para a sua existência). Este lado comercial do ensino, justifica o aparecimento de cursos que dizem oferecer uma visão mais técnica em detrimento de uma visão estética. Isto é puro negócio. Não existe uma visão mais técnica ou mais artística, existe arquitectura. A escola não oferece conteúdos estáveis de conhecimentos; apenas propõe página15

exercitar a aprendizagem do projectar, integrando várias matérias numa estrutura constituída por um núcleo central, projecto, englobando aspectos de composição, construção e urbanismo. O espaço do projecto é o espaço de síntese. Manuel Maria Carrilho diz em relação à filosofia aquilo que Alves Costa diz em relação à arquitectura; que o professor de arquitectura tem de ensinar arquitectura, na convicção de que a arquitectura se ensina e na plenitude da convicção contrária de que ela não se ensina nem se pode ensinar. O curso de arquitectura passa pelo enquadramento problemático de uma componente transmissível, mensurável e uma outra que não é, que é aleatória, autobiográfica. Jean Baudrillard, citado por Pedro Maurício Borges“ O lugar na Modernidade” Prova de aptidão pedagógica e capacidade cientifica, Coimbra, 1997 pág 40

“colecciona-se sempre o próprio eu” É esta vertente aleatória e autobiográfica que torna possível a intuição que valoriza o não objectual, não mensurável, não analisável, não completamente científico, em suma é esta vertente que abre caminho à liberdade, à poética.

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2ªparte

Análise da base de dados A construção da base de dados potenciou a observação das problemáticas e das linhas estruturantes da produção arquitectónica portuguesa contemporânea.

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Diversidade A arquitectura contemporânea apresenta-se como uma experiência pluriforme, complexa. Hoje é evidente a inexistência de uma plataforma de entendimento que sirva de base à construção arquitectónica. Não há uma plataforma, mas sim uma multiplicidade ilimitada de posições provisórias. Ao deixar de vislumbrar uma plataforma de raízes profundas, que suporte a obra arquitectónica, passa-se a poder entender a heterogeneidade dos objectos arquitectónicos que constituem a base de dados que se construiu. A arquitectura no passado partia de um sistema estético institucionalizado como forma (um conjunto de elementos fixos e um grupo de regras objectivas de articulação destes) que era aplicado indiferentemente a cada objecto. A arquitectura, hoje, tem a sua origem num sistema conceptual operativo capaz de controlar objectos em circunstâncias distintas e com programas diversos. Todas as possibilidades de construir são válidas e nenhuma é única para cada circunstância. Cada obra surge do cruzamento de discursos parciais e fragmentados. Ignasi Solà-Morales, “Diferencias. Topografia de la arquitectura contemporânea” Gustavo Gili, Barcelona, 1995 pág.67

“A arquitectura contemporânea constrói-se não a partir de uma referência imóvel, mas sim da necessidade de propor para cada passo o objecto e o seu fundamento.” Esta situação leva a que hoje, o arquitecto não possa desenhar uma cadeira ou uma cidade com a mesma segurança com que o faziam as gerações anteriores, o que gera angústia e indecisão face ao projecto. A indecisão provocada pela ausência de um enquadramento teórico consensual tende a resolver-se na acção. Através do fazer, surgem novas formas a descobrir à posteriori pelo pensar. A indecisão da resposta é, no entanto, inerente à própria natureza do acto de projectar, mesmo num quadro epistemologicamente estável. As decisões essenciais de um projecto são, as mais das vezes, descontinuidades num raciocínio linear. São momentos em que se decide numa direcção para a qual a razão inventa pretextos para camuflar a sua irracionalidade. São estes pretextos que originam resultados claramente distintos.

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Júris e Ordem A falta de um enquadramento teórico consensual, reflete-se nos projectos desenvolvidos pelos arquitectos e na dificuldade que os júris têm em atingir plataformas de entendimento que permitam a escolha de uma determinada solução. A presença de representantes da Ordem dos Arquitectos nos júris é uma tentativa de repor alguma ordem e credibilidade num mundo obscuro. O representante da Ordem deve contribuir para introduzir algumas regras, deve clarificar um conjunto de pontos de acordo, princípios e procedimentos para que se possa desenvolver um processo de análise das propostas que no final resulte claro. No entanto, tudo depende de quem lá está. Nada garante que o representante da Ordem tenha capacidade para impor alguma lógica, nem que os restantes membros do júri tenham a formação mais indicada para este tipo de tarefas. É excessivo o grau de comprometimento destes com os agentes económicos especialistas em subverter as situações.

Mário Kruger “uma autobiografia prospectiva do departamento da fctuc” in ecdj2 10anos de arquitectura no colégio das artes, Coimbra, 2000 pág.31

“A multiplicação de concursos públicos de arquitectura que promovem, de forma não transparente, a gestão de interesses privados em contra-posição às mais elementares considerações de ética e de deontologia profissional transformando o que era aparente excepção em regra ostensiva” Da mesma forma que no ensino um bom plano de estudos não implica uma boa aprendizagem, aqui o clarificar algumas regras e objectivos não implica uma escolha clara. A Ordem, através do apoio que tenta dar ao disponibilizar-se para preparar os dossiers dos concursos, está a contribuir, para uma excessiva sistematização dos mesmos. A pouca reflexão desenvolvida em torno dos programas a elaborar vem justificar a frequente desadequação destes às novas necessidades, e não incentiva a definição de um ambiente propício à exploração de novas soluções. Infraestruturação e espectáculo A infraestruturação do país realizada ao longo dos últimos anos e apoiada pelos fundos europeus veio aumentar substancialmente o número de concursos realizados. Os novos edifícios tornam-se a imagem de marca das antigas cidades.

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Ainda há poucos anos as prioridades da arquitectura centravam-se na construção social, obtenção de baixos custos, participação dos diversos grupos sociais na prática arquitectónica e racionalização. Hoje, dada a nova estrutura política e económica, entende-se a arquitectura como um veículo de promoção social e cultural. A cidade é “moderna” se tiver o seu edifício multiusos, mesmo que ele não seja uma necessidade e mesmo que não exista água canalizada nas casas de quem a habita. Torna-se compreensível a importância da imagem que o edifício vai passar para a cidade; ele é fundamentalmente para ser visto e não para ser habitado. Só cumprirá a sua missão política na altura em que se fizer espectáculo. A cidade pode também ser “moderna” se tiver a obra daquele arquitecto que já entrou no circuito mais mediático, o que explica a realização de projectos destinados ao arquitecto x e não a quem os vai habitar. Neste cenário tão negativo têm surgido ao longo dos anos nas nossas cidades um conjunto de trabalhos de qualidade inegável. Apesar da precariedade que ainda existe, têm surgido alguns exemplos de concursos de onde resultaram bons projectos. É possível encontra júris capazes e interessados e cada vez mais o aumento substancial do número de arquitectos obriga a um investimento muito mais sério na profissão. Hoje é necessário investir muito na profissão e na proposição se soluções capazes para se conseguir um nicho do mercado. A velha ideia de que na nossa sociedade a concorrência é a única maneira de beneficiar o consumidor tem aqui o seu lugar. Espaço de experimentação O concurso surge como uma oportunidade de os jovens arquitectos conquistarem um espaço de trabalho. O investimento feito na procura de melhores soluções vem confirmar a ideia de que o concurso é um espaço de experimentação. Mas aceitar a ideia de que apenas o concurso é o espaço privilegiado da experimentação implica dizer que aqueles que não fazem concursos não investigam, ou investigam pouco. Siza não experimenta? não propõe para cada novo projecto novas soluções que vêm da necessidade de resolver um problema especifico do novo projecto? Considerar os concursos o espaço privilegiado, implica concordar com a ideia de que o espaço ideal para a experimentação tem que ter prazos rígidos, tempos frequentemente curtos e não compatíveis com os tempos necessários à reflexão. É necessário perceber que a grande vantagem do concurso é disponibilizar àquele que o promove um conjunto largo de cabeças a pensar frequentemente página20

gratuitamente num determinado problema. O acto de projectar deve estar sempre associado à experimentação, à reflexão e ao debate. É necessário analisar cada uma das contribuições individuais que têm surgido nos últimos anos e promover sobre elas a reflexão e debates colectivos, senão cairão em saco roto. A falta de reflexão sobre as questões tipológicas origina a constante utilização de tipologias inadequadas aos actuais padrões de vida. Por outro lado, continuamos a aceitar uma quantidade de leis e regras desajustadas; é necessário reflectir sobre a questão da legislação, incentivar a sua flexibilização, para que deixe de ser o ser castrador em que se converteu. É necessário que os diferentes agentes (arquitecto, promotor, construtor) ou disciplinas comuniquem para que se possa acabar com este caduco sistema que prejudica a inovação. Capacidade de comunicação Apesar da pluralidade de respostas que se podem encontrar, o efeito de nivelação que actua sobre quase todo o conjunto de projectos coloca-os aparentemente numa só plataforma. O aumento dos mecanismos de difusão e consumo tem como consequência o esvaziar de conteúdo dos valores de que se faziam portadores, provocando uma falsa homogeneização dos projectos. Palavras como permeabilidade, densidade, economia, sistematização, de tão difundidas e usadas, convertem-se em simples fonemas cujo significado é, no mínimo, duvidoso e cuja fundamentação se torna problemática para quem crê honestamente na validade das mesmas. Por outro lado, as imagens do projecto são entendidas frequentemente como elemento de sedução ligados ao comercialismo e não à representação do projecto. E, dentro desta lógica, 1. A.S*, Residência Universitária das Laranjeiras Ponta Delgada,1999

encontramos duas abordagens distintas. Os projectos normalmente provenientes de ateliers mais recentes, seduzidos pela representação projectual que caracteriza o panorama Holandês. Utilizam estilos mais informais. As imagens recaem um pouco para o tipo de documentário fotográfico dos anos setenta, revelando e incentivando uma personalização e abstracção. É uma representação conduzida através da manipulação da imagem e consequentemente, do seu grau de beleza e estética, conceitos que são, já de si, abstractos. A proliferação deste tipo de representação do projecto, na tentativa de com ela seduzir aqueles que vão escolher, leva frequentemente ao desvio dos reais objectivos do concurso que se propõe escolher um projecto

2. Alfredo Resende e Pedro Magalhães Basto, Mercado Mouteira – Lordelo, 1994

de arquitectura e não uma imagem. A outra abordagem é a dos projectos que recorrem às já clássicas perspectivas, que ao contrário das anteriores não

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revelam nenhuma personalização nem conseguem transmitir ou valorizar alguns pontos do projecto, apresentando-o com um enorme valor objectual desligando-se completamente do ambiente onde se implanta . O desenho e as tecnologias Os arquitectos actuais usam o desenho, não como instrumento intuitivo que estabelece a ligação entre a mente e o método, antes como instrumento paralelo que opera à margem do processo criativo, apenas como meio quase exclusivamente de representação. É arriscado generalizar. Mas, certo é que o desenho como instrumento disciplinar, vai sendo absorvido pela evolução tecnológica e instrumental. Por isso hoje no conjunto dos projectos apresentados é mais fácil reconhecer correntes metodológicas – isto é que utilizam a instrumentação projectual de forma similar, mesmo que conduzindo a resultados diversos. Num mundo onde a imagem nos seduz, o espaço como protagonista da arquitectura, e o desenho como instrumento base da concepção espacial estão cada vez mais postos em causa como suportes da obra arquitectónica. À margem dos casos isolados, o desenho jamais representa como representava o instinto criador do arquitecto. O desenho, na cultura arquitectónica dos anos 90, quando não veicula o gesto de mero gosto ou débil habilidade, representa os momentos em que se cruzam várias disciplinas, integrado numa nova geração de instrumentos operativos, numa contribuição nova para o projecto. A origem do desenho no seio do território disciplinar da arquitectura dispersou-se. O desenho, o esquisso que representa uma ideia, poderá nascer nas mais variadas fontes, muito frequentemente fora das instrumentações convencionais da disciplina. A introdução das tecnologias de informação no método de projectar, carregava à partida um objectivo puramente instrumental, destinado a operar na fase avançada de representação do projecto. Isto é, um suporte para a representação e produção de documentação, e não para a tomada de decisões. A partir do momento que se confunde representação com ideia, o desempenho dos instrumentos computacionais muda de figura. Mais do que nunca o desenho enquanto esquisso ou enquanto apresentação acabada do projecto são duas faces da mesma moeda.

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Agrupar posturas Até aqui tem-se apresentado algumas impressões retiradas de um olhar sobre a generalidade dos trabalhos que constituem a base de dados realizada; no entanto importa deste conjunto agrupar os projectos a partir de uma análise das diferentes respostas. • As respostas provenientes de arquitectos de um nível de interesse e formação duvidoso, cuja obra revela uma enorme fragilidade nas suas tramas conceptuais e formais e nas influências que reflectem. Não se consegue aceder a operações ou trajectos de natureza mais pessoal; as soluções encontradas para os problemas são arbitrárias. São uma espécie de prolongamento de 3. João Paciência, Câmara Municipal da Guarda, 1993

algumas das más experiências feitas nos G.A.T. em meados dos anos 80 e que se detectaram em especial no interior do país. Já no início dos anos 90 Nuno Portas a propósito do grande conjunto dos trabalhos apresentados na 3ºENA caracterizava-os da seguinte forma.

Nuno Portas, “Uma exposição aquém do que merecemos” in Jornal dos Arquitectos nº110, Lisboa, 1992 pág.49

“... a arbitrariedade sobre o rigor na solução dos problemas, sobretudo as piscadelas de olho a modas que na sua maioria já não são sequer. As imodéstia dos sinais exteriores, as evidências à força das formas aberrantes – das arcarias indiscriminadas aos remates (ainda) de frontões; dos planos entortados ou desconjuntados para fingir que se desconstroi quando os interiores são banais.” Interessam-se exclusivamente pela imagem que produzem.. A obra arquitectónica tornou-se na instalação de um objecto “festivo”, que antes de pretender cumprir a sua tarefa de ser um abrigo coeso para a sua função, tenta um lugar na história da arquitectura, violentando o sítio ou através do impacto desmedido da sua imagem. • Projectos que valorizam uma das maiores características da arquitectura actual, o saber técnico. Transformam-se nos exemplos nacionais de uma arquitectura high tech. O rigor metodológico e a densidade cultural é

4. Regino Cruz, Centro de exposições e congressos do Estoril, 1999

substituído por uma arquitectura pragmática e eficaz claramente ligada ao produtivismo francês. Todos os grupos são exemplos de arquitectura high tech na medida em que utilizam as mais recentes tecnologias; no entanto, nestes trabalhos, os elementos construtivos e técnicos são visíveis e transformam o edifício num catálogo da alta tecnologia. A arquitectura é vista como sendo um sistema global de convergências interdisciplinares e não como prática autónoma que reconhece as restantes disciplinas. página23

• As respostas, numa aparente continuidade com a tradição arquitéctónica portuguesa, apresentam uma maneira de fazer inteligente, rigorosa na sua organização, elegante nas suas proporções. É uma produção onde o discurso 5. Alfredo Resende e Pedro Magalhães Basto, Mercado Mouteira / Lordelo, 1994

e os gestos estão sempre no limite do “politicamente correcto”. Uma postura que gera alguns desencantos pela dificuldade que tem em se renovar, em se libertar de um conjunto de maneirismos, alimentados por uma enorme inércia que gera uma situação de autocomplacência.

Alexandre Alves Costa, “mesa redonda” in Unidade 6, Porto, 1998 pág.43

“A relação de Siza com os alunos não é nenhuma, o seu afastamento da escola transformou o seu discurso apenas na obra, transformando-se assim e muito rapidamente a leitura da sua obra em tiques puramente formalistas.” São trabalhos honestos, porque são rigorosos e equilibrados, no entanto, hoje mais do que nunca, as cidades e sociedade em que vivemos não são respeitosas com a imagem de equilíbrio e boa educação que acompanha esta arquitectura. São trabalhos que limitam o seu campo de acção aos limites do terreno, que não se debruçam sobre a necessidade de criar novas lógicas e não questionam a vastidão do território onde se inserem. Perante esse facto, os próprios autores refugiam-se no detalhe, levando a uma saturação do edifício e aos chamados “brincos sem corpo”. • Aquelas que perante a falta de uma base sólida, racional, valorizam, as experiências estéticas alimentadas pela imagem. A ausência de regras, solta as amarras da realidade e leva a que objectos, imagens e materiais se encarreguem dos primeiros esquissos representativos de um conceito ou

6. Ricardo Bak Gordon e Carlos Vilela Lúcio Residência da Embaixada de Portugal em Brasília, 1997

imagem. Quase à partida surgem apontamentos claros sobre materiais, pequenos esquissos de construção que mostram a emergência da aparição de uma imagem que faz falta para dar identidade ao projecto. A imagem surge como algo intrínseco ao projecto. O projecto surge a partir de uma imagem quase sempre pré concebida, a partir do invólucro, da sua textura, ou da imagem perante a envolvente. O espaço submete-se às consequências de uma volumetria geralmente básica, proporcionada pelas suas dimensões genéricas. Formas elementares encaixam umas nas outras, pousam, tocam-se sem nunca se confundirem, nunca pondo em causa a leitura clara do objecto. O espaço não é pensado como ponto de partida mas sim a imagem que o produz. Contudo a imagem tem um limite que identifica a sua forma . A investigação na procura de novos materiais, ou de novas formas de utilização, não significa que o avanço tecnológico se exprima apenas nas cascas. A forma geométrica e

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volumétrica dos edifícios, com o mesmo rigor técnico do desenho da sua pele também sofreu transformações provocadas pela investigação das potencialidades dos materiais ditos estruturais. Assim se compreende que muitas das obras recentes, de maior complexidade formal ou volumétrica, não deixam de expressar alguma vontade minimalista em manter clara a leitura dos objectos, desenhados segundo gestos identificáveis com uma palavra ou conceito, autonomizados pela materialização cuidada e precisa da sua casca. Já não se trata de uma mera dicotomia interior (espaço), exterior (imagem perante a envolvente). A questão é em que medida nestes projectos a imagem construída por materiais ou os materiais construídos por imagens se sobrepõe ao elemento primordial da arquitectura, o seu espaço? Assumem-se frequentemente enquadrados numa sociedade global de consumo, manifestando uma atitude acrítica perante referências sociais, históricas ou culturais, nenhuma crítica à sociedade de consumo, nenhuma crítica ao mundo informatizado da tecnologia. Neste sentido, ao abster-se dos factos sociais ou de ordem moral, a arquitectura, como forma de pensamento, volta-se para si própria ganhando autonomia disciplinar, divorciando-se das ciências sociais e humanas. Então, a penetração de disciplinas ligadas à tecnologia e informação é potenciada pelo próprio vazio ideológico da arquitectura. • Os projectos que interpretam e transfiguram o local a partir da sua própria dinâmica, há um empenho na construção de respostas a partir de esquemas metafóricos, simbólicos, e narrativos. São projectos resultantes de uma posição artística entre modernismo e pós-modernismo, que inserem a poética da arquitectura numa trama cenográfica ou decorativa, criadora de imagens. São projectos que ultrapassam as regras convencionais da geometria através 7. Manuel Graça Dias e Egas José Vieira, Instituto das comunicações de Portugal Barcarena, 1995

da sua complexificação formal e que se constroem a partir da confrontação com o quotidiano e retirando dessa confrontação o vocabulário de um novo discurso. Esta arquitectura não pretende atingir a trivialidade pictórica. Não são meramente imagens ou ícones como nos anos 70 e 80. Não se pretende transladar para o nosso tempo uma imagem pertencente à nossa base de referências. São trabalhos que se constroem a partir de regras provenientes de uma análise do presente, de dados como, os físicos, os sócio-políticos, os económicos ou os culturais.

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• Finalmente, os projectos, que se fundamentam no passado e se projectam para o futuro, agarrando o presente. São trabalhos onde a artisticidade dos seus gestos, a inteligência com que se estabelecem relações com o lugar, bem como a leitura atenta da história, valorizam as referências modernistas, sem nunca subverter o seu compromisso com a contemporaneidade, mas sempre com uma prudente aceitação que se confunde frequentemente com a recusa 8. João Paulo Providência e José Fernando Gonçalves, Convento e Centro Cultural Dominicano, Lisboa, 1995

crítica do estado do nosso tempo. É um conjunto que se propõe não só criar espaços mas também transformar lugares. Poder-se-á certamente dizer que esta descrição nos remete para o trabalho de Siza. No entanto no seu trabalho, não há lugar a cedências ou referências que não estejam no âmbito disciplinar da arquitectura. Por isso nunca sabe que materiais eleger.

Álvaro Siza, “Materiais” citado por Wiliian Curtis, in El Croquis 95, Madrid, 1999 pág.14

“as ideias que me surgem são sempre imateriais; linhas sobre papel branco.” Siza enfatiza a noção de espaço como matéria; as formas vão-se metamorfoseamento à medida dos impulsos do desenho, que comunica o que de outra forma seria incomunicável. Tal só é possível pelo domínio do desenho, domínio esse que o torna num caso exemplar que dificilmente o coloca em qualquer “corrente” da contemporaneidade. Os arquitectos deste grupo, porque nem sempre são portadores de tais capacidades, procuram, através de uma forte reflexão sobre o trabalho e o meio onde ele se desenvolve, retirar os elementos que lhe vão possibilitar a construção espacial da proposta. O arquitecto trabalha com especialistas. A capacidade de se relacionar e de relacionar, utilizar pontes entre conhecimentos, criar para além das respectivas

9. João Paulo Providência e José Fernando Gonçalves, Convento e Centro Cultural Dominicano, Lisboa, 1995

fronteiras, para além da precariedade das invenções, exige aprendizagem específica e condições de apetite.

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3ªparte

A partir das conversas As conversas com os arquitectos seleccionados evidenciam confluências e divergências proporcionando o desenvolvimento de alguns dos temas mais relevantes para o entendimento da cultura arquitectónica contemporânea. página27

Origens António Portugal e Manuel M. Reis

António Portugal, terminou o curso da FAUP em 1990, colaborou entre 1987

Concursos: • Edifício Sede da Direcção Regional de Educação Norte, Porto 1991(2ºprémio). • Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Portalegre 1992 (1ºprémio). •Departamento de Engenharia Electrotécnica da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, Almada 1993 (1ºprémio). •Adaptação da “Casa da cerca” a Biblioteca e Arquivo Municipal de Amarante 1994 (1ºprémio). •Elaboração de Projectos de Edifícios Departamentais da Universidade do Minho, equipa qualificada para o Departamento de Engenharia Civil, Braga 1996 (2ºprémio). •Elaboração de Projectos de Edifícios dos Serviços de Acção Social da Universidade do Minho, equipa qualificada para a Residência de Estudantes em Guimarães 1996. •Escola Superior Agrária do Instituto Politécnico de Portalegre, Elvas 1999 (1ºprémio).

e 1990 com os arquitectos Carlos Prata e José Carlos Portugal. Manuel Maria

Inês Lobo e Pedro Domingues

Reis, terminou o curso da FAUP em 1994, colaborou ente 1987 e 1990 com o arquitecto Virgínio Moutinho. Criaram o atelier António Portugal & Manuel M. Reis no Porto em 1990. Inês Lobo, terminou o curso da FA/UTL em 1989, tendo frequentado o primeiro ano do curso na FAUP, colaborou entre 1990 e 1997 com o arquitecto Carrilho da Graça. Pedro Domingues, terminou o curso da FA/UTL em 1992, colaborou entre 1988 e 1997 com o arquitecto Carrilho da Graça. Criaram o atelier em Lisboa em 1997 José Adrião, terminou o curso da FAUP em 1991, tendo frequentado os três primeiros anos do curso na FA/UTL, colaborou entre 1990 e 1991 com o arquitecto Josep Llinás. Pedro Pacheco, terminou o curso da FAUP em 1991, colaborou entre 1990 e 1991 com o arquitecto Josep Llinás, e entre 1992 e 1995 com o arquitecto Fernando Távora. Criaram o atelier no Porto em 1992,

Concursos: • Corpo de Anfiteatros do Campus Universitário dos Açores, Ponta Delgada 1997 (1ºprémio). • Projecto de Remodelação e Ampliação dos Serviços de Documentação do Campus Universitário da Universidade dos Açores, Ponta Delgada 1997 (2ºprémio). • Projecto da Chancelaria e Residência da futura Embaixada de Portugal em Berlim 1998 (1ºprémio). • Concert Hall de Sarajevo (1999.) (Menção Honrosa Especial do Júri). • Projecto do Parque das Camélias, Porto 2000 (1ºprémio). • Projecto para o polo de Aviz, complexo ciencias humana e artes da Universidade de Évora, 2000 (1ºprémio).

tendo sido transferido para Lisboa em 1995.

José Adrião e Pedro Pacheco

desde 1983 com o arquitecto Gonçalo Byrne. Francisco Aires Mateus,

Concursos: • Terreiro do Paço em Lisboa, 1992 (1º prémio) • Convento de São Francisco em Santarém, 1993 (Menção Honrosa). • Exposição da II Trienal Internacional de Arquitectura de Sintra, 1993 (1ºprémio). • Projecto para a construção do Mercado de Ramalde no Porto, 1994 (Menção Honrosa).

terminou o curso da FA/UTL em 1987. Colaborou desde 1987 com o

José Mateus, terminou o curso da FA/UTL em1986, colaborou entre 1983 e 1991 com os arquitectos C. Pecegueiro e Coimbra Neves, entre 1989 e 1991 com o arquitecto João Paciência, e em 1991 com o arquitecto Daniel Libeskind. Nuno Mateus terminou o curso da FA/UTL em 1984, colaborou entre 1981 e 1985 com os arquitectos C. Pecegueiro e Coimbra Neves, entre 1987 e 1991 como arquitecto Peter Eisenman e em 1991 com o arquitecto Daniel Libeskind. Criaram o atelier ARX Portugal em Lisboa 1991. Manuel Aires Mateus, terminou o curso da FA/UTL em 1986, colaborou

arquitecto Gonçalo Byrne. Criaram o atelier Aires Mateus & Associados em Lisboa em 1988. Nuno Brandão Costa, terminou o curso da FAUP em 1994 Colaborou entre 1992 e 1993 com os arquitectos Herzog & de Meuron, entre 1993 e 1997 com página28

• Projecto do Edifício Cultural do Palácio de Cristal no Porto, 1994 (3º prémio) • Projecto para a Biblioteca Central da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1998 (Menção Honrosa). • Projecto das Residências Universitárias das Laranjeiras em Ponta Delgada, 1998. • Unidades de Habitação para o Parque Museu Virtual em Montemor, 1998 (1ºprémio). • EUROPAN no Vale de Chelas, 1998 (1º prémio).

Ao seleccionar da base de dados os ateliers mais premiados nos últimos anos,

ARX Portugal

escolas.

Concursos: • Escola Superior de Tecnologia e Gestão de Bragança, 1991 (3º prémio). • Central Digital de Porto Salvo, 1991 (1º prémio). • Palácio da Justiça de Cascais, 1992 (2º prémio). • Mercado Municipal da Moita, 1992 (2º prémio). • Instituto Politécnico de Setúbal, 1993 (1º prémio). • Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, 1994 (4º prémio) • Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa, 1994 (2ºprémio). • Pavilhão Gimnodesportivo das Manteigadas em Setúbal, 1997 (2º prémio). • Recuperação/Ampliação do Museu Marítimo de Ílhavo, 1997 (1º prémio). • Centro Regional de Recolha de Sangue do Porto, 1998 (1º prémio). • Plano de Pormenor de Alhos Vedros, 1998 (1º prémio). • Edifício da Reitoria da Universidade Nova de Lisboa (2º prémio)

os arquitectos José Fernando Gonçalves e Paulo Providência. . Criou o atelier no Porto em 1997.

o resultado obtido foi um conjunto onde apenas estão representadas duas escolas. A justificação poderá estar no facto de grande parte dos arquitectos não se interessar pela participação em concursos, e no de que, só muito recentemente começaram a surgir arquitectos formados por muitas das novas

Referências Como foi dito na primeira parte do trabalho, a Escola do Porto avolumou-se internamente e passou a dominar quase hegemonicamente o espaço nacional. A Escola tem uma história conhecida, e uma forte ligação a algumas personagens que se cruzam nalgumas invariantes. Sem querer desprezar o trabalho de todos aqueles que deram enormes contributos à Escola, o trabalho de Souto de Moura e principalmente o de Siza Vieira, transformaram-se na imagem externa da Escola. Os percalços que têm marcado a Escola de Lisboa, e a falta de um discurso consistente, permitiram uma crescente valorização da “atmosfera portuense” em territórios instáveis. A afirmação da Escola do Porto e a troca de experiências entre norte e sul têm incentivado não unicamente a proliferação de um estilo, mas também a afirmação de uma metodologia e de um conjunto de instrumentos. Carrilho da Graça e Gonçalo Byrne, são, os exemplos de

Aires Mateus & Associados

Lisboa mais conhecidos, tanto nacional como internacionalmente, e são

Concursos: • Instalação da I Trienal de Arquitectura de Sintra, 1990 (1ºprémio) • Prémio Samoná, Pádua 1991 (1º prémio). • Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, 1992 (2º prémio). • Edifício Sede da Ordem dos Engenheiros em Lisboa, 1994 (1º prémio). • Cantina do Pólo II da Universidade de Coimbra, 1995 (1º prémio). • Cantina da Universidade de Aveiro, 1997 (1º prémio). • Orquestra Metropolitana de Lisboa (em colaboração com Gonçalo Byrne), 199? (1º prémio). • Unidade Pedagógica Central da Universidade de Coimbra, 1997 (1º prémio).

aqueles que têm maiores relações com o Porto. Sofrendo a influência de Siza, ambos valorizam a importância do saber olhar para saber propor, a partir de raciocínios que partem da simplicidade do partido tipológico ou da elaborada simplicidade produzida a partir do retorno às origens próximas, aos mestres do séc. XX. O papel dominante da Escola do Porto só não ganhou maior dimensão, e não se transformou num modelo centro - periferia, porque, simultaneamente com o reconhecimento interno e externo do trabalho de Siza e Souto de Moura, inicia-se uma época com uma dinâmica até então desconhecida. Vulgarizamse as exposições e experiências profissionais em ambientes praticamente desconhecidos. As publicações da especialidade aumentam, e deixam de transmitir um determinado projecto de investigação, passando a publicar página29

Nuno Brandão Costa Concursos: • Projecto para a construção do Mercado de Ramalde no Porto, (1994) • Projecto da Chancelaria e Residência da futura Embaixada de Portugal em Berlim 1998 (2ºprémio). • Projecto para a Biblioteca Central da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, 1998 (1º prémio). • Projecto do Centro do Centro do Mar em Matosinhos, 1998 (convite para a segunda fase). • Escola de Direito da Universidade do Minho em Braga, 1999 (3º prémio) • Projecto do Parque das Camélias, Porto 2000 (Menção Honrosa).

tudo o que está na moda, cabendo aos arquitectos, perante a quantidade de informação que lhes é disponibilizada, definir, através de um trabalho de investigação, os seus projectos individuais. Apesar da semelhança dos percursos escolares do conjunto dos arquitectos, a análise das primeiras experiências profissionais permite entender a origem de algumas das suas características. Em cada ambiente de trabalho encontraramse preocupações e metodologias específicas. De uma experiência Suíça, retiraram-se informações respeitantes a novos materiais e respectivas capacidades gráficas. A experiência em Barcelona despertou as preocupações sobre a intervenção na cidade e o desenho do espaço público. A experiência Americana potenciou o interesse pela arte conceptual e a sua transposição para a arquitectura. A experiência no atelier de Carrilho e no de Byrne permitiu conhecer uma posição de mediação entre os extremos que caracterizaram a situação portuguesa, e permitiu desenvolver uma imagem de grande profissionalismo na forma de estar e nas respostas dadas. As experiências profissionais realizadas por Nuno Brandão Costa, José Adrião e Pedro Pacheco, e António Portugal e Manuel M. Reis não implicaram grandes alterações metodológicas. A capacidade dada pela Escola de manipular os diversos instrumentos, deu-lhes, a capacidade de, perante as novas realidades, retirar os elementos necessários para a qualificação do projecto próprio.

Nuno Brandão Costa, conversa

“Essas referências são confrontadas com aquilo que a escola nos deu, e assim avançamos para um território de experimentação com alguma segurança.” Para José e Nuno Mateus trabalhar com Daniel Libeskind e Peter Eisenman foi um factor decisivo na definição metodológica do trabalho. O interesse existente no atelier de Eisenman pela arte conceptual estende-se a Nuno Mateus e indirectamente ao seu irmão. Este não vai tentar copiar formas mas sim retirar uma metodologia através da análise dos processos, métodos e critérios da corrente artística. O percurso da concepção de um projecto passa assim pela construção mental de uma ideia que em seguida é registada no desenho, diagramas ou maquetas diagramáticas.

Peter Eiseneman Textos de Arquitectura de la Modernidade, Editorial Nerea, Madrid, 1994 (tradução livre) pág.476 (1ªedição) Prespecta nº21, MIT press, Cambridge 1984 Frédéric Levrat ARX Portugal uma segunda natureza, Lisboa 1993 pág.7

“Isto sugere a ideia de uma arquitectura como “escritura” em vez de uma arquitectura de imagens” “ARX como

são chamados, é um diminutivo de ARCHITEXTURE, arquitectura com texto”

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A aparente proximidade entre estes dois ateliers é falsa. Eisenaman não encara nenhum dos problemas que a história trouxe à arquitectura, alheando a arquitectura da própria arquitectura como disciplina, bem como da experiência do homem no espaço arquitéctónico. ARX defende a ideia de que a arquitectura deve responder ao seu contexto e exprimir as preocupações dos novos tempos. Eisenman defende que é necessário propor uma ideia 10. ARX Portugal, Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, 1994

alternativa de arquitectura; para ele a ideia de que o propósito da arquitectura é expressar a sua própria época é uma atitude problemática. A ligação do trabalho dos ARX à arte conceptual é, no conjunto dos arquitectos estudados e no panorama nacional, uma excepção. Para um entendimento da maioria dos trabalhos em estudo é necessário compreender a ligação destes à arte minimal . Embora o Moderno constitua uma espécie de reserva formal à qual podemos sempre recorrer, o minimalismo, mesmo descendendo do moderno, é uma espécie de episódio que ciclicamente aparece. No presente, surge em oposição ao pluralismo da cultura pós moderna, traduzindo-se numa atitude provocatória e vanguardista que se refugia na abstracção geométrica das formas e na pura materialidade da obra de arquitectura. As formas contidas e minimalistas de grande parte da obra de Aires Mateus, e de Nuno Brandão apresentam como valor máximo a extrema materialidade e

11. Aires Mateus, Edifícios sede de grandes empresas na EXPO, Lisboa, 2000

unidade , renunciando ao que é secundário para poder dar intensidade às ideias básicas. Os escritórios da Expo de Aires Mateus são edifícios que se desligam de qualquer função referencial, representativa ou metafórica. As formas podem ser compreendidas de maneira global e instantânea, dirigem-se directamente à mente do observador. A propósito do projecto da Biblioteca da Universidade Nova, Nuno Brandão Costa diz:

Nuno Brandão Costa, extracto da memória descritiva da Biblioteca da Universidade Nova

“O projecto propõe um corpo abstracto, assinalando um cenário sólido para a Praça da Universidade pela sua posição deslocada da envolvente.” À semelhança de muitos exemplos da arte minimal a Biblioteca aposta no jogo em torno da distorção da escala do edifício servindo-se de técnicas construtivas e regras de modelação que libertam “energias” através da repetição. As três lajes que desenham o alçado sul passam a imagem de um edifício de três pisos apesar de ter altura para cinco; a ausência de janelas ou de referências à escala humana acentua o seu valor abstracto. O trabalho minimal de Nuno Brandão Costa revela também a vontade de com grandes

12. Nuno Brandão Costa, alçado sul da Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, 1998

gestos estruturais e geométricos resolver problemas projectuais. O módulo

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estrutural do mercado de Ramalde, está directamente relacionado com a necessidade de modelação dos espaços de venda. Somos assim transportados para algumas das principais características do trabalho de Mendes da Rocha e de alguns dos maiores exemplos do brutalismo (radical sinceridade da estrutura, dos materiais e das soluções técnicas). Simultaneamente é evidente o interesse que tem pelo trabalho desenvolvido por Viana de Lima, na 13. Nuno Brandão Costa, Mercado de Ramalde Porto, 1994

Sérgio Fernandez, Percurso. Arquitectura Portuguesa 1930/1974, FAUP Porto, 1984 pág.152

Faculdade de Economia do Porto em 1961: “...na Faculdade, um desenho vigoroso, sublinhado pelo geometrismo da placagem de betão e pelo contraste que se estabelece entre muros praticamente cegos e amplos envidraçados...” No projecto da Embaixada de Berlim de Inês Lobo e Pedro Domingues os grandes gestos estruturais estão também presentes. Veja-se as vigas de betão aparente, com cinquenta metros, do tecto da chancelaria. Assim como está presente a vontade de preservar os volumes puros do piso da parte respeitante à residência do Embaixador. No entanto as relações entre espaços e entre a parte da residência e da chancelaria, são complexas, e desenvolvem

14. Viana de Lima, Faculdade de Economia do Porto, 1961

alguma promiscuidade volumétrica, desligando-se assim dos exemplos mais minimais aqui estudados. O trabalho de António Portugal e Manuel Maria Reis inserido neste presente minimal, distancia-se das posturas anteriores pela forma como se aproxima mais de uma cultura contextualizada. Não podendo ser definido como regionalista a verdade é que a Escola de Portalegre revela uma vontade de explorar as texturas dos materiais de uso corrente na região. É clara a influência do trabalho de Souto de Moura nos primeiros projectos deste atelier. O sucesso que tem a expressão less is more na cultura arquitectónica contemporânea, não implicou uma continuidade com o minimalismo miesiano. Ao contrário de muita da produção contemporânea, a obra de Mies nunca partiu de imagens mas sim de materiais que no interior e exterior texturam os espaços de materialidade. Hoje não são raros os casos que partem de uma imagem que é, muitas vezes, a razão para desenvolver as formas de utilização de um determinado material. O trabalho do Souto de Moura é paradoxal na amostragem desta mudança; na sua obra tanto encontramos exemplos de um minimalismo miesiano onde os tais materiais, vão texturar os

15. António Portugal e Manuel M. Reis Escola Superior de tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Portalegre, 1992

espaços de materialidade, como encontramos, a ligação à cultura contemporânea e à importância das imagens.

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O argumento inicial - conceito Maria Zumbrano , Persona y Democracia. La historia sacrificial, citada por Joseph Maria Montaner, La modernidad Superada, Gustavo Gili, 1998 pág.82

“ Não há conhecimento que não tenha como origem e fundamento uma intuição” Iniciar um projecto, implica sempre a pré-existência de um argumento que se encarrega de assegurar os primeiros passos. O conceito é algo de inerente à actividade projectual. O que varia no conjunto dos arquitectos estudados não é a existência ou não de um conceito, mas sim o espaço que ele ocupa na construção teórica do projecto e o campo de onde é retirado. Todos os conceitos são subjectivos porque têm origem numa interpretação pessoal e muitas vezes exterior à disciplina. Algumas das propostas que conhecemos têm como argumento inicial ideias ligadas a outros campos (arte,

16. Eduardo Souto de Moura, “Paletes” de Madeira

cinema, história, etc). Muitos dos arquitectos que hoje recorrem a estas metáforas, não se preocupam em definir um estilo próprio e estável. Preocupam-se, sim, com a procura de um modelo que legitime e estruture os seus processos de investigação formal.

José Adrião, conversa

“Outra coisa que me faz dizer que nenhum deles é desajustado prende-se com o facto de cada projecto tentar resolver uma situação em concreto. As experiências não se repetem muito de sítio para sítio. Nós não procuramos uma identidade formal no conjunto dos nossos projectos.” Podemos encontrar origens diferentes para estes conceitos exteriores à disciplina: Aqueles que provêm de imagens, o caso da estante de livros na biblioteca de José Adrião e Pedro Pacheco, de uma lógica construtiva, no caso da espessura das paredes da casa Ana Malta de Aires Mateus e da análise histórica e social de uma cidade no projecto do Concert Hall de Sarajevo de

17. José Adrião e Pedro Pacheco, estante de livros

Inês Lobo e Pedro Domimgues . Estas ideias por si só não nos definem características espaciais. O conceito tem que ser desmontado pelo desenho até encontrar os arquétipos que formam a sua base. A ideia de arquétipos é completamente diferente da de protótipo. As casas dominó serviram para Le Corbusier resolver grande parte da arquitectura residencial; são protótipos. Os arquétipos, referem-se fundamentalmente a princípios formais lógicos, intemporais e genéricos. No projecto da Biblioteca da Universidade Nova os arquitectos José Adrião e Pedro Pacheco falam de uma estante de livros e daí

18. Aires Mateus, Casa Ana Malta, 1999

partem para o processo de procura dos arquétipos.

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José Adrião e Pedro Pacheco, memória descritiva

“Um edifício de uma biblioteca é um contentor de livros, tal como o é uma estante. Têm em comum uma função de suporte idêntica. Estabelecendo esse paralelismo, definiu-se o principio de modelação estrutural do edifício, conferindo-lhe proporções que o tornam identificável desde o exterior, com um dos elementos funcionais do seu interior, as estantes.” Na casa Ana Malta de Aires Mateus, o fascínio pela espessura das paredes do

19. José Adrião e Pedro Pacheco, Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, 1998

Alentejo levou à definição de um sistema que faz toda a periferia dos espaços da casa (uma espécie de parede em que se pode andar no seu interior). A inexistência de razões, hoje, para fazer uma parede de cinquenta centímetros levou à procura de um sistema que transporte para o presente algumas características espaciais proporcionadas por um sistema construtivo hoje obsoleto. O projecto do Concert Hall de Inês Lobo e Pedro Domingues é apresentado a partir da valorização de algumas características retiradas de uma análise

20. Aires Mateus, Casa Ana Malta, 1999

pessoal da cidade e da relação do sítio com esta. Dessa análise surgem palavras como limite ou cruzamento. Um cruzamento embora não traduza um espaço, traduz o encontro de dois eixos, inicia-se assim uma espécie de diagrama que enuncia tensões entre espaços e pontos de encontro.

21. Inês Lobo e Pedro Domingues, Concert Hall Sarajevo, 1999

O argumento inicial do projecto da biblioteca de Nuno Brandão Costa revela uma postura distinta e mais pragmática. O projecto parte da necessidade de ir buscar luz a norte para a sala de leitura e da necessidade de proteger estes espaços que se querem tranquilos, da confusão da Praça da Universidade. Fecha-se o alçado sul, para se proteger e abre-se o norte para iluminar. A ideia parte da clarificação das características ideais de um espaço de leitura. Estas ideias, ao contrário das anteriores, definem características espaciais. Aqui estamos dentro do campo da arquitectura. Em qualquer um dos exemplos é o desenho que vai permitir avançar. A caracterização feita por José Mateus do seu método de trabalho é aqui válida

22. Nuno Brandão Costa, Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, 1998 José Mateus , conversa

para qualquer um dos casos estudados. “É arquitectura com uma ideia à priori que é estruturada e perseguida pelo desenho”

A arquitectura de ARX pelo elevado nível de abstracção dos métodos utilizados leva-nos para respostas muito mais conceptuais. Os problemas estéticos são resolvidos por métodos puramente geométricos. Analisa-se geometricamente a realidade para lhe contrapor uma nova realidade, porque é nesta nova realidade que o homem se pode proteger do caos da sociedade 23. ARX Portugal, Spreebogen, Berlim, 1992

actual.

página34

A ideia e o espaço A preocupação de grande parte dos arquitectos contemporâneos, é a de encontrar soluções espaciais que permitam não pôr em causa a leitura da imagem ou ideia inicial. Tais propostas traduzem-se em dois tipos de soluções. Aquelas em que se procura a máxima simplificação da estrutura espacial do edifício, traduzida em projectos como o dos edifícios de escritórios na Expo de Aires Mateus, e o da Residência da Embaixada de 24. Aires Mateus, Edifícios sede de grandes empresas na Expo, 2000

Portugal em Berlim de Inês Lobo e Pedro Domingues. A vontade de clarificação e simplificação do volume ou de permeabilidade visual, leva a que se procure reduzir ao máximo a sectorização espacial do edifício; para tal os autores recorreram à colocação de caixas de madeira no tecto de dimensões e formas diferentes, que vão permitir uma caracterização e individualização de cada um dos espaços, tentando assim salvaguardar a permeabilidade ou

25. Inês Lobo e Pedro Domingues, Chancelaria e Residência da Embaixada de Portugal em Berlim 1998 Manuel Mateus conversa

transparência pretendida. São elementos que ocupam uma posição intermédia, não são paredes nem móveis. “Os espaços são definidos sempre por elementos móveis e no último piso existem umas caixas suspensas ou pousadas que vão caracterizando os diferentes espaços” A segunda solução passa pela conformação dos espaços interiores. Eles são determinados pelos limites da forma exterior idealizada. São geralmente edifícios encerrados, tendo como exemplo mais recente o projecto da casa da

26. Rem Koolhaas, Casa da Musica do Porto 1999 Manuel Graça Dias, “Casa da Musica”, in Jornal dos Arquitectos nº195, Lisboa, 2000 pág 82

música do Porto. “Os percursos, depois, contorcionam-se, adaptados às formas fortes encontradas fora.” No projecto para a Orquestra Metropolitana de Lisboa de Aires Mateus:

Manuel Mateus, conversas

“O edifício é uma grande caixa em pedra com todo o programa de apoio, que contem uma caixa de madeira.(...) os espaços de apoio são escavados à própria parede.” No projecto da Biblioteca e Centro de Artes de Sines, os volumes propostos são respostas a problemas de implantação urbana, todo o seu interior se organiza de uma forma independente. O projecto do Centro Regional de Sangue de ARX, parte de um conjunto de operações geométricas de grande complexidade; são princípios compositivos exteriores ao local ou pelo menos

27. Aires Mateus, Biblioteca e Centro de Artes de Sines, 2000

exteriores à comum leitura que se faz do local. Em ambas as situações as

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formas propostas são dimensionadas a partir da análise das exigências volumétricas do programa, mas não revelam o desenho do seu conteúdo. A inexistência de relações entre a organização interna e a imagem exterior permite uma autonomização entre estes dois elementos. São dois sistemas independentes onde a “carapaça” permite a organização do interior de maneiras diversas. O espaço pode ganhar maior complexidade e densidade, 28. Nuno Brandão Costa, Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, 1998

apenas tem que se limitar aos limites do volume. Nos projectos seguintes imagem exterior e espaço interior interagem e condicionam-se. São projectos em que o desenho espacial decorre de uma análise das potencialidades de se estabelecerem diálogos mais activos entre os espaços e entre estes e o seu invólucro. No projecto da Biblioteca da Universidade Nova, de Nuno Brandão Costa, apesar da rigidez do módulo estrutural e do pormenor tipo desenhado para todo projecto, é através da

29. António Portugal e Manuel Maria Reis, Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Portalegre, 1992

posição dos vãos exteriores que se vai autonomizando cada um dos espaços das salas de leitura; estas tornam-se peças autónomas de um grande “lego”. Cada espaço é autónomo, separado do do lado pelo único tipo de porta que percorre todo projecto. Não há qualquer interacção entre eles. Em Portalegre, António Portugal e Manuel Maria Reis definiram dois volumes distintos que revelam os dois tipos de espaços propostos pelo programa. Esta atitude é, por si só, suficiente para estabelecer uma clara hierarquia entre os espaços. Há uma forte relação entre opção volumétrica, materiais e espaços. Do exterior

30. António Portugal e Manuel Maria Reis, Escola Superior de Tecnologia e Gestão do Instituto Politécnico de Portalegre, 1992

facilmente nos apercebemos do espaço do auditório (fechado) da biblioteca (tipo de iluminação) dos gabinetes (modelação rígida). À semelhança de alguns dos projectos dos departamentos da Universidade de Aveiro, a escada ou rampa assume um grande papel da valorização da “promenade architecturale”. Apesar dos próprios autores reconhecerem a importância do trabalho de Souto de Moura para a construção do projecto próprio, este foi o único que recusou, em Aveiro, explorar esta questão. Ao desenhar a escada dentro de uma caixa de betão, Souto de Moura está a dar-lhe um valor unicamente técnico e a anular qualquer ideia de “promenade”. No projecto da casa Ana Malta cada um dos espaços é identificável no volume construído O espaço é hierarquizado e volumetricamente diversificado. A casa Ana Malta, o edifício de escritórios e a biblioteca e centro de artes de Sines, provenientes do mesmo atelier, mostram as soluções mais comuns no panorama da arquitectura contemporânea. Da cultura arquitectónica contemporânea podemos retirar espaços com origem em alguns dos movimentos vanguardistas deste século, em que o

31. Aires Mateus, Casa Ana Malta, 1999

espaço se descrevia como aberto, contínuo, transparente e indiferenciado, e página36

numa visão mais tradicional, o espaço diferenciado, volumetricamente delimitado e específico. O papel das restantes disciplinas na arquitectura Ao olharmos para a arquitectura mais mediatizada dos últimos anos, apercebemo-nos que muitas das obras actuais tentam reproduzir a elementaridade de um esquisso ou ideia, ligada como foi dito a outras disciplinas. Esta fidelidade aos gestos e ideais claras, traz para o campo da arquitectura questões que antes não se colocavam. Retiram-se, de outras disciplinas, materiais que vão permitir afirmar a ideia inicial, novos elementos de composição que estão fora dos temas da arquitectura até então estabelecidos. Esta nova arquitectura pluridisciplinar, afasta-se da linha clássica do Moderno, da poética das formas, da busca da harmonia entre os elementos de composição da fachada ou na espacialidade dos seus interiores. Se por um lado esta tendência para a interactividade entre as disciplinas traz vantagens claras ao proporcionar o enriquecimento do processo conceptual e construtivo, por outro lado corre-se o risco de a arquitectura perder a sua autonomia e, mais grave ainda, o papel moderador que sempre desempenhou. Esta relação com as restantes disciplinas, em especial as estruturas e infraestruturas, tem levado à complexificação técnica do edifício onde o papel do arquitecto desenhador de espaço se dilui. No projecto do edifício de 32. Aires Mateus, Edifícios sede de grandes empresas na Expo, 2000

escritórios da Expo, Aires Mateus falam do objectivo de atingir uma fórmula/grelha matemática em que o sistema construtivo e seu custo sejam a resposta optimizada ao problema.

Manuel Mateus, conversa

“ No edifício de escritórios, o betão localizado numa posição central, a estrutura montada à vista, os sistemas de lajes aligeiradas metálicas, os pilares/prumos de oito por vinte têm a ver com um estudo económico entre o custo da estrutura e a capacidade estrutural do próprio caixilho. No final tens uma espécie de equação que relaciona a vontade arquitectónica com o custo e com os sistemas construtivos.” Daqui pode-se concluir que toda esta sistematização tem como objectivo atingir uma resposta que permita a execução da vontade arquitectónica. No projecto da biblioteca da Universidade Nova e no mercado de Ramalde de Nuno Brandão Costa as leis da geometria permitem que a forma coincida com a estrutura, entendida, não como aparato estético construtivo, mas sim

33. Nuno Brandão Costa, Biblioteca da Universidade Nova de Lisboa, 1998

como razão oculta e profunda do fenómeno arquitectónico.

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“pode-se definir como uma qualidade espiritual inerente a uma estrutura que transmite a sensação da sua eternidade de onde não se pode retirar nada” Esta preocupação é traduzida nos próprios desenhos do concurso. A grelha tem um protagonismo tal que dificulta a leitura dos espaços. A tecnologia é um dos elementos que concretiza a intenção projectual; tem que se estabelecer uma relação livre com ela , e isso não se consegue considerando a técnica como algo neutro (atitude que nos converte em cegos e nos entrega a ela da pior maneira possível) ou fetichizando-a como expressão diversa dos fins. O nosso conhecimento das técnicas deverá consistir essencialmente na capacidade de inventar e tornar necessária aquela específica operação técnica para a consistência significativa da obra. Muita da produção contemporânea que explora palavras como economia, unidade e simplicidade faz lembrar a arquitectura anónima e vernácula; no entanto como nos localizamos num território não vernacular, as experiências de carácter minimal são obrigadas a recorrer à técnica e aos materiais de qualidade para atingir a perfeição e simplificação formal. No fundo trata-se de 34- Inês Lobo e Pedro Domingues, Corpo de anfiteatros da Universidade dos Açores em Ponte Delgada, 1997

reduzir ao máximo a quantidade de infraestruturas que povoam os projectos, de maximizar a estrutura no sentido de lhe retirar tudo o que não é necessário. É a partir de uma decantação disciplinar que se explora a capacidade técnica da redução e simplificação, apoiada logicamente pela presença de engenheiros capazes, no próprio atelier.

Luis Tavares Pereira, “Aires Mateus + Morphosis: (A)notações” in Prototypo002 pág40

O regresso ao simples e ao elementar implica hoje, a interacção, a disciplina do complexo e do real. O cálculo estrutural tornou-se complexo, distinto da arquitectura. As infraestruturas tornaram-se complexas, sobrepõem densificam, comprometem. A tecnologia variada, necessária, contraditória. Complexas são as teias sociais e culturais que o informam, que consomem. Manuel e José Mateus são arquitectos que sabem isto, que enfrentam, na prática, a naturalidade da construção e a domesticam” No projecto dos auditórios da Universidade dos Açores ou da Embaixada de Portugal em Berlim, de Inês Lobo e Pedro Domingues, não foi a presença do engenheiro que levou a que se desenhasse um espaço com um vão de cinquenta metros. Não foi necessária a presença de outra disciplina para fazer algo que é unicamente da competência da arquitectura. O papel da outra disciplina é encontrar a resposta mais optimizada. Isto não invalida que não sejam estudadas alternativas, mas a sua aceitação, ou não, é da competência do arquitecto. No entanto a arquitecta Inês Lobo, ao apresentar o projecto de Sarajevo, diz que a opção da “caixa de sapatos” para o auditório se deve ao

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facto de o engenheiro considerar que é a que permite uma melhor acústica, passando uma questão do campo disciplinar da arquitectura a ser resolvida pelo engenheiro. Acredita-se que a opção tem outros fundamentos e que estão associados a vontades arquitectónicas. A forma como foi feita ainda recentemente a opção do projecto do teatro de Vila Real onde se escolheu determinada proposta por ser aquela que melhor responde aos problemas acústicos, mostra o peso que têm os representantes dessas disciplinas nos júris, levando a que o arquitecto seja obrigado a operações de sedução que podem passar pela falsa justificação de opções a partir de condicionantes técnicas. No Terreiro do Paço, foi a vontade de José Adrião e Pedro Pacheco em desenvolver um pavimento poroso com materiais recuperados que levou à exploração por parte dos engenheiros de uma nova solução construtiva. O enorme rigor assumido por António Portugal e Manuel Maria Reis na concepção do projecto de Portalegre, através do desenvolvimento de sistemas construtivos e detalhes capazes de se enquadrarem na realidade construtiva do país, (trabalho para o qual foi importante o papel das outras disciplinas) permitiu evitar aquilo que aconteceu num projecto com o mesmo orçamento desenvolvido por ARX em Setúbal. O nível de complexidade das formas, desenhadas por ARX, mostrou-se, em Setúbal, de difícil concretização com os sistemas construtivos predominantes. O custo da estrutura implicou opções de materiais de acabamento de qualidade duvidosa. Em resposta a este cenário, os próprios têm investido na procura de soluções construtivas capazes; só optimizando mais a estrutura do edifício terão condições para, controlarem todo projecto. As disciplinas afins têm aqui um papel importante. O projecto do Centro Regional de Recolha de Sangue do Porto de ARX é o reflexo dessa procura; no entanto houve um desvio do problema. A reflexão sobre o sistema construtivo foi reduzida à questão da materialidade do próprio edifício. José Mateus, conversa

“É um edifício de grande materialidade, onde se vai sentir a investigação que estamos a fazer ao nível construtivo” É verdade que propor um edifício integralmente revestido a aço galvanizado reduz consideravelmente os problemas de conservação e deterioração da fachada, mas está-se a tratar a fachada como um sistema autónomo e bidimensional. A única diferença entre esta fachada bidimensional contemporânea e a pós-moderna é que a primeira explora a sua comunicabilidade através de operações cada vez mais complexas que tentam

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descobrir novas autenticidades e cumplicidades entre materiais; a segunda explorava essa comunicabilidade através da história e seu ícones. Os ARX não são caso isolado na exploração da materialidade da fachada. Em muitos dos outros trabalhos explora-se a forma geométrica e volumétrica dos edifícios, com o mesmo rigor técnico do desenho da sua pele. Apesar do esbatimento das fronteiras entre a arquitectura e as restantes disciplinas, ainda que se desenhe mediante o seu cruzamento, sobre os pontos nodais que concentram várias espécies do pensamento, a arquitectura será sempre arquitectura, desenhar para construir edifícios. A especificidade Ao analisar os centros mais dinâmicos da cultura arquitectónica contemporânea, facilmente se poderá individualizar cada um deles a partir da enunciação de preocupações específicas. Embora sejam arquitecturas internacionalizadas, são produto de um contexto específico. Um amigo Suíço do arquitecto João Rodeia ao ver os projectos da exposição Exposição de projectos de doze jovens arquitectos organizada pelo arquitecto João Rodeia

“cumplicidades” disse, “vê-se logo que é português”. A análise do conjunto de projectos expostos, ou dos projectos aqui apresentados, revelou posturas diversas sem nenhum tipo de estereotipo ligado à tradição ou à linguagem. Na maioria dos trabalhos, a ideia e o processo da sua materialização, são inconscientemente condicionados por um conjunto de lógicas locais, que vão ser responsáveis por algum tipo de relação que se possa estabelecer entre os projectos. Estas lógicas, não têm a ver com atitudes historicistas ou de conservadorismo; trata-se da capacidade de analisar os dados, de retirar aqueles que interessam e de os transformar de forma a participarem no projecto próprio. Informar-se, não é a mesma coisa que consumir todas as revistas e imagens que estas contêm. Nos ateliers estudados, encontramos em cima das mesas os mais recentes exemplares daquilo que se faz no mundo mas também os livros de todos os mestres e referências para o entendimento da nossa realidade. A capacidade de reconhecer os valores do passado e de conhecer o presente permite-nos o exercício difícil de viajar no tempo.

Josep Quetglas, citado por Manuel Mendes, unidade 4, Porto, 1996 pág35

“a questão é encontrar o conceito de tempo para o qual não seja contraditório o ir simultaneamente para trás e para diante. Conceber um fazer que reabilite o passado; e isso só será possível quando o passado estiver contido no presente, quando formos capazes de “presentar” o passado” página40

Compreender a realidade naquilo que ela escapa ao saber da escola, e tem mais a ver com o homem, o seu corpo, as suas emoções e a cidade em que vive, e “presentar” permite responder com eficácia aos diversos programas. Operar localmente com o conhecimento do mundo, ou operar no mundo com o conhecimento local, são situações com as quais estamos familiarizados. Lina Bo Bardi é o exemplo de quem opera localmente com o conhecimento do mundo. Conhecedora da mais recente produção internacional, inventava sistemas para construir as ideias que tinha, num ambiente extremamente específico.

Rafael Moneo, citado por Manuel Mendes in Unidade 4, Porto, 1996 pág35

“O que gera um projecto é uma ideia que opera sobre um contexto, social ou material, numa forma específica, mas que não é simples consequência do existente” Trata-se de construir uma obra a partir de uma base de referências temporalmente abrangente, permitindo maior solidez e perenidade da resposta. Trata-se da capacidade de lidar com os problemas de forma muito directa, e de os sistematizar, da capacidade de aferir os sítios no projecto e vice-versa, não esquecendo a autonomia da obra, encontrando sínteses bastante eficazes. Ao tomarmos consciência desta capacidade de operar localmente com o conhecimento do mundo e de operar no mundo com o conhecimento local seremos capazes de fazer bons projectos aqui, em Sarajevo ou em Berlim.

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Conclusão A velocidade de transformação do ambiente urbano é o mais claro exemplo do estado da cultura arquitectónica actual. As nossas cidades crescem ao sabor dos impulsos da fragmentação de poderes desconexos, perversos e conflituosos, que originam pontos nodais onde se cruzam diversas vontades, provenientes de várias direcções e interesses. Eis o estado das nossas cidades, tão coincidente com a condição errante da nossa cultura arquitectónica. O arquitecto age mergulhando num mar de opções formais, instrumentais e tecnológicas que, paradoxalmente, tornam o exercício intelectualmente árduo e as fronteiras da disciplina instáveis. O papel que a arquitectura joga na contemporaneidade deve ser o da elaborada montagem de todos os passados numa perspectiva futurante. A produção arquitectónica tem que se encontrar para lá da especificidade do nosso atraso, isto é, cruzar-se com as experiências realizadas. Nesta sociedade de consumo em que tudo é desenraizado, as pessoas procuram a imagem, procuram o sonho e a evasão. A arquitectura contemporânea deve também dar resposta a esses desejos, erguendo-se do solo e abanando o quotidiano. A base de trabalho dos concursos, e posteriormente dos seis ateliers, foi estabelecida apenas como maleável plataforma de relacionamento com a cultura arquitectónica actual, sem compromisso com o caminho a percorrer. Os diversos momentos do trabalho surgiram ao sabor de si próprios, com desvios instintivos ou premeditados, com comparações mais consensuais ou nebulosas tentando estabelecer leves mas perceptíveis linhas estruturantes. Os ateliers estudados surgem como mundos (des)conexos dentro do mesmo invólucro. Percorrer os trabalhos permitiu perceber que apesar de o Moderno ser hoje obsoleto nas suas doutrinas, este fornece-nos um vocabulário arquitectónico que se mantém actual. A arquitectura contemporânea, muitas vezes sem perceber a profundidade do que está para trás, avançou para a frente e fê-lo em variadas direcções. Do simbolismo das imagens da tradição passámos à banalidade das imagens do quotidiano, cada vez mais sofisticadas. O episódio pós-Moderno foi útil, porque deixou marcas inquestionáveis na cultura arquitectónica contemporânea: desenhar arquitectura com elementos libertos dos ideais que os criaram é parte importante da prática arquitectónica dos nossos dias.

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O resultado final deste trabalho revelou muito daquilo que o arranque pressupunha; a complexidade da nossa cultura arquitectónica não cabe nos seis ateliers estudados nem em catalogações do tipo, minimalistas, desconstrutivistas, pós-modernos, ou high-tech. A cultura dos anos 90 atravessa várias correntes que imperaram nas últimas três décadas e que se esfumaram nos últimos dez anos, mas são fundadoras do panorama actual: Minimalismo pela materialidade exaltada do objecto arquitectónico, pósmoderno pela comunicabilidade das fachadas, que se acomoda à condição mediatizada da arquitectura contemporânea, high-tech pela exaustiva investigação e experimentalismo das possibilidades tecnológicas da construção. A arquitectura portuguesa contemporânea procura utilizar inteligentemente a hiperdiversidade dos meios instrumentais da arquitectura – operativos ou construtivos – sem subverter conceitos ancestrais inerentes à artisticidade do acto criativo.

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Bibliografia

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Origem das ilustrações 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 14. 16. 26.

Jornal dos Arquitectos nº195, Lisboa, 2000 pág.107 Jornal dos Arquitectos nº145/146, Lisboa, 1995 pág.56 Jornal dos Arquitectos nº123, Lisboa, 1993 pág.42 Jornal dos Arquitectos nº194, Lisboa, 2000 pág.41 Jornal dos Arquitectos nº145/146, Lisboa, 1995 pág.56 Architécti nº35, Oeiras, Triforio Editora, 1997 pág.61 Graça Dias+Egas Vieira, Lisboa, Estar Editora 1997 pág.93 Arquitectura do século XX – Portugal. Frankfurt, Deutshes ArchitekturMuseu Prestel, 1997 pág.308 idem ARX Portugal. Uma Segunda Natureza, Lisboa, Editorial Blau, LDA, 1993 pág.54 Portogallo – Architectura, gli ultimi vent’ anni, Milano Electa, 1991 pág.97 Eduardo Souto de Moura, Lisboa, Editorial Blau, 1994 pág.169 Jornal dos Arquitectos nº195, Lisboa, 2000 pág.82 Portfólio dos autores, as restantes ilustrações

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anexos

Conversas

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Conversa com os arquitectos António Portugal e Manuel Maria Reis IO – Uma grande parte dos projectos estudados localizam-se em pólos universitários. Os projectos dos planos ainda se encontravam no papel na altura em que foram desenvolvidos os projecto dos edifícios. As principais condicionantes do projecto dos edifícios referiam-se a um conjunto de regras urbanísticas. Qual o espaço que existe para o questionamento das regras e de que maneira esse questionamento se traduz nos projectos realizados? Qual a relação que os projectos podem estabelecer com um sítio que é imaginário na medida em que o que se vê hoje não é o que se vai ver amanhã?

Comentário [E1]:

MR – A rigidez dos planos para os pólos universitários é extremamente condicionadora da proposta. É, frequentemente, um dado adquirido e indiscutível, a implantação, a altura e por vezes o lugar por onde se entra. Portalegre torna-se, para nós, especial, porque não há uma lógica de campus Universitário. O terreno foi adquirido pelo Instituto. Era um monte alentejano, praticamente abandonado, que se encontrava às portas da cidade onde se pretendia implantar o novo edifício. A nossa ideia foi concentrar o máximo para preservar o Monte. Depois, as relações existem sempre. O Monte estabelece relação com a estrada e com a cidade que se vê ao longe, na encosta. Por muito que alguém possa ambicionar é impossível desligar-se do sítio. É nele que vamos construir. Neste sentido, compreendemos a insistência escolar pelo desenho do sítio, como meio de análise. O sítio, para mim, é algo de muito vasto, muito abrangente, não se limita às características físicas. Em Portalegre, o sítio já mudou muito. Cada vez está mais colado à zona industrial. Fez-se um viaduto sobre o IP2, que pela proximidade ao edifício, criou pontos de observação que possibilitam uma visão totalmente nova. Ganhou um enorme parque de estacionamento e um campo de jogos. Não é como fazer uma casa num terreno virgem, objecto teórico, utópico. As regras do jogo na execução destas escolas são dadas logo à partida. Os ingredientes estão lá e são claríssimos, embora tal não invalide que não se alterem devido a novas condicionantes. A escola foi pensada com duas entradas. A que fazia o acesso a partir do IP2, que nem sequer era IP quando se começou a desenvolver o projecto, permitia uma chegada pela rampa foi anulada “obrigando-nos” a substituí-la pelo anfiteatro para tentar que as coisas não parecessem gratuitas. Provavelmente chegas lá agora e julgas que tudo foi feito a partir do lago. O sítio não é só um território, é um conjunto de situações que tu analisas e que criam o teu espaço de trabalho. O sítio tem a ver com intenções, com programas, com tudo. O projecto é uma abstracção que quer ser concretizada. O sítio é um conjunto de circunstâncias. Em Braga, as regras do plano foram, provavelmente, as mais condicionadoras. Além de definirem com demasiada exactidão o local de implantação, também definiam umas torres com x de altura, com y alinhamentos e com uma determinada cota de entrada. Apesar de tudo pode-se desenvolver um trabalho de aprofundamento sobre aqueles que vão nascer ao lado. Em Braga tinhamos o Távora ao lado e em Almada o Byrne. Assim, aquilo que é à partida abstracto, começa a deixar do o ser, e o projecto começa a potenciar relações com o conjunto dos edifícios que estão ou vão nascer à sua volta. IO – Na vossa opinião qual é a característica do vosso trabalho que faz com que os vossos projectos tenham sido tão premiados? MR – Eu penso que num concurso, a questão chave é a “arrumação” do programa de uma forma inteligente. Todas essas relações funcionais, interior exterior, e a espacialidade interior, são os elementos que eu julgo serem fundamentais na execução do projecto. A grande preocupação que temos com estas questões torna-se bem visível nas respostas dadas, justificando provavelmente as escolhas dos júris.

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AP – A parte estética é uma pequena parte no meio disto tudo. Se tiveres um belo alçado e tudo mal arrumado no seu interior é certo que não ganharás o concurso. Não quer dizer que ela não é importante, mas o fundamental para ganhar um concurso é claramente conseguir fazer um bom organigrama, montar muito bem o programa, perceber muito bem as regras de funcionamento e optimizá-las. Em função disso chegam-nos os conceitos de espacialidade formais e estéticos. IO – Uma coisa que eu tenho como um dado adquirido é que na grande maioria dos projectos que me passaram pela frente na execução da base de dados, os esquemas funcionais são claros e indiscutivelmente eficazes. A diferença está na passagem destes esquemas bidimensionais para projectos naturalmente tridimensionais. É na construção destes espaços e das relações que estes estabelecem entre si e com o meio que os projectos se diferenciam qualitativamente. MR - Nos projectos que eu conheço melhor e que acabam por ser alguns dos que estás a estudar julgo não existir metodologias muito distintas, todas as pessoas envolvidas têm uma metodologia de trabalho muito próxima daquela que a escola nos transmitiu. AP- As torres que o plano de Braga desenhava eram elementos sem conteúdo, abstractos , poderíamos terlhes posto um revestimento e o seu interior era um grande espaço vazio. Em Portalegre a relação forma/função é claríssima. Existem dois corpos de funções distintas. O corpo social da biblioteca do auditório e do bar contrapõe-se ao corpo longitudinal das salas de aula e dos gabinetes. A forma nasceu claramente da nossa organização do programa. É uma característica do nosso trabalho e provavelmente essa é a razão do “sucesso” de alguns dos nossos projectos. MR- As intenções tornam-se assim extremamente claras. IO - Em relação à produção dos casos mais paradigmáticos que nos rodeiam e ao contacto que vocês tiveram com eles, quais são aqueles que se tornaram mais importantes na definição do vosso trabalho. MR – É lógico que tudo o que se passa à nossa volta provoca reacções, mas julgo que apesar da quantidade de informação que passa por nós, todos os dias, conseguimos ter alguma unidade no trabalho. IO – Acrescentando à pergunta. Nos últimos anos somos bombardeados por imagens que não deixam de nos seduzir. De que maneira esta base de referências que nos é disponibilizada contribui para o vosso processo de investigação. AP – Eu julgo que temos sempre uma maior proximidade com aquela arquitectura que joga principalmente da relação forma, programa e materiais. Não nos vemos na linha de Siza que é extremamente formal em termos de desenho. No nosso trabalho a forma está muito mais associada aos materiais, à forma de trabalhar de Souto de Moura. Essa relação com o trabalho de Souto de Moura é hoje muito menos visível quando comparada com as nossas primeiras obras, e é lógico que desde o início do nosso trabalho até hoje as referências multiplicaram-se e nós próprios fomos tirando as nossas conclusões à medida que os projectos foram crescendo. Gostava de frisar que para nós a influência dos materiais no desenho é fundamental.

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AP – Nos encontros realizados em Espanha o Rafael Moneo disse que nós temos um trabalho muito Suíço. MR – Ele tinha acabado de ver o projecto da escola em Setúbal dos ARX, e considerou a nossa muito mais rigorosa. O desenho foi até ao mobiliário. É um projecto mais rico, apesar de terem sido feitas pelo mesmo preço. O nosso exercício não foi à custa de formas que se traduzem em números bastante mais elevados, mas sim à custa de um grande rigor e contensão, da constante verificação dos custos de forma a conseguir atingir um fim que era ir até ao mobiliário. Isto traduz a preocupação que temos em dominar a totalidade do projecto/edifício. Não vivemos à procura de uma imagem bonita que mostre o lado mais fotogénico do edifício. Ele interessa-nos como um todo. Esta postura também nos tem trazido alguns dissabores pois a ocupação do edifício e o uso que lhe é dado vai contra alguns princípios que tínhamos estabelecido. AP – A questão da construção é muito importante e condicionante do nosso trabalho. No trabalho dos ARX ou do Siza a execução é geralmente mais simples. Há os lambris de pedra , o reboco, e depois luz. MR – A escola dos ARX tem muitas afinidades com o trabalho do Siza, é uma obra fruto do desenho não sei se provenientes de um esquisso ou do computador mas a composição do espaço é complexa e vive muito de torções. Os princípios de composição jogam muito no resultado final da obra. AP – Na nossa obra, as coisas são provavelmente mais naturais , a janela do gabinete tem uma dimensão X a do laboratório tem uma dimensão Y e dificilmente será uma questão de composição a razão da sua transformação. As nossas regras de composição estão presas ao programa. MR – Nós já cá estamos praticamente há dez anos, e temos o nosso próprio “espaço”. É lógico que absorvemos novos elementos, mas estes são integrados por uma lógica de trabalho que já construímos. Como diz o Eduardo Souto de Moura nós não copiamos, transformamos. O facto de já cá estarmos há algum tempo permitiu-nos sistematizar um conjunto de coisas que melhoram o tempo de resposta, mas também permitiu uma maior segurança na gestão dos vários intervenientes. A arquitectura não é só desenhar. É também gerir um conjunto de entidades. Para levar uma obra a bom porto temos obrigatoriamente que ser capazes de coordenar todos os intervenientes. É fácil dizer que correu mal porque o empreiteiro era péssimo ou porque o dinheiro acabou. O projecto tem que ter alguma flexibilidade para poder absorver todos estes imprevistos. AP – A realidade Portuguesa tem características muito próprias. O desconhecimento de certas técnicas que noutros países são quase vulgares e o pouco dinheiro que em geral é disponibilizado para a construção dos edifícios, impedem frequentemente a exploração de novas situações. IO – No entanto apesar de não se dominarem algumas técnicas construtivas, a existência de uma construção bastante artesanal e económica permite desenvolver um projecto que pode ir até ao desenho das caixilharias e do mobiliário. Por exemplo, em França é totalmente impossível desenvolver um projecto de um equipamento universitário onde se desenhem os pavimentos as janelas ou os móveis.

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MR – Quem vê Portalegre pode pensar que o preço m2 foi de duzentos mil escudos mas na realidade ele foi apenas de noventa e é claro que isso não é possível noutros locais. No projecto da capela em Castro Daire, o facto do edifício ser feito em betão branco faz com que não se possa fazer. Os construtores de lá não o sabem fazer e os de fora não querem ir para Castro Daire mesmo que sejam pagos a dobrar. Provavelmente estamos perante um problema de projecto. Torna-se claro que as razões económicas, sociais ou geográficas são extremamente condicionadoras do projecto. IO- De que maneira a velocidade a que se têm que desenvolver os projectos e a sua construção condicionam o desenvolvimento dos mesmos? MR - Uma das coisas que mais me preocupa é exactamente essa a velocidade a que tudo se passa e a que tudo se faz. O projecto tem que ser feito em relativamente pouco tempo e nós, se queremos ter projectos para fazer, somos obrigados a aceitar as regras do jogo. Assim, o que antes era feito num longo período que incluía pausas para reflexão e experimentação sobre as questões levantadas, hoje as coisas são quase testadas na obra e na obra já não há lugar para correcções. Os empreiteiros ao terem todas as referências no caderno de encargos não aceitam grandes mudanças. Isso faz com que a experimentação que antes podia ser testada com pequenos modelos, com discussão, hoje é testada no projecto e, como se fazem muitos projectos, a correcção não acontece no projecto mas sim no projecto seguinte.

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Conversa com os arquitectos Inês Lobo e João Rodeia IO- Dada a ligação que o arquitecto João Rodeia tem com a exposição “Cumplicidades”, começo por perguntar por que razão seleccionou estas personagens como sendo representativas da geração, o critério de selecção teve, como me disse o arquitecto António Portugal, a ver com o facto de serem os que conhecia melhor? JR- A exposição “Cumplicidades”, tinha como objectivo apresentar o trabalho de um conjunto de doze arquitectos retirados da exposição “Geração de Noventa” e que fossem representativos dessa nova geração. Foi-me solicitada a preparação da exposição com apenas quinze dias de antecedência pela Ordem dos Arquitectos. Quinze dias para fazer tudo, seleccionar, contactar, reunir o material e tudo mais, é pouquíssimo tempo. Isto significou, como te disse o António Portugal, e com muita razão, que tive que partir das obras que eu conhecia. A selecção foi feita a partir das obras e não das pessoas e, como é lógico, não poderia montar uma exposição com obras que não conhecia e que nem poderia vir a conhecer. Assim, fui ao encontro dos autores dos projectos e, de entre eles, retirei aqueles cujos projectos respondiam a um x número de “equilíbrios”. Como eu disse no texto, de certeza que havia outros só que, na altura, por todas as condicionantes, não era possível colocá-los dentro da exposição. O nome “Cumplicidades” adveio do conhecimento de uma certa empatia que existia entre as pessoas que têm a ver com o projecto e forma como este se desenvolve, com um conjunto de factores que inclui evidentemente a própria relação entre as pessoas, e com alguns acontecimentos que me sublinharam certos nomes tais como os encontros Luso - Espanhóis que se tinham realizado em Lisboa e em Salamanca. É certo que haveria outras pessoas mas a exposição não pretendia nem podia mostrar tudo, assumindo eu, assim, a responsabilidade pela selecção feita. IO- Nesta exposição, há algum sinal da tão proclamada especificidade? JR- Essa é que é a grande questão que eu coloco no texto que acompanha a exposição. Há ou não há? Eu julgo que sim, não tenho é a certeza, ou melhor talvez tenha a certeza mas não sei como a explicar. Penso que se prende muito com a forma como as pessoas respondem aos problemas que são colocados, e com o contexto específico onde as pessoas trabalham que é o nosso, não me interessa se é Lisboa, Coimbra ou Porto. IO- Hoje assistimos a uma explosão de escolas que têm vindo a anular o velho esquema bipolar Lisboa Porto. Aquela que alguns chamam arquitectura à Porto tanto se vê no Porto, Lisboa ou Algarve. IL- Isso penso que é uma coisa que mudou com a nossa geração. JR- Eu, há dez anos, escrevi um texto que se chamava “O fim da inocência”, foi o meu primeiro texto a ser publicado e a ser muito criticado, no qual eu dizia que esse tipo de distinção já não fazia nenhum sentido. A proximidade crescente que havia entre as duas cidades, a proliferação de escolas que passaram de duas para vinte e duas, acabaram por anular os dois pólos existentes para darem origem a um cenário multipolar. Por outro lado a situação de absoluto vazio que se vivia e vive na Faculdade de Lisboa e o

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facto de um conjunto de arquitectos do Porto se tornarem os “heróis nacionais” faz com que o trabalho destes se torne a mais sólida referência que um estudante nacional pode ter, assistindo-se assim à proliferação por todo país, e não só, de uma arquitectura construída por essa base de referências. IO– O peso que Siza tem dentro das salas de projecto do Porto tem provocado num conjunto de alunos uma espécie de obrigatória recusa. Esta situação apoiada por alguma dificuldade da escola em acompanhar estes alunos, por alguma precariedade existente no estudo do trabalho de Siza e pela força que hoje têm as imagens, faz com que se assista frequentemente a uma enorme fragilidade do trabalho apresentado. IL- O Sérgio, que é um fotógrafo que trabalha com alguns arquitectos de Lisboa e do Porto, diz constantemente que o pessoal do Porto está sempre a dizer mal do Siza. Isto não quer dizer que as pessoas não gostem do seu trabalho. Eu acho que só se pode gostar. O que acontece é que o distanciamento é amigo da lucidez. JR- Já agora julgo que há outra coisa a acrescentar a isso, a tutela do arquitecto Álvaro Siza vem de dentro da Escola e a haver tutela em Lisboa ela será, obrigatoriamente, por opção. IO- Voltando um pouco atrás, apesar do nome da exposição, após algumas conversas que tive com alguns dos arquitectos, fiquei com a sensação que são pessoas com metodologias e posturas muito diferentes. JR- Parece-me que os resultados são diferentes, e isso, ainda bem que são formalmente diferentes, têm materialidades diferentes, mas no centro das preocupações de quase todos eles estão provavelmente coisas idênticas, e são essas coisas idênticas que provavelmente tornam a nossa produção específica. A questão é esta será, que são preocupações idênticas e que são essas as características de alguma especificidade que possa existir? IO- Eu digo isto porque, na comparação do atelier dos arquitectos António Portugal e Manuel Maria Reis com o atelier do arquitecto Pedro Pacheco torna-se evidente a presença de posturas completamente diferentes. No primeiro todas as obras se inserem num corpo comum. Ao longo dos dez anos de atelier, de projecto para projecto tem-se assistido à permanência de um código linguístico e formal. Ao atelier associamos determinada imagem. No segundo, posso detectar uma forma de abordar os problemas, ao longo dos anos, constante, mas as respostas são claramente diferentes. JR- Na exposição não houve a intenção de mostrar o trabalho das pessoas que estivessem mais preocupadas com alguma inquietude em relação ao projecto e à forma como o projecto responde aos vários problemas. Há pessoas que são mais “conservadoras”, que encontraram um caminho e vão explorando esse caminho o mais intensamente possível. Há outras cujo caminho implica não opções diversas, mas sim respostas diversas. O que eu quero dizer com isto é que quando olhas para o trabalho do atelier António Portugal e Manuel Maria Reis há eventualmente uma linha de continuidade entre as várias obras produzidas, encontras esquemas formais semelhantes, o que é natural. Agora, como tu dizias, e apesar de eu não gostar da palavra, eles têm uma linguagem mais estabilizada, não há muito risco para lá desse

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nível. Na minha perspectiva é porque há uma postura retórica que está sedimentada, retórica neste sentido da linguagem, da maneira mais tradicional. Se compararmos com os Aires Mateus e apesar da quantidade de trabalho, é clara a existência de uma enorme preocupação de permanente investigação, de tentar ir mais longe, de ver até onde pode ir o projecto explorando temas específicos do projecto no seu percurso próprio. Há outras vias que não são necessariamente assim e isto não quer dizer que sejam piores, têm é outro tipo de objectivos. IO- Há um conjunto de trabalhos que eu tenho por hábito classificar de politicamente correctos, isto é, são trabalhos de grande rigor, equilibrados nas suas proporções, e no desenho dos seus detalhes. No entanto o seu campo de acção limita-se aos limites físicos do projecto, são incapazes de propor soluções para os problemas do lugar em que se implantam, e aqui lugar é mais do que os limites do terreno. O antes e o depois são uma linha constante, num país onde reina o caos é provavelmente importante um trabalho mais alargado. O que eu pergunto é se não podemos incluir alguns destes trabalhos neste grupo do politicamente correcto? JR- Eu acho que percebo o que tu dizes, mas é assim, por exemplo, a escola de Portalegre é uma escola de grande dimensão e é um dos poucos grandes projectos construídos neste conjunto de pessoas. Quando a visitas apercebes-te de uma síntese capaz entre as várias questões que o projecto comporta, a resposta a um sítio específico, a capacidade de resolver um programa, a escolha de materiais e desenho dos detalhes que constroem a obra, esse equilíbrio existe, apesar de alguma sensação de “deja vu“. O que eu acho é que há outras situações em que as questões do detalhe fogem muito da tal síntese que o projecto deve ter. Eles deslumbram-nos no primeiro olhar parece que está tudo muito bem feitinho, mas rapidamente começamos a ficar cansados com tantos brincos a brilhar, que não conseguem ter uma lógica de conjunto levando a um resultado muito denso em acontecimentos individuais. Há um conjunto de pessoas que usam e abusam a meu ver desse tipo de situações, em vez de haver uma opção de ordem espacial há sim um conjunto de opções cujo somatório faz qualquer coisa. IO- Na conversa que tive com o António Portugal e Manuel Maria Reis foi dito que tinham uma maior proximidade com aquela arquitectura que joga principalmente com a relação forma/programa/materiais, a forma estabelece uma dialéctica muito grande com os materiais. Simultaneamente, classificou-se a forma de desenhar o espaço dos ARX de muito à Siza, em que o desenho do espaço não está associado a um material. JR- Eu não concordo. A materialidade está muito presente no trabalho do Siza está é muito sintetizada. Há pessoas que valorizam a questão dos materiais, que valorizam o sítio ou o programa, as coisas não têm que ter todas a mesma importância. Embora como é lógico todas devem estar presentes. As termas do Zumpthor sem aquele material não fariam sentido. Na comparação entre a escola de Setúbal e a de Portalegre há uma questão que me parece importante. A escola de Portalegre, não sendo o “supra sumo da barbatana” e não vindo acrescentar grande coisa ao mundo, é um projecto honesto, que responde de uma forma clara ao problema colocado. Agora no caso do projecto dos ARX, o que me parece, é que a obra está aquém daquilo que prometia no início. O esforço feito por eles do ponto de vista conceptual, no fim cai em saco roto e leva-nos a pensar que provavelmente é inglório e que poderíamos chegar a algo análogo sem todo aquele esforço. Assim, questiono-me se vale a pena aquele tipo de esforço. Há um certo desequilíbrio entre o desenvolvimento conceptual e a obra final.

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IL- Há posturas muito diferentes em relação a isso. No trabalho do Siza provavelmente o sistema construtivo ou até mesmo a pormenorização não é fundamental, a partir de certa altura ele aceitou o sistema construtivo como algo que lhe dá a possibilidade de fazer tudo o que quiser. Essa atitude, inserida num país onde a qualidade da construção é o que todos sabemos revela uma enorme inteligência. Por outro lado, essa postura, permitiu-lhe ter o sistema apurado até ao limite, e neste momento, a qualidade da pormenorização é imbatível. O Siza é um caso particular onde o domínio do desenho lhe dá um controlo do espaço único. Provavelmente quando o António Portugal e o Manuel Maria Reis dizem que não vão por aí é também revelador de grande inteligência porque evitam uma série de asneiras. JR- Para mim o sistema construtivo não é um fim em si mesmo, pode ser um ponto de partida, algo que vai sendo trabalhado ao longo do projecto enquanto resposta que o projecto é, mas o objectivo não é construir bem, construir bem é uma permissa. IL- Há uma situação oposta a essa. O Zumpthor diz, eu não faço uma arquitectura branca, não me interessa pensar o espaço sem ter por trás a matéria que o constrói. Só construo modelos se eles forem referência para essa matéria. Julgo que há uma série de pessoas, e provavelmente mais no Porto que em Lisboa, que pensam um pouco assim, que necessitam de saber à priori, qual é a matéria e sistema construtivo que vai responder àquele projecto. Esse discurso exerce em mim algum fascínio, embora não seja por aí que o nosso ateleir está a ir. Interessa-me a possibilidade de o projecto de arquitectura gerir uma série de especialidades. Trata-se de aceitar a sua existência e fazer com que estas participem, desde o princípio, na procura da resposta aos problemas. Numa conferência que fiz perguntaram-me: “então como é que isso se constrói?”. Eu respondi que ainda não fazia a mínima ideia. O que me agrada no acto de projectar é a possibilidade de encontrar soluções que ainda não experimentei. Mesmo que não saiba resolvê-las. Nos projectos de Sarajevo e Berlim, aquilo que nós enunciamos é uma forma de transformar aquele sítio, uma forma de resolver aquele programa, ambientes e algumas hipóteses para construir aquilo mas que não são forçosamente reais. Muitas vezes até são falseadas para explicar melhor aquilo que nós queremos que venha a ser construído. Quando os temos que construir inicia-se um processo de procura, tendo consciência que essa procura não pode ser toda feita por nós. A arquitectura é uma disciplina que reúne esforços e não acredito no arquitecto solitário a lutar contra o mundo. No projecto de Berlim imaginávamos umas lentes dentro dos lanternins que ampliavam a luz. Essas lentes não existiam mas aquilo como ideia parecia-nos fantástico. Há dois dias, o nosso engenheiro de electricidade telefonou-nos a dizer que tinha estado em Hannover e descobriu que a Siemens já tem uma lentes fantásticas e que está extremamente interessada em trabalhar connosco. No fundo é necessário ter muito claro aquilo de que se anda à procura e se houver um esforço de procura de todas as partes, estou certa que chegaremos à solução. É um trabalho longo, difícil, cheio de recuos, mas compensa quase sempre. JR- Eu acho que isso é normal. No fundo, tem a ver com a ambição e o risco, apenas é necessário saber até onde se quer ir. IO- Pelos desenhos que conheço dos vossos projectos, sempre pensei que vocês tivessem perfeitamente dominadas essas questões, por exemplo, quando nos concursos desenham as plantas das infra-estruturas fica-se com a ideia, pelos vistos errada, que tudo está controlado e que só falta construir.

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IL- Atenção, porque embora eu não saiba como se faz, sei que há coisas que têm que existir no projecto. Tento, desde o princípio, introduzir tudo aquilo que vai ser fundamental no projecto. Nos Açores, porque há pouco dinheiro para fazer o projecto, tomámos a decisão de pôr todas as infraestruturas à vista, isto obviamente influenciou uma serie de coisas e foi necessário estudar o mundo das infraestruturas para perceber a presença que elas podem ter no edifício. As especialidades não entram à posteriori mas sim á priori. Acontece não ter ainda ideia nenhuma para o projecto e já estar á volta da mesa com os engenheiros. A ideia construída com a participação de todos os especialistas é para mim fundamental. É lógico que isto implica trabalhar com excelentes profissionais. A experiência que tive de trabalhar com a ARUP no atelier do Arquitecto Carrilho da Graça foi da máxima importância. Eles conjugam as engenharias de estruturas com as das infra-estruturas e tem uma visão das infra-estruturas não como várias especialidades mas sim como sendo uma só máquina, isto permite uma enorme optimização do edifício. IO- Sei que o João Rodeia já participou em alguns júris, e eu gostava de saber como funciona um júri, quais os critérios, como lidam com as divergências, como é que se consegue atingir um consenso? JR- A pergunta é boa a resposta é que não existe. IL- Depende de quem lá está. JR- Já estive em júris que trabalharam muito bem, que fizeram escolhas claras e coerentes e em júris que trabalharam muito mal. Eu, normalmente, estou enquanto representante da Ordem e tento clarificar um conjunto de princípios, procedimentos e pontos de acordo, mas como é sabido, tudo isto depende de quem lá está. Há muitos júris com pessoas sem o mínimo de conhecimento da matéria em causa. Assim como há júris que escolhem um projecto numa tarde ou que eliminam logo à partida os trabalho daqueles que não têm um currículo recheado. IO- Apesar de tudo, temos assistido nos últimos tempos à escolha de trabalhos com bastante qualidade e à atribuição de projectos a arquitectos com pouca experiência. JR- Já houve mais, na altura em que se iniciou a construção dos pólos Universitários, atribuíram-se projectos a pessoas totalmente desconhecidas. IL- A diferença é que hoje há mais, e mais sérios. Em todos os concursos que fiz seja aqui ou no Carrilho nunca achei que tivesse perdido para um projecto pior, apesar de depois da obra feita as coisas não serem bem assim. IO- Qual é a grande lição que se tira, após uns anos de trabalho com o Carrilho da Graça? IL- O atelier do Carrilho da Graça é muitíssimo bom para trabalhar, em que te é permitido participar em todas as fases do processo de desenvolvimento do projecto, ganhando-se assim uma enorme segurança ao lidar com as várias questões. JR- O grande problema é que o número de lugares para trabalhar com estas características é reduzidíssimo quando comparado com o número de pessoas que acabam o curso.

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Na altura da exposição esteve cá um amigo meu Suíço que ao ver a exposição disse: “vê-se bem que é português”. Um conjunto de projectos distintos como os da exposição, em que são diferentes os ateliers, os objectivos, os sítios, complexidade e dimensão dos programas, têm algo que os une e que é visível naquelas imagens e desenhos. Podemos estabelecer pontes entre eles mas as diferenças de metodologia ou da obra acabada são inúmeras, no entanto, ele diz-me aquilo e porquê? Provavelmente nós ainda conseguimos fazer aquilo que algumas pessoas dizem que é importante ou seja a nossa fobia de conhecer tudo, de estarmos atentos à informação e de saber o que se passa lá fora, e isto não é o mesmo que consumir as revistas enquanto tal, é sim querer estar informado. Apesar de termos esta informação global, temos uma capacidade local de fazer. Se compararmos um conjunto de obras construídas cá e um conjunto de obras construídas em Espanha, na Suíça ou em França há diferenças e cada uma das produções destes países tem características específicas. IL- Hoje somos realmente bombardeados por imagens fantásticas, viajamos com uma facilidade impressionante e realmente a nossa base de referências passou a ter uma dimensão enorme, provocando como já se disse a anulação do sistema bipolar Lisboa/Porto. Todas as respostas que nos fascinam e que constituem a nossa base de referências são respostas muito locais. Ao visitares obras do Zumpthor ou do Herzog vais concluir que elas só fazem sentido ali, onde sempre se construiu em madeira, onde encontras cinquenta mil sistemas de pré-fabricação em madeira. A prova é que vês uma quantidade de obras feitas por desconhecidos na Suíça que são também de uma qualidade impressionante. A arquitectura Holandesa é também extremamente enraizada numa realidade local. É um país onde se constrói muitíssimo, onde tudo se aproveita. No fundo os temas são derivados das questões específicas de cada um dos locais onde se vai intervir. No fundo voltamos ao passado, em que a simplicidade e capacidade de sistematização nos fascinava. JR- É uma das coisas onde ainda nos revemos, enquanto em certos países isso já não é assim tão claro. Esta situação deu-nos a capacidade de lidar com os problemas de uma forma muito directa e que é visível nas respostas dadas e que provavelmente estabelece o tal elo de identidade nos trabalhos expostos. Recentemente esteve na Glubenkian o Fukuhyama, o Japonês/Americano que escreveu sobre o fim da história e que disse que todo este processo de dinâmica global depende de processos locais, da cultura. IL- Quando nos confrontamos com problemas de maior complexidade somos obrigados a inventar novos sistemas para construirmos aquilo que queremos, a invenção de um novo sistema conduz a uma nova resposta arquitectónica. JR- A questão da cultura é importante. Se nós tomarmos consciência dela estamos mais bem preparados para actuarmos em qualquer lado. Dá-nos a capacidade de responder com qualidade a um problema em qualquer canto do mundo, tenha ele boas ou más condições para a realização da obra. Tenho a certeza que há pessoas de outros países com uma enorme dificuldade em conseguir uma boa resposta num ambiente exterior ao seu. Não estou a falar da ideia do Estado Novo: Português Suave, ai que lindo que é o nosso Portugal. Falo da capacidade que a nossa realidade nos oferece para respondermos a um projecto, capacidade essa que não é comum a muitos países. IO- De que maneira essa nossa característica resiste a uma formação que cada vez mais é marcada por experiências exteriores, falo dos anos de Erasmus, das viagens, dos seminários, dos livros, da televisão,

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dos professores convidados, dos namoros, das multinacionais? JR- Isso depende de nós. Mas eu julgo que há sempre uns fios condutores. Conheço pessoas que estiveram vários anos lá fora e que quando chegaram cá não conseguiram fazer como faziam lá. A realidade é outra e há um conjunto de coisas que deixam de fazer sentido. Apesar de tudo julgo que se soubermos compreender bem essa nossa dimensão local para fora, e a forma com de fora podemos aprender para em cada dimensão local ficamos munidos de instrumentos muito fortes para sermos bons arquitectos. O Siza dizia, outro dia, que lhe acontecia frequentemente uma coisa muito estranha, ao viajar de carro, com os vidros fechados, passa a fronteira sem ter qualquer sinalização, no entanto, sente-se logo noutro país. O outro lado da questão, e que a mim me irrita profundamente prende-se com o facto de várias vezes as coisas parecerem boas porque tem uma coerência linguística, porque a viga e o pilar são perfeitos. No entanto, quando as visitamos, há qualquer coisa que não funciona e não é a junta ou o plano, é sim a forma como o espaço se constrói, e assim surgem os brincos sem corpo. IO- E isso não são os tiques ou os maneirismos? JR- Julgo que sim, mas tiques todos nós temos e há formas de os controlarmos. A distância que devemos ter ajuda muito. O Byrne fala várias vezes da capacidade que nós temos de nos distanciarmos, de ver fora de nós próprios. IO- Quando eu perguntei ao António Portugal porque razão um júri escolhe um projecto deles, a resposta foi porque nós organizamos o programa de uma forma extremamente clara. JR- Devo-te dizer que normalmente é por aí que se começa, ou então pela imagem. Uma das razões que faz o Byrne ganhar muitos concursos é a forma como resolve o programa. IL- Não é só resolver bem o programa, é também construir uma ideia global de edifício e isso o Byrne faz muito bem. A partir de certa altura tu já não falas do programa e passas a falar dos espaços que o programa construiu. IO- E um júri chega tão longe? JR- Eu penso que não. IL- Chega, e é por isso que o Carrilho não ganha muitos concursos. Apesar da clareza final dos projectos, é difícil falar dos espaços. Podes descrever o conceito, a lógica de organização, as regras que suportam todo desenho mas não consegues descrever o edifício, nos projectos do Byrne consegue-se descrever o edifício. Lembro-me do desenho que ele fez para explicar a reitoria de Aveiro. Ele percebe que há duas ou três coisas que está a propor que são fundamentais e a explicação do projecto passa a andar em torno delas. JR- No fundo é conseguir discernir de uma forma clara o que é que é a própria intriga do espaço. IL- Ele consegue sempre acrescentar algo ao programa que lhe foi dado e o júri vê isso.

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JR- Mas eu acho que poucos são os júris sensíveis a isso. IO- Grande parte dos membros do júri não tem uma formação que lhes permita ser sensível a essas questões. IL- Pelo contrario, é algo mais visível, a forma como ele comunica isso é simples e visível logo à partida. IO- No entanto o António Portugal ganha concursos e não sinto que seja feito um trabalho de investigação sobre o programa, o programa é aceite e a decomposição do projecto realizado é a rigorosa transposição das regras dadas. Quando ele fala dos seus espaços fala mais do plano de vidro do tijolo ou da pedra do que das proporções, da permeabilidade, das dilatações. JR- De uma forma geral os Arquitectos não sabem explicar aquilo que fazem. Compete-nos a nós, que estamos de fora, ultrapassar as palavras que nos são oferecidas. A maioria refugiam-se nesse tipo de códigos porque são os mais evidentes, os mais fáceis. IO- A propósito da capacidade de expor um projecto, na conferência em Coimbra com a Inês e com o João Mendes Ribeiro fiquei com a sensação que não faziam arquitectura para o mesmo mundo. São discursos completamente diferentes. IL- O João Mendes Ribeiro parte de coisas muito específicas. Ele anda frequentemente fascinado com duas ou três coisas e persegue-as loucamente. Eu acho isso interessante e é uma coisa que eu não sou capaz de fazer. São exemplo disso a ideia da flexibilidade, da materialidade e da construção das coisas. Nós aqui vivemos mais preocupados em encontrar formas de responder aos problemas de grande escala. IO- Quando visitei a casa de chá de Montemor fiquei com uma ideia completamente diferente. Fala-se da tensão entre duas lajes, de um espaço delimitado pela ruína, penso que tudo isso não existe no local, mas existe nas fotografias. Isto porque os pilares são extremamente largos e presentes anulando a tensão entre lajes. Os materiais mudam com grande radicalidade entre interior e exterior o que provoca uma claríssima percepção dos limites do edifício, invalidando a ideia de um espaço delimitado pela ruína. IL- A proximidade entre estes trabalhos e o Mies é hoje em dia muito perigosa. A qualidade da execução dos projectos do Mies é hoje impossível de atingir. Quando o empreiteiro nos diz que a laje tem que ter trinta e cinco e não os vinte esperados, nós temos que nos render porque a nossa formação não nos permite combater isso, por isso eu digo que é fundamental trabalhar com os melhores. JR- Eu penso que há aqui uma questão que embora não tenha a ver com a conversa, é importante. Há um paradoxo grande na maioria das obras do Mies, são obras que dependem muito dos artífices. São quase artesanais e quando não são artesanais seguem regras do trabalho artesanal e isso é coisa que hoje não existe. IL- Hoje somos confrontados com milhares de intervenientes de qualidade muito irregular. Trabalhar com aqueles que não têm capacidade é impossível. Nos Açores, se não fosse a qualidade da equipa projectista aquilo não se fazia. A maioria dos engenheiros diriam: “cinquenta metros de vão, nem pensar,

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isso é impossível!”. Enquanto o nosso diz: “possível é, de certeza, as pontes têm mais”. Pessoas assim, há poucas. Tenho a certeza que essa é uma das maiores dificuldades dos jovens arquitectos. Ter uma equipa de qualidade é essencial. Se vires a Croquis da Sejima quando vez a caixa de vidro no bosque ficas espantado com a esbelteza assustadora dos pilares de dez centímetros e da laje de oito. JR- Eu não sou tão sensível a esse tipo de questões. Um projecto mal construido não é obrigatoriamente um mau projecto. Na construção, o rigor entre as partes não leva obrigatoriamente a uma boa obra. IL- Mas não te podes esquecer que neste tipo de projectos as apostas tem muito a ver com esse rigor. E a falha de uma pode implicar a falha da obra. JR- Mas apesar de tudo penso que a casa de chá é um projecto correcto. IL- É de facto um projecto interessante tem é um termo de comparação terrível que é o Mies. JR- Uma coisa que é verdade é que é uma obra muito fotogénica. De uma forma geral é fácil ter fotografias que realcem algumas características do edifício. IL- Seja como for não te podes esquecer que estás a trabalhar com jovens Arquitectos que têm uma experiência reduzida, a comparação com obras que lhe são referência é sempre dramática. JR- As pessoas da exposição são pessoas que se conhecem, que têm uma dinâmica de grupo e partilham projectos. Se comparares com a geração imediatamente anterior apercebes-te que embora se conheçam trabalham muito individualmente. Há nesta geração uma enorme disponibilidade para a partilha de experiências. Assim como a Inês fala de uma Arquitectura aberta às especialidades há também uma arquitectura partilhada, e isso, como é natural, provoca grandes relações entre os projectos. IL- O arquitecto autor não existe nesta geração. As pessoas perceberam que se se juntarem, se partilharem trabalhos têm mais hipóteses de ganhar espaço no mercado. Hoje para conquistar um espaço não chega ser licenciado, tens que ser muito mais profissional, tens que provar que és capaz. JR- Há que separar estas pessoas daquelas que vêem a arquitectura como algo que deve responder às exigências do mercado. Fico aflito quando alguém confunde sociedade com mercado ou pessoas com consumidores. No grupo da exposição não há essas confusões. IO- Voltando um pouco atrás eu gostava de vos mostrar duas imagens que aqui tenho. Uma é do projecto da Faculdade de Direito em Braga, projecto de António Portugal e Manuel Maria Reis; a outra é da Embaixada de Portugal em Berlim projecto do Nuno Brandão. São programas diferentes, países diferentes, pessoas diferentes, tudo é diferente, no entanto, quando comparamos o alçado, as diferenças são mínimas, apesar dos projectos serem completamente diferentes. Esta situação acontece inúmeras vezes, na base de dados que eu realizei respeitante aos projectos realizados nos últimos anos. IL- Fantástico!

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JR- Isso vem clarificar o que se dizia anteriormente. As imagens não são muito importantes, é mais importante o que está por detrás delas. IL- Explicar isso pode ser muito difícil ou muito fácil. Hoje em dia as imagens são terríveis. Elas deambulam à nossa volta de tal maneira que acabam por deixar algum rasto. Nos concursos, muitas vezes, somos obrigados a recorrer a sistemas de representação para explicar algumas coisas que ainda não sabemos como são, e assim recorremos ao que está mais à mão. JR- É uma explicação lógica, mas mesmo fora da disciplina isto faz parte da natureza humana. Se mudares de amigos, passado pouco tempo estás a dizer coisas ou tens gestos que têm a ver com aquele grupo de amigos. No fundo recrias acções. IL- Nós tentamos evitar o recurso a isso mas acabamos por inconscientemente cair em situações semelhantes, somos contaminados. JR- É necessário saber que não se trata de uma pele e quando olhamos para estes alçados não podemos esquecer que eles são parte integrante de um projecto e que o conteúdo existe e tem um peso enorme nas opções tomadas. IO- Se eu apresentasse estes dois projectos lado a lado na exposição, onde os alçados como vocês disseram estão muito ligados a referências exteriores, será que o seu amigo Suíço ia dizer que vê-se logo que é Português? JR- Eu penso que aquilo que ele disse tem também muito a ver com, a relação que os edifícios estabelecem com os sítios onde estão, com a sensibilidade com que eles se implantam e com as questões de escala. O projecto da Inês da casa no Zambujal, é evidente que é um projecto Mediterrânico. Mas será Italiano? Não, porque os Italianos têm uma outra forma de resolver a retórica das coisas. Será Espanhol? Não creio, porque aquele tipo de síntese não é Espanhola. Há ali uma certa dureza e o sítio não sendo omnipotente é omnipresente. É essa capacidade de aferir os sítios no projecto e vice-versa, que não esquece a autonomia da obra, provoca aquele tipo de comentários. IO- Como é que as coisas se passam quando fazemos um projecto num polo universitário onde o sítio que existe vai sofrer uma transformação de tal dimensão e vai passar a ser caracterizado por dados que pouco têm a ver com o estado inicial? IL- Em Berlim o sítio vai-se transformar completamente mas penso que as questões fundamentais continuaram lá. No atelier olhamos para o sítio de uma forma muito alargada. Nas aulas digo aos meus alunos que a pior coisa que podemos fazer é limitar o sítio à parcela onde vamos intervir. O sítio não tem limites. Eu só consegui perceber o verdadeiro raio de influência da casa do Zambujal depois de ela estar construída. JR- Independentemente do território onde intervimos, é sempre possivél reconhecer o fio condutor das várias sedimentações e perceber se esse fio interessa para o projecto a desenvolver. Nisso os Portugueses não são maus.

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IL- Outra das coisas boas hoje é a possibilidade que temos de construir em todo lado. Ainda há poucos anos era raríssimo encontrar um arquitecto a construir fora de Portugal. Na Internet encontras concursos com origem nos quatro cantos do mundo. Depois quando os concursos correm bem a situação já é mais difícil porque ter uma obra no Porto outra nos Açores outra em Berlim não é fácil, mas é fantástico. A mobilidade é sem dúvida o grande tema. JR- Estes temas fantásticos que de repente se tornaram moda e fazem as capas das revistas, Flexibilidade, Grandes Escalas, Mobilidade, Nomadismo são apresentados como as grandes novidades do novo milénio, isto revela uma certa mania contemporânea de que somos melhores do que os outros. Já houve épocas com muito mais nomadismo do que a actual. IO- De que maneira a actividade projectual, mais especificamente o tempo necessário à projectação se adapta à velocidade a que se passam as coisas na nossa sociedade, não será essa velocidade, uma barreira à experimentação? IL- Quando eu dizia, há pouco, que a nossa geração tinha percebido que tinha que ser profissional para poder vingar, queria dizer que já não é possível nem o amadorismo nem fazer o que o Siza faz que é chegar à obra e desenhar no momento uma pedra ou outra coisa qualquer. Para nós, neste momento, não há espaço para isso, e assim, somos obrigados a apresentar projectos muito mais desenhados, garantir o total controlo de todas as situações que possam surgir na obra é essencial. Na obra nada pode falhar. Em relação ao tempo, tenho a certeza que fazer a correr não vale a pena, é uma ilusão pensar que se pode fazer projectos em pouco tempo. A maior parte das vezes não temos a capacidade de dizer ao cliente que em tão pouco tempo é impossível, mas se experimentares dizer que em x tempo é impossível frequentemente ele responde: “está bem, então faça em y”. Aqui no atelier em relação aos tempos tudo tem corrido bem. Temos projectos com prazos acessíveis, e não temos projectos que se arrastam eternamente. Julgo importante a preservação de uma cadência na construção do projecto. Hoje pedem-te um projecto para amanhã mas o amanhã, no final, foi passado dois anos. As pessoas perderam a noção do tempo. Hoje o tempo é uma obsessão, não tenho dúvidas que as coisas continuam a demorar o mesmo tempo a fazer. JR- Antigamente um projecto estava muito mais tempo no atelier, hoje está muito mais tempo nas câmaras e é necessário aproveitar esses tempos para avançar. Para finalizar queria só dizer que há duas outras coisas que une a maioria das pessoas expostas, a primeira é a disponibilidade para ajudar, para participar e isso julgo que tens testemunhado a segunda é a ligação que têm com o ensino, o dar aulas desenvolve-nos o hábito de questionar o que as pessoas estão a fazer e por reflexo questionamo-nos nós próprios, e desenvolve-nos a capacidade de expor o que pensamos.

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Conversa com os arquitectos José Adrião e Pedro Pacheco IO- O trabalho que estou a realizar não pretende ser uma análise dos projectos do atelier, seleccionado. Nestas conversas pretendo conhecer, posturas e métodos de produção que serão analisados e relacionados com o conjunto dos intervenientes e que serão confrontados e justificados com alguns dos projectos realizados. Assim peço-vos que me apresentem um pouco da vossa história e da do atelier. PP- Nós conhecemo-nos no último ano da faculdade. Durante esse período fizemos uma série de trabalhos escolares juntos e o concurso para o edifício sede da FAP. Numa conferência que o Josep Llinás fez no Porto, à qual se seguiu uma pequena conversa surgiu a hipótese de ir para Barcelona fazer o estágio curricular. Como é natural, a experiência tornou-se da máxima importância na nossa formação, não só pelo trabalho do atelier mas também pela experiência de viver numa cidade como Barcelona. Quando regressamos a Portugal fizemos o concurso do Terreiro do Paço. Este projecto feito no início dos anos 90, iniciou um conjunto de discussões sobre o espaço público, e tornou-se para nós um laboratório de experimentação da máxima importância, por ser um trabalho que interfere muito com a cidade, com a escala do que a envolve, com o património e com as pessoas. Após o concurso do Terreiro do Paço ainda trabalhei com o Távora continuando paralelamente a desenvolver outros projectos. Foram quatro anos em que ou eu ia a Lisboa ou vinha o José Adrião ao Porto, para realizar os concursos do Mercado de Ramalde, de Santarém, do Palácio de Cristal e da Trienal de Sintra. Todos estes concursos foram feitos com outras pessoas que representavam outras especialidades. Assim fomos adquirindo alguma experiência no desenvolvimento do trabalho com equipes pluridisciplinares. Chegamos a ter paisagistas a trabalharem no atelier, o que na maioria dos casos se revelou decisivo para a qualidade da proposta final. IO- Das experiências no atelier do Távora e do Llinás, quais foram os grandes contributos para a construção da vossa forma de trabalhar? PP- Julgo que há uma coisa de comum nestas duas pessoas, ambas têm uma atitude muito mental e não formal sobre o projecto. O Linás controla totalmente os projectos do atelier. Ele desenha o projecto até á escala 1/100 praticamente sozinho e isolado; acompanhar esse processo de elaboração mental do conceito foi muito importante. Por outro lado havia uma enorme discussão no atelier sobre a intervenção na cidade e todas as problemáticas inerentes. As intervenções na cidade feitas por Josep Llinás expressam uma atitude muito global, ou seja, ele não se limitava à resolução de um programa, o raio de influência do projecto está longe de ser pontual. JA- No atelier de Josep Llinás fomos confrontados com outro método, com outra maneira de fazer. Eu e o Pedro temos percursos escolares um pouco diferentes, o Pedro esteve os cinco anos no Porto e eu estive os dois primeiros anos em Lisboa. No entanto, foi para ambos uma novidade a forma como lá se trabalhava. O Llinás utiliza muito o desenho bidimensional e as maquetas. Trabalha muito em planta e o desenho tridimensional apenas é utilizado para fazer apresentações. As plantas revelavam a tentativa de resolver muitas coisas ao mesmo tempo. Os desenhos dele começam por ser extremamente complicados e densos, mas rapidamente se vão limpando e sintetizando todas as problemáticas. Quem vem do Porto habituado a uns desenhos muito limpos e cheios de certezas ao olhar para aquilo não pode deixar de se

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questionar. As maquetas eram muito toscas e serviam para experimentar os alçados desenhados e fazer alguns ajustamentos. A ideia que eu tenho do Porto é que, quando não nos adaptamos à metodologia adoptada pela escola e dada a natural ingenuidade que temos quando lá entramos, começamos a questionar as hipóteses que temos de vir a ser arquitectos. Esta experiência permitiu-nos perceber que as coisas podem ser diferentes e que o meu trabalho pode ser mais interessante se eu for por ali. No fundo é necessário conhecer, e aqui conhecer é perceber para depois se poder optar. IO- Uma das coisas que procuro no trabalho é exactamente perceber de que maneira, esta troca de informação via publicações, conferências ou exposições, as experiências profissionais e escolares que se desenvolvem num ambiente exterior, interferem na caracterização da produção recente. JA- As revistas e as conferências são um pouco exteriores a ti, não percebes como é que se chegou a determinada solução, só quando partilhas um trabalho com outras pessoas é que podes perceber a origem das coisas e sentir o esforço que é feito para atingir determinado resultado. São poucas as revistas que te tentam transmitir algo mais que a imagem do momento. Falta profundidade. PP- Após uma entrevista que fiz ao Távora, num trabalho escolar para o Manuel Mendes, fiquei com vontade de perceber melhor aquela personagem. Foi assim que decidi após o regresso de Barcelona tentar arranjar um lugar no seu atelier. Esta experiência teve a grande vantagem de me permitir acompanhar um conjunto de projectos desde a concepção até à execução, mas principalmente teve a vantagem de me permitir conviver com uma pessoa extremamente humana e com um conhecimento muito vasto a todos os níveis. IO- Sendo os concursos um espaço de “ousadia”, onde se propõem sistemas e soluções novas, de que maneira é feita a passagem para a realidade? De que maneira a flexibilidade das habitações propostas no concurso de Chelas se vai adaptar às exigências daqueles que promovem a habitação social neste país? PP- Nos concursos os projectos têm que ter um conceito forte, que funciona como uma espécie de fio condutor que permite o desenvolvimento coerente do trabalho. Se tivermos a génese do projecto clara será muito mais fácil fazer determinadas opções em relação ao desenvolvimento posterior. JA- No fundo, adquire-se uma lógica interna do projecto que vai servir para aceitar ou recusar as coisas que se enquadram ou não nessa lógica conceptual. Por exemplo, em relação ao Terreiro do Paço, desde o início que temos clara uma lógica para o projecto, a ideia do Terreiro ser um espaço de silêncio que pontualmente se transforma em espaço de festa. Essa lógica, até ao momento, tem acompanhado o projecto. Os pavimentos procuram permitir uma leitura do espaço sem grandes interferências, sereno e uniforme como um grande terreiro. No entanto, este espaço pode-se transformar, para permitir a festa. Para tal, pensou-se uma serie de mecanismos invisíveis no dia a dia, que surgem para servir de apoio aos diversos acontecimentos. PP- A partir do momento que tens essa ideia clara é mais fácil aceitar ou recusar determinados materiais. É quase como o código genético do ADN. Há um conjunto de coisas que não estão dentro desse código e por isso não se podem aceitar. Isto não quer dizer que a ideia que percorre o projecto não vá sofrendo alterações. Ela também se vai aperfeiçoando e clarificando cada vez mais.

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No EUROPAN introduzimos intencionalmente uma certa complexidade nos edifícios. Nós sabíamos que tipo de pessoas vinham para ali morar. Era uma operação de realojamento. São pessoas habituadas a adaptar as suas casas ao crescimento da família, e a ter casas com uma forte relação com a rua. Tentámos que o projecto viesse ao encontro destes hábitos. No entanto, temos consciência que vamos ter que desenvolver um trabalho de racionalização muito grande para o poder tornar mais exequível e claro. JA- Passou-se algo interessante no Terreiro do Paço que provavelmente também vai acontecer em Chelas. Quando estávamos a desenvolver o projecto de execução do Terreiro do Paço a câmara percebeu que não tinha tempo de o construir antes das eleições. Então, decidiu avançar com um projecto provisório no qual gostaria que nós participássemos. No entanto, já tinham pensado numa série de soluções tais como pavimentar o Terreiro com lama asfáltica. Nós respondemos que não porque essa solução não vinha ao encontro da imagem que nós idealizámos para o Terreiro, e propusemos um novo material que eles desconheciam. Tivemos que fazer uma série de experiências tais como despejar água para perceber que era um betão poroso e eles ficaram maravilhados com aquilo e, neste momento, já colocaram um pavimento igual na Alameda. Isto tudo para dizer que é difícil introduzir as coisas mas se agradarem não há nenhum problema em lhes dar uso. PP- Eles queriam voltar ao asfalto betuminoso, e para nós o terreiro vinha do saibro, do calcário, de materiais naturais e tudo o que fosse contra essa lógica, nós rejeitámos. Foi assim que conseguimos introduzir um pavimento composto por materiais naturais. Outra coisa que os concursos possibilitam e que eu acho da máxima importância, é o escrever sobre o projecto em vez realizar uma memória descritiva no último dia, que funciona como um acessório. No Terreiro do Paço, a memória descritiva foi sendo feita juntamente com o projecto. Ela tornou-se um elemento tão importante quanto o desenho na procura de soluções. A escrita contribui para levar o projecto mais longe. IO- Nos últimos anos apareceu um conjunto de jovens arquitectos que têm ganho alguns dos projectos mais relevantes no país. À medida que vou avançando no trabalho vou confirmando a suspeita de que se trata de um grupo cheio de afinidades, não só pelo ano em que se formaram, mas mesmo pela amizade que os une e pelas experiências de trabalho que partilham ou partilharam. PP- Eu acho que há neste grupo uma atitude de grande seriedade para com o projecto, há uma vontade muito grande de levar as coisas longe e de abordar os problemas com muito profissionalismo . Por outro lado, tivemos a sorte de iniciar o nosso trabalho no início dos anos noventa que são anos que trouxeram novas temáticas, e que alargaram o campo de trabalho do arquitecto. JA- Esta geração são muito mais pessoas. O facto de não se dedicarem aos concursos faz com que estejam num lado menos mediático mas não menos interessante. Pelo que conheço são pessoas que partilham as mesmas preocupações, mas que dificilmente vão ser alvo de olhares exteriores. O que caracteriza também este grupo é uma certa leveza, e não no sentido de superficialidade mas no sentido de se manter aberto a muitas outras coisas e também à troca de experiências. A nossa vida não é só arquitectura e aqueles que nos envolvem são nossos amigos e não nossos rivais. Tenho a sensação que a geração anterior à nossa e em especial no Porto era um pouco fundamentalista. Nós somos arquitectos, nós somos profissionais e nós não gostamos disto nem daquilo. Profundidade e leveza são características que encontramos frequentemente nas pessoas desta geração.

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Os encontros de Serpa foram reveladores da vontade que existiu e existe em se discutir e submeter o trabalho à crítica, e tudo isto é exterior aos esquemas institucionais. A ausência daqueles que normalmente nos criticavam, o trabalho e a sua submissão o trabalho à crítica dos novos revelaram ser aspectos extremamente importantes para o desenvolvimento do trabalho de cada um de nós e para que se crie um bom ambiente entre colegas. IO- Na vossa opinião isso passa-se em Lisboa e no Porto? PP- A presença da Escola do Porto na cidade e a força que têm certas personagens inibe-nos. JA- Há quatro ou cinco pessoas em Lisboa que são muito importantes nesse campo. A Inês Lobo, o Ricardo Bak Gordon, o Carlos Villela, e o João Rodeia são pessoas que tem um trabalho muito sério e que tem uma postura em relação ao mundo da arquitectura muito saudável e extremamente descomplexada. IO- Nas entrevistas com a Inês e com o António Portugal há um momento em que a Inês diz: “o tempo que hoje levamos a fazer um projecto é o mesmo que se levava, o que é necessário é gerir o tempo em que este está do lado dos burocratas para continuar a avançar o trabalho”. Realmente exigem-nos calendários muito apertados, mas depois um projecto apodrece à espera de ser aprovado. Ao mesmo tempo não se deve ter ilusões e quando um cliente diz que quer um projecto para ontem temos que lhe dizer que só daqui por dois meses. Por outro lado, o António Portugal dizia que o tempo que se tem para projectar é mínimo o que obriga à constante repescagem de mecanismos já utilizados anteriormente, o que provoca um portfólio muito constante e sem grandes momentos de tensão provocados pelas novas experiências. JA- Eu não posso deixar de concordar com o António Portugal, é extremamente difícil gerir os tempos, e penso que é importante que se compreenda que os prazos são para cumprir. Um projecto mexe com muitas pessoas e o descontrolo dos tempos pode obrigar à perda de rentabilidade do trabalho dessas pessoas. Acho assim relativamente normal que o trabalho desenvolvido num determinado projecto possa ser repescado e utilizado num outro projecto. PP- A verdade é que os projectos precisam de maturação, e é muito difícil saber quanto tempo vai ser necessário para desenvolver determinado projecto. Nós não descansamos enquanto não nos sentirmos minimamente satisfeitos com o resultado, mas por exemplo, nos concursos, dado que o tempo não estica, o importante é ter consciência dos defeitos para os poder resolver numa segunda fase, caso exista. IO- Após alguns anos a projectar, quais foram os momentos chave na definição da vossa postura actual, qual o projecto ou experiência que provocou uma maior reflexão sobre o vosso trabalho? JÁ- O projecto que estamos a fazer agora para Matosinhos é realmente o projecto que nos vai pôr mais à prova. Este é para construir e como é o nosso primeiro será certamente seguido de um momento de reflexão sobre o resultado. PP- A questão da responsabilidade é muito importante. A partir de certa altura passas para outro estado. Sabemos que determinadas opções que fazemos nos concursos não nos comprometem, e que quando se

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dá o caso de ganhar o projecto, se vai obrigatoriamente ganhar precisão a todos os níveis. É lógico que depois de construído pode haver opções que se revelam menos indicadas, mas é impossível dizer quais neste momento. Seja como for o que se passa de projecto para projecto é que vais ganhando confiança porque dominas melhor as diversas componentes. JA- Nos projectos que temos feito, não sinto que algum deles fosse hoje desajustado. A nossa postura é muito realista. Temos consciência que há muitas coisas que passam mas o que nos interessa são as coisas que ficam Esta consciência levou-nos, no Terreiro do Paço à escolha de materiais naturais, que envelhecem, que sofrem desgaste, em vez de escolher um material que nos seduziu no momento mas que sabemos que de tão utilizado que vai ser, deixará de ter valor. Outra coisa que me faz dizer que nenhum deles é desajustado prende-se com o facto de cada projecto tentar resolver uma situação em concreto. As experiências não se repetem muito de um sítio para o outro. Nós não procuramos uma identidade formal no conjunto dos nossos projectos. Não há um pré-conceito ou preconceito em relação a nada, a linguagem não está estabelecida. PP- A única coisa que pode ser constante é a forma de abordar as coisas, no fundo somos nós que estamos a pensar, se falarmos sobre o Palácio de Cristal ou sobre o Terreiro do Paço estou certo que encontrarás um discurso, uma forma de interpretar as coisas idênticas. JA- Isso pode ter a ver com a nossa experiência com o Llinás, se vires uma publicação com trabalhos dele apercebes-te de que a resposta é sempre diferente apesar da forma constante com que ele compõe os materiais. PP- Em muitos arquitectos hoje consegue-se ver a forma como as coisas estão ligadas. O caso do Souto de Moura ou até mesmo do Carrilho da Graça são flagrantes. Eles trabalham muito os mesmos temas. Têm uma gramática específica. Ver o conjunto da obra do Llinás ou do Herzog serve para compreender a pluralidade de respostas e de experiências. O Souto de Moura viu-se confrontado durante vários anos com clientes que lhe diziam: “quero uma casa assim” e, por isso, agora que ele ganhou alguma liberdade, estamos a assistir a um conjunto enorme de novas experiências no seu trabalho. Houve uma presença muito forte do arquitecto artista, em que associamos, àquela cara, uma determinada imagem. Neste momento caminhamos para uma situação em que nos lembraremos dos projectos como intervenções pontuais. IO- O João Rodeia disse que um amigo Suíço ao ver a exposição “Cumplicidades” disse que aqueles projectos só poderiam ser em Portugal. Que semelhança têm estes projectos que se identificam com um olhar? PP- Eu penso que nós temos um processo muito artesanal de pensar a arquitectura. Em grande parte dos países os materiais que lhes são disponibilizados são, estruturas modeladas, sistemas pré fabricados, empresas especialistas em revestimentos e isolamentos, todas estas coisas levam a uma obra muito mais industrializada. Em Portugal as coisas ainda têm uma componente muito artesanal em que os intervenientes na obra ou são uma única entidade ou é um conjunto de pessoas habituado a trabalhar em conjunto. Nós cá ainda podemos desenhar uma parede e um caixilho. Lá não creio que seja possível devido à grande implementação de sistemas pré-fabricados e ao custo da mão de obra. Um amigo meu que esteve cá a ver o nosso trabalho na aldeia da Luz pediu-me para levar uns desenhos do projecto de

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execução porque queria mostrar aos amigos. Ele dizia que a realidade Holandesa é completamente diferente. Mesmo que numa determinada obra existam milhares de referências às obras dos Suíços, penso que tanto as diferenças metodológicas como esta espécie de construção artesanal se traduz na obra. JA- Os trabalhos que estavam na exposição não são assim tão diferentes daí o nome “cumplicidades”. A maneira de pensar, a sua interacção com a paisagem e a forma de o construir, são reveladoras da postura do João Rodeia que levou à selecção deste conjunto de pessoas. Se fores para Barcelona, há também um conjunto de pessoas, com um conjunto de afinidades, e com as mesmas preocupações e trabalhos da mesma família. PP- Nós sempre tivemos uma enorme curiosidade por conhecer o que estava do lado de lá por isso fomos descobridores. Sempre tivemos a capacidade de sintetizar esses modelos, e de os adaptar à nossa realidade específica. Todos nos lembramos das aulas do Alves Costa. JA- Depois somos uma geração que se continua a deliciar com a beleza das casas que vemos no Alentejo. Continuamos a gostar muito de passar os olhos pelo “Inquérito”, e da mesma maneira que na última revista pode surgir o que procuras, estou certo que é também da nossa arquitectura tradicional que vamos retirando soluções. Somos uma espécie de geração conservadora de olhos bem abertos. Na Holanda as casas são feitas para durar vinte ou trinta anos, fazes e desfazes sem problemas. Esta questão da memória, história, tradição ou hábitos não tem o mesmo peso. PP- Se percorreres as páginas do “Inquérito” não é difícil de perceber a génese de muitas soluções contemporâneas. A nossa base de referências é intemporal. Tanto vemos Herzog como Kanh. Se olhares para a esses livros que estão aí, na mesa, vês que os mestres estão lá todos. Se visitares um atelier na Holanda neste momento, vês que os livros em cima da mesa são os últimos e que daqui por uns dias passaram para a estante à espera dos novos.

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Conversa com o arquitecto José P. Mateus JM- Vou começar por te contar um pouco do meu percurso e do Nuno M. Mateus para que se perceba o contexto em que foi criado este atelier. Licenciei-me em 1986, trabalhei com o arquitecto C. Pecegueiro e C. Neves de 1982 até 1988 e com o arquitecto João Paciência entre 1988 e 1991. O Nuno trabalhou com C. Pecegueiro e C. Neves entre 1980 e 1985 em Lisboa, em 1986 trabalhou com Stanley W. Prowler e entre 1987 e 1991 trabalhou no atelier de Peter Eisenman ambos em Nova York, no ano de 1991 mudou-se para Berlim a convite de Daniel Libeskind onde trabalhou até ao final do ano. Durante uma viagem que fiz a Berlim para ver o meu irmão dada a quantidade de trabalho que havia lá no atelier, vi-me “obrigado” a fazer um curto estágio para poder estar algum tempo com o meu irmão. Numa das noites, na casa no Nuno, em Berlim, decidimos abrir o ARX Portugal e assim iniciámos uma noite de festejos desgraçada. Quando regressei a Portugal iniciei o projecto do atelier tendo o meu irmão ficado em Berlim durante mais um mês. Abrir o atelier foi, no fundo, a oficialização de uma actividade que já tinha começado com o concurso do projecto da escola de Tecnologia e Gestão de Bragança (projecto feito metade em Portugal metade em Nova York onde ainda se encontrava o meu irmão) e com a propostas do pavilhão de Portugal na Exposição Universal de Sevilha e ainda a casa dos meus pais que é uma casa pequenina em Melides, da qual eu fiz alguns desenhos e maquetas que enviei para o Nuno que ainda estava em Nova York. Quando a obra começou já cá estávamos os dois. O nome ARX tem origem num grupo de arquitectos do qual faziam parte o Nuno, Fréderic Levrat (Geneva), Nobuaki Ishimaru (Kobe) e Takashi Yamauguchi (Osaka).Sendo um grupo internacional que se dedica à investigação da contemporaneidade teórica e prática da arquitectura. A sigla para nós significa Arquitectura com texto, é uma arquitectura com uma ideia à priori que é estruturada e depois é perseguida no desenho. A arquitectura não é desenhada de uma forma intuitiva embora a intuição esteja sempre presente. É como escrever um texto, conceptualizar uma ideia que é registada em desenho, diagramas ou maquetas diagramáticas que depois é perseguida em arquitectura. Este conjunto de escritórios, ARX Portugal, Suíça e Japão pretendia fundamentalmente assegurar a troca de experiências através da realização de alguns projectos conjuntos. Assim surgiu o concurso de Berlim, que começou no Japão. Trocaram-se alguns faxes e, no final, vieram todos para cá acabar o concurso. Hoje esta troca de experiências praticamente não existe e o ARX Portugal é o único que tem uma actividade constante. A primeira produção do atelier foi muito marcada pelas experiências anteriores, de Peter Eisenman em Nova York através do Nuno, e de Daniel Libeskind que conhecemos os dois em Berlim. Essa fase do atelier vem um pouco sintetizada no livro chamado ARX Portugal “Uma Segunda Natureza” que mostra oito concursos não construídos. São, no fundo, oito exercícios onde se procurou construir uma ideia muito clara, à priori. Algumas dessas ideias eram estruturadas a partir de elementos aparentemente, e digo aparentemente, porque não eram estranhos ao local, mas eram leituras que pretendiam não ser as primeiras leituras do local . Passamos alguns tempos sem construir nada até ao dia em que ganhámos o concurso da Central Digital que deu para pagar algumas dívidas. Depois disso ganhámos o concurso da Escola de Ciência Empresariais de Setúbal e começaram a surgir alguns clientes privados que são actualmente os motores do atelier. Assim, vamos chegar ao fim do ano 2000 com cerca de dez obras em construção. Neste momento temos obras muito distintas. No fundo não somos especialistas em nada e estamos sempre num processo de adaptação às novas situações. Fizemos a escola de Setúbal e a exposição do

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Pavilhão do Conhecimento dos Mares na Expo98 que foi para mim o projecto mais difícil. Temos algumas casas, o Museu Marítimo de Ílhavo, e temos o Centro Regional de Sangue no Porto que é um edifício com exigências programáticas extremamente complexas, e que revela uma característica dos nossos últimos projectos. É um edifício de uma grande materialidade onde se vai sentir a investigação que estamos a fazer ao nível construtivo. Como construir o edifício de forma a que ajude a exprimir o conceito do projecto, não tendo a ver com o espectáculo dos sistemas utilizados nem com a estética do material. Tem a ver com a capacidade que este tem de veicular determinados conceitos. O Centro é uma espécie de máquina muito precisa, com laboratórios onde o ar condicionado tem pressão positiva porque não pode entrar nenhum microorganismo. No exterior é um edifício de materialidade muito pouco comum. É construído com chapas de aço galvanizado e zinco, com pouquíssima alvenaria. O interior é uma espécie de plano livre que tanto pode ter dez divisões como trinta. Isto porque são programas recentes sobre os quais existem muitas dúvidas. Assim garantimos a possibilidade de se fazerem reajustamentos programáticos. É uma caixa cuja pele encerra o que se quiser fazer lá dentro. Este edifício vem-nos possibilitar estas experiências que não tinham sido possíveis até agora. A Escola de Setúbal foi feita com um orçamento muitíssimo baixo, onde os sistemas construtivos tiveram que ser os mais convencionais e elementares. Em simultâneo estamos a desenvolver os projectos de cerca de seis casas e provavelmente vamos desenhar cenários para o canal de televisão SIC Gold. IO- De que forma o vosso contacto com Libeskind e Eisenman se traduz no vosso trabalho, e de que forma esses ensinamentos se conseguem pôr em prática em Portugal, país com uma realidade consideravelmente diferente do mundo onde trabalham esses arquitectos? JM- Essa pergunta deveria ser para o meu irmão porque foi ele que mais tempo esteve fora. Eu tive maior dificuldade em me aproximar de um sistema de produção que me era estranho e distante do tipo de aprendizagem proporcionada pela escola na altura. Seja como for, há duas coisas que se podem retirar da experiência Alemã: a primeira é ao nível dos conceitos e a outra ao nível da metodologia projectual. Pessoas como Peter Eisenman não são propriamente conhecidas pela investigação obsessiva dos aspectos funcionais, mas a verdade é que o Peter é capaz de chegar ao fim do dia e estar duas horas a discutir questões funcionais com o Sénior Designer. Por outro lado, foi o contacto com a investigação de ideias que podem corresponder a conceitos muito mais abstractos, em que o entrelaçar equilibrado destas duas questões é a chave. Eu tenho por hábito dizer que quando somos ousados nas questões formais, temos que ser ainda mais capazes que os outros nas questões funcionais, senão corremos o risco de fazer uma palermice. Se formos muito rigorosos com essas questões, será muito mais fácil levar o cliente a partilhar as nossas ideias. A nossa arquitectura problematiza na medida em que utilizamos geometrias menos comuns. Há quem nos chame os Mateus Tortos mas eu não tenho dúvida que o ângulo recto é aquele que mais utilizamos. Os clientes têm consciência que vão ter uma obra formalmente sofisticada e que isso se traduz nos custos, mas também sabem que temos uma enorme capacidade de resolver problemas funcionais e que vão ter um edifício que se vai descobrindo, que se vai percebendo à medida que se vão descobrindo as lógicas que o desenharam. Assim, o que mais se realça da experiência com o Peter é a investigação dos conceitos que muitas vezes são estranhos ao sítio, que nada têm a ver com a arquitectura Genius Loci. Eles são importados e trabalhados não invalidando a presença das questões da escala, da inserção urbana, da topografia e por aí fora. Não queremos é que as coisas se limitem a isso. No atelier do Daniel ou do Peter aprendeu-se a procurar ideias, a testá-las e a abandoná-las, se necessário. Desenvolveu-se esta obsessiva procura de uma espécie de argumento inicial. Por ouro lado, no Peter existe uma construção exaustiva de maquetas que possam representar a complexidade geométrica das

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soluções servindo assim de complemento ao desenho e de elemento de transmissão das propostas aos clientes. O Daniel encarava as maquetas como artefacto como objectos de investigação. Independentemente destes ateliers, somos marcados pelo trabalho dos nossos mestres, um pouco como toda a gente. Aqui há uns tempos fui ao atelier do Siza e estava lá um Espanhol a trabalhar no Projecto de Santiago que nos começou a mostrar uma pilha de maquetas. Um homem como o Siza, que tem uma capacidade de desenho única, tinha ali ao lado todas as maquetas que vão mostrando sequencialmente os avanços feitos, e isto serviu para perceber que não é só rasgos de génio e que os projectos eram fruto de um esforço brutal. IO- Por exemplo, em relação à escola de Setúbal, será que me pode explicar quais eram esses conceitos mais abstractos, para que possa compreender melhor como é que as coisas funcionam. JM- O programa previa implantar o edifício do terreno lateral a uma das vias do pólo. No entanto, dada a dimensão do programa tivemos que o dividir em duas partes e implantá-lo dos dois lados dessa via. Como este não podia ser separado tivemos que fazer uma ligação sobre a via. O edifício foi rodando em torno de um eixo para estabilizar algumas relações com a envolvente e com ele próprio. Estas rotações intermédias correspondem a situações que julgámos importante preservar. Assim o edifício é também ele, o reflexo deste conjunto de rotações que vão estabelecendo determinado tipo de relações. IO- Qual é a vossa relação com as revistas da actualidade, e com o tipo de trabalhos que elas expõem? JM- Vejo com alguma preocupação a uniformização dos gostos a que se está a assistir. Todos gostam das mesmas coisas. Impressiona-me, por exemplo, a adoração que se está a fazer à Sejima, e não só. Tem surgido um conjunto de trabalhos, inspirados nestas personagens, que revelam uma excessiva fragilidade, falta de densidade e de profundidade das respostas dadas. Estas características correspondem exactamente ao oposto daquilo que procuramos neste momento.

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Conversa com o arquitecto Manuel Aires Mateus MM- Proponho que se comece por fazer uma visita guiada pelo atelier, assim ficas com uma ideia geral daquilo que estamos a fazer. Aqui, ao meu lado, podes ver a maqueta da recuperação da igreja Grândola que se localiza no fim de um percurso que estamos a valorizar e que inclui alguns espaços urbanos e também a recuperação de três edifícios que são peças marcantes do percurso histórico de Grândola. Esta intervenção pretende recuperar a igreja que se encontrava abandonada há mais de oitenta anos. Para tal, tivemos que expropriar uns edifícios laterais para fazer um adro de igreja que, no fundo, é uma pequena praça. Mais abaixo, neste percurso, vamos recuperar o mercado e a praça do mercado, e junto à parte nova, recuperaremos um grande edifício que sendo um dos mais significativos de Grândola, irá albergar a Associação de Municípios do Alentejo. Este trabalho tem mais a ver com políticas de reordenamento urbano e infra-estruturação de uma cidade. Este conjunto de maquetas de diversas escalas corresponde à grande sala de concertos da Orquestra Metropolitana de Lisboa localizada em frente à antiga FIL. O edifício é uma grande caixa em pedra com todo o programa de apoio, que contem uma caixa de madeira que se afina como se fosse um instrumento musical. É uma sala para concertos de música clássica. Os espaços do edifício de pedra são escavados à própria parede podendo assim viver-se dentro da parede. Nesta sala, encontras um projecto que é para nós um desafio muito divertido. É um conjunto de edifícios, no Parque das Nações, destinados a albergar a sede de grandes empresas. São três edifícios, totalmente em vidro pousados numa grande plataforma de ardósia. Têm o miolo em betão e uma dupla cortina de vidro, em que a estrutura faz a caixilharia dos envidraçados. O pé direito é idêntico em todos os pisos excepto no primeiro (atendimento ao publico) e no último (administração). Os espaços são definidos sempre por elementos móveis e, no último piso, existem umas caixas suspensas ou pousadas que vão caracterizando os diferentes espaços. É evidente que esta primeira maqueta (três paralelepípedos de acrílico transparentes pousados numa base negra) que tu vês, é uma maqueta de namoro ao cliente, não se aproxima da realidade. Neste momento caminhamos para um projecto de uma grande sistematização construtiva e económica, pretendemos chegar a uma resposta maximizada. São edifícios que me estão a interessar por esta questão do mínimo e do máximo, no fundo quando se resolver a estrutura e os envidraçados o que resta é mobilar. Aqui em baixo, podes ver as maquetas de estudo para dois edifícios de habitação também no Parque das Nações. Pode-se ver as várias versões sobrepostas. Se olhares para esta, vês que são dois edifícios de sete pisos. O primeiro, de comércio e os restantes de habitação com quatro fogos por piso. É um edifício negro em que o único desenho que prevalecerá. É o desenho da caixilharia que vai ser em pinho nórdico tratado. O negro no piso térreo é mármore e nos pisos de cima é fibrocimento. No outro alçado o desenho da caixilharia individualiza cada um dos fogos. Este projecto nasce da tentativa de optimização da ideia de fogo, ou seja, temos um espaço entre lajes em que tudo o que vai desenhar o resto do fogo é montado. Tem uma cadeia de infraestruturas central contidas num armário que separa as zonas diurnas das nocturnas, tentamos associar o esquema tipológico a esta lógica construtiva que por sua vez se vai traduzir na imagem que o edifício vai passar para a cidade. A casa Ana Malta é uma casa gigantesca que está agora em construção. É feita a partir de um princípio muito simples. Nós andávamos “entalados” entre uma espessura que queríamos que as paredes tivessem e a lógica construtiva destas paredes (trinta centímetros), na tentativa de não perder esta ideia de espessura desenhamos a casa com um sistema de corredores entre paredes que no fundo se vai transformar num sistema único, ou seja, as duas paredes fazem parte de uma unidade que separa

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compartimentos ou que faz a circulação, são no fundo muros habitados que ou são circulações ou espaços de apoio. A casa tem um programa enorme e complexo. É uma família que incluí avós, pais, filhos dele e filhos dela. As paredes formam uma espécie de malha que vai desenhar cada um dos compartimentos sejam eles interiores ou exteriores. Tens os quartos, a sala, o pátio da água, o pátio semi coberto e por aí fora. Ela implanta-se num terreno de vinte hectares e surge como um sistema autónomo inscrito na paisagem. Tem a curiosidade de ter noventa portas e por vezes enfiamentos de doze que é sem dúvida algo a que não estamos habituados. Tem também um mosaico de dez por dez com três e meio de altura que está a ser feito por um senhor no Alentejo que os vai fazendo numa caixinha de madeira de um metro quadrado e que tem previsto demorar um ano e quatro meses. Neste momento vamos por a estrutura e a alvenaria em pé e depois vamos desenhar cada um dos espaços. Temos o sistema vamos desenhar os compartimentos. A casa seguinte decanta-se da anterior, e encontra-se na fase de estudo prévio, estamos a avançar com o sistema. Ela parte muito da ideia de uma casa romana, compartimentos dispostos em torno de um espaço comunitário cujo interior do interior do interior é um pátio. No corte vês que os compartimentos sobem e descem tendo os quartos dois metros e quarenta e a sala três metros assim da sala tu entras para uma espécie de nichos escavados. Neste momento trabalhamos no sentido de conseguir dar uma maior independência entre a zona da sala e os quartos. Este é o projecto de uma clínica veterinária em Montemor-o-Novo. Quando arrancámos com o projecto tínhamos um programa muito vasto para pôr neste lote de terreno e se construíssemos no lote com a profundidade convencional tínhamos que ter quatro pisos. A nossa primeira atitude foi propor à câmara a execução do projecto em apenas um piso com a cobertura ajardinada. Em frente ao lote há um jardim, e atrás, a cidade sobe até ao castelo. Assim, temos uma estratificação de jardins para quem olha do castelo. O que fizemos foi individualizar muito bem os compartimentos, intercalando-os com pátios, A cobertura nunca toca os dois lados, há uma fenda “rendilhada” um pouco labiríntica que ilumina todo o percurso. A cobertura ajardinada obriga a que esta fenda ganhe espessura dando uma grande densidade aos espaços de circulação, e delimita muito bem os diferentes espaços do programa. Nesta sala, podes ver, nas paredes, maquetas do complexo cultural de Sines. Este projecto começou pela escolha de um sítio para colocar uma espécie de novo ex-libris da cidade. O Presidente da câmara dizia que queria uma nova peça, tinha o castelo, a igreja e queria construir uma nova marca contemporânea na cidade. O sítio escolhido é junto à antiga Porta da Cidade, um espaço que permitia construir dos dois lados deste eixo de entrada na cidade. O programa é interessantíssimo: uma biblioteca, um centro de exposições um auditório e um centro de documentação. É, no fundo, o programa que todos nós mais ambicionamos na vida. O edifício que propomos começa por ser escavado no chão. É um edifício que se constrói tanto para fora como para dentro, sendo totalmente transparente ao nível térreo. Nas extremidades do piso térreo sobem umas paredes laterais onde apoiam estas vigas de quarenta metros que vão de um lado ao outro e que fazem a estrutura funcional do edifício. O auditório é visível a partir da rua. É uma espécie de homenagem ao hábito local de se discutir as coisas na rua, embora ele tenha um sistema que o permite fechar, se necessário. Os projectos têm sempre uma fase interessante, que é quando já estás quase a acabar o projecto e voltas ao primeiro dia. E voltas porque já sabes o que queres e assim começas a reconstruir. IO- A primeira sensação que tenho é que os vossos projectos são muito amadurecidos pelo tempo, as maquetas e desenhos que vejo nas paredes mostram fases e evoluções que julgo só serem possíveis se houver tempo. Como é que vocês conseguem controlar o tempo de amadurecimento e os tempos exigidos pelos donos da obra?

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MM- Nós temos aprendido a fabricar tempo. O cliente quando aparece já está atrasado. Quando entra na porta do escritório já queria o projecto para ontem, mas nós construímos o tempo. O projecto da casa de Alenquer, começamos a obra há quatro anos. Inicialmente era outro projecto. Depois as paredes não aguentaram e fez-se a casa dentro da ruína, tudo isto levou muito tempo e neste momento o cliente já diz: ”levem o tempo necessário o que eu quero é a casa bem feita”. A casa de Alvalade que é enorme tem apenas um ano e meio de projecto. É uma casa que para nós foi crucial. Nós desenhamos cem versões da casa que nunca foram recusadas pelo dono da casa, é um cliente muito especial que nos mandava constantemente emails com peças de arte de que tinha gostado. Assim, aproximámo-nos e ganhámos uma dinâmica muito própria. É claro que há projectos com tempos muito curtos, e a gestão do tempo, nesses projectos, passa por andar muito depressa em fases específicas. Nos edifícios de habitação, para ganhar tempo, para chegar ao projecto que queremos, fazemos primeiro um projecto de contenção periférica e estacionamento porque são coisas sobre as quais não temos hoje em dia grandes dúvidas. Assim, eles vão lançar uma obra, trabalhar durante seis meses e, durante esse tempo, continuamos a desenvolver o projecto. O que não se pode esquecer nesta questão dos tempos é que é obrigatório ganhar o tempo necessário para se fazer o projecto que se quer. Eu gosto de pensar que o projecto, quando é encomendado, é uma pergunta genérica que tem muitas hipóteses de resposta, e tu só descobres o projecto que queres fazer depois de o fazeres. Tu fazes uma síntese mas essa síntese não corresponde ao projecto, ela apenas corresponde à pergunta que tu queres equacionar. Fazer a síntese é, de certa maneira, fazer um primeiro projecto para depois voltares ao princípio e caminhar no sentido do projecto que tu já sabes que queres fazer. Partes à procura de um novo sistema partindo de uma base em que esclareceste o teu ponto de vista IO- Qual é essa a pergunta genérica? MM- Um projecto tem uma série de imputes, o sítio, o custo, o programa, que no fundo são as condicionantes do projecto e isto é uma pergunta genérica. Tu não sabes de que maneira queres manipular a tua pergunta para chegar a um projecto que expresse aquilo que queres fazer. A pergunta interessa-nos como primeira aproximação, mas a ideia de exploração de uma identidade espacial, de um sistema construtivo de uma relação com o sítio, cidade ou natureza necessita do conhecimento da pergunta específica já na nossa aproximação para me poder aproximar com alguma certeza. Na maioria das vezes é necessário caminhar muito para se ter a certeza da pergunta que se quer fazer. Nós temos o hábito de separar, cá no atelier, os projectos anteriores a noventa e nove e posteriores a noventa e nove. Há uma nova geração de projectos no atelier em que a maneira de nos aproximarmos do projecto deixou de ser feita de uma forma casuística para passar a ser feita como método. Hoje preocupamo-nos em descobrir o que é que o projecto é para poder vir a desenhá-lo. Os projectos pós noventa e nove têm uma investigação muito em aberto para clarificar as potencialidades que o projecto envolve. A partir daí podemos caminhar no sentido de ir ao encontro das potencialidades encontradas que, muitas vezes não têm a ver com questões de desenho ou com uma estética, têm a ver com a génese do problema, com as possibilidades que o problema tem. Recentemente fizemos um projecto de uma loja num centro comercial. Era um projecto que não nos seduzia muito porque exigia muito trabalho e porque não gostávamos do sítio. Não gostamos de centro comerciais. No entanto, aceitámos o desafio e começámos a pensar o que é uma loja num centro comercial e o que é que não nos agradava na ideia de fazer uma loja num centro comercial. O que não nos agrada é a forma como

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elas traduzem uma aceitação espacial da ideia de contentor sendo os projectos reduzidos praticamente a uma questão epidérmica. O projecto acabou por se tornar muito interessante porque transformámos o espaço existente num espaço neutro, e construímos, dentro desse espaço, os três espaços que nos eram pedidos e que nos interessavam. No fundo, a partir da problemática que era fazer uma loja num centro comercial, fizemos um trabalho de investigação em torno da possibilidade de um espaço preexistente nos dar capacidade de manipulação total. O desenvolvimento dessa ideia leva-nos, neste momento, ao trabalho que estamos a desenvolver no piso da administração do edifício de escritórios. IO- De que maneira, nos concursos, a visão frequentemente pragmática de um júri é compatível e reconhece o vosso trabalho de investigação? MM- Eu julgo que o espaço do concurso é um espaço descomprometido em relação a essas coisas. Nesse sentido os concursos são muito positivos. Nós sempre fizemos concursos e bem ou mal sempre tentámos extremar uma possibilidade, ter uma ideia sobre o problema e depois extremar uma possibilidade. O concurso revela atitudes de algum descomprometimento, não vais necessariamente construir o projecto, podes perdê-lo, a ideia de perdê-lo é a grande liberdade do concurso. Lembro-me de propor a inversão completa do programa na cantina de Coimbra onde alteramos completamente a posição dos pisos. Eles organizavam o programa na vertical e nós propusemos o contrário e isso foi aceite. Aquilo que nos tem afastado dos concursos é o tempo, pensar que tenho que dar uma resposta em três meses não me agrada nada. Ter que encontrar soluções em tão pouco tempo é, para nós, complicado. Seja como for, penso que o grande desafio do concurso é a subversão, subversão no bom sentido e subversão que também existe nos projectos privados. Nunca encontrei maior grau de liberdade do que nas encomendas em que vamos trabalhando com o cliente. Estes projectos são quase sempre encomendas de enorme banalidade, nas quais o desejo do cliente é o de querer um edifício bonito. No entanto a descoberta das potencialidades é o trabalho do arquitecto. Há uma frase do Siza que cada vez eu percebo melhor ”este projecto ainda não está suficientemente feio”. IO- Numa época em que construímos a nossa base de referências com trabalhos provenientes dos quatro cantos do mundo, em que a nossa formação passa por uma estadia no exterior, e a construção está entregue a multinacionais que uniformizam as técnicas, porque razão continuamos a ouvir dizer frases do tipo: “Este projecto só poderia ser em Portugal”? MM- Eu penso que a tua pergunta é também resposta. Cada vez menos ouvirás dizer isso. Cada vez mais as referências e sistemas são internacionalizadas. Há vinte anos atrás a Arquitectura Portuguesa era rebocada e pintada de branco. Hoje a construção exige a utilização de sistemas mais expeditos como a pré-fabricação e a standarização, nesse sentido julgo que se pode dizer que a nossa arquitectura se internacionalizará cada vez mais, mas não creio que vá perder uma forma de pensar que é reveladora da nossa especificidade. Eu não sei se aquilo que podemos colar à arquitectura Portuguesa tem a ver com um entendimento geográfico ou do entendimento de certos autores. A imagem exterior da arquitectura Portuguesa é a arquitectura do Siza. O facto de termos um génio vivo é um privilégio. O que se passa hoje ao olhar para muitos dos projectos é que eles tem bases fortíssimas no trabalho destas personagens. Isto provoca uma espécie de corrente que caracteriza grande parte da arquitectura portuguesa. A própria ideia da Escola do Porto não tem hoje qualquer sentido. Ela teve o seu tempo e foi motor de muitas coisas boas, durante uma época falou-se muito de escola. Neste momento ainda nos encontramos numa época de autores, mas brevemente passaremos para uma época de obras. Nas

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carreiras dos autores criam-se obras maiores e obras menores e portanto passaremos a um tempo de obra e passaremos a recordar aquela obra naquele sítio. Neste sentido, a ideia da produção tenderá a alterar-se. Na nossa época já não há a procura do autor mas sim de um ponto ou de um momento. Por outro lado, assistimos a uma mediatização excessiva da Arquitectura. Hoje em dia atribui-se aos arquitectos uma importância sobre a qual devemos começar a reflectir. Um amigo meu dizia-me outro dia que brevemente teria que pedir autorização aos arquitectos para representar Shakespeare. Isto faz algum sentido. A arquitectura e tudo o que envolve a arquitectura está a assumir uma preponderância perigosa. Hoje fazem-se e matam-se heróis na mesma semana. Isto não tem a ver com a própria ideia da criação do objecto. Vivemos, neste momento, um período rico na quantidade de bons projectos. Isso deve-se, logicamente à quantidade de projectos feitos, à qualidade de alguma informação e à natural necessidade de as pessoas mostrarem o que valem num mercado cada vez mais difícil. Não há o objectivo de cultivar a própria imagem mas sim de criar obras que pontualmente vão estimulando. IO- Qual é a grande lição que se tira após vários anos de trabalho com o Byrne? MM- O nosso trabalho tem algumas linhas convergentes e muitas linhas divergentes. Eu acho que o maior contributo foi a aprendizagem de um ética da profissão. Um atelier é um local cheio de responsabilidades para com muita gente. A tomada de consciência desta realidade, associada à aprendizagem proporcionada pela partilha da experiência adquirida pelas restantes pessoas do atelier, deu-nos uma enorme confiança para o desenvolvimento futuro dos nossos trabalhos. O meu irmão dizia, outro dia, quando vínhamos do caos de Albufeira “ ou nós ou eles” e o nós, após uma experiência profissional no escritório do Byrne, sai reforçado. IO- Em relação à presença de referências exteriores no vosso trabalho. MM- Se olhares para a estante atrás, estou certo que encontrarás os mesmos livros que encontras nos outros ateliers. Estão cá os Suíços os Holandeses e por aí fora, Temos também colaboradores que trabalharam com o Herzog, com o Zumpthor, e está para chegar um que trabalhou com os Dinner. A preocupação em desenvolver este tipo de sistematização construtiva , é uma ideia que têm vindo a ganhar corpo ao longo dos nossos últimos projectos, e que vem salvar os projectos da má construção que se verifica hoje, no sector da habitação. Não queremos continuar a insistir num sistema que se tem revelado desastroso. O sistema da “assemblagem” tem mostrado ser o mais eficaz. No fundo há duas linhas de projectos a serem desenvolvidos presentemente no atelier. A primeira é constituída por sistemas pesados e provavelmente mais tradicionais. É o caso das casas e do edifício de Sines. A outra é com base em sistemas leves e muito optimizados, onde tentamos chegar a uma grelha matemática em que o sistema construtivo e o seu custo sejam a resposta optimizada ao problema. No edifício de escritórios o betão localizado numa posição central, a estrutura montada à vista, os sistemas de lajes aligeiradas, metálicas, os pilares/prumos de oito por vinte têm a ver com um estudo económico entre o custo da estrutura e a capacidade estrutural do próprio caixilho. No final, tens uma espécie de equação que relaciona a vontade arquitectónica, com os custos e com o sistema construtivo. Estas questões interessam-nos mais que as questões da imagem, embora acredite, como é natural, que tenhamos nos nossos projectos referências a outros arquitectos. Na minha última ida a Barcelona com o meu irmão fomos a uma livraria. Surpreendentemente, à saída, reparamos que tínhamos comprado principalmente livros de disciplinas afins à arquitectura. Há, hoje,

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um conjunto de artistas, que em disciplinas afins à arquitectura, conseguem colocar os problemas, que verdadeiramente preocupam a arquitectura, de uma forma muito mais clara. E isto porque trabalham em sistemas que não têm a quantidade de desculpas que a arquitectura tem. O arquitecto, em vez de resolver os problemas, refugia-se neles para justificar alguns percalços. Quando olhamos para o trabalho destes artistas, percebemos que eles estão a trabalhar no limiar de uma não desculpa muito mais afilada. E tenho alguns projectos, aqui no atelier, que foram resolvidos enquanto estávamos a ver determinadas exposições. Muitas vezes, eles têm uma capacidade que os arquitectos não têm, de precisar o problema.

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Conversa com arquitecto Nuno Brandão Costa IO- Sei que tiveste, antes de arrancar com o atelier, duas experiências profissionais em ambientes distintos. Quais são os dados que se retiram após um trabalho na Suíça com o Herzog & de Meuron e no Porto com José Fernando Gonçalves e João Paulo Providência? NBC- Quando fui trabalhar com Herzog & de Meuron tinha acabado o quarto ano da faculdade. O interesse que eu tinha pela Arquitectura Suíça. Levou-me a procurar fazer o estágio curricular num dos ateliers que, na altura, mais me seduzia. O trabalho de Herzog & de Meuron, na altura, encontrava-se ainda numa fase muito embrionária. Era um atelier relativamente pequeno e as coisas mais conhecidas deles eram o armazém Ricolla, as unidades de habitação e algumas habitações unifamiliares. Sempre me interessou o lado experimentalista que eles têm. Eles trabalham muito com maquetas e também desenham, mas não da mesma maneira que na Escola do Porto. O esquisso não é o meio utilizado para chegar a uma forma, não perseguem um pensamento com o desenho. Eles trabalham os conceitos através de imagens, imagens que eram produzidas manualmente através de colagens, por exemplo, ou imagens criadas por computador. É um trabalho muito experimentalista, que tem como objectivo criar imagens e texturas muito fortes. A produção arquitectónica deles está muito ligada à imagem das superfícies, mas também ao contexto. Herzog & de Meuron e José Fernando Gonçalves e João Paulo Providência, são dois mundos completamente distintos excepto no facto de ambos se ligarem muito às questões contextuais. Há um sítio, e tudo o que se faz tem sempre alguma ligação a este. Apesar do trabalho de Herzog & de Meuron de ser muito experimental e muito ligado ao objecto arquitectónico, ainda tem uma grande valorização do sítio. Veja-se, por exemplo, as mudanças de materiais que eles fazem. O que não acontece com outros arquitectos experimentalistas. Rem Koolhaas ou Jean Nouvel têm uma relação com os sítios muito mais globalista. A experiência com José Fernando Gonçalves e João Paulo Providência foi uma experiência de continuidade e não de rotura como a anterior . Foi de continuidade com aquilo que tinha aprendido na escola e isto no sentido mais positivo que possas imaginar. Apesar de eu ser suspeito, o trabalho deles tem uma enorme qualidade e energia. Enquanto lá estive, acompanhei, desde o início, o projecto das capelas mortuárias, no centro paroquial que eles estão agora a construir e no projecto da Biblioteca da Universidade Nova em Almada. Foi no atelier deles que fiz os primeiros projectos de execução. Na suíça fiz um trabalho totalmente experimental, apenas fiz concursos. IO- Em algumas das conversas que tive falou-se muito dos conceitos, de projectos provenientes de imagens exteriores à arquitectura. Provavelmente, estas são características herdadas, por exemplo, do atelier de Herzog & de Meuron. NBC- Vejo as coisas de uma forma muito construtiva. Não considero que tenha propriamente ideias que sejam conceitos. Sirvo-me muito do desenho, não consigo fazer um projecto sem desenhar. Continuo a ter necessidade de fazer croquis. O estudo das questões de implantação são quase sempre o ponto de partida, a forma como o edifício pousa ou se dispõe no terreno é fundamental, e vai condicionar todo o desenvolvimento do projecto. Desenhar, é uma forma de ir elaborando a construção no papel. A única ,maneira de explicitar a construção é através do desenho. Se não conseguisse desenhar, não poderia fazer arquitectura. Tenho alguma dificuldade em construir as coisas através de conceitos, até tenho alguma dificuldade em entender o que é que isso é. O desenho vai clarificando aquilo que nos passa pela cabeça.

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IO- A preocupação que tens no desenvolvimento de uma modelação, a procura de definir uma grelha espacial e estrutural, tem origem em alguma das experiências profissionais que tiveste? NBC- Penso que tem a ver com questões de construção, e são questões que se levantam em qualquer um dos meus projectos. A métrica é uma espécie de apoio que permite gerar todo projecto, e vai obrigatoriamente condicionar a própria imagem do projecto, seja o espaço ou as fachadas, ele condiciona a imagem global do edifício, não se limita à sua pele. O edifício não é só a sua pele e a sua imagem. O edifício é espaço, luz, textura e superfícies. A métrica é uma forma de organizar todas estas ideias, o módulo vem ordenar o desenho, e permite explorar algumas ideias de repetição, tais como um detalhe, um tipo de porta para todo o projecto ou uma caixilharia. O módulo tem a ver com um raciocínio construtivo e com o desenho. Ele é uma fracção geométrica. IO- Achas que dada a conhecida falta de qualidade da construção portuguesa vai ser fácil controlar tanto rigor? NBC- Confesso que nunca me preocupei muito com isso, é evidente que, por vezes, os engenheiros me chamam a atenção. O projecto da Biblioteca, é de uma tal simplicidade que penso que vai ser difícil errar. È evidente que eu não posso garantir que isto vai ser bem feito, e é tambem evidente que se fosse noutros países esta questão nem se punha. Apesar de eu nunca ter construido, já acompanhei algumas obras e penso que se for feito um bom acompanhamento de obra consegue-se evitar algumas tristezas. IO- A verdade é que grande parte dos sistemas construtivos que utilizas na Biblioteca, são retirados de edifícios como a Faculdade de Economia. No fundo são sistemas já testados entre nós. NBC- A Faculdade de Economia de Viana de Lima sempre foi, para mim, um objecto de comparação. Eu fui lá buscar muitas ideias construtivas, de textura, e do próprio funcionamento do espaço. Aquele projecto foi feito há quarenta anos. Muitos dos projectos hoje realizados, são formalmente mais complexos, levam a soluções construtivas também mais complexas e no entanto são construídos com alguma qualidade, portanto julgo que esse problema não se vai pôr. IO- Porquê a preocupação em criar um edifício abstracto e neutro? NBC- A ideia é que o edifício, inserido no meio de todos aqueles edifícios da universidade, tenha uma presença o mais neutra possível, não é no sentido de se anular perante a envolvente, mas no sentido de formalmente, não sobressair. É evidente que ele vai estar presente, quanto mais não seja pela volumetria. O seu valor abstracto é claríssimo, tem a ver com a própria forma do edifício. Ele não tem referências formais que possam levar a que se saia do plano da abstracção. A modelação tem um papel importante. Ela tem um sentido geométrico proveniente de um pensamento abstracto. A neutralidade tem mais a ver com a sua simplicidade. É evidente que tudo isto são ideias que vão sendo desenvolvidas, mas que depois pode acontecer que não correspondam à realidade construída. Todos os edifícios da avenida de Berna têm uma força formal extremamente grande. O edifício, em relação à avenida, recua e recolhe-se sobre si próprio sem proporcionar um grande embate formal. IO- Como é que tu vês as preocupações de muitos arquitectos em relação ao receio que a arquitectura perca a sua autonomia disciplinar devido à sua enorme dependência da técnica ou do design.

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NBC- Eu não acredito nisso. Isso é como aqueles críticos que andam sempre a dizer que o rock vai acabar. A arquitectura é uma disciplina, e tem uma forma de se trabalhar que depende da interacção entre várias disciplinas. A arquitectura depende das engenharias, e as engenharias sem um projecto de arquitectura também não existem. É uma cadeia que está estabelecida há muito tempo, os climas de catástrofe não fazem muito sentido. IO- No entanto deparamo-nos em vários concursos com opções feitas a partir das suas qualidades estruturais ou acústicas e não das suas qualidade arquitectónicas. NBC- Isso tem a ver com erros que existem e que, como é lógico, não deveriam existir. Não sei se isso só acontece em Portugal, mas é evidente que se deve à incapacidade de quem organiza os concursos e escolhe os júris. A arquitectura tem a sua autonomia e, quanto a isso, não pode haver confusões. Ela está por todo lado, à frente de qualquer um. É, no entanto, evidente que o edifício exibe também um projecto de estruturas, de iluminação e por aí fora. Mas os engenheiros com que eu trabalho sabem perfeitamente qual é o seu papel, e sabem que o projecto tem que funcionar como um todo. É evidente que nunca me vou pôr a calcular estruturas, nem ele se vai por a desenhar janelas. No entanto temos consciência que dependemos muito uns dos outros. A construção é algo que me interessa muito. Começo muitas vezes por trabalhar as questões estruturais e aí preciso imediatamente do apoio de um engenheiro. No entanto, nem deixo de sentir que sou arquitecto nem deixo de sentir que sou eu que estou a desenhar. Quando se olha para um edifício, provavelmente é difícil separar as disciplinas, porque o edifício é um todo que inclui os seis ou sete projectos que foram necessários para a sua execução. IO- Achas que há alguma coisa que autonomiza a arquitectura portuguesa, que vem justificar a especificidade tão frequentemente falada? NBC- Não tenho dúvidas que há uma especificidade. Da mesma maneira que há uma especificidade na arquitectura suíça, e que percorre autores completamente diferentes. São propostas formalmente distintas, mas que não temos grande dificuldade em classificar como sendo arquitectura suíça. E isso penso que acontece também com a arquitectura portuguesa. Tem a ver com um corpo, que é caracterizado por uma maneira de fazer específica. Isto, penso que está mais ligado a países pequenos que têm um grupo de arquitectos, que se tornam responsáveis pela consistência desse corpo. Tem também, evidentemente, a ver com a formação. Ninguém consegue escapar às influências por ela deixadas. Os arquitectos formados pela escola do Porto, fazem trabalhos extremamente distintos, e isso é porque as referências são cada vez mais, justificando a diversidade de respostas. No entanto, têm preocupações comuns, e formas de estar e trabalhar comuns. Eu estava só a falar da escola do Porto mas penso que se ampliares isto para o país, as coisas não mudam muito. As referências e figuras emblemáticas são as mesmas. A formação é fundamental e influencia-nos muito em termos metodológicos. Siza, Távora e Souto de Moura são referências importantíssimas, seja no Porto ou em Lisboa, e ainda bem. Eu tenho um enorme fascínio pelos arquitectos dos anos sessenta e setenta do Porto. Se compararmos estes arquitectos com Siza ou Távora apercebemo-nos que todos eles tem metodologias muito próximas. É mais difícil que isto aconteça em países como a França ou a Alemanha. Aqui as pessoas estão muito ligadas o que leva a que partilhem um conjunto de ideias. IO- Não terá sido essa excessiva proximidade que alimentou alguns dos maneirismos existentes?

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NBC- A escola dá-nos uma metodologia, uma forma de pensar as coisas, uma forma de pensar a construção, o sítio, ou o programa. Não creio que os maneirismos sejam alimentados pela escola. Eles dependem apenas de cada um de nós, mas eu nem acho que os maneirismos sejam um problema. Há uma cultura dentro da escola, que vai sendo transmitida, entre professores, entre professores e alunos, e vice-versa. E não se trata de uma cultura que parou no tempo, após seis anos voltei à escola para ser monitor, e as coisas dentro da escola evoluíram muito, portanto ao contrário da ideia de muitas pessoas acho que a escola não parou no tempo. IO- Será que a globalização, e a constantemente falada uniformização da cultura fará desaparecer essa especificidade? NBC- Acho que não. Esse discurso também se inclui na visão catastrófica do presente, de que está tudo mal. Há ciclos, e esses ciclos transformam-se em modas, e as modas, passados uns tempos, chateiam. A globalização é falada em dois planos; num plano mais filosófico, e que rapidamente passa para o plano da moda e se transforma nos maneirismos, nas preocupações epidérmicas. Quem conseguir relativizar isso, e ler as coisas a partir da própria essência do problema, perceberá que pode ser um caminho, mas que é um caminho que tem a ver com um determinado contexto, e não propriamente com um problema global. O Koolhaas, fala no globalismo, e quando te apresenta um projecto fala em Porto, Amsterdão ou Cairo, e isto faz parte do seu próprio raciocínio e que não é transponivél para toda gente. Ele, ao ser globalista, na sua cabeça está fundamentalmente a ser um autor. É uma forma de pensar, é a cabeça dele a pensar sobre o mundo. E, aí, tenho algumas dúvidas que o globalismo seja algo que se possa adequar à cabeça de todas as pessoas. Ele pensa à sua maneira, não sei se me faço entender. São as suas referências. A minha é outra e a tua também. Por isso, quando se faz um concurso, encontramos um conjunto de autores, e cada um tem uma forma específica de pensar as coisas. E quando se escolhe um projecto, não é propriamente por ser globalista ou contextualista mas sim por ser aquele que deu a melhor resposta. A ideia de correntes é falsa. Há autores, sempre houve e por agora continua a haver.

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