revista História e Economia v. 14

June 14, 2017 | Autor: B. Economia | Categoria: Economic History, Historia, Economia
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HISTÓRIA E ECONOMIA - revista interdisciplinar. Brazilian Business School. - v.14, n. 1, (2015). - São Paulo Semestral ISSN 1808-5318 1. História - Periódicos 2. Economia - Periódicos 3. Finanças Periódicos 4. Brasil - Periódicos I. BBS Business School. CCD 330.981

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Expediente História e Economia Revista Interdisciplinar BBS Business School Editor: John Schulz Vice editor: Adalton Franciozo Diniz Secretária geral: Roberta Barros Meira Conselho editorial: Adalton Franciozo Diniz (Faculdade Cásper Líbero;PUC/SP) • André Villela (EPGE/FGV) • Antônio Penalves Rocha (USP) • Carlos Eduardo Carvalho (PUC/SP) • Carlos Gabriel Guimarães (UFF) • Felipe Pereira Loureiro (USP) • Gail Triner (Rutgers University) • Jaime Reis (ICS - Universidade de Lisboa) • John Schulz (BBS) • John K. Thornton (Boston University) • Jonathan B. Wight (University of Richmond) • José Luis Cardoso (ICS - Universidade de Lisboa) • Luiz Felipe de Alencastro (FGV;Sorbonne) • Marcos Cintra (Unicamp) • Pedro Carvalho de Mello (ESALQ) • Renato Leite Marcondes (USP/Ribeirão Preto) • Ricardo Feijó (USP/Ribeirão Preto) • Steven Topik (University of California Irvine) • Vitoria Saddi (INSPER) Agradecimento aos pareceristas externos: Odair da Cruz Paiva –Unifesp; Maisa Faleiros da Cunha – Unicamp; José Murari Bovo –Unesp; Norberto Ferreiras – UFF; Joaquim Miguel Couto –UEM; Carlos Eduardo de Freitas – UFMT; Ricardo Cruz – UFMA; Paulo Roberto de Almeida - Ministério das Relações Exteriores; Reinaldo Gonçalves –UFRJ; Pedro Ramos – Unicamp; Mateus Sampaio – USP; Dora Isabel Paiva da Costa – UNESP; Fabio Luis Barbosa dos Santos – Unifesp; Thiago Cavaliere Mourelle -Arquivo Nacional; Laura Vianna Vasconcellos – UERJ; Marcelo Dias Carcanholo – UFF; Teresa Cristina de Novaes Marques – UNB; Eunice Sueli Nodari –UFSC; Marcos Guedes vaz Sampaio – UFBA; Danilo Enrico Martuscelli – UFFS Projeto gráfico e arte: Meca Comunicação Estratégica Diagramação: Valter Luiz de Freitas Tiragem: 500 exemplares Impressão: Neoband BBS Business School Alameda Joaquim Eugênio de Lima, 739, 8º andar, Jardim Paulista, SP, Brasil Tel. 55 11 3266-2586 – Fax 55 11 3289-3345 [email protected] – www.bbs.edu.br

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Sumário Apresentação O momento de História e Economia The moment of História e Economia Conselho editorial....................................................................................................................................9 Nota do Editor Editor’s note John Schulz.............................................................................................................................................11 Artigos Cuando Su Majestad el Azúcar arribó al Nororiente cubano Rafael Ángel Cárdenas Tauler.................................................................................................................15 Autour des divergences entre un ministre des Finances et les banques d´affaires françaises en Haïti : Frédéric Marcelin face à La Banque Nationale d’Haïti» et la «Banque Nationale de la République d’Haïti» (1880/82-1908/10) Guy Pierre..............................................................................................................................................31 Algumas possibilidades de acumulação fora do mercado da elite imperial brasileira no século XIX (Fazenda Imperial de Santa Cruz, Rio de Janeiro, 1808-1840) Manoela Pedroza.....................................................................................................................................67 Negócios, família e riqueza entre os Barões do charque (Pelotas-RS, c. 1850 - c. 1900) Jonas Moreira Vargas..............................................................................................................................87 Reflexões sobre a configuração hierárquica dos credores nas relações sociais de empréstimos (Rio de Janeiro, 1808 – 1821) Elizabeth Santos de Souza....................................................................................................................107 A ótica do empresariado fluminense sobre o Governo Collor Júlio Cézar Oliveira de Souza...............................................................................................................125 Roteiro para submissão de artigos..........................................................................................153

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O momento de História e Economia The moment of História e Economia

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O País e as Disciplinas

e proporções continentais, o Brasil se fechou em si mesmo ao longo da segunda metade do século 20. A industrialização tardia do País materializada sob a forma de substituição de importações foi o tema dominante nesse período. Durante as últimas duas décadas, entretanto, a visão do Brasil mudou de forma significativa. Tal episódio teve também repercussão na academia, observando um movimento no qual tanto a “esquerda” quanto a “direita” passaram a buscar novas idéias de fora do País. Os historiadores e economistas procuraram entender o mundo inclusive em áreas nas quais o Brasil possuía pouco contato prévio. Atualmente, a Coréa do Sul e a Índia podem ser modelos para o Brasil. Neste ínterim, o Brasil, que liderou o mundo em termos de crescimento econômico por diversas décadas e, recentemente, superou um processo de pré-hiperinflação, tem muito a contar para o mundo. Ao nosso ver, História e Economia é um fórum multilinguístico para estudiosos brasileiros e de outros países. Também entendemos que esta revista é uma forma na qual os pesquisadores do Brasil podem expressar suas experiências a acadêmicos e demais interessados no exterior. Os estudos interdisciplinares estiverem em voga, no mínimo a partir da publicação dos Annalles em 1929. Os historiadores, em sua grande maioria, apesar de serem influenciados

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The Country and the Disciplines

f continental proportions Brazil looked predominantly inwards throughout most of the second half of the twentieth century. Import substitution and autarky dominated thinking accross the political spectrum. Over the past two decades, the outlook changed dramatically with both the “left” and the “right” searching outside for new ideas and for material fulfillment. Historians and economists seek to understand the world including areas with which Brazil had little previous contact. Today South Korea and India may be role models and are at least “benchmarks” for Brazil. Meanwhile Brazil, which led the world in economic growth for a number of decades, and which recently overcame near hyperinflation, has something to tell the rest of the world. We view História e Economia as a multilingual forum for both Brazilian and international scholars. We also see our journal as a means by which Brazilian researchers communicate the Brazilian experience to academics and other interested parties abroad. Interdisciplinary studies have been in vogue at least since the appearance of the Annales in 1929. In practice, historians, although influenced by ideas from many fields, rarely undertake research in conjunction with scholars trained in other disciplines. Collective studies tend to be by groups of historians. Brazil

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por idéias de áreas distintas, raramente produziram trabalhos em co-autoria com acadêmicos de outras disciplinas. Esforços coletivos tendem a incluir apenas historiadores. Esta revista pretende ser um fórum de propagação de idéias inovadoras de historiadores e economistas. De fato, o Brasil tem um grande número de economistas cujos trabalhos de história econômica possuem reconhecimento internacional e contribuíram para o avanço da história. Tal tradição teve início nos anos 50 com Celso Furtado, senão antes. Assim, usando da credibilidade desses acadêmicos brasileiros, o intuito da revista é o de estimular a pesquisa e a comunicação por acadêmicos das duas disciplinas. A revista abarca três áreas: história econômica geral, história financeira e história das idéias econômicas. Em história financeira incluímos moeda, instituições e instrumentos financeiros e finanças públicas. A história das idéias econômicas abrange as adaptações que economias, como as do Brasil e de Portugal, terminaram por implementar no pensamento econômico tradicional. Será por meio do encontro entre história e economia e do Brasil com o mundo que esta revista deverá fazer sua contribuição. Conselho editorial

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has a large number of outstanding economists whose work on economic history is recognized around the world. This tradition started with Celso Furtado in the fifties if not earlier. We intend to take advantage of this existing situation to encourage research and communication by scholars of both disciplines. História e Economia dedicates itself to three areas: General Economic History, Financial History and the History of Economic Ideas. Within Financial History we include money, financial institutions and instruments, and public finance. The History of Economic Ideas encompasses the adaptations that relatively backward economies, such as Brazil and Portugal, have made of economic thought from the “advanced” countries. It is on the intersections of history and economics and of Brazil and the world where we wish to make our contribution. Editorial board

Nota do editor Editor’s note

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s últimos 12 meses testemunharam retrocessos na democracia na América Latina, principalmente na Venezuela, que tem reinstituído a prática de presos políticos. Por outro lado, Cuba, a ditadura mais antiga da região, parece lentamente estar se movendo na direção da democracia, embora presos políticos e tortura aparentemente persistem. Estamos extremamente satisfeitos, portanto, por apresentar um artigo de um historiador cubano, Rafael Angel Cardenas Tauler, sobre a indústria açucareira pré-Castro. Este trabalho discute as dificuldades enfrentadas pela sociedade cubana num momento em que os plantadores brasileiros invejavam os seus homólogos cubanos por sua proximidade com o mercado dos Estados Unidos. Também no Caribe, na virada do século XIX para o século XX, temos a avaliação de Guy Pierre sobre o ministro das Finanças haitiano Frederic Marcelin, que teve um relacionamento muitas vezes conflitantes com os bancos franceses. Esta parte destaca a importância dos franceses como credores internacionais, competindo com êxito contra os britânicos, americanos e alemães em uma ampla gama de mercados da Rússia até o Caribe. O estudo de Manoela Pedroza lida com a questão de como os plantadores acumulavam recursos para estabelecer seus campos de café na província do Rio de Janeiro durante o século XIX. O argumento central da Professora Pedroza é que o Estado brasileiro fornecia muitas, se

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he past 12 months have witnessed setbacks for democracy in Latin America, most notably in Venezuela which has re-instituted the practice of political prisoners. On the other hand, Cuba, the oldest dictatorship in the region, seems slowly to be moving in the direction of democracy although political prisoners and torture apparently persist. We are extremely pleased, therefore, to present an article by a Cuban historian, Rafael Angel Cardenas Tauler, on the sugar industry pre-Castro. This work discusses the difficulties faced by Cuban society at a time when Brazilian planters envied their Cuban counterparts for their proximity to the United States market. Also on the Caribbean at the turn of the nineteenth to the twentieth century, we have Guy Pierre´s evaluation of Haitian finance minister Frederic Marcelin´s often conflicting relationship with the French banks. This piece highlights the importance of the French as international lenders, competing successfully against the British, Americans, and Germans in a wide range of markets from Russia to the Caribbbean.   Manoela Pedroza´s study deals with the question of how planters accumulated resources to establish their coffee fields in the province of Rio de Janeiro during the nineteenth century. Central to Professor Pedroza´s argument is that the Brazilian state provided many, if not most, of the properties for free to the “friends” of the

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Nota do editor

não a maioria, das propriedades de graça para os “amigos” do imperador e do governo. O acesso à terra sem custos facilitou muito o estabelecimento das plantações que exigiam financiamento basicamente apenas para a compra de escravos. Embora eminentemente injusto, o sistema de concessões de terras trouxe um aumento da produção do café mais rápido do que um sistema de vendas de terras teria. Jonas Moreira Vargas examina a elite dos fazendeiros de charque na cidade de Pelotas, província do Rio Grande do Sul, durante a segunda metade do século XIX. Esses fazendeiros tiveram os fazendeiros de café do Vale do Paraíba e do Oeste de São Paulo, bem como os usineiros do Nordeste, que compraram charque por seus escravos, como os seus principais clientes. O Professor Vargas analisa a riqueza dos fazendeiros, bem como sua relação com a sociedade durante a transição da escravidão para o trabalho livre. Nossos dois artigos finais são concernentes ao Rio de Janeiro. Elizabeth Santos de Souza discute as práticas de crédito nesta cidade durante a regência e o reinado de D. João VI de 1808 a 1821. Para além do capital controlado pelo governo através do Banco do Brasil, não haviam muitas operações bancárias, assim muito do crédito veio de indivíduos. Mesmo sem instituições, um mercado de crédito altamente desenvolvido forneceu relativamente fácil acesso a ambos os empréstimos comerciais e de consumo. O trabalho de Júlio Cézar de Souza Oliveira abrange as atividades da FIRJAN (Federação das Indústrias do Rio de Janeiro) durante o governo Collor. Geralmente favorável às iniciativas econômicas do Presidente Collor, incluindo as tarifas mais baixas sobre as importações, privatizações, novas formas de financiamento, e as relações de trabalho colaborativos, os industriais do Rio de Janeiro navegaram com cuidado durante a crise 12

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emperor and the government. Free land greatly facilitated the funding of the plantations which required financing basically only for the purchase of slaves. Though eminently unfair, the system of land grants brought coffee into production faster than a system of sales would have. Jonas Moreira Vargas examines the elite of jerked beef ranchers in the town of Pelotas, province of Rio Grande do Sul, during the second half of the nineteenth century. These ranchers had the coffee planters of the Paraiba Valley and of Western São Paulo as well as the  sugar mill owners of the Northeast, who purchased jerked beef for their slaves, as their major customers. Professor Vargas analyzes the wealth of the ranchers as well as their relationship to society during the transition from slavery to free labor.     Our final two articles concern Rio de Janeiro. Elizabeth Santos de Souza discusses credit practices in this city during the regency and reign of João VI from 1808 to 1821. Other than the government-controlled Banco do Brasil, there were no banks operating at this time so much of the credit came from individuals. Even without institutions, a highly developed credit market provided relatively easy access to both commercial and consumer loans. Júlio Cézar Oliveira de Souza covers the activities of the FIRJAN (the Federation of Industries of Rio de Janeiro) during the Collor government. Generally favorable to President Collor´s economic initiatives, including lower tariffs on imports, privatizations, new forms of finance, and collaborative labor relations, the industrialists of Rio de Janeiro navigated with care during the crisis that led to Collor´s impeachment. The industrial association attempted to retain good relations with governments under most circumstances, but Collor´s weakness created special concerns.

que levou ao impeachment Collor. A associação industrial tentou manter boas relações com governos na maioria das circunstâncias, mas a fraqueza do então presidente Collor gerou preocupações especiais.

 

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Cuando Su Majestad el Azúcar arribó al Nororiente cubano… Rafael Ángel Cárdenas Tauler Profesor titular Universidad de Holguín Oscar Lucero Moya, Cuba [email protected]

Resumo La irrupción de la modernidad en Cuba avanzó de la mano de la industria azucarera desde los albores del siglo XIX y ese proceso experimentó su mayor impulso en el XX. Esta sinergia prevaleció inicialmente en las regiones occidentales de la Isla, favorecidas por factores históricos cuyas ventajas les habían sido secularmente negadas a sus homólogas centro-orientales. No fue hasta el comienzo del segundo siglo mencionado en que estas últimas experimentaron el efecto modernizador de la industrialización azucarera en su plenitud. El carácter específico de estas regiones y la naturaleza distinta de este segundo impulso modernizador, implicaron que el proceso de modernización estructural de base azucarera adoptara rasgos inéditos hasta entonces, y la región de Holguín no constituiría una excepción. En ella, la localidad de Gibara, bajo la égida del capital comercial hispánico, había desarrollado la economía de plantación azucarera y monopolizado los efectos de la modernidad durante el siglo XIX. En las dos primeras décadas del siguiente siglo, ese proceso se expandió por toda la región impulsado por el capital financiero estadounidense y el capital doméstico. El fomento del monocultivo azucarero incitó la proletarización de la fuerza de trabajo, la apropiación latifundiaria de la tierra, el despliegue de la infraestructura de transporte y comunicaciones, la importación de tecnologías, la expansión del mercado interno y la consolidación de los vínculos regionales con los mercados nacional y mundial.

Abstract Cuba’s arrival into modernity progressed together with the sugar industry starting at the dawn of the XIXth century and accelerating in the XXth. The rise of sugar began on the Island’s western regions, favored by historical factors whose benefits had been traditionally denied to the central-eastern provinces. It was not until the beginning of the last century when the latter fully experienced the modernizing effect of sugar industrialization. The specific character and the different nature of this second modernizing surge, implied that the sugar-based modernizing process should adopt traits unheard-of prior to that moment, and the Holguin region would not be an exception. Within the region, Gibara, run by Spanish commercial capital, had developed a sugar plantation economy that monopolized the effects of modernity during the XIXth century. During the two first decades of the next century, that process, encouraged by American and domestic financial capital, branched throughout the region. The development of the sugar monoculture was accompanied by impoverishment of labor, the appropriation of land by the big estates owners, the development of the transport and communications infrastructure, the importation of technologies, the enlargement of the internal market, and the strengthening of the region’s ties with the national and world markets.

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Cuando Su Majestad el Azúcar arribó al Nororiente cubano

1. ¿Una modernidad con los colores cubanos?

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l problema de conceptualizar la modernidad reviste no poca complejidad, hecho atribuible a que su definición es tan variada como lo son las perspectivas ideológicas e historiográficas desde las cuales se le interpreta. No obstante, en los medios científicos y académicos internacionales prevalece el enfoque proclive a presentar la civilización moderna como un trasunto de la eurooccidental y a identificarla con el capitalismo, la sociedad laica, el progreso científico, el régimen político parlamentario, las ideas democráticas, el maquinismo industrial y la construcción de imperios coloniales y neocoloniales. En este sentido, resulta especialmente sugestiva la reflexión de Acanda (2007), quien considera que a la modernidad le son inherentes, como nexos esenciales, el protagonismo del mercado en la estructuración de las relaciones sociales, la construcción de los vínculos interpersonales según el modelo de las relaciones económicas, el predominio de las relaciones contractuales interindividuales como instrumento de dominación capitalista y desacralización del orden feudal, y la instrumentalización del concepto de democracia en tanto entramado normativo e institucional por medio del cual el poder limitado se deposita en agentes de la burguesía. En lo concerniente a nuestra propia experiencia histórica en ese terreno tan versátil, considero manifiestamente acertados los criterios de Fraginals (1978) e Ibarra (2008). El primero demostró que en Cuba la economía plantacionista, en su despegue y desenvolvimiento, configuraría el complejo económico-social del azúcar constituido por las fuerzas productivas, las relaciones de producción y las manifestaciones superestructurales que componen, en conjunto, el universo

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azucarero; en tanto que el segundo argumentaba que Cuba accedió a la modernización por la avenida de la economía de plantación azucarera, fenómeno que consiste esencialmente en un sistema productivo fundamentado en la exacción de plusvalía que integra las fases de cultivo, procesamiento industrial y comercialización de una materia prima agrícola, y cuyo producto está destinado al mercado mundial con el propósito de obtener ganancias capitalistas, lo cual diferenciaría irremisiblemente a la hacienda azucarera de la señorial en la declinación del siglo XVIII y a lo largo de la siguiente centuria. El cónclave historiográfico cubano-estadounidense (Guerra, 1925 y 1940; White, 1954; Jenks, 1962; Ely, 1964; Pino-Santos, 1972 y 1984; Le Riverend, 1974; Zanetti y García, 1976 y 1987; Fraginals, 1978; Ibarra, 2008; Iglesias, 1999; Sedeño, 2003; Zanetti, 2006, 2009 y 2012; Rodríguez, 2007) dedicado a escudriñar en los procesos socioeconómicos que pautaron nuestra evolución histórica, concurrió en la construcción de una exégesis según la cual la dinámica del complejo económico-social del azúcar concitó la modernización de la estructura económica insular, en una sinergia cuyo movimiento progresivo se reflejaría en los grados de elaboración del azúcar, las dimensiones de la reproducción ampliada de las unidades agro-industriales, la construcción de la infraestructura ferroviaria y portuaria, la naturaleza de los vínculos con el mercado mundial en general y el norteamericano en particular, las formas de exacción de la plusvalía, y los desplazamientos en las estructuras socioclasista y demográfica. Oscar Zanetti Lecuona (2006) aportaría otro hito en la conceptualización de una modernidad con los colores cubanos cuando se refirió a la vertebración de un paradigma de modernización insular que transitaría desde su forma colonial del siglo XIX a una neocolonial en el

siguiente siglo, en un proceso cuyo contenido estaría determinado por el discurrir de la industria azucarera a través de diversos contextos histórico-concretos. La modernización de signo colonial contribuyó a profundizar la heterogeneidad estructural en el sistema regional cubano, por cuanto restringió su movimiento expansivo a las regiones habanero-matancera y las costeras villareñas de Trinidad, Cienfuegos, Sagua la Grande y Remedios, en tanto que su avance hacia las regiones centro-orientales resultó contenida por la solidez de sus relaciones de propiedad agrarias precapitalistas. Por otra parte, el sistema de explotación rentista aplicado por la metrópoli española admitió y favoreció un espacio para el desarrollo de la burguesía criolla occidental y no se interesó particularmente en la generalización de la experiencia plantacionista azucarera en la colonia. En la República burguesa, por el contrario, la recomposición del orden oligárquico hispano-cubano-estadounidense bajo la tutela oficial de EE. UU., favoreció la ubicuidad del monocultivo azucarero en la división interregional cubana del trabajo, y en los marcos de este sistema la hegemonía del capital financiero estadounidense sobre los principales medios de producción y circulación coartaría la factibilidad del desarrollo de un capitalismo de estirpe nacional. Estas generalizaciones, sin embargo, no pueden soslayar una premisa histórica sobre la que llamara la atención Juan Pérez de la Riva (1968) cuando expuso su teoría sobre la yuxtaposición de las Cubas A y B, diferenciadas por las particularidades de sus desarrollos histórico-concretos, en el proceso formativo regional cubano; circunstancia que impondría la diversidad en la evolución socioeconómica, sociocultural e ideopolítica de las diferentes unidades que componen el sistema regional cubano. Y es precisamente esta cuestión nodal la que explica las particularidades del proceso de modernización estruc-

tural de base azucarera en la región histórica de Holguín. Dicha región constituye el ángulo nororiental de Cuba y se extiende, de Norte a Sur, entre el Atlántico y el río Cauto, y de Este a Oeste, entre las bahías de Banes y Nipe y la línea divisoria con Las Tunas. En tanto región histórica está integrada por las localidades de Holguín, Banes, Puerto Padre y Gibara, siendo la primera la más significativa en lo que concierne a capacidad superficial, demografía y riquezas naturales bajo explotación y con potencial para estarlo. A la región holguinera le correspondió ser uno de los espacios geohistóricos determinantes en la historia económica insular por sus recursos naturales, económicos y laborales. El abordaje primigenio del mencionado proceso en el Nororiente insular se debe a autores de la llamada historiografía nacional (Zanetti y García et al, 1976) y de la academia suroriental (Figarola, 1976), pero estos limitaron sus objetos de estudio al accionar de la United Fruit Company y su impacto multifacético en las comunidades bajo su control desde Banes hasta Mayarí. En lo que respecta a la historiografía local, el tema se mantuvo silenciado hasta la culminación de la tesis de doctorado (2010) del autor del presente artículo y su posterior publicación como libro por una editora holguinera en el 2014. El estudio en cuestión está dedicado al análisis sucinto de las particularidades que revistió ese proceso de trascendental significado para nuestra historia económica, y este trabajo se propone acometer una presentación sucinta de las mismas. Finalmente, antes de desarrollar mi exposición, quisiera compartir con mis posibles lectores dos ideas que recorrerán transversalmente el texto: si la noción de “milagro económico”, tan en boga en nuestros días, tuviera connotaciones ajenas al mito, entonces, tal vez, pudiera con-

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ceptuarse como tal la experiencia socio-histórica vivida por la población del Nororiente insular en el transcurso y como efecto del proceso de industrialización azucarera que tuvo lugar en esta región entre 1899 y 1920; y fue también una demostración fehaciente de cómo el Progreso y la Penuria pueden hermanarse en la Modernidad…

2. Gibara: zona de refugio de la modernidad en el Nororiente insular durante el siglo XIX La inmersión de la región de Holguín en el proceso de modernización estructural de base azucarera experimentado por la Isla desde el ocaso del siglo XVIII, se produjo en dos etapas: una temprana, ubicada en la segunda mitad del siglo XIX, y otra tardía, enmarcada en el período que se extiende entre 1899 y 1920. La evolución de la zona de Gibara hacia su transformación en el polo azucarero de la región nororiental de Cuba en el siglo XIX, experimentó un poderoso impulso a partir de las estrategias metropolitanas hispánicas dirigidas a crear un puesto fortificado en su litoral para protegerlo de las incursiones enemigas desde el exterior, combatir el contrabando a través del mismo, y fomentar la agricultura y el comercio en éste y el hinterland. Estos imperativos políticos se concretaron en la fundación de la Villa de Gibara en 1817, la autorización concedida a su puerto, junto a otros ocho de la Isla, para practicar el libre comercio según la Real Cédula del 10 de febrero de 1818, la habilitación de su puerto el 14 de abril de 1826, y la radicación en el mismo desde 1829 del Distrito de Marina de ese nombre, administrado por el Ayudante de Marina y Capitanía quien ejercería su autoridad aduanera desde la bahía de Nipe hasta Punta de Mangle. Como efecto, dicha zona obtuvo un elevado grado de autonomía económica y político-administrativa en los marcos de la hegemonía de la ciudad ca-

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becera de Holguín. Los capitales hispánicos y británicos ocuparon una posición prominente en la consolidación del puerto de Gibara como eje del mercantilismo regional decimonónico, por cuanto el mismo operó hasta mediados del siglo XIX como nexo entre los comerciantes de las colonias caribeñas de Las Bahamas y Saint Thomas, por una parte, y los mercados del Oriente cubano, Puerto Rico y Santo Domingo, por la otra. Fue a partir de 1854, una vez establecido el comercio de cabotaje, que La Habana comenzaría a surtir de productos importados a la región utilizando para ello la dársena gibareña. Una parte importante de los capitales acumulados por esta vía fueron canalizados hacia el fomento de una economía de plantación azucarera en el área rural gibareña. En 1866, aquella estaba representada por cinco ingenios que operaban con máquinas de vapor y 26 trapiches movidos por la fuerza de sus boyadas. Las fincas azucareras, en general, se caracterizaban entonces por el bajo aprovechamiento de su tierra, el empleo del tren jamaiquino en la elaboración del dulce, la incapacidad del monocultivo cañero para desarraigar la economía pecuaria, la explotación de pequeñas dotaciones de esclavos y las producciones y la percepción de utilidades de escasas magnitudes. Ocho de estas unidades agro-industriales exportaban sus elaboraciones a través del puerto de Gibara tras un recorrido en carretas y por el río de ese nombre, en tanto que las demás se limitaban a surtir de raspadura al mercado interno. La guerra de independencia de 1868-1878 dilató aún más la grieta originada entre las zonas holguinera y gibareña a raíz del advenimiento de la economía de plantación azucarera en esta última. La Villa de Gibara se transformó en la segunda plaza fortificada de Cuba con la participa-

ción decisiva del capital comercial español, y la zona en general devino en baluarte regional del integrismo en tanto que la de Holguín se señalaba como uno de los focos de la rebelión. Tal dualidad implicaba que a la dimensión económica de la polarización en las relaciones holguinero-gibareñas, se agregaría en lo sucesivo la política. Esta circunstancia le valió a esa zona que las autoridades coloniales le dispensaran especiales favores expresados, por una parte, en su reconocimiento como jurisdicción en 1872, y por otra en la preservación de su monopolio regional sobre la producción y exportación del dulce y sus derivados mediante exenciones tributarias y franquicias arancelarias para su proceso de transición del ingenio al central azucarero, en tanto se negaban a admitir similares concesiones para las sociedades extrarregionales que aspiraban a invertir en el fomento del monocultivo cañero en las tierras en torno a la bahía de Nipe en 1878 y 1880. Entre 1878 y 1895, a través del puerto de Gibara se exportaron tabaco torcido, en rama y picado, azúcar mascabado y centrifugado, aguardiente, miel de purga, café, yarey y productos de la apicultura hacia EE. UU., España y otros siete países europeos; y se importaban alimentos procesados, manufacturas, herramientas y combustible desde España, Inglaterra y Puerto Rico. Este flujo mercantil fue monopolizado por las seis mayores casas comerciales hispanas radicadas en la villa y la Empresa de Vapores de las Antillas y Transportes Militares Sobrinos de Herrera. Las dinámicas azucarera y mercantil no podían menos que repercutir en la infraestructura de transporte y comunicaciones. El 27 de diciembre de 1881, el Gobernador General de la Isla hizo la concesión para la construcción y apertura al uso público del Ferrocarril de Gibara-Holguín a una

empresa en la que fungían como accionistas las principales sociedades mercantiles hispano-gibareñas, y ese medio de transporte mecanizado estaría operativo a partir de 1893 con la finalidad de facilitar el acceso de la villa al mayor mercado regional, y de trasladar hacia el puerto las producciones agrícolas obtenidas entre ambos destinos. En 1895, las líneas telegráficas de la jurisdicción gibareña se bifurcaban desde su villa rectora hacia la ciudad de Holguín, Fray Benito (predio del central Santa Lucía, el más importante del Nororiente insular), Uñas y Auras, comprendiendo en este último recorrido al área de actividad de las demás unidades agro-industriales. Como reflejo de este fenómeno de relativa bonanza, la población de Gibara, que descendiera sostenidamente entre 1823 y 1846, experimentaría un crecimiento del 232,3 % entre 1858 (6 702 habitantes) y 1882 (22 268). Sin embargo, la expansión de la economía de plantación azucarera resultó contenida en el perímetro gibareño. El arraigo en el agro del hinterland —superior en área, recursos naturales y demografía— de relaciones de producción precapitalistas sustentadas en el sistema de haciendas comuneras y la ganadería extensiva, negaría espacios a la agricultura comercial en gran escala. A este escenario rural le eran consustanciales la inmovilidad y la improductividad de la propiedad rústica, la descapitalización de las actividades económicas, el pobre desarrollo de las relaciones de cambio, la inexistencia de una fuerza de trabajo susceptible de explotación asalariada y la ausencia de una red ferroviaria y portuaria. El status de la hacienda ganadera patriarcal como base del poder económico y político de la oligarquía terrateniente criolla, y la inoperancia de los instrumentos jurídicos proyectados hacia una reforma consensual del régimen de tierras vigente, confirieron estabilidad y permanencia a esta problemática situación. História e Economia Revista Interdisciplinar

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Cuando Su Majestad el Azúcar arribó al Nororiente cubano

La cabal comprensión de la magnitud del estrago de la guerra revolucionaria de 1895-1898 en la región holguinera, impone primeramente una visión panorámica de sus secuelas. Al término de la contienda, la cantidad de tierra cultivada (1 833,85 caballerías) equivalía al 59,5 % de la de 1895 (3 084,05 caballerías), y al 8 % del área total (23 021,12 caballerías) de sus 5 584 fincas rústicas. A fines de 1899, únicamente se habían localizado 791 cabezas de ganado mayor en el Término Municipal de Holguín, y en el siguiente año esa cantidad engrosaría tan sólo en otras 262. Las implicaciones de esta violenta coyuntura para la estructura socio-clasista holguinera y el futuro de la región en general quedaban completamente a la vista: había sido devastada la base económica agropecuaria de los terratenientes ganaderos que hegemonizaban en el hinterland, se aceleró la depauperación del pequeño campesinado, y la riqueza residual fue transferida a las manos del capital comercial de Gibara y Holguín, escenario este que contenía en potencia la posibilidad de expansión irrestricta de la industria azucarera bajo el control de la burguesía doméstica local.

3. 1900-1920: dos décadas decisivas en la historia económica holguinera Con los factores de carácter regional anteriormente expuestos confluirían otros de dimensiones nacionales — la promulgación de la ley de deslinde de las haciendas, hatos y corrales y la ley de los ferrocarriles de 1902, y las de inmigración y colonización de 1906, 1913 y 1917, destinadas a favorecer la explotación irrestricta de las riquezas naturales de la Isla por los capitales doméstico y estadounidense— para incitar el proceso de industrialización azucarera que engolfó a la región holguinera entre 1899 y 1920. Dicho proceso implicó que la producción y exportación de azúcar, una materia prima agrícola industrial-

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mente procesada, se convirtiera en el nexo fundamental de Holguín con el mercado mundial y dentro de la división nacional del trabajo, y ello significaría, paralelamente, su inmersión en el sistema económico monoproductor, monoexportador, pluriimportador y dependiente del mercado estadounidense consustancial a dicho nexo. La industrialización azucarera del Nororiente insular procedería en dos momentos: el primero, situado entre 1901 y 1912, y el segundo entre 1915 y 1919. La necesidad de esta periodización se justifica por el hecho de que, pese a compartir un contenido común (el proceso de modernización estructural de base azucarera regional), ambos momentos se diferenciarían formalmente por los intereses clasistas dominantes en uno y otro: el primero llevaría la impronta de las estrategias corporativas del capital financiero estadounidense, y el segundo sería la temporada de cosecha del capital doméstico holguinero. El período de 1901 a 1912 se definiría por la construcción de grandes unidades agro-industriales por compañías azucareras gestionadas por el capital financiero estadounidense ?los centrales ”Chaparra” (1901) y “Delicias” (1910) fundados por The Cuban American Sugar Company en Puerto Padre, “Manatí” (1911) y “Jobabo” (1912) en Las Tunas por The Manati Sugar Company y The Cuba Railroad Company respectivamente, y “Boston” en Banes (1901) y “Preston” (1903) en Mayarí por United Fruit Company?, que aprovecharon para afianzarse en vastos espacios del litoral la devastación causada por la última guerra independentista y el problemático deslinde de las haciendas comuneras. El destino del central pionero de la región, el Santa Lucía, fluiría en la misma dirección pues en 1907 fue adquirido por The Santa Lucia Sugar Company, sociedad anónima con su capital accionista controlado por representantes del capital financiero norteño ? aún cuando mantuvieron a la sucesi-

ón cubana de su fundador español Rafael Lucas Sánchez Gil en la Junta Directiva?. Las compañías azucareras estadounidenses desplegaron estrategias corporativas similares en su esencia, que previeron y lograron la expansión incesante, la tecnificación intensiva, y el control indisputable de las fuerzas productivas y la infraestructura de transporte y comunicaciones terrestre y marítima implicadas en las fases agrícola, industrial y mercantil de la producción azucarera. Esta experiencia acarreó asimismo la modelación del entorno geográfico, socioeconómico y político-administrativo, de sus unidades agro-industriales. De ese ejercicio monopólico se derivaron relaciones de sometimiento de los campesinos, jornaleros, colonos, comerciantes y órganos locales de gobierno situados en la esfera de influencia de los centrales, respecto a los intereses de estos últimos. El período de 1915-1919 de la industrialización azucarera regional se identificaría por el empeño inversionista aunado del capital comercial y ganadero hispano-cubano y en menor proporción del financiero norteamericano, en el fomento de centrales en los espacios meridionales y orientales de Holguín ?los centrales “Cupey” (1915), “Marcané” (1915), “Rey” (1916), “Canarias” (1917), “Tacajó” (1917) “Cacocum” (1918) y “Báguanos” (1919), fundados respectivamente por The Cupey Sugar Company, Andrés Duany, Compañía Azucarera Central Rey, Compañía Azucarera Central Canarias, Tacajó Sugar Corporation, Compañía Azucarera Central Cacocum y Compañía Azucarera de Báguanos?, una empresa atrevida pero factible si se tiene en cuenta que el capital doméstico no haría más que cosechar los beneficios de su hegemonía sobre la mayor parte de la propiedad agraria del hinterland, el trayecto del Ferrocarril Central construido por la empresa estadounidense The Cuba Company (luego The Cuba Railroad Company),

la emergencia del puerto de Antilla sobre la bahía de Nipe y la espléndida coyuntura azucarera deparada por la primera conflagración mundial. Sin embargo, estas unidades agroindustriales adolecerían de insuficiente capacidad de capitalización, y se verían asimismo obligadas a desarrollar sus operaciones en tierras deslindadas y ocupadas por hacendados ganaderos, alta clase media y comerciantes hispano-cubanos así como por terratenientes estadounidenses y canadienses, quienes compartían un interés común en participar de las ganancias azucareras. Estas premisas generaron una intensa concurrencia por las fuentes de financiamiento y la tierra, a la que le fueron inherentes las siguientes dinámicas: a) El acceso de las compañías azucareras a una tierra previamente ocupada por las clases hegemónicas locales excluyó la coacción e impuso el compromiso como forma de interacción, del que se derivaría la conciliación de sus intereses económicos materializada en los contratos de compraventa y arriendo. b) Las compañías azucareras dependerían de los intereses de The Cuba Railroad Company y de los propietarios a través de cuyas fincas tenderían sus ramales ferroviarios, para el movimiento de sus producciones e insumos. c) La financiación de la industria azucarera constituiría una empresa conjunta del capital comercial y ganadero hispano-cubano de la región, el capital financiero norteamericano y la banca canadiense-hispano-cubana. d) Las compañías azucareras, privadas del control sobre el capital, la tierra y la infraestructura ferroviaria, fundarían sus relaciones con los terratenientes en general y sus colonos en particular en estrategias flexibles, definidas por las significativas concesiones realizadas a estos en

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materia de derechos y obligaciones. Esta compleja trama forzaría a los centrales de la zona de Holguín a distribuir considerables proporciones de sus utilidades, lo que afectaría la magnitud de sus tasas de ganancias y su capacidad para la acumulación de capital y la reproducción ampliada, circunstancia que les impediría trascender su calidad de unidades agro-industriales menores. La industrialización azucarera desató cambios estructurales en la dirección de la modernización. Una de las legislaciones impuestas por las autoridades de la primera intervención norteamericana que tuvo mayor impacto socioeconómico, fue la aplicación de la Orden Militar no. 62 del 5 de marzo de 1902 o Ley de División y Deslinde de Haciendas, Hatos y Corrales, que se tradujo en la región holguinera y las zonas aledañas y satélites de Las Tunas y Mayarí en la demolición de 45 haciendas comuneras con una capacidad superficial ascendente a 32 324 caballerías en 35 de ellas y valoradas en 57 938 pesos de posesión en las otras diez1. Menos del 60 % de los 7 539 condueños originalmente reportados fueron reconocidos como propietarios legítimos, y de estos 363 (poco más de la décima parte) se apoderaron de casi la mitad de la tierra deslindada, en tanto que nueve empresas extranjeras (siete estadounidenses, una británica y una alemana) hacían otro tanto con el 35,7 % , lo que dejaría al campesinado pequeño y medio confinado en el 14,7 % restante, atenazado entre las grandes propiedades que controlaban los accesos a las fuentes de agua, los caminos y las vías férreas. En la práctica, esta ley obraría en el Nororiente cubano como una reforma agraria de carácter burgués que posibilitaría, sincrónicamente: el despliegue del latifundio azucarero aún cuando preservando amplios espacios para la práctica de la ganadería intensiva; la transferencia de la

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parte leonina de la propiedad agraria al capital doméstico y a las compañías azucareras estadounidenses; y el aceleramiento de la proletarización del pequeño campesinado, lo que a su vez generaría el ejército de desocupados de reserva requerido por la reproducción ampliada de la industria azucarera y las producciones primarias alternativas representadas por la ganadería, el cultivo de frutos menores, la minería y las explotaciones forestales. Amerita en este punto una atención especial por su impacto nefasto en la sociedad moderna holguinera, la gravedad de la depauperación campesina en la región y las zonas de Mayarí y Las Tunas, fenómeno que se expresa en el hecho de que el número de los desocupados en el grupo etáreo de 18 años y mayores, aún cuando descendió de 20 305 a 15 189 entre 1899 y 1907, se remontaba a 71 090 en 1919; lo cual implica que las proporciones de desempleados por ocupados en alguna actividad económica fluctuarían entre uno por uno y uno por tres. La segunda pragmática del período de ocupación militar estadounidense que trascendería en la historia social cubana sería la Orden Militar no. 34 del 7 de marzo de 1902 o Ley de Ferrocarriles la cual, en el contexto holguinero, resultó determinante para la construcción de su infraestructura ferroviaria, pues los ramales de los diferentes centrales convergieron para articularse con las vías del Ferrocarril Central en su trayecto por la región desde su línea divisoria oriental con Las Tunas hasta su frontera meridional con Palma Soriano. Uno de sus ramales lo vincularía con la ciudad de Holguín a la altura del poblado de Cacocum, lo cual realzaría el significado socioeconómico y político-administrativo de esa urbe a escalas regional, provincial y nacional. Por su parte, la empresa del Ferrocarril Holguín-Gibara, luchando por mantenerse en la concurrencia por el mercado del transporte de cargas y

pasajes, tendió un ramal que lo uniría con el ferrocarril de The Cuban American Sugar Company en Puerto Padre. Paralelamente y siempre en función del fomento del monocultivo azucarero, fueron potenciados los puertos de Vita (Gibara), Puerto Padre, Banes y Mayarí, y emergieron los de Manatí, Cayo Juan Claro o Carúpano (Puerto Padre) y Antilla. Estas dinámicas, tomadas en conjunto, configurarían la infraestructura ferroviaria y portuaria regional, devenida en componente axial para la vertebración y operatividad de la estructura económica redimensionada. Los elementos anteriores, asociados al crecimiento demográfico - 73 347 habitantes en 1899 y 187 650 en 1919 para un crecimiento relativo de 155,83 %, imputable ante todo a la reproducción vegetativa de la población rural y en menores proporciones a las inmigraciones hispánica, antillana y de otras procedencias -, convergieron en la expansión de las relaciones mercantiles. Se constituyeron 441 sociedades mercantiles, 3 388 comercios pequeños y medianos y 320 talleres manufactureros. Abrieron sus operaciones 16 bancos y firmas aseguradoras con capital predominantemente español, seguido en orden de importancia por el canadiense, el cubano y el estadounidense. El comercio de cabotaje se especializaba en la exportación de productos agrícolas ?ganado, frutos menores y madera?, y la importación de alimentos procesados y bienes de consumo duradero. Una red de 18 casas consignatarias españolas, cubanas, británicas y norteamericanas, se ocupaba del trasiego mercantil entre diez puertos y siete embarcaderos holguineros por una parte y los puertos de Manatí, Santiago de Cuba, Sagua de Tánamo, Baracoa, Guantánamo, Nuevitas, Caibarién, Cárdenas, Matanzas y La Habana por la otra. El abastecimiento mayorista y minorista de

las mercancías se consumaría a través de 584 tiendas mixtas, 1 391 bodegas, 1 258 tiendas de víveres y frutos del país, 148 carnicerías y los mataderos de las municipalidades. En el espacio económico azucarero y la ciudad de Holguín, la numerosa población flotante generó 110 hospedajes de diversa índole y 395 fondas, cantinas y establecimientos análogos. En 1899, por cada seis habitantes ocupados en algún tipo de actividad económica, uno lo estaba en el comercio, el transporte y las manufacturas; 20 años más tarde esa proporción era ya de tres por uno. Empero, el proceso evolutivo de las relaciones mercantiles se desplegó inficionado por factores adversos que conllevaron la disolución, venta o embargo para enjugar deudas hipotecarias de 536 sociedades y comercios de todo tipo entre 1900 y 1920, cifra equivalente aproximadamente a la séptima parte de los negocios abiertos en ese período. Entre esos factores estuvieron presentes: a) Las altas tasas de interés del crédito comercial y refaccionista, fluctuantes entre el 12 % y el 25 %, fenómeno imputable a la gran demanda de capitales generada por el proceso modernizador de base azucarera y la insuficiente oferta del mismo. b) La depresión de la demanda solvente provocada por la depauperación del pequeño campesinado y la incapacidad de los sectores secundario y terciario de la economía para absorber la desocupación. c) La imposición de registros mercantiles y el sistema tributario como parte del proceso de institucionalización, la represión policial contra los vendedores ambulantes, las deficiencias de los caminos vecinales, y el predominio del vehículo de tracción animal en el hinterland, elementos que deprimían la concurrencia del pequeño comercio en los mercados urbanos y rurales.

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d) El control ejercido por las compañías azucareras norteamericanas a través de sus departamentos comerciales y el pago en vales y fichas a sus trabajadores, sobre el mercado de las comunidades bajo su influencia. e) Los constantes actos vandálicos contra los establecimientos comerciales en el campo, y la inexistencia o degradación de las fuerzas del orden público en los barrios rurales y urbanos, fenómenos agudizados durante el mandato del general José Miguel Gómez entre 1909 y 1913. El proceso de urbanización también experimentó un poderoso impulso como efecto de la industrialización azucarera, el desarrollo del mercado interno, la construcción de la infraestructura ferroviaria y portuaria, y el movimiento migratorio del campesinado enajenado de sus tierras y proletarizado hacia las ciudades. La población urbana se elevó de 13 881 a 32 658 individuos entre 1899 y 1907 para un crecimiento del 135,3 %, alcanzando en los doce años siguientes la cantidad de 54 834, lo que significó en 1919 un incremento del 67,9 % respecto a 1907. Sin embargo, no debe sobrevaluarse la dimensión urbanística de la industrialización azucarera de la región. Su población rural de 59 466 habitantes en 1899 equivalía al 81 % de la población total; en 1907 esas proporciones eran de 76 612 y 70,1 %; y en 1919 de 132 816 y 70,7 %. Por tanto, la industria azucarera no introdujo cambios radicales en la correlación de los segmentos rural y urbano de la población, y este fenómeno es atribuible a que la mayor parte de la fuerza de trabajo empleada por ella se concentraba en faenas agrícolas estacionales, a la imposición de legislaciones que contuvieron en las áreas perimétricas de los centros urbanos a los campesinos desplazados, a la existencia de un vasto espacio de producciones primarias alternativas, y al superior crecimiento vegetativo de la población

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rural. El contenido clasista del proceso de urbanización regional es discernible en las políticas administrativas implementadas por los ayuntamientos. Los movimientos migratorios internos resultaron contenidos en los anillos perimétricos de las ciudades, lo que condujo a la formación de amplios espacios suburbanos proclives a extenderse a cuenta de las áreas rurales, proveedores de fuerza de trabajo asalariada y focos de marginalidad. Las obras y los servicios públicos recibieron atención prioritaria en los centros nodales (las urbes de Holguín, Gibara, Puerto Padre, Banes y Antilla) y aquellas concentraciones poblacionales que aportaban más recaudaciones tributarias a los presupuestos de las municipalidades (las poblaciones ubicadas en las inmediaciones de los centrales, ferrocarriles y puertos) y desechaban extensos parajes agrícolas con sus habitantes dispersos y aislados. Esas prácticas institucionales acarrearon secuelas sociales dramáticas. Se tornó un fenómeno habitual el déficit de caminos, puentes, cementerios, escuelas, alumbrado público, registros pecuario y civil, servicio de correo y fuerzas del orden en los barrios rurales. En la esfera de la instrucción pública, si en 1899 la inasistencia a las escuelas de la población infantil menor de diez años de edad ascendía al 95% en tanto que el índice de analfabetismo equivalía al 77,1% de la población en el grupo etáreo de diez años y mayores, en 1919 ambos indicadores solo se habían reducido en 5,6% y la cuarta parte respectivamente. Finalmente, pese a la erradicación de pandemias particularmente letales, el paludismo continuaría extendiéndose en coexistencia con episodios de tifoidea y tracoma. El impacto de la modernización estructural de base azucarera en la estructura económica de la región de Holguín generó cuatro niveles de con-

tradicciones: entre las demandas del complejo económico-social del azúcar y las potencialidades de la región natural; entre la economía tradicional heredada y las dinámicas modernizadoras; entre el acervo económico y cultural de la clases hegemónicas locales y los retos implícitos en la modernización estructural; y entre los intereses del capital doméstico y los del foráneo. Estas recibieron soluciones asimétricas en los disímiles escenarios naturales y estructurales de la región, fenómeno que entrañaría la configuración de espacios singularizados por las formas específicas de manifestarse el movimiento modernizador, aquí denominados polos de desarrollo socio-económico. El polo de Gibara, aglutinado en torno a su bahía, se singularizó por la decadencia de su estructura económica a raíz de la expansión de la industria azucarera por la región, la habilitación de los puertos de Banes, Antilla y Puerto Padre, la construcción del Ferrocarril Central, y las condiciones geográficas adversas de su bahía para la admisión de buques de gran calado; eventos estos que confluyeron en la ruptura de su monopolio regional sobre la producción azucarera y los vínculos con el mercado mundial, la emigración del capital comercial español hacia otros rubros redituables en los demás polos y la disolución del grupo de poder político y económico representado por el mismo durante el siglo anterior. Este escenario se agravó aún más con el desmembramiento paulatino de su área de influencia tradicional en la costa norte a manos del capital financiero estadounidense, el cual se apropió del central Santa Lucía (Santa Lucía Sugar Company), los terrenos colindantes con Puerto Padre (The Cuban American Sugar Company), la localidad de Banes (United Fruit Company) y el suministro electroenergético de Gibara (The Electric Light and Power Company, subsidiaria de la segunda compañía mencionada).

En el polo de Holguín, considerado aquí como el hinterland regional, el capital comercial y ganadero hispano-cubano concentró en su poder la propiedad rústica a raíz del deslinde de las haciendas comuneras, y ello le permitió protagonizar la fundación de unidades agro-industriales, desarrollar un espacio de producciones primarias alternativas, contener la expansión de las compañías azucareras estadounidenses desde el litoral hacia el interior y controlar el mercado local. Su nivel de dependencia del capital financiero estadounidense se limitó al movimiento mercantil y azucarero a través de la infraestructura ferroviaria y portuaria operada por The Cuba Railroad Company. Este polo devino en el centro nodal regional del movimiento mercantil interno, el crecimiento demográfico, la urbanización y la institucionalidad. En el polo de Banes-Antilla-Mayarí, configurado en los contornos de las bahías de Banes y Nipe, el modelo latifundiario absolutista de la United Fruit Company incitó el repliegue del capital doméstico desplazado del mercado y del campesinado enajenado de la tierra hacia el triángulo Tacajó-Bijarú-Barajagua-Antilla, donde el primero protagonizaría el fomento del monocultivo azucarero y las relaciones mercantiles, aprovechando el incremento de la fuerza de trabajo y la demanda de bienes de consumo generado por el segundo. El puerto de Antilla, concebido por The Cuba Company como eslabón de engarce entre el Ferrocarril Central y el Atlántico, trascendió como uno de los más importantes del país a partir de su movimiento mercantil en general y sus exportaciones azucareras en particular. El control de The Cuba Railroad Company sobre la infraestructura ferroviaria y portuaria en este triángulo le permitió hegemonizar sus dinámicas pero utilizando métodos más flexibles que estimularían el movimiento mercantil. En el polo de Puerto Padre-Las Tunas, mateHistória e Economia Revista Interdisciplinar

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rializado en torno a la bahía del primer nombre y la de Manatí en el Norte y el trayecto del Ferrocarril Central en el Sur, el capital financiero estadounidense explotó su control sobre las principales unidades agro-industriales, la infraestructura ferroviaria y portuaria y significativas áreas del mercado interno, para canalizar la iniciativa de las clases hegemónicas locales hacia el sistema de colonato azucarero, subordinándolas estrechamente a sus intereses corporativos.

4. Conclusiones Las particularidades del proceso de modernización estructural de base azucarera en el Nororiente cubano durante la segunda mitad del siglo XIX y las dos primeras décadas del siguiente, pudieran sintetizarse en los siguientes puntos: En el siglo XIX, la economía de plantación azucarera floreció en Gibara promovida por el capital comercial hispánico, en tanto que en Occidente el protagonismo en esta dinámica correspondió a los hacendados criollos con financiamiento de los comerciantes-banqueros hispánicos. El ferrocarril, sin embargo, surgió tardíamente y disociado de la industria azucarera pues su propósito era asegurar el flujo mercantil y de pasaje entre las urbes gibareña y holguinera. Entretanto, la clase terrateniente ganadera holguinera, a diferencia de sus homólogos occidentales que transitaron desde la economía pecuaria a la plantacionista alentados por la favorable coyuntura que se les ofrecía para acceder al mercado internacional azucarero, se convertiría en una rémora para la implantación de cualquier forma de agricultura comercial. La guerra de independencia de 1895-1898 destruyó la base económica de los hacendados cubanos devenidos en fuerza retardataria de la modernidad, en tanto propiciaba la consolidación económica de los “tratantes en carnes” de la ciudad de Holguín, y preservaba en lo esencial la

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riqueza del capital comercial hispano-gibareño, ambas fuerzas potencialmente aptas para asumir las tareas modernizadoras. La industrialización azucarera se desplazó desde el litoral hacia el hinterland, dejando el primero en poder del capital financiero estadounidense y preservando extensas áreas del segundo en poder del capital doméstico. Este desarrolló primeramente los rubros ganadero, de la agricultura comercial no azucarera, explotaciones mineras y madereras y el comercio minorista y mayorista como vías de acumulación de capitales, antes de lanzarse a la empresa azucarera. Para ese entonces contaba además con los beneficios agregados de una ramificada infraestructura ferroviaria y portuaria, y una coyuntura especialmente ventajosa en el mercado internacional azucarero. Sin embargo, la hegemonía absoluta del capital financiero estadounidense sobre sus latifundios azucareros y la necesidad del capital doméstico de compartir las ganancias del azúcar con sus colonos, los bancos y la empresa ferroviaria pública en poder del capital accionista estadounidense, fijó las diferencias entre aquel y este, manteniéndolos en posiciones diametralmente opuestas a favor de las primeras en términos de producción, productividad y utilidades netas. El monocultivo azucarero no estranguló del todo a las producciones primarias alternativas. Estas dispusieron de capital, tierra, fuerza de trabajo, mercados interno y externo e infraestructura de transporte para su reproducción ampliada. En los marcos del proceso de modernización estructural de base azucarera de la región, la asimetría de escenarios económicos y naturales engendró dinámicas disímiles entre sus localidades: Gibara sucumbiría en un relativo marasmo socio-económico, Holguín florecería como centro nodal de las actividades mercantiles, la economía agropecuaria no azucarera, la institucio-

nalidad y el crecimiento demográfico, la franja litoral desde Banes hasta Mayarí testimoniaría el debate entre el capital azucarero y ferrocarrilero estadounidense y el capital doméstico por el control sobre la misma, y el extenso territorio que comprende Puerto Padre y Las Tunas cayó bajo la hegemonía del capital azucarero estadounidense, convirtiéndose su homólogo hispano-cubano en un apéndice supeditado a sus intereses.

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Autour des divergences entre un Ministre des Finances et les banques d´affaires françaises en Haïti: Frédéric Marcelin face à La Banque Nationale d’Haïti» et la «Banque Nationale de la République d’Haïti»(1880/82-1908/10)1 Guy Pierre2 Universidad Autónoma de la Ciudad de México (UACM) [email protected] «  Je ne rends (…) pas la Banque Nationale d’Haïti absolument responsable de notre état économique. Elle n’a pas su l’améliorer  : c’est déjà suffisant  3  »«…il est bon de remarquer que, quoi qu’il puisse advenir, l’affaire de la banque, dans les conditions où elle se présente chez nous, ne peut jamais être mauvaise. Elle peut être plus ou moins bonne, selon que ses agents seront plus ou moins habiles, jamais médiocre, à plus forte raison mauvaise4…» Résumé Cette étude analyse la controverse qui a opposé durant la longue période de 1880/82-1908/10 Frédéric Marcelin successivement à la Banque Nationale d´Haïti (BNH) et à la Banque Nationale de la République d´Haïti (BNRH), et qui furent respectivement en fait, par ailleurs, des succursales de «La Société Générale et de Crédit Industriel et Commercial» (SGCIC), et de «La Banque de l’Union Parisienne» (BUP). Elle indique en gros la position que Marcelin assuma face à la création de ces institutions ainsi que face aux actions spéculatives auxquelles celles-ci se livraient et les régimes monétaires que le pays a connus durant ce laps conjointement avec les problèmes que les emprunts qui furent contractés, sur les places financières internationales el locale, par les différents gouvernements en tour, posaient. Et également, enfin, par rapport aux mécanismes par le biais desquels lesdites institutions bancaires aidaient le pouvoir central à réaliser un certain nombre croissant de dépenses extraordinaires, lesquelles faisaient augmenter les dépenses totales plus vite que les recettes fiscales. L´étude indique cependant que Marcelin n´a pas pu assumer  sans ambigüité aucune -tout au moins à certains moments durant la période indiquée- sur le plan politique toutes ses responsabilités. Elle le fait sans sous estimer pour autant la portée des actions qu´il lança contre la politique générale des deux succursales bancaires qui jouissaient dans le pays du statut légal de «banque d´Etat» alors qu´elles étaient, en fait, c´est à dire au regard du droit commercial international et du droit bancaire privé, des sociétés anonymes d´une nation étrangère. L´étude se base particulièrement sur les archives des deux banques d´affaires suscitées ainsi que sur les mémoires de Marcelin qui forment un ensemble d´une quinzaine d´ouvrages et de nombreux articles de journaux qu´il a écrits sur les deux banques nationales ainsi que sur les différentes conjonctures politiques et économiques qui affectèrent fortement le pays durant tout le XIXe siècle. Abstract This paper analyzes the controversy which, during the long period from 1880/82 until 1908/10, opposed Frederic Marcelin first to the Banque Nationale d´Haïti (BNH) and later to the Banque Nationale de la République d´Haïti (BNRH); these institutions were actually also part of «La Société Générale et de Crédit Industriel et Commercial» (SGCIC), and of «La Banque de l’Union Parisienne» (BUP). The study presents the positions that Marcelin adopted towards the creation of these institutions, taking into account their speculative actions as well as the monetary regimes adopted during this period and the problems raised by the loans contracted by the successive governments on the international financial market. Finally, Marcelin also objected to the mechanisms through which these banking institutions helped the central government engage in numerous extraordinary expenses, which made the total expenses grow faster than government income. The study indicates however that Marcelin was not always consistent in this opposition. But this study does not underestimate the impact of his initiatives to confront the general policy of these two banking institutions which enjoyed the status of «state banks» while they were actually, according to international commercial law and the private banking legislation, corporations established in a foreign nation.The study is based on the research of the two banks´ archives and also of Marcelin´s memoirs, which are composed of roughly 15 publications, as well as numerous press articles that he wrote about the two national banks and the different political and economic conjunctures which greatly affected the country during the XIX th century. 1 Ce texte a été présenté au Congrès d´Histoire économique –CLADHE 4- qui s´est tenu du 23 au 25 juillet 2014, à Bogota, à l´Universidad Jorge Tadeo Lazono. Je remercie les collègues qui ont participé à l´Atelier sur la Banque où il a été discuté, particulièrement Pablo Martín Aceña de l´universidad Alcalá de Henares (España) et Carlos Marichal de El Colegio de México (Mexique), de leurs commentaires. Je remercie également le professeur Victor Bulmer-Tomas de l’UCL Institute of the Americas at London de ses commentaires qu’il m’a faits parvenir par la suite. Je dédie, par ailleurs, le texte avec plaisir à trois éminents historiens qui nous ont laissés. Au premier, Benoît Joachim, pour m´avoir porté par ses travaux, sans qu´il ait volontairement voulu le faire et sans que je fusse, non plus, conscient des effets que l’amitié qui nous liait exerçait sur ma carrière professionnelle, à passer très tôt de la sociologie économique à l´histoire économique. Au second, André Georges-Adam, pour avoir transformé, en pleine période de dictature (1957-1966), la modeste maison de sa mère, au Morne- à-Tuf, en un lieu d’échange sur l’histoire marxiste et avoir abordé de manière magistrale, avant même d’avoir atteint la trentaine, la grande crise politique de 1867-1869. Et au troisième, Leslie F. Manigat, pour avoir fortement contribué par ses travaux à la mise sur pied de nouvelles approches scientifiques autour des grands problèmes de l´histoire nationale et avoir énormément ainsi contribué à l´étude de la deuxième moitié du XIXe siècle. 2 Professeur d’histoire économique à l´ Universidad Autónoma de la Ciudad de México (UACM) 3 Marcelin, Fréderic, Haïti et sa banque nationale. Imprimerie Kugelman, Paris, 1896, p. 48. 4 Marcelin, Frédéric, Finances d’Haïti, emprunt nouveau, même banque  ; Imprimerie Kugelman, Paris, 1911, p. 14.

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Autour des divergences entre un ministre des Finances et les banques d´affaires françaises en Haïti

Frédéric Marcelin, Secrétaire d´Etat des Finances et du commerceDéputé, avocat, journaliste, romancier et commerçant (1848-1917)

Introduction e ministère des Finances a vu défilé au XIXe siècle plus d´une cinquantaine de ministres, plus d’une fois même dans le cas de quelques uns d´entre eux. Il fut ainsi profondément marqué par un bon nombre d’entre eux, en particulier par Anténor Firmin et Solon Ménos, ainsi que par Callisthène Fouchard et Edmond Lespinasse. Et aussi par Lysius Salomon et Raoul Excellent. Charles Laforestie, qui le représenta, en 1880, dans les négociations autour de la création de la première banque du pays, l´a également beaucoup marqué. Louis Edouard Pouget aussi, qui dut, de son côté, par ailleurs, abandonner, en 1910, le pays pratiquement en courant, comme il eut à le dire lui-même dans une lettre, pour se réfugier aux Etats Unis d’Amérique au motif qu´il n´approuvait pas certaines initiatives du gouvernement d´alors en matière de politique financière. Cependant aucun d´entre eux ne l´a autant marqué que Frédéric Marcelin. Et ce, même pas Anténor Firmin (2003) qui put se tailler pendant ces mêmes années une place exceptionnelle dans la communauté scientifique internationale suite à son ouvrage, De l´égalité des races humaine, qu´il écrivit en réponse aux travaux de Gobi-

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neau sur l´inégalité des races humaines. Même pas, non plus, Calisthène Fouchard (1891) qui se vanta d´avoir aidé le pays à rétablir ses finances et aussi son crédit sur les places européennes par les négociations qu´il a menées, en 1880, auprès des banquiers français pour le rééchelonnement, à de meilleures conditions, du remboursement de l´emprunt de 1875. Ou, enfin, pour ne considérer que ceux-là, Edmond Lespinasse et Auguste Bonamy qui ont beaucoup contribué, pendant les années 1912-1914, à l’établissement du taux de change idéal autour duquel les autorités centrales devaient procéder à la réforme monétaire que la Banque Nationale de la République d´Haïti (BNRH) devait réaliser. Le problème est que Marcelin (2000), qui commença très jeune sa carrière politique comme député après des études classiques et universitaires plus ou moins satisfaisantes et intermittentes au pays selon ce qu´il eut à rapporter lui-même sur son parcours, et qui écrivit plus d´une quinzaine d´ouvrages dont plus de huit de manière spécifique sur les questions financières et bancaires5, mena durant toute la période de 1867 à 1910 une série de batailles pour la modernisation du pays. Il centra ces luttes autour notamment de quatre grands problèmes, soit: le rôle et les actions des deux institutions bancaires qui virent successivement le jour au pays à titre de «banque d´Etat» en 1880 et 1910  ; les questions budgétaires en général et les dépenses publiques en particulier  ; la question du système monétaire, c’est à dire les problèmes d´ordre monétaire et économique qui dérivaient pendant ces années du régime de papier-monnaie d´un côté, et du régime métallique de l´autre; et, enfin, la nature et l’instabilité des institutions politiques dont la nation s´était doté depuis sa fondation en 1804. A dire vrai les trois premiers problèmes forment un tout dans sa pensée, il les détache souvent 5 La liste de ces ouvrages est indiquée dans la bibliographie.

dans ses écrits mais c´est pour mieux cerner et exposer le plus clairement possible le premier, soit le rôle que les deux institutions bancaires auraient dû jouer pendant la deuxième moitié du XIXe siècle dans l´économie nationale et n´ont, malheureusement, pas réussi cependant à jouer. Aussi fort de sa connaissance en matière économique et financière qu´il aurait acquise, semble–t-il par ailleurs(DUMAS,2000), sur le tas et traversé par les idées libérales qui prévalaient à l´époque, il critiqua de façon systématique les actions des deux institutions bancaires suscitées qui furent, en fait, des succursales des banques d´affaires françaises  : La Société Générale de Crédit Industriel et Commerciale de France (SGCIF) et La Banque de l´Union Parisienne (BUP). Marcelin mena ce combat avec passion et dans le même esprit patriotique qui animait tous ceux, qui, comme Edmond Paul (1876) et Demesvar Delorme (1873) par exemple, ont essayé, sous la bannière du Parti Libéral, de porter l´Etat vers les années 1882-1884 à réorienter la politique économique du pays. C´est à dire à faciliter la création de quelques secteurs économiques industriels et à stimuler, par des mesures de dégrèvement fiscal (MARCELIN,1887), la production agricole en général et celle du café en particulier qui tirait alors l´économie nationale. Il mena ce combat aussi bien au sein des gouvernements avec lesquels il eut à collaborer, soit à titre Ministre des Finances ou à titre de député à l´Assemblée Nationale, que dans la presse à titre de journaliste. Mais il ne le fit pas toujours sans équivoque aucune. La raison en est que, malgré qu´il ne cessa pas de critiquer les effets négatifs que l’hégémonie de l´armée sur l´appareil d´Etat exerçait sur la stabilité politique, il ne se gêna pas de se mettre au service de quelques uns de ces gouvernements militaires dont les pratiques politiques ont fortement affecté la dynamique du développement de l´économie nationale pendant

les vingt dernières années du XIXe siècle. Ce faisant, il laissa glisser dans ses idées certaines faiblesses par rapport aux actions que menaient les banques et contre lesquelles il s´insurgeait pourtant. A la vérité ces ambigüités montrent combien il est important d´examiner à fond les critiques acerbes qu´il adressa à celles-ci et les actions concrètes qu´il eut à prendre lui-même ou qu´il suggéra à l´Etat de prendre contre ces institutions. Ceci constitue en fait l´objet du présent article qui est, par ailleurs, structuré en trois grandes parties. Soit, une première autour des tentatives qui ont été faites pendant la période de 1826-1874 pour doter le pays d´une banque. L´on commence par cette période parce que les idées de Marcelin embrassent tout le XIXe siècle et non pas seulement la période de 1880-1910 pendant laquelle il fut, tour à tour, secrétaire d´Etat, député et journaliste. Et parce qu´il faut également tenir compte du fait, en analysant sa pensée, qu´il a eu à se mêler, à titre de ministre des Finances sous le gouvernement de Florville Hyppolite, dans les derniers débats qui eurent lieu autour du premier emprunt que le pays avait contracté en 1821, à Paris, auprès de la Banque Neuflize et des banques Terneaux-Gandolphe et Cie6, pour acquitter l´indemnisation de son indépendance. Et suite auquel, de plus, le gouvernement d´alors avait envisagé, en 1826, de créer une banque. Et aussi, enfin, du fait qu´il eût, d´une part, à participer, en 1874, cette fois en qualité de député à l´Assemblée Nationale, aux controverses que le gouvernement du général Michel Domingue avait suscitées autour de la possibilité de fonder, à Port-au-Prince, une banque nationale, et, à aider, d´autre part, à retracer par ses écrits les longs cycles du papier-monnaie ainsi que les âpres luttes pour l´établissement du régime métallique au XIXe siècle et au début du XXe. 6 Cf. (Blancpain, 2001, 66)

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La deuxième partie porte sur la posture qu’il adopta suite à la création, en 1880, de la première banque d´Etat sous le nom de Banque Nationale d´Haïti (BNH), et la troisième sur la lecture qu’il fit de la dissolution de la BNH et de la création subséquente, pendant l´embellie de 1906/07-1919/20, d´une nouvelle institution bancaire sous le nom de Banque Nationale de la République d´Haïti (BNRH). L´étude se termine par quelques observations sur la portée globale et les conséquences des divergences qui ont opposé Marcelin aux deux banques nationales, ceci en indiquant, à titre d´hypothèses de recherche, que Marcelin a révélé au travers de ces divergences comment il dominait la théorie économique classique. Et comment également il s´est battu par un ensemble de propositions d´ordre théorique et pratique pour contrecarrer les effets pervers pendant le dernier quart du XIXe siècle  de la politique des succursales des «banques d´affaires» sur l´économie nationale, c´est à dire soutenir et dynamiser celle-ci. Quatre autres faits sont aussi signalés dans cette même perspective sous forme d’hypothèses. A savoir  : premièrement, que ce fut surtout l´aiguisement énorme des contradictions entre les différentes fractions de l´oligarchie terrienne et des Généraux de l´armée, et non pas tellement la banque comme telle ou comme institution spéculatrice et accapareuse de capitaux, qui empêcha l´économie nationale de se moderniser pendant le dernier tiers du XIXe siècle; deuxièmement, que ces divergences annonçaient, d´une façon ou d´une autre, par leur violence et leur complexité, la débâcle totale de l´appareil d´Etat qui s´était constitué en 1804, et sa refondation en 1915 sur la base de nouvelles contradictions antagoniques; troisièmement, que la posture de la banque, dans le cadre de ces divergences, montre comment l´économie nationale était, en dépit de sa petite taille, importante pour le procès

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d´accumulation du capital en France et comment cette institution avait passé outre à la souveraineté nationale. Et, quatrièmement, enfin, que, contrairement à ce qu´affirme l´ancien gouverneur Jean-Claude Sanon de la Banque centrale, la position de Marcelin face à la banque n´était pas aussi ferme que ce qui se lit dans ses textes et qu´il s´était, de plus, condamné lui-même à échouer dans cette bataille en la menant dans le cadre du Parti National et non dans celui du Parti Libéral. Ceci vu que, pour des raisons liées à la politique économique en général et aux statuts ainsi qu´aux pratiques des institutions politiques, le Parti National était beaucoup plus réticent aux changements qu´il prônait et que ces changements concordaient davantage -jusque dans une certaine mesure bien sûr- avec les idées du Parti Libéral, ou avec celles de la fraction la plus avancée de cette organisation7 qu´avec celles du Parti des Domingue et des Salomon8. L´étude indique donc, dans cet ordre d´idées, qu´à cause des ambigüités qui entachaient sa pensée et la crédulité dont il fit montre à la tête du Ministère des Finances durant le gouvernement du Général Hippolite et celui du Général Nord-Alexis, il n´entreprit pas et ne put, non plus, entreprendre toutes les actions qu´il aurait pu prendre. Par ailleurs l´étude se base sur trois grandes catégories de sources. Premièrement, les rapports annuels du conseil d´administration de la BNH que les archives de quelques banques d´affaires françaises ont conservés  ; deuxièmement, les différents écrits mêmes de Marcelin  7 Le Parti libéral a eu de nombreux problèmes internes et s´est scindé quelques années après sa fondation en deux, dont une fraction sous la direction de Boyer Bazelais, et une autre sous le commandement de Boisrond Canal. 8 Marcelin a défendu avec passion dans le journal L´Œil le Parti national. Il fit son éloge et a employé un ton ironique dans quelques uns de ses articles pour présenter le Parti Libéral. Il exprima cette position notamment au début du gouvernement de Salomon. Il a sûrement maintenu sa position face aux dirigeants de ce parti puisque comme il eut à le dire lui-même dans l´un de ses écrits qu´il n´a jamais eu à passer, durant toute sa vie active, d´un camp à un autre. Il laissa transpercer, malgré tout, quelques amertumes dans les réflexions qu´il eût à faire postérieurement, et ce quoiqu´il ne pensât jamais à rompre avec le Parti national.

autour de la situation financière du pays durant l´ère de ces banques d´affaires  ; et, troisièmement, les différentes lois qui furent publiées dans le Moniteur au sujet de la situation générale de l´époque. A dire vrai ces sources ne sont probablement pas suffisantes pour bien étayer les différents problèmes que le texte traite au sujet du débat qui eut lieu entre Marcelin et la banque, d´autant que ce débat aborda des questions extrêmement complexes et passionnantes. On aurait dû donc consulter d´autres sources se rapportant à cette période. Mais l´on sait que pour des études de ce genre, il faut surtout s´appuyer sur les débats qui eurent lieu à l´Assemblée Nationale et sur les correspondances qui furent échangées entre les principaux acteurs politiques du moment. Et s´appuyer aussi, de plus, sur les rapports que les différents gouvernements en tour ont présentés chaque année à l´Assemblée générale sous la mention: Exposé Général sur la Situation de la République d´Haïti (EGSRH). Mais malheureusement un certain nombre de ces documents n´existent plus, semble t-il  ; d´autres, on le sait, sont jalousement gardés dans des bibliothèques privées. On a pu néanmoins en parcourir quelques uns et les rapprocher également, dans le but de bien veiller aux erreurs qu´ils contiennent, des écrits de Callisthène Fouchard9 et des observations de quelques hauts responsables de la banque. Et aussi de quelques autres textes relativement rares qui furent écrits par des auteurs anonymes et des responsables des banques d´affaires rivales qui avaient ou qui rêvaient d´avoir des intérêts sur le marché local et dans les autres pays de la région. L´analyse a pu ainsi surmonter quelques unes des difficultés signalées, et ce grâce notamment au fait qu´elle reste collée aux écrits de Marcelin qui sont plus qu´utiles sur ce point étant donné qu´ils reprennent tous les discussions qui ont eu lieu à l´assemblée nationale autour de ces questions. De toute façon 9 Particulièrement, l’opuscule suivant: C. (Fouchard, 1891).

les réflexions qui suivent contiennent quelques lacunes. Aussi faut-il souhaiter que d´autres recherches essayent sur la base de nouvelles sources de mieux recadrer et d´expliquer la pensée de Marcelin ainsi que le fondement des actions qu´il mena contre la banque.

A. Première partie  : Trois tentatives de créer une banque d´Etat durant la période de 1826-1874 La période de 1826 à 1874 est marquée par trois tentatives de réguler le système économique par une banque. La première fut en 1826, la deuxième en 1859 et la troisième en 1874. Charles Beaulieu (1987) et la Banque centrale10 parlent d´une quatrième tentative qui aurait eu lieu en 1838. Celle-ci eut effectivement lieu comme le mentionne, par ailleurs, Robert Lacombe (1958) dans son ouvrage sur l´histoire monétaire de Saint-Domingue. Et aussi Hénock Trouillot (1963) dans ses réflexions sur les anciennes sucreries coloniales. Cette étude ne dispose pas, cependant, suffisamment de données pour considérer cette tentative particulière que quelques hommes d´affaires avaient essayée d´entreprendre après la crise de 1836 qui avait secoué un certain nombre de pays capitalistes et qui avait porté le président Boyer à appeler les producteurs ainsi que d´autres agents économiques à augmenter la production agricole locale pour réduire le poids des importations dans la consommation nationale11. L’on doit beaucoup regretter de ne pas pouvoir considérer cette tentative puisqu’elle dut avoir eu un aspect très spécifique étant donné qu’elle eut lieu au milieu d’une importante crise internationale et fut prise, de plus, par des hommes d’affaires. Ainsi, l’étude retient seulement celles qui sont indiquées et fait observer que toutes ces tentatives 10 BRH-Site officiel. 11 Voir Déclaration de Boyer en date du  20 juillet 1837 à propos de la situation nationale suite à la crise que certains nombres de pays en Europe ont connu en 1836. Voir, Linstant de Pradines, Recueil des Lois et Aces du Gouvernement d´Haïti, Tome VI, 1834-1839.

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correspondirent à d´importantes conjonctures économiques. La première à la crise financière que le gouvernement du Général Boyer provoqua en se soumettant à l´injonction de Charles X de payer la somme de cent cinquante millions de francs pour la reconnaissance par la France de l´indépendance du pays, la deuxième au mouvement de récupération et d´expansion que l´économie nationale enregistra sous le gouvernement de Geffrard, c´est à dire durant les années (1859/60-1863/64) où le commerce général avec la France augmenta à un rythme moyen assez soutenu et durant lesquelles les exportations de coton vers les Etats Unis accusèrent également, pour sa part, une forte augmentation par suite de la Guerre civile dans ce pays, et la troisième, enfin, à l´engorgement du circuit monétaire durant les années 1870/71-1874/75 par un volume énorme de papier-monnaie suite, d´une part, à la Guerre civile de 1867-1869 qui avait provoqué la scission du pays en trois républiques indépendantes12, et, d´autre part, à l´échec du gouvernement de Nissage Saget de freiner, par la Loi du 24 août 1870, le désordre qui régnait dans le système financier et dans les recouvrements à la douane13. Les travaux de Marcelin n´indiquent pas qu´il s´est intéressé, sauf peut être au projet de Septimus Rameau-Domingue, à ces faits. On peut supposer qu´il ne s´y est pas penché de façon spéciale à cause particulièrement du fait qu´aucun d´entre eux n´a pu se concrétiser. Cette hypothèse reste cependant à prouver et peut, de plus, ne pas être suffisamment fondée pour le retenir puisque Marcelin lui-même aura vers 12 Le pays fut en effet divisé pendant la crise de 1867-1869 en trois Républiques indépendantes  : L’Etat Septentrional de Nissage Saget, l’Etat Méridional de Michel Domingue et l’Etat central de Salnave. André Georges Adam explique très bien la formation de ces trois Etats. Cf. Georges Adam, André, Une crise haïtienne 1867-1869. Sylvain Salnave, Editions H. Deschamps. 13 Antoine Michel expose avec un grand nombre de faits dans son ouvrage «L´emprunt de Trois millions de piastres» la masse énorme d´argent que le bureau de douane n´a pas pu encaisser. Cf. (Michel, 1934).

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les années 1893, comme on le verra plus loin, à soumettre à la Chambre des Députés un projet de création d´une banque de crédit commercial qui ne prospéra pas, non plus, d´ailleurs. Quoi qu´il en soit, il est un fait que les causes pour lesquelles ces faits échouèrent recoupent le fondement de ses idées et forment, comme on le verra dans les sections suivantes, la base sur laquelle il s´appuiera pour critiquer les actions de la banque qu´il aura le privilège de superviser à la tête du ministère des Finances pendant le gouvernement de Florville Hyppolite et celles de l´institution qui sera fondée, en 1910, durant sa retraite en France. En effet, la première tentative échoua à cause notamment du fait que le problème que les autorités en place voulaient résoudre par sa concrétisation, c´est à dire le paiement du montant suscité de 150.000.000 de francs au gouvernement français pour régler la question de l´indépendance du pays, avait rompu le climat de confiance qui s´était rétabli, en 1821, avec la réunification du royaume de Christophe et de la république de Pétion en une seule entité politique. La question de confiance se posait notamment pour ceux, commerçants et spéculateurs ou agents de change, qui pouvaient concourir à la formation du capital de la banque que l´article 5 de la Loi de 1826 fixait à 6.000.000 de gourdes. Le montant de cent cinquante millions de francs que les autorités devaient liquider était, selon Marcelin, trop élevé. Le pays ne disposait d´aucun moyen, pense t-il, pour le payer. Et ce d´autant que la période fixée pour le faire était très courte, soit cinq ans seulement. Marcelin n´ignorait pas que Boyer misait sur la création d´une banque par la Loi de 1826 pour faire face à la situation financière qu´il avait lui-même créée. Mais il n´aborde pas cette question dans son ouvrage sur l´indemnité française (MARCELIN, 2004). A dessein sans doute. En tout

cas il se contente seulement, selon ce texte, de recommander, en 1893, au gouvernement du président Hyppolite de liquider au plus vite le reliquat de l´emprunt de 182514 que les autorités s´étaient empressé de contracter, en 1825, sur la place de Paris, pour payer la première tranche de l´indemnité. En revanche, on comprend mal qu´il ne s´appesantit pas dans ses écrits sur la tentative qui eut lieu, en 1859, pour créer une banque de crédit agricole et de prêt puisque ce projet bénéficiait d´une situation économique assez favorable. Et visait, en tout état de cause, à aider, avec l´augmentation des exportations vers la France et le cycle de coton que la Guerre civile aux Etats Unis avait entraîné, l´appareil d´Etat à assainir le circuit monétaire que le gouvernement de Soulouque avait pratiquement engorgé par des émissions de papier-monnaie. De fait, un moindre volume de papier-monnaie a été émis pendant la période de 1859-1864 que pendant l´ère de Soulouque (1848-1859). Turnier ne semble pas être de cet avis. Il se base notamment pour soutenir son désaccord sur la variation du taux de change pendant ces années. Pourtant, selon les données disponibles, la valeur externe de la gourde avait cessé, semble t-il, de dégringoler pendant les premières années de Geffrard pour se stabiliser autour d´une légère hausse pendant la courte période de 1863-1864. Le vertige du papier-monnaie dont il parle se serait produit plutôt pendant les trois dernières années de cette administration et non pas tout au long du mandat de Geffrard. Il semble, donc, vu ainsi, que, malgré que Robert Lacombe, comme Marcelin, ne le mentionne pas, non plus, dans ses travaux, la Loi du 26 juillet 1859 visait effectivement à contrecarrer, par la mise sur pied d´une banque, l´expansion vertigineuse des billets non gagés. Mais il ne fut pas possible, comme du reste ce 14 L´emprunt fut de 30.000.000 de francs et placé chez les banquiers Ternaux-Gandolphe et Cie.

fut le cas pour l´Etablissement de crédit suscité que Marcelin lui-même a voulu créer plus de 20 ans après, de trouver un nombre suffisant de souscripteurs pour monter le capital de départ. La troisième tentative que l´État fit pour impulser la dynamique économique par une banque de crédit connut aussi le même sort, c´est à dire échoua également. Ce fut en 1874, soit justement, par une sorte de coïncidence historique, l´année où Marcelin fut élu député pour la première fois, ce qui veut dire que Marcelin eut probablement à participer, à ce titre, aux débats autour de ce projet. Ce projet fut mené principalement par Septimus Rameau, neveu du président en tour, le Général Michel Domingue. Il consistait à monter une banque agricole avec la participation d´un homme d´affaires d´origine américaine qui s´était engagé à trouver, sur le marché européen, des fonds pour constituer, avec une partie de son apport personnel, le capital de départ. Joseph Chatelain et Alain Turnier pensent que cet homme d´affaires, qui répondait au nom de A.H. Lazarre et qui n´a pas pu honorer son engagement, était probablement un aventurier. Ils laissent entendre ainsi que ce serait sans doute la raison principale pour laquelle ce projet ne vit pas le jour. L´on doit sûrement tenir compte de cette hypothèse mais il faut sans doute se rappeler également que la période pendant laquelle l´Etat devait réunir le capital social de cette banque le système capitaliste international était en proie à la très forte crise internationale de 1873 et que cette crise et la dépression qui s´en était suivie affectèrent fortement le marché des capitaux européens. Il n´était pas, alors, du coup très facile de trouver sur les places européennes des capitaux. Certes cette crise constitua, avec les mouvements cycliques des capitaux, une conjoncture très favorable pour les pays de la région, notamment les pays du Cône Sud. Un grand volume de capitaux se déplaça,

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en effet, des places financières européennes vers ces contrées15. Mais un certain nombre de pays ne connurent pas ce mouvement ou n´en ont pas beaucoup bénéficié. Aussi peut-on supposer que, dans ce climat peu propice, le passé ou les démêlés spécifiques de Lazarre ont pesé sur ce fait et qu´il n´a pas pu attirer d´autres preneurs de parts au capital du projet auquel il voulait s´associer. Ceci dit, il est intéressant de se demander à cette étape de l´analyse quelle fut dans ces circonstances la position que Marcelin adopta par rapport à ce projet puisque, comme on l´a vu, il siégeait, à ce moment, à l´Assemblée Nationale. On ne peut malheureusement, faute de documents suffisants16, répondre à cette question. Il est permis toutefois de supposer qu´il ne l´appuya pas, car, quoiqu´il ne cachât pas son attachement à Septimus Rameau et aussi par ricochet à Domingue, il a dû voir que le mécanisme par lequel le gouvernement d´alors voulait fonder la banque allait augmenter davantage la dette du pays. En effet, selon le décret qui fut pris à cet effet, la banque devait être créée par un emprunt de trois millions de piastres17. Or, selon le préambule de ce décret, tout le produit de cet emprunt ne devait pas être destiné à la création de la banque, sinon une partie seulement. L’autre partie devait être assignée à la «marche du service public», c´est à dire à des fins administratives. Le décret s´engageait donc, comme l´indique Antoine Michel (1934), à augmenter de manière importante l´endettement de l´Etat. De fait c´est ce qui se fit par un emprunt de 10.000.000 de francs que l´Etat contracta, sur la base de cette émission de 3.000.000 de piastres, auprès des représentants à Port-au-Prince de la banque Marcuard en France. Or pour Marcelin, 15 Voir à ce sujet Fred Rippy (1964). 16 On pense surtout aux journaux de l´époque dans lesquels il intervenait. L´Œil par exemple. Un nombre incalculable de ces matériels d´archives ont été détruits par les incendies et les rats. L´Etat a aussi –il faut le dire- participé par son insouciance à leur destruction. 17 Soit 15.000.000 de francs.

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ces emprunts devaient stimuler davantage encore le rythme des émissions du papier-monnaie, mouvement contre lequel il s´opposait et qui le portera, en 1880, à s´en prendre violemment au nouveau Secrétaire d´Etat des Finances Charles Laforestrie18. Face donc à cette situation, l´on est en droit, pour le répéter, de supposer jusqu´à preuve du contraire qu´il ne fit rien ou pas grandchose sur le plan politique pour aider son ami Septimus Rameau à fonder la banque de la Terrasse. Les quelques 32.420 piastres que celui-ci avait pu donc collecter pour constituer le capital social de la banque et qui devait être, par ailleurs, de 2.000.000 piastres, n´avaient aucune valeur politique. Ainsi, pour résumer, comme en 1826 et en 1859, en 1874 l´économie nationale ne put voir surgir en son sein une banque pour stimuler et réguler sa dynamique, ce qui a facilité une forte reprise du cycle de papier-monnaie qui s´était sensiblement19 arrêté, en 1872, avec la réforme monétaire que Nissage Saget avait réalisée sur la base, selon Robert Lacombe, de 10 gourdes anciennes contre 1 gourde nouvelle. Le schéma-graphique qui suit indique le cadre monétaire ainsi que les cadres politiques dans lesquels ces tentatives eurent lieu. Il permet aussi de présager le climat de divergences qui existera entre Marcelin et la première banque nationale qui sera enfin créée pendant la récession économique de 1879/80-1885/86.

18 Voir Frédéric Marcelin (1887, 6-12). 19 Alain Turnier affirme que Nissage Saget avait pu procéder au retrait de l´ensemble du papier-monnaie qui circulait. Louis Gation également. Gation se réfère notamment à la Loi du 26 août 1872. Il y a lieu cependant de douter que la réforme monétaire de 1872-1874 ait pu assainir totalement le circuit financier. On peut se baser sur les problèmes d’ordre monétaire que le pays a connus immédiatement après le gouvernement de Saget, c’est à dire sous le président Domingue, pour fonder ce doute. Car ces problèmes ne doivent pas sûrement avoir surgi seulement à cause des conditions dans lesquelles l’emprunt dit Domingue fut émis. D’autres facteurs ont dû probablement les aggraver. Par exemple le ratage partiel de la réforme monétaire de Saget. Cette question n’est pas encore bien étudiée. On trouve dans le récent ouvrage de Victor Bulmer-Thomas sur l’économie de la Caraïbe des éléments pour l’aborder mais, en dépit des éclaircissements que ce livre apporte sur la politique fiscale et la politique monétaire, on ne peut vraiment affirmer, pour le répéter, que Saget avait pu assainir le circuit monétaire. Cf. Bulmer-Bulmer, Victor, The economic history of the Caribbean since The Napoleonic wars, Cambridge, 2012, chap. 7.

«l´hostilité haïtienne à l´égard de la banque». On commence donc par le premier point.

B. 1. La création de la BNH  : Marcelin, un artificier clé

B. Deuxième partie  : La création de la banque nationale d’Haïti  pendant la récession économique de 1879/80-1885/86: soutien et dénonciations des actions de la banque par le député-secrétaire d´Etat des Finances Frédéric Marcelin  Cependant pour bien comprendre ces divergences, l´on se propose de suivre le procédé suivant  : on examine en premier lieu la création, en 1880, de la première banque nationale et le cadre économique dans lequel elle fut fondée. On analyse, en second lieu, la politique de la banque et les effets que celle-ci a eus sur la production  ainsi que sur la spéculation financière qui a fait dégringoler, par suite des augmentations successives de la masse de billets (M1) qui circulaient, la valeur de la monnaie nationale pendant toute la période antérieurement considérée. Et, l´on considère, en troisième lieu, la posture que Marcelin adopta à la création de la nouvelle institution ainsi que le bras de fer qu´il entama par la suite avec celle-ci et que Chatelain suit de près dans son ouvrage suscité sous la rubrique

Après les différentes tentatives qui furent faites pendant les conjonctures économiques et monétaires sus-considérées, l´Etat parvint enfin, au début de la récession qui avait débuté en 1879/80 et qui s´était étendue jusqu´aux années 1885/86, à doter le pays d´une banque nationale. Ce fut exactement, selon le décret 15 septembre 188020, le 30 septembre 1880. La banque fut créée par une concession accordée par l´Etat haïtien pour une durée de cinquante ans à La Société Générale du Crédit Industriel et Commercial et nommée «Banque Nationale d´Haïti» (BNH), et ceci tout en étant du point de vue légal –ce qui était en fait au regard du droit commercial français et du droit public international un anachronisme- une institution française21. De ce fait son siège social était fixé à Paris, dans le 8eme arrondissement, au 66 de la rue Chaussée-d´Antin. Par ailleurs, son capital social s´élevait nominalement à 10.000.000 de francs, divisé en 20.000 actions de 500 francs chacune. La banque eut, de plus, en accord avec l´article 9 du contrat de concession et l´article 2 de ses statuts, le privilège exclusif d´émettre des billets et fut à la fois banque de dépôt, de prêt, d´escompte et de crédit. Elle fut aussi chargée du service de la trésorerie de l´Etat. Le contrat de concession l’autorisait à encaisser sur cette base toutes les «sommes» qui revenaient à 20 Société Générale  : Archives Historiques-Le Moniteur, No. 21 Cf. Art. 3 du contrat de concession-Décret du 15 septembre 1880.

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l´État et à effectuer un ensemble de paiements pour le compte de celui-ci, ce qui lui permettait d´encaisser un certain nombre de commissions, soit  : 1% sur les «encaissements et ½% sur les paiements à l´intérieur» (art. 16). Les paiements qu´elle faisait à l´extérieur lui donnaient droit à une commission supplémentaire de ½%, étant entendu que, dans le cas de ces paiements, le contrat de concession protégeait ses entrées de toute perte sur le change. Les commissions qu´elle touchait pour ces services ainsi que toutes les autres entrées qu´elle réalisait sur des opérations diverses étaient exemptes d´impôts et de taxes. L´État avait droit de contrôler ses activités et de nommer auprès d´elle un commissaire spécial pour suivre l´exécution du contrat de concession mais celui-ci ne pouvait en aucun cas, par contre, intervenir dans ses opérations22. Le contrat de concession était finement rédigé, tout y était prévu, en effet, sur le plan légal, y compris le mode de solutionner les divergences qui pouvaient éventuellement surgir autour de l´interprétation de certaines clauses liant les deux parties, la banque et l´Etat. L’article 23 remplissait cette fonction  : il enjoignait formellement les parties à recourir ou à mettre sur pied d´un commun accord un tribunal arbitral. Marcelin fut l´un des principaux artificiers de la constitution de la banque. Il fit applaudir sa création et rendit hommage au Général Salomon, alors président de la République, pour avoir matérialisé un tel fait historique. Il le fit, comme il le laisse entendre lui-même dans ses différents écrits, avec beaucoup d´enthousiasme, ceci en raison du fait que la nouvelle institution devait aider le pays à résoudre l´un des problèmes qui perturbait énormément le fonctionnement de l´économie nationale et qui le préoccupait pratiquement le plus. C´est à dire les fréquentes émissions de papier-monnaie, qui avaient en fait, par 22 Cf. Art. 8 du contrat de concession-Décret du 15 septembre 1880.

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ailleurs, brusquement repris de manière impressionnante sous le gouvernement de Domingue23. Soit juste, pour bien comprendre la portée de ce fait, après la pause que la réforme monétaire de 1870-1872 (cf. schéma-graphique 1) avait introduite. Le contrat de concession de la BNH permettait en effet d´aborder cette question  : il établissait un double mécanisme pour cela. C’est à dire qu´il interdisait formellement, par son article 13, à l´Etat d´émettre du papier-monnaie, et faisait, d´un autre côté, obligation à la banque, en son article 11, de veiller à ce qu´en aucun cas le volume de billets en circulation ne dépasse un tiers de l´encaisse métallique que celle-ci devait garder en tout temps en réserve. Il faut de plus préciser, par ailleurs, que Marcelin percevait aussi la nouvelle institution comme une sorte, sans que le terme soit trop fort, de «banque de développement», c´est à dire qu´il voyait à travers elle la possibilité de soutenir tout le système économique, ce qui se serait fait par le biais d´importants volumes de crédits qui seraient consentis aux secteurs de base, notamment le secteur agricole. Du reste, comme on le verra plus loin, fort de cette idée, il proposera, en août 1882, à la chambre des Députés un projet de loi visant à créer, à côté, de la toute récente institution financière, une autre banque qui devait fonctionner comme une société de crédit commercial, et qui, en tant que tel, devait avoir essentiellement pour objectif de faciliter par un système de dépôts et de prêts sur consignations la circulation des marchandises (MARCELIN, 1897, 192-203). Sa proposition ne fut pas cependant retenue par l´Assemblée Nationale mais cela ne le découragea pas, et ne le porta pas, non 23 Charles Vorbe insiste sur la rupture qui s´est produite sur le plan de la politique d´émission de papier-monnaie entre 1872 et 1874, soit entre le gouvernement de Saget et celui de Domingue. Il indique que la Loi du 24 août 1872 avait entamé le retrait des billets non gagés et que Domingue avait remis en marche la planche à billets. Turnier souligne aussi ces faits dans ses travaux.. Cf. Vorbe (1921, 81), Charles, Economie et Finances haïtiennes. Comment les restaurer  ? Imp. E. Chenet, p. 81  ; et, Turnier (1954, 278-283). Et aussi du même auteur (1985, 62).

plus, à combattre par esprit de vengeance ou mesquinerie, tout autre projet de ce genre que quelqu´un d´autre –partisan ou adversaire de son parti, le parti national- aurait soumis à la Chambre. Au contraire, il le poussa à faire sienne toute initiative qui pouvait aider la banque à mener à bien la bataille contre les billets non gagés. Aussi invita t-il de nouveau les députés, moins d´un an après, en mars 1883, par un brillant exposé, à approuver le projet d´Enock Désert de fonder un établissement de crédit foncier24. Ce fut, donc, dans ce climat que la BNH, communément connue dans l´historiographie classique sous le nom Banque de Salomon, commença ses activités en 1881. Mais en fonctionnant plutôt comme «l´une des maisons Fugger du XVIe siècle» ou un «Mont de Piété dévoyé» que comme une banque moderne à proprement parler, c´est à dire en s´adonnant notamment et quasi exclusivement à la vente et achat de la marchandise-monnaie ou du capital-argent. Ceci étira, comme on va tout de suite le voir dans la section qui suit, le cycle de papier-monnaie au-delà des années 1880, ou, pour mieux dire créa, quoique le décret suscité du 15 septembre 1880 eût pour objectif d´instituer un régime métallique, un nouveau cycle intensif de papier-monnaie.

B. 2. Augmentation de la spéculation financière  –peu de crédits à la production et accroissement du taux de profits de la BNH Il est nécessaire toutefois de rappeler au départ en vue de prendre un peu de distance par rapport à l´historiographie classique, qui ne fonde pas suffisamment bien ses analyses, que la banque, quoique banque d´Etat comme Marcelin et tout le pays le percevaient, était en fait une société privée capitaliste et qu´elle avait seule24 Le projet d´Enock Désert a été soumis à la Chambre des Députés par Marcelin lui-même. Marcelin s´est employé en cette occasion à faire un cours d´économie financière à ses pairs. Il leur a expliqué combien la Chambre avait intérêt à approuver ce projet en vue de faciliter la circulation des marchandises. Cf. Marcelin (1887, 298-305).

ment, en tant que tel, pour objectif de valoriser le capital qu´elle avait investi dans le pays. Or elle pouvait, du point de vue théorique, valoriser son capital soit en soutenant la production de biens tangibles par des crédits, et dans ce cas la production agricole fondamentalement, soit en investissant, comme les agents du Haut commerce, dans le commerce du capital-argent, c´est à dire le négoce de change. Ou encore en investissant à la fois dans les deux circuits. Ou enfin en escomptant des bons de l´Etat ou en lui faisant des avances à des taux donnés pour qu´il puisse assurer de manière continue sa reproduction. Le choix entre ces différentes possibilités dépendait du niveau de taux de profit qu´elle pouvait réaliser dans chacune de ses activités. Or les circonstances politiques et sociales qui avaient déterminé sa création indiquaient qu´il ne lui convenait pas d´opérer comme «banque de dépôt» ou «banque de développement» comme il était dit dans l´article 14 du contrat de concession, et qu´il était, en revanche, beaucoup plus sûr pour elle de chercher à valoriser son capital et tous les fonds qu´elle pouvait éventuellement obtenir, en France ou sur les autres places européennes, à des taux très bas en concentrant ses activités particulièrement dans des avances à l´Etat et dans le commerce d´argent en général. Elle se lança, donc, dans ces deux grands groupes d´activités, et aussi dans deux autres de plus  : soit, le service de la trésorerie que l´article 15 du contrat de concession, comme on l´a vu, l´établissait, et le service d´arbitrage de l´emprunt Domingue que l´Etat lui avait demandé d´assurer, en 1883, face à la pression des porteurs de bons en France. En effet, dès l´ouverture de ses portes le 12 mai 1881, la banque s´arrangea, au motif qu´elle ne disposait pas suffisamment de moyens techniques et de moyens légaux pour vérifier les gages que lui présentaient les producteurs-demandeurs de prêts25, pour réduire au maxi25 Chatelain étudie extrêmement bien cet aspect du problème mais il

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mum l´offre de crédits aux circuits productifs et fixer en revanche toute son attention sur l´aide dont l´Etat avait, tous les mois, besoin pour régler des dépenses courantes et payer les fonctionnaires. Ainsi dès cette première année elle distribua, à titre de dividendes, un montant de 300.000 francs aux porteurs-fondateurs. Et exprima aux actionnaires, à sa première Assemblée Générale, qui eut lieu le 29 juin 1883, un optimisme débordant sur les possibilités qu´elle avait de faire des profits. Le problème est qu´avant la fin de l´année de 1881, elle avait commencé, en vertu de l´article 15 susmentionné, à se charger du service de la Trésorerie et aussi du service de remplacement, par de nouveaux billets venus de France, des billets non gagés qui étaient en circulation. La démonétisation des billets, qui était redevenue urgente après que la situation financière avait porté le gouvernement de Domingue à réintroduire dans le circuit financier suite à la réforme monétaire de Saget en 1872, faisait l´objet du contrat de concession (cf. art. 12). La mise en circulation de nouveaux billets l´aida, puisqu´elle empocha des commissions pour cette opération, à distribuer sous forme de dividendes, pendant les deux exercices suivants -1882 et 1883- un montant plus important de francs aux actionnaires-fondateurs. Et aussi à mettre de côté, sous forme de réserves, un petit montant de 100.636 francs. Les comptes d’exploitation des exercices postérieurs indiquent que ce poste a cru à un rythme moyen annuel extrêmement élevé, soit de 17.8% de 1883 a 1904 et de 12% de 1883 à 1910 ayant chuté sensiblement à compter reste par moments trop collé au raisonnement de Marcelin. Cf J. Chatelain, op. cit. chap. 4, pp. 49-53.

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de l’année 1904 jusqu’à 1910 pour des raisons que l’on verra plus loin. Il en fut de même, selon le graphique ci-après, du montant annuel de dividendes qui furent distribués aux susmentio-

nnés actionnaires. A noter que parallèlement à l´augmentation soutenue jusqu´à l´année 1894 des dividendes qui furent payés aux premiers actionnaires et aussi à celle des réserves, la banque vit croître la part des profits qu´elle s´est abstenue, comme on le voit sur le même graphique, de répartir. Cette fraction de la masse totale de profits, qu´elle réalisa, augmenta jusqu´en 1894 et chuta de manière impressionnante les années suivantes. Mais ce mouvement fut largement compensé, tout au moins jusqu´en 1907, comme on le voit sur le même graphique, par les réserves accumulées. Et aussi par d´autres mouvements réguliers et erratiques ou circonstanciels. Les mouvements réguliers représentèrent les avances supplémentaires qu´elle eut à faire de manière systématique à l´Etat, c´est à dire des avances en sus de ce qu´elle lui faisait selon le protocole qui était établi. Ces avances, qui n´étaient pas réglementées par les protocoles établis et que le Ministère des Finances cataloguait sous le nom «avances extra-statutaires»,

étaient alimentées par l´augmentation soutenue des dépenses budgétaires. Celles-ci augmentaient, en effet, nettement plus vite que les recettes, ceci en raison du fait que l´Assemblée nationale et certains secteurs du pouvoir central26 s´arrangeaient, comme Marcelin le mentionne dans presque pratiquement tous ses écrits, pour porter le pays à engloutir d´importantes sommes de gourdes dans des achats non productifs, comme, par exemple, des achats de bateaux de guerre. Quant aux mouvements circonstanciés, ils constituaient, comme les avances extra-statutaires, une importante source de profits pour la banque. On peut même parler de flux de profits puisque ces mouvements constituaient en des émissions fréquentes d´emprunts internes à des taux d´intérêts extrêmement élevés selon Marcelin, soit de 18% par an voire plus comme on le verra plus loin. Chatelain a calculé le taux de rendement moyen de la banque sur toute la période de 1880-1910 durant laquelle elle a opéré au coin de la rue du Quai et de la Place Geffrard. Il estime ce taux moyen de rendement à 10%. L´on peut sûrement partager avec lui ce calcul estimatif puisque la banque ne put, de 1904 à 1910, tirer profit, pour des raisons que l´on verra plus loin, du service de la trésorerie. Le tableau en annexe indique comment elle fut obligée à cause de ce fait de répartir un peu moins de dividendes aux actionnaires. Mais à dire vrai à en juger par la correspondance que Marcelin échangea avec le Directeur de la Banque pendant la période allant du mois d´août 1892 au mois de décembre 1893, le taux moyen annuel de profit peut bien avoir été probablement plus élevé27. Et ce, d´autant que le 26 On peut dire que ces secteurs étaient surtout conformés par les ministres de la guerre et de la Marine et de quelques généraux de l´armée qui pensaient que le pays devait assumer un rôle important sur le plan militaire dans le bassin de la Caraïbe. D´où plaidaient-ils de manière systématique pratiquement pour le renouvellement de l´armement, notamment de l´armement de la marine. Voir àce sujet les différents «Exposés Généraux» des gouvernements en tour sur la situation de la nation. 27 On peut consulter une partie de cette correspondance dans  : Marcelin, Frédéric, Haïti et sa banque nationale (Troisième partie),

conseil d´administration de la banque a dû sans doute s´arranger, tout au moins durant certaines années comme par exemple pendant l’année 1883 durant laquelle eut lieu l´affaire dite des mandats, pour embrouiller un peu les comptes d´exploitation ou ne pas reporter certaines opérations. De toute façon, les comptes d´exploitation de la banque indiquent bien qu´elle ne fit que des «avances sur garanties» à certains gros commerçants, des «avances statutaires» et des «avances extra-statutaires» à l’Etat. Et aussi d´autres importantes opérations spéculatives, sur le change notamment, puisque les contradictions qui existaient entre les différentes fractions de l´oligarchie avaient forcé l´Etat, dès le débarquement à Miragoâne, en 1883, des membres du Parti Libéral, à violer subitement les articles 11, 12 et 13 du contrat de concession. C´est à dire à battre monnaie par le biais du Trésor, et ce jusqu´aux années 1910 puisqu´il ne pouvait pas, dans le cadre du régime métallique qui constituait en fait un corset régulatoire, contrecarrer, avec le peu d´argent dont il disposait au budget, ceux qui, comme les Mérisier Jeannis et les Jean Jumeau ou les Rosalvo Bobo, avaient pris les armes pour s´emparer du pouvoir. Cette situation fut extrêmement favorable pour la banque. Aussi aida t-elle le pouvoir, soit d´une manière passive en lui consentant à de très fortes conditions des avances extra-statutaires, soit d´une manière active en finançant comme Turnier le soutient certains groupes révolutionnaires, à enfler la masse de billets en circulation. Les données dont on dispose sur les émissions de papier-monnaie et qui apparaissent sur le graphique ci-après ne couvrent pas toute la période allant de l´année où les émissions de billets ont été reprises aux années où Marcelin se retira, en 1908, en France mais seulement la période de 1889 à 1910 pour Kugelman, 1896. On peut lire notamment la lettre de Marcelin au Directeur de la BNH en date du 19 août 1893. Et celle du 24 octobre 1893. Et celle en date 7 novembre 1893du président du conseil d´administration de la Banque, E. Lehideux, en réponse à une note que Marcelin adressa à la banque le 28 septembre de la même année.

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ce qui a trait au cycle précis du contrôle du marché financier local par la SGCIF. Elles renvoient en tout cas à la posture que la banque assuma pendant cette longue période, à savoir qu´elle ne fit rien pour soutenir, comme Marcelin et quelques autres acteurs politiques de l´époque l´espéraient, le secteur réel de l´économie et épaula de toutes ses forces la spéculation financière.

B. 3. Le bras de fer: Dénonciation et actions de Marcelin contre la BNHRiposte de la BNH et mise en cause de la souveraine nationale Ce fut, en effet, essentiellement sous cet angle que Marcelin, comme Chatelain l´explique très bien28, examina les opérations de la banque. Pour ce, il recourut à de solides arguments théoriques et à de faits probants se rapportant en particulier aux spéculations auxquelles l´institution bancaire s´adonnait et, subséquemment, aux profits énormes, comme le graphique antérieur l´indique, qu´elle a réalisés. A remarquer que pour lui ces profits devaient être encore beaucoup plus élevés puisqu´il n´arrêtait pas de marteler que la banque prêtait à des taux d´intérêt annuels exorbitants voire jusqu´à 48% l´an. Il estimait pourtant qu´il était normal qu´elle gagne de l´argent. Par contre, ce qui lui paraissait anormal et scandaleux, ce fut surtout le fait que l´institution avait totalement amarré son destin sur la place locale aux mouvements spéculatifs. Et, également, le fait que les principaux secteurs de production et du commerce ne pouvaient trouver de capitaux pour augmenter et réaliser 28 Chatelain, Joseph, ouvrage cité, pp. 58-62.

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leurs marchandises. Il dénonça sans ambages ces faits et invita l´Etat à prendre, pendant qu´il se trouvait à la tête du Ministère des Finances, un ensemble d´actions pour y remédier. Parmi ces actions, il pensa que le pouvoir public devait user de son autorité pour forcer la banque à accepter un accord visant, à la fois, à augmenter son capital et à approuver la modification d´un certain nombre d´articles du contrat de concession qui lui étaient, par ailleurs, nettement favorables. L´Etat fut aussi invité à casser, au moyen d´une loi que l´Assemblée nationale voterait établissant une institution de crédit comme celle qui ne fut pas approuvée en 1882, le statut de monopole dont elle jouissait de fait pour ce qui a trait à la circulation des marchandises. Il pensa surtout aux articles 8, 16, 18, 20 et 21 du contrat de concession qui se référaient respectivement  : au rôle du commissaire du gouvernement auprès du Conseil d´administration de la banque; aux différentes commissions que la banque empochait pour le service de trésorerie et tous les paiements qu´elle effectuait à l´intérieur et à l´extérieur du pays pour le compte de l´Etat; au compte spécial des avances  ; au régime d´exemption fiscale dont elle jouissait  ; et, enfin,

à l´obligation que la banque devait publier tous les mois, selon le contrat de concession, dans le journal officiel, Le Moniteur, «son état de situation» (MARCELIN, 1896, 39-46). Mais ceci en demandant, parallèlement, à l´Assemblée nationale de changer de comportement en matière budgétaire, c´est à dire de participer avec le gouvernement à la mise sur pied d´une politique budgétaire non grevée de dépenses excessives. A dire vrai, Marcelin établissait une relation extrêmement étroite entre la politique que la banque menait et celle des dépenses publiques que l´Assemblée Nationale devait théoriquement contrôler. Car il pensait, avec raison, qu´il était difficile sinon impossible de freiner, sans une politique de réduction des dépenses publiques ou de non introduction dans le budget par les législateurs de dépenses d´apparat, les opérations spéculatives auxquelles la banque se livrait. Et ce notamment les dépenses qui étaient souvent ordonnées en «or américain29». L´économie nationale, faisait-il remarquer aux députés, ne pouvait pas, n´étant pas régulée par un système d´étalon or, faire face à ces dépenses. Pour ce qui concerne les rapports de l´Etat avec la banque, ils ne s´arrêtèrent pas de se détériorer depuis le gouvernement de Salomon, ou, plus précisément, depuis les premiers articles du journal L´Œil, pendant les années 1882, au sujet des mandats qui furent, on l´a vu, remis en circulation avec sa complicité. Ces rapports prirent un caractère alarmant après le départ de Salomon du pouvoir et se transformèrent en crise, en 1903, suite au refus de la banque d´accorder cette même année à l´Etat, qui était une nouvelle fois aux prises avec d´importantes difficultés budgétaires, une avance extra-statutaire. Ce, au motif que le compte de l´Etat accusait un débit 29 Lettre adressée le 20 décembre 1892 par F. Marcelin au président Hyppolite sous la manchette «  Ordonnances dressées en or  ». In. Marcelin (1895, 58-61)

de quelques 950.000 francs environ30. Marcelin rapprocha cet acte de la banque des autres faits qui montraient la mauvaise volonté de celle-ci à l´égard de l´Etat et du pays. Il décida de la frapper là où il pouvait affecter sérieusement ses opérations, soit, concrètement au niveau du service de la trésorerie pour lequel elle percevait, on l´a vu, des commissions et qui générait une part appréciable de ses profits. Il lui enleva le service de la trésorerie, et mis, ainsi en veilleuse l’article 15 susmentionné du contrat de concession du 10 septembre 1880. Mais la banque ne se rendit pas. A dire vrai l´adversaire était trop faible à ses yeux pour qu´elle se pliât à ses injonctions ou réorientât sa politique vers d´autres circuits d´activités, particulièrement vers les activités où Marcelin voulait qu´elle intervînt. Ceci d´autant que le long cycle politique séculaire de l´oligarchie militaro-terrienne s´était durablement installé dans sa dernière phase descendante et qu´il ne pouvait plus être, en termes de déterminisme historique, stimulé à nouveau sur une période très longue. Ceci tant les contradictions entre les différentes fractions des camarillas, qui se succédaient au pouvoir grâce aux coups de force des «Cacoïstes» du Nord et des Mérisier Jeannis du Sud qu´ils finançaient par les dépenses auxquelles Marcelin s´opposait, s´étaient développées. Il existait, donc, au sein même de l´appareil d´Etat des éléments qui devaient lui permettre de riposter -avec arrogance même!- à la mesure qui fut prise à son encontre, et ceci tout en continuant à engranger des profits par le biais de la spéculation. Elle menaça, en effet, l´Etat, par l´intermédiaire du président de son conseil d´Administration, M. Ewald, de recourir à l´article 2331 du contrat de 30 BNH-Assemblée Générale des Actionnaires, 1906. Voir aussi: Note sur les rapports du gouvernement haïtien et de la Banque Nationale d´Haïti, 15 octobre 1907, Archives historiques de la Société Générale, Paris. 31 L´article 23 du Contrat de concession disait exactement ceci  : « En cas de divergence sur l’interprétation des clauses et conditions de la concession entre le Gouvernement et la Banque, la contestation sera soumise à des arbitres nommés par le Gouvernement et la Société re-

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concession, lequel article prévoyait la constitution par les parties d´un tribunal arbitral en cas de désaccord ou de divergence sur telle ou telle question. Elle se permit aussi, convaincue de la faiblesse de l´Etat, de demander, de plus, que le tribunal arbitral se réunit à Paris, et non pas à Port-au-Prince comme le gouvernement le lui signala par la suite. De multiples lettres furent échangées entre le Gouvernement et la banque au sujet de cette question pendant plusieurs années. Elles montrent toutes que le Gouvernement essaya de rejeter les réactions de la banque et de maintenir ainsi sa position. Mais ceci, à dire vrai, seulement sur le plan déclaratoire et aussi d´une manière ambigüe, car, même si le gouvernement a pu s´occuper lui-même du service de trésorerie jusqu´après le départ forcé de Marcelin en 1908 du Ministère des Finances, il ne put se passer totalement de ses services. Du reste il prit soin de lui demander, en lui enlevant la charge du service de la trésorerie, de continuer à se charger de celui de la dette et aussi de celui du retrait du papier-monnaie. Ceci peut être considéré comme un certain signe de faiblesse, car il est difficile de comprendre, au regard de quelques lettres qu´il adressa au conseil d´administration de la banque, que Marcelin eût à inviter l´institution à souscrire un tel accord. La banque n´hésita pas, du reste, à profiter de la circonstance pour le railler et d´essayer de l´écarter en s´adressant directement plus d´une fois au président Nord-Alexis et non à lui-même. Mais la banque avait trop abusé des différentes circonstances qui s´étaient présentées depuis son implantation dans le pays pour réussir son coup. Elle avait, en effet, d´autres contentieux avec l´Etat, particulièrement celui se rapportant à l´emprunt de 1896 qui était émis à Paris dans des conditions, comme celui de Domingue, extrêmement scandaleuses. Le gouvernement présentant les concessionnaires. Dans le cas de partage, lesdits arbitres nommeront un tiers arbitre, et leur décision sera en dernier ressort  ; toute intervention diplomatique sera formellement interdite ».

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Nord Alexis instruisit un procès contre elle et la fit condamner. Au total, elle eut à affronter, dans une courte période, deux importants procès, celui-ci qui portait sur le 5% de l´ancien président Sam, et celui dit le «procès de la consolidation». Elle avait ainsi sensiblement augmenté son passif envers l´Etat, et se trouva dans ce cas face à une situation particulière, c´est à dire face pratiquement à une situation de crise et que le conseil d´administration devait résoudre. En d´autres mots, elle devait offrir aux porteurs de parts de meilleurs perspectives pour leurs placements, puisque, comme on le voit sur le graphique qui vient en dessous, les dividendes que ces derniers recevaient s´étaient mis à diminuer depuis l´exercice de 1902, soit depuis le coup de force de Marcelin du 5 août 1903. Il en fut de même du cours moyen annuel des actions. Que fit-il alors pour sortir de cette impasse et satisfaire totalement les actionnaires  ? Cette question paraît compliquée, pourtant elle ne le fut pas tellement. Ce, pour deux raisons: premièrement parce que d´autres groupes financiers rivaux en France –particulièrement celui à la tête duquel se trouvait la Banque de l´Union Parisienne (BUP) -, qui suivaient de près depuis pratiquement le début du démarrage des bonnes affaires que la SGCIF-BNH menait dans le pays, avaient profité des circonstances créées par la double affaire du «service de trésorerie» et de l´«emprunt de 1896» pour approcher le Gouvernement et lui faire des offres. Cela avait beaucoup aidé le Gouvernement à tenir tête au conseil de direction de la banque. Deuxièmement, parce que le conseil d´administration de la banque, le président Ewald particulièrement, avait, suite à une série d´actions politico-financières qu´il avait conduites avec succès, surestimé ses capacités de manipuler les différentes fractions de l´oligarchie et de les opposer entre elles. Ce faisant, il s´était fermé toutes les issues de sortie qui

pouvaient exister, il ne lui restait plus, donc, qu´à négocier son départ de la place financière locale. C´est à dire à accepter les offres de liquidation de ses activités de manière anticipée que lui faisait le groupe de la BUP en sa faveur, et que, comme on va le voir à la section suivante, le Gouvernement appuyait.

C. Troisième partie  : La dissolution de la BNH et la création de la BNRH pendant l´embellie de 1906/07-1919/20  : De nouveau les critiques du député-ministre Frédéric Marcelin Mais puisque, quoiqu´acculée la banque se trouvait encore, en termes relatifs, dans une certaine position de force face à l´Etat pour négocier sa dissolution anticipée, et qu´en dépit du fait, de plus, que les événements qui avaient porté Antoine Simon au pouvoir l´avaient forcé à se retirer définitivement en France Marcelin continuait à questionner les concessions que les autorités centrales accordaient à des institutions bancaires étrangères, on se propose de suivre dans cette partie le procédé suivant. On considère donc, en premier lieu, la liquidation de la BNH et son remplacement immédiat par une nouvelle banque comme l´une des causes de sa dispari-

tion. On examine, en second lieu, comme on l´a fait antérieurement dans le cas de la BNH, la politique de la nouvelle banque et les effets que ses activités ont eus pendant la courte période de 19101917 sur le système productif et le climat spéculatif que la BNH avait profondément stimulé au lieu de l´apaiser comme cela était prévu dans le contrat de concession de 1880. On considère, en troisième lieu, la posture que Marcelin adopta face à la nouvelle banque même s´il ne se trouvait plus dans les rouages du pouvoir, et l´on s´appuie sur les observations qu´il fit, dans ce cadre, au mode de fonctionnement de cette institution, pour indiquer, en dernier lieu, que la politique de la nouvelle banque avait fortement aggravé le coût de la vie et intensifié le mouvement de la Loi de Gresham que l’ancien ministre des Finances signalait depuis le milieu des années 1880.

C.1. Dissolution de la BNH- et Création de la BNRH Comme on l´a dit, donc, la banque enclencha très vite les négociations, elle ne se fit pas trop prier, car contrairement à ce que Chatelain rapporte en abordant cette question32 elle dispo32 Chatelain analyse en effet avec beaucoup d´attention les faits qui ont conduit à la dissolution de la BNH. Il essaie de démontrer par son raisonnement que la banque avait été complètement acculée par les Gouvernements de Nord Alexis et d´Antoine Simon. Il se base pour cela notamment sur les rapports de la banque aux assemblées ordinaires des actionnaires, faisant ainsi remarquer que le conseil d´administration avait été surpris de l´attitude d´Antoine Simon. C´est à dire que, après avoir été persuadés suite à quelques rencontres qui ont eu lieu à Paris en 1909 et 1910, les successeurs de Nord Alexis et de Marcelin allaient rétablir des relations cordiales avec la banque. On relève effectivement cet état d´esprit dans le Rapport du Conseil d´Administration de 1910. Mais il semble qu´il ne faut pas rester trop collé à ce rapport. C´est ce que Chatelain fait pourtant, or les correspondances entre la banque et Marcelin, d´une part, et entre la banque et le Général Nord Alexis d´autre part, montrent plutôt que le conseil d´Administration n´avait jamais perdu en fait tout le contrôle de la situation. Et ce quoique son intention réelle fût –en essayant d´isoler Marcelin- de porter Antoine Simon à revenir sur le retrait du service de la trésorerie, c´est à dire à l´autoriser à reprendre ces opérations qui constituaient, on l´a vu,

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sait encore, sur le plan légal, de quelques atouts pour forcer et le groupe financier de la BUP qui devait la remplacer et le Gouvernement à composer. Et ce malgré le fait que le temps pouvait porter les actionnaires à retirer leur confiance au conseil d´administration, puisque le montant des dividendes, que la direction de l´institution distribuait par action, n´arrêtait pas de baisser et tendait même, comme on peut le voir en lisant le graphique ci-après conjointement avec le précédent, à chuter, depuis que Marcelin lui avait enlevé en 1903 le service de la trésorerie, au-dessous d´un chiffre alarmant en termes de capitalisation. En fait l´un de ses principaux atouts était l´article 2 du contrat de concession de 1880 qui définissait les conditions suivant lesquelles les parties, c´est à dire la banque et l´Etat, pouvaient résilier le contrat. Or, selon le contrat de concession, il restait encore à la succursale de la SGCIF, au moment où elle fut mise en demeure de fermer ses portes, une longue période de jouissance légale, soit 20 ans. Elle s´arc-bouta, donc, sur les prescrits de cet article33 pour faire annul´une des principales sources des profits qu´elle réalisait. A la vérité, pour bien analyser ce moment de l´histoire de la BNH, Chatelain aurait dû rapprocher entre eux les rapports du Conseil d´administration des échanges de lettres et de notes qui ont eu lieu entre le directeur général Ewald et le gouvernement de Nord Alexis. Ce d´autant que le Conseil d´Administration se gardait de tout rapporter aux actionnaires. Il faut aussi faire observer, dans ce même cadre de réflexion, que F. Blancpain aborde aussi, de son côté, cette question dans son ouvrage, Un siècle de relations financières entre Haïti et la France. Mais Blancpain reste trop collé, pour sa part, aux notes verbales du ministre de France à Portau-Prince pour aborder cette question. Alain Turnier n´est pas arrivé, non plus, pour ce qui le concerne, à éclairer suffisamment bien ce point  ; il s´accroche par trop à quelques notes du Département d´Etat sur cette question. A dire vrai, aucun de ces deux auteurs n´a suffisamment questionné les notes auxquelles ils se réfèrent. Pourtant il est nécessaire de le faire pour comprendre que la BNH n´avait pas trop perdu en acceptant l´offre de Paris et de Port-au-Prince de se retirer du pays. Voir. Chatelain, op. cit. 74  ; Blancpain ( Françcois, 2002, 140-163). Et Turnier (1982, 233-240). 33 L´article 2 du Contrat de concession disait exactement ce qui suit  : «Cette concession est faite pour cinquante années à partir du jour de la promulgation du Décret qui approuvera la présente Convention. Une année avant l´expiration de la concession, le Gouvernement d´Haïti

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ler toutes les sanctions que les tribunaux avaient prises contre elle et tout les passifs qu´elle avait en faveur du gouvernement. Et ce en acceptant, en revanche, d´annuler, à son tour, dans un cadre de réciprocité, toutes les dettes que le gouvernement avait envers elle. Mais en obtenant, par contre, que le consortium bancaire à la tête duquel, comme on l´a vu, se trouvait la BUP la paie pour compte du gouvernement une somme de 1.205.601 Francs à titre d´intérêts et de commissions sur, d´une part, les opérations dites de la «consolidation de 190034», et, d´autre part, sur les avances statutaires qui ont été faites au gouvernement durant la période qui s´étendait du 31 janvier1904 au 30 septembre 191035. Et aussi que la BUP concède à ses actionnaires, en compensation de cette période de 20 ans susmentionnée qui lui restait, selon le contrat de Salomon, à boucler, «20.000 parts de fondateur36» du capital et la Société aux droits du concessionnaire dont il va être question auront la faculté de dénoncer leur intention de dissoudre la Banque. Le Gouvernement aura dans ce cas, et au moment de la dénonciation, à payer à la Banque tout ce qu´il pourra lui devoir en capital, intérêts et commission. Ce remboursement devra avoir lieu en francs et au pair. La Banque, de son côté, devra liquider toutes ses dettes et retirer les billets en circulation en les remboursant en monnaie de bon aloi. Après expiration des délais légaux, la valeur des billets qui n´auraient pas été présentés au remboursement appartiendra à la Banque. Dans le cas où une année avant l´expiration de la concession, le Gouvernement ou la Société ne manifesterait pas l´intention de résilier le présent Contrat, la Banque continuerait de droit à exister pendant une période de douze années, et ainsi de suite». 34 Chatelain, op. cit.  ; Turnier, op. cit.; 35 BNH, Rapport du Conseil d´Administration en date du 6 janvier 1911, pages 4-5. Loi du 21 octobre 1910. Le Moniteur 36 Il est bon de noter que le Conseil d´administration de la BNH avait vendu ces 20.000 parts de fondateur immédiatement après qu´il les

social de l´institution qu´elle allait créer avec ses associés.

milables au métal», l´équivalent d´un tiers des billets en circulation.

Ainsi, comme on le voit, à la différence de la BNH, la nouvelle banque fut née avec un important passif. Elle était créée au milieu d´une période de reprise et d´embellie soutenue (1906/07-1919/20)37, sous le nom de Banque Nationale de la République d´Haïti (BNRH), par une concession de cinquante ans qui était accordée par l´Etat haïtien au groupe bancaire international38 suscité que représentait la Banque de l´Union Parisienne (art.1 et 2). De ce fait, elle était, comme l´ancienne institution, une société anonyme française et avait son siège social à Paris, au 7 de la rue Chauchat. Son capital social s´élevait à vingt millions de francs, divisé en 45.000 actions de 500 francs chacune, mais était autorisée, selon les lois françaises, à avancer seulement un quart –soit 5.000.000 de Francs- de ce capital nominatif pour commencer à fonctionner. Comme également celle qu´elle avait remplacée, elle pouvait réaliser toutes les opérations de banque -de dépôt, de prêt, d´escompte et de crédit, etc.- et avait, en vertu de l´article 9 du contrat de concession, le privilège exclusif d´émettre des billets remboursable à présentation. Elle devait, cependant, rétablir le régime métallique que la BNH n´avait pas pu garantir. En d´autre mots, obligation lui était faite, en accord avec l´article 11 du contrat de concession, d´avoir, en tout temps, dans ses coffres, en monnaie métallique ou en toutes autres «valeurs assimilées ou assi-

Par ailleurs, elle avait aussi, de plus, comme l´ancienne institution, le statut de «banque privilégiée d´Etat»39, ce qui le garantissait du coup de manière formelle le contrôle total de la place financière locale (cf. art. 22). Le contrat de concession l´autorisait, d´un autre côté, à appuyer l´Etat par une «avance statutaire» deux fois plus élevée, soit 600.000 dollars, que celle que la BNH accordait aux autorités centrales. Et à s´occuper en même temps du service de la trésorerie, moyennant une commission de 1% sur les encaissements qu´elle réalisait pour le Trésor. Et une autre de ½% sur les paiements qu´elle effectuait à l´intérieur et à l´extérieur, étant entendu, comme, on l´a vu, c´en fut le cas durant toute la période de la BNH-SGCIF, que les pertes au change devaient être assurées entièrement et exclusivement par le Gouvernement et non pas par elle (cf. art. 16).

avait reçus. Ceci avait provoqué une véritable discussion entre les actionnaires qui n´étaient pas au courant de cette opération et le président du conseil. Voir F. Marcelin, Finances d´Haïti. Emprunt nouveau et même banque  ; Kugelman, Annexes-Pièce E-BNH. Et aussi  : BNH, Assemblée générale extraordinaire du 6 janvier 1911. 37 CF. Pierre, Guy, La crise de 1929 et le développement du capitalisme en Haïti. Une perspective de longue durée et une conjoncture perdue. Sous Presse- CIDHICA, Montréal, Canada. 38 Ce groupe bancaire était en gros composé de huit (8) grandes maisons bancaires: la BUP, la maison Thalman & Cº, la maison L. Hirsh & Cº, la maison Hallgarten & Cº, la maison Ladenburg Thalmann & Cº, la maison Speyer & Cº, la National City Banking et la La Berliner Handelsgesellschaft. Par ailleurs, tandis que la BUP, la maison Thalman et la maison L. Hirsch controlaient respectivement 25%, 12.5% et 12.5% du capital social de la nouvelle banque (BNRH), les cinq autres institutions disposaient, chacune, de 10% des actifs de la BNRH.

Comme on le voit, donc, la nouvelle entité bancaire était fondée sur la base d´un contrat de concession quasiment identique à celui de 1880, mais dans des circonstances économiques différentes de celles qui existaient sous le gouvernement de Salomon. Et aussi –ce qui est important de retenir- dans un contexte politique national et international totalement différent de ce qui prévalait pendant les vingt dernières années du XIXe siècle. En effet, tandis que l´ancienne banque était créée dans une période de dépression économique et durant une phase ascendante d´un long cycle politique dominé, à l´intérieur, par le Parti national et, à l´extérieur, par le grand capital industriel et bancaire européen, la nouvelle banque était fondée, elle, on l´a vu, au milieu d´une période d´embellie sur le 39 L´expression est une adaptation de la formule «Banque d´Etat privilégiée» que le syndicat bancaire, qui a créé la BNRH, a employée dans une circulaire. Cf. Archives Historiques de la Société Générale, Boîte CN0051-Acte Syndical

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plan local, et dans le cadre d´un quadruple phénomène complexe sur le plan international. Soit, premièrement, le déclin relatif du capitalisme du tout premier âge anglo-français et la poussée impressionnante du capitalisme germano-américain durant la deuxième moitié du XIXe siècle. Deuxièmement, l´élimination en 1913, suite à l´adoption de la Federal Reserve Act, des barrières légales qui empêchaient les banques de l´Union américaine de s´établir à l´étranger40. Troisièmement, la consécration du corollaire de Roosevelt qui constituait pour le jeune impérialiste américain un puissant instrument légal pour violenter ces «nations non civilisées de la région» comme Roosevelt lui-même se plaisait à le répéter et les porter à appuyer, par le biais des profits que ses entreprises en rapatriaient, son expansion. Et quatrièmement, enfin, la Grande Guerre de 1914-1918 qui allait éclater et qui allait perturber profondément dans son mouvement les marchés européens de capitaux avec lesquels la place financière locale était en relation. Cette observation est importante pour l´analyse car elle indique que l´Etat allait avoir, avant même que la nouvelle banque ne commençât à fonctionner, autant sinon davantage de difficultés qu´avec la BNH au niveau de la politique économique en général, et que le nouveau cycle bancaire français ne pouvait pas être aussi long que le premier. Et ce d´autant que le nouveau contrat de concession était associé -dans le sens de «conditionner» - à un nouvel emprunt, et que cet instrument financier devait attiser les 40 A dire vrai, il est nécessaire de préciser que les banques américaines avaient comencé à s’établir à l’étranger bien avant même l’adoption, en 1913, de la Federal Reserva Act. Elles jouissaient pour cela de l’appui ouvert du State Department qui intervenaient directement auprès de certains Gouvernements de la région pour défendre les actions de leurs banquiers dans ces pays. L’analyse n’insiste pas trop sur cette question pour ne pas s’éloigner de l’objet principal de l’étude mais d’autres études antérieures de l’ auteur montrent comment La National City Bank of New York avait profité, en1910, de l’appui du State Department des circonstances qui prévalaient sur les places financières internationales pour non seulement intégrer le groupe bancaire international qui avait creé cette année la BNRH mais réclamer une meilleure place dans le syndicat. Voir sur ce point: Pierre, G., L’implantation et l’éviction de la banque d’affaire française dans la Caraïbe, art.cit. Et, Pierre, G. La crise de 1929 et le développement du capitalisme en Haïti, op. cit.

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conflits au sein du syndicat bancaire puisque dès le jour même de son émission41 le nouvel emprunt se révéla comme une source impressionnante de profits. Ce fut bien, en effet, ce que le Département d´Etat a voulu dire au gouvernement en dénonçant les deux contrats et en lui enjoignant de ne pas les signer42. Les ministres des Finances qui ont succédé à Marcelin, notamment Louis Edouard Pouget qui a été jusqu´à demander, pour des raisons que la recherche doit sans doute éclaircir, au Département d´Etat de s´opposer au contrat du nouvel emprunt, n´avaient pas compris cela. Marcelin oui par contre, mais en utilisant, comme on le verra plus loin, un style ironique et peu précis. De toute façon, on trouve suffisamment d´éléments dans les critiques qu´il adressera à la nouvelle banque, après son évincement à la tête du Ministère des Finances, pour comprendre comment la nouvelle banque avait floué le gouvernement et profité du nouvel emprunt ainsi que du climat politique et de la réforme monétaire qu´elle était chargée d´entreprendre avec le concours de l´Etat selon les articles 9 et 12 du contrat de concession et l´article 5 de ses statuts. Et réaliser ainsi, comme on l´explique dans le paragraphe qui suit, durant une période assez courte une masse appréciable de profits.

C.2. Nouvelle poussée de la spéculation financière et Intensification de l´accumulation du capital bancaire dans le cadre des conflits entre la BNRH et l´Etat durant le cycle court de 1910-1917 A dire vrai, pour bien examiner et apprécier les opérations qu´elle a menées, il faudrait sans doute reprendre ou partir de l´analyse que Chatelain en fait. Mais quoiqu´intéressante, 41 Les banques d´affaires de l´époque ont rapporté que l´émission de l´emprunt de 1910 a été conclue le jour même. Ce fut en fait à en croire Marcelin et la presse française de l’époque une journée de fête. 42 Turnier explique extrêmement bien ce point des relations entre l´Etat haïtien et le gouvernement des Etats Unis. Cf. Turnier, Alain, op. cit.

l´analyse que présente l´ancien haut fonctionnaire de la BNRH et du FMI est par trop technique. Cette analyse a en fait son objectif propre mais elle ne s´accorde, malheureusement, pas très bien, ce qui se comprend, à la ligne directrice du présent travail dont le but principal est, comme il est dit dans l´introduction, de mettre à débat la posture du plus prestigieux jusqu´à date ministre des Finances que le pays ait connu face à une institution financière étrangère. A dire vrai, comme on le verra plus loin, les principaux points que cette analyse aborde sont présents dans les réflexions de Marcelin mais elle le fait d´une façon assez différente par rapport à ce qu´elle présente pour la première banque. En d´autres mots, elle le fait d´une façon telle qu´il n´est pas très facile de saisir de façon précise, sur des bases chiffrées et qualitatives, tous les avantages que la nouvelle banque a tirés de son implantation dans le pays et les effets que la nouvelle institution a eus sur l´économie nationale dans son ensemble. Or c´est justement dans le but de faire d´importants profits, comme l´ancienne banque, qu´elle avait signés avec l´Etat les contrats susmentionnés. Du coup, donc, comme encore une fois l´ancienne succursale de la SGCIF, elle s´éloigna de toute activité qui aurait pu la porter à opérer comme ce que l´on a appelé antérieurement «banque de développement», et concentra ses activités dans les circuits économiques qui pouvaient lui permettre de valoriser au maximum son capital. C´est à dire les circuits du service de la trésorerie ainsi que ceux de la politique de dépenses budgétaires courantes. Et aussi de la politique de la dette publique qui s´élevait, au moment où elle avait lancé en 1911 ses activités, à une somme totale qui devait se situer probablement dans une fourchette de 95 à 100.000.000 de francs environ, ce qui devait représenter durant cette période, tenant compte de nombreuses marges d´erreurs et en admettant un taux de conversion du franc en dollar de 5 pour 1 dollar et aussi un taux de chan-

ge de la gourde en dollars de 5 pour 1, approximativement  près de 3 fois le budget national et une part appréciable des exportations totales. En effet, dès que le gouvernement avait signé les deux contrats, soit celui qui se référait à sa constitution proprement dite et celui qui traitait du nouvel emprunt et avant même qu´elle ne démarrât ses activités le 1º mars 1911, la nouvelle banque se trouvait dans une situation favorable. Cette situation s´expliquait par le fait que, comme on l´a vu, les deux contrats étaient «connexés», c´est à dire qu´aucun des deux ne pouvait entrer en exécution sans que l´autre ne commençât en même temps à être exécuté. Ceci a permis à la BUP, comme Chatelain le signale d´ailleurs fort bien43 en s´appuyant sur les observations de Marcelin, de réunir le capital appelé de la banque sans avoir eu à recourir à ses fonds propres ou à quelques autres prêts qu´elle aurait pu essayer d´obtenir, à Paris même ou sur d´autres places européennes, à des taux très bas. Elle le fit par un simple jeu d´écriture, c´est à dire en valorisant immédiatement le produit ou le bénéfice obtenu du nouvel emprunt qui était émis sous forme de coupon par le syndicat bancaire à 442 Frc.50 mais que ce consortium avait acheté sur le marché à 361 Fr. 54 alors que, nominalement, le coupon valait en fait 500 francs. Cette opération boursière a été réalisée sur un nombre total de 130.000 coupons obligataires correspondant à un emprunt de 65.000.000 de francs. Elle dégagea une masse totale, à titre de profits, de 10.524.000 francs. Le syndicat put, ainsi, par ce stratagème financier couvrir avec une fraction seulement de cette somme, soit 5.000.000 de francs, le capital appelé de la banque et retenir l´autre fraction au siège social de la BUP, à Paris, à la rue Chauchat. Une partie du capital appelé de la banque fut utilisée, pendant les premiers mois, pour faire, comme le contrat de 43 Chatelain, Joseph, op. cit. Ed. Fardin, pp. 80-81

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concession le prévoyait, des avances sous forme de prêt statutaire à l´Etat, et sous forme d´avances au Trésor à compter de la même année 191144, ce qui permit au pouvoir central, après le renversement du président Nord-Alexis par le Général Antoine Simon, de couvrir un certain nombre de dépenses courantes et d´assurer la paie des fonctionnaires et des membres du corps de l´armée. Il faut mentionner, de plus, que parallèlement la banque s´était mise à s´occuper, dès le début de ses activités, comme l´article 9 du contrat de concession l´établissait, de l´introduction dans la circulation monétaire de nouveaux billets monétaires en substitution de la masse de papier-monnaie que les autorités centrales avaient émise, on l´a vu, durant le long cycle de la BNH-SGCIF (1881-1910). Il est également important de souligner, dans ce même cadre de réflexions, qu´un nombre important de conflits eurent lieu entre la nouvelle banque et l´Etat, et ce pratiquement dès le lendemain même du jour où l´emprunt a été émis, c´est à dire de la belle journée boursière45 du 17 février 1911. Ces conflits portèrent sur tous les aspects des deux contrats en question. Ils furent tous très violents et quelques uns d´entre eux se transformèrent même en crise ouverte. Les plus importants de ces affrontements furent ceux qui éclatèrent, pendant les années 1912- 1914, suite au refus de la banque, comme l´article 15 du contrat de concession l´établissait, de faire des avances à l´Etat au motif que le déficit budgétaire avait augmenté et que le gouvernement ne lui avait pas encore remboursé les avances antérieures. D´autres conflits, comme ceux, par exemple, qui eurent lieu autour du taux de change auquel on devait procéder à la réforme monétaire, furent aussi importants. Ces conflits n´étaient pas faciles à être contrôlés ou apaisés, 44 Les deux parties étaient arrivées à un accord pour transformer le principe d´avance ou de prêt statutaire en avance au Trésor. Alain Turnier et Joseph Chatelain expliquent très bien cet arrangement. Cf. A. Turnier et J. Chatelain, op. cit 45 On explique plus loin pourquoi on qualifie la journée du 17 février de «belle journée boursière» et non de «journée boursière» tout court.

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puisqu´ils étaient alimentés par l´aiguisement extrême des vieilles contradictions séculaires que l´on a vues antérieurement et qui opposaient les différentes fractions de l´oligarchie militaro-terrienne. A la vérité, ces conflits avaient surtout un arrière fond budgétaire et recoupaient les difficultés que rencontrait la réforme monétaire, et que les propositions des ministres Edmond Lespinasse et Auguste Bonamy exprimaient conjointement avec les réticences qu´avait la banque au sujet du taux cambiaire et du rythme temporel suivant lesquels il convenait de terminer avec le régime de papier-monnaie. Lequel avait brusquement rebondit par ailleurs, comme on peut l´observer sur le graphique 4, entre 1912 et 1915 après avoir marqué un recul assez net pendant les trois années antérieures. Et qui s´était aussi, de plus, comme suite immédiate à ce fait et comme conséquence directe aux guerres récurrentes que les différents Généraux se livraient entre eux pour s´emparer du pouvoir, étalé sur la longue durée. Le graphique 5 indique très bien ce fait. Ces conflits constituèrent, au total, de véritables conjonctures pour la banque, mais ils ne l´ont pas en fait empêchée de mener à bien ses activités. Au contraire, la banque en a profité pour augmenter ses profits, comme c´en fut, par exemple, le cas durant l´exercice de 1914. En effet, durant cet exercice le gouvernement eut à affronter violemment la banque sur le refus de celle-ci de l´aider, sur la base d´un accord qui a été signé entre les deux parties, à régler des dépenses courantes. Le gouvernement dut, en réaction, recourir au début du mois de février 1915 à une mesure semblable à celle que Marcelin, on s´en souvient, avait prise, en 1903, contre la BNH. C´est à dire à lui retirer le service de la trésorerie. Comme pendant le gouvernement de Nord-Alexis cette mesure fut brutale, la banque en pâtit. Mais cela ne l´a pas empêchée, comme le Conseil d´administration

pour le moment, comme dans le cas de la BNH, de données complètes et séquencées de ses activités de façon à estimer le taux moyen de profit qu´elle a réalisé durant la courte période (1911/12-1917/18) pendant laquelle elle a opérée dans le pays. Mais de multiples correspondances laissent supposer, que malgré un certain nombre d´aléas et en dépit du fait que la Guerre en Europe avait beaucoup pesé sur les activités financières, elle a pu réaliser un taux de profit assez élevé, d´autant qu´elle n´avait en fait rien apporté puisque les capitaux qui furent investis ne furent pas de capitaux propres sinon, on l’ a vu, des fractions d´une masse de profits-spéculatifs qui furent transformées en capitaux bancaires.

le mentionne dans son rapport aux actionnaires pour cet exercice, d´engranger rien que pour les opérations qui apparaissaient au poste «Compte divers» 9.823.034 francs, ce qui représentait une augmentation de plus de 23% par rapport à ce qu´elle avait réalisé au précédent exercice46. Il faut aussi noter qu´elle avait pu réduire son passif envers le gouvernement de près de moitié. On ne dispose malheureusement pas 46 Archives Historiques de la Société Générale. BNRH, Projet de Rapport pour l´Assemblée Générale des Actionnaires 1916 (Exercice 1914).

A la vérité, vu ainsi, on peut même dire -sous réserve bien sûr que des recherches ultérieures le confirment- qu´elle avait fait en gros une bien meilleure affaire que la BNH. Bien sûr sans tenir compte du fait que la BNH avait bénéficié d´un très long cycle financier. Le problème est que la nouvelle institution s´était implanté dans le pays à un moment où il ne restait à l´Etat plus d´alternative, soit seulement quelques cinq à six ans à peine pour s´effondrer, alors que en dépit du fait qu´il était également faible pendant le cycle de la BNH, l´Etat disposait encore de quelques marges d´action. C´est à dire que,

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pour être un peu plus précis, les Salomon et les Florvil Hyppolite ainsi que les Tirésias Sam et les Nord Alexis pouvaient encore boucler leurs périodes constitutionnelles et imposer une certaine stabilité apparente grâce aux exactions et aux cavalcades des Merisier Jeannis qu´ils manipulaient à leur guise et contrôlaient aussi habilement. Mais ces jeux politiques macabres s´étaient achevés après le renversement de Nord Alexis par Antoine Simon. L´Etat était totalement aux abois pour parler crument. Le long cycle politique séculaire de despotisme de toutes sortes et de satrapie n´avait plus de ressort, les généraux, qui essayaient encore de le soutenir, ne pouvaient pas contrecarrer les manigances de la banque. Cette situation l´avait, donc, aidée à «connexer47» les deux contrats et à s´arranger pour émettre l´emprunt avant de commencer des opérations dites de «banque», alors que, en tout état de cause, il eût été plus logique du point de vue économique et du point de vue légal qu´elle procédât autrement, soit ouvrir d´abord ses portes dans le pays, au coin de La Place Geffrard et de la rue du Quai, et émettre, ensuite, l´emprunt par le biais du siège social à Paris. La spéculation financière avait ainsi fortement augmenté avec ce jeu, et, avec elle, les 47 Cette expression est employée par des membres du conseil d´administration dans quelques unes des notes qu’ils rédigèrent.

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profits de la banque, puisque, comme le schéma qui suit permet de l´apprécier, le pouvoir central s´était mis à tourner comme une véritable roue, les gouvernements se succédaient à un rythme moyen de un à deux par an. Chacun d´eux émettait, à des taux alléchants pour la banque et les commerçants-agioteurs, pour solder la dette de celui qu´il avait délogé la veille au nom de la «révolution», un ou deux emprunts sur le marché local. Le graphique 6 montre mieux encore comment la BNRH continua la politique de la BNH, faisant varier avec le Haut commerce le taux de change et empochant des marges importantes de bénéfices. On voit comment le taux de change a sauté entre l´année qui a marqué l´ouverture de la nouvelle banque et l´année 1914. Et aussi le mouvement de la masse de billets-or (Gourdes/ or + Dollars/or). Il faut dire, par ailleurs, que tout ceci a été réalisé de manière assez illégale et dans un climat, comme Turnier et Chatelain le font observer, d´arrogance car la banque s´était arrangée, malgré les appels et les menaces du Secrétaire d´Etat des Finances d´alors, Edmond Lespinasse, pour faire noyauter le projet de rétablissement du régime monétaire métallique comme le contrat de concession le prévoyait. Elle le fit en refusant de mettre à la disposition du Secré-

théorique rigide et en faisant remarquer, de plus, quelques différences dans la nature même ou le mode de fonctionnement en général de la BUP par rapport à celui de la SGCIF. Et aussi en se demandant s´il était nécessaire de lancer un nouvel emprunt durant la conjoncture économique de 1910-1911.

taire d’Etat des Finances Lespinasse une somme de 2.300.000 francs qui représentait une fraction de la réserve de 10.000.000 francs que la BUP avait constituée pour compte de l´Etat, en accord avec l´article 9 du deuxième contrat de 1910, sur l´emprunt de 65.000.000 et dont le Secrétaire d´Etat avait besoin pour procéder au retrait de la masse de papier-monnaie qui circulait48. Marcelin a suivi de près ces problèmes après son départ définitif du pays, il les a examinés et appela l´Etat à prendre un certain nombre d´actions urgentes pour obliger la banque à les corriger et réorienter sa politique. Mais il le fit en intégrant ces observations, comme on va le voir dans le paragraphe qui suit, dans un cadre 48 Il faut bien entendu mentionner que la banque n´avait pas pu maintenir cette décision après les événements de 1915, elle fut obligée, sous la pression ou sur la demande du Département d´Etat, d´arriver à un accord avec le gouvernement que l´occupant avait placé. Ainsi, un arrêté fut adopté le 26 septembre 1916 demandant à la banque de ramener, au pays, les 10.000.000 de francs dont on a fait mention au présent paragraphe et qui étaient prévus pour le retrait de la masse billets en circulation, et, au gouvernement, de revenir sur la mesure du retrait du service de trésorerie qu´il avait prise contre la banque. Et aussi de cesser les poursuites judiciaires qu´il avait mises en marche contre elle. On n´analyse pas ces questions dans le corps du texte. La raison en est qu´elles alourdiraient le texte et feraient perdre le fil conducteur de l´analyse qui porte sur Marcelin. De toute façon, on peut recommander de consulter au sujet de ces observations le livre de Louis Gation, Aspects de l´économie et des finances d´Haïti (S/ed.-Port-auPrince, 1944), et la note verbale du ministre des Affaires étrangères de France en date du 22 février 1913 (Archives Historiques du Ministère de Finances: Lettre du Ministre des Affaires Etrangères de France au Ministre des Finances en date du 22 février 1913).

C.3. Nouvelles croisades théoriques de Marcelin  : la BNRH une reproduction identique mais différentiée de la BNH En effet, Marcelin (1911) consacra plusieurs articles de journaux et un livre spécial avec un titre très ironique, Finances d´Haïti. Emprunt nouveau-même banque, à cette nouvelle question. Pour le faire, il s´appuya à la fois sur cinq faits économiques et juridiques connexes  : Premièrement, la conjoncture économique dans laquelle la BNRH fut créée  ; deuxièmement, le montant du capital avec lequel, au regard de la conjoncture économique qui existait, elle a été autorisée à opérer; troisièmement, la confusion qui existait autour de la durée du contrat de concession dont elle jouissait; quatrièmement, le montant des avances statutaires qu´elle devait faire à l´Etat en accord avec l´article 15 suscité du contrat en question trente ans après celui que l´ancienne banque accordait au Département des Finances; et, enfin, cinquièmement, l´enchainement de cet instrument légal à celui d´un emprunt qui n´était pas, en tout état de cause, nécessaire, ou qui aurait pu être, à lui en croire, négocié autrement. C´est à dire de façon à ce que l´écart entre le produit qui en a été obtenu – soit les 47.000.000 de francs qui ont été

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dévolus à l´Etat- et le montant nominal même de cet emprunt, qui s´élevait à 65.000.000 de francs, ne fût pas aussi énorme. Ou encore fût beaucoup moindre, pour mieux dire, que la somme de 18.000.000 de francs que les opérateurs de la BUP avaient engrangé pendant les quelques heures durant la journée du 17 février 1911, on l´a vu, que les opérateurs avaient mis pour acheter les bons. Marcelin a vu dans cette opération financière, qui a constitué au départ pour la banque un profit de près du 28%, un véritable non sens économique. Ce, d´autant que, à son avis, la situation économique ne justifiait pas que l´Etat prît un tel engagement puisque, à la différence de celle qui existait en 1896 sous Tirésias Sam, ou de celle qui prévalait en 1875 durant le gouvernement de Domingue, la nouvelle situation avait changé. Car l´économie nationale se trouvait, selon lui, dans une période, comme on l´a vu, d´embellie. Les prix du café étaient en hausse sur le marché français, et y avaient pratiquement doublé pendant les deux ans qui ont précédé la signature du nouvel emprunt, passant ainsi de 38 à 75 francs la livre (MARCELIN, 1911, 6768). Cette situation exigeait de plus, à suivre son raisonnement, que le capital appelé de la banque fût plus important. Or elle avança seulement un montant de capital équivalent à celui avec lequel la BNH fonctionnait trente ans avant, c´est à dire un capital qui ne suffisait pas pendant les années de 1911 pour lancer et soutenir les secteurs productifs, particulièrement le secteur agricole. Et qui n´était pas, non plus, suffisant, par ailleurs, pendant les années de la BNH, comme il eut à le faire observer pendant le gouvernement d´Hyppolite, pour activer le secteur réel. L´économie nationale ne pouvait ainsi tirer un quelconque profit des activités de la banque. Le contrat de concession ne convenait pas au pays, il était bourré d´erreurs sur le plan légal, 56

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et aussi sur le plan économique. L´une de ces erreurs se trouvait au niveau du fait que tandis que les statuts de la banque prévoyaient qu´elle jouissait d´une concession de 75 ans, le contrat, par contre, fixait la concession à 50 ans. Une autre erreur se trouvait au niveau des mécanismes juridiques et financiers qui étaient établis pour procéder au retrait des billets qui étaient en circulation. Marcelin s´adonna à expliquer comment il était impossible pour la banque de réaliser une telle réforme avec le capital dont la banque disposait. Le capital appelé, pour mieux dire, n´était pas suffisant. Et devait placer la banque par ricochet dans une situation qu´elle n´aurait pas pu probablement résoudre facilement. Et ce d´autant que le principe qui est exposé dans l´article 11 et qui lui faisait obligation de respecter la règle du tiers métallique n´était pas très bien défini. Ceci, en ce sens que cet article parlait de métal ou de valeurs assimilables au métal, mais sans préciser le type de valeur qui aurait pu remplir cette fonction. Marcelin releva aussi dans ce même ordre d´idées une troisième erreur. Celle-ci fut de caractère économique pur et se référait aux avances statutaires que le contrat fixait, par ailleurs, à une modique somme de 600.000 dollars par an. Une telle clause n´avait, pour Marcelin, aucun sens, autrement dit l´Etat n´aurait même pas dû accepter à ce qu´elle fût établie dans le contrat puisqu´il avait émis un grand emprunt. C´est à dire un emprunt qui devait lui permettre, en tout état de cause, de s´en passer. «…je sais bien que l´ancien Gouvernement avait insisté près de la Banque Nationale d´Haïti, écrivit-il, pour que le prêt statutaire fut porté à 600.000 dollars. Mais ce qui constituait à cette époque une nécessité n´en est plus pour un Gouvernement qui vient de faire un emprunt extérieur de 65 millions de francs. Que peuvent peser pour lui 3 millions de francs en face des intérêts généraux de la nation  ? Si l’augmentation du prêt statutaire nous a ren-

dus coulants sur l’ensemble du contrat, ne faut-il pas le regretter amèrement  ? Selon toute probabilité, poursuivait-il, loin d´être un avantage, ne constituera, en définitive, qu´une nouvelle charge au passif de la République» (MARCELIN, 1911, 85-86). Mais, à dire vrai, ce qui attira surtout l´attention de Marcelin et qui l´aida à revenir une fois de plus sur la théorie de la politique des dépenses publiques, ce fut l´emploi qui a été fait de l´emprunt. En effet, l´emprunt fut assigné spécifiquement, en accord avec ce que stipulait l´article 17 du contrat d´émission, à faciliter par cette réserve de 10 millions de francs, que l´on a vue antérieurement, le retrait du papier-monnaie et à liquider tout le solde de la vieille dette intérieure qui avait, par ailleurs, augmenté brusquement, en août 1909, suite aux difficultés que le Trésor avait, avec un petit emprunt local. L´emprunt n´a pas été, donc, selon lui, très bien employé. Il a été utilisé comme les emprunts antérieurs de 1875 et 1896 à réaliser des dépenses improductives, particulièrement des dépenses qui devaient renforcer la domination de l´armée sur les institutions politiques centrales, c´est à dire en bref des dépenses improductives49. Phénomène qui facilitait, par leur reproduction et leur augmentation, l´alimentation de la spéculation financière. Et qui convenait très bien, par ailleurs, à la nouvelle banque d´affaires, c´est à dire la BUP, qui était une banque de nature très spéciale. Ceci en ce sens qu´à la différence de la SGCI et des autres banques d´affaires françaises qui pouvaient, dans des cas particuliers, réaliser des activités de banque de dépôt, la BUP s´intéressait presque exclusivement à la spéculation financière. Et s´arrangeait pour que son «capital travaille vite et bien» (MARCELIN, 1911, 66). De là Marcelin souligna une autre erreur du Gouvernement, à savoir qu´il eût été mieux pour 49 Marcelin (1911) se réfère ici particulièrement aux achats de bateaux de guerre et à d´autres catégories de dépenses.

le Gouvernement de s´engager avec une autre banque d´affaires de la place financière de Paris que de recourir à la BUP. D´autant qu´il eût pu probablement pouvoir négocier avec le syndicat bancaire international de façon à ce qu´il ne fût pas être obligé de coller ou d´associer, comme cela s´est passé effectivement, la création de la nouvelle banque -qui ne se distinguait par ailleurs en rien, en dépit de son appellation de l´ancienne- à un emprunt. Ceci constitua, pour lui, une terrible erreur et explique pourquoi le contrat de concession de la nouvelle banque fut mauvais. De toute façon, il faut souligner que Marcelin ne se limita pas à critiquer seulement les deux contrats, il continua, au contraire, à assumer ses responsabilités en tant qu’homme d´Etat et citoyen de plein droit. En d´autres mots, il profita de la situation pour demander au Gouvernement d´essayer de desserrer l´étau que formaient ces deux instruments juridiques. Un ensemble de mesures devaient être prises selon lui. Il fit, donc, plusieurs suggestions aux autorités. Il n´est sans doute pas nécessaire, cependant, de reprendre toutes ces suggestions dans le cadre global de cette étude. Ceci en raison du fait qu´il croyait que la banque ne pouvait en aucun cas réaliser les objectifs qu´elle s´était fixée, avec la bénédiction du Gouvernement, lors de son inauguration, avec un capital de seulement 5 millions de francs. Aussi se limita t-il à demander essentiellement à toute la société et au Gouvernement en particulier de se mobiliser pour forcer la banque à corriger deux faits  : premièrement, «l´article 4 de ses statuts» (MARCELIN, 1911, 76) qui était en contradiction avec l´article 2 du contrat de concession, et, deuxièmement, le montant de la part du capital avec laquelle elle opérait. Ce montant de capital, pour le répéter, était trop faible selon lui, la banque devait employer tout le capital de 20 millions de francs qui était prévu

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(MARCELIN, 1911, 81). Elle devait aussi harmoniser l´article 4 de ses statuts qui fixait la durée de la concession à 75 ans avec l´article 2 du contrat de concession qui limitait, pour sa part, la durée pendant laquelle elle pouvait opérer dans le pays à une période de 50 ans. Marcelin considérait ces mesures comme extrêmement urgentes et que le Gouvernement devait se battre pour les prendre immédiatement. Car il fallait, selon lui, alléger le plus tôt possible la situation sociale qui avait subitement entré dans une nouvelle phase de détérioration suite à la nouvelle guerre civile qui s´était déclarée en 1912. Or ceci était dû pour beaucoup, comme on l´explique dans le paragraphe qui suit, notamment à la politique que la banque menait et qui avait provoqué un mouvement soutenu de substitution du papier-monnaie à la monnaie métallique, c´est à dire le mouvement que les économistes appellent la loi de Gresham.

C.4. Spéculation sur le change -Inflation- Rareté relative de la monnaie métallique et des pièces de nickel  : la loi de Gresham En effet Marcelin fut profondément préoccupé par la situation sociale qui depuis les guerres civiles de 1867-1869 ne cessait pas de se détériorer. Il se basait, à l´époque, sur des faits liés, si l´on peut employer ce thème, au panier de consommation. Et écrivait dans la presse à différentes reprises des notes comme celle qui suit  : «La vie est de plus en plus difficile pour les petits rentiers, pour ceux, par exemple, qui n´ont que le revenu de leurs propriétés pour vivre. Ce sont des plaintes générales dans toutes les familles» (MARCELIN, 1910, 95). Ou encore comme celle-ci  :«… Le pain de 10 centimes est si petit depuis quelques jours qu´il peut à peine boucher, selon l´expression populaire, un trou de dent. La mantègue de 10 livres fait 10 gourdes, le beurre de 5 livres 10 gourdes, la kérosène inflammable de 5 gallons huit gourdes, le sucre

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américain 70 centimes la livre…Tout a augmenté de même dans les petites industries du pays, et, parfois, dans des proportions absolument exagérées. Ainsi, au mois de mars encore (1904), le transport par cabrouet de planches ou matériaux divers se payait une gourde. Aujourd´hui, il fait quatre gourdes. Pour le pauvre rentier qui n´a que ses maisons pour vivre, c´est la ruine, c´est la famine, que ce renchérissement de toutes choses…»(MARCELIN, 1910, 198-199). Et aussi comme celle-là  : «…Depuis des mois, des ans bientôt, il (le peuple) souffre de la faim, du manque de travail, de l´augmentation de toutes choses, de la cherté des vivres, de l´avilissement du papier-monnaie, et il ne dit mot. Il est vrai que s´il disait quelque chose, cela se compliquerait et cela serait pire. Ce n´est pas tout quand il a gagné péniblement une ou deux gourdes, car s´il se précipite tout de go au marché, pour acheter quelques patates, des bananes, un morceau de morue de trois centimètres de long sur deux de large – pour lequel on lui demande sept centimes- il risque encore de mourir de faim…»(MARCELIN, 1910, 278-279). Pour Marcelin cette situation était fondamentalement due au fait que la banque et le Haut commerce spéculaient sur le change. Et aussi au fait que la monnaie métallique et les pièces de nickel fuyaient – ce qui était en fait une conséquence des mouvements spéculatifs- le circuit des échanges. Le change se montra en effet, on l´a vu, très volatile, il fluctua presque quotidiennement, et souvent même dans des marges extrêmement grandes ce qui ameutait terriblement les commerçants et les portait à refuser de vendre à tous ceux qui ne pouvaient les payer en monnaie de nickel ou en l´«ancienne monnaie d´argent d´Hyppolite» (MARCELIN, 1910, 278). Ou en dollar-or également. Autrement dit en monnaie métallique. Pour comprendre très bien ce fait, il faut

revenir encore une fois sur les mouvements des gourdes-or et dollars qui sont reproduits sur le graphique 6. Ces mouvements traduisirent en effet dans leur durée l´inondation du marché de mauvaises monnaies, autrement dit la disparition de la circulation des monnaies dont les citoyens devaient disposer pour acquérir des biens et passer des affaires quelconques avec les agents économiques. A dire vrai, on pourrait mieux encore comprendre ce fait si l´on pouvait le suivre de manière quotidienne, c´est à dire observer les variations quotidiennes du taux de change. Marcelin insiste sur cela dans les notes qu´il a livrées dans «Bric à Brac» mais les informations qu´il a recensées ne sont malheureusement pas suffisantes pour les représenter sur un graphique. De toute façon, la note en vrac suivante  : «Ce matin le change a débuté à 515 pour finir dans l´après midi à 535»(MARCELIN, 1910, 176) qu´il a écrite le 28 juillet 1904, en donne une idée puisqu´il prit soin de la faire suivre de ce commentaire  : «la petite monnaie est introuvable  : 40% le nickel, 50% l´argent»(MARCELIN, 1910, 176). De même celle qui suit et qu´il a écrite le 14 octobre de la même année  : «…La petite monnaie de nickel fait 75% de prime contre papier-monnaie, c´est à dire qu´on vous donne vingt-cinq centimes pour une gourde. Si vous voulez de note ancienne monnaie d´argent, frappée sous Hyppolite, et dont il reste un peu encore en circulation, il faut payer 100%.»(MARCELIN, 1910, 278). A noter que Marcelin indique dans cette même note que la situation fut telle que le marché attribua au «billet de 1 gourde» le rôle de monnaie forte par rapport au «billet de 2 gourdes» qui encombrait apparemment le marché  : «…Le papier de 1 gourde, écrit-il, fait à son tour 5% de prime contre le billet de 2 gourdes. Il paraît qu´on a signé de préférence les billets de 2 gourdes, et que le stock, solde de l´émission de 10 millions, qui existe à cette heure à la commission, est en billets de 2 gourdes. De

là, prime en faveur des billets de 1 gourde  ; ces billets sont à présent de la petite monnaie, au regard de l´autre type»(MARCELIN, 1910, 278). Il faut, par ailleurs, rappeler dans ce contexte que ce mouvement de disparition de la circulation de la monnaie forte remontait avant même le remplacement de la BNH par la BNRH. On peut même dire qu´il avait surgit depuis pratiquement la fin de la première moitié du XIXe siècle. La fracture de la république en trois entités politiques antagoniques pendant la courte période de 1867-1869 avait fortement accéléré son rythme de développement. Il faut aussi mentionner que ce mouvement s´appuyait pour beaucoup sur la controverse qui opposait Marcelin aux deux institutions bancaires, la BNH et la BNRH, et que cette controverse tendait, en retour, à intensifier de manière alarmante son développement. Ceci parce que, comme on le sait, la circulation monétaire repose sur la confiance que les agents manifestent envers la ou les monnaies qui ont cours légal et dont la valeur de l´une par rapport à l´autre ou aux autres est définie d´une manière fixe50. Or la controverse entre Marcelin et les deux institutions bancaires –la BNH et la BNRH- visait d´une façon ou d´une autre à miner le peu de confiance que les citoyens, notamment les commerçants et les consommateurs, pouvaient avoir dans les papiers que l´Etat mettait en circulation sans garantie aucune. Ce d´autant que, par delà des questions liées à la théorie économique et monétaire pure qu´elle soulevait, elle abordait les problèmes de fraude que commettait la banque et mettait en cause, pour ce qui concerne la banque elle-même, l´autorité de l´Etat. Et ceci dans un langage virulent comme l´attestent les lettres en date du 19 août et du 4 octobre 1893que Marcelin (1896, 118 e 114) adressa au Directeur de la BNH. Ou celle en date 50 L´Argentine a connu de pareils problèmes pendant la période 1880-1900. Voir à ce sujet l´excellent ouvrage de John H. Williams, El comercio internacional argentino y el papel moneda inconvertible, 1880-1900. EDUNTREF, Argentina. Capítulo 2.

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du 16 octobre 1893 où il se vit obliger de menacer ainsi ce dernier: «… vous êtes (donc) invité à vous conformer, sans restriction, aux ordres que je vous ai donnés, concernant le paiement des appointements, etc., du mois de septembre... (MARCELIN, 1896, 131-133)». Et aussi comme celle, en date du 7 novembre 1893, que le président du Conseil d´Administration de la banque –E. Lehideux- adressa au secrétaire d´Etat des Finances, en l´occurrence Frédéric Marcelin, et dont l´objet fut de rappeler à l´Etat que la banque ne pouvait lui concéder une rallonge financière au titre d´avance extra-statutaire tant qu´il n´aura pas liquidé. Ou établi, à défaut de cela, un calendrier de paiement des avances qui lui ont été faites antérieurement et qui s´élevaient à la date indiquée à $ 1.100.000 dollars (MARCELIN, 1896, 131-133). On pourrait sans doute approfondir cet aspect des effets de la controverse sur le mouvement en question en faisant remarquer que les coûts de fabrication de la gourde et des pièces divisionnaires avaient sensiblement augmenté durant les dernières décennies du XIXe siècle. L´incertitude de fabriquer à un coût raisonnable les petites unités monétaires dont les consommateurs avaient besoin pour acquérir des biens courants, soit des pièces de 50 centimes et des billets de une gourde, accélérait la pression du papier-monnaie sur la monnaie métallique. Le tableau des coûts de fabrication des petites coupures que le directeur des monnaies de France a fait parvenir au début de l´année 1894 à Marcelin par l´intermédiaire du ministre haïtien à Paris permet de comprendre ce fait51. Comme on le voit donc un ensemble de facteurs alimentèrent une lutte sans merci -ce qui affecta par contrecoup la dynamique de l´économie nationale- entre diverses catégories de monnaies. Mais il faut arrêter ici l´analyse et souligner, en guise de conclusion, la 51 Lettre du directeur des monnaies de France, A. De Foville, au ministre haïtien à Paris. Cf. Marcelin (1896, 155-157).

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portée et les effets de ce débat sur l´économie nationale qui a opposé Marcelin aux deux banques d´Etat. Et indiquer aussi dans le même cadre, comme il est dit dans l´introduction, la stature du secrétaire d´Etat des Finances Marcelin sur le plan théorique et politique.

D. En guise de conclusion générale  : Portée et Effets du «débat-affrontement  : Marcelin-BNH/BNRH» sur l´économie nationale. Les ambigüités du député-ministre Frédéric Marcelin Ainsi le premier fait à signaler est la portée de ce débat au niveau de l´histoire économique du pays, et aussi au niveau de l´histoire économique de toute la région. Ce débat fut en effet d´un très haut niveau théorique  ; il a abordé de manière rigoureuse, comme on l´a vu par les observations de Marcelin, les principaux aspects de la théorie monétaire et de la théorie économique classique. Il peut être comparé en ce sens aux plus grands débats qui eurent lieu pendant la même période dans la région autour de la politique monétaire en général et de la fonction en particulier des «banques nationales» ou «banques d´Etat» qui émergeaient dans presque tous les pays52. Par exemple les débats qui eurent lieu au Mexique pendant la période de Porfirio Díaz et qui eurent en gros pour objet le degré d’efficacité des mesures que ceux que l´on appelait les «científicos» prônaient pour activer la croissance économique du pays53. Ou les débats qui eurent lieu en Argentine durant les deux dernières décades du XIXe siècle autour de ce qu´un ancien étudiant de Frank Taussig -John H. Williams52 Sur les banques nationales qui furent fondées dans les principaux pays de la région, voir l’étude Carlos Marichal (1998, 112-141). 53 Il existe un grand nombre de travaux sur ces débats au Mexique. Presque tous tendent à situer le centre de ces débats autour de la politique ferroviaire et la politique fiscale que le jeune ministre des Finances de Porfirio Diaz -José Yves Limantour- mena. On peut consulter, par exemple, à ce sujet le texte de Alicia Salmerón Castro: Proyectos heredados y nuevos retos. El ministro José Yves Limantour (1893-1911); in: Ludlow (2002, 174-209).

appela dans sa thèse de doctorat54 les relations entre le mouvement du commerce international et le papier-monnaie inconvertible. Marcelin fit montre dans le cas du débat considéré, comme le firent quelques autres ministres des Finances de l´époque dont le «científico mexicano» José Yves Limantour et l’historien argentin Vicente Fidel Lopez55 dans le cas des débats auxquels ils eurent à intervenir dans leurs pays respectifs, d´une grande maîtrise de la théorie économique. Et aussi d´un très grand sens de responsabilité et de patriotisme. Il fit ainsi partie du petit nombre restreint de ministres des finances de la région qui luttèrent pendant ces années pour la modernisation de leurs pays par le biais des investissements bancaires internationaux. Et ceci sans qu´ils eussent à renoncer à un certain nombre de prérogatives souveraines, telle que, par exemple, la définition des grandes lignes de la politique monétaire qui devaient être en phase, selon les multiples notes et correspondances qu´ils eurent à échanger avec les présidents directeurs généraux de ces grandes banques, avec le secteur réel des économies nationales. Il convient toutefois d’admettre qu’alors que, selon les données disponibles, les débats auxquels ses homologues ont participé ont beaucoup stimulé la croissance économique dans leurs pays d’origine, le débat, qui a opposé Marcelin aux succursales des deux banques d’affaires françaises, n’a pas pu avoir, par contre, de pareils effets sur l’économie nationale. Pour mieux dire, il n’a pas pu corriger les effets négatifs que les spéculations auxquelles ces institutions se livraient en concordance avec le Haut commerce et quelques uns même de hauts fonctionnaires de l’Etat exerçaient sur la dyna54 Williams, John H., El comercio internacional argentino y el papel moneda inconvertible, 1880-1900, EDUNTREF-Academia Nacional de la Historia, Buenos Aires. 55 Vicente Fidel López fut nommé ministre des Finances par le président Pelligrini Durant la crise Baring qui plaça l’Argentine au bord d’une situation financière et diplomatique extrêmement grave. Il se bâttit aux côtés du président pour aider le pays à y trouver une solution et éviter ainsi une situation de default voire une intervention étrangère.

mique économique. Au contraire, on l’a vu, il les a même aggravés. Ceci notamment durant les conjonctures de crise ou de baisse des prix sur le marché international. Et aussi les périodes de mauvaise récolte. Il ne put en être autrement, puisqu’il affectait beaucoup la confiance des agents. A dire vrai, l’économie nationale eût pu probablement profiter beaucoup de ce débat si Marcelin avait réussi à faire approuver par l’Assemblée nationale la création, aux côtés de la BNH, de cette banque de circulation de biens sous le nom «Société anonyme. Le crédit commercial» qu’il avait conçue. Ou le projet de «banque foncière et agricole» qu’Enoch Dessert avait élaboré de son côté pendant la même période et dont il se fit sien. Il aurait ainsi démontré de manière magistrale les avantages que le pays aurait pu tirer d’un système bancaire de caractère concurrentiel par rapport aux inconvénients que lui ont causé, tour à tour le système de monopole de la BNH-SGCIF et celui de la BNRH-BUP. De toute façon, il est nécessaire de mentionner également, en marge de ces considérations, que Marcelin fut assez confus sur le plan politique, on peut même dire opportuniste voire –ce qui peut paraître trop fort vu la stature de l´hommeobtus. Car, pour répéter ce qui est déjà dit dans l´introduction, les idées et les actions qu´il prôna sur le plan économique et monétaire ne concordaient pas avec la posture politique qu´il adopta. Et ce d´autant que pour lui le principal obstacle au développement et à la modernisation depuis l´indépendance fut l´institution militaire. A dire vrai, l’on doit admettre que cette thèse, qui encombre tous ses ouvrages, fut en principe assez cohérente  ; en d’autres mots, elle n’était pas dénuée de tout fondement. La recherche historique peut donc sans grand peine la fonder, tout au moins pour ce qui se rapporte à la période allant des années immédiatement postérieures à

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la reconnaissance de jure de l´indépendance aux années durant lesquelles Marcelin se retira définitivement en France. Quoi qu’il en soit, un fait reste certain  : Marcelin se montra inconséquent avec lui-même. Ce,  en se mettant, de manière extrêmement active, en un certain nombre de circonstances, au service des généraux qu’il appréciait alors que ces militaires ont facilité, comme ceux dont il ne s’était pas approché ou qu´il combattit, la permanence de l´institution militaire. Et en défendant également sans réticence aucune le Parti National alors que, en tout état de cause, il eût dû démissionner-ce qui aurait haussé davantage encore sa stature d’homme d’Etat- du gouvernement du Général Nord Alexis lors de l´affaire d´Anténor Firmin56. Ou en acceptant à jouer le rôle de secrétaire d’Etat des relations extérieures après la journée tragique du 15 mars 1908, ce qui le plaça, malgré les différents arguments que l’on retrouve dans le Troisième tome de son Général Nord-Alexis, dans une situation politique qu’il ne put justifier. Ou, enfin, en justifiant à un certain moment –ce qui fut en vérité particulièrement incompréhensible puisqu’il contredisait toute sa pensée économique- des émissions de papier-monnaie à des fins exclusivement politiques que le Général Nord Alexis eut à réaliser(MARCELIN, 1909, 24-32). Comme on le voit ces observations tracent d’autres pistes de recherche. Elles indiquent que l’on connaît encore très peu ou mal le Marcelin-politique et qu’il existe un contraste énorme entre ce Marcelin et le Marcelin-Secrétaire d’Etat des Finances. Il faut donc aussi étudier ce Marcelin-là, ce «Marcelin-ambigu». Il existe aussi un Marcelin-romancier ou «Marcelin-littérateur». Mais, en tout état de cause, ce 56 Marcelin insiste en effet beaucoup sur cet épisode dans le Troisième tome de son Général Nord-Alexis, mais, à la vérité, il le fit en vue de justifier la position qu’il eût à prendre. Cependant les arguments qu’il avance ne sont pas convaincants, ils indiquent plutôt qu’il fut gêné d’avoir eu à rester aux côtés de Nord Alexis durant cet épisode politique, surtout d’avoir eu à lui préparer une adresse que Nord Alexis ne respecta pas totalement. Cf. Marcelin (1909, 71-76).

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Marcelin renvoie au Marcelin-politique, ou pour mieux dire, est le «prolongement» du Marcelin-politique car les romans qu’il a écrits tournent autour des questions politiques. On peut même dire, sous toutes réserves, que, fort de ses talents qui étaient impressionnants, il recourut à dessein au genre romanesque pour mieux défendre ses idées politiques et exprimer surtout de manière encore plus claire le dédain qui l’habitait pour l’institution militaire. Léon François Hoffman a étudié ce Marcelin57, mais, malgré ses mérites, qui sont énormes par ailleurs, l’ouvrage d’Hoffman ne suffit pas. D’autres recherches sont à souhaiter. Mais on pourra les réaliser de manière satisfaisante seulement en mettant de côté la vieille méthode d’approche de l’histoire politique que l’on retrouve encore malheureusement dans un certain nombre de travaux à prétention scientifique. Cette méthode est tout compte fait désuète. D’aucuns la défendent, souvent même avec passion. Pourtant elle pousse de manière systématique les chercheurs à aborder sous des angles nettement subjectifs l’importante tranche d’histoire durant laquelle l’Etat fut tiraillé par la controverse entre le Parti National et le Parti Libéral. Or cette période mérite une attention spéciale car, vue sur la très longue temporalité qui s’étire de la crise générale de la fin du XVIIIe siècle à aujourd’hui, ce fut, à n’en pas douter, la période durant laquelle le pays avait le plus de possibilités pour asseoir, après les difficultés énormes qu’il a connues durant la première moitié du XIXe siècle, les bases de sa modernisation. En d’autres mots, c’est la période où, ne fussent-ce l’extrême exacerbation des conflits pour le contrôle du pouvoir entre les différentes fractions de l’oligarchie militaro-terrienne et les actions opportunistes des hommes d’Etat de la stature des Marcelin, l’économie nationale pouvait démarrer. Ou aurait dû entamer, comme les économies de la plupart des pays de la région, un très fort processus de croissance, puisqu’il dispo57 Hoffman, Léon François, Un haïtien se penche sur son pays, op. cit.

sait en termes relatifs à ce moment d’importants avantages comparatifs. Ou, tout au moins, pour mieux souligner la complexité de toute la deuxième moitié du XIXe siècle, à un rythme beaucoup plus soutenue que ce qu’une étude à paraître sur la crise de 1929 et le développement du capitalisme en Haïti indique dans l’un de ses chapitres.

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Sources et bibliographie Sources Archives historiques de la Société Générale Archives historiques du Crédit Lyonnais Archives historiques de la BNP-PARIBAS Comptes d´exploitation de la BNH (1881-1911) Comptes d´exploitation de la BNRH (1914-1916) BNRH, Renseignements Statistiques Financiers et Economiques, 1916.

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Algumas possibilidades de acumulação fora do mercado da elite imperial brasileira no século XIX (Fazenda Imperial de Santa Cruz, Rio de Janeiro, 1808-1840)

Manoela Pedroza1∗ Professora de História Social da UFRJ [email protected]

Resumo Nosso objetivo nesta pesquisa é provar que os homens que receberam terras sob forma de aforamentos na região do Vale do Paraíba Fluminense durante a primeira metade do século XIX conseguiram contornar a tão incômoda renda fundiária de uma aquisição de terras nos moldes capitalistas. Assim se criaram a maior parte dos “barões do café” do Império Brasileiro. Nesse caso, provaremos a funcionalidade dos instrumentos de um “Antigo Regime nos trópicos” para as modernas formas de acumulação primitiva nestes mesmos trópicos: o acesso à terra, pré-requisito indispensável para a acumulação no circuito cafeeiro-exportador, não era viabilizado pelas regras de um mercado livre, nem requeria poupança ou investimentos prévios. A terra era tratada como um mercê, fora deste mercado, conseguida pela proximidade pessoal, influência política ou trocas diretas com o monarca.

Abstract Our goal in this research is to prove that the men who received land in the form of grants in the Paraiba River Valley of Rio de Janeiro province during the first half of the nineteenth century circumvented the normal capitalist requirement of having to pay for the land. Most “coffee barons” of the Brazilian Empire received their plantation for free. In this case, we will prove the functionality of the grant system of this “Ancien Régime in the tropics”. Access to land, an indispensable prerequisite to accumulation in the coffee exporting economy, was not based on the rules of a free market, nor did it require upfront investments or savings. Land came as a gift, outside this market, occasioned by close personal relations with those in power including direct exchanges with the monarch.

1∗ Pesquisa em andamento com financiamento da FAPERJ e do CNPq.

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Algumas possibilidades de acumulação fora do mercado da elite imperial brasileira no século XIX

Introdução

E

ste trabalho pretende apresentar os primeiros resultados de uma pesquisa em andamento que congrega membros do Laboratório de Experimentação em História Social da UFRJ desde 2011. O objeto desta pesquisa são os aforamentos de terras pertencentes à família imperial, durante a primeira metade do século XIX no Rio de Janeiro. O nosso recorte espacial é a Fazenda Imperial de Santa Cruz. As terras desta Fazenda configuravam em 1596 uma área com cerca de quatro léguas de largura por 10 léguas de extensão, concedida aos padres jesuítas (FREITAS, 1985; FRIDMAN, 1999, 73). Graças à disciplina jesuítica, estas terras estavam regularmente medidas e mapeadas desde o século dezoito (FREITAS, 1985, 214), não constituindo, portanto, terras devolutas. Com a expulsão da Companhia de Jesus do Brasil, em 1759, elas foram incorporadas aos bens da Coroa Portuguesa. Mesmo com a independência do Brasil esse patrimônio continuou em mãos da mesma família, desta feita denominada família imperial, que continuaria a encabeçar o recém-criado Estado brasileiro até 1889. Explicaremos brevemente o que é um aforamento. A enfiteuse, ou aforamento, foi uma criação jurídica dos romanos que chegou ao Brasil através das ‘sesmarias’ e da ‘carta foral’ da legislação colonial portuguesa. No contrato de aforamento, o direito de propriedade é dividido em domínio útil e domínio direto. O domínio útil permite ao foreiro o uso do imóvel com ampla autonomia, inclusive para vendê-lo ou legá-lo, restando ao senhorio do domínio direto o direito ao recebimento do foro anual (que é fixo), laudêmios (imposto de transmissão) e a preferência em eventual alienação do domínio útil. Por isso, pelo direito privado, o aforamento é o mais amplo direito sobre propriedade alheia (sendo inclu-

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sive transmissível por herança), mas, em termos de segurança patrimonial, sob o ângulo do foreiro, ele é juridicamente inferior à propriedade plena porque é sujeito à caducidade, ou seja, à perda do domínio útil em favor do senhorio pela inadimplência dos foros anuais, se ocorrida por três anos consecutivos ou quatro intercalados (PEDROZA, 2012). Durante o período colonial, foros ou prazos foram concedidos pela Casa Real Portuguesa como recompensa de serviços à nobreza. Mas também instituições privadas, laicas ou religiosas, que não tinham interesse em perder o domínio pleno de suas propriedades, podiam conceder aforamentos. Por isso, frutificaram durante séculos sesmarias, aldeamentos, aforamentos, arrendamentos, enfiteuses, a curto, médio e longo prazos que, como formas de concessão, permitiam diversos estágios de apropriação e múltiplas possibilidades de enriquecimento por parte dos cessionários (VARELA, 2005). No caso da Fazenda de Santa Cruz, os jesuítas sempre o praticaram. Quando as terras se tornaram propriedade real, depois pública, a partir da encampação dos bens dos jesuítas expulsos, seus gestores continuaram a aforar grande parte do domínio que possuíam. Todos esses estatutos jurídicos construíam mecanismos para limitar ou condicionar a plena apropriação do bem por seus cessionários, sobretudo do seu direito de alienação, o que mostra que faziam parte da cultura jurídico-econômica de uma época (MALATESTA, 1999). Este trabalho dialoga com o campo da história social da propriedade da terra, área de pesquisas recentes na América Latina e Brasil, que tem recebido contribuições de pesquisadores europeus, em que pese os trabalhos de Rosa Congost (CONGOST, 2003; 2006; 2007; CONGOST, BODINIER et al., 2009). Partimos do levantamento de fontes produzidas pelos órgãos que administraram a Fazenda Imperial de Santa

Cruz entre 1808 e 1889. Dentre estas fontes, podemos citar relatórios e prestações de contas ao Imperador, listagens de foreiros devedores, requerimentos para concessão e medição de terras e os seis livros de registro de foreiros preenchidos durante o século XIX, onde constam aproximadamente 2.400 pessoas, a data de concessão do aforamento, a medida aproximada da área em questão, sua localização, confrontantes, benfeitorias e os eventuais antepossuidores desta gleba. As fontes produzidas pela Superintendência da Fazenda de Santa Cruz estão hoje depositadas em fundo específico do Arquivo Nacional do Brasil. Ao lado destas, cotejaremos os documentos produzidos pelos próprios foreiros em seu incessante movimento de conformação do território em questão, conquista de direitos e regalias, tais como pedidos de terras, recibos de pagamento, solicitações de perdão de dívidas ou transferência de aforamentos, compra e venda de terras, denúncias de invasão, conflitos entre vizinhos. Essa documentação está depositada no arquivo do INCRA-RJ, sendo levantada pelos alunos membros do laboratório desde 2012. Em termos metodológicos, a necessidade aproximarmos lei e homens – a estrutura jurídica de uma época com as práticas sociais efetivas – nos impele a sempre remeter à luta por direitos. Em 1987, E. P. Thompson já havia defendido essa imersão do direito na sociedade e a influência das leis no comportamento. Segundo ele, a lei, considerada como instituições, pessoas, ideologias, regras e sanções específicas, manteria uma relação ativa (por vezes conflitiva) com as normas sociais (THOMPSON, 1987, 358). O trabalho de cruzamento intensivo de fontes é possível apenas com criação, abastecimento e correta manipulação de uma base de dados nominativa a partir dos nomes dos foreiros da Imperial Fazenda de Santa Cruz. Os nomes dos foreiros são

perseguidos conforme o método onomástico proposto por Carlo Ginzburg e as técnicas da micro-história italiana (GINZBURG, 1993; GRENDI, 1977; LEVI, 1985). Nosso estudo de caso visa a demonstrar, a partir da atuação do grupo social dos foreiros, a complexa interação entre norma e prática social que pode ser vista como um processo de luta por direitos de propriedade da terra, no contexto de formação do Estado Nacional brasileiro, na primeira metade do século XIX, e de consolidação de uma elite fundiária (ligadas às fazendas de café do Vale do Paraíba Fluminense) intimamente ligada ao poder imperial. Partimos da hipótese de que esse conjunto de agentes e suas relações sociais historicamente construídas foram capazes de influenciar as transformações na estrutura agrária e no direito agrário brasileiros naquele momento.

Parte 1 – Aforamentos de terras e formação da nova elite imperial Situaremo-nos nos anos posteriores à 1808, data da chegada da Corte Portuguesa ao Rio de Janeiro. Alcir Lenharo nos esclarece da relação íntima e permissiva entre os interesses da família real e setores enriquecidos com o comércio de abastecimento neste período. Lenharo nos apresenta a trajetória de alguns indivíduos que começaram a enriquecer no comércio de abastecimento Minas-Rio, barganharam ou forneceram algum serviço de que o Estado português necessitava (como a construção de estradas ou arrematação de serviços públicos) e terminaram por conseguir benesses do próprio monarca, sobretudo na forma de concessão de sesmarias e títulos nobiliárquicos (LENHARO, 1993, 68). Dentre as preocupações de Dom João figuravam a construção de estradas que permitissem a integração dos sertões à Corte; o abastecimento da cidade com víveres e gêneros

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vindos sobretudo de Minas e São Paulo; o escoamento da produção do interior para o porto do Rio de Janeiro e, subsidiariamente, a interiorização do povoamento. Lenharo lembra que a abertura de estradas vinha acompanhada da concessão de sesmarias em áreas supostamente desocupadas, às suas margens, como forma de incentivar o povoamento e a colonização (LENHARO, 1993, 64). Saint-Hilaire na época já notava, escandalizado, a relação entre o governo e seus altos funcionários, que eram generosamente agraciados com terras públicas. Segundo ele, “O Rei dava terras sem conta nem medida, aos homens a quem imaginava dever services”. Além disso, Saint-Hilaire já percebia que “O rico, conhecedor do andamento dos negocios, este tinha protectores e podia fazer bons favores; pedia-as para cada membro de sua família e assim alcançava immensa extensão de terras” (SAINT-HILAIRE, 2002). As novas estradas, inauguradas por Dom João VI e também por Dom Pedro I, seriam identificadas como “estradas do café”, pois sua construção incentivou a expansão das grandes fazendas de café subindo a serra e, no sentido oposto, facilitavam o escoamento da produção para o porto do Rio de Janeiro. Por exemplo, a Estrada do Comércio, aberta em 1813, e a sua variante, chamada Estrada da Polícia, inaugurada em 1820. A Estrada da Polícia foi mandada construir por Paulo Fernandes Vianna, intendente de polícia do Rio de Janeiro e figura proeminente da Corte de Dom João VI. Com vinte léguas de extensão, o objetivo final da estrada era chegar às terras de Vianna, próximas à então Aldeia de Valença (NOVAES 2008). O importante comerciante e minerador Custódio Ferreira Leite, depois barão de Aiuruoca, foi contratado para comandar a abertura desta Estrada. Nos anos 1820 muitas das terras cortadas por ela já pertenciam a 70

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ele (MUAZE, 2010). Interessa notar que, margeando o Rio Paraíba do Sul, a Estrada da Polícia passava pelas freguesias de Sacra Família, Vassouras e Valença e, portanto, cortava a região que pertencia à Fazenda Imperial de Santa Cruz (LENHARO, 1993: 61; STEIN, 1990: 34).

Fonte: NOVAES, Adriano. Os caminhos antigos do território fluminense. Em http://www. institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/ wpcontent/uploads/2008/06/oscaminhosantigos. pdf O que nos cabe reforçar é a relação criada entre concessões de terras – na forma de sesmarias ou foros – e a proximidade com o monarca, e ver como esta relação se valeu do território da Fazenda Imperial de Santa Cruz. Infelizmente, os primeiros registros de requerimentos de terras na Fazenda de Santa Cruz após a chegada

da família real não foram encontrados. Como referências mais antigas, possuímos os livros de registro de foreiros a partir do ano de 1824, e o registro de correspondências (onde constam os requerimentos) recebidas pela Superintendência da Fazenda a partir do ano de 1831. Nossas estatísticas são muito imprecisas, primeiro, porque os aforamentos concedidos entre 1808 e 1824 permanecem nebulosos, mas sabemos que foram efetivos, pois há notícias de ocupantes, conflitos e devedores antigos já em 1824. Segundo, porque não sabemos ao certo os mecanismos pelos quais se encaminhavam os pedidos, portanto, a série de correspondências recebidas pode expressar apenas uma parte do conjunto dos interessados em receber terras na Fazenda. Na correspondência recebida pela Superintendência, constam duzentos e trinta pedidos de aforamentos entre 1820 e 1836. O primeiro livro, preenchido a partir de 1824, confirma o registro de setenta e oito foreiros no mesmo período2. Podemos ver também pedidos de confirmação de concessões anteriores, a primeira delas remetendo a 1816. Ao que parece, desde 1808 alguns indivíduos conseguiam suas concessões diretamente com o monarca, cabendo ao Mordomo-Mor ou mais tarde ao tutor comunicar a mercê ao Superintendente da Fazenda, para que este a registrasse em seus livros3. Vejamos apenas dois casos dos homens que receberam terras na região, e que deixaram registros.

honrarias, percebe-se sua relação com a família real recém chegada ao Brasil, e entrevê-se uma possível retribuição por favores ou serviços. Em 1822, já sob reinado de Pedro I, Nuno da Silva Reis requereu terras na Fazenda de Santa Cruz5. Sabemos que foi atendido, pois consta o seu registro o aforamento de quatorze prazos e meio, pelos quais deveria pagar 116.000 réis e oitenta e sete galinhas por ano, contados a partir de 18236. Temos um segundo caso de aforamento, em 1823. Tratava-se da futura “Fazenda Ribandas”, localizada em Itaguaí, concedida a João Inácio da Cunha7. Este senhor, filho de portugueses, formado magistrado em Coimbra, em 1808 foi nomeado Desembargador da Relação da Bahia, com exercício na Casa da Suplicação do Brasil. Como aderiu à independência, foi agraciado pelo imperador com o título de Barão de Alcântara. Exerceu o cargo de Regedor no período de 1824 a 1828, em 1825 foi eleito deputado e senador, em 1829 recebeu o título de Visconde de Alcântara e foi eleito para o Conselho do Estado. Foi ainda ministro do Supremo Tribunal de Justiça, ministro da Justiça, conselheiro de Estado e senador, entre 1829 a 1831, até as vésperas da abdicação.

Nuno da Silva Reis em 1808 foi agraciado com o título de alferes da cavalaria da Vila da Taubaté e, em 1809, como capitão de ordenanças4. Em 1821, recebeu hábito da Ordem de Cristo e 12.000 réis de tença efetiva, diretamente de D. João VI. Pela data da concessão destas

Por último, apresentamos João Rodrigues Pereira de Almeida. No momento da chegada da Corte, ele já era um comerciante de grosso trato, ao mesmo tempo banqueiro, industrial, armador e traficante de escravos. Pereira de Almeida contribuiu generosamente para fábrica de pólvora construída ao lado do Jardim Botânico, foi nomeado major do regimento de milícias da Candelária; participou da constituição do banco real, do qual se tornou diretor. Em troca destes serviços, ele recebeu a comenda de Cavaleiro da

2 Arquivo do INCRA. Livros de Registro de Aforamentos. Livro 1, volume 1. 3 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondência Expedida e Recebida pela Superintendência. Registro de Correspondência (1834-1844), dep. 208. 4 Arquivo Nacional. Fichário de Ordens Honoríficas, Registro Geral das Mercês, Coleção. 137, livro 5, fl. 93. e livro 6, fl. 4v.

5 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondências. Documento 248 - Ofícios Remetidos (1859-1881). 6 Arquivo do Incra. Livros de Registros de Aforamentos. Livro 2, volume 1, folha 404. 7 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Protocolos. Documento notação 6591-191.

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Ordem de Cristo, obteve o direito de cobrar impostos no Rio Grande do Sul, pagando um adiantamento fixo e, ponto que nos interessa, ganhou quatorze sesmarias em terras de difícil acesso (na atual cidade de Paraíba do Sul). Pereira de Almeida tratou de conseguir a construção de uma estrada, a Estrada do Comércio, que chegasse até suas terras, onde iniciou plantações de café. Dom Pedro I concedeu a ele o título de Barão de Ubá, nome tirado de sua fazenda de café predileta. O Barão de Ubá morreu em 1830, nesta mesma fazenda8. Como nos dois casos anteriores, também pela data de seus cargos políticos percebe-se sua relação com Pedro I, e também nota-se o quanto a concessão de terras era apenas uma parte de uma longa relação de prestação de serviços, favores e fidelidade política. Durante o período regencial teve continuidade a concessão de terras, desta vez pelas ordens do tutor de D. Pedro de Alcântara, o Marquês de Itanhaém, ou pelo Superintendente da Fazenda. Não conseguimos ainda aferir exatamente o impacto dos conflitos políticos deste período na concessão de terras, tarefa que só poderemos cumprir ao conhecer a totalidade e a qualidade dos foreiros registrados por ano, em todo o período. A partir de 1835 encontramos pedidos endereçados diretamente ao Superintendente da Fazenda9, e ainda entre 1841 e 43, o Mordomo-Mor faz pessoalmente algumas concessões. Mas o fim do período regencial coincidiu com o fim da ocupação do Vale do Paraíba fluminense pelas 8 Infelizmente ainda não encontramos os registros de aforamento deste senhor, mas pela localização de suas fazendas, supomos que ao menos parte seja no território da Fazenda Imperial de Santa Cruz. Sobre a relação do Barão de Ubá com a Estrada do Comércio, ver NOVAES, 2008 em http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/sistema/wp-content/uploads/2008/06/oscaminhosantigos.pdf e também http://www. museu-emigrantes.org/docs/titulados/barao%20de%20uba.pdf. 9 Ver para tanto Arquivo Nacional. Fundo Diversos SDH (caixas topográficas). Documento Notação 2627, pacote 3 (Registros Paroquiais de Terras do Curato de Santa Cruz); e Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondência Expedida e Recebida pela Superintendência. Registro de Correspondência (1834-1844), dep. 644.

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novas fazendas de café, devendo, portanto, limitar nossa busca pelos foreiros. Não iremos neste texto tratar das concessões no segundo reinado. Mesmo pecando por algum teleologismo, procuramos conhecer os “casos de sucesso” dos produtores de café situados em terras da Imperial Fazenda. Infelizmente, as fontes produzidas pela Fazenda Imperial não discriminam a produção nem o número de escravos dos foreiros listados. Temos indicações apenas pela bibliografia secundária. Por exemplo, Joaquim Gonçalves de Moraes, fazendeiro na Feitoria de Santarém, em Itaguaí. Segundo Benedicto Freitas, esta feitoria se tornou importante por ser passagem obrigatória para o sertão, chamada de “estrada geral das tropas”. Possuía cerca de cem escravos e produzia mil arrobas de café por ano. Ali existiu a maior lavoura de café de meados do século XIX (FREITAS, 1985: 60). Citamos novamente João Rodrigues Pereira de Almeida que construiu a Estrada do Comércio até suas terras, onde iniciou plantações de café. Mas essa foi uma atividade subsidiária para um dos maiores traficantes de escravos do Brasil, ao qual Dom Pedro I concedeu o título de Barão de Ubá10. A partir das primeiras sesmarias concedidas a Custódio Ferreira Leite no momento da construção da Estrada da Polícia, ele e seus irmãos, cunhado e sobrinhos se estabelecerão na região de Barra Mansa, Valença, Conservatória, Piraí e Vassouras, onde se afazendaram e construíram fortunas com a exportação de café (MUAZE, 2010). Mas poderíamos resumir nossa lista com o Comendador Joaquim Jose de Sousa Breves. Seu pai iniciou plantação de café em Piraí, em 1822, e o filho se tornou o maior expor10 NOVAES 2008 em http://www.institutocidadeviva.org.br/inventarios/ sistema/wp-content/uploads/2008/06/oscaminhosantigos.pdf e também http://www.museu-emigrantes.org/docs/titulados/barao%20de%20uba. pdf.

tador de café do Rio de Janeiro, o “Rei do Café” (ANDRADE, 1989; MUAZE 2010). O Comendador Breves se dizia dono de vinte fazendas e quatro mil escravos na região de Piraí (Maria Graham apud FRIDMAN, 1999:169). Hoje sabemos que boa parte de suas terras eram foreiras ao Imperador11. No contexto em que se somavam a penúria financeira do novo Estado nacional, a premência de uma nova mercadoria que superasse a crise econômica do fim do ciclo do ouro, o estabelecimento de homens enriquecidos no comércio de abastecimento, e a descoberta das potencialidades serranas para a produção de café, uniram-se interesses políticos e econômicos em torno da concessão de terras nas partes altas da Imperial Fazenda de Santa Cruz. O aforamento serviu, neste período, como moeda de troca e retribuição de fidelidade e serviços entre governo imperial e suas seletas clientelas. É assim que deve ser interpretada a lista dos nomes ilustres que se tornaram foreiros da Imperial Fazenda: Conde de Bonfim, Conde de Itaguaí, Barão de Ivaí, Marquês de São João Marcos, Visconde de Barbacena, Conselheiro Cristiano Otoni ou Visconde de Magé. Por estes e outros casos, podemos concluir que em parte considerável dos domínios da Fazenda de Santa Cruz, graças às benesses de D. João VI e D. Pedro I, os aforamentos abriram caminho para a instalação de grandes unidades escravistas produtoras de café, concentradoras de terras e homens e pelas quais não se despendia nenhum capital prévio. O projeto de criação desta nova classe de cafeicultores escravistas intimamente ligada à família imperial deu certo, como o atesta farta bibliografia (LENHARO, 1989; 1993; MATTOS, 1987; STEIN, 1961). Em 1824, o primeiro imperador viajou pelo Vale do 11 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondências. Documento 248 - Ofícios Remetidos (1859-1881).

Paraíba fluminense e consta que tenha pernoitado apenas nas fazendas de seus antigos amigos, agora senhores de pujantes fazendas de café às margens do Caminho Novo. A viagem terminou na Sede da Imperial Fazenda de Santa Cruz (LENHARO, 1993, 68).

Parte 2 – Aforamentos para legitimação de direitos controversos Nos ateremos aqui apenas à porção do Vale do Paraíba Fluminense que pertencia aos domínios da Imperial Fazenda de Santa Cruz. Precisamos provar que esta região, que no início do século XIX seria cobiçada pelos fazendeiros do café, que solicitaram concessão de sesmarias e foros de terrenos supostavamente desocupados, todavia estava povoada e produtiva desde meados do século XVIII por pessoas bem diferentes destes senhores, como atestam a criação das primeiras freguesias e as visitas de Monsenhor Pizarro, no final do XVIII. Por exemplo, em 1726 foi criado o povoado da Roça da Conceição do Alferes da Serra Acima. Em 1795, este povoado possuía mil duzentos e trinta moradores. A freguesia de Sacra Família do Caminho Novo do Tinguá foi criada em 1750, reunindo mil fiéis. Por estas duas freguesias passava o Caminho Novo do Tinguá, inaugurado em 1728 (e, mais tarde, a Estrada do Comércio). Basicamente todas essas localidades foram ocupadas no contexto da decadência da atividade mineiradora, na segunda metade do século XVIII. Ainda no início do século XIX estavam povoadas por lavradores de recente instalação, envolvidos numa policultura comercial (açúcar, aguardente, café, milho, legumes, frutas e criação de porcos), majoritariamente “exportada” para a cidade do Rio de Janeiro. (FRIDMAN, 2008: 29; STEIN, 1990, 32). Warren Dean nos relata que a cidade de Rio Claro possuía, ainda em 1822, mil habitantes, majoritariamente famí-

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lias de lavradores pobres de instalação recente, que plantavam milho e criavam porcos (DEAN, 1977, 22). A chegada da corte no início do século XIX muda bastante o perfil dos interessados em se instalar no local. Agora, são homens mais capitalizados e mais bem relacionados. Tendo comprovado o povoamento anterior desta região, notamos que o momento de expansão da lavoura cafeeira escravista foi também o de intensas lutas e conflitos pela posse da terra, nos locais em que os recém chegados se propunham a expulsar ou submeter os antigos ocupantes (MUNIZ, 1979). O vale do Paraíba fluminense se configurava como uma fronteira aberta, com estrutura fundiária não claramente definida. Entre 1822 e 1850 viveu-se um vazio legislativo nesta área, que levaria ao predomínio do apossamento como forma de acesso ao domínio de terras devolutas, mas também a inúmeros conflitos entre posseiros novos e antigos, sesmeiros e ocupantes, sem que houvesse uma baliza de direitos de propriedade legítimos a serem respeitados. Contribuiu para esta situação a ausência de uma legislação que houvesse substituído as extintas sesmarias como forma de regular a concessão de terras. Segundo Stanley Stein, houve dois tipos de pioneiros que chegaram àquela região: os que requereram sesmarias em terras supostamente devolutas e os posseiros (STEIN, 1990: 35). Gostaríamos de acrescentar a existência de um terceiro grupo social de colonos: os foreiros, que requereram (antes ou depois da ocupação efetiva do terreno) a concessão do aforamentos. Vejamos o caso da Vila de Paty do Alferes. O proprietário da antiga Roça do Alferes, Manuel Francisco Xavier, inicialmente se opôs à criação da vila, por considerar a sede muito próxima de seu engenho de açúcar. Mas o ouvidor insistiu no local, e ofereceu à Câmara recém-instalada o

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direito de “aforar em pequenas porções por emprazamentos perpétuos com foros razoáveis”12. O proprietário foi compensado com o “título de juiz de sesmarias e o direito de aforar lotes circundantes ao núcleo” (FRIDMAN, 2008, 10). A prática dos aforamentos implicava em que os novos chegantes na região, fossem senhores ávidos por estabelecerem suas fazendas, fossem homens livres e pobres necessitando de um canto onde ‘botar seus roçados’, fossem tropeiros ansiosos por estabelecerem-se às margens das estradas e aproveitarem seu movimento com vendas e ranchos, todos eles aproveitaram-se certamente das novas estradas e do boom cafeeiro, mas também foram surpreendidos pela necessidade de entrar no sistema das concessões, e conhecer seus meandros. Nesta região era dessa forma que se poderia fazer a transferência de domínio público para particulares, e era a esta nova situação que todos deveriam se adequar. Portanto, os homens interessados em instalar suas lavouras de café (sesmeiros ou foreiros) quase sempre encontraram as terras que cobiçavam já ocupadas. Inúmeros litígios então se estabeleceram entre novos sesmeiros ou foreiros (futuros fazendeiros de café) e antigos posseiros, que colocavam em questão a superioridade do direito de propriedade de uns ou de outros. Para vencer essa contenda valeram várias armas. Stanley Stein e Fânia Fridman já notaram que solicitando ‘medições supervisionadas’ os ‘grandes proprietários’[sic] conseguiam títulos que lhes davam prerrogativas, e com eles acabavam tornando os antigos posseiros agregados de suas fazendas, ou os expulsavam. As medições oficiais foram realizadas majoritariamente na década de 1830 (FRIDMAN, 2008, 10; STEIN, 1990, 38). Neste contexto percebemos que a burocracia da Fazenda Imperial assumiu papel importante de legitimadora dos novos ocupantes. 12 Alvará Real de 4 de setembro de 1820.

Um elemento importante a conferir legitimidade aos novos chegantes, que também constava nos contratos de aforamento, era a medição das suas terras recém-aforadas. Apenas entre 1834 e 1837 encontramos oitenta pedidos de medição de terrenos recém-aforados em terras da Fazenda13. Esta era, segundo o regulamento de 1808, uma das condições para que um aforamento fosse validado, devendo ser de iniciativa de o novo foreiro requerer e pagar a medição. Ora, essa corrida pela medição e validação soaria completamente dissonante do comportamento da elite agrária brasileira, avessa a qualquer tipo de controle, fiscalização ou limitação de seus poderes, se não soubéssemos que no contexto conflitivo pelos direitos de propriedade, a medição se tornou um atalho para a legitimação dos direitos dos novos ocupantes, os foreiros, em detrimentos dos antigos posseiros instalados no local. Vejamos o caso da família Furtado de Mendonça. Jacinto Furtado de Mendonça era maçon, foi um dos articuladores da independência do Brasil e tinha grande influência política. Foi cavaleiro da Ordem de Cristo, deputado, senador e desembargador desde 1821. Provavelmente recebeu o aforamento neste contexto14. Seis meses depois de sua morte, em 1834, um Fernando requereu a medição dos seis prazos concedidos a Jacinto, colocando-se como seu herdeiro (não temos provas dessa filiação). Ao nomear o piloto da medição, o Superintendente deixou explícita a necessidade de serem “ouvidos os hereos confrontantes, com vista de seus títulos (…) a fim de se evitarem duvidas futuras 13 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondência Expedida e Recebida pela Superintendência. Registro de Correspondência (1835 e 36). 14 Outro membro da família Furtado de Mendonça que merece ser lembrado por suas relações íntimas com a família real é Francisco Xavier, bacharel e futuro desembargador que, em 1824, concedeu o divórcio da Marquesa de Santos, atendendo ao pedido de D. Pedro I. Em troca, Francisco Xavier recebia uma pensão mensal que saía diretamente dos cofres da Superintendência de Santa Cruz. (FREITAS, vol. III: 35).

por falha desta legalidade”15. Neste mesmo dia, outro foreiro se dirigiu à Superintendência para denunciar que Fernando havia retirado os marcos da antiga medição “a pretexto de que esses marcos se achavam fincados em terras a ele aforadas”. Em 1842, Fernando se dirigiu novamente à Superintendência requerendo aforamento de terras de que dizia estar de posse há tempos, para além daquelas medidas no aforamento de seu pai, que somavam mais dois prazos. No ano seguinte, ele voltava a requerer a remedição dos prazos em que era foreiro16. Em 1854, Fernando constava no Almanack Laemmert como um dos quarenta e cinco eleitores do Colégio de Itaguaí17. Faleceu em 185818. Neste caso, contamos apenas com indícios muitos tênues de uma disputa para amealhar terras incultas dentro da Imperial Fazenda, porque aqui temos dois foreiros que registraram seus pedidos e se denunciaram mutuamente. Podemos antever que Fernando usava de todos os meios que tinha em mãos, seja a herança do aforamento do pai, seja o apossamento direto, seja a fraude nos marcos anteriores, passando também pelo recurso à medição como forma de tornar mais legítimas suas pretensões de domínio em detrimento de seus concorrentes. A corrida pelas terras parece ter sido encarniçada nestes anos. Mas a realidade do aforamento parece não ter arrefecido, muito menos impedido, o animus do colonizador, como querem alguns memorialistas (FREITAS, 1985: vol. III, 199). Pelo contrário, os agentes em questão, embebidos da cultura de sua época, se moviam 15 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondência Expedida e Recebida pela Superintendência. Registro de Correspondência (1834-1844), dep. 844; dep. 931; dep. 862; dep. 867 e dep. 868. 16 Idem. 17 Almanack Administrativo, Mercantil e Industrial Laemmert, ano 1854, página 205. Disponível em http://books.google.com.br. 18 Tupper, Maria Clara Ziese de Oliveira. Cariocas três e quatro centãos: breves notas genealógicas sôbre os Nascentes Pinto, os Mascarenhas e os Cordovil. Rio de Janeiro, 1966. (página 104). disponível em http://books.google.com.br.

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habilmente entre mercês régias, requerimentos, contratos, medições, apossamento, desbravamento, violência. Os recursos disponíveis para o acesso à terra naquele momento eram variados, emaranhados, mas não inacessíveis. Dentre eles, a concessão, medição, validação e manutenção de um aforamento era apenas mais um, intensamente disputado e manipulado de forma a garantir vantagens na corrida. Quanto aos inúmeros sitiantes, posseiros, índios ou quilombolas que foram sumariamente expulsos ou que não tinham meios jurídicos de recorrer, não possuímos informação alguma sobre eles, mas tememos que não tenham conseguido vencer a pressão daqueles homens poderosos. Em 1843, o presidente da província do Rio de Janeiro, no mesmo ano, atestava o crescimento da violência, das desordens e dos crimes derivados da “confusão dos limites das propriedades rurais nos doze anos anteriores”. Mas neste mesmo ano a Câmara de Valença declarou que todas as terras já estavam ocupadas, entenda-se: ocupadas por grandes fazendeiros. (MATTOS, 1987: 73). Mas devemos lembrar que estes novos senhores não eram proprietários. Eles não haviam comprado suas terras nem possuíam títulos de propriedade plena sobre elas. Eles eram posseiros e, muitos, foreiros. A Lei de Terras, garantindo a posse mansa e pacífica, chegou tarde naquela região (STEIN, 1990, 41), se é que teria surtido algum efeito.

Parte 3 - A Lei de terras e os aforamentos Sabendo do tortuoso processo de construção e realização da propriedade privada da terra no Brasil, no qual a Lei de Terras foi apenas uma etapa, nosso interesse inicial foi descortinar a forma com o que o contrato de aforamento se transformaria ao longo deste século, confluindo 76

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(ou não) para a propriedade privada. E, consequentemente, como os direitos de propriedade de foreiros e do senhorio foram disputados neste período, quem perdeu e quem ganhou com os novos códigos sobre a propriedade. Muito já se discutiu sobre as intenções, efeitos e problemas da Lei de Terras brasileira (CARVALHO, 1996; SILVA, 2008). Neste trabalho resgataremos apenas a questão que nos interessa: primeiro, provar que, na prática, a lei não impediu que os outros tipos de apropriação e de direitos de propriedade continuassem a existir. Segundo, a lei, ao criar a nova propriedade plena, deveria prever as maneiras pelas quais os antigos direitos de propriedade poderiam (ou não) aceder a esta nova propriedade, isto é, deveria prever as condições de validação de posses, sesmarias, situações... e aforamentos. Especificamente em relação aos aforamentos, em 10 de abril de 1821, D. João VI, em um de seus últimos atos como monarca, expediu um alvará em que legitimava todos os aforamentos concedidos pela Câmara do Rio de Janeiro, e permitia a concessão de novos, esperando que a matéria fosse melhor regulamentada posteriormente19. Segundo nossas buscas, a matéria não foi tocada nos anos seguintes, e sequer foi alterada pela promulgação do regime republicano, já no final do século. Os aforamentos continuariam a ser tratados pelo Regulamento Geral de 1808 até 1930. No caso dos foreiros da Imperial Fazenda que haviam acabado de se consolidar como “fazendeiros”, subjugando outros sujeitos de direitos que lhes pareceram à época indevidos, agora as indefinições jurídicas em relação à propriedade da terra, de “suas” terras, devem ter sido capazes de mobilizá-los no reclamo de 19 Alvará de 10 de abril de 1821, disponível em http://www.ci.uc.pt/ ihti/proj/filipinas/l4pa1026.htm.

um governo forte, que promulgasse novas leis agrárias que pusessem ordem e ratificassem seus direitos. Apenas levando em consideração este contexto de conflitos sociais, indefinições jurídicas, insegurança e medo de rebeliões pode ser entendida a vitória da opção regressista, do Ato da Maioridade e hegemonia conservadora que dominaria a partir de então. Esta nova conjuntura, de centralização política e restauração da ordem, é que deve propor uma nova legislação agrária para o Brasil. Embora previsse condições de legitimação e validação para sesmarias e posses, não se encontra no texto da Lei de Terras referências aos aforamentos e enfiteuses. Consta apenas no artigo quarto que “serão revalidadas as sesmarias ou outras concessões do governo federal ou provincial que se acharem cultivadas (...) embora não tenham sido cumpridas quaisquer das outras condições com que foram concedidas”.20 Caso possamos incluir os aforamentos no rol das “outras concessões do governo federal”, poderíamos concluir que todos os contratos vigentes até então foram considerados válidos. Na ausência de dispositivos em contrário, entendemos também que novos contratos poderiam continuar a ser firmados, conforme as regras vigentes. Isso quer dizer que, novamente, a nova lei fazia vistas grossas para todas as irregularidades, fraudes e apropriações indevidas tão presentes na história da apropriação de terras no Brasil. Neste caso específico, não podemos deixar de lembrar que inúmeros contratos de aforamento já não poderiam ser considerados válidos, porque não cumpriram a exigência do pagamento de foro anual por mais de três anos seguidos ou quatro intercalados. Mesmo assim, sua validação pela nova lei os tornava passíveis de serem considerados se não domínios plenos de seus foreiros, ao menos parte de seus recursos econômicos 20 Lei n. 601 de 18 de setembro de 1850. Grifo da autora.

e políticos, como veremos no caso de Nuno da Silva Reis. Já sabemos que foi no sentido de privilegiar os interesses ligados à expansão cafeeira que grandes posses ou grandes sesmarias foram revalidados pela nova lei (SILVA, 2008). Mas deveria entrar nessa conta também a revalidação dos aforamentos. Com o nosso olhar forjado pelo sentido de propriedade privada atual, poderíamos deslizar no anacronismo e achar que toda a história dos aforamentos apenas descreve a morte lenta de um instrumento jurídico arcaico. Mas, com uma sensibilidade maior, podemos ficar surpresos ao constatar que a “moderna legislação” do novo Estado brasileiro em construção durante o século XIX pouco se preocupou em modernizar ou cancelar uma instituição reconhecidamente egressa dos tempos coloniais. Ao invés disso, vemos que tanto o Alvará de 1821 quanto a Lei de Terras de 1850 foram ferramentas que marcaram a validade deste tipo de contrato, mesmo em contexto de profundas transformações políticas e jurídicas. Portanto, o que transparece é um grande continuidade entre os contratos de aforamento da colônia até a República. Podemos explicar essa “inércia” em relação aos aforamentos de muitas maneiras. A primeira, e mais fácil, é pensar que ela “tocava no bolso” do Imperador, ou seja, a mudança destes contratos repercutia diretamente nas rendas arrecadadas pela Mordomia-Mor. Num contexto de crise econômica e instabilidade política, como foi a primeira metade do século XIX, quem sabe não fosse prudente mexer nas poucas fontes de renda seguras. Aproveitando-se da sólida estrutura produtiva criada pelos jesuítas e das dimensões faraônicas da Fazenda, desde 1808 se pensou que ela devia se auto-sustentar e gerar renda a partir da venda de sua produ-

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ção agrícola e, sobretudo, dos foros e aluguéis arrecadados. Essa explicação é correta apenas em parte, já que a estratégia de arrecadação esteve sempre ‘embebida’ em interesses políticos, o que lhe retira parte de sua “racionalidade” econômica (POLANYI, 1980), como veremos. Neste caso, se já vimos o quanto eram íntimos do imperador, espertos, violentos e poderosos os foreiros da Imperial Fazenda a partir de 1808, poderíamos pensar também de que forma eles teriam procedido para fazer valer seus interesses como fazendeiros escravistas, produtores de café, mas também como foreiros. Não podemos esquecer que a concessão do aforamento ao mesmo tempo barateava e legitimava seus direitos de propriedade sobre as terras mais cobiçadas daqueles tempos.

Parte 4 – Os ‘foreiros práticos’ da Fazenda de Santa Cruz Usamos aqui o termo ‘foreiros práticos’ parodiando o conceito de ‘proprietários práticos’ criado por Rosa Congost (CONGOST, 2007, 8792). Congost defende o uso do termo para que não façamos confusões entre as discussões parlamentares ou as teorias a respeito da propriedade e a ação concreta, movida por interesses nem sempre elevados ou intelectualizados, dos ‘reais’ e humanos proprietários. Karl Marx, em um pequeno trabalho sobre os “roubos de lenha”, já havia elaborado uma síntese da forma de raciocínio destes proprietários práticos: “Esta determinação legal é boa na medida em que me é útil, pois tudo que é para minha utilidade é bom. Esta determinação é supérflua, é nociva, é pouco prática, na medida em que (...) deve aplicar-se também ao acusado. Posto que o acusado é nocivo para mim (...) Isso é a sabedoria prática”. (MARX, 1983 apud CONGOST, 2007: 91)21. 21 Tradução livre da autora.

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Nesta parte, é assim que tentaremos encarar algumas ações de alguns ‘foreiros práticos’, no sentido de desvendar os interesses bastante concretos e o campo nem sempre firme em que manejaram seus direitos de propriedade. Voltemos ao caso de Nuno da Silva Reis, de que já começamos a tratar. Nuno recebeu a concessão de quatorze prazos e meio de terras em 1822. Ao ser instado a realizar os pagamentos, pelo então Superintendente, João da Cruz Reis, conseguiu que este fosse despedido logo em seguida, por ordens diretas do imperador. Nuno deu o mais conhecido calote à Fazenda: não pagou sequer um ano de foro anual durante quarenta anos, e mesmo assim figurava como grande criador e dono da Fazenda Floresta, em Piraí (FRIDMAN, 1999, 198). Conseguiu vender esses prazos ao Desembargador Barreto Pedroso sem consentimento da Mordomia da Casa Imperial. Este, por sua vez, os revendeu ao famoso Comendador Breves, em 187822. O comendador, conhecido como “rei do café”, foi diretamente inquirido pelo Superintendente, em 1878, dos foros que estavam há mais de cinquenta anos atrasados... e desconversou. O Superintendente, exasperado com este e outros devedores, como os dois comendadores Francisco Pinto da Fonseca Teles e João Paulino de Azeredo e Castro, acabou desistindo e enviou o caso para seus superiores. Provavelmente não tiveram maiores desdobramentos. O auferimento de maior ou menor renda pela Superintendência da Fazenda de Santa Cruz estava diretamente ligado à sua capacidade de controlar a transferência de terras de seu domínio e em fazer os compradores de terrenos registrarem-se como foreiros. Eram inúmeras as diligências pelo interior para embargar benfeitorias de intrusos, cobrar pagamentos atrasados, 22 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondências. Documento 248 - Ofícios Remetidos (1859-1881).

além de cartas enviadas ao Imperador pelo Superintende no sentido de denunciar invasores e maus pagadores23. E eram muitos. Em 1843 foi produzida uma lista com todos os devedores da Imperial Fazenda24. Em 1862 foi produzida outra lista, em que constam os nomes de quinze foreiros que nunca haviam pagado suas taxas anuais, desde a década de 182025. Interessante notar que nestas listas não constavam apenas foreiros de pequenos terrenos, possivelmente pobres. Havia nomes como Nuno da Silva Reis, fazendeiro da Fazenda Floresta, do desembargador Antonio Pereira Barreto Pedroso, e do coronel Francisco Ornelas Teles Barreto de Meneses, por exemplo. Precisamos lembrar aqui que ser registrado como foreiro significava estar aquém de ser proprietário. Isso implicou historicamente obrigações diversas, mais ou menos respeitadas, mas sempre existentes (PEDROZA, 2012). Essas obrigações iam, entre outros exemplos, do cultivo e aproveitamento efetivo da terra, no caso das sesmarias e posses, até o pagamento de taxas anuais e laudêmios, no caso dos foros. Por isso, longe de ser um ato administrativo, o registro no livro de foreiros foi uma disputa em que estava em questão o reconhecimento de um ou de outro como proprietário da terra e a perda de autonomia decorrente disso; e, também, mais concretamente, o dispêndio de algum tempo e dinheiro em foros e laudêmios. Por isso, grandes ou pequenos posseiros das terras da Fazenda certamente prefeririam não constar nos livros de registro de foreiros. Fariam isso apenas quando descobertos, coagidos ou, mais concretamente, quando seus direitos estivessem sendo questionados por outrem. 23 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondência Expedida e Recebida pela Superintendência. Registro de Correspondência (1834-1844), dep. 938. 24 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Receita e Despesa. Livro de Assentamento de Devedores da Imperial Fazenda de Santa Cruz (1841-1858), cod. 3279, dep. 208, vol. 63. 25 Arquivo Nacional. Fundo Fazenda Nacional de Santa Cruz. Série Correspondências. Documento 248 - Ofícios Remetidos (1859-1881).

Caberia ainda analisarmos outro caso de tenaz resistência dos particulares a se reconhecerem como foreiros. Trataríamos das inúmeras medições da Fazenda de Santa Cruz, naquilo que elas apontam para a quebra-de-braço de que falamos anteriormente. Por falta de espaço, façamos uma síntese: os jesuítas realizaram a medição total da sua fazenda, colocando todos os marcos de pedra devidos, em 1731. Em 1787, Dona Maria, regente, ordenou uma nova medição, mas, pelo que se soube, o piloto responsável por fazê-la alterou os marcos originais dos jesuítas. Essa ação favoreceu muitas pessoas que, a partir de então, não tinham seus terrenos incluídos nas áreas foreiras. Passados quase cinquenta anos, em 1820, D. João VI ordenou que uma nova medição aviventasse os marcos jesuíticos de 1731. Continuando a iniciativa do pai, D. Pedro I, em 1822, pediu para conferir os títulos de todos os foreiros e impediu a concessão de sesmarias no interior dos domínios da Imperial Fazenda. Ambas as ordens incomodaram os que haviam sido beneficiados com a alteração dos marcos originais, pois qu agora correriam risco de voltar a pagar foros, ou ter confiscadas suas terras. Mesmo com a má vontade do engenheiro piloto responsável pela medição, e do Barão de Sorocaba tentar esconder o livro de tombo da medição dos jesuítas, a nova medição foi finalizada em 1827, e ela efetivamente englobou em terras da Imperial Fazenda terrenos que estavam fora dela há algumas décadas. Os indivíduos tocados fizeram então intensa mobilização para anular essa última medição, dentre as quais um abaixo assinado enviado ao Imperador e a edição de um opúsculo em defesa de seus direitos, escrito pelo próprio Nabuco de Araújo (ARAÚJO, 1830, 34). A pressão teve efeito e, em 1830,

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D. Pedro I anulou a última medição26, mantendo aqueles lavradores na sua antiga condição de “senhores” e não de “foreiros”, e abrindo mão a Fazenda Imperial de seu território e sua arrecadação. Os casos de não pagamento de foros, de vendas sem autorização, de apropriação indébita de terras e de resistência à medição oficial nos fazem concluir que o projeto da administração da Imperial Fazenda de auferir renda com a arrecadação de foros se contrapunha continuamente ao processo pelo qual estes aforamentos haviam sido concedidos. A concessão das terras “entre amigos” da família imperial, onde a relação pessoal supunha-se acima das restrições legais, fez com que as condições “incômodas” no contrato de aforamento tivessem pouco valor para aqueles “foreiros práticos”. Valendo-se da posição de aliados políticos, compartilhando redes sociais e pessoais privilegiadas que lhes presenteavam porções de terras, justificando-se como ‘arrimos do império’ sobretudo pela produção de açúcar e café, eles não gostavam de ser lembrados da sua condição de foreiros. Não pelo valor efetivo a ser pago, muito baixo, mas pela sensação de terem contestados sua autonomia e poder (MOTTA, 1998). Somado a isso, ao governo imperial não interessava se indispor com os grandes foreiros, quase todos pertencentes à aristocracia escravista e aliados políticos, muito próximos espacial e politicamente dos interesses imperiais para que pudessem ser tratados com a ‘imparcialidade da lei’.

Considerações Finais Percebemos que, desde a chegada da Corte e por todo o primeiro reinado, era interesse do governo recompensar os aliados no proces26 Ver histórico das medições em Freitas, Benedicto. Santa Cruz: fazenda jesuítica, real, imperial. Rio de Janeiro: Asa Artes Gráficas, 1985. volume III, página 214.

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so de Independência, incentivar a construção de estradas e o defrichamento do Vale do Paraíba, com vistas à produção de café. Para esse fim as terras da Fazenda de Santa Cruz foram generosamente concedidas aos aliados políticos, altos funcionários e conselheiros, que se tornariam futuros fazendeiros. Nesta pesquisa, nosso desafio permanente foi lembrar que essa nova elite senhorial não se compunha de proprietários, mas de foreiros. Resta-nos descobrir se a condição de foreiro teve alguma implicação em suas possibilidades de acumulação, em suas disputas no poder e na produção de leis específicas sobre esse direito. Quanto ao primeiro ponto, entendemos que, como foreiros, aqueles homens conseguiram contornar a tão incômoda renda fundiária de uma aquisição de terras nos moldes capitalistas, prática que à época já era bem conhecida para os arrendatários ingleses e discutida pela nascente economia clássica (HEGEDÜS, 1984, 149-172; WOOD, 2001). Vemos que a classe senhorial brasileira não foi formada por grandes proprietários nem grandes capitalistas, mas sim por grandes ‘presenteados’ com mercês, regalias e concessões régias. Neste sentido é que a concessão de aforamentos de uma Fazenda Real, depois Imperial, se insere no mesmo antigo mecanismo de dons e contradons de que se alimentou o Estado e a classe dirigente brasileira. Neste caso, podemos perceber claramente a funcionalidade dos instrumentos de um “Antigo Regime nos trópicos” para as modernas formas de acumulação primitiva nestes mesmos trópicos: o acesso à terra, pré-requisito indispensável para a acumulação no circuito cafeeiro-exportador, não era acedido pelas regras de um mercado livre, nem requeria poupança ou investimentos prévios. Ele era viabilizado fora deste mercado, pela proximidade pessoal, influência política ou trocas diretas com o monarca (PE-

DROZA, 2010). Esta prática marca uma grande continuidade, tanto na gestão das terras, quanto nas práticas políticas, entre o período colonial e o novo Estado brasileiro. Em segundo lugar, também foi possível perceber que a falta de menção direta a este tipo de propriedade na Lei de Terras de 1850 não representou de forma alguma o esquecimento ou o desuso desta prática antes ou depois da lei, nem a deslocou de seu papel expressivo como forma de transformação da ‘propriedade condicionada’ em domínio pleno, mesmo que por mecanismos parcialmente ilegais. A investidura legal do contrato de aforamento e a observância de algumas condições (como a realização da medição do terreno e o pagamento da taxa anual) asseguravam direito perpétuo e forte frente a outros direitos. Daí o apego de alguns foreiros às medições e à uma burocracia labiríntica e lenta em que se movia a Imperial Fazenda. Os inúmeros terrenos concedidos gratuitamente e mais tarde transmitidos onerosamente, mesmo que tenham pagado a taxa de laudêmio, atestam o bom negócio destas preocupações. O uso de contratos de aforamentos do século XIX e da documentação gerada por pagamentos e transmissões desde então como forma de criar cadeias dominiais válidas até nossos dias é prática corrente, como atesta a Superintendência do INCRA. Assim, ao mesmo tempo em que obtinham recurso indispensável para acumulação sem despenderem nada, os foreiros também se muniam de uma armadura legal que protegia seus direitos em tempos de incerteza e transformações na propriedade. Em terceiro lugar, vimos que a história da propriedade não se faz sem contradições nem conflitos, e que as alianças e interesses se transformaram com o passar do tempo. Não obstante a relação congênita entre a elite foreira e a casa

imperial, pudemos perceber que a relação entre governo e cessionários estabelecida pelo contrato de aforamento se tornou, cada vez mais, uma quebra de braço entre o controle e as obrigações previstas e a autonomia ensejada pelos particulares. Ao invés de marcar a posição subordinada, deferente e eternamente grata dos súditos com seu monarca, os conflitos em torno de medições, registros e pagamentos nos indicam que os aforamentos passam a fortalecer seus agraciados, de forma que estes puderam se sentir no direito de contestar ou desobedecer as diretrizes régias. O processo de fortalecimento político dos brasileiros e o crescente antagonismo com o primeiro imperador, português, deve também ter se expressado nas disputas por poder e terras dentro da Imperial Fazenda. Vemos uma reiterada resistência de um grupo de foreiros em atender as exigências de seus contratos. Ainda devemos discernir mais claramente que grupos e que interesses estavam envolvidos nestas contendas, para além de enquadramentos simplistas. Em outras palavras, quem e o quê estava efetivamente em disputa? Por último, gostaríamos de ter demonstrado, num plano teórico mais amplo, que as condições de realização da propriedade são o resultado de múltiplas facetas da atividade humana relacionadas às formas de se chegar aos recursos, às práticas de acesso à terra, à distribuição social do produto e das rendas... e não somente da decisão dos legisladores. Em relação à história da propriedade da terra no Brasil, gostaríamos de comprovar a diversidade dos direitos e práticas de uso e acesso à terra. Estes direitos eram condicionados aos interesses concretos de grupos que atuavam nesta sociedade. Assim se pode compreender porque o governo imperial decidiu proteger certos direitos de propriedade em um determinado momento, e

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porque leis supostamente neutras foram efetivamente condicionadas pelo embate concreto entre direitos de propriedade de proprietários conflitantes. Esta questão nos remete a uma análise mais profunda da forma que se pensaram, se efetivaram e como conflitaram diferentes direitos de propriedade.

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Negócios, família e riqueza entre os Barões do charque (Pelotas-RS, c. 1850 - c. 1900)

Jonas Moreira Vargas1* Pós-doutorando em História PPGH-UFRGS [email protected]

Resumo O artigo tem como objetivo principal estudar os investimentos econômicos das mais ricas famílias dos proprietários das charqueadas de Pelotas, no Rio Grande do Sul, entre 1850 e 1900. O charque (carne-seca) constituiu-se em alimento fundamental na dieta dos escravos das plantations açucareiras e cafeeiras e das populações pobres das cidades litorâneas do Brasil. Portanto, trata-se da análise de um grupo de empresários escravistas cuja produção era destinada principalmente ao abastecimento do mercado interno. Os proprietários das charqueadas, que também tinham nos couros, nos sebos e nas graxas importantes gêneros de exportação, foram os empresários mais ricos do extremo sul do Brasil. O artigo também estuda a atuação dos charqueadores no comércio marítimo de longo curso e o perfil dos seus patrimônios dos mais ricos. Tanto na primeira metade do oitocentos, quanto na segunda metade do mesmo, um grupo de famílias tendeu a reunir os principais recursos materiais e imateriais naquele contexto socioeconômico, vindo a aumentar o seu prestígio e compor parte da elite provincial.

Abstract The paper aims to study the economic investments of the richest families of charqueadas (ranch) owners in Pelotas, Rio Grande do Sul, between 1850 and 1900. Jerked beef was a very important food in the diet of slaves of sugarcane and coffee plantations and also of the poor people of the coastal cities of Brazil. Therefore, this work is an analysis of a group of pro-slavery businessmen whose production was primarily intended to supply the internal market. The charqueadas owners, who also had leather, tallow, and grease as important export products, were the richest businessmen in southern Brazil. The paper also studies the role of these ranches in the long-distance maritime trade and analyzes the assets of the richest among them. Both in the first and the second half of the nineteenth century a group of families tended to gather the main material and immaterial benefits of the ranching economy which increased their prestige and made them a major component of the provincial elite.

1 * Doutor em História (PPGHIS-UFRJ). Pós-doutorando em História com Bolsa CAPES/PPGH-UFRGS.

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O

senhor Joaquim José de Assumpção foi o charqueador mais rico de Pelotas no século XIX. No entanto, a fortuna acumulada pelo mesmo não decorria somente da sua fábrica de carne-seca. Além de ser um grande criador de gado, Assumpção também atuou como banqueiro e capitalista, tendo sido presidente da Companhia de Gás e da Companhia de Seguros Pelotense, e foi influente no alto comércio da cidade, sendo o primeiro presidente da Associação Comercial de Pelotas (1873). Quando a sua esposa faleceu, o patrimônio do casal foi avaliado em 6.152:393$500 réis. Grande parte dele (74%) estava composto por apólices da dívida pública do Brasil investidas no Rio de Janeiro.2 Sendo um dos chefes do Partido Conservador na localidade e defendo a monarquia escravista durante anos, recebeu o título de Barão de Jarau. Segundo Fernando Osório (1997, 97-100), Assumpção teria acumulado a maior fortuna do Rio Grande do Sul no século XIX. Apesar dos sucessos financeiros do Barão, este patamar de riqueza não foi atingido pela grande maioria dos proprietários de charqueadas em Pelotas. Um pequeno grupo acumulou imensas propriedades, numerosa escravaria e grandes montantes de capital e, na segunda metade do século XIX, pode-se dizer ainda que a fortuna destes mais ricos foi acumulada em detrimento da maior parte dos charqueadores que, em épocas de crise, como as das décadas de 1850, 1860 e 1870, endividaram-se profundamente com os grandes industriais do grupo, já então parcialmente convertidos em prestamistas locais (VARGAS, 2013). O charqueador Cipriano Joaquim Rodrigues Barcellos, por exemplo, legou um patrimônio 29 vezes menor que o do mencionado Barão. Boaventura Teixeira Barcellos, por sua vez, acumulou uma fortuna 90 vezes inferior ao mesmo.3 No entanto, se em hipótese alguma 2 Inventário da Baronesa do Jarau, n. 187, m. 6, 1895 , 2º cartório do cível, Pelotas (APERS). 3 Inventário de Cipriano J. R. Barcellos, n. 2, m. 1, 1870, 2º cartório

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poderíamos considerar os dois charqueadores Barcellos como indivíduos pobres, seria um completo equívoco tratá-los como empresários do mesmo patamar daqueles que se constituíram nos mais ricos do grupo. Neste sentido, o presente artigo se propõe a analisar os investimentos econômicos dos mais ricos charqueadores de Pelotas, assim como demonstrar a heterogeneidade e a diversidade do perfil socioeconômico do grupo. Assim como entre os cafeicultores do vale do Paraíba fluminense e paulista, dos fazendeiros e comerciantes de Minas Gerais, dos criadores de gado da região da campanha sul-rio-grandense e dos senhores engenho do nordeste do país, entre outras elites regionais do Brasil, os charqueadores também estavam divididos internamente entre grandes, médios e pequenos proprietários, muito embora os parâmetros e as variáveis de grandeza de cada região e grupo mencionados possuíssem as suas singularidades.4

Pelotas e o charque Componente importante da dieta das populações pobres das capitais litorâneas, o charque era principalmente consumido pelos trabalhadores cativos das plantations do sudeste e do nordeste do Brasil.5 No Rio Grande do Sul, as primeiras charqueadas (fábricas de carne-seca) instaladas nos fins do século XVIII surgiram da necessidade de suprir a crescente demanda por alimentos impulsionada pelo grande fluxo de escravos africanos para a América portuguesa e vieram a substituir um espaço aberto com a crise da produção de carne-seca no nordeste, de órfãos e ausentes, Pelotas; Boaventura T. Barcellos. N. 157, m. 5, 1º cartório de órfãos e provedoria, 1890, Pelotas (APERS). 4 Como já demonstraram EISENBERG (1977); FRAGOSO (1983), MARCONDES (1998), SCHWARTZ (1999), BARICKMAN (2003), GRAÇA FILHO (2002), FARINATTI (2010). 5 É sabido que, no século XIX, a região “nordeste” do Brasil era reconhecida como o “norte”. Para facilitar a narrativa, cometi o pecado de utilizar, ao longo do texto, o termo “nordeste” para denominar a região.

ocasionada pelas duras secas que afetaram a região (OSÓRIO, 2007). Em seus anos iniciais, a montagem das primeiras charqueadas foi fruto do investimento de comerciantes de diferentes regiões que viram a possibilidade de obter lucros com o abastecimento da colônia, atraindo outros investidores. Em 1787, quando o Rio Grande do Sul ainda não exportava charque para o nordeste, suas remessas totalizaram 117 mil arrobas (exclusivas para o Rio). No entanto, com a entrada do mercado nordestino nas transações, o Rio Grande ultrapassou as 400 mil arrobas exportadas em 1793 e as 500 mil arrobas em 1797. Na década de 1800, a capitania exportou uma média anual de 820 mil arrobas, das quais mais da metade tinham como destino os portos do nordeste (VARGAS, 2013, p. 65). Conforme Prado Júnior, em sua análise sobre a expansão do setor no colonial tardio, “excluído o rush do ouro, não se assistira ainda na colônia a tamanho desdobramento de atividades” (PRADO JR, 1977, p. 103). Segundo Osório (2007), deste circuito mercantil de abastecimento surgiu uma importante elite de comerciantes-charqueadores que veio a ocupar o topo da hierarquia social regional, apresentando uma fortuna superior aos estancieiros e aos lavradores da capitania meridional. Atuando no comércio marítimo, esta elite investia os capitais acumulados a partir das transações de diversas mercadorias na compra de escravos, terras e equipamentos, vindo a consolidar a formação do primeiro complexo charqueador-escravista do Rio Grande. Ao longo de todo o século XIX, o charque e os couros foram os principais produtos exportados pelo Rio Grande do Sul, somando, frequentemente, mais de 70% dos valores negociados no porto marítimo da cidade de Rio Grande (DALMAZO, 2004, 63-64). Favorecido pela sua localização, o município de Pelotas tornou-se o maior produtor de

charque não apenas da província, como de todo o Império do Brasil. Vizinha do município de Jaguarão, que fazia fronteira com o Departamento de Cerro Largo (Uruguai), e cortada pelo rio São Gonçalo, que desembocava na Lagoa Mirim, Pelotas tinha acesso ao Atlântico através do porto marítimo da cidade vizinha de Rio Grande (Figura 1). Antes da Guerra dos Farrapos (18351845), Pelotas devia concentrar pouco mais da metade da produção de charque da província, mas no período posterior tendeu a aumentar a sua participação, sendo provável que fabricasse mais de 80% do charque regional. O número de estabelecimentos de charquear era bem inferior ao de fazendas de criação de gado. Enquanto as charqueadas pelotenses nunca ultrapassaram o número de 40 estabelecimentos (funcionando ao mesmo tempo), os campos de pastagens espalhavam-se pela vasta região da campanha, na fronteira sudoeste e oeste da província, formando uma população de milhares de pequenos, médios e grandes proprietários, além dos arrendatários. Para manter os altos ritmos de produção de charque, Pelotas demandava uma enorme quantidade de gado bovino por safra. Anualmente, centenas de tropas que somavam algo entre 300 e 400 mil reses eram trazidas até o município para serem vendidas aos charqueadores. Estes as abatiam em suas fábricas, onde possuíam, em média, entre 55 e 65 escravos, além de alguns trabalhadores livres (VARGAS, 2013). Com o tempo, os Barões do charque foram acumulando uma notável riqueza, apresentando um importante prestígio social e político na fronteira sul do Império, de onde ajudaram a sustentar a monarquia, a escravidão e a apoiar as guerras contra os países platinos. Muito embora sempre estivesse refém de reveses econômicos conjunturais, a indústria charqueadora-escravista pelotense viveu o seu auge entre os anos 1850 e 1860, vindo a enfrentar a sua derradeira crise na

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Figura 1 – Pelotas no espaço fronteiriço entre Brasil e Uruguai (século XIX)

Fonte: BELL (1993, 400). década de 1880. Se em 1822, havia 22 charqueadas em Pelotas, em 1850, este número atingiu a casa dos 30, em 1873, chegou aos 35 e em 1880, 38. Com a crise da escravidão e a incapacidade do grupo em contorná-la, a maior parte dos empresários abandonou os negócios do ramo. O resultado disso foi que em 1900 existiam apenas 11 charqueadas em Pelotas, indicando que o declínio do setor coincidiu com a abolição da escravidão (1888) e a queda da própria monarquia (1889) – que tinha nos Barões do charque um de seus sustentáculos (VARGAS, 2013).

Desenvolvimento econômico e concentração de riqueza Os inventários post-mortem constituem-se em uma fonte documental privilegiada para o estudo do patrimônio acumulado pelas elites econômicas. Num universo de mais de 120 charqueadores que identifiquei em diferentes fontes

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documentais ao longo de todo o século XIX, localizei 75 inventários (alguns avaliando por mais de uma vez o patrimônio do mesmo charqueador por ocasião da morte das suas cônjuges) cujos proprietários ainda possuíam o estabelecimento de charqueada entre os seus bens, já que alguns charqueadores eram somente arrendatários, outros já não se dedicavam mais aos negócios do charque e uns não tiveram seus bens avaliados completamente (VARGAS, 2013). Para facilitar a comparação das fortunas inventariadas ao longo do século XIX, converti todos os valores avaliados dos mil réis para as libras esterlinas, pois, como é sabido, a moeda inglesa apresentava-se mais estável e tal método reduz as grandes oscilações da moeda brasileira ao longo do tempo.6 A Tabela 1 demonstra que além das capacidades de acumular riquezas terem aumentado na segunda metade do século, os mais ricos nas últimas décadas do oitocentos eram mais afortunados se comparados aos menos ricos de sua mesma época, ou seja, a riqueza tornou-se maior e mais concentrada. Se entre 1810 e 1835, os charqueadores mais ricos tinham um patrimônio 11 vezes superior ao dos menos ricos, entre 1871-1885, este índice foi de 59 vezes e no último período ele atingiu 89 vezes. São indicadores de concentração extremamente altos, uma vez que trato aqui somente de charqueadores, ou seja, não comparo a riqueza desses empresários com a dos mais despossuídos da sociedade pelotense, o que levaria esta diferença a valores altíssimos. 6 Para a conversão dos valores em mil réis para libras esterlinas utilizei as Médias anuais das taxas de câmbio do Ipeadata, no item séries históricas, disponível em http://www.ipeadata.gov.br/. (acesso em 30 agosto de 2012).

Além do próprio aumento dos preços da terra, dos escravos e das charqueadas entre as décadas de 1850 e 1870, a ampliação das fortunas inventariadas que caracterizaram os últimos três períodos analisados também foi favorecida por causas que conjugam fatores econômicos externos e internos. No mercado internacional, os couros eram cada vez mais demandados pela indústria europeia e norte-americana e seus preços também apresentaram índices positivos no mesmo período, atraindo um grande número de casas comerciais inglesas para o porto de Rio Grande (VARGAS, 2013). A expansão inglesa sobre os mercados dos couros, por exemplo, convergiu com o maior crescimento da economia britânica visto até então. Nunca as exportações inglesas aumentaram tão rapidamente quanto nos primeiros sete anos da década de 1850. Para onde se olhava, a “grande expansão” era notável. Da descoberta do ouro na Califórnia, em 1848, até a metade da década de 1850, a disponibilidade mundial do metal aumentou de seis a sete vezes, fazendo multiplicar os meios de pagamento e encorajar a expansão do crédito. As indústrias se proliferavam por toda a Europa e “os lucros aparentemente à espera de produtores, comerciantes e, acima de tudo investidores apresentavam-se quase que irresistíveis”. Esta expansão sofreu um recuo em 1857, para retornar na década de

1860 com toda a força, até a grande depressão de 1873 (HOBSBAWM, 2000, 55-77). Estimulada por este crescimento, as exportações e importações brasileiras tiveram seus valores triplicados entre 1845 e 1865 (GOULARTI FILHO, 2011, 414). As exportações britânicas para a América do Sul, por exemplo, saltaram de 6 milhões de libras, em 1848, para 25 milhões, em 1872 (HOBSBAWM, 2000, 82). Nessas transações, o Brasil foi o maior parceiro comercial dos ingleses e o capital britânico fluiu aceleradamente para a economia brasileira (PLATT, 1972, 316-321). As embarcações que chegavam com têxteis e mercadorias diversas retornavam abarrotadas de café, açúcar e couros, entre outros produtos. Apesar da grande expansão da indústria têxtil inglesa ter acontecido nas primeiras décadas do oitocentos, ela continuou a crescer nesta época e expandiu-se para outros países.7 As décadas de 1850 e 1860 também foram marcadas por grandes investimentos de capitais nacionais e estrangeiros em setores estratégicos da economia brasileira. Os altos valores antes investidos no tráfico atlântico de escravos 7 Para um interessante quadro geral deste período tanto na indústria europeia quanto na sua relação com as Américas ver CANABRAVA (1984). Para uma análise mais aprofundada da presença inglesa no comércio no Brasil oitocentista ver GUIMARÃES (2012).

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(estes compunham, na segunda metade da década de 1840, 1/3 do total das importações brasileiras), após a Lei Eusébio de Queiroz, foram deslocados para outras atividades produtivas (SCHULZ, 1996, 36). Isto significava dizer que um montante considerável de capitais passou a ser aplicado em investimentos financeiros, sociedades comerciais e industriais, companhias de seguro e navegação, estradas de ferro, projetos de colonização, expansão agrícola e obras públicas, gerando muitas opções de investimentos aos donos do dinheiro.8 A produção de alimentos voltada para o mercado interno também ampliou-se e refletiu-se no comércio de cabotagem, que saltou de 255.866 toneladas transportadas, em 1846, para 1.912.313 toneladas, em 1869 (GOULARTI FILHO, 2011, 415).9 Com todo este crescimento, a Bolsa de valores do Rio viu-se em completa euforia e foi alvo de muitas especulações gerando grandes fortunas e grandes bancarrotas (LEVY, 1994, 54-55).10 Mas outros fatores de ordem política também favoreceram um maior incremento da produção charqueadora na segunda metade do século. Nos anos 1850, por exemplo, os charqueadores foram beneficiados com a entrada de gado gordo e barato vindo do Uruguai, por conta dos tratados de comércio e navegação assinados com o país vizinho, em 1851. Além disso, eles puderam contar com o aumento dos preços dos seus produtos na mesma época, uma vez que as charqueadas uruguaias foram duramente prejudicadas pelas guerras que afetaram a região (como a guerra contra Oribe e Rosas, que teve o franco apoio dos próprios estancieiros e charqueadores pelotenses). O mesmo voltaria a ocorrer durante a Guerra do Paraguai (1864-1870), período no qual as charqueadas de Pelotas atingiram o auge de abates de gado bovino e seu projeto de ex8 Algumas análises desta conjuntura podem ser vistas em LEVY (1994); GAMBI (2010); FRAGOSO (1990); PAULA (2012). 9 Ver também GRAÇA FILHO (1992) 10 Para uma outra análise num âmbito nacional ver FRAGOSO; MARTINS (2003, 143-164).

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pansão agrária rumo ao Uruguai encontrou certa sintonia com os interesses políticos e militares do Império na Bacia do Prata (VARGAS, 2013). Portanto, foi a partir da ampliação do comércio do charque, dos couros e demais produtos da pecuária (mas não somente dela) que as vultosas fortunas dos charqueadores da segunda metade do oitocentos foram acumuladas. Um último indicador pode ser dado a cerca das importações de sal. Entre 1816 e 1822, por exemplo, foi importada uma média anual de 103.073 alqueires do produto, enquanto que, somente no 1º trimestre de 1854, importou-se 196.671 alqueires do mesmo (Berute, 2011, 67). O sal era produto fundamental para a fabricação do charque e o salgamento dos couros e tais índices revelam que a produção e o comércio envolvendo as charqueadas haviam entrado em níveis muito altos se comparado com as primeiras décadas do oitocentos. Soma-se a isto o fato de que a média de escravos por charqueador também aumentou de 51,6 no primeiro período indicado pela Tabela 1 para 66,4 e 68,5 cativos nos dois períodos posteriores, por exemplo. Neste sentido, é possível considerar que tanto as transformações econômicas de ordem mais global, quanto o aumento da demanda por alimentos no mercado interno, estavam refletindo-se na capacidade de ampliação da produção e do aumento das grandes fortunas no período.

A elite charqueadora e o perfil de seus investimentos Os mencionados ganhos e a acumulação de riqueza não estava disponível para todos os charqueadores. Os anos 1850, 1860 e 1870 foram economicamente favoráveis para que somente um grupo de empresários ampliasse os seus negócios, acumulando grandes montantes de capital, escravos e bens imóveis. A Tabela 2 apresenta 12 fortunas superiores a 50 mil libras

esterlinas ocupando o alto da hierarquia econômica do grupo. Elas totalizavam 21,7% dos inventários, mas concentravam 63,5% de toda a riqueza do grupo. No topo, os 4 mais ricos (que tiveram um patrimônio superior a 100 mil libras) concentravam mais de 40% das fortunas. Pode-se argumentar que o período de comparação (1810-1900) é demasiado amplo, além de reunir os charqueadores da primeira geração (que estavam em desvantagem no que diz respeito às possibilidades de acumulação de riqueza) com os dos períodos finais (notadamente em melhores condições de amealhar fortuna). No entanto, refazendo os cálculos apenas para os inventariados depois de 1850, o nível de concentração aumenta ainda mais, pois os 11charqueadores com fortunas acima de 50 mil libras chegam a concentrar 72% da riqueza no período. Como já foi dito, o mais rico destes empresários foi o Barão de Jarau. Dos charqueadores inventariados ele é o único que não possuía mais a charqueada, tendo escapado da crise geral que afetou o setor nos anos 1880, invertendo seus capitais em outras áreas. Banqueiro conhecido em toda a província, em 1895, 74% de seus bens eram compostos em apólices da dívida pública. Portanto, chegando à velhice numa época de crises (como, por exemplo, o Encilhamento (18901891) e a Revolução Federalista no Rio Grande do Sul (1893-1895)), o Barão preferiu investimentos mais seguros. *A Tabela totaliza 55 inventários porque, no caso dos patrimônios de charqueadores cujos bens foram avaliados duas ou mais vezes em épocas distintas (a primeira ou segunda vez, quando da morte de sua esposa), foram excluídos os de menor monte-mor.

Tal postura, por exemplo, se assemelhava a de alguns grandes cafeicultores estudados por Fragoso e Rios. A partir dos anos 1860, o Comendador Manoel Vallim, o Barão de Nova Friburgo e o Barão de Itapeninga, entre alguns outros, deixaram de comprar escravos e terras, passando a inverter os vultosos lucros de seus cafezais em apólices da dívida pública. Conforme os autores, tratava-se de uma saída precavida contra o esperado fim da escravidão, mas que rendia bem menos que os negócios com o café. Naquela época, as opções de investimentos não eram amplas, pois “o mercado de ações no país era muito precário”. Em 1860, a chamada “Lei dos Entraves” restringiu as possibilidades de associação de capitais no Brasil, até que, em 1882, uma nova lei favoreceu tais empreendimentos. Neste período intermediário, restringiu-se “a possibilidade de companhias e de ampliação do mercado acionário”. E para ajudar, após a crise de 1857, “houve uma restrição ainda maior do sistema bancário” como “parte da política anti-inflacionária” (FRAGOSO; RIOS, 1995, 199-202).11

Contudo, um perfil de investimentos diverso foi o do cunhado de Jarau, o charqueador João Simões Lopes Filho. Atuando no alto comércio e na banca local, ele emprestou grandes quantias ao Estado, reabilitou a Companhia 11 Ver também LEVY (1994); FRAGOSO e MARTINS (2003).

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Hidráulica Pelotense com um investimento de 300 contos de réis, colocou outros 750 contos na Companhia de Iluminação Pública de Porto Alegre, Pelotas e Rio Grande, além de ter sido um dos líderes na iniciativa da abertura da barra e canalização do rio São Gonçalo, da Companhia de bondes e da estrada de ferro Rio Grande a Bagé, entre outros empreendimentos regionais. Por tudo isso foi agraciado com o título de visconde da Graça (OSÓRIO,1997, 97-100). A diferença com relação ao seu cunhado foi que ele tinha somente 2% de seus bens em apólices e 32% em ações de Companhias, revelando que se interessava por investimentos que, por conta dos altos riscos, buscavam maiores lucros no mercado.12 Neste sentido, não há exagero em considerar que Graça, pelo tipo de investimentos realizados, foi um empresário escravista que, abandonando lentamente os negócios com o charque, inverteu seus capitais em outros setores, colaborando com a disseminação de práticas mais capitalistas no extremo sul do Brasil. Analisando o balanço das safras das charqueadas nos anos 1870, é possível perceber que tanto Graça quanto Jarau já não se dedicavam tanto à produção de carne-seca, como os demais charqueadores do grupo, pois eles estavam entre os que menos abatiam reses em seus estabelecimentos.13 Embora outros ricos charqueadores tenham aplicado alguma quantia em ações (entre os 12 mais ricos somente 2 não o fizeram) seus investimentos não se comparavam aos de Graça. A partir da Tabela 3 também é possível verificar que o perfil do patrimônio dos charqueadores mais ricos não era homogêneo, pois uns investiam mais em alguns bens do que outros. É sabido que a maior parte dos charqueadores residia na cidade ou tinha ali residências em que passavam algumas temporadas. No caso dos 12 Inventário Visconde da Graça, n. 1.254, m. 69, 1893, 1º Cartório de órfãos e provedoria, Pelotas (APERS). 13 Jornal do Comércio (12.07.1877) e Correio Mercantil de Pelotas (03.07.1879) (Biblioteca Pública Pelotense).

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mais ricos, todos os 12 inventariados possuíam imóveis urbanos e pelo menos 7 deles eram proprietários de grandes sobrados na cidade. A maioria detinha menos de 15% do patrimônio investidos nestes bens. No grupo temos casos como os de Simões Lopes e José da Cunha que possuíam somente duas casas até o de Maia que era proprietário de 49 imóveis na cidade. Quando faleceu, este charqueador já havia se retirado dos negócios com o charque e arrendava o seu estabelecimento. O alto número de imóveis urbanos e o arrendamento da charqueada indica que, no fim da vida, Maia buscou viver como um rentista, o que não significa que ele estivesse alheio aos negócios, uma vez que seus filhos e genros seguiram abatendo reses em sua fábrica.14 Apesar de todos possuírem imóveis rurais (como estâncias, chácaras, terrenos e a charqueada) um grupo detinha um peso muito maior aplicado nestes bens. Maciel, Felisberto, Tavares, Barcellos e Cunha não possuíam menos de 43% de seu patrimônio investido neles. Dos 12 inventariados, 3 possuíam estâncias no Uruguai e somente Castro e Chaves não tinham campos de criação em municípios fora de Pelotas. A compra de estâncias de criação nestas regiões dava-se pelo fato de que a extensão dos campos eram maiores e os pastos eram de melhor qualidade, ou seja, eram ótimos para a engorda do gado bovino. Contudo, a maioria dos charqueadores não possuía condições de comprar tais imóveis. Na realidade, a maior parte dos charqueadores só possuía a sua charqueada e pequenas chácaras em Pelotas, não apresentando bens rurais fora do município. Dos 78 inventários de charqueadores pelotenses abertos entre 1810 e 1900, somente 11 possuíam bens rurais no Uruguai e 16 na região da campanha rio-grandense (sendo que 1 inventariado apresentava estâncias em ambas). Tratava-se de um grupo privilegiado de 26 char14 Inventário de Antônio J. da S. Maia, n. 995, m. 25, 1884, 1º cartório de órfãos e provedoria, Pelotas (APERS).

queadores (33%) que estavam ou entre os mais ricos do grupo ou entre os de fortuna intermediária (VARGAS, 2013, 303). Entretanto, nem todos estes bens rurais eram estâncias de grande criação, sendo alguns deles pedaços de campos ou pastagens com pouco gado. Somente 13 (16,6%) possuíam rebanhos superiores a 2.000 cabeças de gado, o que, conforme Farinatti (2010), os qualificariam como “grandes criadores” na fronteira. Entre estes 13 charqueadores estavam 9 dos mais ricos analisados até aqui. Joaquim J. de Assumpção, por exemplo, possuía 3.000 reses de criar, Felisberto I. da Cunha 4.330, José R. Barcellos tinha mais de 4.600, João S. Lopes mais de 7.000, João S. Lopes Filho mais de 8.500, José I. da Cunha

era dono de 11.400 reses, Joaquim da S. Tavares tinha mais de 8.700 e José A. Moreira possuía 13.000 reses em seus campos. Mas o maior criador do grupo foi o coronel Anibal Antunes Maciel, que tinha mais de 34.000 cabeças de gado pastando em suas estâncias no Uruguai. De acordo com Farinatti (2010), que estudou Alegrete entre 1825 e 1865 (uma das regiões que concentrava os maiores criadores de gado do Rio Grande do Sul), os proprietários de rebanhos superiores a 5.000 reses compunham o topo da hierarquia social local (FARINATTI, 2010). Neste sentido, os mais ricos charqueadores pelotenses podiam tranquilamente equiparar-se aos grandes pecuaristas da fronteira com o Uruguai. Com relação à mão de obra escrava é História e Economia Revista Interdisciplinar

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possível verificar que todos aqueles que tiveram seus bens inventariados antes da Abolição da escravidão (1888) possuíam cativos, como não poderia ser diferente. Também é necessário ressaltar que o tamanho da riqueza era proporcional ao tamanho do plantel. Excluindo a escravaria de Gonçalves Chaves, que teve somente parte dos cativos arrolados (o restante ficou com seus sócios), a média de cativos destes 12 mais ricos era de 115 escravos, ou seja, quase o dobro da média geral de todos os charqueadores da época. Tais dados são de extrema importância, pois somente os charqueadores mais ricos, ou seja, com extensos plantéis de cativos, tinham condições de manter trabalhadores escravos tanto na charqueada, quanto nas suas distantes fazendas e nas suas embarcações (VARGAS, 2013). Em somente um dos casos o percentual dos escravos foi superior a 20% da fortuna inventariada.15 Somado ao valor do estabelecimento da charqueada, eles compuseram mais de 25% dos bens do charqueador em somente dois casos. Contudo, entre os charqueadores de fortuna inferior a 50 mil libras esterlinas o percentual dos escravos e da charqueada no perfil do patrimônio tendia a ser maior, revelando que eles tinham menos investimentos em outros ramos de atividades, o que também os tornava mais vulneráveis em conjunturas econômicas adversas.16 É importante ressaltar que não ser um grande pecuarista e não atuar no comércio do charque não inviabilizava as atividades econômicas de 15 No inventário de Antônio José da Silva Maia constavam apenas os serviços dos 55 escravos que ele havia libertado sob cláusula de contrato de trabalho. Coloquei 74 cativos na Tabela porque este era o número de escravos que ele possuía em 1869, quando arrendou sua charqueada para um comerciante (Escritura de 16.09.1869, Livro de Notas n. 12, 1º Tabelionato de Pelotas, APERS). Em ambos os casos não foi possível saber o preço dos escravos. 16 Este percentual tende a aumentar conforme vai se descendo para as fortunas intermédias e pequenas. Cipriano Joaquim Rodrigues Barcellos, Custódio Gonçalves Belchior e Inácio Rodrigues Barcellos, por exemplo, tinham respectivamente 74%, 54% e 84% do seu patrimônio investidos na charqueada e nos escravos (Inventário de Cipriano J. R. Barcellos, n. 2, m. 1, 1870, 2º cartório de órfãos e ausentes, Pelotas; Inventário de Silvana Claudina Belchior, n. 727, m. 44, 1870, 1º. Cartório de órfãos e provedoria, Pelotas; Inventário de Inácio Rodrigues Barcellos, n. 554, m. 36, 1863, 1º Cartório de órfãos e provedoria, Pelotas (APERS)).

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um charqueador. No entanto, aqueles que se restringiam somente às atividades de charquear, ou seja, não conseguiam atuar na atividade criatória e na mercantil, tinham seus ganhos diminuídos, pois os tornava mais dependentes dos grandes comerciantes marítimos e dos vendedores de tropas de gado. Quando se observa o montante composto por armazéns, embarcações, ações, dinheiro e dívidas ativas é possível perceber que boa parte dos investimentos do grupo possuía um perfil mais urbano-mercantil (e em alguns casos, capitalista) do que um perfil rural. Dos 12 charqueadores mais ricos, 9 apresentaram embarcações nos seus inventários, que somadas, chegaram a um total de 31. Contudo, somente 3 destes charqueadores possuíam navios de grande tonelagem (Barão de Butuí, Anibal Maciel e Antônio José de Oliveira Castro) quando faleceram, sendo que os outros eram proprietários de iates – barcos menores que serviam para levar as mercadorias até o porto de Rio Grande. No entanto, como os inventários retratam a composição das fortunas dos mesmos na fase idosa de suas vidas, o cruzamento com outras fontes documentais, como as escrituras públicas e os registros de matrículas e embarcações da Junta Comercial do Rio Grande, revela que a maioria destes charqueadores havia participado do comércio marítimo em outros tempos, abandonando-o depois de uma certa idade. Na década de 1860, o Visconde da Graça, o Dr. Chaves Filho e Felisberto Cunha, por exemplo, apareceram registrando um patacho, um brigue e uma barca americana na mencionada Junta. O campeão de registros foi Moreira, com pelo menos quatro embarcações de grande porte registradas.17 Além dos registros de embarcação, também foi possível verificar que José Rodrigues Barcellos e João Simões Lopes foram negociantes de grosso trato matriculados na Real Junta do Comércio da Cor17 Registro de matrículas de comerciantes e embarcações da Junta Comercial do Rio Grande. Fundo Junta Comercial, Códices 17 a 27, AHRS.

te, atuando no comércio marítimo, e que Antônio José da Silva Maia também havia atuado na navegação de cabotagem remetendo seus navios com charque para a Bahia e Pernambuco. Dos 22 exportadores de charque que enviaram carregamentos para Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro na safra de 1874/75, 9 eram charqueadores, sendo que Antônio José da Silva Maia e o Barão de Butuí foram os que remeteram mais embarcações com charque (respectivamente, 14 e 6 navios).18 Ao remeterem seus navios para o nordeste, os mesmos retornavam com mercadorias que deviam auferir significativos lucros no comércio atacadista pelotense. Em janeiro de 1875, por exemplo, a barca Pombinha, do Barão de Butuí, retornou da Bahia com 133 barricas de açúcar, 700 barricas de cal e 177 volumes de piaçabas.19 Na mesma época, o charqueador Anibal Antunes Maciel também atuava neste mesmo ramo. Conforme o seu advogado, no processo de inventário dos bens do casal, os mesmos possuíam “navios (…) os quais por comportarem alto calado não podem entrar na Barra do arroio São Gonçalo e chegar a esta cidade, [mas somente em] Rio Grande, onde costumam estar ditos navios a receber cargas para conduzí-las às províncias do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco”.20 Outra forte evidência da íntima relação destes charqueadores mais ricos com o comércio de longo curso pode ser atestada na lista dos presidentes da Associação Comercial de Pelotas. Criada em 1873, ela foi continuamente dirigida por charqueadores.21 Este foi o caso de Possidô18 Matrícula dos Negociantes de grosso trato e seus Guarda Livros e Caixeiros. Real Junta do Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação. Códice 170 (volumes 1, 2 e 3) (Arquivo Nacional do Rio de Janeiro). Jornal O Globo. Rio de Janeiro, 06.12.1875 (Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro). 19 Jornal do Comércio de Pelotas (05.01.1875), Biblioteca Pública Pelotense. 20 Inventário de Felisbina da Silva Antunes. N. 68, m. 2, Pelotas, Cartório do Civel e Crime (APERS). 21 Correspondência da Associação Comercial de Pelotas. Fundo Junta Comercial, maço 3, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

nio Mâncio Cunha, João Maria Chaves, Lúcio Lopes dos Santos, Paulino Costa Leite, Joaquim Rodrigues da Silva, Joaquim da Silva Tavares e Joaquim José de Assunção. É importante destacar que destes 7 presidentes, 2 estão entre os 12 charqueadores mais ricos e 3 deles eram sócios de outros charqueadores do mesmo grupo (sendo que 2 também eram irmãos dos mesmos). Portanto, apesar dos patrimônios analisados não apresentarem uma homogeneidade no que diz respeito a sua composição, há algo que colocava essa elite charqueadora em situação de semelhança. Ela não se especializara num único ramo deste sistema econômico e buscara diversificar o máximo possível os seus investimentos. Neste sentido, o seu enriquecimento também foi resultado da alta capacidade em diversificar os seus negócios e evitar a especialização na produção. Apesar de alguns terem se esforçado para conseguir um maior sucesso no abastecimento de gado, outros dedicaram-se mais ao comércio marítimo, podendo atuar também como prestamistas e capitalistas locais. Tal capacidade de investimentos foi muito pequena entre os charqueadores de fortunas menores e intermediárias, pois somente uma minoria conseguiu atuar no comércio de longo curso e possuir grandes estâncias de criação fora de Pelotas. Esta diversificação era, ao mesmo tempo, um privilégio dos mais ricos e a origem de suas riquezas. De acordo com Braudel, analisando a hierarquia do mundo dos negócios entre os séculos XV e XIX, era somente na base e no seu intermédio que os participantes do mundo dos negócios se especializavam em um ramo, pois na medida em que a economia de mercado encontrava o seu progresso, ela afetava toda a sociedade mercantil, intensificando a divisão social do trabalho. Esta “fragmentação das funções” se manifestava primeiro nos estratos inferiores: “os ofícios, os lojistas, os mascates, se especializavam”. Mas o mesmo não ocorria

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no alto da pirâmide, visto que, “até o século XIX, o negociante de altos voos jamais se limitou, por assim dizer, a uma única atividade”. Era “negociante, sem dúvida, mas nunca num único ramo”, e também era, “segundo as ocasiões, armador, segurador, prestamista, financista, banqueiro ou até empresário industrial ou agrícola” (BRAUDEL, 1987, 40). Um dos reflexos dessa diversificação foi que os mesmos charqueadores assumiam distintas ocupações econômicas quando classificados em algum documento público. Explicando melhor, dependendo dos investimentos que os mesmos realizavam, a sua imagem perante a sociedade local se alterava. O Barão de Butuí, por exemplo, que apresenta o maior índice de dívidas ativas entre os inventariados, foi qualificado como “capitalista” na lista de votantes de Pelotas, de 1865. Antônio Maia, cujos imóveis urbanos compunham 37% de seus bens, foi qualificado como “proprietário”. Possidônio Cunha, dono de estâncias no Uruguai juntamente com seus parentes, foi classificado como “fazendeiro”, o que também ocorreu com o visconde da Graça.22 Apesar de possuírem suas charqueadas, os mesmos não foram classificados como “charqueadores” em tais documentos.

Família e negócios na elite charqueadora pelotense Sendo um estabelecimento indivisível (ou seja, suas benfeitorias, instalações e seus escravos não podiam ser distribuídos entre os herdeiros, pois inviabilizavam a continuidade da produção) o processo de transmissão da charqueada exigia uma planejada sucessão que incluía um irmão-concentrador como protagonista. Nem sempre o herdeiro da charqueada era o filho do charqueador, podendo às vezes ser um 22 Lista de Qualificação de votantes de Pelotas (1865). Fundo “Eleições”, maço 2, AHRS; Lista de qualificação de votantes de Pelotas (1880) (Biblioteca Pública Pelotense – transcrição deste último documento gentilmente cedida pelo Professor Adhemar Lourenço da Silva (UFPel)).

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genro, um irmão, um sobrinho ou um afilhado. Não deve ser encarada como uma coincidência o fato de que muitos dos mais ricos charqueadores aqui analisados, como Assumpção, Moreira, Felisberto, Simões Lopes Filho, Maia e Chaves Filho eram filhos e/ou genros de charqueadores. As vantagens de se ter um pai charqueador e herdar um estabelecimento pronto para o trabalho eram nítidas. Sendo realizada no interior da família, esta transmissão da charqueada não envolvia apenas os bens materiais, mas também os conhecimentos administrativos, o prestígio social, a rede de créditos, o governo da escravaria, entre outros fatores importantes no gerenciamento dos negócios. Sendo assim, esta ocupação envolvia um conjunto de “saberes”, ou seja, de conhecimentos específicos herdados e que eram aprendidos desde a juventude, quando o filho já acompanhava o pai na administração dos bens. Tal aprendizado envolvia o conhecimento das redes mercantis, tanto para comprar gado e sal, quanto para conseguir mão de obra por um preço favorável. Portanto, o herdeiro-charqueador já iniciava os seus negócios imerso em um mundo de privilégios inacessíveis aos não-iniciados. Sob a supervisão do pai, ele compartilhava das redes de relações do mesmo, podendo garantir melhores acordos com arrendatários, capatazes e trabalhadores eventuais, além de herdar prestígio social e político – importantes nas negociações e na busca de crédito na praça, assim como favores de diferentes tipos (VARGAS, 2013). Para o bom andamento da empresa, o herdeiro podia contar com o apoio dos demais parentes, uma vez que a charqueada supria a necessidade econômica dos irmãos e genros criadores de gado, comerciantes e estudantes, por exemplo. Estes eram alguns dos possíveis espaços reservados aos filhos “preteridos”, num processo de transmissão patrimonial que nem sempre se dava de forma pacífica. Herdar a ocu-

pação de charqueador do pai, portanto, era uma das escolhas possíveis dentro do encaminhamento dos filhos na vida adulta. Escolha esta que não dependia exclusivamente do pai, mas que devia ser planejada e decidida em família. Neste sentido, é necessário considerar a existência de uma estratégia familiar não apenas no sentido econômico, mas também no social e no político.23 Filhos, irmãos, compadres, genros, atuando no comércio, na criação de gados, na advocacia ou na política podiam manter uma relação próxima com a economia da charqueada, tendo nela e nas estâncias do charqueador, os seus centros gravitacionais (VARGAS, 2013). Os charqueadores também podiam ter filhos e genros atuando no comércio em portos distantes de Pelotas, o que potencializava suas conexões com o mercado atlântico. O charqueador João Vinhas, por exemplo, possuía um genro negociante em Salvador e outro no Rio de Janeiro. Além disso, possuía um filho estabelecido no porto de Rio Grande como comerciante. Numa carta escrita por ele ao seu pai é possível perceber a importância de tais conexões: “Meu Pai e Senhor. Recebi suas estimadas cartas de 8 e 10 do presente e respondo, como chegou o Iate Ventura fiz ver ao Senhor Frias que era o mesmo que levava o sal que lhe tinha comprado e que logo que descarregou viria receber o sal como tenciono e o Iate Princesa que eu havia fretado para levar o sal de Cadiz, visto sua carta segue já ao norte receber 800 alqueires de sal de Cabo Verde comprado ao Senhor Claussen a preço de $640 que é da mesma casa de Felipe Sausby que Vossa Mercê diz-me ter-lhe a $650, a pressa de despachar o Iate não dá lugar a ser-lhe mais extenso o 23 Apesar do termo “estratégia” oferecer uma racionalidade demasiada aos agentes, como alertou Grendi, sigo as premissas de Levi que buscou despi-lo de significados tão rígidos, considerando-o e reafirmando-o como um comportamento que, apesar de racional, era limitado e seletivo. Esta racionalidade limitada obedecia, portanto, aos condicionantes estruturais e conjunturais na qual a família agia e interagia, contribuindo para romper ou reforçar os próprios traços desta estrutura social (GRENDI, 1998, p. 253; LEVI, 2000).

que o farei pela primeira ocasião (…) As cartas que Vossa Mercê remeteu para F. Silva Flores e Paiva & Viana foram entregues. De seu filho obrigado e criado Boaventura da Silva Vinhas”.24

Portanto, mantendo parentes bem relacionados com outros comerciantes e posicionados em distintos locais deste amplo sistema econômico, os charqueadores poderiam obter informações seguras sobre os preços do sal e quais os negociantes pagavam melhor por suas mercadorias, por exemplo. Exemplos semelhantes envolvendo estes tipos de parentesco não faltam e podem ser dados na trajetória dos comerciantes Antônio Teixeira de Magalhães (genro de José Rodrigues Barcellos), Joaquim Rasgado (genro de José Inácio da Cunha), Manoel de Freitas Ramos (genro do Visconde da Graça) e o Barão de Arroio Grande (genro do coronel Anibal Maciel). Todos estes mencionados sogros estavam entre os 12 mais ricos inventariados, o que também ajuda a explicar parte dos seus ganhos no âmbito mercantil. Às vezes estes empresários podiam estar colocando em prática algo que aprenderam com seus pais, pois alguns destes charqueadores mais ricos, por exemplo, já haviam cumprido este mesmo papel de servir como comerciante em outros portos marítimos. O barão de Corrientes, por exemplo, havia sido negociante na Corte, o visconde da Graça em Salvador e o Dr. Gonçalves Chaves, em Montevidéu, onde pareciam atuar como intermediários mercantis de seus pais e, assim, serem preparados como herdeiros preferenciais (VARGAS, 2013). É certo que as alianças matrimoniais eram resultado de negócios que ligavam sogros e genros muito antes dos casamentos e que se fortaleciam mais ainda após o estabelecimento do parentesco. Folhando o Correio Mercantil 24 Carta de Boaventura Vinhas para João Vinhas. Rio Grande, março de 1848. Anexo à Ação Ordinária de Claussen & Cia contra João Guerino Vinhas, n. 998, m. 35A, 1º cartório do civel, Pelotas, 1851 (APERS).

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de Pelotas, de dezembro de 1876, encontrei um convite à sociedade pelotense para o casamento da filha do charqueador e “abastado capitalista” Felisberto José Gonçalves Braga com Eufrásio Lopes de Araújo Filho – herdeiro do “Guarda-roupa da Casa Imperial” Eufrásio Lopes de Araújo.25 Araújo era o segundo maior importador de sal da década de 1850 e também figurava entre os maiores exportadores de charque no porto de Rio Grande. E Braga era primo do barão de Corrientes, um dos 12 charqueadores mais ricos de Pelotas.

de onde enviavam gado para as suas charqueadas mantendo a produção e o comércio de maneira conjunta (MENEGAT, 2009). Poupo o leitor de outros exemplos, mas charqueadores como Felisberto Cunha, Anibal Antunes Maciel, José Antônio Moreira e Jacinto Antônio Lopes, entre outros, também apresentavam este mesmo modelo de atuação no mercado de gado. Eram proprietários de fazendas na fronteira onde estabeleciam-se como grandes compradores de tropas por intermédio de filhos, irmão, compadres ou genros (VARGAS, 2013).

Se no comércio marítimo os charqueadores atuavam em sintonia com seus parentes, o mesmo modelo de estratégia podia ser encontrado nos mercados do gado. Como já foi dito, os ricos charqueadores eram capazes de atuar tanto no comércio marítimo como na criação em larga escala. Contudo, como não conseguiam estar em todas as etapas do processo, seguidamente colocavam parentes para administrar suas longínquas estâncias. Algumas vezes, os próprios parentes tomavam a iniciativa de dedicar-se à criação de gado, pois sabiam que teriam no charqueador da família um comprador das suas tropas de novilhos. O visconde da Graça, por exemplo, tinha no seu filho Catão Lopes, estancieiro em Uruguaiana, um importante ajudante e fornecedor de gado. Catão era incumbido pelo pai de comprar tropas de gado e remetê-las para a charqueada. “A tarefa era eivada de dificuldades, motivo pelo qual se tornara privilégio de grandes conhecedores”. Erros de cálculos podiam causar avultados prejuízos, pois, como não se usava balança, “o preço do boi, tendo por base o peso presumível, era calculado a olho” (REVERBEL, 1981, 19). A família do charqueador José Rodrigues Barcellos também apresentou transações comerciais como estas. Carla Menegat demonstrou que esta família possuía parentes estancieiros no Uruguai,

Portanto, a maior parte das charqueadas apresentava-se como uma empresa familiar, geralmente funcionando a partir de uma complexa relação que envolvia parentes próximos e distantes nas três principais etapas econômicas de todo o processo no qual charque e couros eram preparados: a criação, a produção e a comercialização. Tal modelo de atuação parecia ser mais corrente entre os charqueadores mais ricos e este procedimento era essencial para os ganhos da empresa, pois ajudavam a diminuir os riscos e possíveis prejuízos que correntemente afetavam os circuitos mercantis do gado, dos couros, do charque e do sal. Com a presença de parentes na fronteira, os charqueadores podiam garantir a compra de tropas de gado gordo por preços e prazos melhores do que aqueles concorrentes que não conseguiam manter grandes propriedades na fronteira, por exemplo. O mesmo funcionava com relação à atuação mercantil marítima. Com filhos, genros e demais parentes bem estabelecidos no comércio, os charqueadores obtinham informações seguras a respeito do mercado, compravam sal de melhor qualidade e mais barato e fechavam melhores contratos de frete (VARGAS, 2013).

25 Correio Mercantil, 6 de dezembro de 1876. Anexo ao inventário de Severiana Herculana Barcellos, N. 829, m. 29, 1º Cartório de órfãos e provedoria, Pelotas, 1875.

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Para finalizar, o papel da família nos negócios e o grau de concentração da riqueza até aqui analisada fica mais evidente quando se constata que quase todos os 12 charqueadores

mais ricos analisados até aqui possuíam estreitos vínculos de parentesco com outros charqueadores deste mesmo grupo dos afortunados. Simões Lopes era pai do Visconde da Graça e sogro do Barão de Jarau, Tavares e Maciel eram primos, o Barão de Corrientes era filho de José Inácio da Cunha, os Chaves e os Barcellos eram aparentados por laços matrimoniais e Butuí era genro do Comendador Castro. Estes dados por si só revelam que a maior parte da riqueza acumulada pelos charqueadores pelotenses na segunda metade do oitocentos estava nas mãos de poucas famílias que possuíam estreitos laços de parentesco entre si e que vetavam o acesso de boa parte da população à riqueza gerada durante o auge das charqueadas pelotenses. Além disso, ao atuarem no comércio marítimo, eles carregavam a carne-seca dos charqueadores menos ricos, lhes cobrando fretes e revendendo sal a altos preços. Emprestavam dinheiro aos concorrentes arruinados, executando hipotecas contra os mesmos e drenaram lentamente a escravaria dos charqueadores falidos, repassando para os mesmos os grandes prejuízos das crises que seguidamente afetaram o setor (VARGAS, 2012; 2013).

Considerações finais Assim como outras pesquisas demonstraram para os senhores de engenhos, comerciantes, fazendeiros e cafeicultores, por exemplo, os charqueadores não podem ser vistos como um grupo social e economicamente homogêneo. Havia uma hierarquia interna, interesses divergentes e padrões de investimentos e comportamento social distintos entre os mesmos. Portanto, quando se fala do “charqueador”, deve-se deixar claro que não está se tratando de um grupo homogêneo no que diz respeito aos seus interesses e atividades econômicas. Isto vale, sobretudo, para o topo desta elite de charqueadores, pois, pelo que busquei demonstrar, quanto maiores as fortunas mais diversificados se tornavam os seus investi-

mentos. Além disso, existiam distintos caminhos para um charqueador enriquecer em Pelotas. Se para alguns o estabelecimento de charqueada devia ser a atividade central dos seus investimentos, para outros ela era apenas mais uma das atividades econômicas exercidas pelo proprietário. Neste sentido, defendo que o seu enriquecimento foi resultado da alta capacidade em diversificar os seus negócios e não na especialização na produção exclusiva de charque. A combinação da criação de gado, com o alto comércio, o aluguel de imóveis, o prestamismo e os investimentos de capitais em empreendimentos regionais os colocavam numa posição privilegiada dentro da elite econômica do Rio Grande do Sul. Esta capacidade de diversificar os seus investimentos e a sua relação com a capacidade de acumulação de riquezas fica evidente quando se percebe que os mesmos empresários com fortunas superiores a 50 mil libras que possuíam grandes estâncias na fronteira, também eram grandes negociantes. Contudo, como os mesmos não podiam estar presentes ao mesmo tempo nas diferentes etapas do processo que se iniciava com a criação e compra de gados e terminava na comercialização dos produtos, os familiares do charqueador ocupavam um espaço central e fundamental para a manutenção dos ganhos da empresa. Pode-se dizer que atuando pessoalmente no porto de Rio Grande ou por meio de seus filhos, irmãos ou genros, o charqueador podia ter uma relação diferenciada com os mercadores atlânticos e ser favorecido por conta disto. Ele podia fechar melhores contratos de fretamento, reservar os melhores carregamentos de sal para a sua charqueada e ter informações preciosas que nem os jornais conseguiam noticiar. E agindo diretamente neste comércio, como um pequeno grupo conseguiu, ele lucrava enquanto produtor de couros/charque e comerciante de longo curso, uma vez que seus navios retornavam abarrotados

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de açúcar, aguardente e outras mercadorias. Isto diferenciava os charqueadores mais ricos dos menos ricos. A mencionada lógica, tão bem analisada por Braudel, da diversificação das atividades econômicas no topo da hierarquia mercantil das sociedades agrárias e pré-industriais teve seu paralelo no sul do Brasil e ordenou a dinâmica da economia charqueadora e a mobilidade dos seus agentes nesta elite oitocentista. Os grandes rebanhos, a aplicação em ações, a atuação na banca local e no comércio de longo curso distinguiam os mais ricos dos demais charqueadores cuja riqueza ocupava as faixas de fortuna inferiores e que, apesar de tentarem investir timidamente em um destes setores, não obtiveram o mesmo sucesso. A posição dos 12 mais ricos no topo da hierarquia econômica decorria de uma atuação eficaz nos mercados do gado, do charque e do sal. Portanto, a elite econômica da província nas últimas décadas da monarquia continuava sendo formada por comerciantes-charqueadores, exatamente como Helen Osório (2007) identificou para o período colonial tardio, muito embora a envergadura dos seus negócios na segunda metade do oitocentos fosse maior e muito mais dinâmica, refletindo, assim, as próprias transformações econômicas daquela sociedade – cada vez mais capitalista e aberta a novas possibilidades de investimento e com uma riqueza ainda mais concentrada.

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Reflexões sobre a configuração hierárquica dos credores nas relações sociais de empréstimos (Rio de Janeiro, 1808 – 1821)*

Elizabeth Santos de Souza Mestre em História Social pelo PPGH/UFF [email protected]

Resumo O presente artigo tem o objetivo de analisar os principais agentes da cidade do Rio de Janeiro que tinham potencial para assumir status de credores nas relações de crédito direto no período joanino. Imersas na configuração social da época, busca-se encontrar nas redes de endividamento os traços de uma sociedade marcada pelas hierarquias. Em razão disso, os contratos públicos do 1º Cartório do Rio de Janeiro constituem-se como corpo documental basilar para as propostas definidas.

Abstract The present article aims to analyze the main agents of credit in the city of Rio de Janeiro during the Joanine period. The debt networks, marked by hierarchies, are immersed in the social configuration of the epoch. For this reason, the public contracts of the 1st Notary’s Office in Rio de Janeiro constitute the basic documentary material for this study.

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é, crença, assenso, que se dá ao que nos dizem” é uma das definições do termo crédito, segundo o dicionário de Antonio de Moraes Silva publicado em 1789 (SILVA,1813). Destarte, quando uma negociação é executada mediante o crédito significa que existe depósito de confiança na pessoa do agente responsável para cumprir, posteriormente, os tratos instituídos nos contratos verbais ou escritos. A prática do crédito foi comum na sociedade colonial - os testamentos, inventários post-mortem, escrituras públicas, ações de almas, ações de execuções de dívidas e ações decendiárias são alguns dos documentos disponíveis nos arquivos históricos que mostram a difusão do crédito no dia-a-dia dos indivíduos. Para Fernand Braudel, o uso do crédito entrou em cena quando o papel moeda, em suas diversas formas, não correspondeu ao desígnio para o qual foi arranjado (BRAUDEL,1996,11-114). Desta maneira, o crédito veio à tona como forma de linguagem capaz de permitir a correlação entre as partes interessadas na realização de negócios. Liquidação de dívidas, despesa com processos judiciais, arrematação de contratos junto à Coroa, pagamento de impostos, compra de bens de raiz, custo com elementos básicos para sobrevivência, locação de imóveis, aquisição de cartas de alforrias e pagamento de serviços eram algumas das situações que podiam ser ajustadas com o uso do crédito e suas distintas formas de garantias na sociedade colonial. O historiador João Fragoso chamou atenção ainda para o papel do crédito no giro dos negócios mercantis da cidade carioca (FRAGOSO,1992). Após o falecimento do cônjuge Manoel Brandão, a viúva Cândida de Jesus teve que administrar os bens do casal. Negociar com credores do falecido alferes, quitar as legítimas paternas no caso da existência de herdeiros e outros arranjos pessoais formaram as possibilidades de 108

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motivos que impulsionaram Cândida de Jesus, por diversas vezes, sair da Rua de S. Joaquim, onde tinha residência, para procurar crédito com o comerciante italiano Alexandre Pancioni na Rua do Ouvidor. Em agosto de 1818, quando o somatório das dívidas perfazia o total de 1:600$000 (um conto e seiscentos mil réis), dona Cândida e o sr. Pancioni resolveram instituir um acordo público de reconhecimento da dívida. De posse do bilhete de distribuição1, ambos direcionaram-se ao Primeiro Cartório da cidade do Rio de Janeiro para formalizar o interesse através da escritura pública de dívida2, ou seja, uma declaração unilateral de vontade na qual uma pessoa (devedor) reconhece que deve a outra (credor) um determinado valor em dinheiro ou equivalente. Quem certifica a declaração e a torna pública é o tabelião de notas. A viúva de Manoel Brandão não foi a única a circular pelas ruas da cidade em busca de credores para não só reconhecer a dívida como também para fornecer recursos monetários a fim de sanar as necessidades postas no cotidiano. Certamente, esses episódios voltam a repetir-se de modo frequente na cidade do Rio de Janeiro entre os anos de 1808 a 1821, sendo constantemente registrados em um dos quatro cartórios da região3. Dessa forma, este artigo pretende discutir quais os principais agentes que forneciam crédito direto na cidade, suprindo a necessidade daqueles que careciam de dinheiro ou tempo. Imersas na configuração social da época, busca-se encontrar nas redes de endividamento os traços 1 O bilhete de distribuição é um mecanismo de controle do fluxo de registro público nos cartórios da cidade. Os tabeliães de notas registravam somente as escrituras delegadas pelo Distribuidor, caso contrário, estariam sujeitos às penalidades da lei. (Ordenações Filipinas, Livro I, título LXXIX) 2 Escritura de dívida, livro 218, fl. 115 v, Primeiro Ofício de Notas do Rio de Janeiro (PONRJ) sob guarda do Arquivo Nacional. 3 O objetivo de traçar o histórico dos Ofícios de Notas no Rio de Janeiro permitiu Deoclécio Macedo identificar que, na primeira metade do século XVII, quatro cartórios já estavam em funcionamento na cidade. A obra do autor, intitulada Tabeliães do Rio de Janeiro do 1º ao 4º Ofício de Notas: 1565 – 1822, merece cautela na sua análise porque determinadas informações estão embasadas em documentos não localizados. No entanto, na falta de pesquisas dedicadas ao tema, consideramos válido o trabalho de Deoclécio Macedo para uma discussão inicial.

de uma sociedade marcada pelas hierarquias. Em razão disso, os contratos públicos do 1º Cartório do Rio de Janeiro constituem-se como corpo documental basilar para as propostas definidas. Os dados a ser analisados versam sobre 863 escrituras públicas, dentre as quais se encontram as de vendas com financiamento, dívidas e quitações.

Quem empresta? Para efetuar os negócios registrados nos livros de notas cartoriais era necessário a presença de duas partes, entre elas a do credor ou prestamista. Em termos jurídicos, o uso da palavra credor sempre esteve vinculado aos contratos de empréstimos, que se referiam à credere pecuniam alicui – confiar dinheiro a alguém (NEVES, 2008). Destarte, credor era aquele que, para além da conotação de depositar confiança, emprestava dinheiro e, por isso, tinha algo a receber.4 De maneira diferente, a palavra prestamista demarca uma distinção no ato de emprestar dinheiro porque se encontra vinculada ao uso de juros nas negociações. Esses eram os profissionais do crédito, conhecido na historiografia como usurários, pois acordavam com taxas o dinheiro que possuíam no presente para receber com acréscimos no futuro.5 À vista disso, os termos credor e prestamista asseguram características distintas entre os indivíduos, o que não impede que um ora empreste dinheiro a juros e ora não, guiando-se pelos interesses e pelos laços de sociabilidade. Em relação às 863 escrituras do 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro (PONRJ) catalogadas para o período de 1808 a 1821, dificil4 Charly Tilly, ao analisar a relação entre o Crédito e a Culpa, destaca que a palavra crédito “vem do latim credere, para confiar ou acreditar. O particípio passado creditum significa uma coisa confiada a alguém, incluindo um empréstimo”. (TILLY, 2008, 5) 5 Para Marx, o usurário era a personificação do capital usurário, uma das formas de existência do capital. “O capital portador de juros, ou como podemos denominá-lo em sua forma antiga, o capital usurário, pertence, com seu irmão gêmeo, o capital comercial, às formas antediluvianas do capital que por longo tempo precedem o modo de produção capitalista e se encontram nas mais diversas formações econômicas da sociedade”. (MARX, 1985, 107).

mente verificou-se a repetição de nomes entre os que concediam crédito. Logo, é inviável procurar definir os prestamistas das transações de crédito no Rio de Janeiro através dos dados levantados, pois não se encontrou indícios de indivíduos que se especializaram no empréstimo de dinheiro como forma de acumulação de bens. Isto é, homens e mulheres que fizeram da prática de emprestar dinheiro a juros uma poderosa fonte de renda. Destarte, tendo por princípio que uma única transação com uso de juros não assegura o título de prestamista ao concessor do crédito, o termo credor será aplicado a todos que, em dado momento, confiavam uma quantia em dinheiro ou um prazo de pagamento a alguém, independente da existência de juros. Comumente inserida no cotidiano da urbe fluminense, a técnica do crédito podia ser administrada por todos os sujeitos, independente do seu destaque econômico ou social. Ao desembarcar a Corte portuguesa nos portos cariocas em 1808, as gentes da cidade já estavam habituadas a recorrem aos próximos na ocasião de aperto financeiro, cada indivíduo sabia o verdadeiro comportamento que deveria adotar para o “bem-viver” no mercado de crédito. Entretanto, apesar da linguagem do crédito ser acessível para todos – os vocábulos de crédito, débito, juros, hipoteca, fiador e outros eram conhecidos, minimamente, pelos que estavam inseridos na sociedade -, diferente do que acontecia com a técnica do letramento, a condição do agente no mercado de crédito tangenciava-se com sua posição socioeconômica. Em vista disso, é preciso também averiguar a potência com que determinados sujeitos investiam no mercado carioca do período joanino. Diante do grupos sociais foi toapresentação dos notoriedade social.

tabelião, um mosaico de constituído através da aucredores, que assegurava a A identificação dos termos

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empregados pelos grupos coloniais para autotitulação irá nortear o entendimento sobre o fazer-se visto na colônia. Negociante, padre, forro, tenente, mulher viúva ou divorciada, capitão de embarcação, dono de padaria e outras ocupações encontram-se presentes nas linhas das escrituras públicas, originando a configuração das hierarquias a partir do registro de transações de crédito. Demonstrando como as práticas culturais que privilegiavam a diferença entre os atores sociais encontraram espaços nas linhas oficiais dos tratos públicos.

A ocupação profissional e títulos de relevância social pronunciados pelos agentes foram classificados em 11 categorias, são elas: funcionário público, instituição, militar, dona, negociante, preto forro/livre, profissional liberal/

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mestre de ofício, religioso, vive de lavoura, vive de negócios e vive de seus bens. Desse modo, qualquer informação expressa pelo credor a fim de designar o seu lugar na sociedade colonial foi utilizada para o ordenamento dos grupos sobre os perfis dos agentes de crédito. De maneira a conhecer parte da dinâmica da vivência dos agentes do crédito, as classificações da tabela acima permitem conjecturar a disparidade social formada entre os envolvidos. Adverte-se que a tabela não exibe o montante de contratos sem identificação socioprofissional. Em outras palavras, muitos indivíduos não se preocuparam em demarcar o grupo social do qual faziam parte. Isto é um caso curioso quando comparado com os demais participantes, homens ou mulheres, que especificaram determinadas informações para defini-los no contexto local. Em síntese, era comum entre os credores a preocupação de inscrever suas inserções socioprofissionais, como pode ser verificado na tabela exibida. Em relação aos perfis socioprofissionais, excetuando os 268 indivíduos (31,2%) que não puderam ser classificados, os que declararam viver de negócios constituíram o grupo com maior número de ocorrências de concessões de empréstimos, isto representa 24,6% dos credores do mercado. Logo em seguida, temos um grupo de 79 homens com patentes militares, que corresponde a 9,2% dos agentes que injetaram crédito no mercado e registraram no 1º Cartório do RJ. O terceiro maior grupo é composto por 56 pessoas (6,5%) que declararam ser “negociante da praça”. Nota-se a similaridade entre a atividade ocupacional dos que viviam de negócios e dos que eram negociantes da praça, isto ocorre

porque a categorização dos agentes preservou as delimitações sociais instituídas pelos próprios credores. Para além dos perfis socioprofissionais destacados, a tabela 1 permite ainda verificar a difusão do crédito entre outros agentes da cidade, embora exista concentração de potencial econômico em alguns perfis específicos. Joaquim Gomes da Silva, morador na rua detrás do Hospício e barbeiro de profissão, foi um dos poucos alistados pretos livres que entrou na memória cartorial com o título de credor. Esse homem tinha emprestado o valor de 25$600 réis em moedas espanholas para a viúva Catharina Maria da Conceição, com residência na rua Senhor dos Passos.6 Ele estabeleceu o prazo de 6 meses para a quitação da dívida e requereu a hipoteca de uma casa térrea. Por algum motivo, a devedora não honrou com o contrato e liquidou a conta após 12 meses, como não havia acertos de juros, Joaquim Silva recebeu apenas o valor emprestado e liberou as casas hipotecadas.7 O crioulo forro Vicente de Paula Fernandes também teve título de credor por emprestar 134$400 réis em moedas para a parda e viúva Joaquina Maria de Souza. No entanto, esse credor estabeleceu mais regras na negociação, foram 6 meses de prazo com correção de juros após o vencimento da primeira de duas parcelas acertadas. A hipoteca foi dada a partir de alguns escravos.8 Certamente, os negros livres e forros encontraram espaços para atuar como credores nos empréstimos com registro notarial, mas o quantitativo de indivíduos e o valor total transacionado nas escrituras demonstraram que o mercado de crédito fluminense possuía uma configuração hierárquica dos credores através do seu potencial econômico muito atrelado à condição social. Ao observar a tabela 1 constata-se o grupo dos negros livres e forros com o potencial mais re6 PONRJ, Escritura de dívida, 12/09/1809, livro 201, fl. 160 v. 7 PONRJ, Escritura de quitação, 02/10/1810, livro 203, fl. 102 v. 8 PONRJ, Escritura de dívida, 13/09/1821, livro 223, fl. 176 v.

duzido para investimento no mercado de crédito fluminense. Outro grupo de pequeno potencial para emprestar dinheiro foi o das instituições, segundo os dados cartoriais para o período. Estudos anteriores sobre o crédito na cidade do Rio de Janeiro já diagnosticaram a redução da importância dos cofres institucionais emprestarem moedas para os residentes locais. Todavia, chama atenção que as instituições que apareceram nas transações cartoriais eram, exclusivamente, irmandades e ordens religiosas. No final do século XVII, o juizado de Órfãos era a instituição fluminense mais importante sobre a detenção do crédito, enquanto que as demais (como a Santa Casa da Misericórdia e irmandades) apareciam esporadicamente na amostra de escrituras analisadas por Antônio Jucá de Sampaio (2003). Tal instituição de prestígio nos quadros administrativos do Estado, na qual se concentravam importantes sujeitos da elite local, viu sua capacidade de fornecer liquidez ficar reduzida diante da potencialização de outros credores. Resultado das transformações pelas quais passava a economia fluminense, na primeira metade do século XVIII, que impulsionava a diversificação das fontes de liquidez. Essa foi a constatação de Antônio Carlos Jucá de Sampaio sobre a perda de importância dos cofres do Juízo de Órfãos. No que diz respeito ao período joanino, percebe-se que nenhuma transação de crédito teve origem nos cofres do Juízo de Órfãos. O dinheiro arrematado na praça pública para compor às heranças dos órfãos não foi dado em dívidas registradas no 1º Cartório do Rio de Janeiro. No entanto, notou-se a acanhada participação de diferentes irmandades nas transações creditícias fluminense. Um dos poucos empréstimos oferecidos pelas instituições foi no valor de 1:161$315 réis, no qual a Santa Casa de Misericórdia forneceu para o negociante João Pinto da Silva GuiHistória e Economia Revista Interdisciplinar

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marães.9 Como segurança da dívida constituída, o devedor depositou a hipoteca de uma fazenda e comprometeu-se a quitar todos os juros da lei a correr da data de aquisição do dinheiro. No tocante às escrituras públicas do 1º Cartório, esse papel de credor das instituições foi verdadeira exceção no mercado de crédito joanino. É importante a exibição na tabela 1 da quantia de réis aplicada por cada perfil socioprofissional, bem como a média realizada entre o valor total e o número de agentes de cada categoria. Isto permite trilhar um caminho a fim de compreender qual era o grupo com destaque a se manifestar nas transações creditícias. A partir da tabela, que usa o viés do poder econômico, nota-se a elite do mercado de crédito urbano do Rio de Janeiro entre 1808 a 1821. A riqueza do conceito de elite impede que esta seja diagnosticada por se diferenciar da maioria somente por meio da questão econômica, pois outras formas de poder permitem a distinção entre os grupos, como o poder político e o poder ideológico.10 No início da sociedade oitocentista, pode-se dizer que amplas formas de poder eram aplicadas no dia-a-dia dos indivíduos. Todavia, haveria uma fragmentação rígida entre uma elite e outra? Na tabela 1, pode-se verificar a configuração da importância total transacionada por cada perfil de agente, que variou de 585$600 réis a 358:858$979 réis. Sendo assim, os pretos forros foram os credores sem potenciais do Rio de Janeiro, assim como os homens que viviam de negócio foram os mais dispostos a ter e conceder crédito na cidade. A falta de conformidade entre um perfil e outro permite que se aglomerem diferentes grupos de indivíduos com capacidade 9 PONRJ, Escritura de dívida, 30/10/1811, livro 204, fl. 90 v. 10 No limiar do século XX, a teoria das elites difundiu-se nas ciências sociais, sendo objeto causador de grande discussão. Compreender a relação que poderia ser estabelecida entre o conceito de elite, de classe social e de poder local foi elemento de desarmonia entre muitos intelectuais. Para ampliar a discussão sobre esta temática, e compreender o conceito de poder político e poder ideológico, leia: (BOURDIEU, 2000, 65 – 73; GRYNSZPAN,1999).

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de crédito em cada escala hierárquica. De modo que cada margem de crédito teria uma coletividade de indivíduos em destaque. Sem dúvida, identificar um conjunto de homens ou mulheres como credores possíveis vai além de percebê-los na tabela 1, é correlaciona-los às variadas informações, como a qualidade do crédito emprestado (juros, prazos, hipotecas, etc). Contudo, os limites deste artigo inibem as inquirições nestes aspectos.

Dar crédito a alguém: o topo da hierarquia “Vive de negócio”, “negociante”, “militar” e “dona” são, respectivamente, os grupos mais promissores quando se afere o total dado em réis nas transações de crédito na urbe carioca. As indicações dos títulos das categorias permitem traçar o perfil de elite fluminense, no início do século XIX, que se difere daquele dos primeiros anos de colonização portuguesa na América, cuja tendência era a expressividade representativa das famílias vinculadas aos conquistadores, as quais investiam nas atividades agrícolas através da lógica de acumulação senhorial. No interior do espaço colonial, a produção mercantil cresceu paulatinamente ao lado das plantations monocultoras, escravistas e exportadoras. No início do século XVIII, quando o porto do Rio de Janeiro iniciou um percurso de crescente destaque perante o Império ultramarino português, a linha tênue que separava os senhores de engenhos e os homens das atividades mercantis aparentou maior definição ao indigitar a esfera comercial como a responsável pelo aquecimento das altas atividades econômicas.11 No que tange às recentes pesquisas sobre a prática mercantil e a importância do Rio de Janeiro, os trabalhos de João Fragoso (1992), 11 Para Patrícia Gomes da Silveira, face a sua localização e a rede de conectividade comercial com outros espaços econômico-sociais, e geográficos, a cidade/porto do Rio de Janeiro pode ser definida como uma entrepôt city. Cf. (SILVEIRA, 2012).

Manolo Florentino (1995) e Antonio Jucá de Sampaio (2003) exercem influência significativa por sistematizar especificamente a atuação dos negociantes de grosso trato seja pela atividade do crédito, do tráfico de “mercadorias vivas” pelo Atlântico (“comércio de carne humana”) ou através das acumulações com a concatenação entre as atividades vinculadas ao mercado interno e ao mercado internacional12. A partir das pesquisas empíricas executadas pelos autores, tem-se a perspectiva de destacar os negociantes de grosso trato e, de um modo geral, todas as práticas mercantis como principais reguladores da economia colonial no primórdio do Oitocentos. Em relação à tabela 1, percebe-se que alguns dos principais injetores de crédito na cidade eram envolvidos diretamente com a prática do comércio13, como os negociantes e os que viviam de negócio. Essas duas categorias formavam um pouco mais de 31% dos credores e foram responsáveis respectivamente pelo giro de capital no valor de 157:741$638 réis e 358:858$979 réis, que representam 11,4% e 25,9% de todo capital arrolado nas transações creditícias. Tais ocupações profissionais referem-se ao envolvimento com atividades que proporcionavam lucro, de acordo com o sucesso das negociações. Com objetivo de mapear o perfil socioprofissional dos que atuavam nas redes comerciais da América portuguesa, é possível averiguar ampla gama de títulos utilizados pelos indivíduos (negociante da praça, mercador, 12 Os livros “Homens de grossa aventura”, “Em Costas Negras” e “Na encruzilhada do império” referem-se às autorias respectivas de João Fragoso, Manolo Florentino e Antônio Jucá de Sampaio. Evidentemente, nota-se o prestígio dessas obras devido às características citadas, que enfatizam a análise da formação e consolidação da imponente elite mercantil no espaço fluminense. Contudo, essas abordagens foram permitidas por causa dos avanços na análise historiográfica sobre as atividades econômicas nos espaços coloniais, como vimos no capítulo 1. De forma que, o destaque dado às obras inicialmente descritas carece ser aferido no contexto de redefinição do papel das colônias a partir da década de 1950. Uma análise critica a tal perspectiva está em MARQUESE (2013). 13 Em consonância com o dicionário de Rafael Bluteau, comercio significa “a troca das producções naturaes, ou da arte, por outras da mesma natureza, ou por dinheiro”. (BLUTEAU, 1728).

vive de negócio, com loja de fazenda seca, com loja de secos e molhados, comerciante, vive de sua agência e outros) para delimitar sua ocupação (RODRIGUES,2009. 191-214). Contudo, compreende-se que o background de todas essas atividades era a compra de produções da terra, de indústria ou de outra natureza para repassar por grosso ou a retalho. Essa complexidade hierárquica do grupo mercantil foi solucionada pela historiografia através da padronização de três tipos de classificação, tendo as seguintes referências: grosso trato ou varejo, fixo ou volante, permanente ou eventual.14 Indubitavelmente, as várias designações profissionais que apareciam no cotidiano da América portuguesa e nas escrituras públicas para referendar os envolvidos com as práticas comerciais queriam demarcar o espaço de poder e prestígio no mundo mercantil. Tal inferência pode ser validada através das definições do Diccionario do Commercio, de Alberto Jacqueri de Sales (1723,227), para os termos nobreza e mercador. O mercador seria o comerciante com lojas abertas e vendas a retalho, que tinha técnicas para o comércio muito inferiores à ciência utilizada pelos homens de negócios. Por outro lado, esses últimos compartilhavam de ferramentas complexas para a manutenção dos negócios, o que permitia a seguinte declaração: “[...] o Commercio emgrosso não se considera como imcompativel como a Nobreza herdada [...], mas antes pello contario sera meio proprio para se alcançar a Nobreza adquirida”. Desse modo, assumir determinada titulação no mundo do comércio é tracejar os limites numa sociedade hierárquica. 14 A designação de comerciante de grosso trato (ou homens de negócio) era dada ao indivíduo que manejava transações comerciais de longa distância, sendo inter-regionais, inter-coloniais ou transimperiais, enquanto que o comerciante varejo trabalhava com lojas restritas ao nível local. A nomeação de fixo ou volante refere-se à mobilidade espacial, se circula por diferentes regiões ou se tem estabelecimento fixo. Já o uso do termo permanente ou eventual está ligado à recorrência das práticas comerciais, sendo dito permanente se o indivíduo tiver as ações comerciais como parte contínua do seu ofício, e eventual se o comércio não for uma prática rotineira na vida profissional. (RODRIGUES, 2009).

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Recorrentemente, o patrimônio angariado pelas trocas comerciais carecia estar acoplado aos serviços à Coroa. Por esta razão, quando foi noticiada a vinda da família real para o Rio de Janeiro, “o Corpo do Commercio já tinha quasi todo” 15 prontificado-se a ter serventia nas organizações administrativas planejadas por d. Marcos de Noronha e Brito - Conde dos Arcos, vice-rei dos estados do Brasil. Estar com a figura do rei situado na cidade colonial era oportunidade para fazer atos notáveis. Como o caso do negociante Elias Antonio Lopes, que generosamente presenteou o príncipe regente com a melhor chácara da região, situada em São Cristóvão. Imediatamente, d. João VI retribuiu o negociante da cidade nomeando-o “Comendador da Ordem de Christo, Fidalgo da Casa Real, e Administrador da mesma Quinta”16. Segundo Maria de Fátima Gouvêa (1998), a Câmara do Rio de Janeiro apresentou, a partir de 1800, os homens de negócio com potencialidade para governar e ingressar no conjunto dos homens bons. O cultivo do prestígio local e a inserção nas redes de sociabilidade possibilitaram os comerciantes terem seus nomes indicados como aptos a ocuparem a Câmara fluminense, o que apenas pelo cargo já denotava uma influência social. O crescente respeito obtido pelos negociantes da cidade se refletiu nas autodesignações nos atos tabelionais. Por isso, na tabela 1 encontra-se a delimitação entre os que declararam viver de negócios dos que atestaram o título de negociante da praça. Através da pequena discussão suscitada, verifica-se que o comércio que estava na base dos maiores credores do Rio de Janeiro não foi impedimento para ascensão legal aos estamentos nobiliárquicos. Os integrantes da elite do crédi15 Relação das festas que se fizeram no Rio de Janeiro, quando o príncipe Regente N.S., e toda a sua família chegarão pela primeira vez a´quella capital. Lisboa: Impressão Régia, 1810, p. 5. 16 Ibidem, p. 13. A respeito de Elias Antonio Lopes ver (BRAGA, 2013).

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to também poderiam estar inseridos nos demais grupos elitizados da sociedade. Todavia, a protuberância dos perfis socioprofissionais ligados ao comércio, notada no mercado de crédito, não impediu que outros indivíduos também aparecessem como credores das transações creditícias cartoriais. Há de se ressaltar que o número de mulheres que circularam no cartório foi superior ao demonstrado na tabela 1. Situações distintas permitiram que as senhoras aparecessem ao lado dos cônjuges ou de outros indivíduos. Todavia, como a referida tabela pretende tratar dos perfis socioprofissionais dos credores, chama-se atenção para o grupo de mulheres (solteiras, casadas e viúvas) que ostentava o título de “dona” acoplado ao prenome, e se portava como agente principal das escrituras arroladas. As definições propostas por Raphael Bluteau para o termo dona, “título de mulher nobre” e “mulher viúva de qualidade”17, são compatíveis com o que foi encontrado no primeiro grupo da tabela aqui discutida. Dona era uma expressão de reverência utilizada como sinônimo de notável e ilustre, sendo axiônimo feminino da palavra “dom”.18 Por isso, identifica-se que o gênero feminino que apareceu com o título de dona entre os agentes do mercado fluminense pertencia à elite colonial. Em outras palavras, eram mulheres brancas e nobres que se destacaram no contexto social.19 17 BLUTEAU, D. Raphael. Op. Cit., Volume 3, 1728, p.287. Verbete Dona. Disponível em: http://www.brasiliana.usp.br/en/dicionario/1/ dona. Acessado em 06.02.2015. 18 Entretanto, nem todos os nobres do quadro do império português podiam ser tratados com semelhantes títulos, isto porque, no cerne da questão, os termos dom e dona tratavam-se de concessões reais por prêmio de serviço ou outrem. Embora, os títulos também fossem associados aos prenomes de pessoas que tinham vínculos de parentescos como a família real ou eram religiosos de destaques. (SOUSA, M. DCC. XXXVII, 37). 19 Na análise sobre a transmissão de bens para donas viúvas da região de Quixeramobim, no Ceará, Ana Cecília Farias de Alencar chegou a comparar a representação do título dona com os significados das imagens das patentes militares e títulos nobiliárquicos do universo masculino. (ALENCAR, 2013, 1 – 14).

Recorrentemente, a lógica de submissão feminina foi acionada nos estudos da sociedade patriarcal que caracterizou o Brasil colonial20. Embora, saiba-se que num agregado doméstico, na agricultura, no artesanato, no setor de serviços ou no comércio as mulheres se faziam presentes, as análises empíricas sobre a situação feminina na economia foram dificultadas pela omissão de alguns documentos. Entretanto, nas linhas dos livros cartoriais é possível elencar algumas condições do feminino que se apartaram do legado materno e matrimonial. O estudo sobre os trâmites comerciais entre os sertões de Minas Gerais e da Bahia fez Isnara Pereira Ivo (2009) perceber o deslocamento do gênero feminino nesses espaços. Para além do comércio ambulante e da propriedade de venda, as “mulheres de caminho” – como eram conhecidas as que circulavam com produtos entre Minas e Bahia – designaram outra imagem para o perfil comercial feminino porque trabalhavam com toneladas de mercadorias e eram concorrentes diretas dos “homens de caminho”. Isnara Ivo constatou a autossuficiência financeira e sucesso comercial dessas “mulheres de caminho”, marcadas pela versão mestiça, crioula e negra. Sem ser característica exclusiva da região mineira e baiana, como afirma Marize Helena de Campos (2008), nas terras maranhenses também é possível constatar o sucesso econômico de algumas donas. Imersas numa dinâmica social local, muitas mulheres foram capazes de administrar seus próprios patrimônios. É preciso ressaltar que os bens administrados pelas senhoras donas maranhenses não eram adquiridos somente por herança, mas desses participavam os obtidos no 20 O conceito de sociedade patriarcal encontra-se diretamente vinculado ao termo família patriarcal, que refere-se ao conjunto de pessoas, além do núcleo principal (marido, mulher e filhos), submetido à figura de uma liderança do gênero masculino. Nesta concepção, as chefias no âmbito público e privado eram desempenhadas pelos homens, inibindo qualquer ação de autogoverno do gênero feminino. (FREYRE, 2000).

desbravamento e povoamento das terras. “Com isso, reforça-se o fato de que nem todas as mulheres corresponderam aos papéis de esposa, mãe, a elas destinados pela sociedade patriarcal, pelo contrário, ali elas aparecem lutando pelo que então conferia mais prestígio e poder: a posse da terra, e de suficiente escravatura para a sua exploração” (CAMPOS, 2008). O mercado de crédito urbano do Rio de Janeiro permite diagnosticar a atuação do gênero feminino, que não mostrava-se rigorosamente submetido ao masculino. Em conformidade com a historiografia recente sobre o desempenho das mulheres no Brasil colônia, este trabalho contribui para conhecer o perfil feminino que transitava no cartório para registrar negociações. Constituindo-se maioria entre as donas, o universo de viúvas foi importante para se chegar ao valor total de 94:014$757 réis transacionados nas escrituras de vendas, dívidas e quitações. Decerto, esse destaque ao gênero feminino está vinculado com o status civil anterior à viuvez, visto que o saldo de um bom casamento permitia que o falecimento do cônjuge não deixasse a mulher desamparada financeiramente. Tendo possibilidade de ter cabedal para atuar como credora ou usufruir do título como herança matrimonial. Análise mais detalhada sobre essas viúvas cariocas e seus falecidos cônjuges precisa ser realizada para aclarar a complexidade da composição hierárquica do mercado de crédito. Deveras a herança matrimonial assentiu a representação simbólica da credora dona viúva, que mesmo sem facultar bastante dinheiro aos mutuários, ostentou a reputação de administrar o patrimônio do casal. Desembargador, chanceler, tenente-coronel, coronel, tenente, capitão, alferes, guarda-mor, sargento-mor, doutor e piloto de bergantim21 eram os títulos ligados aos côn21 Embarcação marítima a remos, veloz e de excelente mobilidade para explorar determinadas regiões; navio de significativa importância no

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juges falecidos das mulheres credoras. Por este indicativo, afere-se que a partir dos status dos falecidos o mundo feminino representado nas escrituras também possuía hierarquia a delimitar as condições socioeconômicas de cada condição de mulher. Se a viúva Maria Francisca Benedicta teve como emprestar 4:000$000 réis para José Maria da Silva expandir o negócio de que vivia, utilizando como ferramenta de proteção ao credor os juros, a hipoteca de 14 escravos e uma casa na Rua dos Ferradores22, outras viúvas não podiam dispor de alta quantia nos empréstimos. Instituindo o curto prazo de 3 meses, exigindo juros e a hipoteca de 2 escravos, a viúva Maria Francisca Borges concedeu 89$600 réis a solteira Luiza da Conceição23. Enquanto Maria Benedicta concedeu alto crédito e predispôs-se a eximir do seu dinheiro pelo prazo de dois anos, Maria Borges emprestou um pequeno valor e fez questão de recebê-lo o mais rápido possível. No entanto, o modesto valor do empréstimo da última viúva a ser mencionada não refletiu na perda de sua notoriedade. Maria Borges continuava a ser viúva do sargento-mor Antonio José da Costa, isenta de ir ao cartório da cidade24 porque o serventuário do tabelião, Joaquim Carlos da Rocha Pita, compareceu na sua residência localizada no caminho novo da Lapa.

tário entre as naturezas das escrituras públicas indica a ausência de potencial dessas mulheres como agentes injetores de dinheiro no mercado fluminense. Do total de 94:014$757 réis, apenas 11:908$704 réis foram dados em empréstimos pelas donas, e este valor é extremamente baixo quando comparado aos investimentos dos demais grupos socioeconômicos da nata hierárquica. Nota-se que o número de donas credoras das escrituras de dívidas foi inferior ao número que constava nas escrituras de vendas e quitações. Ao fim e ao cabo, as donas do topo da hierarquia creditícia poderiam não ter os extremos lucros adquiridos pelos negociantes e pelos que viviam de negócio, mas eram integrantes da elite fluminense do início do século XIX. Em outras palavras, essas viúvas faziam parte do seleto grupo de “donas” cariocas. Na sociedade permeada pelas práticas do Antigo Regime, a ascendência do falecido consorte permaneceu relevante para as viúvas, que eram respeitadas pelo seu novo papel de liderança administrativa do patrimônio e pela reputação herdada no matrimônio. A tabela 2 faculta também análise mais adequada sobre a forma como estava distribuído o crédito total transacionado pelos homens com patentes militares, negociantes e pessoas que viviam de negócios. É possível detectar a natureza

A

devida atenção à composição dos arranjos das donas na tabela 2 questiona o lugar ocupado por elas na hierarquia de credores, pois a distribuição do valor monequadro naval. (DOMINGUES, 2004). 22 Escritura de dívida, livro 220, fl. 150, PONRJ. 23 Escritura de dívida, livro 200, fl. 157, PONRJ. 24 Ordenações Filipinas, Livro I, título LXXVIII.

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das transações creditícias acionada por cada perfil de credor. Situação que permite reconhecer os condicionamentos que tornaram viáveis o

destaque angariado por cada categoria no universo geral de credores. Desta forma, os autênticos detentores de cabedal para empréstimo surgem nas entrelinhas dos dados quantitativos. Assim sendo, se a tabela 1 permite reconhecer os credores no seu sentido mais amplo, a tabela 2 expõe os credores nas suas dessemelhantes atribuições. O grupo intitulado militar, de acordo com a primeira tabela, se mostrou importante para a atividade do mercado de crédito carioca, sendo o segundo maior perfil de credores com identificação socioprofissional e tendo o terceiro maior valor total de crédito transacionado nas escrituras catalogadas. Contudo, deve-se destacar que grande parte dos homens que utilizou patentes militares como forma de distinção social não integrava o exército profissional da colônia, pelo contrário, adquiriu os títulos de patentes mediante os serviços prestados para a Coroa através de outras áreas profissionais, a incluir o comércio. Segundo Arno Wehling e Maria José Wehling (2009), a organização militar no império português era composta pelo exército, milícias e ordenanças, tendo cada categoria características específicas que fazem conjecturar que os títulos de serviços militares que apareceram nas escrituras referem-se, principalmente, às milícias da cidade. De acordo com a pesquisa de John Schulz sobre o papel do exército na política brasileira, até meados do século XIX os militares de carreira tinham por gênese social a aristocracia típica do Antigo Regime. Portanto, dificilmente notavam-se homens no quadro de oficiais que destoavam do perfil legitimado. Segundo o historiador, foi apenas por volta de 1850, com a lei de nº 585, que a modificação do acesso à promoção na carreira permitiu o ingresso de indivíduos com distintas realidades socioeconômicas no exército profissional. Até então, as ordenanças e milícias eram portas

mais suscetíveis ao sujeito que buscava o privilégio de ser reconhecido como capitão, tenente, alferes e outros. As companhias de ordenanças e as milícias foram criadas com a finalidade de oferecerem suporte para as tropas de primeira linha (ou tropas regulares ou pagas). No entanto, a reponsabilidade de manutenção da ordem local e defesa do território eram atribuições de todas as tropas de forças bélicas. Constituídas a partir das unidades de recrutamento espalhadas nas freguesias, as tropas auxiliares (milícias) e irregulares (ordenanças) não eram restritamente seletas, contendo grande parte dos homens livres da colônia, com faixa etária entre 18 e 60 anos, com exceção dos magistrados régios e eclesiásticos. Os brancos, pardos, negros, pretos libertos e alguns homens pobres formam alguns dos perfis que se organizavam de modo hierárquico nas tropas de segunda e terceira linha.

Conquanto os impasses presentes no dia-a-dia das forças bélicas, essas eram portas de acesso ao caminho de ascensão na sociedade de Antigo Regime. Independente do serviço prestado ser pago ou não, usufruir de uma patente militar era trilhar um caminho de obtenção de prestígio local. Sendo assim, podemos considerar os militares do mosaico de credores do mercado do Rio de Janeiro como homens distintos da sociedade fluminense. Logo, compreendemos a necessidade de João Pedro de Sousa Rodrigues deixar seus negócios, no Rio de Janeiro, sob comando do seu procurador José Joaquim de Sousa, para estar envolvido com a expedição militar em Pernambuco, no ano de 1817 . Por certo, em muitas ocasiões, os interesses político-administrativos das milícias tangenciavam com parte dos anseios particulares, pois mesmo sem remuneração financeira para os serviços prestados, a patente de oficial de um História e Economia Revista Interdisciplinar

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posto militar permitia usufruir as muitas vantagens dispensadas pela Coroa a esses indivíduos.

Dessa forma, os vários representantes de cargos militares que apareceram nas escrituras merecem atenção por designar, maciçamente, os indivíduos que se destacavam pela qualidade e honra, e, por isso, integravam às organizações de milícias espalhadas nas freguesias. Excetuando os soldados, diferentes postos ofereciam os elementos de construção da configuração das elites locais, o desempenho de função no Serviço Real angariava o respeito local. Para Francis Cotta, os altos postos eram assim reconhecidos, como o posto de Coronel, Tenente-Coronel, Sargento-Mor, Ajudante, Capitão, Tenente e Alferes, todos em ordem decrescente na categoria (COTTA,2002). Por este motivo, os homens que assumiam essas especialidades eram os que tinham prestação de serviços anteriores para a Coroa e estavam inseridos nas redes clientelares. Tal constatação é ratificada pelas pesquisas de Leandro Braga de Andrade (2013) e Tiago Luís Gil (2009) ao estudarem as práticas comerciais, res-

pectivamente, na cidade de Ouro Preto e na rota que interligava Viamão à Sorocaba. De acordo com as escrituras catalogadas, 79 credores se apresentaram ao tabelião através de patentes como capitão, alferes, tenente, sargento-mor, coronel e outras, sendo a primeira a maioria delas, conforme se observa no gráfico abaixo. Em certos registros, ao lado das patentes militares era possível encontrar informações quanto à posse do hábito da Ordem de Cristo, apontando que determinados sujeitos estavam mais à frente na trajetória do caminho nobilitante, isto é, da metamorfose social. A tabela 2 exibe que liberar quitação de dívida, emprestar dinheiro e financiar vendas de (i)móveis foram, respectivamente, as ações mais praticadas pelo grupo de homens com patente militar. Certamente, todas essas atividades requereu uma capacidade econômica deste perfil socioprofissional, pois o quantitativo de 151:429$917 réis é realmente expressivo para o aquecimento

Gráfico 1: Identificação das patentes militares dos credores (1808 - 1821) 40 3 4 35 30 25 20 15 10 5 0 o tã pi a C

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Fonte: Idem tabela 1. Somente 6 patentes não foram identificadas devido a conservação documental

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do mercado de crédito e de imóveis. De acordo com a capacidade de fornecer moedas, além da tipologia dos negócios estabelecidos, afirma-se que os 79 homens credores com patentes militares no mercado joanino integravam as tropas auxiliares e, concomitantemente, desempenhavam ocupações profissionais lucrativas. A inserção nas práticas mercantis também pode ser vista entre os que não mencionaram tal atuação nas escrituras. Luiz Antônio da Silva Neves (morador na rua da Alfândega) quando compareceu ao cartório em 12 de junho de 1812 disse apenas que era capitão tenente. No entanto, entre as negociações realizadas por ele existiam acertos sobre o financiamento de uma loja de botica25 no valor de 7:200$000 réis.26 João Ferreira da Silva foi outro credor carioca que se identificou somente com o título de alferes, quando foi tornar pública a quitação de 800$000 réis que fez ao comerciante Francisco Ignacio Albernar. Entretanto, o olhar para a transação creditícia demonstra que o credor era sócio do devedor em dois armazéns de carnes secas.27 Casos como de Luiz Neves e João Silva, comerciantes que apenas declararam patente militar como forma de identificação socioprofissional, foram comuns entre os contratos públicos catalogados. Dessa maneira, as indicações apontam que, seja mencionando uma ocupação ou não, os indivíduos que destacaram suas patentes militares diante do tabelião tinham fontes de rendas que não eram por meio do serviço militar. Em algumas circunstâncias, o empréstimo era solicitado até mesmo para custear a presença nas tropas de segunda e terceira linha. Esse foi o caso do soldado do 2º Regimento da Infantaria de Linha, Pedro Custachio Vieira Ca25 Antes de configurar-se como local de venda de produtos medicinais, a botica é um estabelecimento comercial. Além de remédios, elementos para a higiene pessoal e perfumaria também eram encontrados nas boticas oitocentistas. Cf. (ABREU, 2006, 162). 26 PONRJ, Escritura de distrate, 12/06/1812, livro 206, fl. 22. 27 PONRJ, Escritura de quitação, 17/05/1809, livro 201, fl. 44.

macho, que pediu a quantia de 400 réis por dia ao seu tio, Tenente-Coronel José Joaquim Vieira de Andrade Caldeira, para a sua manutenção no serviço militar. Acordo registrado em 30 de maio de 1818, o Tenente-Coronel assumiu o presente compromisso que seria honrado até o momento que seu sobrinho fosse reconhecido oficial no seu Batalhão, pois estava próximo de receber o título de cadete. No entanto, a escritura de dívida também enfatiza que a obrigação do Tenente-Coronel José Caldeira poderia ser rompida caso o sobrinho desmereça por sua qualidade.28

À guisa de conclusão É notório que a difusão do crédito na urbe carioca era ampla, pois distintos indivíduos atuaram como credores. Conquanto, o mosaico instituído a partir do 1º Ofício de Notas expressa que a configuração hierárquica do ofertante de crédito possuía relação direta com as diferenciações socioeconômicas presentes no Rio de Janeiro do início do século XIX. Portanto, nem todos podiam ocupar o topo da hierarquia, destinado a um grupo destaque a partir do montante geral de réis investindo no mercado através de empréstimos de moedas ou financiamento de bens (i)móveis. Dentre os seletos, ainda tornaram-se notáveis os que registraram maior número de escrituras de dívidas. Esses eram os verdadeiros “donos do crédito” e elites consolidadas na sociedade fluminense entre os anos de 1808 a 1821. Isto é, a todos convém o uso da técnica do crédito, mas o prestígio e alta fama alcançam somente alguns indivíduos. Além do poder econômico, foi possível verificar que os agentes do crédito fizeram questão de utilizar os recursos disponíveis para se distinguirem entre a população. Por conseguinte, as referências às patentes militares e ao termo dona exemplificam os estágios dos indivíduos no caminho da metamorfose social. Assim sendo, os 28 Escritura de dívida, livro218, fl. 15, PONRJ.

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dados cartoriais apresentam àqueles comerciantes destituídos do prestígio de ser reconhecidos como negociantes de grosso trato ou homens de negócio, mas que possuíam alguma patente militar acoplada aos seus nomes. Em outras palavras, questões de ordem econômica e de ordem sociocultural estiveram na base da configuração hierárquica dos credores fluminenses. Por derradeiro, constatou-se ainda que o rendimento com as transações comerciais era o principal recurso utilizado pelos credores para suprir a necessidade de dinheiro e financiamento de bens que muitos tinham na cidade. O ethos da camada privilegiada do Brasil colônia possibilitou que o perfil de liderança mercantil exercesse prestígio entre os homens da sociedade no início do Oitocentos. Portanto, verificou-se que os donos do crédito no Rio de Janeiro tinham envolvimento direto ou indireto com o comércio. De modo que o cultivo da boa reputação das elites mercantis permitiu a reconstituição das hierarquias sociais. Entretanto, para além da supremacia do gênero masculino ao falar das transações creditícias, a participação das mulheres, com ênfase nas donas viúvas, também demarcou uma postura entre os atores sociais desse contexto. O topo da hierarquia de credores foi ocupado pelos agentes que nem sempre destinavam muito dinheiro aos necessitados de crédito, mas reconhecidamente desfrutavam de reputação social.

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A ótica do empresariado fluminense sobre o Governo Collor

Júlio Cézar Oliveira de Souza* Doutorando em História Social pela UERJ [email protected]

Resumo O presente artigo faz uma análise da movimentação da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN) dentro da conjuntura das ações de caráter político e econômico do governo Collor, as quais versavam, dentre outros temas, sobre financiamento da produção e reformas estruturais que tangenciavam o âmbito do processo produtivo. Como desdobramento da temática supramencionada, buscamos explicitar a articulação do empresariado fluminense com trabalhadores sob o eixo capital-trabalho-governo, cuja ótica vislumbrava aumento de renda e manutenção de empregos e, por fim, examinamos o impacto econômico causado pela crise política iniciada com escândalo do “Esquema PC”, a qual engendrou mudanças no rumo e objetivos de curto prazo dessa fração da classe dominante (POULANTZAS, 1978, 25).

Abstract This article analyzes the activities of the Federation of Industries of Rio de Janeiro State (FIRJAN) within the context of the political and economic actions of the Collor government, regarding, among others, financing of production and structural reforms that affected the production process. As an extension of the above theme, we tried to explain the collaboration of Rio entrepreneurs with workers in the capital-labor-government complex that envisioned increased income and job maintenance, and finally, we examine the economic impact caused by the political crisis that began with the “PC” scandal, which engendered changes in directions and short-term goals for this fraction of the ruling class.

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1. Um breve histórico da FIRJAN e sua importância no cenário nacional

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FIRJAN, foi constituída oficialmente em 16 de março de 1975 como associação sindical de âmbito estadual, com sede e foro jurídico na cidade do Rio de Janeiro, seus fins são o estudo, coordenação, proteção e representação legal das categorias econômicas da indústria, dentro dos limites da base territorial do atual estado do Rio de Janeiro. Essa entidade é a resultante da Lei Complementar nº 20, de 1º de julho de 1974 (Lei da Fusão do Estado da Guanabara com o do Rio de Janeiro), a qual preconizou a absorção dos acervos de duas entidades sindicais, extintas em 15 de março de 1975: a Federação das Indústrias do Estado da Guanabara (Fiega) e a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ). A primeira dessas entidades fora fundada em 27 de novembro de 1937 com o nome de Federação dos Sindicatos Industriais do Distrito Federal (FSIDF), e recebera sucessivamente as denominações Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (FIRJ), Federação das Indústrias do Distrito Federal (FIDF) e Federação das Indústrias do Estado da Guanabara (Fiega). A segunda — FIERJ — funcionava desde 1950 com sede na cidade de Niterói e jurisdição no antigo território fluminense. A fusão do estado da Guanabara com o do Rio de Janeiro trouxe à cena um embate político, visto a Fiega ter, à época, maior volume político, enquanto a FIERJ detinha maior conhecimento das necessidades do território fluminense. Nas negociações, o último presidente da FIERJ, Jair Nogueira, cedeu a presidência da Federação das Indústrias do novo estado do Rio de Janeiro a Mário Leão Ludolf, da Fiega, assumindo como vice-presidente na primeira diretoria da Firjan-CIRJ em 1975. Mario Leão Ludolf fora presi126

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dente dessa instituição até 1980, logo após, Artur João Donato (MARQUES, 2010) elegeu-se para o respectivo cargo na FIRJAN e, simultaneamente, no CIRJ (Centro Industrial do Rio de Janeiro). Em sua gestão, Donato criou o sistema FIRJAN, o qual engloba a própria federação, o CIRJ, o Senai-Rio (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial), o Sesi-Rio (Serviço Social da Indústria) e o Instituto Euvaldo Lodi (CALICCHIO, 2013). Donato também aumentou a representação de empresários do interior do estado na FIRJAN, assim como o número de escolas do Senai nos municípios fora da região metropolitana. Depreendemos, nesse sentido, que a criação do sistema visava o fortalecimento da indústria fluminense por meio de diferentes frentes. A primeira, a FIRJAN, além de nutrir o desejo incentivar a indústria do interior do estado, que não teve atenção durante a gestão de Ludolf, tem a função de desenvolver e coordenar estudos, pesquisas e projetos para orientar as ações de promoção industrial e novos investimentos no estado do Rio de Janeiro. Seus Conselhos Empresariais temáticos e Fóruns Empresarias setoriais discutem tendências e lançam diretrizes para ações de apoio e assessoria às empresas. A segunda, o CIRJ, possibilita às empresas a ele associadas acessar, em condições diferenciadas e com um atendimento personalizado, os serviços oferecidos pelas cinco instituições integrantes do Sistema FIRJAN. A terceira, o Senai, promove a capacitação tecnológica das empresas, por meio de programas de assessoria técnica e tecnológica e de formação profissional, além da qualificação e especialização de trabalhadores em todos os níveis. A quarta, o Sesi, tem o objetivo de promover ações para a promoção da saúde, educação, esporte, lazer e cultura direcionadas aos trabalhadores e às comunidades em que estão inseridos. Ele atua também nas áreas de saúde ocupacional, segurança do trabalho e

meio ambiente. Enquanto o Instituto Euvaldo Lodi promove a capacitação empresarial e dá apoio à pesquisa e à inovação tecnológica. Concomitantemente, realiza o trabalho de integração entre indústrias, universidades e instituições de pesquisa no estado do Rio de Janeiro1. Vista pelo prisma do cenário nacional, a atividade industrial do estado do Rio de Janeiro era complementar à de São Paulo, em cujo parque lançava-se mão de tecnologias de ponta. Não obstante a essa conjuntura, o produto interno bruto fluminense era o 2º do país. A maior parcela das empresas sediadas no estado pertencia à indústria de base (em torno de 30%), sendo notável a participação de capital estatal, 80 %, nesse subconjunto (SILVA, 2012, 46), o que torna o estado singular no âmbito nacional. É na questão da participação do Estado na economia que surge o primeiro ponto de convergência entre Firjan e o Governo Collor. O Presidente da República, sob a égide de um projeto neoliberal, concebia a privatização de empresas estatais, o que era apoiado pela entidade industrial. A manutenção do status quo desses industriais dependia da constituição de consórcios e associações entre grupos nacionais e estrangeiros. Havia a necessidade de grande aporte de capital para realização de atividades econômicas. Nesse sentido, a valorização patrimonial seria dada a partir de subsídios do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e captações internacionais por bancos estrangeiros e nacionais hedgeadas por títulos públicos cambiais (MIRANDA; TAVARES, 2012, 339). A indústria ligada à exploração do petróleo no Rio de Janeiro também foi um elemento chave nas relações com o governo Collor. Entre 1985 e 1990, o crescimento acumulado da indústria extrativa brasileira foi de 12,7%, bem abai1 http://www.firjan.org.br/data/pages/40288094212F790101213013CD 7D651D.htm. Acessado em 13/04/2014.

xo do percentual fluminense, que fora de 21,5% neste mesmo período (SILVA, 2012, 61), tendo destaque a produção petrolífera da bacia de Campos. Isso tornava imperativa a participação da empresa estatal Petrobras no desenvolvimento econômico da região. Nesse eixo, Collor nomeou Ricardo Lins de Barros, importante empresário do Rio de Janeiro ligado à FIRJAN, vice-presidente da Petroquisa, sinalizando seu apoio à instalação de um Polo Petroquímico no estado, grande anseio do empresariado fluminense desde a década de 1980. O projeto do Polo Petroquímico visava a integração da economia fluminense pelo fato de a matéria prima (gás natural e nafta) ser farta e disponível no território do Rio de Janeiro. Segundo o estudo realizado pela AD-RIO2 (Agência de Desenvolvimento Econômico e Social), os impactos nos campos econômico e social seriam um faturamento anual da ordem de 1,4 bilhão de dólares, a criação de 73.000 vagas de emprego e uma geração de impostos de cerca de 260 milhões de dólares. A estratégia do Presidente da República parecia ser bem definida. Por um lado deixava o processo de implementação do Polo nas mãos de um empresário ligado diretamente ao ramo de produção de produtos petroquímicos, por outro, agradava todo um conjunto de empresários que iriam se beneficiar direta ou indiretamente com sua instalação no estado do Rio de Janeiro, desta forma angariando apoio político do 2º estado mais rico da federação.

2 Fundada 1987, com sede no Rio de Janeiro, é reconhecida pelo Governo Estadual como de utilidade pública, conforme o Decreto nº 10.942, de 27/01/88. Seu objetivo é a promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural do Estado do Rio de Janeiro. Dentro da organização da estratégia de promoção investimentos, cabe a esta agência a elaboração de estudos de pré-viabilidade, de tendências e vocações de mercado e regionais, além de estudos setoriais que forneçam subsídios a empresas e investidores. A busca de parcerias, tanto técnicas quanto financeiras, para o desenvolvimento dos trabalhos é outro foco que orienta a atuação desta instituição.

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2. O Projeto de Reconstrução Nacional e as Câmaras Setoriais Em 14 de março de 1991, foi lançado o Projeto Brasil que posteriormente seria chamado de Projeto de Reconstrução Nacional. O objetivo de Collor era costurar um entendimento com empresários, sindicatos de trabalhadores e políticos por meio de uma linha-mestra cujo conteúdo abarcava questões relativas ao papel do Estado, economia, educação, seguridade social, ciência e tecnologia, dentre outras. No cálculo do Presidente da República, essa seria a melhor alternativa após o malogro na economia no primeiro ano de governo. As pressões advindas da sociedade e de agentes econômicos obrigavam-no a apresentar soluções para os problemas em voga, sendo a inflação o de maior intensidade, pois prejudicava uma maioria esmagadora da população brasileira. A instabilidade macroeconômica também afetara em cheio múltiplos interesses do capital. Seus representantes, frações da classe dominante brasileira, aspiravam pela manutenção do status quo, contudo, a globalização e a crise da dívida externa seriam fatores determinantes para a transformação do contexto econômico-social. Se nos debruçarmos sobre as ações da fração da burguesia industrial do Rio de Janeiro, localizável ao nível econômico da constituição e reprodução do capital, percebemos que a mesma açambarcou critérios políticos e ideológicos dentro de uma conjuntura concreta. Sob esse ponto de vista, entendemos as diferenças dentro do seio da classe dominante. Uma fração desta mesma classe pode exercer um papel de força social relativamente autônoma (POULANTZAS, 1978,25). Tal afirmação se encaixa no estudo sobre a FIRJAN durante o governo Collor, na medida em que a entidade delineia ações de apoio ao Presidente da República, sem, contudo, deixar de criticar alguns aspectos de ordem econômica e política.

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Em meio a essa conjuntura, Collor deveria lidar com o fracasso de seu primeiro ano de governo procurando formas de manter a governabilidade e o estabelecimento de um consenso, pelo menos entre ele e a classe dominante. O primeiro passo foi a criação do “Projetão”, composto de 48 projetos de lei, 9 decretos e 7 emendas à Constituição. O objetivo principal era proceder uma reforma do Estado, mudar a organização da economia e resgatar a dívida social. Na sede da FIRJAN, seu presidente, Arthur João Donato, em entrevista coletiva elogiou a ação do governo, sinalizando sua satisfação afirmou: O Projetão é um trabalho relevante. Não discuto seu mérito. Mas é importante que seja apoiado por toda a sociedade. Todos nós clamávamos por metas que nos devolvesse a esperança de um Brasil melhor. O que existe de concreto no país, hoje, é o Projetão. É preciso que se estabeleça uma atuação convergente, pois a atuação paralela não nos conduzirá a nenhum resultado positivo3.

No que toca à fala de Donato, podemos inferir que existe a preocupação do estabelecimento de um consenso. Ávidos por investimentos estrangeiros, essa parcela do capitalismo industrial brasileiro empenhou-se no apoio ao Projetão, mas sem perder de vista o cenário macroeconômico que dilapidava uma boa parte de seu lucro, pois os altos índices de inflação e seus desdobramentos, como por exemplo, os juros altos, impactavam o processo produtivo. A perda do poder de compra do trabalhador, corroído pelo processo inflacionário, e a redução de postos de trabalho numa economia em recessão representavam a o utra face da mesma moeda. Em síntese, a manutenção do mercado consumidor brasileiro de bens fabricados pela indústria estava ameaçado pelos baixos salários e por uma 3 Revista Firjan-Cirj Informa, nº10, semana 22 a 28/03/1991.

política macroeconômica recessiva, sem investimentos, antes assumidos através de empréstimos do governo federal. Sobre a questão salarial, é mister salientar que o empresariado criticava a dilapidação de renda classe trabalhadora com intuito de forçar o governo a reduzir a carga tributária imputada às empresas, dessa maneira seria possível promover volumes compatíveis de acumulação de capital como o de períodos anteriores, ainda que num ambiente macroeconômico de recessão, de falta de investimentos. O Projetão tratava como prioritários para reconstrução nacional, dentre outros temas, a reestruturação da economia, a organização sindical e as formas de financiamento da economia nacional e capital estrangeiro. Para efeito deste artigo, abordaremos apenas os três temas supramencionados. Sobre a questão da reestruturação da economia o governo argumentara da seguinte forma sobre o cenário a ser enfrentado: A limitação da concorrência e o excesso de regulamentação também facilitaram a prática de margens de lucros abusivas. Na ausência de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e a busca de ganhos de produtividade, a manutenção de margens elevadas dependia igualmente da prática de salários baixos e do uso predatório de recursos naturais. Contudo, margens de lucro elevadas são também reflexo do risco envolvido no gerenciamento das atividades empresariais em um cenário de forte instabilidade. Neste quadro perverso estão algumas das principais causas do aprofundamento da concentração de renda no Brasil, e também da inflação, na medida em que a iniqüidade distributiva gera uma tensão permanente no mercado de trabalho, alimentando a espiral preços salários (BRASIL, 2008, 47).

Esse diagnóstico dado pelo governo não era nenhuma novidade para as partes interessadas (empresários e intelectuais de partidos de esquerda e de sindicatos). O cerne da ques-

tão era como se daria a transição do modelo de Indústria de Substituição de Importações (ISI) para o modelo neoliberal. Em seu primeiro ano de mandato, Collor ensaiava uma modernização autoritária induzida pelo processo de perseguição de progresso à americana, comum à nossa Tradição Republicana (VIANNA, 1991, 11), o que indicava objetivo de reformas de cima para baixo. Contudo, a diminuição da popularidade do governo e a falta de sustentação política no Congresso Nacional ensejariam mudanças na estratégia de ação do governo. Dentre elas, está a busca de um consenso, o qual pudesse realinhar a direita que serviria como base robusta aos objetivos almejados por Collor em sua administração. Destarte como primeiro passo o governo reconheceu, pelo menos formalmente, a necessidade da participação ativa de agentes econômicos, públicos e privados. O governo julgou oportuno afirmar que a expansão do parque produtivo e os investimentos em ciência e tecnologia deveriam ser realizados pela iniciativa privada, enquanto o Estado deveria prover um ambiente macroeconômico estável, infraestrutura e instituições que dessem suporte ao aumento da produtividade das empresas (BRASIL, 2008, 48). Como argumento para o aumento da produtividade, o governo afirmara que abertura comercial, já imposta no primeiro ano de seu mandato, seria capaz de colocar pressão concorrencial sobre os produtos brasileiros forçando a diminuição de preços no mercado e facilitaria a importação de equipamentos e tecnologia. Esse processo resultaria na reestruturação do parque produtivo e no aumento das exportações, visto a inserção do Brasil mercado internacional. Na pauta governamental ainda existia a intenção da desoneração de impostos federais para produtos industriais e semi-industriais voltados para exportação. Entendemos essa linha de argumentação História e Economia Revista Interdisciplinar

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do governo como controvertida. Ha-Joon Chang demonstra que existe um padrão histórico extraordinariamente persistente de desenvolvimento econômico por meio de proteção à indústria nascente, isso é válido tanto para Grã-Bretanha do século XVIII, quanto para a Coréia do século XX (CHANG, 2004, 115). Embora tenha ocorrido a diversificação e a ampliação da estrutura industrial brasileira, com a indústria de transformação ampliando sua participação no PIB de 19% em 1955 para 30% em 1990, fazendo com que o PIB crescesse em média 6,3% a.a. e ocorresse um incremento na diversificação das exportações, cuja pauta era de 1% para produtos manufaturados em 1955 e, no final da década de 1980, correspondera a cerca de 50% (MOREIRA, 295), o Brasil não foi capaz de tornar sua indústria em detentora de capacidade técnico-científica suficiente para concorrer no mercado internacional com empresas altos investimentos em ciência e tecnologia. Quase toda tecnologia utilizada no país, com raras exceções, pertencia aos grandes conglomerados internacionais, pertencentes aos países da tríade Europa-EUA-Japão. Isso nos leva à outra questão, que tipo de indústria com bases em território nacional seria cabível a esse contexto, no qual os altos investimentos em ciência e tecnologia se fazem necessários para competição dentro de um mercado globalizado? Podemos inferir que a resposta à questão supramencionada está no estudo realizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Sua linha de argumentação indica que o crescimento das importações gerou uma alocação mais eficiente dos recursos, o que gerou maior ganho de escala de produção e especialização, assim apontando para um caminho no qual a indústria nacional perderia espaço para as empresas transnacionais produtoras de bens de consumo, o que torna inteligível o au-

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mento do nível das importações não significar a desindustrialização do país. Havia o interesse em produzir no Brasil lançando mão da nova lógica do capital, que era delineada pela redução dos custos de produção facilitada pelas novas tecnologias (principalmente às atreladas à tecnologia da informação) para multiplicação cada vez mais veloz do capital em escala planetária. Nesse contexto, o parque industrial brasileiro era atrativo por possuir mão de obra barata e abundância de recursos naturais, além de um número expressivo de empresas transnacionais em território nacional. Aqui, importa destacar que a AD-RIO, agência de fomento de projetos no Rio de Janeiro, era patrocinada tanto por indústrias nacionais, quanto por estrangeiras, nos levando a inferência de que havia um diálogo, prévio e consensual, entre os industriais ligados à FIRJAN e capitalistas estrangeiros, representados por empresas transnacionais, sobre as mudanças no campo macroeconômico, inclusive no que tocava o aumento das importações. Depreendemos, a partir do exposto, que a opção de política industrial brasileira perpassa pela sua inserção no mercado internacional em moldes conservadores. Essa era a vertente de desenvolvimento econômico apoiada pela FIRJAN, cujo ponto central era sua articulação com o capital estrangeiro na intenção de manter o status quo do empresariado fluminense. Francisco de Oliveira revela o significado dessa opção: “(...) o subdesenvolvimento não era, exatamente, uma revolução truncada, mas uma produção da dependência pela conjunção de lugar na divisão internacional do trabalho capitalista e articulação dos interesses internos” (OLIVEIRA, 2003, 127). Assim entendemos o subdesenvolvimento como parte estruturante da sociedade brasileira, sendo ele a opção de frações da classe dominante, ou seja, ocorre uma revolução pro-

dutiva, mas sem uma revolução burguesa. Não existe um projeto emancipador da burguesia nacional, não há nenhum esforço para liquidar o patrimonialismo e nem resolução para o agudo problema do financiamento interno da expansão do capital. O endividamento externo sempre foi a “solução”, fato que configura a financeirização da economia e das contas do Estado brasileiro. Como outrora, a opção de Collor foi a de cadenciar a conservação de um Estado dependente de apoio internacional, no qual a burguesia interna renuncia a um projeto nacional (OLIVEIRA, 2003, 132). Em outras palavras, o Projetão, no que tange à economia, não passara de mais um projeto conservador, cujo objetivo principal era a manutenção do status quo da classe dominante, ainda que sob essa nova via de desenvolvimento, o neoliberalismo. No caso brasileiro, Chang afirma que a defasagem de produtividade do país com as nações industrializadas é de cerca de 5 para 1 (CHANG, 2004, 120), ou seja, para a indústria brasileira chegar ao nível daquelas dos países desenvolvidos, seria necessário um incremento de produção 5 vezes maior do que o realizado. Evidentemente, com parcos investimentos esse patamar de desenvolvimento não seria alcançado, o que reforça a ideia de opção pelo subdesenvolvimento com subordinação aos ditames do mercado internacional. Outro eixo de atuação governamental na política industrial foi o Programa de Competitividade Industrial (PCI). Na verdade, este programa foi uma resposta às críticas dos agentes produtivos ao cerceamento de sua participação nas decisões que implicavam diretamente no segmento industrial. Naquele momento, o governo se dispôs a dialogar com algumas lideranças políticas e empresariais selecionadas, até então, todas as decisões eram tomadas no seio da equipe econômica do governo, sob o comando da

Ministra Zélia Cardoso de Melo. Destarte, o PCI emergiu como resultado das negociações entre agentes burocráticos e membros da comunidade acadêmica, aos quais foram incorporados alguns políticos e empresários ligados a empresas nacionais e estrangeiras. O objetivo do programa era eliminar distorções e privilégios associados ao regime de comércio exterior e à política de incentivos, concomitantemente ele deveria estimular a capacitação tecnológica e apoiar o incremento da qualidade e da produtividade das empresas industriais, num claro movimento de ajuste de alocação de recursos. Diante da grande monta do tema e sob o signo do fracasso da política econômica do Plano Collor I, o governo foi obrigado a negociar com o empresariado, porém sob bases ainda restritivas. O PCI foi bem recebido pela indústria fluminense. O presidente da FIRJAN, Arthur Donato elogiou o programa afirmando que ele traria mais investimentos, modernizaria, e criaria mais empregos no setor industrial. E complementou: Em primeiro lugar essas medidas surgiram como um desafogo, gerando expectativas otimistas no meio industrial. Foi um ato que serviu pra abrir perspectivas para o setor, pois possibilitará que se modernize a economia. Posso dizer, falando em nome dos industriais do Rio de Janeiro, que as medidas tiveram uma enorme repercussão.4

O programa do governo foi ao encontro dos interesses dos industriais do Rio de Janeiro, os quais, por meio da FIRJAN, já haviam estabelecido o ano de 1991 como ano da competitividade da indústria fluminense. O programa de competitividade da FIRJAN foi elaborado pelo Centro Técnico de Estudos Sócio Econômicos (Centec), órgão da instituição, e tinha duas linhas de atuação, uma voltada para a economia interna das empresas e outra para a externa. Dentre 4 Monitor Mercantil. 01/03/1991. p. 3.

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as ações planejadas estavam a construção de um Centro de Treinamento Empresarial (CTE), na cidade de Petrópolis, voltado para o treinamento de empresários e dirigentes empresariais com o apoio do Senai-RJ; a implantação da Câmara de Investimentos do Rio de Janeiro, com participação do BNDES, BANERJ, Banco do Brasil, AD-RIO, Finep, e Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiutec); e a criação de uma rede internacional de negócios integrando a FIRJAN-CIRJ, através de um terminal de computador, a 350 centros de negócios, localizados em 14 países5. Não menos importante, o treinamento de pessoal ligado a cargos de liderança nas empresas denota uma atitude de adaptação à mudança de paradigma de competição industrial, que seria permeado por novas técnicas de gestão inter-relacionadas com o processo de globalização. Outro instrumento que ampliou a base de negociação entre governo, trabalhadores e empresários foram as Câmaras Setoriais. Elas surgiram no final da década de 1980, como tentativa de estabelecer diagnósticos de competitividade setorial, identificar as causas das distorções existentes e indicar as estratégias para seu equacionamento, tinham o papel de discussão da política industrial em nível setorial (ANDERSON, s/d, 1). No governo Collor, as câmaras serviram de instrumento na política de preços durante o fim do congelamento imposto pelo Plano Collor II. Entretanto, no segundo semestre de 1991, o governo redefiniu seu papel por meio da criação das cartas-compromisso com cada setor, englobando o desenvolvimento de programas do governo, o Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), o Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria (PACTI) e o PCI, todos no âmbito dos setores (ANDERSON, s/d, 1). Podemos entender as Câmaras Seto5 Jornal do Comércio. 21/02/1991. p. 14.

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riais, a partir de 1991, como parte de um processo de flexibilização no caráter das decisões da política industrial, uma vez que expressou a coordenação de esforços de diversos técnicos e dirigentes de agências governamentais, além de refletir a combinação de ações entre Executivo e Legislativo, ambos empenhados em trazer uma resolução para administração da saída do congelamento, este imposto pelos Planos Collor I e II, além da negociação sobre preços e salários da cadeia produtiva (ANDERSON, s/d, 1). Esse ponto de inflexão do governo em relação aos empresários fica mais evidente nas palavras da Secretária Nacional de Economia, Dorothea Werneck6 durante o simpósio “Empresários e Governo: realidade e perspectiva de um relacionamento”, organizado pela FIRJAN em maio de 1991: O processo de descongelamento de preços será conduzido pelas Câmaras Setoriais. E, ultrapassada esta fase, sem prazo fixado, os preços passarão a ser classificados nas categorias tabelados, monitorados e livres, submetidos a um compromisso de autorregulação assumido por cada setor.7

O padrão de financiamento da economia é uma questão vista como prioridade no Projeto de Reconstrução Nacional. No referido documento, o governo argumentava que a redução de fundos e o crescente desequilíbrio das contas públicas tornou o sistema financeiro um veículo de transferência da poupança do setor privado para o público, visando suprir as necessidades deste de recursos. Essa conjuntura teve como reflexo 6 Mestre em Economia da FGV - Rio de Janeiro (1972) e doutora em Economia pelo Boston College (1975). Sua formação acadêmica demonstra que sua via de pensamento era monetarista, corrente econômica predominante nos países centrais à época, fato este que demonstra a proximidade de Collor com interesses internacionais. Foi Secretária de Emprego e Salários do Ministério do Trabalho e Secretária Executiva do Conselho Interministerial de Salários Estatais-CISE (1985-88); Secretária de Planejamento Econômico e Social da SEPLAN (1988-89); e Ministra do Trabalho (1989-90). É notório que ela teve um papel importante na gestão de Sarney. Havia rumores na época de que estava ocorrendo uma “sarneyzação” da equipe econômica, após a saída de Zélia. 7 Revista Firjan-Cirj informa. Nº 20, semana de 06 a 13/06/1991.

a queda substancial da taxa de investimento da economia e a obsolescência do parque industrial brasileiro (BRASIL, 2012, 66). Como solução foram propostas reformas, algumas já realizadas por meio dos Planos Collor I e II, que seriam capazes de viabilizar a mudança de padrão de financiamento da economia brasileira.

comercial já estava demarcado desde março de 1990, ano do início do mandato de Collor, por meio de uma propaganda com o título provocativo: ‘Quem tem medo do presidente?’ - na contracapa da Revista Firjan Cirj Informa. Seu conteúdo expressava apoio às ações do novo Presidente da República:

No que tange ao financiamento de curto e médio prazo não houve alterações significativas. Os bancos de carteira comercial continuariam a atender as demandas desse nicho de mercado. As mudanças mais significativas estavam no financiamento de longo prazo. Segundo a proposta do governo, essa perspectiva de financiamento se dividia em quatro segmentos, a saber: mercado de capitais; fundo de aplicações financeiras; financiamento imobiliário e financiamento público. O segmento de mercado de capitais era visto como fundamental para captação de recursos de longo prazo, consoante o Projeto Brasil, iria capitalizar as empresas e democratizar a propriedade (BRASIL, 2012, 67). Em virtude de sua importância, foi elaborado um Plano Diretor que tinha os objetivos de desregulamentar, fomentar e criar um ambiente mais favorável a esse segmento de financiamento. Destacamos a seguir algumas linhas mestras desse Plano Diretor: apoio à participação dos empregados nos lucros das empresas; revisão de questões tributárias, como tratamento conferido aos dividendos; mais agilidade e maior eficácia da justiça sobre questões dos mercados financeiro e de capitais, no sentido de proteger investidores e reprimir as irregularidades; flexibilização das regras para captação de poupança externa, visando a abertura gradual do mercado ao exterior, com livre fluxo de capitais e investimentos (BRASIL, 2012, 67). Os empresários do Rio de Janeiro pretendiam a partir da desregulamentação financeira gradual, transformar o estado num centro financeiro internacional.

Quem tem medo do presidente? O presidente Collor quer modernizar o país. Quer uma economia de mercado com empresas competentes e competitivas praticando a livre concorrência e estimuladas a investir na produção. Isso pode assustar a muita gente, menos à Firjan. Não é de hoje que a indústria do estado do Rio de Janeiro estava esperando esta mudança nas regras do jogo. Se as palavras de ordem são produtividade, modernidade e eficiência, o presidente pode contar com a gente. Para nós, o jogo já começou.8

O posicionamento de apoio à abertura

A partir desta propaganda, conseguimos entender que a FIRJAN apoiou o governo e seu plano econômico que trazia no seu bojo temas como abertura comercial, diminuição do papel do Estado na economia e estabilidade econômica, todos pertencentes ao programa neoliberal com os quais a entidade empresarial fluminense expressava estar em consonância. Assim, fica evidente o apoio à mudança do padrão de acumulação de capital, que, segundo Virgínia Fontes, seria com a participação de capitais estrangeiros, exigindo rearranjos no interior da classe dominante brasileira, resultando no predomínio do capital monetário, associando estreitamente os interesses de todos os setores monopolistas: industriais urbanos ou rurais, fabris ou de serviços; comerciais; bancários e financeiros não bancários (FONTES, 2010, 258). O segundo segmento de financiamento, Fundo de Aplicações Financeiras (FAF), substituiu os fundos de curto prazo e o overnight. O cerne de sua atuação era a captação de cotas por 8 Revista Firjan-Cirj informa. Março. 1990. p. 2.

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meio de instituições financeiras. Os recursos adquiridos seriam utilizados para projetos agrícolas, os de elevado interesse social e para o PCI (Programa de Competitividade Industrial). O terceiro segmento, financiamento imobiliário, trazia no seu bojo modificações estruturais. Para o governo, o Sistema Financeiro de Habitação tinha uma captação de recursos inadequadas, que se limitavam ao FGTS(Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e à caderneta de poupança visto o ambiente macroeconômico instável. Como resolução, foi proposta a atuação do Estado apenas para os segmentos de baixa renda, sendo os demais atendidos pelo setor privado. O quarto e último segmento de financiamento é o do setor público. Dentre os financiadores estão o sistema BNDES e o Banco do Brasil. Segundo o governo, o critério para cessão de capital pelo BNDES deveria estar em consonância com o objetivo de assegurar a competitividade da estrutura produtiva e os investimentos em infraestrutura (BRASIL, 2012, 73). Sobre este último, já havia, à época, um Projeto de Lei que visava a regulamentação da concessão de serviços públicos, fato que evidencia o ensaio da participação do setor privado em questões que antes eram estritamente de Estado, como por exemplo, a manutenção e conservação de rodovias. Nessa conjuntura, os papéis do Banco do Brasil eram o de ofertar crédito agrícola e de capital de giro mais a realização da execução financeira de programas governamentais. O capital estrangeiro é outro ponto sobre o qual se debruça o Projeto de Reconstrução Nacional. O tema se desmembra em tratamento da dívida externa e investimento direto estrangeiro. Sobre o primeiro, o governo procurou justificar a necessidade de refinanciamento da dívida externa como maneira de favorecer a atração de capital estrangeiro, assim reestabelecendo relações com a comunidade internacional e, concomitan-

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temente, suprindo necessidades complementares de capital e tecnologia, ambos fundamentais para o desenvolvimento (BRASIL, 2012, 6869). Após a assunção de Marcílio Marques Moreira como novo ministro da Economia, Fazenda e Planejamento esse processo de negociação da dívida externa tomou contornos decisivos. Sua política econômica, chamada de “feijão-com-arroz”, tinha como objetivo fechar um acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI) e uma proposta fiscal emergencial para o ano de 1992. Além disso, gozava de grande credibilidade junto ao empresariado, corrobora está afirmação as seguintes palavras de Mário Amato, então presidente da Fiesp: “(...) a equipe econômica é ótima e deve prosseguir com suas reformas(...) a única preocupação é separar a crise política da condução econômica.” (FILHO, 1993, 48) O objetivo de fechar o acordo com o FMI fora cumprido pelo então ministro, contudo, se faziam necessárias reformas ligadas ao ajuste fiscal como contrapartida de injeção de capital estrangeiro no país. A meta acordada com o Fundo fora a de reduzir o déficit nominal de 36% do PIB em 1991 para 18% em 1992 e cerca de 5% em 1993 (DALMAZO, 1993, 44). O acordo com o FMI foi aprovado em 29 de janeiro de 1992 e o de reestruturação dos débitos com o Clube de Paris concretizado em 26 de fevereiro de 1992, ambos eram fundamentais para dar início às negociações com os credores privados. O paradigma de negociação fora delineado pelo Plano Brady. Este Plano, segundo Ceres Aires, previa a renovação da dívida e sua reestruturação mediante troca por bônus de emissão do país devedor. Seus termos envolvem o abatimento da dívida, seja pela redução de valor principal, seja pela redução dos juros da mesma. As garantias de pagamento, visando à adesão dos credores, eram dadas pelo caução da compra de títulos da dívida do tesouro americano, no caso

do valor global da dívida; e no caso da garantia de pagamento dos juros, o país devedor deveria pegar um empréstimo com uma das agências multilaterais (FMI; Banco Mundial ou Banco Interamericano de Desenvolvimento) e depositar o dinheiro numa conta especial. Todas essas ações deveriam estar agregadas ao receituário do Consenso de Washington. Sobre o investimento direto estrangeiro, o Projetão vislumbrava sua atração por meio de medidas de estabilização econômica e pela mudança na legislação constitucional. O governo o entendia como principal instrumento de captação de capital que seria capaz de equacionar as contas do governo por meio da compra de empresas estatais e, concomitantemente, atenderia as demandas das empresas transnacionais residentes no país, as quais poderiam fazer transações financeiras entre as filiais no Brasil com as do exterior. Apesar de achar adequado o tratamento dado ao capital estrangeiro pela lei 4131 de 1962, pretendia-se ampliá-lo, mudando os artigos 170 e 171 da constituição federal (BRASIL, 2012, 74). A intenção era estender o conceito de indústria nacional às empresas estrangeiras que dinamizassem o processo produtivo, induzindo, desta maneira, o crescimento e o desenvolvimento tecnológico. A proposta de mudanças de relação entre capital e trabalho também fez parte do Projetão. Sob o argumento de que os dissídios coletivos forçavam a uma cadeia transmissora de aumentos salariais, sem compromisso com a estabilidade econômica (BRASIL, 2012, 80), o governo concluía que o arcabouço institucional era arcaico e precisava de mudanças, visto as transformações econômicas ocorridas desde a implantação da CLT, na década de 1940. A solução, segundo proposta do governo, seria a criação de um novo estatuto para

as relações de trabalho. A nova legislação teria como ênfase a adoção de um contrato coletivo de trabalho9, em detrimento do contrato individual de trabalho, visto como paternalista. Entendia-se que a nova regulamentação poderia dinamizar acordos entre entidades ligadas aos trabalhadores e sindicatos patronais, especialmente em um ambiente econômico de recessão. A ideia central era de estimular a negociação direta entre capital e trabalho, retirando do Estado o papel de tutela nessa relação. O Projeto de Reconstrução Nacional foi debatido no âmbito interno da FIRJAN. Em abril de 1991, em reuniões realizadas pelo Conselho de Assuntos Econômicos, o Centec, apresentou um parecer técnico sobre seu impacto no campo macroeconômico. Chegou-se ao consenso de que as propostas do governo deveriam ser debatidas de forma mais profunda, levando em consideração o desempenho microeconômico no conjunto macroeconômico. Outro ponto que chama a atenção é o registro, em ata, da assunção, por parte do governo, da crise de ideias e da possibilidade de solução dos problemas nacionais, fato que gerou a manifestação de que o empresário tinha o direito de defender seu mercado, o qual estava sendo destruído junto com a renda do trabalhador, com a finalidade de desenvolver o país10. Os desdobramentos dessa afirmativa aparecem na reunião realizada em junho de 1991 pelo mesmo Conselho. Dentre eles estava a realização de lobby para aprovação do Projeto de Lei que versava sobre a taxa de juros - o seu controle poderia diminuir a corrosão da renda e dos lucros das empresas. A discussão sobre a resolução dos problemas emergenciais do Rio de Janeiro também foi tema da pauta, dentre os quais estavam: 9 É o instrumento normativo que resulta de uma negociação de âmbito mais amplo que o de uma categoria, podendo ser pactuado em um ou mais setores econômicos e profissionais, bem como em dimensão nacional. Fonte: actrav.itcilo.org/courses/.../05_A_CUT_pergunta_a_ OIT_responde.doc 10 ATA Nº 04/91. Conselho Empresarial de Assuntos Econômicos. Firjan. 1991. p. 2.

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incentivos fiscais do estado do Rio de Janeiro; incentivo à pequena empresa; regulamentação de um fundo de desenvolvimento econômico; e promoção e interação de pequenas e médias empresas com empresas de grande porte. A essas ações, deveria ser somada uma postura mais agressiva na defesa dos legítimos interesses do empresariado fluminense, com a revigoração do escritório da FIRJAN em Brasília11. Em resumo, não havia um consenso de que o Projetão seria a solução no campo macroeconômico. No que tange à relação capital-trabalho, a FIRJAN tinha interesse na mudança da legislação em vigor. Os temas mais recorrentes nas reuniões do Conselho de Assuntos Sociais e Trabalhistas eram a participação dos empregados nos lucros das empresas e a negociação coletiva. Para materializar as mudanças pretendidas pela classe, o empresariado fluminense vislumbrara participar da comissão a ser formada pelo governo para reformar a CLT12. O interesse pela negociação coletiva não se esgotava em ações no âmbito político. Internamente a FIRJAN promovia discussões por meio de seminários, e articulava com entes políticos a possibilidade de aprofundar seu conhecimento sobre o tema. Foi oferecido a FIRJAN, por meio do Consulado Norte-Americano do Rio de Janeiro, um programa a ser patrocinado pelos EUA que traria conferencistas daquele país ao Brasil. Nesse sentido, foi proposto pela entidade industrial a vinda do presidente da maior organização de trabalhadores dos EUA com intuito de apresentar a sua visão sobre a atividade sindical naquele país13. Nesse país, o contrato coletivo de trabalho é celebrado em nível de empresa, tendo a duração de 3 anos, podendo ser prorrogado em até 11 ATA Nº 05/91. Conselho Empresarial de Assuntos Econômicos. Firjan. 1991. p. 2-3. 12 ATA Nº 01/91. Conselho Assuntos Sociais e Trabalhistas. Firjan. 1991. p. 2. 13 ATA Nº 05/91. Conselho Assuntos Sociais e Trabalhistas. Firjan. 1991. p. 3.

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60 dias. O Estado regulamenta-o indiretamente e as partes envolvidas exercem a fiscalização de sua aplicação. Esse era o modelo preferido pela Força Sindical (FRANCO FILHO, s/d). A organização de seminários era outra forma de entender a atividade sindical. Por meio de discussões, comparou-se a atividade sindical brasileira com a de outros países14. A citação, durante reunião do Conselho de Assuntos Sociais e Trabalhistas, da palestra proferida por Peter Lange, cujo tema fora: “Sindicatos, mudanças e crises: as estratégias sindicais na França e Itália (1945-1980)” nos chamou atenção, embora não tenha sido redigida na íntegra. É importante sinalizar que, na Itália, a negociação é realizada em nível nacional por suas três grandes confederações de empregados com uma empresa ou sindicato patronal. Concretizado o pacto social, o Estado organiza e estimula sua implementação. Os conflitos individuais são resolvidos pelas comissões de fábrica e, só excepcionalmente, são levados ao poder judiciário (FRANCO FILHO, s/d, 53). Assim nota-se que a FIRJAN analisava as possibilidades de mudanças na estrutura sindical por meio de uma perspectiva comparativa, sendo emblemática a costura de relações com o Consulado Norte-Americano. Em nosso entendimento, essa aproximação entre a entidade industrial e os EUA denota a preferência pelo padrão sindical americano, no qual a participação do Estado no acordo coletivo de trabalho é bem diminuta.

3. Reformas e Salários, dois pesos de uma mesma medida Após a implantação dos Planos Collor I e II, o cenário macroeconômico continuara desfavorável, apesar da queda do nível de inflação que passara de 1140,267% acumulada ao ano, no mês de janeiro, para 374,479%, no mês da saída de Zélia do governo, maio de 1991. Dois motivos 14 ATA Nº 05/91. Conselho Assuntos Sociais e Trabalhistas. Firjan. 1991. p. 2.

permeavam a instabilidade econômica, a primeira era opinião de especialistas de diferentes matrizes teóricas que descrevia o plano econômico como paliativo, justificando que o congelamento seguraria a inflação enquanto perdurasse, após, o nível de inflação ascenderia novamente. Em dezembro de 1991 essa afirmativa foi comprovada, a inflação acumulada ao ano chegou ao patamar de 472,700%15. O segundo motivo residia na falta alinhamento da política econômica com os demais segmentos da sociedade, como o Congresso Nacional e os agentes econômicos. Dessa maneira, mesmo após apresentação do Projetão, como maneira de surtir efeitos de apoio da sociedade, o governo Collor sofreria uma maior pressão por parte da FIRJAN, ainda que houvesse um pacto velado entre eles, o qual tinha a finalidade de despejar um grande aporte de investimentos no estado do Rio de Janeiro. No segundo semestre de 1991, a FIRJAN procurou intensificar seu projeto de profissionalizar o empresariado para o fortalecimento da classe em meio ao cenário político e econômico instáveis por meio da criação do Centro de Treinamento Empresarial, que seria responsável pela formação política de novas lideranças empresariais. A temática que envolvia a crítica aos problemas econômicos do país passou a ser mais recorrente nas atas de reunião do Conselho de Assuntos Econômicos. Em reunião realizada em agosto de 1991, Donato sinalizou que existia um desentendimento entre governo e Congresso Nacional, o que agravara a situação econômica do país, contudo ainda vislumbrava a possibilidade de um pacto social. Os empresários também debateram, na mesma ocasião, sobre os impasses na economia, que não eram resolvidos e vistos com perplexidade pela classe empresarial, inclusive em nível de suas associações de classe. Afirmou-se que este fato impedia o desenvolvimento 15 Fonte: http://pt.global-rates.com/estatisticas-economicas/inflacao/1991.aspx. Acessado em 29/07/2014.

natural das empresas. A conclusão do Conselho era de que se esse problema só seria revertido com a conscientização empresarial a ser liderada, a nível nacional, pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Sobre esse aspecto, a FIRJAN estava afinada com a CNI, pois o Conselho Temático de Economia dessa entidade passou a ser presidido por Arthur João Donato, presidente da Firjan, o que formou um bloco de ações mais organizado, evitando comportamentos e atitudes dispersos em matérias de interesse do empresariado nacional16. Em outubro de 1991, o Conselho Empresarial de Assuntos Econômicos debateu sobre o seguinte tema, “Um novo modelo de crescimento para o país: A classe empresarial em busca de um consenso”. Deliberou-se que a FIRJAN deveria manifestar-se de forma veementemente sobre a crise econômica pela qual passara o país por meio da CNI, a intenção era dar ressonância nacional à adoção das soluções necessárias que fizessem o país retornar ao equilíbrio econômico, só assim as empresas poderiam ter como meta principal o seu próprio desenvolvimento, segundo o Conselho. Os conselheiros também chegaram a um consenso sobre uma gama de assuntos que tocavam a economia brasileira, dentre eles estavam a adoção do aumento do padrão do poder aquisitivo dos brasileiros, o qual deveria ser proporcional ao progresso do país; a liberalização da economia, com a interferência do Estado somente em casos excepcionais; a aceleração das privatizações; e planejamento familiar, visto o alto crescimento populacional, principalmente nas grandes cidades, o que dificultava proporcionar alguma espécie de bem-estar para essa população17. Seguindo uma linha mais ofensiva em 16 ATA Nº 07/91. Conselho Empresarial de Assuntos Econômicos. Firjan.1991.p 2-4. 17 ATA Nº 10/91. Conselho Empresarial de Assuntos Econômicos. Firjan.1991.p 1-2.

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relação ao governo federal, a FIRJAN divulgou editoriais e entrevistas que versavam sobre temas inerentes à conjuntura econômica em formato de temas mais pontuais, como o do da reforma tributária. Um dos primeiros dessa linha de raciocínio foi o texto intitulado de “Os salários brasileiros são injustos”, escrito por Albano Franco, presidente da CNI, entidade empresarial cada vez mais próxima da fluminense18. Nele, Franco comparava os encargos sociais brasileiros, na casa dos 85%, com os de outros países, como Itália, Alemanha, Espanha, Portugal, EUA e Japão que estavam em torno de 50, 46, 37, 30, 27 e 22% respectivamente. Argumentava que a tributação brasileira encarecia excessivamente os custos de produção, isso refletia de forma incisiva em qualquer intenção de aumento de salários. Nesse sentido, Albano Franco sugeria uma negociação entre empregados, empregadores e governo, de modo a melhorar para as três partes19, segundo suas próprias palavras. O ataque à alta carga tributária também fez parte do texto “A razão da crise”, inicialmente publicado no sumário econômico da Confederação Nacional do Comércio e, após na Revista Firjan-Cirj Informa. Em formato de editorial, citava um estudo do professor Stephan Kanitz20 da Universidade de São Paulo. O levantamento realizado demonstrava que do caixa da 500 maiores empresas do país, à época, saíam 44,2% em taxas, contribuições e impostos para o governo, enquanto 21,5 % iam para os salários dos trabalhadores. Nos EUA, a tributação era de 7,6% e 42,1% do faturamento eram gastos em salários. Dessa maneira procurou-se demonstrar de forma numérica o verdadeiro responsável 18 A CNI nunca chegou a representar a indústria de todo país, sua base de representação estava no nordeste do país. A FIRJAN vislumbrava potencializar seus interesses conjugando-os com os da CNI, essa era a maneira de delinear uma política industrial a ser pleiteada junto ao governo federal. 19 Revista Firjan-Cirj informa. Setembro. 1991. Nº 33. p. 2. 20 Mestre em Administração de Empresas pela Harvard University, foi professor Titular da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. Fonte: http://www.administradores.com.br/u/stephenkanitz/.

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pelo drama brasileiro, o Estado. Para Kanitz, a cobrança de tributos não era revertida na capacidade de investimentos em serviços públicos, o que provavelmente deu fôlego ao seu argumento. Temia-se também o aumento da carga tributária que poderia ser a resultante das negociações com o Congresso nacional sobre o emendão. O estudo lançava bases para um paradigma econômico que consistia no direcionamento de recursos para o setor privado produtivo em vez do setor público, redução do papel do Estado a partir das privatizações e da desregulamentação, e resgate social com os recursos que o governo já dispunha. Todo esse arcabouço teórico fazia parte da corrente teórica monetarista ventilada por organismos de financiamento, como o Fundo Monetário Internacional. A argumentação do professor fazia sentido se alinhada com os interesses da classe dominante, pois investimentos no setor produtivo realmente seriam capazes de aumentar a produção e criar empregos21. Contudo é cabível lembrar que a obtenção de capital via empréstimo do FMI, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Mundial ou até mesmo credores pertencentes ao Clube de Paris exigiam reformas estruturais na economia. Em geral essas reformas forçavam a redução da participação do Estado e aumentavam sua dívida pública, visto a taxa de juros cobrada pelos credores. Isto nos leva a crer que o pano de fundo é manter as empresas brasileiras dentro de uma ordem capitalista em plena transformação do padrão de acumulação de capital, mas por meio da exploração da parcela que vende sua força de trabalho. O governo aumentaria suas dívidas, tornando mais elástico o prazo de pagamento, entretanto enrijeceria seu poder de gastos com custos sociais. A maior parte da arrecadação iria para o pagamento da dívida externa, enquanto os trabalhadores poderiam ter aumento de renda, mas em condições ainda precárias de manutenção de emprego sem um ambiente econômico estável e sustentável 21 Revista Firjan-Cirj informa. Outubro. 1991. Nº 37. p. 10.

a longo prazo por causa de impasses entre segmentos do âmbito político e agentes econômicos. Esse baixo nível de negociação do governo praticamente impossibilitava qualquer tipo de intervenção econômica que gerasse um ambiente confortável para investimentos dos empresários. Em entrevista à Revista Firjan-Cirj Informa, Ricardo Lins de Barros, vice-presidente da FIRJAN comentou sobre a conjuntura econômica no país. Criticou mais do que elogiou as ações do governo no campo econômico. Essa mudança de postura em relação ao governo provavelmente tinha relação com sua exoneração da vice-presidência da Petroquisa, em março de 1991. Esse cargo na empresa estatal era tido como de fundamental importância para a instalação do Polo Petroquímico no estado do Rio de Janeiro, visto como solução para a recessão na região. Com a saída de Lins de Barros do cargo, a política amistosa entre a entidade empresarial fluminense e o governo começa a tomar outro rumo, como demonstra o conteúdo da entrevista. Nele, o vice-presidente da FIRJAN expunha que imperava no país uma crise de confiança na política econômica do governo e era necessária uma cirurgia profunda na estrutura do país, porque os paliativos, ou choques econômicos não resolviam os problemas econômicos. Criticou o tamanho do Estado visto a impossibilidade de uso da poupança externa, a alternativa mais imediata para investimentos era a poupança interna. No que tangenciava às demissões no estado do Rio de Janeiro, Lins de Barros justificou seu baixo número por duas vias explicativas, a primeira correspondia ao alto custo para demitir devido aos encargos impostos pela Constituição de 1988, já a segunda consistia na consciência do empresariado fluminense em manter sua mão de obra qualificada para manter seu índice de produtividade de maneira competitiva, segundo ele, a parceria entre capital e trabalho era funda-

mental para manter a indústria alinhada com as transformações em curso. Ao final da entrevista, criticou a articulação entre bancos e governo, como, por exemplo, o retorno da aplicação Over de 30 dias e a alta taxa de juros. Segundo o vice-presidente da FIRJAN, as mudanças no sistema financeiro só beneficiavam os bancos, que iriam auferir grandes lucros no mercado financeiro e, concomitantemente rolar a dívida do governo, enquanto os trabalhadores e empresários iriam pagar a fatura22. A partir da crítica sobre o tamanho do Estado, o discurso relativo às reformas, em especial a tributária, foi ganhando força. Na oratória registrada no seu veículo de comunicação, Revista Firjan-Cirj Informa, percebesse um tom mais crítico em relação ao governo, contudo, há momentos de recuo quando o cenário parece ser mais favorável à indústria. Referindo-se ao emendão, Arthur João Donato expôs: “Com o pacote, o governo tratou de criar reformas definitivas... Estamos passando por um período sem precedentes. Diante de tantos percalços, nenhum de nós pode ter segurança quanto à sobrevivência das nossas empresas.”23 Na ótica da FIRJAN, existia uma linha muito tênue entre a crítica e os elogios pontuais às ações do governo. O pano de fundo eram as duas vias de padrão de financiamento do qual a atividade industrial necessitava, a externa, via mercado de capitais e agências de fomento internacional, e a interna, a qual, por meio das reformas, poderia advir da poupança pública. O financiamento interno precisava de uma grande articulação política para ser concretizado nos moldes desejados pelos industriais do Rio de Janeiro, o que era dificultoso visto a relação de constantes embates entre governo e Congresso Nacional. Já o externo, dependia da habilidade 22 Revista Firjan-Cirj informa. Setembro. 1991. Nº 34. p. 8-9. 23 Revista Firjan-Cirj informa. Outubro. 1991. Nº 42. p. 1.

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de Marcílio Marques Moreira, à frente da pasta da economia, fazenda e planejamento, além da articulação junto ao Congresso para abertura da economia ao mercado financeiro internacional. Em síntese, ambas as vias necessitavam, de alguma maneira, de uma boa articulação política interna. Nessa conjuntura, a FIRJAN aliou-se a Brizola de modo que fosse possibilitada uma costura de relações que propiciassem a ratificação das reformas desejadas, assim como parte da poupança pública fosse destinada ao estado do Rio de Janeiro. Alegava a entidade industrial fluminense, que a poupança pública não havia registrado queda nos vinte últimos anos, mesmo com o país passando por altos índices de inflação e insolvência externa24. Com o fim de retomar a atividade industrial em um nível competitivo, a FIRJAN reconhecia que o modelo de produtividade pautado em mão de obra barata, proteção de mercado, subsídios e matéria-prima em abundância havia se esgotado, sendo assim, entendia que o país deveria investir em pesquisa para o aumento da produção. A eliminação de distorções, que considerava clássicas, por meio de privatizações, propostas liberalizantes para o fim de monopólios e a eliminação das reservas de mercado junto a ideia de inserção do Brasil no mercado mundial também faziam parte do pensamento político econômico da entidade empresarial fluminense. A discussão sobre a criação de um centro financeiro internacional no Rio de Janeiro e o interesse em investimentos em infraestrutura numa parceria entre Eletrobrás, Telebrás e iniciativa privada25, faziam face aos projetos da V Pleninco26. Não por coincidência, todas essas medidas faziam parte do receituário neoliberal difundido no Consenso de Washington. O que explicita o desejo desses industriais em atrair investimentos para suas empresas, mas sob a condição de su24 Revista Firjan-Cirj informa. Janeiro. 1992. Nº 49. p. 2. 25 Ibidem. p. 2. 26 Plenária da Indústria e Comércio do Estado do Rio de Janeiro.

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bordinação no mercado internacional, já que os níveis de produtividade no Brasil eram baixos em relação aos de empresas dos países centrais. Com efeito, trata-se aqui de entender a FIRJAN como uma fração da classe dominante cujos interesses estão constitutivamente ligados ao capital internacional, e inteiramente enfeudada do ponto de vista político-ideológico em detrimento de um projeto de desenvolvimento econômico nacional contraditório aos interesses do grande capital estrangeiro (POULANTZAS, s/d, 6). Por seu turno, o cerne da questão era manter suas empresas dentro da ordem capitalista vigente, fazendo-as sobreviver em meio a mudança de padrão de acumulação de capital em voga naquele dado momento. Embora a nova dinâmica do capital atingisse múltiplos interesses, muitas vezes contraditórios, dos partícipes da entidade industrial, destacamos que os setores industriais de metalurgia básica, de bebidas e extrativista seriam os que mais se beneficiariam no Rio de Janeiro. Os ânimos dos industriais do Rio de Janeiro ficariam mais calmos a partir da assinatura da carta de intenções com o FMI. Nela o governo se comprometeu a controlar a inflação, o que era de extrema relevância para o setor produtivo. A queda da taxa de juros também foi comemorada, pois implicava crédito para investimento na produção. Otimista em relação aos fatos, Donato explicitou em entrevista que: “hoje temos uma política econômica já definida e os choques heterodoxos, parece-me, não virão mais”27. O presidente da FIRJAN também afirmou que os investimentos iriam surgir conforme a economia fosse dando sinais de recuperação e expressou que o entendimento entre trabalhadores e empresários estava próximo de ser concretizado, para tanto, citou o exemplo da indústria naval no Rio de Janeiro, destacando a solidariedade entre empresários, trabalhadores com apoio do governo do estado para recuperação do setor, 27 Revista Firjan-Cirj informa. Janeiro. 1992. Nº 49. p. 6.

ainda que num período de demissões, pois o que estava em jogo eram os empregos por meio da sobrevivência das empresas28.

4. A aliança entre capital e trabalho A crise econômica enfrentada em 1991 trouxe à tona no início do ano de 1992 a intenção de uma aliança entre capital e trabalho. De forma recorrente e sistemática, a FIRJAN procurou construir um discurso do consenso, no qual pudesse articular com representantes de diferentes segmentos da política, dentre os quais estão Brizola e Collor, e da classe trabalhadora, quando em defesa da manutenção de empregos e valorização de salários. Estava claro, desde antes da eleição de Collor, que a FIRJAN pretendia estabelecer um eixo de atuação que contemplasse capital – trabalho- governo com a finalidade de manter a coerência estrutural do estado do Rio de Janeiro, fundamental para a manutenção das empresas de diversos segmentos econômicos e, por conseguinte, da ordem capitalista na região. A aproximação com os trabalhadores foi materializada pelo programa “Valorização da parceria Trabalhador-Empresa”, criado pela própria entidade industrial. Ele consistia em um ciclo de palestras e discussões sobre produtividade, visando uma coesão entre empresários e trabalhadores por meio de medidas concretas. Participou da palestra de abertura o então presidente da Força Sindical, Luís Antônio Medeiros. Durante o encontro, o líder sindical dissera que a parceria entre trabalhador e empresa deveria ser uma prática e não apenas um discurso e acrescentava, Muitas empresas estão quebrando, e não é isso que querem os trabalhadores. Afinal, para o trabalhador, perder o emprego significa perder a própria esperança. Portanto, achamos que esse é o momento de parceria. Os problemas do país 28 Revista Firjan-Cirj informa. Janeiro. 1992. Nº 49. p. 7.

são sérios e a solidariedade deve sempre se expressar no momento de sofrimento. Amizade não é discurso, é gesto.29

Medeiros, em sua fala, também explicitava ser adepto do sistema parlamentarista e do voto distrital, alegando que o parlamentarismo era capaz de retirar do poder o mandatário de país, de forma democrática. Dentro de uma perspectiva pró-capital, o sindicalista sugeriu a adoção de um contrato de trabalho semestral para evitar demissões, no qual a carga horária total de 1.144 horas deveria ser cumprida de forma flexível, de acordo com as necessidades da empresa, tendo o empregado direito a receber somente pelas horas trabalhadas, e ressaltou, “ assim se empresa cresce, o trabalhador cresce, se for para o buraco, o trabalhador irá junto”30. A Central Geral dos Trabalhadores (CGT) também prometeu apoio à iniciativa da FIRJAN. Corroborando a mesma via de pensamento da Força Sindical, Vladimir Vicente de Barros, Diretor de Relações Internacionais da CGT, participou de encontro promovido pela entidade industrial, no qual também estavam presentes Arthur João Donato e o sociólogo Walter Pesch. No que tange à parceria empresa-empregado, o sindicalista expôs: (...) Só podemos enaltecer a esta iniciativa pioneira da FIRJAN de unir trabalhadores e empresas. Da nossa parte, o que podemos garantir é o apoio de 1532 sindicatos catalogados no computador da CGT. Afinal, quando não havia crise, não havia parceria. E, pelo jeito, a crise vai se agravar a tal ponto que a parceria será nossa única alternativa...Realmente, a hora é de pensarmos numa parceria permanente, não a que se cobra somente nos tempos de crise.31

Entusiasta do programa de aproximação entre empregados e empresas, o presidente 29 Revista Firjan-Cirj informa. Fevereiro. 1992. Nº 53. p.1. 30 Revista Firjan-Cirj informa. Fevereiro. 1992. Nº 53. p. 3. 31 Revista Firjan-Cirj informa. Fevereiro. 1992. Nº 55. p.1.

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da FIRJAN disse: “De tanto fazer tentativas em horas críticas, a gente se habitua e, assim, consegue estabelecer um diálogo. O importante é que haja um bom relacionamento, o que parece ser o caso agora”32. Concordando com as palavras de Donato, Vicente Barros fez questão de afirmar que: “...não existe espaço para radicalismo... muitos líderes sindicais, como o Vicentinho da Central Única dos Trabalhadores (CUT), eram contra o capital estrangeiro e, hoje, torcem para que ele volte a ser injetado no Brasil”33. Walter Pesch encerrou o encontro com uma frase que sintetizava o sentimento presente entre o sindicalista e o industrial: “A empresa continua sendo uma sociedade fechada, ao contrário da sociedade, que está cada vez mais aberta”34. Ao que tudo indica, havia uma predisposição da Força Sindical e CGT em manter uma parceria com os industriais do Rio de Janeiro com o objetivo de manter postos de trabalho. Contudo devemos ressaltar que a lógica de ação dessas entidades sindicais era pautada pela negociação via produtividade, deixando de lado a rede de proteção social conquistada pelos trabalhadores durante o século XX. No caso do Brasil, visando a proteção do emprego, sugeriu-se mudanças até mesmo na forma de contratação, o que poderia onerar desproporcionalmente a classe trabalhadora, impondo um risco inerente à atividade empresarial ao trabalhador, parte mais frágil no processo produtivo. Por fim, entendemos que, ainda em tempo de crise aguda do capital nacional, a parceria na verdade era uma forma de superexploração da força de trabalho (CARCANHOLO, 2013, 199) travestida no discurso de manutenção de empregos, mas com claros objetivos de retirada de direitos sociais conquistados na Carta Maior de 1988. Desta maneira, uma boa parcela da poupança pública seria deslocada para o setor privado, em detrimento da parcela menos favore32 Ibidem. 33 Ibidem. 34 Ibidem.

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cida da população, forçando o deslocamento do capital para o processo produtivo. A CUT também participou dos encontros promovidos pela FIRJAN. O presidente da CUT no Rio de Janeiro à época, Washington da Costa, discursou tecendo a mesma linha de apoio dada pela CGT e Força Sindical à parceria entre empregados e empresários: “Anteriormente, existia um radicalismo muito grande por parte dos empresários. Mas, isto mudou. Penso que agora as duas partes estão preparadas para, através do debate, avançar mais ainda nas relações, até porque os atritos não levam a nada”35. E completou falando sobre a política do governo federal: “Entendo que o governo deveria desenvolver o país, melhorando os salários para, assim, aumentar o consumo interno”36. A questão dos salários a serem pagos foi bastante recorrente na fala tanto de empresários, quanto de sindicalistas. Havia convergência, na análise de ambos, sobre o papel da renda do trabalhador no processo produtivo. Sobre este ponto, havia o objetivo de se estabelecer uma relação simbiótica na qual os salários seriam capazes de manter a produção para o mercado interno e, concomitantemente, tornaria possível a sobrevivência das empresas por causa da demanda de produção criada. As palavras do vice-presidente da FIRJAN, Paulo Mário Freire, traduzem esse pensamento: Um bom salário representa a possibilidade de aumento do poder aquisitivo. Não acredito que um salário mínimo equivalente a 100 dólares iria criar desemprego. Penso apenas que, certamente, poderia aumentar a economia informal. O que precisamos entender é que somente com mais produção será possível aumentar a demanda(...). Precisamos urgentemente reativar o mercado37 35 Revista Firjan-Cirj informa. Março. 1992. Nº 57. p.1. 36 Ibidem. 37 Revista Firjan-Cirj informa. Maio. 1992. Nº 63. p.3.

A partir das perspectivas de renda e manutenção de empregos, a articulação entre capital e trabalho ganha dimensão no campo político, além do econômico. Donato, defendendo o entrosamento de segmentos sociais, promoveu o Fórum “Rio – Século XXI – Sociedade Civil e Ação Política, no qual estavam presentes os presidentes da CUT e CGT no Rio de Janeiro, Washington da Costa e Rui Calandrini, respectivamente. Durante o evento, o presidente da FIRJAN discursou sobre a democracia: “...é preciso que se dê consistência e mais atenção aos objetivos que o cidadão espera”38. Esse posicionamento da FIRJAN em relação aos trabalhadores era tático, pois ao mesmo tempo que servia aos interesses mais objetivos das empresas, funcionava também como uma espécie de embrião para o que poderia ser um bloco de pressão sobre o governo. Em síntese, o deslocamento de capital da poupança pública para o setor produtivo poderia ser facilitado por meio da articulação, em âmbito político, entre trabalhadores e empresários.

apesar da aparente contradição. Os empresários sabiam quais mecanismos seriam necessários para a manutenção de um ambiente econômico estável nessa conjuntura. Apontavam para uma taxa de câmbio flutuante e incentivos à exportação, como o governo havia planejado inicialmente. Um programa de recuperação para empresas com déficit tecnológico e de produtividade também era previsto pelos empresários, mas o principal pleito dos industriais residia em não aumentar a carga tributária. Outro ponto importante, era o fato de a indústria considerar relevante a retomada do papel do mercado de capitais na canalização de poupança para o sistema produtivo40.

Após fechar um acordo com o FMI no final de janeiro de 1992, o governo federal passou a intensificar as medidas liberalizantes da economia, como a redução das tarifas aduaneiras. Tais ações tiveram o apoio dos industriais,

A busca por financiamento da produção não estancava na poupança pública e mercado de capitais. O capital em circulação no sistema financeiro nacional também fez parte do anseio da FIRJAN para investimento no processo produtivo. Apesar de ser o mais bem estruturado da América Latina, ele não participava do desenvolvimento e da operação industrial do país, como constatou a entidade industrial por meio de um editorial publicado na Revista Firjan-Cirj Informa. Reclamavam os industriais, que não possuíam formas de financiamento de longo prazo disponíveis. As oferecidas pelos bancos eram insuportáveis, visto o seu alto custo, além de serem racionadas, ou seja, com pouco capital disponível para empréstimos. Para os industriais do Rio de Janeiro, o maior problema que ocasionava o parco financiamento do processo produtivo era o próprio governo, o qual era tomador de empréstimos para rolar a dívida pública a curto e médio prazos, visando seu equilíbrio orçamentário, dando uma taxa de retorno mais segura e rápida para os banqueiros. Isso tornou o governo o principal cliente dos bancos em detrimento do setor industrial41.

38 Revista Firjan-Cirj informa. Maio. 1992. Nº 66. p.1. 39 Revista Firjan-Cirj informa. Março. 1992. Nº 59. p.1.

40 Revista Firjan-Cirj informa. Fevereiro. 1992. Nº 55. p.2. 41 Revista Firjan-Cirj informa. Março. 1992. Nº 56. p.2.

Essa conjuntura de apoio mútuo entre capital e trabalho foi entendida por Donato da seguinte maneira: “A crise fez com que empresários e trabalhadores compreendessem que todos estão no mesmo barco”, e concluiu: “Não nos surpreendeu a disposição dos líderes sindicais em participar desses debates. O que queremos é aumentar a massa crítica de convergência de interesses que existam entre trabalhador e empresa”39.

5. Financiamento da produção e perspectivas

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O reflexo desse cenário foi descrito de forma pormenorizada no relatório de auditoria da empresa Arthur Andersen, cujo objetivo central era o de verificar as expectativas do empresariado nacional para o ano de 1992. A auditoria constatou que apenas 48% dos empresários tinham a intenção de investir a longo prazo e, quando utilizado o indicador de empresas estrangeiras, esse número caía para 47%, chegando-se a conclusão de que a preferência para investimentos estava nos EUA, Europa e Ásia. A justificativa, segundo os empresários, mais uma vez recaía sobre a alta carga tributária e taxa de juros, transporte inadequado e burocracia deficiente para lidar com o comércio exterior. Outro problema apontado foi a expectativa de demissões, 27 % dos empresários entrevistados pretendiam demitir. Resumidamente, o âmbito de expectativa geral era do mesmo quadro de 1991, o de recessão. Para a solução, quase todos os entrevistados pregavam a reforma tributária42. O longo período de inflação alta e queda de demanda, além de cinco congelamentos, três reformas monetárias, dezenas de modificações na legislação fiscal e nas regras do mercado financeiro, moratórias externas, sequestro de ativos financeiros, empréstimos compulsórios sem viabilidade de devolução, inadimplência com empreiteiros e investidores, dentre outros, forçou a adoção de uma administração defensiva, na qual as empresas abandonam as estratégias de longo prazo para resistir aos problemas de curto prazo. A recuperação da propensão a investimentos, segundo a FIRJAN, poderia ter como exemplo a mensagem do presidente dos EUA ao Congresso. Seu conteúdo contemplava o compromisso de não emitir resoluções que confundissem ou inibissem empresários e investimentos, e também tratava de uma ação de incentivos fiscais que pudessem proporcionar o nível de investimento privado. Retomando o caso 42 Revista Firjan-Cirj informa. Março. 1992. Nº 58. p.2.

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brasileiro, sugeriam os industriais da FIRJAN a racionalização da arrecadação, reduzindo a carga tributária e incentivando novos investimentos na produção43. Sobre o incentivo à produção, o governo federal acabou agradando com o lançamento do draw-back44, ainda que de forma tímida. Nas palavras de Edgard Julius Arp, primeiro vice-presidente da FIRJAN, poderiam se considerar resultados favoráveis por causa da medida, endossando que as exportações teriam uma repercussão positiva com o incentivo dado aos produtos nacionais45. Essa disposição em apoiar ao governo fica mais em evidência com a reforma ministerial de 1992. Collor articulara uma coalizão que abarcara o apoio de partidos como PFL, PDS, PTB, PL, PRN e PDC, o que lhe conferiu apoio da ordem de 47% das cadeiras parlamentares, além da ampliação do apoio de governos estaduais (MENEGUELLO,1998, 115). O organograma de ministérios também foi alterado, sendo criadas quatro novas pastas: Minas e Energia; Transporte e Comunicação; Trabalho e Administração; e Previdência Social. Todos foram destinados a ocupações partidárias, ao contrário do que acontecera nos dois primeiros anos de governo. Essas alterações expressavam uma dinâmica de controle partidário das pastas em troca de obtenção de apoio no Congresso Nacional46. A reforma ministerial teve como desdobramento o recrudescimento do pleito de reforma constitucional, que seria realizado através das propostas no emendão. Em entrevista concedida, Manuel Leite, vice-presidente da FIRJAN, elogiou a decisão do Presidente Collor de alterar os ministros e disse acreditar na política 43 Revista Firjan-Cirj informa. Março. 1992. Nº 59. p.2. 44 Consiste na suspensão ou eliminação de tributos incidentes sobre insumos importados para utilização em produto exportado. O mecanismo funciona como um incentivo às exportações, pois reduz os custos de produção de produtos exportáveis, tornando-os mais competitivos no mercado internacional. Fonte: http://www.receita.fazenda.gov.br/ aduana/Drawback/regime.htm. 45 Revista Firjan-Cirj informa. Março. 1992. Nº 59. p.6. 46 Ibidem. p. 116.

econômica conduzida pelo Ministro Marcílio Marques Moreira e acrescentava: “...cometemos muitos erros na Constituição de 1988. Espero vê-los corrigidos na reforma constitucional de 1993”47. Nesse sentido, os conselhos da FIRJAN elaboraram propostas de emendas, as quais foram condensadas e enviadas a CNI com o propósito de fazerem parte das sugestões sobre política industrial ao governo. O vice-presidente do CIRJ, Amaury Temporal presidiu a reunião onde foram debatidas as propostas e afirmou: “A Constituição requer uma revisão cuidadosa, para que se torne capaz de propiciar meios adequados ao desenvolvimento do país, no nível por todos desejado”48. Em meio a esse sentimento de euforia quanto à reforma constitucional, Collor foi acusado por seu irmão, Pedro Collor, de fazer parte de um esquema de corrupção chamado de “Esquema PC”. Procurando tratar de sua imagem pública para manutenção de apoio, o mandatário da República convidou os presidentes da FIRJAN e da CNI para um café da manhã em Brasília, no dia 28 de maio. O encontro foi norteado pela entrega do documento “A indústria e a estratégia de estabilização” ao Ministro Marcílio Marques Moreira. Em discurso, Donato explicitou seu sentimento em relação à conjuntura econômica naquele dado momento: “Sentimos no Presidente uma grande disposição de ânimo para resolver os problemas de estabilização econômica, principalmente buscando o ajuste fiscal e enfatizando resultados que vem sendo obtidos em acordos internacionais”49

6. Crise política e efeitos na economia O início da crise política dentro do governo Collor deu-se com a denúncia de seu irmão Pedro Collor, à revista Veja, na qual ele 47 Revista Firjan-Cirj informa. Abril. 1992. Nº 62. p.6. 48 Revista Firjan-Cirj informa. Maio. 1992. Nº 65. p.3. 49 Revista Firjan-Cirj informa. Junho. 1992. Nº 68. p.3.

acusa Paulo César Farias, o PC, de comandar um grande esquema de corrupção com a conivência do mandatário da República.50 A partir daquele momento, instaurou-se uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que passou a investigar os crimes, ao passo que mobilizou a mídia e a opinião pública dentro do contexto nacional. Os reflexos desse evento político fortuito foram sentidos na economia. Desvalorizações de títulos bancários, moeda, ouro, e ações implicaram uma postura defensiva de investidores. As perspectivas de ação e sucesso do governo nas reformas entendidas como essenciais foram também mitigadas. A reforma fiscal, vista como instrumento principal de combate ao processo inflacionário, segundo a concepção da FIRJAN dificilmente ocorreria a curto prazo, como se imaginava antes da crise política. Nesse sentido, havia a cobrança, por parte desses industriais, de que o governo deveria tomar uma posição, apresentando prazos concretos para as reformas e aplicação de investimentos estatais. No entendimento da FIRJAN, só esse tipo de atitude do governo poderia fornecer-lhe apoio dos legisladores e da própria sociedade51. Em 9 de julho de 1992, a FIRJAN publicou uma carta à imprensa na qual discorria sobre os problemas de âmbito político pelos quais o país estava passando. Dentre outras afirmativas, a entidade procurou dar apoio a apuração dos fatos, mas sem prejulgamento dos envolvidos, entendendo que a conjuntura poderia servir de amadurecimento para as instituições. Mas o que chama a atenção na carta é o posicionamento sobre a necessidade de manter o país trabalhando, em consonância com os anseios de seu povo e a política do governo que nomeara homens de reputação inatacável para os ministérios recen50 LATTMAN-WELTMAN, F.. Fatos & Imagens,29 de setembro de 1992: o impeachment de Fernando Collor. Fonte: http://cpdoc.fgv. br/producao/dossies/FatosImagens/FernandoCollor. Acessado em 02/02/2014. 51 Revista Firjan-Cirj informa. Julho. 1992. Nº 71. p.2.

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temente52. A carta, destarte, funciona como elemento de apoio ao Presidente da República. O apoio dado a Collor, naquele momento de crise, denota a vontade desses industriais em manter a economia funcionando, e com um projeto de reformas que poderia ser consolidado a curto e médio prazos. As intenções dos empresários do Rio de Janeiro ficariam mais claras num encontro com o Fernando Collor em Brasília. Estavam presentes trinta e três empresários fluminenses, dentre eles, Arthur João Donato, presidente da FIRJAN. Durante o encontro, Donato disse que prestigiava o progresso do país e que a crise política não deveria ser impeditivo para o desenvolvimento econômico e social. Na ocasião, Collor também pediu apoio dos empresários à política econômica53. Contudo, a finalização e entrega do relatório da CPI, no final do mês de agosto de 1992, mudaria definitivamente o rumo da aproximação entre Collor e a FIRJAN. A economia entrava em retrocesso diante do aumento de volume do movimento pró- impeachment nos diversos pontos do país, conforme demonstra a afirmação de Donato: “... a política econômica não está apresentando resultados devido à crise política (...). Nós, empresários, queremos separar a crise política da crise econômica”54. A crise política não mitigou o pleito por reformas, ao contrário, adensou seu conteúdo. Segundo a FIRJAN, as reformas necessárias para a viabilização do país não eram de natureza administrativa, mas de ordem constitucional. Ensejando a mudança na Carta Maior, a entidade industrial pretendia mudanças no sistema financeiro nacional55, resgatando, assim, a questão do financiamento da produção. Em sua concepção, as mudanças na constituição propor52 Revista Firjan-Cirj informa. Julho. 1992. Nº 72. p.1. 53 Revista Firjan-Cirj informa. Julho. 1992. Nº 73. p.5. 54 Revista Firjan-Cirj informa. Agosto. 1992. Nº 78. p.3. 55 Ibidem. p.2.

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cionariam um ambiente econômico salutar para investimentos. Em carta apresentada a CNI, em 3 de setembro de 1992, a FIRJAN apresentara sua posição em relação ao movimento de impeachment sob dois aspectos, um econômico e o outro político. Sob este aspecto explicitava apoio à Constituição, às leis e às instituições, discorria também que a CPI desencadeara o sentimento moralizador no tocante aos costumes políticos e à gestão de recursos públicos. Contudo, ressaltava que o pedido de impeachment do mandatário da República não deveria servir a interesses ou paixões, devendo o mesmo estar adstrito à linha da legalidade. Sob o aspecto econômico, a entidade empresarial fluminense destacava a importância de manter o país trabalhando, em consonância com a política econômica do governo, a qual estava pautada na estabilização econômica e em projetos de liberalização e modernização. Havia o receio de a crise política perdurasse e acabasse comprometendo os anseios por desenvolvimento econômico e social do país. Nesse sentido a tomada de posição da FIRJAN em relação ao momento político fica mais nítida nesse trecho do documento: Integrados na consciência nacional de que precisam prevalecer os princípios da moral e da ética, cuja rigorosa observância constitui não só aspiração do povo brasileiro, como condição imperiosa para a modernização econômica do Brasil, os industriais fluminenses colocam-se na vanguarda do movimento que visa manter a Nação ativa, cheia de fé no futuro, trabalhando, produzindo e crescendo, sob a égide da liberalização e da modernidade.56

O documento encerra tocando a questão das reformas legislativa e constitucional, ambas consideradas essenciais pela entidade in56 Revista Firjan-Cirj informa. Setembro. 1992. Nº 81. p.3.

dustrial, pois poderiam assegurar a mudança de hábitos políticos no país, assim como a estabilidade monetária, recuperação econômica e desenvolvimento social. Em síntese, o ponto-chave eram as reformas pleiteadas, as quais só seriam possíveis, visto a conjuntura política, a partir da saída de Collor do governo central. Nesse sentido, a posição de vanguarda do movimento avocada pela FIRJAN denota o desejo de mudanças que propiciassem a consecução de seu projeto de desenvolvimento no que tangia à produção industrial. Ratificando o posicionamento da FIRJAN, as Confederações da Indústria, do Comércio, dos Transportes, da Agricultura e do sistema financeiro lançaram um manifesto no qual ressaltava a importância da revisão do Estado, através do equilíbrio do setor público e da busca da melhoria da eficiência, da produtividade e competitividade. Concluíam solicitando maior liberdade à iniciativa privada, à privatização das atividades econômicas e à desregulamentação burocrática. Nesse ponto fica demonstrado que a manutenção de Collor na Presidência da República dificultaria o alcance desses objetivos, fato esse que dava volume ao impeachment. A crise política também foi tema de palestra proferida pelo cientista político Amaury de Souza na sede da FIRJAN. Durante o evento, Amaury apresentou dois dilemas que seriam impostos à sociedade: o primeiro, versava sobre a continuidade de Collor no governo, mesmo após a aceitação de abertura de processo de impeachment, o que deveria durar pelo menos seis meses; o segundo, seria o retrocesso à modernização da economia com a saída do Presidente da República, já que o Vice-Presidente, Itamar Franco, é contrário a algumas ações modernizadoras de Collor, como o programa de privatização das estatais. Diante da análise das duas situações, os empresários marcaram posição sobre o que pen-

savam daquele momento político. O primeiro foi Donato: “Não se pode e não se deve forçar a renúncia do Presidente Collor. Podemos, isto sim, fazer apelos para que ele renuncie”57. Já Amaury Temporal disse: “Existem federações tomando o mesmo posicionamento das ruas, o que consideramos errado”58. Enquanto, Antenor Barros Leal, vice-presidente da FIRJAN, afirmou: Não chegou ainda o momento em que uma crise política não afetará a economia em nosso país. A Itália e o Japão já passaram por várias crises políticas, sem que a atividade econômica fosse afetada. Espero que o julgamento do impeachment seja justo e rápido. A economia brasileira já é frágil e, além disso, já atravessa uma recessão.59

Nota-se no discurso desses empresários uma preocupação com a ordem constitucional. O tratamento de respeito às leis parecia ser imprescindível para o resgate de confiança na economia. O desejo de continuação da política econômica do governo, vista como modernizadora, representa o objetivo de respeito às leis, independente da conjuntura política. Entendemos que isto significa um sinal para investidores terem confiança na realização de investimentos no Brasil. Collor deixara o cargo de Presidente da República no final do mês de setembro. O funcionamento das instituições até sua saída foi considerado como parte da maturidade democrática adquirida pelo Brasil, segundo a FIRJAN. Após a assunção de Itamar Franco e posterior formação de ministérios, Donato teceu elogios ao novo Chefe do Poder Executivo: Eu sinto a disposição do Presidente Itamar em não desperdiçar tudo aquilo que foi utilmente trabalhado na linha da política econômica e que, agora, por força da credibilidade que o 57 Revista Firjan-Cirj informa. Setembro. 1992. Nº 80. p.1. 58 Revista Firjan-Cirj informa. Setembro. 1992. Nº 80. p.1. 59 Ibidem. p. 1.

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governo traz consigo, acho que vai poder aperfeiçoar. Depois dessa magnífica mobilização nacional em torno da moralidade, fica muito mais fácil conseguirmos, numa etapa seguinte, o consenso que levará o Brasil a se inserir no mundo moderno. 60

A postura da FIRJAN, em relação ao novo governo, demonstra posicionamento tático da instituição, que vislumbrava a consecução de uma reforma constitucional, além da manutenção da política econômica orquestrada por Marcílio Marques Moreira. O interesse dos industriais do Rio de Janeiro circunscrevia a obtenção de formas investimento na produção, o que se tornou inviável durante o governo Collor, visto a crise política pela qual passara durante o ano de 1992, o que gerava desconfiança e falta de segurança do mercado para injeção de capital no país.

Considerações finais O lançamento do Projeto de Reconstrução Nacional surgiu como alternativa ao malogro dos Planos Collor I e II. Além de ser um projeto potencialmente capaz de provocar transformações no campo macroeconômico, serviu como representação da disposição do governo Collor em tocar em pontos sensíveis, principalmente os de âmbito constitucional, que poderiam trazer benefícios ou, até mesmo, manter a sobrevivência de capitalistas nacionais dentro da ordem capitalista internacional. Tratava-se de manter a governabilidade e estabelecer o consenso com frações da classe dominante, dentre elas estavam os industriais da FIRJAN. O chamado “Emendão” teve apoio da entidade empresarial fluminense. O pensamento de governo e empresários tinha convergência sobre temas como a reestruturação da economia, organização sindical e as formas de financiamento da economia nacional e capital estrangeiro. A recessão pela qual a economia atravessara por 60 Revista Firjan-Cirj informa. Outubro. 1992. Nº 85. p.1.

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quase uma década já causava reflexos na cadeia de produção, ameaçando empregos, suprimindo a demanda, por conseguinte, pondo em risco a sobrevivência das empresas. É nessa conjuntura que surgia a busca por soluções, dentro das quais o emendão passava a ser a opção mais imediata. O projeto do governo trazia no seu bojo mudanças significativas para economia, mas sem perder de vista a submissão aos ditames dos países centrais. A transformação que seria operada com sua implantação tocava a mudança de padrão de acumulação de capital, passando do modelo desenvolvimentista para o neoliberal, desta maneira engendrando a opção pelo subdesenvolvimento. O cerne da questão seria o modo em que ocorreria a transição. A FIRJAN sabia dessas transformações em escala global, o que a forçou traçar um modelo de transição para setor produtivo nacional. Os baixos investimentos em ciência e tecnologia na cadeia de produção fizeram a entidade sair em busca de recursos para aumento da competitividade da indústria. Nesse sentido, a entidade norteou suas ações sob duas vias, a primeira era pautada pela ação política, presente no pleito de participação da política industrial nacional e na sua articulação com o governo do estado do Rio de Janeiro e com o próprio Presidente da República. Já a segunda, tocava investimentos de caráter imediato por meio de parcerias com instituições estatais de fomento. O padrão de financiamento da economia foi assunto de recorrente interesse da FIRJAN. Interessava aos industriais o deslocamento de uma parte maior da poupança pública para a cadeia produtiva e obtenção de capital estrangeiro para o mesmo fim. Esta opção só seria concretizada a partir da adoção de reformas, em especial a fiscal, e com a estabilidade do ambiente macroeconômico, os quais seriam capazes de atrair investidores. Já a poupança pública poderia ser transferida por meio da redução de

tributos e da exclusão da rede de proteção social do trabalhador conquistada na Constituição da República de 1988, encarada pelos empresários como dispendiosa e arcaica. Em meio ao ambiente de estagflação, ou seja, com alto índice de desemprego e baixos salários, a solução encontrada pelos empresários convergia com a do governo, a ideia era flexibilizar a legislação trabalhista, retirando a rede de proteção do trabalhador. Com o objetivo de ter ressonância e estabelecer um consenso com as camadas das classes subordinadas, a FIRJAN criou o programa “Valorização da parceria Trabalhador-Empresa”. O argumento central do programa circunscrevia a luta pela manutenção de empregos e melhoria de renda do trabalhador. As entidades sindicais CGT, CUT e Força Sindical apoiaram a FIRJAN, numa clara demonstração simbiose entre empresários e trabalhadores, cuja defesa passava a ser a do processo produtivo. Essa dinâmica pró-capital, baseada no conceito de competitividade e assunção dos riscos inerentes à produção por empresários e trabalhadores, serviria ao objetivo central dos industriais, transferir capital da poupança pública para o setor produtivo, numa clara dinâmica de superexploração do trabalhador, inerente a países subdesenvolvidos.

era capaz de respeitar suas próprias instituições e funcionar mesmo diante de uma investigação que tocava a figura do mandatário da República. As reformas pretendidas pela entidade empresarial não saíram de sua pauta após a saída de Collor do Palácio do Planalto, o que denota que seus anseios não estavam atrelados a uma figura ou partido político especificamente, mas sim aos interesses do capital.

A crise política pela qual passou Collor só fez piorar o ambiente macroeconômico. O escândalo de corrupção teve força para desestruturar os planos de curto e médio prazo da FIRJAN. A instabilidade econômica e a relação cada vez mais extremada entre executivo e legislativo, após a entrega do relatório final da CPI do PC, forçaram os industriais a uma tomada de posição voltada para ordem constitucional, baseada no funcionamento democrático das instituições de um Estado de Direito. No cálculo estratégico dos empresários, o melhor para atração de investimentos seria a demonstração de que o país História e Economia Revista Interdisciplinar

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Bibliografia ANDERSON, Patrícia. Câmaras Setoriais: Histórico e Acordos Firmados – 1991/95. Brasília. Ipea. Texto para Discussão, nº667. CARCANHOLO, Marcelo Dias. O atual resgate crítico da teoria marxista da dependência. Revista Trabalho, Educação e Saúde. Rio de Janeiro. 2013.Volume 11, número 1. CHANG, Ha-Joon. Chutando a escada: a estratégia de desenvolvimento em perspectiva histórica. São Paulo. Editora Unesp. 2004. DALMAZO, Renato Antônio. “A Política Fiscal: do “Superávit” de Caixa aos Tropeços e ao Retorno da Crise Fiscal”. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, v.21, n.1, 1993. FILHO, Calino Pacheco. “Emprego e Salário: a queda do governo Collor e as novas perspectivas”. Indicadores Econômicos FEE. Porto Alegre, v.21, n.1, 1993. FONTES, Virgínia. O Brasil e o Capital Imperialismo Teoria e História. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2010. FRANCO FILHO, Georgenor de Sousa. Contrato Coletivo de Trabalho: Utopia ou Realidade?. Palestra proferida na Comissão de Relações Trabalhistas do 58º encontro da empresas de construção de Belém. Belém. 1993. LATTMAN-WELTMAN, F.. Fatos & Imagens,29 de setembro de 1992: o impeachment de Fernando Collor. Fonte: http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/FernandoCollor. Acessado em 02/02/2014. MENEGUELLO, Rachel. Partidos e Governos no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Paz e Terra, 1998. MIRANDA, José Carlos & TAVARES, Maria da Conceição. Brasil: Estratégias da conglomeração. In: Estados e moedas no desenvolvimento das nações (Org. José Luís Fiori). Rio de janeiro, Editora Vozes, 2012. MOREIRA, Maurício Mesquita. A Indústria Brasileira nos Anos 90. O que já se Pode Dizer?. www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/livro/ eco90__b.pdf OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista, O Ornitorrinco. São Paulo. Editora Boitempo. 2003. POULANTZAS, Nicos. As Classes Sociais no Capitalismo de Hoje. Rio de Janeiro: Zahar. 1978. POULANTZAS, Nicos. As Classes Sociais. p. 24 Fonte: www.cebrap.org.br/v2/files/upload/ 150

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Roteiro para submissão de artigos Guidelines for submission of papers 1. A revista História e Economia publica artigos de história econômica, história financeira e história das idéias econômicas.

1. História e Economia publishes articles on financial history, economic history and the history of economic ideas.

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8. As figuras, tabelas e gráficos devem ser editados em preto e branco. Caso tais figuras tenham sido geradas em outros programas que não MS Word (por exemplo: Excel, Power Point), o autor deve enviar um arquivo separado contendo o objeto no seu formato original.

8. The figures, tables and graphics should be edited in black and white and included in the file containing the article. In case the original figure, table or graph was created in a program different from MS Word, we must receive a separate file containing the object in its original format.

9. Devemos receber um arquivo adicional com o(s) nome(s) do(s) autor(es), endereço completo para correspondência contendo afiliação institucional, posição, titulação, telefone para contato e e-mail. É necessário que o autor inclua neste arquivo o título do artigo no idioma original e sua tradução para o inglês. Além disso, o autor deve incluir uma resenha do texto no idioma original e em inglês. A resenha em ambos os idiomas não devem exceder 150 palavras.

9. We must receive an additional file with the name of the authors, complete mailing address containing the institutional affiliation, position, title, phone number and email address. We request the author to include the title in its original language as well as its English translation. In addition, the author should enclose an executive summary in the original language and in English. The executive summary and the English translation should not exceed

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10. As referências bibliográficas devem ser detalhadas e completas, elaboradas de acordo com a NBR 6023 da ABNT. Os dados históricos e as tabelas devem especificar as fontes utilizadas. Em caso de fontes primárias (originais), o autor deve fornecer o nome do Arquivo (ou Instituto, Instituição), a caixa, seção (se for aplicável) e todas as demais informações que julgar relevantes. 11. Os arquivos podem ser enviados por e-mail para: [email protected]. De modo alternativo, recebemos arquivos em disquetes ou CD-ROM. 12. Somente artigos que satisfizerem os requerimentos acima serão submetidos para o comitê editorial. 13. Todos os textos submetidos à revista receberão avaliações escritas dos membros do comitê editorial. 14. O recebimento do texto pela revista automaticamente implica em autorização para futura e eventual publicação. A revista não paga qualquer tipo de royalties para o autor. 15. A revista História e Economia deve enviar uma carta e um e-mail para o autor acusando o recebimento dos originais (caso o artigo seja aprovado, algumas mudanças podem ser sugeridas). 16. A revista não devolverá nenhum texto recebido.

Envio de artigos Os artigos podem ser enviados para: Roberta Barros Meira BBS Business School Instituto de História e Economia Alameda Joaquim Eugênio de Lima, 739, 8º andar – Jardim Paulista. São Paulo, SP. Brasil. e-mail: [email protected]

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10. The references must be detailed and complete. Historical data and tables should specify the sources used. In case of original/ primary sources, the author must provide the archive’s name, section, box (if it is applicable) and all the relevant information. 11. The files can be sent by email to: he@ bbs.edu.br, in a 31/2 “ floppy disks or CD-ROM. 12. Only the articles that meet the above requirements are submitted to the Editorial Board. 13. All the manuscripts submitted to this journal will receive written evaluations by the board members. 14. The submission of a manuscript to us implies authorization for future publication by its author. No royalties will be paid. 15. História e Economia will send a written letter and an email to the author. In case of approval, some changes may be suggested. 16. The journal will keep the originals.

Submission of originals Originals should be sent to: Roberta Barros Meira BBS – Brazilian Business School Institute of History and Economics Alameda Joaquim Eugênio de Lima, 739, 8º andar – Jardim Paulista. São Paulo, SP. Brazil email: [email protected]

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