Revista mais dados 2016

May 27, 2017 | Autor: R. Carneiro Vasques | Categoria: Sociology, Medieval Bestiary, Role Playing Game (RPG), Weltanschauung
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Descrição do Produto

Revista cientifica da ONG Narrativa da Imaginação voltada à análise de experiências e pesquisas sobre Role Playing Game

EDITOR-CHEFE RESPONSÁVEL Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai)

CONSELHO EXECUTIVO Dr. Sergio Paulo Morais - UFU Dr. Túlio Barbosa – UFU Ms. Rafael Correia Rocha – Universidad de la Empresa (Uruguai) Esp. Fernando Paulino de Oliveira - UFU

Michele Mogami - Universidad de La Empresa (Uruguai) Rafael Carneiro Vasques - Unesp Araraquara Rafael Duarte Oliveira Venancio - USP Sonia Aparecida Silva Gonçalves – Uniube Wagner Luiz Schmit - Universidade Estadual de Londrina

Fernando José Calazan Florêncio – UFU

CONSELHO CONSULTIVO

COLABORADORES EXTERNOS

Alessandro Eleutério de Oliveira – UFSCAR

Ana Letícia de Fiori – USP

Dilma Andrade de Paula - UFU

Goshai Daian Loureiro - Fundação Oswaldo Cruz

Edvaldo Souza Couto - UNICAMP

Luiz Falcão - Unicentro Belas Arte

Fabiano Rodrigo da Silva Santos – UNESP Ana Letícia de Fiori – USP Lucas Ferreira de Paula – UFU Luiz Gonzaga Falcão Vasconcellos – UFU Márcio Roberto do Prado – UNESP Marialva Pinto Moog - Universidade do Vale do Rio dos Sinos Maria do Perpétuo Socorro Calixto Marques Unesp - Universidade Júlio de Mesquita Matheus Vieira Silva - Universidade Tuiuti do Paraná

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167

R349

Revista Mais Dados: exploração e releitura – Ano 3, v. 3 (2016) - Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2016. v. : il. ; 174 p. Anual. ISSN: 2358-1301 (virtual) / 2447-1933 (impresso). 1. Educação 2. Jogos 3. Role-playing game (RPG) CDD 794 CDU 79

REVISORA: Bruna Fontana Frappa CAPA: Rafael Correia Rocha PERIODICIDADE: Anual INDEXADORES: Sumários.org e Latinex DISPONÍVEL EM: http://www.narrativadaimaginacao.org.br/home/revista

CORRESPONDÊNCIA ONG Narrativa da Imaginação Av: Estrela do Sul, 1946 – B. Osvaldo Resende - CEP 3840-399 – Uberlândia/MG E-mail: [email protected]

MAIS DADOS é uma publicação virtual da ONG Narrativa da Imaginação. Número editado pela mesma em outubro de 2016

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Agradecimentos Agradecemos inicialmente a todos aqueles que participaram da produção dessa da edição 2016 da Mais Dados: autores, pareceristas, conselho consultivo, executivo, colaboradores, equipe Narrativa da Imaginação e, claro, aos nossos leitores. Afinal, eles acabam sendo as personagens protagonistas dessa história, pois nos impulsionam tanto a seguir trabalhando a favor dos estudos, pesquisas e disseminação dos jogos narrativos, quanto nos trazem a sensação de missão cumprida a cada elogio, comentário e até mesmo críticas recebidas. Esta edição está sendo lançada com um considerável atraso em sua programação, devido a uma série de imprevistos e reformulações na maneira como viemos trabalhando com a revista. Por essa questão, pedimos desculpas a todos que estiveram ansiosos pelo resultado final e que agora finalmente tem em mãos mais esse fruto da nossa dedicação e carinho. O nosso objetivo é dar a ela um acabamento cada vez mais profissional e considerar cada detalhe. Gostaria de deixar um agradecimento especial ao Rafael Rocha, atual editor chefe, pela confiança, estímulo, atenção e principalmente paciência quando as coisas pareciam fugir do controle. Ainda mais, nessa que é a sua última edição da Mais Dados como coordenador do projeto, papel que será complicado para mim desempenhar a partir do ano que vem, com tamanha habilidade quanto tem sido a dele. Mais uma vez, obrigada por todos os aprendizados e oportunidades que temos vivenciado com este trabalho. Aos que agora me leem, que desfrutem de cada página e possam se deixar absorver pelo conteúdo das matérias, tal como nos encantamos ao editá-las. Que sintam-se à vontade também para fazer parte das próximas edições, enviando trabalhos, comentários e outras contribuições sobre o universo do RPG, LARP, Board e Card Games. Nossa jornada está sempre começando. Boa leitura! Bruna Fontana Frappa Editora e Revisora Equipe Narrativa da Imaginação

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Sumário APRESENTAÇÃO .................................................................................................................................. 05 O BESTIÁRIO MEDIEVAL E OS LIVROS DE MONSTROS DO RPG .......................................................... 06 EXPERIÊNCIAS DE EXTENSÃO ........ ..................................................................................................... 34 PUBLICAÇÕES E REPERCUSSÃO MIDIÁTICA SOBRE JOGOS NARRATIVOS .......................................... 48 ENTENDENDO A DIVERSÃO ................................................................................................................. 64 ENTREVISTA COM RAFAEL CARNEIRO VASQUES ................................................................................. 90 ENTREVISTA: JOGANDO ENTRE A CEGUEIRA E A SURDEZ – JONNY GARCIA ..................................... 115 PUBLICAÇÃO DE JOGO: SILENCE – POR JONNY GARCIA...................................................................146

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Apresentação Esta terceira edição vem com a simplicidade de poucas publicações, mas sem deixar a característica da variabilidade de assuntos abordados e perspectivas diversas, mantendo a nossa intenção de oferecermos aos nossos leitores a multidisciplinaridade necessária ao estudo acadêmico. Neste terceiro ano, passamos por uma reavaliação, nossas edições regulares anteriores mantinham uma temática geral, enquanto a edição especial teve um direcionamento bem específico. A partir de nossa próxima edição começaremos a trabalhar no formato de dossiês, ou seja, uma coletânea de textos direcionados a um tema específico. Assim, esperamos promover um melhor direcionamento dos materiais que recebemos. No caso de impossibilidade de completar o dossiê por algum motivo, promoveremos edições especiais. Nesta edição contamos com resenhas sobre livros referência quanto à história dos jogos de Tabuleiro e RPG; uma tradução sobre contextos e conceitos interessantes sobre Diversão e, por fim, três artigos que vão desde a descrição de aspectos particulares do D&D, como o bestiário; um projeto de extensão envolvendo RPG e Literatura e uma apresentação de publicações e repercussões midiática sobre jogos narrativos: comparativo Brasil, Estados Unidos e países nórdicos. Esperamos que se deliciem com a leitura, surpreendam-se e claro, que todos nós possamos seguir sempre por caminhos de novas descobertas e estudos que favoreçam nosso crescimento em todos os sentidos. Boa leitura!

Rafael C. Rocha Editor chefe

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Artigo O bestiário medieval e os livros de monstros do RPG

Rafael Carneiro Vasques1 Francisco Diniz Teixeira2 Vitor Celli Caria3

Resumo O presente artigo é fruto de reflexões acerca da relação existente entre os livros de monstros que compõem o universo dos jogos de RPG e seus antecessores, os bestiários produzidos na Idade Média. Para tanto, foram selecionadas cinco criaturas que estão presentes no texto digital do Bestiário da Universidade de Aberdeen, localizada na Escócia: o gato, o bonacão, o sátiro, o unicórnio, o dragão e o basilisco, cujos excertos foram traduzidos do latim. A estes animais, selecionados no texto de documentos medievais, se comparam as versões presentes em cinco modernos livros de RPG. Tal comparação é possível uma vez que se adota o conceito de Weltanschauung (visão de mundo) proposto por Karl Mannheim, que permite entender as transformações que um objeto cultural pode sofrer com o passar do tempo. Além disso, não se pode esquecer que o bestiário, entre a Idade Média e os livros de RPG, perdeu seu aspecto místico e pedagógico e as criaturas fora do comum ganharam o componente da mensuração através de atributos calculáveis, que permitem ao narrador de uma partida inseri-las como desafio para os jogadores envolvidos numa partida. Palavras-chave Bestiário, Role Playing Game, Visão de mundo (Weltanschauung).

Abstract

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Professor de Sociologia nos Colégio e Curso Etapa (SP e Valinhos). Mestre em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista – Araraquara. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela mesma universidade. E-mail: [email protected] 2 Professor de Língua Portuguesa na Escola Estadual Professora Hadla Feres/Carapicuíba na rede estadual de São Paulo. Doutorando em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista, Mestre em Estudos Literários, bacharel e licenciado em Letras pela mesma instituição. E-mail: [email protected] 3 Graduando em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista – Araraquara. E-mail: [email protected]

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The present article is a result of reflections about the relation existent between the monster book that make up the universe of Role Playing Games and it predecessors, the bestiaries produced in Middle Ages. Therefore, there were selected five creatures that are present in the digital Bestiary text of the University of Aberdeen, located in Scotland: the Cat, the Bonnacon, the Satyr, the Unicorn, the Dragon and the Cockatrice, whose excerpts were translated from Latin. These animals selected in the text of medieval documents are compared to versions present in five modern Role Playing Game books. This comparison in possible since it adopts the concept of Weltanschauung (vision of world) proposed by Karl Mannheim, that allows to understand the changes that a cultural object can undergo over time. Besides that, it is not possible to forget that the bestiary, between the Middle Ages and the RPG books, had lost its mystical and pedagogical aspect, and the unusual creatures gain measurement components through calculable attributes, that allows the storyteller insert them as a challenge for the players involved in a match.

Keywords Bestiary, Role Playing Game, Worldview.

Introdução

Para que possamos desenvolver nossas reflexões sobre a relação entre os bestiários medievais e os livros descritivos de monstros de jogos de RPG, faz-se necessário discorrer, antes, sobre outras produções culturais humanas em que esse resgate formal e temático por meio do diálogo intertextual se deu. O texto a seguir se organizará em três partes: a primeira, em que se apresenta uma recapitulação da tragédia grega desde suas origens para que se possa pensar o papel da Weltanschauung (visão de mundo) e das transformações que um objeto cultural pode sofrer com o passar do tempo; a segunda, uma introdução ao bestiário medieval seguida de alguns excertos traduzidos, concernentes a criaturas exóticas, extraordinárias, presentes nesse tipo de texto que a tradição medieval nos legou; a terceira, antecedendo as considerações finais, versará sobre como os livros de monstros de jogos de

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RPG promovem o resgate desses ao mesmo tempo em que se distanciam dos bestiários medievais.

1. A tragédia como exemplo de Weltanschauung

Uma das manifestações artísticas mais antigas e prestigiadas do Ocidente é a Tragédia grega. A respeito da criação da Tragédia, existe o relato de Heródoto, que afirma ter sido um indivíduo chamado Arion o criador de um ditirambo (espécie de canto cultual em homenagem a Dioniso) e que ele o apresentou em um dos festivais gregos que ocorriam em homenagem a este deus4. Os cantos cultuais já existiam e eram intimamente ligadas à experiência religiosa, visto que eram cantados durantes festivais religiosos que ocorriam periodicamente na Grécia. Com o passar do tempo, desenvolveu-se, a partir do ditirambo, a Tragédia, conforme nos indica Aristóteles5. Segundo Jacqueline de Romilly6, Téspio foi o primeiro tragediógrafo a desenvolver uma tragédia para a grande festa dionisíaca, o que acarretou em uma significativa produção que seguiu vigorosa durante todo o século V a.C. É importante ressaltar que, apesar de seu caráter artístico, o contexto social no qual a Tragédia foi produzida. Segundo Romilly, “a tragédia grega tem, sem dúvida alguma, uma origem religiosa”7. A Tragédia grega teve seu ápice entre 480 a.C. e 400 a.C. (aproximadamente). De todos os tragediógrafos que produziram peças durante este tempo, apenas três deles chegaram até nós com peças completas preservadas: Ésquilo (525 a.C. – 456 a.C.), Sófocles (496 a.C. – 406/5 a. C.) e Eurípides (485 a.C. – 408 a.C.)8. Sendo uma manifestação artística com origem religiosa, esta modalidade de teatro apresentou mudanças significativas no que concerne aos temas abordados e sua própria estrutura, que acompanha as transformações políticas, sociais, filosóficas, etc. de Atenas. Em Ésquilo (primeiro dos tragediógrafos supérstites e que se conhece que tomou parte nas Guerras

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LESKY, Albin. A tragédia grega. São Paulo: Perspectiva, 2006. Debates; 32, p. 64-5. ARISTÓTELES. A poética. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973. p. 446 6 ROMILLY, Jacqueline. A tragédia grega. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1998, p. 15. 7 Id, 1998, p. 13. 8 Faz-se necessário lembrar que as datas são aproximadas. 5

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Médicas), os deuses encontram-se presentes, influenciando os acontecimentos de um mundo violento que exige a participação ativa de líderes cívicos 9. Por sua vez, na obra de Eurípides (o mais jovem dos três) ecoam elementos da vida pública, como a influência dos sofistas10 no debate público e pelo ambiente filosófico que se instala na cidade ática. Consequentemente, sua relação com os deuses apresenta-se mais cética do que os outros dois autores que tivemos contato (Ésquilo e Sófocles) 11. Em Eurípides, os deuses aparecem menores e mais distantes, enfocando-se, desta forma, nas peças, as relações humanas dos personagens. Esta célere apresentação da do gênero trágico nos ajuda a compreender que certas formas de pensamento podem se transformar, alterando sua função e significado para uma sociedade. Um elemento religioso pode se tornar artístico e, de certa forma, tornar-se livre de seu contexto original. A peça grega Medeia, de Eurípides, foi adaptada e lançada em 1975 no Brasil, por Chico Buarque e Paulo Pontes com o nome de Gota d’água. Os aspectos sagrados e religiosos do mito original inexistem na adaptação brasileira, que apresenta, em contrapartida, uma arguta e aguda reflexão social e política, afinada ao contexto histórico de um país que vivia sob o jugo de uma ditadura civil-militar. As “disparidades” entre a Medeia de Eurípides e a Gota d’água podem ser compreendidas pelo fato de ambas estarem incrustadas em suas realidades históricas, representando cada uma, desta forma, uma Weltanschauung (visão de mundo). Segundo Karl Mannheim, “as experiências estéticas ou religiosas não são absolutamente alheias à forma”12. Em outras palavras, estas experiências também podem ser compreendidas na busca pela compreensão da Weltanschauung relacionada tanto à religião grega quanto à Tragédia grega. A estas experiências que compõem o elemento a-teórico da Weltanschauung podemos adicionar a experiência lúdica, que apresenta sua estrutura completamente dependente da Weltanschauung em questão. Para uma simples reflexão, seria impossível imaginar o jogo Banco imobiliário (cujo tema é a concentração e especulação imobiliária) sendo desenvolvido entre os índios americanos Suquamish13.

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Ibid, p. 50. Ibid, p. 105. 11 Ibid, p. 124. 12 MANNHEIM, Karl. Sobre a interpretação da Weltanschauung. In: ______. Sociologia do conhecimento. Porto: Rés Editora, s/d, p. 58. 13 A concepção de propriedade privada da terra adotada pelos índios Suquamish pode ser conhecida na famosa resposta do cacique Seattle ao negar a possibilidade de se vender suas terras para o governo americano. 10

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Apesar das experiências artísticas, religiosas e lúdicas comporem o elemento ateórico, isso não os torna incompreensíveis. Para Mannheim: “a todo o produto cultural é atribuído um significado documental que reflete uma visão geral, temos a garantia básica de que a Weltanschauung e o significado documental são susceptíveis de investigação científica”14. Desta forma, o mito de Medeia, apresentado por Chico Buarque de Holanda e Paulo Pontes difere da peça escrita por Eurípides, que por sua vez difere da versão escrita pelo filósofo estoico romano Sêneca (4 a.C. – 65 d.C.), no século I d.C. O mito é repensado, recontado e, por sua vez, incorpora aspectos sociais, políticos, religiosos, artísticos, econômicos, materiais, etc. de uma época. Um mesmo mito recontado por uma miríade de olhares, épocas, pessoas e sociedades. Após a breve análise da diferença entre religião e arte na tragédia grega e de como o produto cultural e sua experiência estão relacionadas à Weltanschauung, passaremos a discorrer sobre outra transformação, em forma e conteúdo, que se deu com o passar do tempo na sociedade ocidental e que gera, em alguns momentos, confusões e incomunicabilidade.

2. O bestiário medieval

Como se sabe, o bestiário foi um produto cultural da Idade Média, circunscrito a ela, mas cujos ecos ainda podem ser detectados na contemporaneidade, como nos compêndios destinados aos jogadores de RPG, que compilam informações sobre criaturas fantásticas de natureza diversa. De acordo com Varandas15 (2006, p. 1), os bestiários são singulares por alguns motivos: Em primeiro lugar, por nele se descreverem várias espécies animais, sejam elas existentes ou não. Em segundo lugar, por subordinar essa descrição a uma interpretação de cariz simbólico e alegórico. Em terceiro lugar, ao integrar iluminuras que se cruzam com o texto escrito, estabelecendo com ele um diálogo permanente. Por fim, porque se constitui como uma obra literária que se circunscreveu à época medieval que o viu nascer e morrer. Todos estes aspectos se relacionam mutuamente como passaremos a demonstrar.

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Idem, s/d, p. 99. VARANDAS, Maria Angélica Sousa Oliveira. A Idade Média e o Bestiário. Medievalista, ano 2, número 2, 2006. Revista on-line da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade de Nova Lisboa. P. 1. Disponível em: . Acesso em: 03 de março de 2015. 15

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O Bestiário organiza-se em torno de pequenas narrativas que descrevem várias espécies animais, com propósitos morais e didácticos. Neste sentido, cada uma dessas narrativas é composta por duas partes distintas: uma parte descritiva de sentido literal (a descrição, proprietas ou naturas) e a sua moralização e interpretação teológica de sentido simbólico-alegórico (também designada como moralização, moralitas ou figuras).

Com base na definição de Varandas, transcrita acima, podemos entender que o texto escrito pelo bestiarista não tinha um caráter científico tão somente, pois a concepção de ciência inerente ao texto é aquela herdada dos antigos, baseada na auctoritatis formula, isto é, a palavra dos sábios tinha valor de verdade, cientificamente, ainda que carecesse de comprovação empírica. Na verdade, o termo bestiário surge apenas no século XII16 para classificar este tipo de texto e suas raízes devem ser rastreadas até a Antiguidade, nos tratados científicos produzidos pelos gregos e romanos. Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) no seu Historia animalium (História dos animais) catalogou e descreveu hábitos de quase 500 animais, embora em algumas descrições tenha acatado certas crenças populares que atribuíam qualidades mirabolantes a certos animais. Significativo notar que seus estudos possibilitaram o desenvolvimento de uma prática na biologia que é a classificação das espécies17. E assim, o Estagirita foi seguido por Plínio, o Velho (23 d.C. – 79 d.C.), naturalista romano do século I d.C., que morreu vítima da erupção do Vesúvio, na sua Historia naturalis (História natural), que serviu de fonte para muitas descrições presentes nos bestiários. Além das influências de Aristóteles e Plínio que se fariam presentes sobre os bestiários, não se pode esquecer Santo Isidoro de Sevilha (560 d.C. – 636 d.C.) e suas Etimologiae, a primeira grande compilação de informações da Idade Média, que foi adotada durante muito tempo como livro de referência pelos estudantes. No livro XII, dedicado aos animais, explica-se a natureza deles a partir da origem etimológica de seu nome. Tendo em vista todas essas influências, pode se identificar como protótipo do bestiário, o Physiologus (Fisiólogo), que foi uma espécie de tratado de história natural, produto da mentalidade cristã, típica da Idade Média, em que às narrativas sobre os animais era acrescida uma moralidade, exaltando ora a virtude, ora o vício que alegoricamente cada animal representava.

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WOENSEL, Maurice Van. Simbolismo animal medieval: os bestiários. João Pessoa: Universitária, 2001, p. 21. 17 STORER, T; USINGER, R. L.; STEBBINS, R. C.; NYBAKKEN, J. W. Zoologia geral. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1984, p. 276.

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A longa tradição dos bestiários que contou com diversos exemplares manuscritos que sobreviveram até o presente não estava desvinculada de um caráter catequético, por isso, se esperava que o fiel fosse convertido, se não através da narrativa vinculada ao mundo natural, obra aberta de Deus para ser admirada, então, através da iluminura que representava simbolicamente um aspecto da moralidade apresentada e vinculada àquela narrativa e cuja função era similar a dos vitrais das igrejas18. Neste texto, então será apresentada uma seleção de traduções feitas a partir do manuscrito do bestiário que se encontra na Universidade de Aberdeen, na Escócia, que retrata animais prodigiosos. O corpus selecionado é composto pelo gato, pelo bonacão, pelo sátiro, pelo unicórnio, pelo dragão e pelo basilisco. A seleção dessas criaturas se deu pelo critério de permanência entre o bestiário medieval e seus herdeiros, os livros de monstros. Selecionamos o gato como representante de um animal real e que se encontra tanto no bestiário estudado quanto em um livro de RPG. Em relação ao bonacão, criatura presente apenas no bestiário, a sua escolha levou em conta que ele é uma criatura presente no texto de Aberdeen, segundo o critério elencado por Janetta Benton19 (1992, p. 24.) das criaturas compostas, fruto da fértil imaginação dos bestiaristas medievais: Muitos dos adversários de Hércules e os habitantes do “mundo inferior” de Virgílio são o que pode ser chamado de “criaturas compostas”. Inventadas a partir de uma revisão da natureza, os resultados são monstros com muitas cabeças ou corpos ou com estranhas combinações de partes de diferentes animais. O antigo método de expansão do reino animal produziu uma variedade de monstros maravilhosos nascidos não de uma fêmea da espécie, mas da mais fértil imaginação humana. (tradução nossa a partir do original em inglês)

Essa imaginação se encontrava a serviço da lógica moralizadora, para quem era preciso promover a adesão dos fiéis iletrados por meio da exaltação das virtudes de determinados animais e da condenação do vício imbuído nos atributos de outros. Não por acaso, como lembra Benton (1992, p. 49 e passim.) os artistas medievais esculpiam essas criaturas em igrejas do lado de fora para promover um controle do comportamento dos fiéis, pela intimidação visual. Além disso, não era incomum que as criaturas compostas figurassem na ilustração da Boca do Inferno, devoradora dos pecadores.

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O afastamento do pensamento mítico deu-se gradualmente no pensamento científico biológico. O desenvolvimento da noção moderna de espécies para a classificação zoológica é atribuída ao trabalho de John Ray (1627-1705), seguido pela pesquisa de Carlos Lineu (1707-1778) e de Georges Cuvier (1769-1832). 19 BENTON, Janeta. The medieval menagerie: animals in the art of the Middle Ages. New York, Abberville Press, 1992.

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Tendo em vista esses aspectos, ressalte-se que a escolha pelo bonacão se deve à intenção de promover ao leitor o contato com essa criatura que ilustra a imaginação fértil medieval no repertório de criaturas compostas, apesar de não se encontrá-lo nos livros de RPG que compendiam criaturas exóticas, para que sejam aproveitadas na narrativa que o jogo propõe. Contudo, não se pode ignorar que sua criação seja análoga à de monstros como a quimera (que figura em alguns Livros de monstros de RPG). Desta forma, percebe-se que da passagem dos bestiários para os Livros de monstros não há uma assimilação sem algum critério de seleção. Para que se teçam algumas comparações entre os animais presentes no bestiário e suas contrapartes nos Livros de monstros, que serão apresentados na terceira parte deste texto, a atenção será encaminhada agora às traduções feitas com base no texto do bestiário da Universidade de Aberdeen. O texto latino citado se encontra no site do projeto da Universidade de Aberdeen de digitalização do manuscrito, disponível no seguinte endereço: . Há a indicação do endereço do fólio em que o texto latino se encontra originalmente dentro do manuscrito em nota de rodapé na tradução em português apresentada. Folio 23 v20 Sobre o gato. O gato é chamado musio em latim por que é inimigo do rato, mus. As pessoas chamam o catus (gato) de captura. Outras dizem que é por que ele captura o que ele vê. Pois ele percebe tão precisamente, que supera as trevas da noite com o brilho da luz. De onde a partir do grego a palavra catus se origina, que é, astucioso.

O gato, animal doméstico, é descrito ali como um ser do mundo natural voltado para a captura de pequenos animais, como o rato, seu antípoda. Além disso, há a descrição da etimologia da palavra gato, que poderia provir do grego catus, astucioso, ou do latim ca(p)tus, partícipio passado do verbo capio, capere, capturar. Folio 12 r21 Sobre o bonacão. Na Ásia, nasce um animal que é chamado de bonacão. Ele tem a cabeça de um touro e logo todo o corpo, com a crina de um cavalo. Seus chifres, entretanto, são curvados em torno de si em múltiplas voltas, que se alguém contra ele se choca não é ferido, mas se para aquele monstro a frente nega contra qualquer um proteção, o intestino a dá. Pois, quando em fuga, ele expele excrementos abundantes e lança fumaça pela distância de três geiras (isto é, 2500m 2), cujo ardor terá alcançado e queimado qualquer um. Assim, com o excremento nocivo, ele repele seus perseguidores.

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ABERDEEN, University Library, MS. 24 (Aberdeen Bestiary), . Acesso em: 25 Jan. 2015.

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Em relação ao bonacão, apesar dele não figurar nos livros de monstros de RPG, escolheu-se inserir sua tradução no corpus levantado, pois ele ilustra bem o ideário medieval por trás das criaturas compostas. Ele é um monstro asiático, portanto, fora da ótica europeia e possui a cabeça de touro, corpo de cavalo e chifres de carneiro, tal é a curvatura que o impede de ferir um atacante. A junção dessas partes garante que ele seja uma criatura composta, mas não inofensiva. Seus excrementos possuem a potência de um lança-chamas incinerando uma área de 2500m2. Essa propriedade em particular, além das partes corporais de outras criaturas, permite equipará-lo a um monstro da tradição clássica como a quimera, que possui partes de seu corpo de outros animais, mas não só ela, como também o são os centauros, os sátiros, a esfinge, o grifo e etc. Folio 13 r22 Sobre os sátiros. Chamam-se sátiros os que são, bastante, no aspecto agradável, nos gestos e nos movimentos agitados. Eles, quase em todo aspecto, são diferentes dos macacos por certos traços. No rosto há barba e a cauda é espessa. Capturá-los não é difícil. Mas eles raramente se exibem. E nem vivem em outro lugar que não a Etiópia, que é o seu céu.

Quanto ao sátiro, a descrição oferecida pelo texto do bestiário de Aberdeen é muito sucinta. Os sátiros ali são comparados para marcar suas diferenças em relação aos macacos, como a barba espessa e a presença de uma cauda. Na visão do bestiarista, o sátiro não é um animal difícil de se capturar, embora seja muito raro de vê-lo e difícil de achá-lo em outro lugar que não a Etiópia. Essa descrição cristianizada desvincula a criatura mítica da tradição clássica, pois os sátiros fazem parte do coro de Dioniso e o acompanham em cortejo. Folio 15 r23 Sobre o unicórnio. O unicórnio é um monstro de mugido horrível, com corpo equino e pés de elefante e cauda semelhante a de um cervo. Um chifre estende-se no meio da testa, com admirável brilho, do tamanho de quatro pés, assim pontudo para que acabe com qualquer um facilmente com um golpe. Vivo não se submete ao poder dos homens e na verdade ele pode ser destruído, mas não capturado.

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Sobre o unicórnio, a descrição sintética contida no bestiário de Aberdeen o apresenta como outra criatura composta, tal como a visão que Plínio o Velho usa para o retratar na sua Historia naturalis, com corpo de cavalo, pés de elefante e cauda de cervo. Dono de um mugido horrível, o unicórnio nada mais é que um rinoceronte, animal estranho e exótico para os antigos. Ressalta-se no texto do bestiário a propriedade de seu chifre, arma terrível para abater os inimigos. Representante de um princípio masculino que não se doma, ele não se submete aos homens, podendo ser destruído, mas não capturado. Para preencher a lacuna referente a essa possibilidade, recorremos à Benton (1992, p. 67.) quando ela lembra que ele “só pode ser capturado com o auxílio de uma virgem”. O unicórnio, atraído por sua pureza, se torna vítima dos caçadores, que de outro modo não poderiam matá-lo. Folio 65 v24 Sobre os dragões. O dragão é a maior de todas as serpentes ou de todos os animais sobre a terra. Daqui os gregos o chamam draconta (dragão), Folio 66 r25 de onde se derivou a forma latina, que é draco (dragão). Que separado, frequentemente das cavernas, é levado para o ar e o ar é impelido por causa dele. Porém, ele tem uma crista, uma boca pequena e pequenos orifícios pelos quais ele respira e expõe a língua. Frequentemente, sua força não está nos dentes, mas na cauda e mata com um golpe ao invés de uma mordida. Entretanto, ele é imune a venenos. Mas, por isso, dizem que venenos não são necessários para causar-lhe a morte, porque se ele tiver se enrolado em alguém, o mata. Nem um elefante está seguro contra ele, mesmo na grandeza de seu corpo. Pois, quando o dragão se esconde em volta das trilhas, pelas quais os elefantes solitários caminham, ele se enrola em nós nas pernas deles e os mata sufocados. Além disso, ele é gerado na Etiópia e na Índia, onde no próprio ardor, o calor é contínuo. O diabo, que é a serpente cruel, é comparado a este dragão, sempre de uma caverna para o ar ele é levado e o ar fica claro por causa dele, porque o diabo se eleva das profundezas, se transforma em anjo de luz, engana os insensatos com a esperança de uma glória falsa e de uma felicidade humana. Diz-se que ele tem uma crista, pois ele próprio é o rei da soberba. Sua força não está nos dentes, mas na cauda, pois ele engana com a mentira os homens pecadores, que ele arrasta para si. Em volta dos caminhos pelos quais os elefantes caminham, ele se esconde, porque ele enrola com nós o caminho destes pecadores ao céu, os mata sufocados, porque se alguém não salvo morre nos grilhões dos pecados, sem dúvida, é condenado ao inferno.

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ABERDEEN, University Library, MS. 24 (Aberdeen Bestiary), . Acesso em: 26 Jan. 2015.

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Sobre o dragão, a extensa descrição presente no texto do bestiário de Aberdeen apresenta-o como a maior de todas as serpentes, quiçá dos animais terrestres, originária do calor extremo encontrado na Etiópia e na Índia. O dragão nessa concepção é uma serpente das profundezas que é impelida ao ar pelos ventos e é quem o faz circular. Tal como as serpentes constritoras, a arma do dragão é cauda, que ele usa para golpear seus inimigos e que habilmente utiliza para se enrolar em suas vítimas, compensando a boca pequena. Ele é uma serpente imune aos venenos e mata por constrição o elefante, seu inimigo natural, símbolo da castidade. Esse conjunto de traços que o dragão possui na descrição do bestiário são os elementos utilizados para compor a alegoria que originará a moralização pretendida, uma vez que o dragão nessa concepção nada mais é que o diabo, que se eleva das profundezas e enreda suas vítimas com falsas promessas, para que elas caiam em pecado. Ele se oporia também ao leão, animal cristológico por excelência, cuja virtude e propriedades seriam uma representação dos atributos do Filho de Deus, uma vez que ele sopra a vida em seus filhotes, natimortos após três dias. Sobre o basilisco. O nome basiliscos em grego, em latim é traduzido por regulus (pequeno rei), porque ele é o rei das serpentes, por isso que os seres vivos fogem dele, em razão de matá-los com o seu cheiro. Com efeito, se ele vê um homem, o mata. Visto que nenhuma ave voando passa ilesa pela vista do basilisco, mas por mais que ela esteja longe, ela é queimada e devorada pela boca dele. Folio 66 v26 Contudo, ele é domado pelas doninhas, que aqueles homens introduzem nas cavernas, nas quais eles se escondem. Portanto, quando uma doninha é vista, o basilisco foge, pois ela o persegue e o mata. Na verdade, o Pai de todas as coisas não criou nada sem remédio. Ele tem, por outro lado, no tamanho, meio pé (15,24 cm) e é listrado com faixas brancas. Sobre os basiliscos. Os basiliscos, assim como os escorpiões, procuram lugares secos e, depois que eles tiverem chegado às águas e mordido alguém, tornam-no hidrofóbico e louco. O animal conhecido como sibilo é o mesmo basilisco, pois ele mata com o seu assovio, antes que morda ou queime.

Sobre o basilisco, o texto do bestiário apresenta-o como o pequeno rei das serpentes e dotado de tal pestilência que ele é capaz de matar qualquer ser vivo que se encontre à sua frente ou acima dele, com o cheiro que exala ou sua visão, catastrófica como a das Górgonas da mitologia grega. Quando se alimenta de suas vítimas, queima-as com sua boca, dotada de grande acidez. Seu inimigo natural – tal como se sabe modernamente que o é o mangusto

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ABERDEEN, University Library, MS. 24 (Aberdeen Bestiary), . Acesso em: 26 Jan. 2015.

f.

66

v.

Disponível

em:

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em relação à cobra-real (que possui uma marca em sua cabeça que lembra uma coroa e parece ter sido a inspiração para o basilisco) – é a doninha, que entra nos buracos onde vive e o caça até matá-lo.

3. O resgate do bestiário nos livros de monstros de jogos de RPG

Criados nos Estados Unidos na década de 1970, os jogos de RPG se popularizaram pelo mundo e foram atacados por grupos religiosos que viam no RPG uma porta aberta para o misticismo, a bruxaria e o satanismo27. Levantou-se, por exemplo, a utilização de temas violentos ou místicos como suporte para estas denúncias. Analisaremos, desta forma, a permanência da descrição de criaturas místicas em livros de RPG como evidência de uma relação de manutenção ou afastamento em relação ao pensamento místico. Cada livro de RPG divide-se, basicamente, em duas partes: cenário e regras. O cenário descreve o universo ficcional que os jogadores utilizarão como proposta para a criação de suas narrativas e as regras são propostas quantificadas de racionalização de aspectos deste universo ficcional (quão forte uma pessoa é ou quão habilidosa é utilizando uma arma, etc.). Desta forma, os livros são suportes para a criação coletiva de narrativas que serão jogadas entre os jogadores. Os monstros são apresentados a partir de duas características: sua descrição (muitas vezes acompanhada de imagens) e suas referências numéricas (o que permite perceber o quão perigosa é a criatura). A descrição é a parte “sensível”, ou seja, desenvolvida para que os jogadores consigam compreender a constituição física da criatura em questão, enquanto que as referências numéricas representam aspectos impossíveis de serem observados, visto que partem do funcionamento específico daquela criatura. A seguir, cotejaremos as descrições traduzidas a partir do texto do bestiário da Universidade de Aberdeen com outras quatro fontes28 que descrevem animais e monstros

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VASQUES, Rafael Carneiro. As potencialidades do RPG (Role Playing Game) na Educação Escolar. Dissertação (Mestrado em Educação Escolar). Faculdade de Ciências e Letras. Universidade Estadual Paulista. Araraquara: UNESP, 2008, p. 28-53. 28 Buscou-se uma variedade maior de livros para que se possa ter uma pluralidade de fontes e formas de apresentação das criaturas.

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para jogos de RPG (Dungeons & Dragons 2ᵃ edição29, Dungeons & Dragons: Livro dos Monstros 3ᵃ Edição30, Out of the Pit31, GURPS Fantasy32 e The Bygone Bestiary: a World Of Darkness sourcebook33), com uma nova finalidade: utilização destas criaturas como desafios e a promoção de encontros delas com personagens dos jogadores durante as partidas de RPG. Cabe ressaltar que a escolha de dois livros de Dungeons & Dragons ocorre pela diferença no volume de descrição do dragão (personagem emblemático que intitula o jogo). Na segunda edição utilizada (espécie de introdução ao jogo), a descrição é feita em duas páginas. Na terceira edição, a descrição é feita em aproximadamente dezessete páginas. Convém lembrar que existe um livro destinado à apresentação dos dragões, que contém duzentas e oitenta e oito páginas. Desta forma, escolheu-se pela descrição que melhor atende às necessidades deste artigo sem que se comprometa a análise necessária. A escolha destes quatro livros deve-se à importância destes livros entre os jogadores brasileiros (o único livro que não foi traduzido para o português faz parte de um universo ficcional de grande sucesso no Brasil: World of Darkness). Esta editora publica temas que lidam com o horror. Os jogadores interpretam personagens ligados ao sobrenatural (vampiros, magos, lobisomens, etc.). Tendo em vista a limitação de espaço, selecionaremos algumas descrições das criaturas nos livros de RPG: Gato (GURPS: Módulo Básico)34; Sátiro (Dungeons & Dragons); Unicórnio (GURPS Fantasy e The Bygone Bestiary), Dragão (Dungeons & Dragons) e Basilisco (Out of the pit)35 que serão comparados nas considerações finais aos animais descritos no bestiário de Aberdeen citados na segunda parte.

Gato (GURPS: módulo básico)

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BROWN, Timotht B; CASPIAN, Jonatha; DENNING, Troy. Dungeons & Dragons. São Bernardo do Campo: Grow jogos e brinquedos, 1993. 30 COOK, Monte; TWEET, Jonathan; WILLIANS, Skip. Dungeons & Dragons: Livro dos Monstros. São Paulo: Devir, 2001. 3ᵃ edição. 31 GASCOINE, Marc; JACKSON, Steve; LIVINGSTONE, Ian. Out of the Pit. Rio de Janeiro: Editora Marques Saraiva, 1994. 32 JACKSON, Steve. Gurps Fantasy. São Paulo: Devir, 1992. 33 BRUCATO, Phil; et allli. The Bygone Bestiary. Clarkston: White Wolf, 1998. 34 JACKSON, Steve. Gurps: generic universal roleplaying system: módulo básico. São Paulo: Devir, 1994. 35 Algumas criaturas se repetem nos quatro livros, enquanto que outras estão ausentes de alguns dos livros (o bonacão está ausente dos quatro livros), desta forma, utilizaremos o livro Dungeons and Dragons como referência para duas criaturas: os sátiros e os dragões, enquanto que o unicórnio será descrito a partir dos livros GURPS Fantasy e The Bygone Bestiary, que nos permitirá apontar para diferenças de estilo entre descrições de diferentes livros

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Animal doméstico criado como animal de estimação. Seu custo varia de nada a abusivo. ST 3, DX 14, IQ 5, HT 13/3 A pele não é grossa o suficiente para servir como armadura. Peso 2,5 a 7,5 kg; tamanho: menor do que 1 hexágono. Os gatos, quando provocados, atacam mordendo ou arranhando, provocando 1D-4 pontos de dano (tratados como de corte, pois as garras são curtas).36 Sátiro (Dungeons & Dragons 3ᵃ edição) Fada (Médio) Dados de vida: 5d6+5 (22 PV) Iniciativa: +1 (Des) Deslocamento: 12 m CA: 15 (+1 Des, +4 natural) Ataques: Corpo a corpo: chifres +2, adaga -3; ou à distância: arco curto +3 Dano: Chifres 1d6, adaga 1d4; ou arco curto 1d6 Face/Alcance: 1,5 m por 1,5 m/1,5 m Ataques especiais: Flautas Testes de Resistência: Fort +2, Ref +5, Von +5 Habilidades: For 10, Des 13, Con 12, Int 12, Sab 13, Car 13 Perícias: Atuação (dançar, tocar flautas e quaisquer outras duas) +9, Blefar +9, Esconder-se +13, Furtividade +13, Observar +15, Ouvir +15 Talentos: Prontidão, Esquiva, Mobilidade Terreno/Clima: Florestas/Temperado Organização: Solitário, bando (2-5) ou tropa (6-11) Nível de desafio: 2 (sem flautas) ou 4 (com flautas) Tesouro: Padrão Tendência: Geralmente Caótico e neutro Progressão: 6-10 DV (Médio)

Os sátiros, também conhecidos como faunos, são criaturas hedonistas que brincam nos lugares selvagens do mundo. Eles apreciam boa comida, bebidas fortes e romances apaixonados. A melhor forma de descrever um sátiro é como um homem com chifres e pernas de bode. Seu cabelo é vermelho ou castanho escuro, mas seus cascos e seus chifres são pretos. É mais fácil encontrar um sátiro carregando instrumentos musicais ou garrafas de vinho em vez de armas. Na maior parte do tempo, os sátiros deixam os viajantes em paz. No entanto, eles são um pouco encrenqueiros e frequentemente procuram se divertir às custas das pessoas que vagam muito próximas de seus lares nas florestas. Combate É quase impossível surpreender os sentidos aguçados de um sátiro na floresta. Por outro lado, sua graciosidade e agilidade naturais lhe permitem espreitar qualquer viajante que não esteja muito atento ao ambiente florestal à sua volta. Uma vez engajado em combate, um sátiro desarmado atacará desferindo cabeçadas. Caso o sátiro esteja esperando problemas, estará armado com um arco e uma adaga e tentará disparar suas flechas a partir de locais escondidos, enfraquecendo os inimigos antes que se aproxime. Flautas: Os sátiros podem emitir uma grande variedade de tons mágicos de suas flautas. Em geral, apenas um sátiro em cada grupo carregará flautas. Quando ele 36 36

JACKSON, Steve. Gurps: generic universal roleplaying system: módulo básico. São Paulo: Devir, 1994, p. 142.

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toca, todas as criaturas numa área de 20 m (exceto os sátiros) devem obter sucesso num teste de resistência de Vontade (CD 14) ou serão afetados pelas magias enfeitiçar pessoas, sono ou medo, conjuradas por um feiticeiro de 10° nível (o sátiro escolhe o efeito ativo). Empunhadas por outras criaturas, essas flautas não têm poderes especiais. Qualquer criatura que obtiver sucesso contra um dos efeitos da flauta não será afetada novamente pelo mesmo conjunto de flautas durante um dia inteiro. Um sátiro frequentemente usa sua flauta para encantar e seduzir mulheres especialmente atraentes ou para adormecer um bando de aventureiros e roubar seus pertences valiosos. Perícias: Os sátiros recebem +4 de bônus racial em testes de Esconder-se, Ouvir, Furtividade, Atuação e Observar.37

Unicórnio (GURPS Fantasy) ST: 35-40 DX: 15 IQ: 5 HT: 15-17 Velocidade/Esquiva: 18/9 # DP/RD: 1/1 Dano: 2D+1 perfuração # Alcance: C Tamanho: 3 hexes Peso: 400-600 kg Habitat: Floresta

Um unicórnio lembra um cavalo ou um bode, com uma barbicha de bode e um único chifre retorcido no meio da testa. O chifre geralmente é preto na base, branco no meio e vermelho na ponta, embora alguns sejam inteiramente brancos. O unicórnio é uma criatura totalmente solitária e arredia – a maior parte das pessoas nem chegará a ver um, e ninguém, jamais, viu dois juntos. Ele não é senciente e não é capaz de falar nenhuma língua humana. Ele também não é mágico (exceto pelo chifre) e não é capaz de fazer mágicas. Em combate, o unicórnio tem a fama de ser o animal mais feroz da natureza e não há som mais horrível do que seu zurro. A maioria diz que é possível mata-lo, mas nunca capturá-lo e que é impossível domesticá-lo. Algumas lendas dizem que ele tem um fraco por moças virgens, e que colocarão sua cabeça sobre o colo de uma virgem e se deixarão afagar até adormecer. Nesta condição, ele pode ser capturado, mas não pode ser domesticado e, capturar um deles não irá conquistar sua amizade. O chifre do unicórnio, ou “alicórnio”, tem a fama de ter várias propriedades mágicas – incluindo a neutralização de qualquer veneno ao simples contato. Eles são muito raros e valiosos... um alicórnio verdadeiro poderia valer até $100.000.Os unicórnios têm sentidos

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COOK, Monte; TWEET, Jonathan; WILLIANS, Skip. Dungeons & Dragons: Livro dos Monstros. São Paulo: Devir, 2001. 3ᵃ edição, p. 165-6

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aguçados (Visão, Audição, Olfato/Paladar 18) e são muito furtivos (Furtividade 18). Se eles detectarem a aproximação de qualquer pessoa, eles desaparecerão antes mesmo de serem vistos. Se encurralados, eles lutarão ferozmente, embora seja mais provável que eles usem a primeira oportunidade para fugir da luta, se perceberem que estão em desvantagem. Em combate, o unicórnio luta principalmente com o chifre, embora ele possa escoicear e morder como um cavalo. O ataque com o chifre é tratado como um Encontrão. O unicórnio provoca 2D+1 pontos de dano por perfuração no caso de um Encontrão bemsucedido. Se o unicórnio vencer a Disputa de DX por 8 pontos ou mais, ele provocará automaticamente um dano máximo. Um sucesso decisivo significa que o unicórnio atingiu um dos órgãos vitais do oponente. Ele também pode aparar com seu chifre (Aparar 7). Uma mordida provoca dano igual a 1D pontos por contusão; e um coice provoca 1D+2 pontos de dano por contusão. O único lugar de Yrth em que há unicórnios é na Grande Floresta.38

Unicórnio (The Bygone Bestiary)

LENDA: Perseguidor Sombrio lançou-se pela densa vegetação rasteira, seus pés descalços encontravam o solo, gostas de suor escorriam pelo rosto. Enxugou-o com um rosnado, olhos fixos na indefinida forma branca à sua frente, pouco visível através de um labirinto de árvores. Perseguidor Sombrio rastreara o unicórnio por cinco dias sob um terreno severo e ardente. O cansaço era evidente e seus músculos doíam, mas ele não se importava, pois, a glória não esperaria por seus ossos cansados. O unicórnio apareceu para ele pela primeira vez a mais de um mês atrás, após sua matilha ter destruído uma das abominações da Wyrm. Ele não se feriu durante a batalha – nada mais do que um simples arranhão – mas ninguém acreditou no que havia visto. Disseram que estaria alucinando após o ferimento causado pela criatura da Wyrm e, mesmo aqueles que em sua história acreditaram, o alertaram que se de fato tivesse avistado um unicórnio, este se tratava de um emissário do mundo espiritual, que deveria ser deixado em paz. No início, aquelas palavras faziam sentido, mas na medida em que o tempo misteriosamente esquentava, ele sabia que aquela imagem estaria provocando-o. A única maneira de provar que havia de fato visto seria perseguir e mata-lo, assim como teria feito com a criatura da Wyrm, e este seria seu grande teste. Que outro guerreiro poderia 38

JACKSON, Steve. Gurps Fantasy. São Paulo: Devir, 1992, p. 130-1.

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vangloriar-se de ter abatido um unicórnio? Sua gloria seria inimaginável, suas histórias seriam contadas ao redor da fogueira para as gerações vindouras. Com um rosnado, Perseguidor Sombrio força seus músculos ao limite em um último estouro de velocidade. A forma branca cresceu em sua frente, cada vez mais perto e, sem seguida, desapareceu. Perseguidor Sombrio escorrega em uma clareira, afastando furiosamente os ramos em seu caminho. As folhas sussurravam com o vento, seus olhos procuravam através das árvores daquela colina. Finalmente, lá estava o unicórnio, bebendo de um pequeno riacho. Ao avistar sua presa, sua respiração torna-se irregular, estava mais nervoso do que nunca. A hora é agora. Levantou a lança com suas mãos de garras, prontas para desferir o golpe mortal. No momento em que o unicórnio levanta sua cabeça, os olhos do caçador e da presa se encontram, Perseguidor Sombrio paralisa. Uma voz suave pode ser ouvida dentro de sua cabeça, e imagens tomam conta dela. Ele visualiza sua tribo esperando, enquanto seu melhor caçador busca de forma egoísta um sonho irrealizável. Ele enxerga ele mesmo, sujo, louco, delirando, perseguindo sua glória insensata enquanto os outros o aguardam. Foi então que suas visões cederam. A lança cai de suas mãos, o casco de obsidiana do unicórnio bate no chão, sua cabeça começa a pesar. Ele sabia que jamais se encontraria com aqueles olhos negros e sábios novamente e, em um suspiro, o unicórnio havia sumido. Perseguidor Sombrio retorna a seu povo uma lua depois, completamente mudado. Ele nunca mencionou a caçada, mas dedicou-se a servir a sua tribo. Seu povo, abraçando sua mudança como um novo guerreiro, seguiu seu caminho para a glória. Perseguidor Sombrio morreu em batalha, um herói lendário, e as histórias em volta da fogueira citam seu nome até os dias de hoje.

DESCRIÇÃO: Unicórnios tem sido fonte de mistério desde o nascimento do mito. Essas criaturas representam o ponto máximo do inatingível, sempre fora de alcance, eternamente evasivos. Estas bestas com chifre possuem um papel importante em várias mitologias. Unicórnios são provavelmente os mais famosos dentre todas as criaturas místicas, por uma boa razão: acredita-se que seus famosos chifres em espiral podem purificar águas, combater venenos e até mesmo curar as doenças mais vis.

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O garanhão com chifre representou muitas coisas ao longo do tempo, desde uma virilidade feroz e força passiva, a pureza e benevolência. Histórias modernas descrevem essas criaturas como pacíficas, dotadas de proezas capazes de realizar o amor e a bondade, sempre evitando os olhos humanos. Povos antigos possuíam uma percepção mais visceral dos unicórnios. Essas bestas eram conhecidas por serem os ideais de masculinidade, guerreiros e protetores ferozes. Eram considerados uma mistura de medo e temor, e respeitados por serem defensores das florestas e todas as coisas selvagens. Atribuições de ideais considerados masculinos aos unicórnios são responsáveis por originar a ideia de que apenas mulheres virgens poderiam se aproximar em segurança. Com seu chifre fálico de constituição feroz, a única coisa que poderia contrabalancear um unicórnio é uma ideia completamente oposta à sua, a inocência feminina, a pureza e brandura associadas a virgens. De alguma maneira, esta suposição se transformou em fato, alterando a noção que as pessoas possuíam em relação à criatura. Unicórnio tornou-se, assim, associado a qualidades virginais, como tranquilidade e pureza de coração. Gravuras medievais sugerem que o unicórnio pode até mesmo ser uma representação de Cristo, e a capacidade de purificação de seu chifre estariam associados aos poderes de cura deste. Talvez os unicórnios realmente possuam todas essas representações. Contudo, qualquer sortudo (ou infeliz) o suficiente para se encontrar com uma dessas criaturas provavelmente irá presenciar seu aspecto mais feroz. Como protetor de seu habitat na floresta, um unicórnio é hostil a quase todos os intrusos. Eles estão ligados diretamente as terras em que vivem, e podem sentir o perigo quando alguma área ou criatura dessa região é ameaçada. Apesar deles estimarem a paz, ela deve ser preservada ou conquistada através da violência se for necessário. Unicórnios sempre suspeitam de seres humanos. Contos sobre serem conquistados por virgens não são completamente verdadeiros, uma vez que essas criaturas não se interessam pela pureza das mulheres humanas. Em vez disso, eles são atraídos por qualquer ser que possua pureza de coração, cabeça e espírito; que respeitem todas as outras criaturas e que não prejudiquem outros seres vivos. Pessoas que possuem tais qualidades conseguem atrair os unicórnios, seja ela uma criança ou uma lavadeira de meiaidade com sete filhos. Essas criaturas chifrudas são solitárias, sendo que cada um da espécie, ao atingir a maturidade, reivindica uma vasta extensão da floresta como sua propriedade. Eles vivem a maior parte da vida sozinhos e só se encontram no momento de acasalar. A fêmea dá a luz

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a um filhote de dois em dois anos, cuidando de sua prole sem nenhuma ajuda do macho. O filhote é completamente dependente da mãe em seus primeiros anos, que luta ferozmente para defende-lo. Ela o ensina a se alimentar e controlar os poderes mágicos de seus chifres, antes do filhote tentar conquistar seu próprio território. Dizem que unicórnios vivem por um século, com exceção de catástrofes naturais ou a ponta de uma lança. Mesmo quando ferido, o animal possuí uma capacidade de cura rápida e uma constituição duradoura. As propriedades mágicas do chifre do unicórnio são lendárias. Tais habilidades são eficientes em detectar veneno na comida ou bebida, além de curar uma variedade de doenças incluindo epilepsia. Reis e bispos loucos não medem esforços para colocar as mãos nesses chifres com a finalidade de garantir sua própria sobrevivência, assim como magos e alquimistas que procuram desencadear as propriedades mágicas inerentes desses tesouros. Entretanto, pelo fato dos unicórnios seres completamente raros e difíceis de encontrar, muitos trapaceiros tentam vender chifres de antílopes ou cabras como se fossem os chifres mágicos verdadeiros. Obviamente, esses charlatões devem sair rápido dali, antes que o senhor do lugar caia morto na mesa de jantar.(Para os Metamorfos, existe apenas um Unicórnio verdadeiro, o totem da tribo dos FIlhos de Gaia. Ela é um espírito de empatia e paz, mas ela não hesitará em derramar sangue se for necessário. A miríade de espíritos que servem ao Unicórnio, desde Gafflings até Jagglings, as vezes se materializam no mundo físico em missões escolhidas por ela. Os unicórnios do Reino Lendário são criaturas selvagens, mas os mais sábios e nobres dentre estes as vezes são recrutados para serviços da própria Unicórnio.)

ATUALMENTE: Unicórnios não existem no mundo moderno. Com a diminuição das florestas, estes animais majestosos se tornaram vulneráveis aos perigos do mundo, principalmente por causa das depredações da humanidade. Foram perseguidos e obrigados a disfarçarem-se com a finalidade de não serem reconhecidos, ou até mesmo isolar-se de forma tão fanática que nenhum ser humano pudesse sobreviver a um encontro com eles. Aqueles que possuem um chifre de unicórnio nos dias de hoje os escondem e protegem com suas vidas, não apenas por cobiça, mas para manter a existência desses animais em segredo.

APARÊNCIA:

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A mitologia moderna retrata o unicórnio como um magnifico cavalo branco de crina longa e traços delicados, além de um chifre cor de marfim presente em sua testa. Na verdade, unicórnios em pouco se parecem com cavalos, com exceção de seu tamanho. As características desta besta de chifre, especialmente seus olhos grandes e negros, são semelhantes aos de um cervo. Suas caudas possuem alguns metros de comprimento e, como os leões, um tufo de pelos encontra-se em sua ponta. O corpo de um unicórnio é coberto por um pelo quase branco e macio, possuindo um formato aerodinâmico que lhes garantem maior velocidade. Seus cascos afiados são semelhantes aos de uma cabra, sendo uma arma formidável quando necessário. O chifre de um unicórnio adulto é menor do que se imagina, de 20 a 27 centímetros, sua coloração varia entre tons de cinza ardósia e preto. Ao nascer, o chifre do unicórnio é apenas uma protuberância óssea em sua testa, crescendo e ganhando forma ao longo de sua vida, sendo que o número de espirais ao longo do chifre indica sua idade.

Os unicórnios se comunicam através de uma mistura de bufadas, relinchos e imagens, criadas a partir de uma telepatia rudimentar. Todos eles possuem uma habilidade psíquica inata de compartilhar visões com outros seres, sejam eles inteligentes ou primitivos.

DICAS DE INTERPRETAÇÃO: Você conhece seu dever. Você protege as terras selvagens, as florestas intocadas e todas as criaturas que ali habitam. Não se pode confiar nos humanos, a ganância apodreceu suas almas. Eles procuram usar o poder do seu chifre para o bem deles mesmos, não se importando com nenhum outro ser vivo. Evite-os. Apenas aqueles com coração puro, são merecedores de seus dons. Você valoriza a serenidade, mas entende que a ação é necessária para se proteger a si e seu habitat. Se um ser humano provar seu valor, tente ensina-lo, caso contrário, permaneça tão evasivo e solitário quanto seus instintos o dizem para ficar. Os Metamorfos são melhores que muitas das criaturas de duas pernas, muitos deles irão atender suas advertências e possuem devido respeito pelos lugares selvagens. Trate-os com cuidado, e abençoe aqueles de valor com seus conhecimentos.

CARACTERÍSTICAS:

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Atributos: Força 6, Destreza 4, Vigor 6, Carisma 5, Manipulação 2, Aparência 5, Percepção 3, Inteligência 4, Raciocínio 2. Habilidades: Prontidão 3, Falar com Animais 4, Esportes 4, Consciência 2, Briga 3, Cosmologia 3, Cultura 2, Esquiva 4, Iludir 4, Empatia 4, Enigmas 2, Esconder 2, Intimidação 4, Intuição 3, Ocultismo 2, Furtividade 3, Sobrevivência 3, Natação 1, Rastrear 4 Elemento: Água (Sensualista gracioso) Força de vontade: 6 Vitalidade: OK x 3, -1 x 2, -2 x 2, -3, -5, Incapacitado Valor de armadura: 1 Ataques/Poderes: Pisada 6 - dados, Perfurar com chifre - 8 dados, Mordidas - 4 dados, Sentidos Aguçados (3), Antecedente: Aliados (3), Antecedente: Arcano (4), Antecedente: Santuário, Armadura, Toque Elemental (10), Velocidade Extra (10), Falar com Humanos, Fonte de Informações, Escudo Místico (6), Andar nas Sombras (4), Mudar de Forma (5), Compartilhar Conhecimento (5), Tímido, Sentido da Alma, Viagem Espiritual (10), Visão Espiritual39

Dragões (Dungeons & Dragons: 2ᵃ edição)

Os Dragões são uma antiga raça de gigantescos lagartos alados. Eles gostam de viver em lugares isolados e de difícil acesso, onde vivem poucos homens. Apesar das cores de suas escamas diferenciarem os dragões entre si, todos eles possuem algumas coisas em comum. Todo Dragão nasce de um ovo, é carnívoro e usa baforadas como armas. Dragões têm grande amor por tesouros, mas valorizam ainda mais suas próprias vidas. Em batalha, fazem tudo para salvá-las, inclusive se render. As baforadas, os tesouros e a rendição (subjugar um dragão), tudo é explicado nas descrições seguintes. Muitos dragões vivem centenas ou milhares de anos. Por causa de sua longa história, eles costumam subestimar as raças mais jovens (como a raça humana). Dragões Caóticos podem capturar homens, mas geralmente os matam e os devoram na hora. Dragões Neutros podem atacar ou ignorar completamente um grupo. Dragões Ordeiros, entretanto, talvez até ajudem um grupo de aventureiros, caso ele se mostre merecedor desta grande honra. Ao interpretar um dragão, o DM deve ter em mente que, devido ao orgulho, mesmo o dragão

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BRUCATO, Phil; et allli. The Bygone Bestiary. Clarkston: White Wolf, 1998, p. 61-3 (tradução nossa).

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mais faminto para por ouvir adulações (isso se ninguém o estiver atacando e caso ele entenda a língua do orador). Dragões são monstros extremamente poderosos. Eles podem destruir com facilidade um grupo de personagens de nível baixo (como os mencionados nas regras básicas deste jogo). Recomendamos que você use apenas os dragões menores e mais jovens – ou talvez um dragão ferido por uma criatura mais poderosa e que não esteja no máximo de suas forças. Dano por baforada: Todos os dragões dispõem de uma forma de ataque especial com sua baforada, além dos ataques das garras e mordida. Qualquer dragão pode usar sua baforada até três vezes por dia. O primeiro ataque de um dragão é quase sempre sua baforada. O número de pontos de dano causado por qualquer baforada é igual ao número de pontos de vida do dragão. Qualquer dano causado a um dragão reduz o dano que ele pode causar com sua baforada. Dragões são imunes aos efeitos de suas próprias baforadas. Depois do primeiro ataque por baforada, a fera pode escolher atacar com garras e mordida. Para determinar isto aleatoriamente, jogue 1d6: obtendo 1-3, o dragão usa garras e mordida; obtendo 4-6, o dragão usa de novo sua baforada. Formato da baforada: A baforada dos dragões tem três diferentes formatos: cone, linha reta e nuvem de gás. A baforada em forma de cone se inicia na boca do dragão (onde tem 60 cm de largura) e se projeta para fora dela até atingir 9 m de largura em sua extremidade mais pronunciada. Por exemplo, a baforada de um dragão branco é um cone de 24 m de comprimento e 9 m de largura em sua extremidade mais pronunciada. A baforada em linha reta se inicia na boca do dragão e se estende para fora dela na direção da vítima (inclusive no sentido descendente). Uma baforada em linha reta tem 1,5 m de largura em toda sua extensão. A baforada do tipo nuvem de gás avança a partir da boca do dragão numa nuvem de 15 por 12 m e 6 m de largura, diretamente na frente do dragão. Jogadas de proteção: Todo alvo preso na baforada de um dragão deve fazer jogada de proteção. Esta é sempre uma jogada de proteção contra baforada de dragão, mesmo se a baforada for semelhante a outra forma de ataque. Caso tenha sucesso, o alvo sofre apenas metade do dano causado pela baforada. Dragões nunca são atingidos por versões normais ou menores de suas baforadas. Eles automaticamente fazem jogadas de proteção contra qualquer forma de ataque semelhante à sua baforada. Por exemplo, um dragão vermelho não sofre dano (normalmente ignora) decorrente de óleo em combustão, pois este é um efeito normal do fogo. Ele sempre

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sofre apenas metade do dano causado por um feitiço baseado em chamas, como bola de fogo. Falar: Dragões são inteligentes, e alguns podem falar a língua comum além da língua dos dragões. A porcentagem mencionada em “Chance de falar” é a chance de que um dragão possa falar. Só dragões falantes usam feitiços de Mago. O número de feitiços e seus níveis são fornecidos na tabela. Por exemplo: “3 3 –“ significa que o dragão pode lançar três feitiços do 1° nível e três do 2°, mas nenhum do 3°. Feitiços de dragões costumam ser escolhidos aleatoriamente. Dragões adormecidos: A porcentagem citada em “Chance de estar adormecido” se aplica quando um grupo encontra um dragão no chão. Qualquer resultado acima da porcentagem significa que o dragão está acordado (embora possa fingir que está adormecido!). Caso ele esteja adormecido, personagens podem atacar o dragão por um round (com bônus de +2 em todas as jogadas de ataque), durante o qual a fera acorda. Combate normal no segundo e nos rounds seguintes. Subjugando dragões: Ao encontrar um dragão, os personagens podem tentar, em vez de mata-lo, subjuga-lo. Para subjugar um dragão, todos os ataques devem ser feitos com espada. Assim, armas de lançamento e feitiços não podem ser usados para subjugar. Ataques e danos são determinados normalmente, mas este dano por subjugação não é um dano real. O dragão luta normalmente até atingir 0 ou menos pontos de vida, quando se rende. Dano de subjugação não diminui o dano causado pela baforada do dragão. Um dragão pode ser subjugado porque percebe que seus atacantes poderiam tê-lo matado caso quisessem. Então se rende admitindo a derrota. Dragões subjugados tentarão escapar ou voltar-se contra seus capturadores, caso as ações do grupo lhes permitam. Por exemplo, um dragão não vigiado durante a noite, ou que é ordenado a vigiar um posto solitário consideraria estas possibilidades. Um dragão subjugado deve ser vendido. O preço depende do DM, mas nunca deve exceder 1000 p.o. por ponto de vida. O dragão pode ser forçado a servir aos personagens que lhe subjugaram. Se ordenarem a um dragão subjugado que execute uma tarefa aparentemente “suicida”, ele procurará fugir e poderá tentar matar seus capturadores. Idade: As estatísticas fornecidas anteriormente referem-se a um dragão de porte médio de cada tipo. Dragões mais novos são menores e conquistaram um número menor de tesouros; dragões mais velhos são maiores e conquistaram mais riquezas. Dragões geralmente variam de tamanho em até 3 dados de vida para cima ou para baixo. Por

29

exemplo, os dragões vermelhos podem ter de 7 a 13 dados de vida, dependendo de sua idade. Tesouro: Dragões mais jovens podem ter angariado de um quarto a metade do tesouro citado; dragões mais velhos podem ter o dobro da quantidade mencionada. Tesouros dos dragões são encontrados apenas em seus covis, os quais raramente estão desprotegidos e são bem escondidos para que não sejam facilmente descobertos.

Dragões Dourados: Dragões dourados sempre falam e usam feitiços. Também podem mudar de forma. Geralmente surgem na forma de um animal ou homem (de tamanho normal). Dragões dourados podem cuspir foto (como um dragão vermelho) ou gás clorídrico (como um dragão verdade) apesar de terem só três ataques por baforada por dia (e não seis!). O tipo de baforada usado deve ser escolhido pelo DM de acordo com a situação. 40 Branco

Negro

Verde

Azul

Vermelho

Dourado

Classe de Armadura

3

2

1

0

-1

-2

Dados de Vida

6**(G)

7**(G)

8**(G)

9**(G)

10**(G)

11**(G)

Movimentação

27(9)

27(9)

27(9)

27(9)

27(9)

27(9)

Voando

72(24)

72(24)

72(24)

72(24)

72(24)

72(24)

Ataques

2 garras e 1 mordida

Dano

1d4/ 1d4/ 2d8

1d4+1/ 1d4+1/ 2d10

1d6/ 1d6/ 3d8

1d6+1/ 1d6+1/ 3d10

1d8/ 1d8/ 4d8

2d4/ 2d4/ 6d6

N° de aparição

1d4 (1d4)

1d4 (1d4)

1d4 (1d4)

1d4 (1d4)

1d4 (1d4)

1d4 (1d4)

Proteção como

Guerreiro: 6

Guerreiro: 7

Guerreiro: 8

Guerreiro: 9

Guerreiro: 10

Guerreiro: 11

Moral

8

8

9

9

10

10

Tipo de tesouro

H

H

H

H

H

H

Alinhamento

Neutro

Caótico

Caótico

Neutro

Caótico

Ordeiro

Valor de XP

725

1250

1750

2300

2300

2700

40

BROWN, Timotht B; CASPIAN, Jonatha; DENNING, Troy. Dungeons & Dragons. São Bernardo do Campo: Grow jogos e brinquedos, 1993, p. 41-2.

30

Tipo

de

Encontrado

dragão

em

Branco

Regiões

Baforada

Formato

Alcance

Chance

Chance de

(Comp. X

de falar

estar

Larg.)

Feitiços por nível 1 2 3

adormecido

Ar frio

Cone

24x9

10%

50%

3 -

-

Ácido

Linha

18x15

20%

40%

4 -

-

Florestas,

Gás

Nuvem

15x12

30%

30%

3 3

-

selvas

clorídrico

Desertos,

Relâmpago

Linha

30x15

40%

20%

4 4

-

Fogo

Cone

27x9

50%

10%

3 3

3

Fogo/Gás

Cone/

27x9/

100%

5%

4 4

4

Nuvem

15x21

frias Negro

Pântanos, brejos

Verde

Azul

planícies Vermelho

Montanhas, colinas

Dourado

Qualquer lugar

Basilisco (Basilisk) (Out of The Pit)

HABILIDADE: 5 ENERGIA: 8 HABITAT: Desertos, Planícies, Ruínas NÚMERO ENCONTRADO: 1 TIPO: Monstro REAÇÃO: Inamistosa INTELIGÊNCIA: Baixa De longe parece um grande lagarto, medindo 2 metros, do nariz à cauda, e malhado de cor marrom e areia. Os aventureiros tolos ou inocentes, que desejarem se aproximar, notarão que a cabeça da criatura é mais semelhante à de um pássaro e inclina-se de um lado para o outro como se farejasse o ar. Por um breve momento, poderão notar que seus olhos são grandes e amarelos, quase como os de um sapo, antes que o olhar do Basilisco os transformem em pedra. Essas feras lendárias matam hipnotizando suas vítimas e petrificando-as. Um oponente necessita Testar sua Sorte e ter sucesso para conseguir cobrir os olhos a tempo de evitar-lhe o olhar. Atacar a criatura com uma arma sem olhar é igualmente perigoso, pois seu bafo venenoso matará instantaneamente! Porém, o olhar de um Basilisco é tão arriscado para ele mesmo como para qualquer outra criatura viva. Se ele fitar o próprio olhar em um

31

espelho, ou em qualquer outro material que reflita sua imagem, se transformará em pedra, transformando sua carne fresca em rocha morta num instante.41

4. Conclusões

Dada a distância histórica e social que separa os bestiários medievais e os livros de monstros dos jogos de RPG, o que se buscou aqui foi apresentar fragmentos que permitissem afirmar certa permanência entre esses dois produtos culturais, cada qual fruto da época em que foi gestado, por meio da Weltanschauung, conceito-chave apresentado na primeira parte deste texto. As descrições presentes nos fragmentos selecionados do bestiário de Aberdeen ressaltam a visão científica que predominava entre a Antiguidade e a Idade Média, pois não havia a preocupação de ir a campo observar, catalogar e analisar os hábitos dos animais descritos, nem mesmo se eles de fato existiam e correspondiam ao que se supunha saber deles. Para essa tradição a palavra de uma autoridade anterior, que tivesse recebido a informação de terceiros, bastava para se constituir numa formula mentis (argumento de autoridade), válido por si só e inquestionável. Justamente essa visão científica sustentou a descrição de cada animal, se possível, vinculada a uma virtude ou vício, alegoria de bemaventurança ou de condenação de acordo com o valor cultivado pelo fiel. Percebe-se, nos livros de RPG, a permanência de temas sobrenaturais que habitam o mundo explorado pelos jogadores. Monstros perigosos são incorporados às narrativas que deverão ser desenvolvidas. No entanto, inversamente à apresentação dos bestiários medievais, os livros de monstros de RPG não visam discorrer sobre o real nem elencam elementos de condenação ou salvação, mas sim apresentar desafios e obstáculos narrativos para a criação coletiva de uma história. O aspecto mais significativo de distanciamento é a representação numérica das criaturas apresentadas no RPG. Às representações textual e visual, soma-se a representação numérica, que visam possibilitar a calculabilidade do desafio encontrado pelos jogadores. Desta forma, o narrador, ao elaborar uma narrativa, levará em conta como este desafio, numericamente falando, poderá ou não ser resolvido pelos jogadores.

41

GASCOINE, Marc; JACKSON, Steve; LIVINGSTONE, Ian. Out of the Pit. Rio de Janeiro: Editora Marques Saraiva, 1994, p. 19-20.

32

Outro aspecto de distanciamento é a reflexão sobre a utilização das criaturas para a criação de narrativas, visando, desta forma, refletir sobre como as mesmas podem afetar uma história narrada, analisando, desta forma, como o jogo pode ser alterado pelo uso da criatura escolhida pelo narrador. As duas únicas criaturas que não apontam possibilidades interpretativas (gato e basilisco) não deixam de apresentar aspectos numéricos em suas descrições, fazendo com que, desta forma, os elementos lúdicos, matemáticos e narrativos sobreponham-se aos aspectos sobrenaturais. Ao analisar as transformações ocorridas no ocidente, o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) aponta para a ocorrência de um processo chamado desencantamento do mundo, no qual há um enfraquecimento do pensamento místico e do religioso em detrimento da racionalidade científica. Em suma, este conceito Significa principalmente, portanto, que não há forças misteriosas incalculáveis, mas que podemos, em princípio, dominar todas as coisas pelo cálculo. Isto significa que o mundo foi desencantado. Já não precisamos recorrer aos meios mágicos para dominar ou implorar aos espíritos, como fazia o selvagem, para quem esses poderes misteriosos existiam. Os meios técnicos e os cálculos realizam o serviço. 42

Ao incorporar a representação numérica ao imaginário místico sobrenatural como forma de análise e ferramenta narrativa, o RPG mantém os elementos imaginativos e fantasiosos, mas apresentando-os a partir de uma proposta de experiência lúdica (e estética) em contraposição ao discurso que se pretendia descritivo e normativo sobre realidade (encontrado nos bestiários medievais)43. O outro elemento que distancia o RPG dos bestiários medievais é a preocupação com a interpretação, propondo, desta forma, que estes seres apenas existirão no momento em que um ser humano der voz a eles. As dicas interpretativas não estão pautadas no mundo real, mas sim nas estruturas internas da narrativa poética44 que devem se pautar na necessidade e na verossimilhança. Interessa-nos a reflexão de Aristóteles, segundo a qual a criação poética humana deve seguir uma preocupação: “A tudo isto é preciso atender, e mais ainda às regras concernentes às sensações que necessariamente acompanham a poesia, pois também por este lado muitos erros se cometem45.” Regras e interpretações são

42

WEBER, M. A ciência como vocação: In: Ensaios de sociologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 165. Algumas reflexões importantes sobre a aproximação entre RPG e literatura foram analisadas em: SANTOS, F. R. S. Por trás da Máscara, os signos de Caim: reminiscências do romântico e do trágico em Vampiro: a Máscara, de Mark Rein-Hagen. In: Revista mais dados: o role playing por diferentes olhares e contextos – Ano 1, v. 1 (2014) – Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2014. 44 ARISTÓTELES. A poética. In: Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 456. 45 Idem, ibidem, p. 457. 43

33

elementos de coesão para a manutenção da verossimilhança e da necessidade da produção cultural humana.

Desta forma, o RPG assimila a reflexão e catalogação de criaturas sobrenaturais desenvolvida pelos bestiários medievais, no entanto, utiliza estas informações de uma forma profana e pautadas na necessidade interna da história narrada e não reconhece em suas informações qualquer elemento sagrado que possibilite o contato com uma realidade extrasensorial ou a utilização das informações como forma de interferência do sobrenatural na realidade mundana. O jogo percebe e contempla o sobrenatural como mais uma característica a serviço da diversão (devidamente desencantada) dos jogadores46.

46

Necessário ressaltar uma característica significativa das partidas de RPG que apresentam o caráter lúdico e estético dos jogos: a possibilidade de que se “desfaça” uma ação, voltando-se atrás do narrado para o melhor desenvolvimento ou resultado da ação realizada por um personagem do jogador. Demonstra-se, desta forma, o caráter ficcional de uma partida de RPG. ROMANETTO, M. C. Jogo e comunicação: o RPG como mídia. In: Revista mais dados: peculiaridades sobre o role playing aqui, lá e além mar – Ano 2, v. 2 (2015) – Uberlândia, MG: Narrativa da Imaginação, 2015. p. 74

34

Artigo EXPERIÊNCIAS DE EXTENSÃO Roleplaying game auxiliando o ensino, letramento e literatura. Arthur Barbosa de Oliveira47

RESUMO A proposta do artigo é relatar as experiências dos projetos de extensão executados entre 2013 e 2015. À luz das teorias de Paulo Freire (1987), os projetos foram desenvolvidos em vista a valorizar a literatura que os sujeitos já conheciam e com isso desenvolver atividades que promovessem a evolução de suas capacidades criativas. Auxiliado pelas técnicas do RPG, “jogo de representação de papéis”, pôde-se introduzir os sujeitos a situações de contato com a literatura e a própria criatividade, corroborando com o desenvolvimento de suas capacidades sociais, e também auxiliando no autoconhecimento e autossuficiência intelectual. O primeiro projeto teve por localidade o IAME Dourados/MS (Instituto Agrícola do Menor) e o segundo uma escola municipal do mesmo município, cujos alunos participantes do projeto frequentavam o programa Mais Educação. As ações permitiram que o sujeito conseguisse autonomia nas atividades escolares em diferentes disciplinas, afinal, as habilidades a que foram desenvolvidas na metodologia provocaram conflitos e desafios inerentes ao convívio social, assim como auxiliaram a desenvolver habilidades cognitivas e linguísticas, capacitando-os em diversos campos escolares.

PALAVRAS-CHAVE: Intelectual.

Jogo.

Capacidades

Criativas.

Autoimagem.

Autossuficiência

ABSTRACT The purpose of this paper is to report the experiences of extension projects executed between 2013 and 2015. Illuminated by theories of Paulo Freire (1987), the projects have been developed in order to value the literature that the subjects were familiar with and develop

47

Graduando do curso de Letras Português/Inglês na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. [email protected]

35

activities that promote the evolution of their creative abilities. Aided by RPG techniques, "interpretation game", we could introduce the subject to contact situations with literature and own creativity, corroborating the development of their social skills, as well as assisting in the self-knowledge and intellectual self-sufficiency. The first project had place at IAME Dourados / MS (Agricultural Institute of Minors) and the second in a public school of the same city, whose participating students was included in the project Mais Educação. The actions allowed the subject develop autonomy in school activities in different disciplines, after all, the skills that have been developed in methodology provoked conflicts and challenges of social life, as well as helped to develop cognitive and language skills by training them in various fields school.

KEYWORDS: Game. Creative capabilities. Self-image. Intellectual self-sufficiency.

INTRODUÇÃO

Antigamente, tínhamos o hábito de transmitir os ensinamentos por vias da oralidade, os mesmos eram contados por um ponto de vista específico, geralmente visando aguçar a imaginação do espectador. O ato de contar estórias, na Grécia antiga, carregava alto valor intelectual e social, pois os mestres ensinavam as crianças a serem “homens obra de arte”, os ensinavam a desenvolver atitudes éticas, morais e criadoras para que tivessem uma utilidade frente à polis. Podemos entender que a literatura tem responsabilidades com o poder criativo a ser desenvolvido ou despertado no sujeito, rompendo com o olhar linear, pois aprendemos de acordo com Oliveira: A Contemporaneidade exige um novo tipo de olhar, um olhar inclusivo, voltado para suas origens, (visão do cosmo) quebrando com a visão linear e cartesiana ocidental. E A literatura vem assumindo ao longo do final do século XX (...) o de leitora, da história e da sociedade.48

A literatura Infanto-Juvenil consegue, devido à proposta e estrutura, retomar alguns elementos da infância, assim como consegue ser educativa mesmo sem ser seu objetivo. 48

OLIVEIRA, Adma Cristhina Salles. Da Utopia a Estepe: Um estudo da identidade africana. In: Revista virtual Linguagem Educação e Memoria, novembro. Nova Andradina - MS, 2011, p.2.

36

Em tempos modernos, rever valores históricos de sabedoria milenar, permite romper com a dominação histórica do colonizador, respeitam-se os mestres desvelando outros ensinamentos. Conceber à sabedoria antiga, significa entender as emoções, a paixão e vivência, na visão de algumas culturas suprimidas pelo colonizador, portanto o homem venceria esse estado degradante e terreno, e se elevaria aos céus, por suas vitórias e verdades mitológicas. Em tempos globalizados, há um desconhecimento da visão mitológica cósmica; em relação à tradição, está quase perdido o ato de nos reunirmos frente ao fogo, em ouvir a arte de contar histórias e as experiências dos antigos, que valorizam e nos ajudam a compreender nossas raízes culturais, nossas identificações, de acordo com Sturt Hall apud Oliveira: De forma concisa dialogaremos com, pois numa visão contemporânea, nosso entendimento, a grande questão é como conciliar a construção do novo homem, com as raízes ancestrais tão fortes na identidade do mesmo. Diante de tal dilema, vale lembrar as palavras de Hall, quando ele se posiciona quanto à(s) identidade(s) de forma diferenciada culturalmente.49

Na realidade não existe uma única identidade, somos frutos de identificações culturais, permeadas e constituídas em diferentes sociedades. A principal proposta desse projeto é valorizar a identidade do sujeito por vias da oralidade, da encenação de seus personagens, atribuindo valores históricos hábitos e atitudes de certos cotidianos. Sabe-se que na atualidade precisamos de novas técnicas de ensino-aprendizagem para desenvolver os assuntos a serem trabalhados em sala de aula. A internet e a própria globalização possibilitam aos alunos acesso a técnicas e abordagens de ensino ao redor do mundo. Cabe aos educadores ensinar, não só o que lhe foi passado, mas, transformar esse conhecimento juntamente ao corpo discente para que haja maior aproveitamento e interação. A falta de interação entre conteúdos e os sujeitos, educador e sujeito, causa uma educação estática que, segundo Paulo Freire em “Pedagogia do oprimido” Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A sua irrefreada ânsia. Nela, o educador aparece com seu indiscutível agente, com o seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos 49

OLIVEIRA, Adma Cristhina Salles. Da Utopia a Estepe: Um estudo da identidade africana. In: Revista virtual Linguagem Educação e Memoria, novembro. Nova Andradina - MS, 2011, p.11.

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conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganharia significação.50

Nesse ponto de vista, o educador é apenas um narrador solitário, que recorta passagens científicas e não as relaciona a vida do educando. A proposta do presente projeto é abordar o uso do lúdico como mediador conteudista causando melhora no processo de ensino-aprendizagem. Vygotsky defende que a atividade criadora se encontra em relação direta com a riqueza e a variedade da experiência acumulada pelo homem. Trazemos essa riqueza quando desenvolvemos atividades lúdicas, ou seja, ao brincar. Para Fortuna, o brincar […] desenvolve a imaginação e a criatividade. Na condição de aspectos da função simbólica, atingem a construção do sistema de representação, beneficiando, por exemplo, a aquisição da leitura e da escrita. Enquanto ação e transformação da realidade, o jogo implica ação mental, refletindo-se na operatividade, tanto no domínio lógico, quanto no infratológico, ou, por outras palavras, no desenvolvimento do raciocínio. Na atividade lúdica, os aspectos operativos e figurativos do pensamento são desenvolvidos.51

É nessa visão de desenvolvimento que se buscou aproximar o “Ensinar” do lúdico, pois acontece através do jogo, uma melhora na mediação conteudista, de forma diferenciada, que auxiliará o educador na interação com os educandos e dos próprios educandos com o conteúdo ministrado. O jogo ao qual nos referimos anteriormente chamase Roleplaying Game, mais conhecido e difundido como RPG, sendo que segundo Pavão RPG é a sigla de Roleplaying Game, ” jogo de representação” que exige a leitura de um livro de regras cuja publicação tem conquistado espaços cada vez mais significativos no mercado editorial. Uma ideia que começou nos EUA no início dos anos 70, como evolução dos jogos de guerra e muito influenciado pela literatura de Tolkien (1994), e que espalhou pelo mundo rapidamente. 52

50

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987, p.33. FORTUNA, T. R. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M. e DALLA ZEN, M. I. H. (org.) Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação, 2000. (Cadernos de Educação Básica, 6) p. 147-164, p.10. 52 PAVÃO, Andréa. A aventura da leitura e da escrita entre mestres de Roleplaying game (RPG). Rio de Janeiro, 1999, p.2. 51

38

O RPG propriamente dito, não é apenas um jogo comum, pois envolve relações sociais. Ele se desenvolve, por vias da oralidade, geralmente presencial, modalidade que vem diminuindo desde o advento da internet e da telefonia celular. Esse jogo cria uma história construída pelo entrelaçamento de dois discursos, e o aleatório (representado por rolagens de dados poliédricos de diversas faces), o discurso do Narrador e do Jogador. Nesse jogo o Narrador, chamado de “Mestre” no jargão do RPG, cria uma história a ser “atuada”, interpretada, pelo Jogador, que cria uma personagem para interagir com esse cenário, causando um efeito de coautoria e criando uma história espontânea e autêntica. Buscou-se com essa abordagem interativa valorizar a identidade do sujeito por vias da oralidade, da encenação de seus personagens, individualmente ou em grupo, atribuindo valores históricos, hábitos e atitudes de certos cotidianos. A interação do RPG como ferramenta de ensino é de extrema importância para o desenvolvimento cognitivo, das diferenças e defasagens de aprendizagem e colabora para o aprimoramento da leitura encontrada no contexto escolar. É importante ressaltar que as possibilidades deste jogo, de interpretação interativa, desvelam a identificação individual e coletiva, pois a aplicabilidade das regras promove o sujeito nas suas relações e interações no contexto social e escolar. Então, o objetivo foi a apropriação de uma ferramenta como o uso didático pedagógico para a descoberta de personalidades e auxiliar na associação dos conteúdos trabalhados em sala de aula. A educação tem um papel de constituição na formação cultural do sujeito, ela é uma das instituições responsáveis na manutenção e reprodução hegemônica do poder, mas pode desencadear a descoberta de outras possibilidades, outras vozes enunciadoras. Entendemos por educação o seguinte conceito de Eisner apud Rios: A educação é um empreendimento cujo objetivo geral visa expandir as formas de leitura e escrita que os indivíduos podem empregar. Por leitura e escrita quero dizer a habilidade de representar e recuperar significados na variedade de forma que os tornam públicos. Em nossa cultura, as palavras, números, movimentos, imagens e padrões de formas e sons são formas por meio das quais os significados são representados. Para que se possam ler aquelas formas é necessário que haja entendimento de suas regras, seus contextos e suas estruturas sintáticas. 53

53

RIOS, Rosana; GONÇALVES, Maria Sílvia. Português em outras palavras:6ª,7ªe 8ª séries. Livro do Professor. São Paulo: Scipione, 2002, p.3.

39

Um dos objetivos da educação é ampliar os horizontes da leitura e escrita, abordando as diferentes linguagens, rompendo com as práticas lineares de uma educação newtoniana, deve-se desenvolver habilidades de comunicação em contextos diversos. É importante evidenciar a relevância do ensino da literatura, principalmente na atualidade, aonde os leitores vão em busca sempre do novo e contemporâneo esquecendose do que já se passou. Porém, o ensino da literatura aborda diversas situações fictícias que são facilitadoras, ou seja, ajudam o leitor a associar as suas vivencias. Coelho apud Silva diz que Não há, suponho, disciplina mais formativa que a do ensino da literatura (...) Saber idiomático, experiência pratica e vital, sensibilidade, gosto, capacidade de ver, fantasia, espírito crítico – a tudo isto faz apelo a obra literária, tudo isto o seu estudo mobiliza. (...) A literatura não se faz para ensinar: é a reflexão sobre a literatura que nos ensina”.54

O ensino de literatura vem de encontro com todos os objetivos que viremos a descrever no domínio de experiências, e vem resgatar, no presente artigo, a característica subjetiva do ensino de literatura, transcendendo o ensino de história da literatura. Juntamente com o corpo acadêmico, o projeto buscou, por meio do RPG “Roleplaying game”, a interação dos assuntos do cotidiano, cultura e escola, na forma de representação de papéis, visando a incorporação dos elementos da imitação, para maior aproveitamento do potencial dos sujeitos. Afinal, o sujeito ontológico e unilateral se constitui como um processo histórico e evolutivo. Podemos afirmar de acordo com Aristóteles que “ao homem é natural imitar desde a infância – e nisso difere ele dos outros seres, por ser capaz da imitação e por aprender, por meio da imitação, os primeiros conhecimentos -; e todos os homens sentem prazer em imitar”.55 O homem se difere no meio ambiente por sua capacidade em aprender, sua capacidade cognitiva permite ampliar o signo da imitação, possibilitando a assimilação e acomodação das etapas do seu desenvolvimento. Ao valorizarmos as etapas do desenvolvimento humano, agregamos a descoberta do ser crítico, por meio de ferramentas

54

SILVA, Jackeline. O Estudo da Literatura no Ensino Médio. 2013. 50p. Monografia de conclusão do curso de Letras – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013, p.16. 55

ARISTÓTELES. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999, p.40.

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lúdicas para que o sujeito envolvido aprenda sobre si mesmo e sobre como lidar com as diversas situações. Os docentes comprometidos despertam e instigam a capacidade de criação dos sujeitos. Nesta relação permitem modificar o paradigma do desprezo da educação formal, procurando a transformação no processo de ensino-aprendizagem. O RPG “Roleplaying game” (considerado como um jogo de cooperação permitido pela NASA, declarado na manchete “Astronautas que vão a Marte – Folha de São Paulo: 21/07/1996”) propõe o desenvolvimento do intelecto por simples representação de papéis, como um teatro, fazendo com que os sujeitos sejam desafiados de forma agradável, trazendo à tona todos os traços culturais do brasileiro. Sabendo que representação de papeis não é algo tradicional do método de ensino, utilizaremos o termo interpretação, que seria o ato de colocar-se no lugar da personagem, fazendo-se passar pelas diversas situações. Levando em conta esses fatores teóricos, vemos a importância de uma maior socialização entre os sujeitos, que agrega valores éticos e morais. A representação (ou interpretação), no nosso contexto, auxiliou a desenvolver um contato com a cultura regional e nacional, possibilitando a importância de fatores da aprendizagem na convivência em sociedade.

EXPERIÊNCIA 01 O projeto “Roleplaying Game, Instrumentos e Jogos Interativos: O lúdico apoiando o letramento escolar”, orientado e supervisionado pela Mª Adma Cristhina Salles de Oliveira, ocorria juntamente com um grupo com proposta de letramento e outro com foco no raciocínio logico matemático. Aconteceu entre agosto de 2013 e julho de 2014 sendo que era composto de 1 (um) encontro semanal, às terças feiras. O local, IAME, foi escolhido devido ao encaminhamento dos outros projetos, e por ser uma área carente, próxima a região onde se situa a Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul. Segundo o próprio site da instituição o IAME (INSTITUTO AGRÍCOLA DO MENOR) “foi fundado em 16 de maio de 1980, face ao preocupante problema da criança e do adolescente carentes, abandonados às ruas, ou vivendo pelas ruas, sem os cuidados básicos de saúde, alimentação, educação, etc.” sendo que o objetivo principal é “abrigar meninos órfãos, carentes e abandonados, procurando proporcionar-lhes alimentação, saúde, educação, ensino profissionalizante, etc.”.

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Ao chegar ao local, podem-se perceber alguns detalhes relacionados ao andamento da rotina. O projeto acontecia no período matutino, das 8 às 10:30. Antes desse horário os sujeitos participavam da organização da grande casa, lugar onde havia quartos compartilhados. Com a chegada dos bolsistas, ocorriam reações diferentes diariamente, principalmente pela rotatividade dos jovens, já que não ficavam sempre na instituição. Todos os sujeitos cursavam o ensino fundamental I no período vespertino. A proposta inicial era conhecer os sujeitos, saber como funcionava seu dia-a-dia, criando um olhar etnográfico, que segundo Sousa (2000, p.5) “é aquele olhar maravilhado, de espanto, cujas origens remontamos a Sócrates na descoberta do outro enquanto estranho, é o olhar etnográfico com toda a carga de admiração, busca e descoberta, respeito e consideração pelo ser diferente”. Esse olhar foi essencial para que reconhecêssemos os sujeitos como eles eram, aumentando a própria visão de alteridade dos bolsistas. Ainda no início, colaboramos com o grupo de pedagogia, seu trabalho de letramento foi usado para sondar o conhecimento linguístico e literário de cada um dos sujeitos. Após algumas constatações, pode-se perceber o real paradigma dos sujeitos. Apenas os alunos de 4º e 5º ano eram moderadamente alfabetizados, os demais ainda não possuíam um vocabulário funcional na linguagem escrita. Em contrapartida, todos os sujeitos precisavam de auxilio nas habilidades que envolviam raciocino logico matemático e trabalho em grupo. Por esse motivo, o início do trabalho de todos os grupos envolvidos foi dado através do "reforço escolar". Essa atividade consistia em auxiliar os sujeitos envolvidos em seus afazeres escolares, quando houvesse dificuldade. Após alguns dias de aplicação do projeto, os bolsistas compreenderam como funcionava a rotina do local. Uma observação que deve ser feita é que no primeiro semestre da realização do trabalho os bolsistas executaram suas atividades em um refeitório do local, pois as salas de aula da localidade estavam em reforma. No segundo momento de trabalho, já com as salas disponíveis, iniciaram-se as atividades com os grupos divididos. Criaram-se grupos A e B, em que o grupo A consistia na parte mais jovem dos sujeitos, cujos frequentavam de 1º a 3º anos do ensino fundamental, e o grupo B que era formado por sujeitos que frequentavam os 4º e 5º anos do ensino fundamental. As atividades aconteciam em um período de 2h30min que era dividido em 1h15min para cada grupo de bolsistas, sendo que o grupo de matemática trabalhava juntamente com o grupo de pedagogia, na sala de aula, e o presente trabalho apropriou-se de um ambiente externo, pois não havia necessidade de ambiente de sala "formal".

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Iniciamos, então, as atividades com ambos os grupos, primordialmente, do mesmo ponto de partida, com um jogo de raciocínio logico e matemático. O jogo consistia em utilizar a soma e subtração para diminuir os participantes do jogo, sendo nomeado jogo dos dedos. O segundo grupo demonstrou-se apto com mais velocidade, e logo depois começou a perder o interesse pela atividade. Vale citar que uma das dificuldades encontradas foi não estar em um ambiente controlado, e sim na casa dos sujeitos. O período em que eram ministradas as atividades ocorria entre a facção das atividades matutinas e a hora do banho, anterior ao almoço. Ocorreram dias em que alguns alunos se ausentavam das atividades com a prorrogativa de termino das atividades domiciliares, contudo, não prejudicaram o andamento da proposta. Ainda se tratando de dificuldades, havia certa dificuldade em montar grupos fixos, pois muitas vezes o número de sujeitos era alterado, pois eles poderiam estar nas próprias casas, ou até não estar mais frequentando o IAME semanalmente. A atividade final foi desenvolvida durante cinco semanas, e consistiu em duas atividades, relacionadas ao RPG, para cada grupo. Iniciando pelo grupo A foi proposto a interpretação, em forma teatral, do conto de fadas "Os Três Porquinhos", a fim de verificar as habilidades de elaboração do enredo em grupo, assim como a habilidade de trabalhar em grupo na apresentação da peça. Esta atividade durou um encontro de 2h30min, e foi eficiente, pois, após compreenderem o solicitado, os sujeitos conseguiram reproduzir a atividade. Já a segunda atividade, estava mais relacionada aos jogos de RPG. Foi proposta uma aventura de RPG, onde o bolsista seria o narrador, no cenário do sitio do pica-pau amarelo e os Doze trabalhos de Hercules (1944), de monteiro lobato. Nessa aventura foi incluída a história de Emília, personagem emblemático da série, para maior imersão na história. Após 3 (três) encontros com a mesma atividade, os sujeitos compreenderam o cerne do solicitado, entretanto, surgiram algumas dúvidas que não puderam ser solucionadas no momento da execução. No encontro final, o Grupo A executou sua peça para os demais. As atividades do Grupo B tiveram a complexidade um pouco mais elevada. A primeira atividade foi uma aventura de RPG inspirada no cenário da série de livros As Crônicas de Nárnia (1949-1954). O grupo B foi dividido em três grupos, que ficaram encarregados de escolher um animal para ser interpretado pelo grupo. O animal teria a característica principal dos animais do cenário, características e sentimentos humanizados. A atividade durou 3 (três) encontros, entretanto, o grupo não conseguiu executa-la até o fim pois entraram em conflito interno e alguns integrantes decidiram não continuar a tarefa. Com isso, foi escolhido

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um jogo virtual a ser executado no ambiente, o jogo escolhido é chamado de "jogo dos sapos"56, usando 2 (dois) encontros para executar a tarefa. Concluindo, mesmo com diversas modificações nas atividades do projeto, as atividades propostas, promoveram-se as habilidades necessárias para auxiliar no dia-a-dia escolar dos sujeitos envolvidos. Com o desenvolver do projeto podemos perceber que as intrigas entre os sujeitos foram diminuindo e também que o respeito a instrução melhorou drasticamente. As atividades auxiliaram no desenvolvimento do raciocínio logicomatemático, assim como habilidades de trabalho em grupo e capacidade escrita.

EXPERIÊNCIA 02 O Segundo projeto “Roleplaying Game, Mediação e Interatividade: Ferramenta auxiliadora do ensino de literatura”, orientado e supervisionado pela Mª Adma Cristhina Salles de Oliveira, ocorreu em uma escola municipal de Dourados/MS, em ambiente controlado (escola), turno vespertino, com turmas compostas por sujeitos que frequentavam 4º e 5º anos do ensino regular. O objetivo principal do projeto foi auxiliar no desenvolvimento do conhecimento da leitura de mundo, continuando o trabalho com instrumentos didáticopedagógicos diferenciados, promovendo a consolidação da criatividade e dos valores humanos. O objetivo de levar o RPG e suas ferramentas para sala de aula foi adicionar, ou melhor, auxiliar no desenvolvimento das atividades de uma maneira lúdica, buscando um ensino significativo para todos, corroborando com Freire, refletindo que a "educação significativa está naquela educação em que o espaço de reflexão se faz presente, onde a discussão se apresenta de maneira saudável, uma maneira de aprender trocando ideias tendo por base sempre a formação de senso de juízo e de valores” (FREIRE apud MAIA, 1998). Busca-se com essa abordagem interativa valorizar a identidade do sujeito por vias da oralidade, da encenação de seus personagens, individualmente ou em grupo, atribuindo valores históricos, hábitos e atitudes de certos cotidianos. Tratando ainda do ato de jogar, desejou-se relaciona-lo ao conceito de brincar, de Fortuna (2000), vinculado com a imaginação e criatividade, auxiliando o processo de ensino-aprendizagem. Sendo que nessa visão de desenvolvimento que buscou-se aproximar o “Ensinar” do lúdico, pois através do 56

http://www.jogalo.com/raciocinio-e-habilidade/jogo-atravesse-os-sapos.html Acessado dia 25 de Julho de 2015

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jogo ocorre uma melhora na mediação conteudista, de forma diferenciada, o que auxiliará o educador na interação com os educandos e destes com o conteúdo ministrado. O projeto em si foi concentrado em um período de 2 (dois) meses do ano de 2014, no período compreendido entre a primeira semana do mês de outubro de 2014 e a primeira semana do mês de dezembro do mesmo ano, sendo interrompido devido à não aceitação de outras escolas. A primeira semana de atuação foi dedicada a observação das aulas ministradas no projeto, sem contato de professor-aluno. Alguns dados foram anotados, sendo que os mais relevantes, se referindo à estrutura escolar e do projeto Mais Educação foram: A preferência do projeto Mais Educação, na ocasião, era pela continuidade das "tarefas de casa"; os monitores do projeto eram todos acadêmicos de curso superior, com exceção do monitor de artesanato; o projeto Mais Educação não possuía ambiente fixo, utilizando como localidade preferencial os arredores da biblioteca da escola. Quanto à observação concernente aos sujeitos alvo, ou seja, os alunos mostraram: habilidade e interesse pela leitura pouco desenvolvidos; curiosidade presente; acostumados a metodologias convencionais positivistas; conhecerem e reconhecerem a homo afetividade57; dependência de autoridade baseada na hierarquia de coordenador-professoraluno; as decisões e poder máximo cabem à coordenadora; desproporção das habilidades básicas solicitadas nas séries que frequentam. Dadas estas informações, iniciou-se a preparação para as atividades que seriam desenvolvidas com os grupos de 4º e 5º ano. Vale relatar que durante o período de aula de outros monitores, o bolsista fez-se presente, auxiliando sempre que possível, principalmente naquelas vinculadas à Educação Física. A turma do 4º ano possuía aproximadamente 20 integrantes, sendo nomeada de turma D, enquanto a do 5º ano possuía 19 e foi nomeada de turma E. Tratando inicialmente dos trabalhos executados com a turma D, notou-se logo uma boa capacidade de atenção e interesse nas atividades solicitadas e foi identificada a proximidade de idade entre os sujeitos presentes, facilitando, muitas vezes, a execução dos trabalhos em grupo. Devido ao curto tempo de trabalho disponível, foi proposta uma atividade em etapas, que foi concluída parcialmente, deixando a desejar na exposição. Antes de propor a atividade, o bolsista forneceu três possibilidades de assunto a serem desenvolvidas, sendo escolhido, com unanimidade, na turma D, o tópico de Super-Heróis.

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Entretanto reconhecem as regras da instituição para com atitudes homofóbicas, provavelmente vinculadas à punição.

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A atividade consistiu, inicialmente, na escolha individual de um herói conhecido. Além disso, foi dada a opção de criação de personagem, que não foi acatada por nenhum sujeito da turma D. Foi solicitado então, aos sujeitos, que contassem, de forma escrita, a história de cada um dos heróis escolhidos, conforme a imagens I e II, pertencentes ao anexo. O objetivo principal dessa atividade foi observar o nível de conhecimento acerca do conteúdo, que foi escolhido pelos próprios alunos, assim como sua capacidade de escrita e criatividade em preencher as lacunas desconhecidas da história contada. Após o término da escrita inicial, foi fornecida aos alunos a história original de cada personagem escolhida, coletada no site Wikipédia, para comparação e reflexão sobre seus reais conhecimentos acerca do tópico. Concluída essa atividade, foram propostas outras, a fim que houvesse continuidade da história. Vale citar que o objetivo final para ambas as turmas era execução de jogos de RPG, cuja realização não foi possível devido a alguns fatores que serão descritos nos parágrafos finais. A atividade proposta para a Turma E apresentou o mesmo teor, com assuntos diferenciados. A turma dividiu-se em dois grupos, o grupo A ficou responsável pelo tópico de super-heróis e o grupo B pelo tema Contos de Fadas e Fábulas, sendo que os temas foram escolhidos por meio de votação e os grupos formados sem intervenção dos monitores. Após a formação dos grupos, os participantes iniciaram a mesma atividade proposta para a turma D: reproduzir a história da personagem escolhida. Entretanto, o grupo A decidiu, em sua maioria, construir suas próprias personagens, criando novos enredos e possibilidades, os anexos III a VI demonstram os textos iniciais, assim como seus respectivos desenvolvimentos após algumas "correções". Cabe inserir aspas ao dizer "correções", pois se configurou apenas como uma sugestão e tendo em vista, ainda, que o objetivo principal da atividade consistia em desenvolver a escrita criativa, corroborando com os objetivos principais do projeto, expostos no início do texto. Ao fim das atividades puderam-se observar diversas características presentes, que vão ao encontro dos objetivos específicos descritos no corpus do projeto entre os quais, destacam-se: reconhecimento da autoimagem identificando-se com os personagens das histórias contadas; conduzir a reflexão de situações reais vivenciadas pelos textos, imagens, fotos, pinturas, músicas, vídeos, para a organização de pensamentos, ideias e composição textual; despertar da criatividade por meio de atividades lúdicas, permitindo a criação e descrição de personagens, facilitando a aprendizagem e as relações curriculares.

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Verificou-se também que, mesmo com a execução parcial do projeto, este foi acolhido pela comunidade local e pôde ser enriquecido por todas as experiências vivenciadas durante o período. Vale observar que, ao final das etapas concluídas, todos os sujeitos encontravamse aptos a participar de jogos de RPG, um dos objetivos intrínsecos do projeto. Pretendeu-se com a exposição e breve reflexão de cada atividade demonstrar a potencialidade não só do jogo, lúdico, na educação, mas também frisar sua fácil relação com o conteúdo infanto-juvenil, assim como a facilidade de associar a educação a algo menos complexo, auxiliando no processo de ensino-aprendizagem do conteúdo literário e linguístico.

REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Aristóteles. São Paulo: Nova Cultural, 1999. FORTUNA, T. R. Sala de aula é lugar de brincar? In: XAVIER, M. L. M. e DALLA ZEN, M. I. H. (org.) Planejamento em destaque: análises menos convencionais. Porto Alegre: Mediação, 2000. (Cadernos de Educação Básica, 6) p. 147-164. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido, 17ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. MAIA, Márcia Superti. MAIA Jorge Sobral da Silva. "O DIREITO DE UMA EDUCAÇÃO SIGNIFICATIVA NA ESCOLA." 2005. OLIVEIRA, Adma Cristhina Salles. Da Utopia a Estepe: Um estudo da identidade africana. In: Revista virtual Linguagem Educação e Memoria, novembro. Nova Andradina - MS, 2011. PAVÃO, Andréa. A aventura da leitura e da escrita entre mestres de Roleplaying game (RPG). Rio de Janeiro, 1999. RIOS, Rosana; GONÇALVES, Maria Sílvia. Português em outras palavras:6ª,7ªe 8ª séries. Livro do Professor. São Paulo: Scipione, 2002. SILVA, Jackeline. O Estudo da Literatura no Ensino Médio. 2013. 50p. Monografia de conclusão do curso de Letras – Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2013. SOUSA, Jesus Maria. "O olhar etnográfico da escola perante a diversidade cultural." PSI– Revista de Psicologia Social e Institucional 2.1 (2000): 107-120. WEBBIBLIOGRAFIA http://www.iame-dourados.com/historico.html Acessado em 25 de julho de 2015. http://www.jogalo.com/raciocinio-e-habilidade/jogo-atravesse-os-sapos.html. Acessado dia 25 de

julho de 2015

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Artigo Publicações e repercussão midiática sobre jogos narrativos: comparativo Brasil, Estados Unidos e países nórdicos

Tadeu Rodrigues Luama58

Resumo: Esse artigo visa descrever as diferenças entre as publicações – e refletir sobre sua respectiva cobertura midiática – no âmbito dos Role-Playing Games do Brasil, Estados Unidos, Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega, sendo que os 4 últimos países são estudados como um bloco doravante denominado países nórdicos. A partir da contextualização de cada um dos países evidenciados com relação à produção acadêmica de RPG, busca-se realizar uma observação das narrativas de cada uma das publicações selecionadas, sendo 2 nórdicas, 1 estadunidense e 1 brasileira. Em seguida, o presente artigo traça paralelos entre os contextos de cada um dos países e as narrativas encontradas em suas respectivas produções acadêmicas. Palavras-chave: Comunicação; Narrativas; Jornalismo; Fenomenologia; RPG.

1. Introdução Este artigo visa traçar um panorama entre a produção e a respectiva cobertura midiática relacionada aos RPG (Role-Playing Games, habitualmente traduzidos do inglês como jogos de interpretação de personagens), modalidade de jogos narrativos que visa a construção coletiva de uma história de maneira espontânea. Possui vários estilos diferentes, sendo que os tratados nesse trabalho são os tRPG (tabletop RPG, no Brasil RPG de mesa) e os larp (live action role-play, jogos de interpretação ao vivo). Os RPG de mesa compreendem os jogos em que os participantes se reúnem em volta de uma mesa e narram

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Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba (UNISO). Bolsista PROSUP/CAPES. E-mail: [email protected].

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verbalmente as ações de seus personagens, ao passo que no larp essa narrativa ocorre através da dramatização das ações dos personagens. Essa modalidade de jogo surgiu na década de 1970, e nos anos seguintes já ocorreram alguns estudos sobre o tema. Porém, a partir dos anos 2000, houve um crescente interesse em publicações científicas envolvendo RPG, tanto no Brasil quanto no exterior. Um dos grandes saltos para essa produção é o Manifesto Dogma 99 (FATLAND; WINGÅRD, 2014), criado em Oslo (Noruega) em 1999, onde se pretendia reconhecer o larp como forma de arte, detentor de uma linguagem própria. A partir de então, passa a haver uma grande produção relacionada ao tema com o intuito de fundamentar e validar o que foi evocado no manifesto. Nos Estados Unidos, por outro lado, a produção é originária do interesse em desmistificar o jogo, após o que a jornalista estadunidense Lizzie Stark, em uma entrevista (MARZANO-LESNEVICH, 2012) chama de Satanic Panic (traduzido livremente como Pânico Satânico), uma perseguição religiosa ao RPG em grande parte movida pelo filme Labirintos e Monstros (LABIRINTOS, 1982), cujo título é uma analogia ao RPG Dungeons and Dragons. Nesse filme, o RPG é mostrado como algo que aliena jovens e traz sérios riscos a sanidade dos mesmos. Já no Brasil, nos anos 2000, um crime foi notório por evidenciar o RPG de forma negativa nas mídias. Foi o assassinato de uma jovem em Ouro Preto (MG), relacionando o crime com o jogo. Rafael Carneiro Vasques descreve que: A relação com o RPG deu-se pelo fato de que a prima da vítima já tinha participado de sessões de RPG e de que alguns moradores da república de estudantes que hospedava as garotas eram também jogadores. No entanto, não há notícias de que a vítima tivesse jogado RPG em algum momento de sua vida (VASQUES, 2008, p. 42).

De maneira similar ao que ocorreu nos Estados Unidos, houve uma mobilização por parte dos jogadores de RPG para remover o estigma criado pela repercussão midiática de que o jogo poderia ser relacionado com alguma prática criminosa. Sobretudo, foi no uso pedagógico do RPG que a produção acadêmica se afirmou, tendo inclusive reconhecimento internacional sobre esse viés, como nos afirma a socióloga estadunidense Whiney Beltrán ao apontar sobre as “experimentações brasileiras com a adaptação de técnicas de larp na educação” (BELTRÁN, 2012, p. 91, tradução livre do autor). A partir dessa contextualização, esse artigo pretende fazer uma análise entre as publicações nórdicas, estadunidenses e brasileiras, partindo do pressuposto que o local de

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fala de cada uma delas está relacionado com o contexto de cada uma, respectivamente o reconhecimento como linguagem e expressão artística, a demonstração de que não se trata de uma prática nociva para a sociedade e os usos educacionais. Para isso, como corpus desse artigo, foram escolhidas 4 publicações, todas do ano de 2014. A escolha do ano se dá pelo fato de que em 2014 surge uma publicação científica específica para o tema no Brasil, tornando-se assim possível a comparação com publicações do tema veiculadas no exterior. Das quatro publicações, 2 são dinamarquesas, 1 é estadunidense e 1 é brasileira.

2. Knutpunkt A Knutpunkt é uma conferência itinerante que se alterna entre Noruega, Dinamarca, Suécia e Finlândia, ocorrendo desde 1996. No início, seu foco não era a discussão teórica, como aponta Margrete Raaum ao afirmar que “no primeiro ano, o foco da Knutepunkt era de natureza prática” (RAAUM, 2014, p. 37, livremente traduzido pelo autor). A diferença de grafia entre o início dessa sessão e a citação advém das diferenças entre línguas, uma vez que a mesma conferência é chamada de Knutpunkt (Suécia), Knudepunkt (Dinamarca), Knutepunkt (Noruega) e Solmukohta (Finlândia). Essa diferença de idiomas fez que com que o idioma oficial adotado fosse o inglês. Em todos os idiomas, o significado é algo próximo de “ponto de confluência”. Hoje, ela pode ser definida como uma conferência para “falar sobre larps passados, para analisar como nossa mídia funciona, para compartilhar técnicas para escrever e jogar jogos, para jogar, para planejar futuros jogos e, ao longo do caminho, para encontrar velhos amigos e fazer novos” (SAITTA; HOLM-ANDERSEN; BACK, 2014, p.12, tradução livre do autor). Com o passar dos anos, houve cada vez mais uma mobilização nesse sentido, e desde 2001 publicam-se regularmente os Knutebooks, como são conhecidas as publicações originárias das chamadas de artigos para a conferência. De lá para cá, apenas o ano de 2002 não contou com uma publicação, e no ano de 2011 e 2013 ocorreram 3, ao passo que em 2014 e 2015 ocorreram 2 publicações. No ano de 2014, as duas publicações foram intituladas de The Foundation Stone of Nordic Larp (A Pedra Fundamental do Larp Nórdico, em tradução livre do autor) e The Cutting Edge of Nordic Larp (Os Limites do Larp Nórdico, em tradução livre do autor).

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2.1.

The Foundation Stone of Nordic Larp

O primeiro livro, como já é enfatizado no prefácio, trata-se do “menos tradicional e mais histórico dos dois livros Knutpunkt desse ano” (SAITTA; HOLM-ANDERSEN; BACK, 2014, p.11, tradução livre do autor). Aqui, podemos encontrar uma coletânea de reimpressões de peças consideradas importantes dos livros dos anos anteriores. A primeira sessão trata das Nordic Larp Talks (Conversas sobre

Larp

Nórdico,

livremente traduzidas pelo autor), um conjunto de palestras curtas que ocorrem na noite que precede a conferência, focadas principalmente na introdução sobre o tema para pessoas de fora da comunidade. Aqui, temos um conjunto de 10 sumários contendo também os endereços eletrônicos para os vídeos de cada uma das palestras. O primeiro desses sumários (Introdution to Nordic Larp, livremente traduzido pelo autor como Introdução ao Larp Nórdico) mostra esse espírito quando a autora conclui seu texto tornando o jogo mais próximo do público dizendo que “uma vez que as histórias em larps emergem das interações sociais, fazê-los não é fundamentalmente muito diferente de coisas que vocês já sabem como fazer – como organizar uma festa de aniversário” (KOLJONEN, 2014, p. 16, tradução livre do autor). Dando sequência, temos um demonstrativo da abrangência do larp em sua temática, com sumários sobre visão política (MUNTHE-KAAS, 2014), questões de gêneros (WIESLANDER, 2014) e as diferenças com a performance (MACDONALD, 2014), para exemplificar. Um dos criadores do Manifesto Dogma 99 mostra o ativismo da cena nórdica no sumário de sua palestra, quando define o jogo como algo que “vê a interpretação de papéis como intimamente conectada ao mundo real, digna de ser analisada, digna de ser usada para analisar o mundo em que vivemos, digna de ser levada a sério, digna de ser experimentada” (FATLAND, 2014, p. 23, tradução livre do autor). A segunda sessão do livro (The Nordic Larp Community, traduzidas livremente pelo autor como A Comunidade do Larp Nórdico) traz 3 ensaios voltados igualmente para o público que está tendo o primeiro contato com a linguagem. Andie Nordgren assina o primeiro deles, onde é clara sua posição de defender o larp como mídia, afirmando que “existe um número de coisas inerentes ao larp como mídia que tem moldado a comunidade em torno disso, mas as pessoas e as realidades sociais dos países nórdicos têm moldado o

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larp responsivamente para formar a cena e o discurso que chamamos de larp nórdico” (NORDGREN, 2014, p. 29, tradução livre do autor). A sessão seguinte (Essays from the Nordic Larp Discourse, Ensaios sobre o discurso do larp nórdico, segundo tradução livre do autor) trata de um conjunto de reimpressões de artigos tratando das diferenças do larp nórdico com relação aos larps originários das tradições de outras partes do mundo. Martin Ericsson abre a sessão afirmando que: Durante os últimos anos, as teorias de larp tentam definir nossa forma de arte nascente; as teorias vêm tentando criar fronteiras e definições sobre o que a interpretação de personagens é – ou em muitos casos, o que a boa interpretação de personagens é. Essa jornada pela definição tem, desse modo, nos levado à criação de um número estrito e deveras inesquecível de modelos descritivos, utilizáveis como ferramentas para definir a singularidade da interpretação de personagens em relação aos outros gêneros performáticos, como dança, esportes, representação, teatro de improviso e brincadeiras infantis (ERICSSON, 2014, p. 48, livremente traduzido pelo autor).

Em meio a artigos sobre as características e temáticas do jogo, o engajamento com a validação artística do larp reaparece com Mike Pohjola, game designer finlandês famoso na comunidade larper como criador do Manifesto da Escola de Turku em 1999 (POHJOLA, 2014a), que defendia a imersão do jogador no personagem como característica primordial do larp, quando define o larp como sendo arte imediata, a forma de “arte que é diretamente enlaçada entre o que é experienciado e o que é criado e não tem utilidade para a divisão entre performers e audiência. Role-playing games são definitivamente imediatos, mas a definição também aborda festas, narrativas comunais e até jams musicais” (POHJOLA, 2014b, p. 119, livremente traduzido pelo autor). E por imediata, entende-se aqui a arte que não depende de mediação.

2.2.

The Cutting Edge of Nordic Larp Ao passo que o primeiro livro trata de um levantamento histórico, o segundo é sobre “o novo, e a visão para o futuro” (BACK, 2014, p. 8, tradução livre do autor)

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A primeira sessão, intitulada The Game and The Design (O Jogo e o design, em tradução livre do autor), contém artigos focados no próprio jogo, agindo como uma caixa de ferramentas para desenvolvedores e participantes de jogos. Na segunda sessão, chamada The Play and The Culture (em tradução livre, O Jogo e a cultura), temos artigos sobre o ato de jogar e a cultura desenvolvida por seus praticantes. As visões políticas retornam (KANGAS, 2014; PETTERSSON, 2014; MISJE; NIELSEN; ANDERSEN, 2014), em grande parte em função da evidência que os jogos de cunho político tiveram no ano de 2013, tais como produções envolvendo a questão palestina ou jogos desempenhados dentro de campos de refugiados no Líbano. Alexey Fedoseev evidencia a preocupação da comunidade larper com o reconhecimento artístico ao dizer que: Nós costumamos chamar larp de uma forma de arte contemporânea. Nós somos orgulhosos dessa atividade ser considerada não só entretenimento, mas também expressão artística. A despeito disso, larps ainda estão distantes de serem reconhecidos na comunidade das ‘grandes’ artes. (FEDOSEEV, 2014, p. 103, livremente traduzido pelo autor).

Nessa sessão também temos evidenciado que ao referir-se a larp nórdico, essa comunidade não diz respeito a nacionalidade dos participantes do jogo, e sim do conjunto de características de jogo iniciadas nesses países e hoje espalhadas pelo mundo. Prova disso é o artigo desenvolvido pelo game designer e pesquisador de larp brasileiro Luiz Falcão, que traça um panorama sobre a trilha do larp no Brasil, fruto de seu trabalho junto ao NpLarp (Núcleo de Pesquisa em Live Action Role-Playing), “que tinha por objetivo pesquisar, discutir e tornar público a maior quantidade de material relevante sobre a linguagem no Brasil” (FALCÃO, 2014, p. 117). A terceira sessão do livro, The Meta and The Agitator (A meta e o agitador, segundo tradução do autor), enfatiza a própria conferência e a cena nórdica de larp. O auge do ativismo nórdico quanto ao aceite do larp como linguagem artística autônoma se dá no artigo de Claus Raasted, onde ele articula uma declaração de 10 maneiras para “fazer o larp ser considerado cultura no mesmo nível que o teatro e fazer ele aceito como parte da sociedade moderna” (RAASTED, 2014, p. 177, tradução livre do autor).

3. Wyrd Con

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De maneira muito similar a Knutpunkt, a Wyrd Con é uma conferência que ocorre nos Estados Unidos que conta com discussões sobre narrativas interativas. Desde 2010, ocorre uma publicação anual sobre os artigos submetidos para essa conferência. Como elucida Sarah Lynne Bowman, editora do The Wyrd Con Companion Book 2014: [...] a análise investigativa da narrativa interativa em suas muitas formas continua evoluindo. Conforme nossa comunidade amadurece, também o fazem os níveis de discurso em torno de tópicos como a psicologia do jogar, a documentação de projetos, novas formas inovadoras, examinação de raízes históricas e a narrativa como criadora de mitos (BOWMAN, 2014, p. 7, livremente traduzido pelo autor).

O livro é dividido em duas sessões. Na primeira, denominada sessão jornalística, existe uma preocupação em “prover discussões informativas, teóricas e práticas de qualidade sobre uma variedade de tópicos pertencentes às narrativas interativas” (ibid, p. 7, tradução livre do autor). Nela, além de artigos relatando jogos específicos, existe uma ênfase em artigos do campo da Psicologia (BURNS, 2014; PAGE, 2014), relacionando-o aos jogos interativos (termo usado na publicação para designar o conjunto entre tRPG e larp). A segunda sessão é denominada sessão acadêmica, composta por 4 artigos. O primeiro trata, assim como os artigos supracitados, de um viés do larp sob a ótica da Psicologia (BROWN, 2014). Tanto o artigo de Kevin Burns quanto o de Maury Elizabeth Brown tem “ênfase na segurança psicológica e o larp” (BOWMAN, 2014, p. 94, tradução do autor). Os três artigos seguintes tratam do edu-larp (uso educacional do larp). Além de revisão de literatura sobre o tema, aqui vemos abordagem de duas experiências envolvendo o uso de larp na educação.

4. Mais Dados Enquanto as 3 primeiras obras analisadas se relacionam com conferências, a obra brasileira funciona de maneira isolada. Embora exista uma tradição de mais de 20 anos de encontros relacionados com o tema no Brasil, não existe o costume de vincular produção acadêmica a estes encontros, exceto pelo Simpósio de RPG e Educação (ZANINNI, 2004). Como aponta o editor chefe Rafael Correia Rocha, “este primeiro volume surgiu com o amadurecimento de discussões que foram fomentadas em 2006, no quarto e último Simpósio de RPG e Educação” (ROCHA, 2014a, p. 5).

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Dividida em 4 partes, a primeira, denominada Artigos, conta com um conjunto de 4 artigos. O primeiro tem como tema a análise das narrativas presentes em um livro específico de RPG (SANTOS, 2014). O segundo trata-se de um apontamento sobre definições de RPG (ROCHA, 2014b). A seguir, temos um artigo do campo da Psicanálise (VENANCIO, 2014) e por fim um artigo relacionando o RPG ao processo de aprendizagem (BETTOCCHI; KLIMICK, 2014). A seguir, temos a segunda parte da revista, intitulada Traduções. Nela, além da tradução do artigo de Luiz Falcão originalmente publicado no livro da Knutpunkt supracitado, temos duas traduções do International Journal of Role-Playing, ambas sobre características do jogo. Na terceira sessão, Entrevistas, temos uma preocupação em aproximar as pessoas envolvidas com o tema ao redor do Brasil. Das 3 entrevistas, 2 delas são sobre experiências envolvendo RPG e educação. Finalmente, temos a sessão Jogos onde, apesar de não ter vínculo com o modelo científico tradicional, nota-se uma preocupação na divulgação do jogo e permitir a utilização da revista para registro de produção de jogos. Aqui, contamos com 2 roteiros de jogos, ambos de autoria do game designer Luiz Prado, companheiro de Luiz Falcão no NpLarp.

Considerações finais

Num primeiro momento, nota-se em todas as publicações um entusiasmo com relação ao RPG. Acima de tudo, existe uma ênfase em enaltecer as qualidades e pontos positivos do RPG, com notável exceção à publicação estadunidense. Porém, como aponta o jornalista Luiz Gonzaga Motta, “o trabalho da narrativa não consiste, pois, em aproximar-se do mundo, mas sim em ordenar, em confronto com o mundo, a visão que o sujeito faz dele, porque esse sujeito quer agir em função de sua própria visão de mundo, que ele assume como verdadeira” (MOTTA, 2009, p. 11). As quatro publicações também são disponibilizadas gratuitamente em versão digital, corroborando o interesse dos envolvidos em divulgar seus respectivos estudos. Conforme contextualizada previamente, a produção nórdica tem foco na validação dos jogos narrativos como expressão artística com linguagem própria e independente de outras artes. Contudo, nas obras analisadas, é notório também um ativismo social inerente à produção lúdica.

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Nos Estados Unidos, o foco no campo da Psicologia é evidente. O autor especula se isso seria reflexo da perseguição ao RPG ocorrida em décadas passadas. Além disso, os estudos no tocante dos usos pedagógicos do RPG existem em igual teor. Por último, temos no Brasil um crescimento na diversidade de temas, ao contrário do que foi suposto previamente, onde acreditava-se numa predominância de estudos relacionados ao uso educacional do RPG. Uma característica notável é o vanguardismo dos países nórdicos, que indubitavelmente influenciam tanto a produção estadunidense quanto a brasileira. Ambos os países encontram nas referências de seus artigos publicados um número significativo de autores vindos da Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia, não por acaso os países integrantes de Knutpunkt, havendo até mesmo uma tradução de um artigo de autoria brasileira da Knutpunkt para o português. Acima de tudo, mostram-se as funções declaradas do jornalismo, como aponta o jornalista Edvaldo Pereira Lima quando diz que “o jornalismo, como segmento da comunicação de massa, exerce a função aparente de informar, explicar e orientar. As funções subjacentes são muitas, variadas, incluindo-se no rol a função econômica, a ideológica, a educativa, a social, entre outras” (LIMA, 2009, p.11). Luiz Gonzaga Motta defende visão similar ao afirmar que “as notícias são ritualísticas, e orientam comportamentos. Orientações estas que são culturais, não naturais, dotando os acontecimentos de fronteiras artificiais, construindo totalidades significativas a partir de acontecimentos dispersos” (MOTTA, 2000, p. 2). As publicações analisadas visam não somente a informação e a orientação do leitor: elas também buscam transmitir uma ideologia e uma visão social. Ao afirmar que “o texto é a parte visível ou material de um processo altamente complexo que inicia em outro lugar: na sociedade, na cultura, na ideologia, no imaginário” (BENETTI, 2007, p.111), Marcia Benetti nos mostra que essa postura não se trata de um caso isolado, atípico. Nesse âmbito, mostrase pertinente o método fenomenológico, conforme apontado por Monica Martinez e Paulo Celso Silva, quando dizem que nesse método, “a vivência singular é universalizada: pesquisadores e leitores da pesquisa podem compreendê-la porque são também participantes da condição humana” (MARTINEZ; SILVA, 2014, p. 6). O compartilhamento de experiências de jogos em narrativas envolventes é outra característica comum às publicações. Como aponta a psicóloga Elza Dutra, “a experiência vivida e transmitida pelo narrador nos sensibiliza, alcança-nos significados que atribuímos à

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experiência, assimilando-a de acordo com a nossa” (DUTRA, 2002, p. 374). Dessa forma, além dos artigos, esses ensaios sobre a vivência dos jogadores harmonizam o leitor com a temática. O comunicólogo José Marques de Melo, em entrevista concedida a Mariluce Moura, traz à luz que a “comunicação não é uma área autônoma de pesquisa. Como todas as ciências aplicadas, ela incorpora contribuições que vêm das demais ciências, das exatas e das humanas” (MOURA, 2015, p. 155). E, se por um lado as Comunicações Sociais “demandam a necessidade de revisão teórica para entender intelectualmente os fenômenos analisados agora num ambiente bi ou multidirecional, interativo e segmentado” (MARTINEZ, 2009, p. 200), Monica Martinez defende que “por outro lado, a nova realidade comunicativa demanda igualmente a abertura para outras áreas do conhecimento, visto que o diálogo transdisciplinar parece ser vital para a compreensão desse novo universo interativo” (MARTINEZ, 2009, p. 200). José Marques de Melo afirma ainda que o campo se divide em comunicação interpessoal e comunicação de massa. Cada uma tem suas origens distintas, sendo que enquanto a interpessoal tem entre suas fontes a psicologia, a de massa é ligada ao jornalismo (MOURA, 2015). E é nesse âmbito, ligando a comunicação interpessoal, por meio das experiências vividas e narradas, com a comunicação de massa, orientando e informando, e secundariamente transmitindo suas diversas visões sociais e ideológicas, que a comunidade relacionada aos jogos narrativos, não importa seu local geográfico no mundo, tenta se afirmar, apoiando-se e embasando-se em diversas áreas do conhecimento. Conforme Luiz Gonzaga Motta, “as narrativas constituem a textura da experiência, permitem instituir o mundo, a política, a economia, as ciências, as religiões” (MOTTA, 2009, p. 9), e é a transposição de experiências para texto que vemos permeando todas as publicações estudadas nesse artigo.

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ZANINNI, Maria do Carmo. Anais do Primeiro Simpósio de RPG e Educação. São Paulo: Editora Devir, 2004.

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Tradução ENTENDENDO A DIVERSÃO

Luiz Carlos Vieira59 e Flávio Soares Corrêa da Silva60

Traduzido do original em inglês “Understanding Fun” (anais do SPC Videojogos, 2014, Barcelos, Portugal) pelos próprios autores.

RESUMO A diversão é um aspecto fundamental da vida porque ela motiva a interação e o aprendizado. Entretanto, é um assunto difícil de definir em poucas palavras porque é subjetivo e relacionado às emoções. Este artigo apresenta uma revisão sobre os diferentes aspectos da diversão na tentativa de fornecer um entendimento geral que possa auxiliar pesquisadores, professores, educadores e projetistas de jogos a criar produtos e atividades mais atraentes.

PALAVRAS-CHAVE: DIVERSÃO, JOGOS, IMERSÃO, EMOÇÕES.

ABSTRACT Fun is a fundamental aspect of life, because it motivates interaction and learning. However, it is a difficult subject to define in a few words, because it is subjective and related to emotions. This paper presents a review of the different aspects of fun in an attempt to provide a general 59

Luiz Carlos Vieira (http://www.luiz.vieira.nom.br) Graduado em Processamento de Dados pela Faculdade de Tecnologia de São Paulo (1997), mestre em Engenharia de Computação pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (2009) e doutorando em Ciência da Computação pelo Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (2016). Atualmente é professor assistente do curso de pós-graduação em Jogos Digitais do Centro Universitário SENAC. Tem experiência na área de Ciência da Computação, atuando principalmente nos temas Inteligência Artificial, Interatividade e Jogos. É também Game Designer e cocriador dos jogos de tabuleiro “Turned: o jogo das Hordas de Zumbis” (https://boardgamegeek.com/boardgame/97603/turned), “Xôôô Peste” e “Reviravolta” (https://boardgamegeek.com/boardgame/149019/reviravolta). É membro do Laboratório de Interatividade e Tecnologia em Entretenimento Digital (https://www.ime.usp.br/~lidet/). 60

Flávio Soares Corrêa da Silva (https://www.ime.usp.br/~fcs/) Graduado em Engenharia de Produção pela Universidade de São Paulo (1984), mestre em Engenharia de Transportes pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (1989) e doutor em Artificial Intelligence pela University Of Edinburgh (1992). Atualmente é professor associado (MS-5) da Universidade de São Paulo, revisor de periódico da Journal of Information Technology Research e membro de corpo editorial da Applied Intelligence (Boston). Tem experiência na área de Ciência da Computação, com ênfase em Metodologia e Técnicas da Computação, atuando principalmente no tema de inteligência artificial. É membro fundador do Laboratório de Interatividade e Tecnologia em Entretenimento Digital (https://www.ime.usp.br/~lidet/).

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understanding on the subject and potentially help researchers, teachers, educators and game designers to create more appealing products and activities.

KEYWORDS: FUN, GAMES, IMMERSION, EMOTIONS.

Introdução Os jogos certamente se encontram dentre os principais interesses humanos, como confirmam as inúmeras evidências arqueológicas encontradas na Europa, África e Ásia Ocidental, regiões do berço da humanidade. Tabuleiros, peças, dados e referências artísticas como a pintura de parede reproduzida na Figura 1, são testemunhos importantes de que os jogos certamente têm sido utilizados desde a História Antiga (cerca de 2.500 a.C.) (BELL, 2010) e, muito provavelmente, já desde o Período Neolítico (cerca de 5.000 a.C.) (ROLLEFSON, 1992). E, em verdade, os jogos ainda são muito atraentes. Jogos de tabuleiro, jogos de representação de papéis (RPG ou Role Playing Games, do inglês) e, particularmente, os jogos digitais (videogames) são sem sombra de dúvida uma das formas mais importantes de entretenimento moderno. A indústria de jogos digitais foi a que obteve o maior crescimento na década passada (ESA, 2013), estando atualmente posicionada junto aos dois segmentos de entretenimento mais consumidos (música e filmes) (PRICEWATERHOUSECOOPERS, 2012). Todo esse interesse em jogar advém de necessidades bastante naturais. Os jogos antigos tinham em seus componentes e regras simbolismo de cunho religioso, de guerra ou de agricultura, todos eles aspectos muito importantes para as civilizações incipientes. Um exemplo notável é o jogo de corrida egípcio chamado Senet, que significa “passagem” e simulava os estratagemas dos deuses na passagem para a vida após a morte (PICCIONE, 1980). Outro exemplo é o jogo de estratégia indiano chamado Chaturanga, um famoso precursor do xadrez moderno que simulava as ações de guerra em termos de diferentes movimentos, sacrifício e promoção de peças (BELL, 2010). E há também a família de jogos genericamente chamados de Mancala, que têm sido utilizados em várias regiões do mundo e simulavam a semeadura por meio da contagem e coleção de sementes em cavidades no solo (BIKIĆ; VUKOVIĆ, 2010). Pode-se dizer que a motivação para jogar tais jogos deveuse a impulsos inatos que auxiliavam os indivíduos a experimentar e exercitar preocupações da vida real como a sobrevivência, a competição e a organização social (MAITLAND, 2010), ainda que em um ambiente mais seguro e lúdico. Tais impulsos são tão básicos que outros animais também jogam, mesmo com a ausência de qualquer enquadramento cultural ou social como no caso dos humanos (HUIZINGA, 2008).

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Figura 1 – Pintura na parede da tumba da rainha egípcia Nefertari, em que ela é representada jogando Senet na passagem para a vida após a morte (1.295–1.255 a.C.). Imagem em domínio público, reproduzida sob licença Wikimedia Commons (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Maler_der_Grabkam mer_der_Nefertari_003.jpg)

Os humanos modernos não precisam mais se preocupar tanto com caçadas, semeadura ou predadores, mas ainda assim as atividades que representam essas ações são muito interessantes quando representadas em jogos devido à satisfação que produzem. Isso significa que as pessoas jogam apenas porque é divertido. De fato, os jogos são apenas o exemplo mais direto de atividade em que a diversão é um requerimento, mas a diversão é um importante fator motivacional para os seres humanos realizarem qualquer outro tipo de atividade. Não importa o quão importante uma tarefa é sob um ponto de vista utilitário, sua realização sempre será mais difícil se ela for percebida como entediante. Isso se deve ao fato de que o mecanismo pelo qual os humanos experimentam a satisfação e o prazer depende da focalização consciente de uma atenção limitada (CSIKSZENTMIHALYI, 1991), o que permite aos humanos serem capazes de perceber e aprender a respeito do mundo em que vivem (MALONE, 1980a). Como consequência, a diversão é tão importante para a subsistência como é a satisfação de necessidades básicas como alimentação e abrigo, ao ponto de se poder afirmar que ela também é um aspecto fundamental da vida. É por esse motivo que os projetistas buscam constantemente imbuir seus produtos com características que os tornem divertidos. A satisfação obtida pela interação com um produto, que costumava ser buscada por projetistas de interação e pesquisadores de Interação Humano-Computador apenas em termos da utilidade e da ausência de desconforto físico e cognitivo, também inclui outros aspectos não utilitários da experiência de usuário relacionados à atratividade, preferências e emoções (BROWN et al., 2010; FORLIZZI; BATTARBEE, 2004; HASSENZAHL, 2005) – todos eles aspectos da diversão

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(CHEN, 2007). Além disso, o atual estado de desenvolvimento tecnológico (com mercados on-line de aplicações para dispositivos móveis, por exemplo) torna muito fácil o acesso a muitos produtos funcionalmente similares, particularmente no caso de sistemas de software. Nesses casos – em que os usuários têm muitas opções para escolha e o uso do produto é discricionário ou envolve sustentação da atividade por períodos prolongados – facilidade e simplicidade são insuficientes, de forma que os projetistas precisam estimular os usuários a querer utilizar os produtos fazendo-os serem mais divertidos (CARROLL, 2004). Entretanto, ainda que qualquer pessoa seja capaz de intuitivamente entender o que é diversão e diferenciar uma atividade que é divertida de outra que não o seja, é difícil definir diversão em poucas palavras. Ainda assim, um entendimento sobre o assunto é necessário para que produtos e atividades divertidas possam ser mais facilmente projetados. Este texto oferece uma revisão sobre diversão iniciando sob um ponto de vista de interação e seguindo por estudos a respeito de motivação, imersão e emoções. Ele é guiado pelos interesses de pesquisa dos autores a respeito de jogos, mas uma utilização mais geral no projeto de produtos e atividades também foi intencionada na preparação deste material. A Psicologia da Diversão Interação e Atenção Sempre que alguém se diverte há alguma forma de atividade envolvida, como, por exemplo, a prática de um esporte, a manipulação de um brinquedo ou a participação em um jogo. Jogar é certamente o tipo de atividade mais imediatamente relacionado à diversão. Afinal de contas, jogos devem ser divertidos, senão as pessoas simplesmente não irão desejar jogá-los (SWEETSER; WYETH, 2005). Os jogos são sistemas com regras que oferecem possibilidades de ação pelas quais os jogadores procuram controlar resultados (FULLERTON, 2008). Como envolve ações, isso significa que o ato de jogar é realizado através de uma interface, isto é, um meio de comunicação. No caso de jogos digitais (jogos utilizados por meio de um computador), essa interface é composta de dispositivos de controle (como joysticks, teclado e mouse) para captura das ações, e alto-falantes e telas para apresentação dos elementos sonoros e visuais (CALVILLO-GÁMEZ; CAIRNS; COX, 2010). No caso de jogos não digitais (algumas vezes também chamados de jogos analógicos como forma de contraste aos digitais), tais como jogos de cartas, tabuleiros e jogos de representação de papéis (RPG ou Role Playing Games não jogados via computador), a interface também existe por meio dos dados, roletas, cartas e demais componentes representativos (tais como peões, blocos de madeira, peças plásticas e meeples61, além do próprio tabuleiro). Assim, participar ativamente talvez seja a forma mais direta de se divertir.

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O termo em inglês meeple é amplamente utilizado para designar as peças manipuláveis em jogos de tabuleiro, geralmente utilizadas para representar jogadores ou recursos humanos. A versão mais aceita da origem etimológica dessa palavra é a união dos termos ingleses my (minhas) + people (pessoas), supostamente cunhada em uma partida do jogo de tabuleiro Carcassone (fonte: https://en.wiktionary.org/wiki/meeple).

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Mas alguém pode também se divertir apenas assistindo a outros jogando, sem necessariamente ter qualquer influência direta nos resultados da atividade, e nesse caso a experiência ainda decorre da percepção dos resultados obtidos por outros. Dessa forma, é natural assumir que quando alguém se diverte, a experiência apenas é possível porque essa pessoa está interagindo de alguma forma com uma tarefa, objeto ou outra pessoa. Interação é um fenômeno de influência mútua ou recíproca que ocorre quando duas ou mais entidades se comunicam ou reagem uma a outra (WAGNER, 1994). Nos domínios de Design de Produtos e Interação Humano-Computador, que se preocupam especificamente com as interações entre humanos e objetos criados pelo homem, essa influência mútua é enxergada como sendo estruturada na forma de uma cadeia de retroalimentação (feedback loop em inglês): uma pessoa com objetivos age em um ambiente para alcança-los (isto é, fornece entradas para um “sistema”, que pode ser um objeto ou outra pessoa com objetivos próprios), avalia os efeitos de suas ações (isto é, interpreta as respostas obtidas do “sistema” com o qual interage) e então compara os resultados com seus objetivos, reiniciando o ciclo se julgar necessário (DUBBERLY; PANGARO; HAQUE, 2009). Humanos, assim como outros animais, interagem constantemente com objetos e com outros animais porque esse comportamento é extremamente necessário. O mundo onde vivem é vasto, dinâmico e estocástico, em que situações idênticas são raras, e tal dinamismo força os seres inteligentes a precisar lidar constantemente com incertezas. Consequentemente, a habilidade de perceber, raciocinar e agir com base em mudanças é muito importante para a subsistência (VALIANT, 1995). Esse mecanismo de interação fomenta o surgimento de propriedades relacionais que são essenciais para a forma como os humanos experimentam o mundo. Em um primeiro nível, da interação com objetos, os humanos dependem de indicações sensoriais físicas ou cognitivas a respeito das possibilidades de ação, chamadas de affordances62, que permitem saber quais são as formas possíveis de uso de um objeto (NORMAN, 2002). Com o auxílio de dados percebidos dessas indicações sensoriais, os humanos são capazes de construir modelos conceituais a partir de conhecimento existente de interações anteriores similares e também considerar restrições físicas ou sociais e convenções sociais ou culturais que podem respectivamente limitar ou sugerir as abordagens de uso possíveis segundo o contexto atual em que o humano e o objeto se encontram (NORMAN, 1999, 2002). Em um segundo nível da interação com humanos, as pessoas comumente compartilham o ambiente com outros, seja no mundo real ou em um mundo fantasioso (de um jogo, por exemplo). Como agentes coexistindo e trabalhando em prol de objetivos individuais, eles sempre afetam uns aos outros, seja de forma positiva, negativa ou neutra, mesmo se não forem capazes de reconhecer a existência ou os objetivos uns dos outros (GARCIA; SICHMAN, 2003). Quando há o reconhecimento dessa interferência social, isto é, quando os agentes são capazes de perceber os demais e seus objetivos por meio de comunicação verbal ou expressiva e são igualmente capazes de raciocinar e atuar com base 62

Esse termo é de difícil tradução para o Português, e por isso não tem tradução oficial reconhecida. Ele talvez possa ser entendido como uma “valoração” ou “reconhecimento” de qualidades em um objeto a partir de suas próprias características.

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nesse conhecimento, surgem os muitos comportamentos complexos de grupo, tais como competição, cooperação e coordenação, entre outros (DUBBERLY; PANGARO; HAQUE, 2009; GARCIA; SICHMAN, 2003). A forma que a evolução encontrou para fazer o ajuste fino nesse mecanismo de percepção-ação é tornando essas propriedades relacionais muito interessantes para o sistema nervoso, particularmente quando há novidade envolvida. Toda informação sobre o que está acontecendo dentro ou fora do organismo é representada na consciência, de forma que possa ser avaliada e utilizada para ação pelo corpo. Esse conteúdo informacional é mantido em ordem pelas intenções – outros pedaços de informação derivados de necessidades biológicas ou objetivos sociais internalizados – que conduzem ou afastam a atenção para ou dos estímulos recebidos (CSIKSZENTMIHALYI, 1991). Mas, a capacidade de processamento de informação dentro da consciência é muito limitada 63, de forma que qualquer padrão reconhecido nos dados sensoriais focalizados pela atenção é quebrado em “pedaços” (do inglês, chunks) para poderem ser reutilizados a partir de então pelo sistema nervoso autônomo sem muita necessidade de raciocínio consciente (CSIKSZENTMIHALYI, 1991). Por causa da forma como o sistema nervoso funciona, o cérebro humano procura ativamente evitar o caos e entender os padrões encontrados. É por isso que artefatos ou situações como jogos e brinquedos são comumente muito interessantes. Eles são abstrações do mundo real na forma de um sistema com regras e signos, que funcionam como padrões ativando essa necessidade de entendimento ao se apresentarem como algo diferente que requer um novo “chunking”: isto é, a resolução dos padrões percebidos pelos sensores e sua transformação em pedaços aprendidos de conhecimento (CSIKSZENTMIHALYI, 1991; KOSTER, 2010). Uma vez que os padrões de um jogo são conhecidos, eles se tornam previsíveis e deixam de ser interessantes como antes. Ainda assim, para que um novo pedaço de informação seja interessante ele precisa ter alguma similaridade com conhecimento existente. Dados sensoriais que nunca se alteram rapidamente conduzem à previsibilidade, mas por outro lado ruído que contém muita informação (no sentido da Teoria da Informação) causa incompreensão total (SCHMIDHUBER, 2010). No primeiro caso, o processamento da informação não mais ocorre na parte consciente do cérebro, tornando-se então uma tarefa meramente repetitiva que não requer nenhuma atenção efetiva. No último caso, o montante de informação rapidamente sobrecarrega as capacidades da consciência, e assim o cérebro não é mais capaz de construir os modelos conceituais apropriados a respeito do alvo da atenção e a informação acaba causando confusão e tornando mais difícil a decisão sobre como agir. Assim, em ambos os cenários a informação não é interessante, mas simplesmente chata ou indesejada

Estimativas indicam que uma pessoa é capaz de processar no máximo 126 bits de informação por segundo – que é o equivalente a prestar atenção a um máximo teórico de três conversas simultâneas, se tudo o mais for mantido fora da consciência. 63

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(SCHMIDHUBER, 2010). Ambas as situações são ativamente evitadas pelo organismo, uma vez que o mecanismo de atenção continuamente filtra em que vale a pena colocar esforço. Desafios e Habilidades Em um trabalho seminal, resultante de décadas de entrevistas e análises com pessoas de diferentes origens culturais e socioeconômicas e com diferentes idades e atribuições a respeito de como elas enxergavam a satisfação64 em suas vidas, Csikszentmihalyi (CSIKSZENTMIHALYI, 1991) formulou uma teoria denominada Teoria do Fluxo (Flow, em inglês) que explica a satisfação como sendo a consequência do balanceamento correto entre desafios e habilidades. Esse balanceamento é alcançado quando indivíduos são capazes de focalizar sua completa atenção em uma dada tarefa. Ao focalizar a atenção, uma pessoa basicamente resgata pedaços de informação da memória sensorial, avalia esses pedaços na consciência e então escolhe as ações mais corretas a serem executadas. Pessoas capazes de focalizar a atenção conforme sua vontade – algo que requer esforço cognitivo, ao ponto de ser entendido como o gasto de energia psíquica – são reconhecidas por viverem suas vidas em plenitude e por extraírem satisfação delas com mais frequência. O motivo se deve ao fato de que enquanto os humanos interagem com o mundo eles mantêm uma imagem de si mesmos – chamada de eu (ou self, em inglês) – que é a soma de todas as memórias, ações, desejos, prazeres e dores experimentadas até o momento. O eu é um produto da atenção porque apenas as coisas consideradas como relevantes nas experiências passadas são válidas para internalização, mas ele também auxilia na condução da atenção em interações futuras porque também contém representações mentais de toda a estrutura de objetivos e suas relativas importâncias para o indivíduo. Nesse sentido o eu resume as preferências pessoais e as tendências de atitudes, tanto que os traços de personalidade como extrovertido, bem-sucedido ou paranoico podem ser caracterizados pela forma como cada um prefere alocar sua atenção limitada. A interdependência entre a atenção, o eu e os objetivos de um indivíduo está ligada à qualidade de vida. Sempre que informação sensorial interna ou externa resultante de uma experiência ameaçar os objetivos do indivíduo, ocorrerá uma perturbação na ordem da consciência que causará a chamada entropia psíquica: dependendo de quão importante são os objetivos e quão severas são as ameaças a eles, mais atenção precisa ser dedicada para lidar com o perigo deixando menos espaço para outros assuntos na consciência. Se experiências que causam entropia psíquica forem frequentes, as constantes perturbações na ordem da consciência enfraquecerão o eu e tornarão mais difícil o investimento futuro de atenção em outros objetivos. A condição oposta da entropia psíquica é chamada de experiência ótima (ou Fluxo) e caracteriza os momentos em que a satisfação é experimentada em sua plenitude, quando os indivíduos se descrevem como estando “no

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O termo original em inglês é enjoyment, que também pode ser entendido como prazer.

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fluxo”, diminuindo a sua percepção sobre outros problemas e até mesmo sobre a passagem do tempo. O aperfeiçoamento do eu nesse processo é o que caracteriza a distinção entre o que são prazer e satisfação (pleasure e enjoyment, em inglês). Prazer é o sentimento de contentamento alcançado quando a entropia psíquica causada por questões biológicas ou sociais é reduzida por meio do sensoriamento de informação, como, por exemplo, o sabor de comida quando se está faminto ou a visão de uma praia bonita (ou muito reservada ou especial). Experiências envolvendo sono, descanso, alimentação ou sexo podem produzir prazer e são importantes para a qualidade de vida, mas elas não adicionam complexidade ao eu por si próprias. A satisfação, por outro lado, é relacionada a eventos de vida que ocorrem quando a pessoa não teve somente suas expectativas atingidas ou um desejo ou necessidade satisfeito, mas principalmente excedidas de uma forma única. Os elementos de uma atividade que apoiam o aperfeiçoamento do eu são os desafios. Desafios são simplesmente “oportunidades para ação” que requerem um conjunto de habilidades apropriado para serem executados. Assim como as atividades e as próprias habilidades, os desafios não precisam ser físicos e podem simplesmente envolver representações mentais de ações e seus resultados. Mesmo que as pessoas possam experimentar uma satisfação extrema por nenhuma razão aparente, é muito mais comum que essas experiências ocorram em um contexto envolvendo atividades com objetivos e regras bem definidos, requerendo o investimento deliberado de energia psíquica na realização de desafios. As atividades satisfatórias envolvem uma combinação de desafios e habilidades que precisam estar ambos acima de limiares específicos de cada indivíduo, conforme ilustra a Figura 2. Se para uma pessoa o desafio e a habilidade envolvida em uma tarefa são ambos baixos, isso significa que a interação certamente resultará em apatia e desinteresse, uma vez que o indivíduo não enxergará propósito na realização da tarefa. Por outro lado, se apenas uma dessas variáveis estiver acima do limiar do indivíduo, qualquer interesse inicial dificilmente será mantido. Se o desafio for mais alto do que a habilidade, os sentimentos envolvidos serão inicialmente a preocupação (a respeito da impossibilidade de executar a tarefa e suceder no desafio) e eventualmente a ansiedade (a consciência da total incapacidade e o desestimulo por incompetência). Se a habilidade for muito mais alta do que o desafio, os sentimentos envolvidos serão inicialmente o tédio (a falta de interesse pela suspeita de que a tarefa é fácil demais) e eventualmente o relaxamento (a certeza de que a tarefa não oferece desafio algum). Apenas quando tanto o desafio como a habilidade necessária para superá-lo estão acima do limiar do indivíduo, é que é possível realmente experimentar a satisfação. O estado do fluxo não é algo que uma vez atingido pode ser permanentemente mantido. Pelo contrário, ele decorre na verdade da alternância constante entre os estados de excitação e controle, conforme o indivíduo descobre um novo desafio difícil, porém factível (excitação), aprende por experiência (tentativa e erro, ou mesmo observação de outros) e passa a ter a

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habilidade para sempre superar tal desafio (controle). Nesse caso, é natural que o indivíduo busque por novos desafios, retornando ao estado de excitação.

Figura 2 – Modelo do estado de Fluxo. Baseado em (NAKAMURA; CSIKSZENTMIHALYI, 2001). Csikszentmihalyi também constatou que as atividades mais satisfatórias são aquelas que contêm um grande número (senão todos) desses elementos ou requisitos essenciais (CSIKSZENTMIHALYI, 1991; NAKAMURA; CSIKSZENTMIHALYI, 2001): 

Desafios e Habilidades. A tarefa é orientada a objetivos que propõem desafios difíceis de alcançar, porém factíveis. Todos os desafios requerem habilidades específicas para serem executados.



Capacidade de Concentração Total. A tarefa permite a absorção completa da atenção do indivíduo, focalizada nas informações providas por ela. Se houver interrupções, a atenção não pode ser focalizada e o estado de fluxo jamais será alcançado.



Fusão da Ação e a Percepção. As ações executadas para a realização da tarefa se tornam espontâneas e automatizadas, de forma que o indivíduo eventualmente sente que sua execução não requer esforço além da concentração de atenção.

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Objetivos Claros. A tarefa tem objetivos que são claramente indicados, incluindo informações sobre o que é possível alcançar e quais são os benefícios resultantes do sucesso.



Respostas (Feedback) imediato. Além da informação clara dos objetivos, a tarefa também apresenta claramente e constantemente indicações sobre os resultados das ações, falhas e sucessos, e principalmente o quanto ou o que falta para se alcançar o objetivo buscado.



Sensação de Controle. A tarefa apresenta inúmeras oportunidades para o indivíduo perceber que as escolhas realizadas importam para o atingimento dos objetivos, e também que está ocorrendo o aperfeiçoamento do eu.



Perda da Autoconsciência. A execução da tarefa incorre em uma perda temporária da autoconsciência, de forma que o indivíduo não se lembra de sua própria existência. Essa perda temporária é seguida por uma forte sensação de autodesenvolvimento ao final da tarefa.



Alteração na Percepção do Tempo. Com a execução da tarefa ocorre também uma redução na percepção da passagem do tempo, pois, assim como outros problemas, o tempo também deixa de ser algo importante naquele contexto.

Em essência, experiências satisfatórias comumente contêm desafios que nunca se sobressaem às habilidades do indivíduo ou as subutilizam, significando que uma pessoa no fluxo está constantemente “em um estado em que as capacidades de ação percebidas se combinam com as oportunidades de ação percebidas” (NAKAMURA; CSIKSZENTMIHALYI, 2001). Os jogos são bons em manter as pessoas no fluxo não apenas pelo ajuste da dificuldade dos desafios (feito gradualmente com progressão de fases ou eventos, e até mesmo pela existência de oponentes), mas também pela informação de progresso. Por meio da quantidade correta de informação de retroalimentação (feedback na quantidade certa para evitar sobrecarga da consciência, se muito, ou incompreensão e frustração, se pouco), o jogador é recompensado por dominar os desafios ou guiado a compreender no que ele ou ela falhou, sendo então capaz de tentar novamente com mais chances de melhorar suas habilidades (PRENSKY, 2001). Nesse ponto, convém notar que prazer, satisfação e diversão são termos com alguma interseção e comumente utilizados de forma intercambiável65. No entanto, é bastante óbvio

Uma consulta ao Dicionário Michaelis da Língua Portuguesa (http://michaelis.uol.com.br/) indica: prazer como “deleite, gosto, satisfação, sensação agradável”, satisfação como “contentamento, prazer” e diversão como “distração, passatempo, recreio”. Essa interseção ocorre especialmente em inglês com pleasure, enjoyment e fun (respectivamente “enjoyment, happiness or satisfaction”, “the feeling of enjoying something” e “pleasure, enjoyment or entertainment” de acordo com o dicionário Cambridge http://dictionary.cambridge.org/). 65

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que nem todas as situações prazerosas ou satisfatórias são divertidas (DIX, 2004). A teoria do Fluxo parece tratar satisfação (enjoyment) e diversão (fun) de uma forma similar, e claramente diferenciá-las de prazer (pleasure). Em seu livro, Csikszentmihalyi fornece um exemplo comparativo envolvendo alimentação, descrevendo que qualquer pessoa tem prazer em comer, mas um gourmet aprecia o ato de uma forma diferente e mais complexa ao prestar atenção e investir energia psíquica nas várias sensações recebidas. A intenção do gourmet ao comer não é apenas a satisfação de necessidades biológicas, mas a descoberta de novos sabores e combinações interessantes de ingredientes. Além disso, para se tornar habilitado aos desafios culinários, o gourmet precisa ter seu paladar e olfato treinados. Como consequência, ele impõe a si mesmo alguns objetivos que busca alcançar pela exploração de diferentes possibilidades de interação, de forma que quando tais objetivos são alcançados o gourmet certamente sente satisfação além do mero prazer físico. Dessa forma, experiências divertidas e satisfatórias têm em seus contextos objetivos e desafios a serem superados, e a intensidade desses sentimentos depende do nível de concentração colocado sobre a interação. Blythe e Hassenzahl (BLYTHE; HASSENZAHL, 2005) oferecem uma visão levemente distinta, definindo tanto diversão como prazer como aspectos diferentes, porém igualmente importantes da satisfação. De acordo com os autores, diversão é fugaz, trivial e mais intensa, composta de micro-fluxos e não tão relacionada ao aperfeiçoamento do eu. Prazer, por outro lado, requer um compromisso mais profundo com a atividade, não sendo tão curto ou mesmo não tão espontâneo. Consequentemente, seria uma forma mais profunda de satisfação. Assim, para os autores diversão envolve a distração dos problemas do mundo real, e prazer envolve a absorção do indivíduo criando uma conexão entre produto e pessoa. De fato, conforme esse texto progredir se observará que diversão não decorre apenas da existência de desafios, como a experiência ótima do Fluxo indica. Motivação Intrínseca Atividades que produzem experiências desafiadoras são comumente tão gratificantes que as pessoas desejam fazê-las apenas pela tarefa em si, mesmo se forem difíceis ou perigosas (CSIKSZENTMIHALYI, 1991). Mas mesmo as atividades que são orientadas a objetivos como jogos digitais não dependem apenas de desafios para produzir diversão como recompensa. Há outros aspectos relevantes que decorrem do desejo natural humano de aprender, e que auxiliam para que tais atividades sejam descritas como intrinsecamente motivadoras. O mecanismo da atenção previamente discutido envolve a busca contínua por padrões desconhecidos para serem decifrados e isso simplesmente significa estar faminto por aprender novas coisas. A noção de comportamento ativo conduzido pelo prazer em conhecer tem sido estudada como curiosidade em duas visões levemente diferentes (LITMAN, 2005): o desejo de saber, de ver ou de experimentar que motiva o comportamento exploratório direcionado à aquisição de nova informação, ou a recompensa que é obtida pela dispersão de estados indesejados de ignorância ou incerteza. Em outras palavras, a

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aquisição de novas informações após ter os sentidos excitados (isto é, ficar anteriormente interessado em algo e ter sua atenção focalizada nisso) não parece ser a única forma de se obter prazer do aprendizado. Os organismos irão ativamente buscar por coisas que “ainda não têm explicação, mas que são facilmente aprendíveis” mesmo na ausência de estímulos novos ou complexos (LITMAN, 2005; SCHMIDHUBER, 2010). Isso significa que diversão provavelmente envolve tanto a busca por evitar o tédio como a busca por maximizar a satisfação interna, mesmo que apenas ao superar desafios. Esse comportamento exploratório é intrinsecamente motivado porque as recompensas obtidas não são coisas óbvias ou externamente visíveis como dinheiro, comida ou reforço social, mas emoções positivas produzidas ao executar uma atividade apenas por questão de fazê-lo (MALONE, 1980a; SCHMIDHUBER, 2010). Em outro trabalho seminal, Malone (MALONE, 1980a) separou as características de atividades intrinsecamente motivadoras em três grandes categorias, nomeadas curiosidade, desafio e fantasia. O autor baseou seu trabalho na teoria do Fluxo e também na teoria do desenvolvimento cognitivo de Piaget, por acreditar que “as pessoas são conduzidas pela vontade de atingir a maestria (desafio) e buscar ambientes adequadamente informativos (curiosidade), que eles assimilam, em parte, utilizando esquemas de outros contextos (fantasia)”. De acordo com o autor, a curiosidade é um importante fator motivacional para o aprendizado em despeito da satisfação de qualquer objetivo ou fantasia consciente. A motivação depende apenas de um ambiente com o nível correto de complexidade informacional, no sentido de que os dados sensoriais são novos e surpreendentes, ainda que não completamente incompreensíveis. Os ambientes mais adequados para excitar a curiosidade são aqueles que o aprendiz tem conhecimento suficiente a ponto de criar expectativas sobre o que irá ocorrer, sendo que algumas vezes tais expectativas não são atendidas. Isso explica parcialmente por que acompanhar narrativas em filmes ou livros (uma experiência em que a pessoa não toma nenhuma ação particular para buscar atingir objetivos), por exemplo, pode ser descrito muitas vezes como divertido além da mera experiência de prazer físico ou cognitivo. Desafio, por outro lado, é diretamente relacionado com a existência de objetivos, como descrito pela teoria do Fluxo. Em ambientes de aprendizado como os jogos, os objetivos representam diretamente os meios para se atingir algum resultado intencionado e, também, as habilidades necessárias para fazê-lo (MALONE, 1980a). Assim, os objetivos são interessantes quando seu atingimento é incerto. Objetivos que são certos de serem alcançados ou definitivamente impossíveis simplesmente são desinteressantes de serem buscados. Uma vez que há algum grau de incerteza e o objetivo é alcançado, essa realização é boa para a autoestima, faz com que as pessoas se sintam bem consigo mesmas e auxilia para que aprendam novas habilidades (MALONE, 1980b). A fantasia envolve “imagens mentais de coisas não necessariamente presentes nos sentidos ou na experiência real da pessoa envolvida” (MALONE, 1980a). Ainda que os computadores modernos sejam capazes de prover representações digitais de seres e cenários fantásticos,

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a ideia é que a fantasia é algo representado internamente na mente da pessoa imersa em tal ambiente de aprendizado – como, por exemplo, o faz-de-conta mencionado por Piaget como central para o desenvolvimento da habilidade de representação simbólica nas crianças (MALONE, 1980a). Nesse sentido a fantasia inclui representações de objetos físicos, pessoas e situações sociais que podem ser possíveis ou completamente impossíveis, e que auxiliam na acomodação de uma realidade externa, na repetição passiva de experiências passadas como forma de atingir maestria emocional ou satisfazer desejos inconscientes, ou na manutenção de um nível ótimo de excitação mental (MALONE, 1980a). Engajamento e Imersão A observação de que a diversão não se baseia apenas em desafios e realização de objetivos é especialmente clara em outras atividades lúdicas além dos jogos. As Formas de Brincar/Jogar66 sugeridas por Caillois (CAILLOIS, 2001) já descreviam atividades em forma livre (paidia) que não tinham objetivos claros (jogos de vertigem ou ilinx) ou em que a fantasia tem mais relevância (jogos de simulacro ou mimicry), e que ainda assim são experiências comumente consideradas como divertidas. O que ocorre é que as diferenças nas atividades lúdicas derivam do nível de interação (ou interatividade) envolvida (DETERDING et al., 2011; FULLERTON, 2008; GROH, 2012), e assim é possível classificar as atividades lúdicas da maneira ilustrada na Figura 3. Fantasia e curiosidade são as características mais básicas de qualquer forma de atividade lúdica e a necessidade de desafios começa a aparecer conforme há mais possibilidades de interação, especialmente ao se transitar do nível de interação de objetos para o nível de interação com humanos. Histórias e narrativas como as encontradas em livros e filmes envolvem fantasia, nas não podem ser manipuladas pela pessoa engajada na interação67. Brinquedos também envolvem fantasia, mas podem ser ativamente manipulados ainda que sem objetivos fixos. Puzzles (quebra-cabeças) são sistemas baseados em regras com fantasia e que podem ser manipulados, mas que também têm o objetivo de encontrar uma solução. Por isso, a informação de retroalimentação (feedback) das ações se torna muito mais relevante. Finalmente, jogos incluem todos os elementos anteriores com a diferença de que seu objetivo também inclui a noção de vitória, decorrente da superação dos desafios propostos pelo jogo ou por adversários humanos (geralmente em competição). Pesquisadores modernos também consideram nessa classificação um eixo adicional (o eixo Todo-Parte na figura), para diferenciar produtos completos (como brinquedos e jogos) de atividades lúdicas compostas de muitas partes, com intenções meramente de passatempo ou para a realização de objetivos diversos (como atividades ao ar livre, instalações de arte

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Tradução livre de Forms of Play; é importante observar que há uma interessante dualidade no significado do verto to play em inglês, assim como em outros idiomas anglo-saxões, mesmo que no original de Caillois (em francês) a palavra jeu (jogo, em Classification des Jeux) tem um significado mais próximo do português. 67 Ainda que a figura indique “sem interação” para se referir à interação mais passiva, ainda há a percepção do texto ou das imagens pela pessoa acompanhando a história de forma que é necessário esforço cognitivo no foco da atenção.

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interativa e atividades gamificadas68) (DETERDING et al., 2011; GROH, 2012), para que seja possível entender e discutir mais facilmente qualquer experiência satisfatória.

Figura 3 – Classificação de atividades lúdicas. Baseado em (FULLERTON, 2008; GROH, 2012). Isso significa que atividades envolvendo diversão certamente não dependem mais do que apenas da superação de desafios e da obtenção de objetivos internos, porque elas também dependem da liberdade de escolha e de oportunidades para o uso da imaginação, fantasia, inspiração e habilidades sociais de uma forma livre (FULLERTON, 2008). Devido a essa visão, a diversão também tem sido estudada segundo outros conceitos. Dentre eles, o mais notável é o conceito de imersão. A imersão é entendida como uma “experiência muito importante de interação” (BROWN; CAIRNS, 2004) e como algo crítico para a satisfação em atividades lúdicas como os jogos (JENNETT et al., 2008). É considerada similar ao conceito de fluxo em relação à redução da percepção sobre o eu e à distorção na percepção do tempo, ainda que também algo diferente (JENNETT et al., 2008). Em essência, a imersão descreve o sentimento de se estar totalmente envolvido pelo ambiente de um sistema interativo (em qualquer nível, desde narrativas a jogos – digitais ou não), algumas vezes atingindo-se o extremo de ser totalmente transportado para um mundo diferente e profundamente tocado por elementos de construção como personagens e suas histórias. No contexto de drama (particularmente interativo), a imersão foi descrita como sendo resultado do uso de esquemas na interpretação de conteúdo (DOUGLAS; HARGADON, 2000). A Teoria dos Esquemas é um tópico recorrente na análise de narrativas, pois ela 68

Gamificação (ou Ludificação) é um termo bastante em moda que se refere ao uso de técnicas do projeto de jogos para enriquecer contextos diversos não relacionados a jogos.

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descreve como as percepções e ações moldam as expectativas e interações por meio de esquemas: estruturas de dados representando conceitos genéricos e conhecimento que permite aos humanos entenderem o mundo e eventualmente agirem sobre ele (DOUGLAS; HARGADON, 2000). Em resumo, esquemas são modelos conceituais construídos a partir de interações anteriores e que fazem parte do eu. Assim, a imersão é um estado em que a pessoa é completamente absorvida ao tentar combinar a fantasia e a narrativa em um único esquema conhecido, quando o prazer deriva do reconhecimento de um padrão muito familiar imbuído com elementos únicos ou imprevisíveis (DOUGLAS; HARGADON, 2000). Seria por essa razão que livros de mistério e filmes de horror seguem interessantes mesmo ao apresentarem pequenas variações na estrutura básica de seus gêneros. Adicionalmente, quando o conteúdo narrativo subverte um único esquema enquanto ainda provê alternativas familiares, sua audiência pode tentar resolver os conflitos a partir de múltiplos esquemas conhecidos atingindo assim um estado de engajamento. Esse estado requer muito mais atenção e esforço cognitivo, uma vez que a compreensão do conteúdo envolve “tomada de decisão, soberba coordenação de olhos e habilidade para ler as intenções dos personagens e prever suas ações” (DOUGLAS; HARGADON, 2000). O prazer obtido quando se está nesse estado advém do sentimento de ter as habilidades para resolver um enredo pouco usual ou difícil, e então esse se torna um estado imersivo muito mais próximo do que descreve o fluxo: a absorção da atenção é tamanha que causa a sensação de ser um tomador de decisão ou até mesmo um coautor. No contexto de jogos, a imersão também foi definida a partir da análise estruturada de dados coletados em entrevistas com jogadores, resultando em uma visão similar, mas focalizada no fato de que a sensação de envolvimento cresce com o tempo, conforme as pessoas interagem com um jogo e também conforme certas barreiras são removidas (BROWN; CAIRNS, 2004). Tais barreiras são dificuldades para imersão sob as perspectivas do humano e do sistema (como, por exemplo, dificuldade de concentração ou falta de informações sobre elementos estruturantes do sistema) que precisam ser removidas para que facilitem a experiência de diversão – e não para que a garantam (BROWN; CAIRNS, 2004). Em atividades lúdicas como os jogos, há três níveis de envolvimento que podem ser alcançados conforme a interação se desdobra: 

Engajamento (do inglês engagement). Esse é o primeiro nível da imersão, em que a pessoa inicia a execução da atividade e assim passa algum tempo fazendo-a. A curiosidade é mais relevante aqui, uma vez que o apelo, ou interesse inicial, é a primeira barreira que precisa ser quebrada.



Absorção (do inglês engrossment). Esse é o segundo nível da imersão, em que a pessoa se torna mais envolvida com a interação devido aos elementos estruturais, sejam da fantasia ou do desafio. É ela que pavimenta o caminho para a experiência ótima do fluxo, uma vez que a atenção passa a ser quase

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que totalmente consumida e a atividade parece se tornar a única coisa que importa. 

Imersão total ou presença (do inglês, total immersion). Esse é o estado final de completo envolvimento, em que “os sistemas cognitivo e perceptual da pessoa são enganados e levados a acreditar que ela se encontra em outro lugar que não seja a sua localização física real” (BROWN; CAIRNS, 2004) devido à total absorção da capacidade atentiva. É, consequentemente, o estado mais diretamente relacionado com a experiência ótima do fluxo.

Além de ter um caráter fortemente temporal, a Imersão também é um fenômeno multidimensional porque as pessoas experimentam-na de diferentes maneiras, de acordo com suas próprias preferências, humor, características dos jogos utilizados, e informação externa à uma interação particular, tal como influência de outros jogadores, críticas a jogos e outras referências sociais (MÄYRÄ; ERMI, 2011). Devido à proximidade com o conceito do Fluxo, ainda há argumentos a respeito do que é a Imersão e de como ela pode ser definida. Mas muitos pesquisadores compartilham a crença de que a Imersão (ao menos nos dois estados iniciais antes da Imersão Total mencionada acima) provê uma experiência sub ótima, que não garante a satisfação, mas ainda assim tem seu valor. A Imersão se difere do Fluxo no sentido de que a primeira é necessária para que a segunda possa eventualmente ser alcançada, como uma experiência extrema (BROWN; CAIRNS, 2004; CALVILLO-GÁMEZ; CAIRNS; COX, 2010; DOUGLAS; HARGADON, 2000; JENNETT et al., 2008; MÄYRÄ; ERMI, 2011; NACKE; LINDLEY, 2008). Emoções De tudo o que foi discutido até o momento, a observação mais importante é que a diversão é subjetiva. Grande parte dessa subjetividade decorre do fato de que coisas como imersão e fantasia dependem de experiências passadas, preferências e humor atual, e também de que desafios e objetivos têm apelos distintos para pessoas com diferentes níveis de habilidades. Mas a subjetividade da diversão também se deve à forte relação com as emoções humanas. As emoções são parte essencial do entretenimento. Esportes clássicos e jogos têm estados de vitória/derrota que provocam fortes respostas emocionais e de gratificação do ego, e essa é a principal razão de sua atração (PRENSKY, 2001). O estudo das emoções humanas é bastante antigo, e ainda hoje há diferentes pontos de vista a respeito de suas origens e funções. As principais perspectivas teóricas que inspiraram os pesquisadores contemporâneos podem ser classificadas em quatro ramificações (CORNELIUS, 2000): a Darwiniana, a Jamesiana, a Cognitiva e a Social Construtivista. A perspectiva Darwiniana é derivada dos trabalhos de Charles Darwin, que acreditava que as emoções são expressões de importantes funções de comunicação e sobrevivência que evoluíram em humanos e outros animais conforme as espécies sofreram

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seleção natural. A perspectiva Jamesiana é associada com os trabalhos de William James, que acreditava que as emoções não são apenas expressões de funções internas, mas essencialmente o resultado da percepção das respostas corporais ao am biente que regulam tendências de ação. A perspectiva Cognitiva tem sua origem na filosofia Helenística, cuja suposição principal é que pensamento e emoção são inseparáveis porque as emoções, assim como as respostas fisiológicas que as acompanham, são resultado do julgamento consciente de eventos internos ou externos como bons ou ruins (chamado de appraisal em inglês). Finalmente, a perspectiva Social Construtivista se originou de trabalhos em antropologia e sociologia que começaram a ser aplicados à psicologia no começo da década de 1980. Diferenciando-se das demais perspectivas em termos da origem primordialmente biológica, a perspectiva Social Construtivista entende que as emoções são produto da cultura e, assim, emergem do julgamento de conteúdo social para servir propósitos particulares estabelecidos por regras culturais. A perspectiva Cognitiva é atualmente a mais dominante dentre as quatro, sendo comumente referenciada como Teoria da Valoração (Appraisal Theory em inglês) e incluindo tentativas bem sucedidas de integrar aspectos das perspectivas Darwiniana e Jamesiana (CORNELIUS, 2000). No passado, as emoções eram consideradas como obstáculos às boas decisões porque o comportamento emocional era enxergado como o oposto do comportamento racional. Mas as experiências e as emoções são inseparáveis, porque a interação tem muitas consequências afetivas (HASSENZAHL; DIEFENBACH; GÖRITZ, 2010; MCCARTHY; WRIGHT, 2004). As percepções humanas produzem “versões coloridas e singulares do mundo, em oposição a dados meramente objetivos” e, consequentemente, as ações não são apenas conduzidas por sua utilidade, mas também por valores, necessidades, desejos e objetivos não pragmáticos que são únicos à cada situação (MCCARTHY; WRIGHT, 2004). Assim, hoje é amplamente aceito que as emoções ocorrem em diferentes componentes do organismo e têm importância, juntamente com a razão, em influenciar o comportamento (DAMÁSIO, 2012; PICARD, 1995; PLUTCHIK, 2001; SCHERER, 2005). De acordo com a Teoria da Valoração, as emoções humanas são episódios interrelacionados e sincronizados de alterações nos estados de todos os (ou na maioria dos) cinco subsistemas orgânicos, em resposta ao julgamento consciente (valoração) de estímulos internos ou externos como relevantes às principais preocupações do organismo (SCHERER, 2005). O sistema límbico (incluindo o tálamo e a amídala) é a estrutura cerebral que concentra a memória, a atenção e as emoções, uma vez que toda informação sensorial interna e externa passam por ele antes e após a análise pelo córtex (PICARD, 1995). Entretanto, essa não é a única parte do cérebro envolvida na experimentação de emoções. Muitos estudos com pacientes que sofreram danos no lóbulo frontal do córtex indicam que a inabilidade de sentir emoções prejudica a habilidade de tomar decisões, o que é uma importante evidência de que as emoções são tão importantes para a subsistência como é a racionalidade (DAMÁSIO, 2012).

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Há dois caminhos (ou “rotas”) por meio dos quais as emoções são tratadas pelo Sistema Nervoso Central: primário e secundário. As emoções primárias são entendidas a partir das perspectivas Darwiniana e Jamesiana, e podem ser enxergadas como disposições comportamentais que são tanto inatas como adquiridas (DAMÁSIO, 2012). Disposições inatas são simplesmente respostas “fixas” inconscientes a percepções gerais que são produto da evolução. Elas podem ser adaptadas quando o estado emocional causado por uma experiência é também reconhecido inconscientemente (ou “sentido”), permitindo a formação (ou aquisição) de novas disposições autônomas para objetos ou situações específicos – o que é comumente entendido como ter “sentimentos” em relação a algo (BRANCO, 2006; DAMÁSIO, 2012). Emoções primárias, tanto inatas como adquiridas, são completamente tratadas pelo sistema límbico (a “baixa rota”) e controlam alterações visíveis ou não em todo o corpo, como expressões faciais, gestuais e vocais involuntárias e também alterações viscerais, musculares, esqueléticas e glandulares. Uma vez que ativadas de forma primitiva e inconsciente, elas produzem respostas bastante rápidas que auxiliam os humanos e outros animais a rapidamente detectarem e agirem na presença de um potencial parceiro sexual ou perigo iminente, por exemplo (DAMÁSIO, 2012). As alterações corporais que acompanham as emoções primárias servem para comunicar intenções (exibições posturais, vocais e faciais, que são muito importantes para a interação social) e para preparar o corpo para a ação (DAMÁSIO, 2012; SCHERER, 2005). As emoções secundárias são entendidas a partir da perspectiva Cognitiva. Elas podem ser enxergadas como o resultado do julgamento consciente a respeito de objetos, pessoas, situações e estados internos, que ocorrem no córtex cerebral (a “rota alta”) (DAMÁSIO, 2012; SCHERER, 2005). Essa habilidade de reflexão é essencialmente uma característica humana, porque nesse caso todo o processo se inicia a partir da deliberação consciente sobre uma situação atual e sobre as possíveis consequências das ações para a formação de representações mentais de uma experiência. Esse processo de nível mais alto é o que permite, por exemplo, o surgimento de fortes emoções em humanos sem qualquer percepção externa, isto é, apenas pela lembrança de pessoas ou situações especiais do passado. Após essa deliberação consciente, o córtex reage de forma inconsciente à representação cognitiva da experiência, produzindo respostas corporais involuntárias e automáticas e também provocando e reforçando as disposições adquiridas como sentimentos (DAMÁSIO, 2012). Sentimentos são componentes subjetivos de uma experiência que refletem os padrões cognitivos da valoração e as motivações e respostas somáticas que a acompanham (SCHERER, 2005). A indução e a percepção das alterações corporais relevantes para as emoções secundárias são expressas por meio das mesmas estruturas neurais que as emoções primárias: o sistema límbico (DAMÁSIO, 2012). É por isso que ambos os tipos de emoções são “sentidas” da mesma forma. Ainda assim, as emoções são mais complexas em humanos devido ao modo como essas duas rotas interagem. Norman (NORMAN, 2005) descreve esse aspecto por meio de uma hierarquia de níveis, renomeando as emoções primárias inatas e

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adquiridas respectivamente como níveis Visceral e Comportamental, e as emoções secundárias como nível Reflexivo. O nível Visceral é o mais básico, totalmente primitivo e reativo, e diretamente relacionado às alterações corporais que acompanham as emoções. Ele é ativado tanto por percepções internas como externas, mas pode ser inibido pelo nível Comportamental por meio de comportamentos autônomos inconscientes aprendidos de experiências passadas. Por sua vez, esse segundo nível também pode ser inibido pelo nível Reflexivo devido a considerações conscientes realizadas pela pessoa experimentando a emoção. Mais importante, a informação do nível mais alto é transmitida para os níveis inferiores segundo essa mesma hierarquia, de forma que novas disposições comportamentais possam ser adquiridas por treinamento e um indivíduo seja capaz de controlar alterações físicas e mentais relacionadas a uma emoção. Os aspectos emocionais da diversão ocorrem em todos os níveis Visceral, Comportamental e Reflexivo, de forma consistente com o que foi apresentado anteriormente a respeito da motivação intrínseca de atividades. As emoções experimentadas no nível Visceral decorrem da percepção sensorial e da excitação, sendo assim relacionadas ao prazer físico obtido pela satisfação de necessidades básicas. As emoções experimentadas no nível Comportamental decorrem da execução de rotinas e tarefas bem aprendidas e do atingimento de objetivos difíceis, sendo assim, relacionadas com a curiosidade, o aprendizado e o desenvolvimento de habilidades. E as emoções experimentadas no nível Reflexivo decorem do estudo e da interpretação de coisas e do prazer obtido disso, sendo assim, relacionadas com a fantasia e a imersão. Por exemplo, uma experiência como andar em uma montanha russa é um conjunto complexo de eventos, que envolve a experimentação em todos esses níveis. Em um nível, as pessoas podem se sentir excitadas apenas com a velocidade e com a queda, mas em outro eles podem vibrar com a melhoria de sua imagem que decorre da realização de uma tarefa assustadora que outros não teriam coragem de fazer (NORMAN, 2005). As emoções são expressas nesse padrão interativo, ao invés de em linha contínua entre percepção e excitação física/reação inconsciente, porque só assim elas não consomem toda a capacidade racional do ser humano, permitindo que indivíduos sejam capazes de manter o controle em situações fortemente emocionais. Nesse sentido, outra forma de entender o processo de experimentação das emoções é por meio de uma cadeia de eventos, originados de fontes externas (percepções sensoriais) e internas (memórias, sonhos e alterações corporais) de informação inesperada ou incomum, que são continuamente tratados por diferentes sistemas do organismo até que o equilíbrio físico e mental do corpo seja restaurado (PLUTCHIK, 2001; SCHERER, 2005). Plutchik (PLUTCHIK, 2001) descreve esse processo interativo por meio de exemplos. Alegria, uma emoção comumente sentida quando alguém se diverte, é ilustrada na situação de aquisição de um objeto de valor (tal como o recebimento de um presente de um amigo ou o ganho de dinheiro em uma máquina caça-níqueis, por exemplo). A percepção do objeto de valor é julgada conscientemente (valoração), resultando em uma inferência

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cognitiva sobre a emoção (o sentimento), alterações corporais, intenções de ação e comportamento aberto (expressões faciais, entonação vocal e postura corporal), eventualmente causando um efeito (a ação propriamente dita). Todas as mudanças físicas e mentais que acompanham todos os estágios do processo são continuamente reconhecidas pelo indivíduo, seja de forma consciente ou não, e atualizam os estados dos subsistemas até que o equilíbrio global seja atingido (DAMÁSIO, 2012; PLUTCHIK, 2001). A hipótese fundamental é de que as emoções servem para marcar as informações como mais ou menos relevantes, dessa forma auxiliando a atenção a convergir para os melhores cursos de ação conforme a experiência. Assim, elas permitiriam a tomada de decisões mesmo na presença de grande incerteza ou de um grande número de opções igualmente racionais (DAMÁSIO, 2012; LAZZARO, 2010). Em outras palavras, “a emoção é o parceiro silencioso da cognição, sem o qual as escolhas são simplesmente impossíveis” (LAZZARO, 2010). A parte cognitiva do processo emocional, isto é, o sentimento, é algo classificado em termos de um espaço tridimensional formado pela valência, excitação e tensão (SCHERER, 2005). A valência reflete a atratividade do sentimento, variando de negativo (desagradável) a positivo (agradável). A excitação reflete a intensidade do sentimento, variando de muito calmo (ou sonolento) a muito excitado (ou energizado). E a tensão (comumente também chamada de dominação) reflete a potência ou o controle do sentimento sobre o indivíduo, variando de relaxado (ou controlado) a tenso (ou em controle) (SCHERER, 2005). Uma vez que é difícil identificar consistentemente a terceira dimensão em medições com indivíduos, a maioria dos pesquisadores utiliza apenas as duas primeiras dimensões para caracterizar as possíveis emoções num espaço bidimensional. A valência positiva é comumente preferida e considerada como naturalmente prazerosa. Entretanto, ambas as valências são importantes para a experimentação de diversão, porque elas compõem padrões consistentes com os experimentados na vida real (RAVAJA et al., 2006). Medo e raiva, por exemplo, são duas emoções que envolvem sentimentos negativos. A consequência de conquistar o medo ou superar inimigos após alcançar equilíbrio emocional – o que é importante para a subsistência em situações ameaçadoras reais – é fortalecida no entretenimento porque é acompanhada do conhecimento de que foi experimentada em um ambiente seguro, destacado dos riscos do mundo real (RAVAJA et al., 2006). Isso explica parcialmente o porquê de filmes e jogos de horror e montanhas russas, por exemplo, são consideradas prazerosas apesar de provocarem sentimentos negativos. Mas a classificação das emoções usando apenas a valência e a excitação pode ser menos conclusiva do que utilizando emoções prototípicas69, uma vez que casos como medo e raiva (ambas de valência negativa e de alta excitação) são muito próximas no espaço bidimensional utilizado, embora se tratem de sentimentos bastante distintos. Por isso, os 69

Alegria, tristeza, medo, nojo, raiva, surpresa e desprezo são emoções universalmente reconhecidas na face humana, apesar de sua expressão ser regulada por condições sociais (EKMAN; FRIESEN, 1971).

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pesquisadores comumente preferem utilizar termos discretos mais básicos para descreverem as emoções quando elas são discutidas ou estudadas, uma vez que as pessoas comuns já estão mais acostumadas a se referirem aos seus sentimentos em termos das emoções prototípicas (SCHERER, 2005). Em resumo, as emoções têm cinco papéis importantes no divertimento (FULLERTON, 2008). Elas (1) ajudam a focalizar a atenção e (2) a tomar decisões, (3) afetam o desempenho do jogador ao facilitar a repetição de comportamentos. Os jogadores (4) obtêm prazer das sensações produzidas porque as emoções (5) recompensam e motivam o aprendizado. Conclusão A diversão é um importante aspecto da natureza humana porque ela decorre de como os seres humanos percebem e atuam no mundo e auxilia na motivação de diversos comportamentos. Por isso, ela precisa ser considerada no projeto de qualquer produto. Entretanto, a diversão é difícil de definir concisamente em poucas palavras e também difícil de garantir com qualquer abordagem de projeto, uma vez que ela é subjetiva e relacionada às emoções. A base da diversão se encontra na interação, uma vez que a satisfação é conduzida pelas percepções do mundo e pelo esforço ativo em focalizar a atenção. Os aspectos utilitários que diferenciam o prazer da diversão envolvem o atingimento de objetivos pelo aprendizado de novas habilidades e pela superação de desafios, mas a motivação intrínseca também é influenciada por outros aspectos cognitivos como curiosidade e fantasia. O nível de absorção (chamado genericamente de imersão) é também importante na experiência da diversão, particularmente ao diferenciar formas de entretenimento leves de outras mais profundas. Finalmente, as emoções são, talvez, o componente mais essencial da diversão, porque elas fornecem auxílio na tomada de decisão assim como também importantes recompensas ligadas aos impulsos inatos de agir e jogar. Este trabalho procurou fornecer uma revisão abrangente dos estudos relacionados à satisfação e à diversão, na esperança de auxiliar no entendimento de um assunto tão difícil e subjetivo – particularmente para projetistas de produtos ou jogos que não têm formação em psicologia. Mas de forma alguma se pretende afirmar que o assunto foi completamente esgotado. De fato, há outros estudos importantes, principalmente da disciplina de Experiência de Usuário e também da própria disciplina de Projeto de Jogos, que poderiam ter sido adicionados, se não fosse a limitação de espaço. Ainda assim, leitores interessados certamente têm um ponto inicial adequado para investigações futuras. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BELL, R. C. Board and Table Games from Many Civilizations. Kindle ed. Mineola, NY, USA: Dover Publications, 2010.

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Entrevista Entrevista com Rafael Carneiro Vasques

Transcrição do vídeo70: https://www.youtube.com/watch?v=5iJZm0uuFgM Entrevistador: Rafael Correia Rocha Entrevistado: Rafael Carneiro Vasques E-mail: [email protected]

Rocha: Essa revista busca fazer uma investigação sobre como o RPG se comporta nas diversas partes do Brasil e ao mesmo tempo quais são as perspectivas dos pesquisadores dentro do RPG nacional. Como que ele está sendo abordado. E eu fico muito feliz de poder fazer essa entrevista. A revista trabalha com entrevistas semiestruturadas. Ou seja, a gente tem algumas perguntas chaves, só que não nos limitamos a elas (o que eu já havia te passado antes) e que a gente vai tentar se orientar um pouquinho. Só como perguntas orientadoras mesmo. Só pra deixar claro, você poderia se apresentar, pra gente se nortear? Fazer uma apresentação breve: “oi, eu sou o Rafael.”

Carneiro: Somos o Rafael né? Olá a todos, meu nome é Rafael Carneiro Vasques. Eu vou iniciar primeiro daquilo que nos aproximou. Eu comecei a jogar RPG no início da década de 90. Na verdade, tinham aqueles jogos de videogame. Tinha um jogo que eu gostava muito, o Populous. Um jogo de estratégia que você ia construindo um mundo onde os personagens faziam guerra. E nesse sentido eu gostei muito; eu tinha um primo que morava em Campinas e que ele falou assim “olha, o pessoal em Campinas joga isso em livro e passa meses jogando isso.” Eu ficava pensado “como pode você jogar...” eu ficava imaginado um mapa, e as pessoas durante o dia fazem uma ou duas jogadas e vão embora e no dia seguinte se

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Nota dos editores: durante a entrevista nos preocupamos em manter ao máximo as marcas de oralidade e expressões do entrevistado, de forma a aproximar o quanto possível os leitores da entrevista.

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reúnem. Tudo isso me deixou com a cabeça um pouco... né, mexeu um pouco com meu imaginário. Aí meu primo foi pra Campinas... nós fizemos um jogo de tabuleiro (board game) em quatro páginas de cartolina. Nós fizemos quatro reinos e fomos atrás de miniaturas, bolamos regras, e criamos um board game que tinha vários problemas, mas enfim, eu tinha 11 anos na época, talvez. E eu meus irmãos, meu primo... e, aí ele foi e comprou aquela caixa clássica da Dragon Quest da Grow e aquilo mudou a minha vida. Ele trouxe a caixa, abriu e eu peguei as regras e falei “eu leio”. E eu comecei a mestrar, mestrar, mestrar, mestrar e aí a Grow lançou aquele Hero Quest. De novo. Comecei a jogar, jogar, jogar e o tempo todo eu e meus amigos saíamos da escola; antes de ir trabalhar, reúne, joga uma missão e volta e aquilo realmente tomava uma parte considerável da nossa vida, mas era muito legal assim. Ai meu irmão (ele trabalhava comigo na farmácia) ele foi pra São Paulo, foi passar férias e foi numa loja que o pessoal das antigas já ouviu falar, chamada Forbiden Planet. A Forbiden Planet foi a loja que, né, disseminou. E o meu irmão voltou com Vampiro - A Máscara, Dungeons and Dragons, várias aventuras solo. E depois também a gente conseguiu algumas aventuras solo e começamos a jogar, jogar, jogar. Em determinado momento de novo eu e meu irmão fomos viajar para São Paulo (minha mãe tinha uma loja de móveis) e ela fazia compras em são Paulo e meu irmão falou “vamos... (isso tudo em poços de caldas tá, minas gerais, interior de minas) vamos para São Paulo com a mãe?”. Falei “Vamos, mas comprar RPG?” e ele falou “não, vender RPG”. Então fomos à Devir e fizemos uma compra né, compramos alguns RPGs e levamos para a loja, só que aí entra aquela questão: ninguém sabia o que era RPG. Então nós fizemos um cartaz “venha de sábado, às 14h da tarde; venha conhecer RPG” e eu todo sábado no fundo da loja, tinha um cômodo, uma mesa, algumas cadeiras e todo sábado eu recebia o pessoal às 14h da tarde e a gente jogava RPG. Terminava aí. O pessoal ia embora e às 19h da noite vinha um pessoal para jogar Vampiro - A Máscara... que tem que ser a noite! Cidade do interior, tranquilo... Então nós jogávamos e era muito divertido, era muito legal. E, meus amigos eu acabei contatando por causa de RPG e a gente se unia, a gente ia para os encontros internacionais em São Paulo. A gente passava o ano inteiro se organizando para ir pra São Paulo pra jogar. Em determinado momento no quarto encontro internacional, se não me falha a memória, em 1996 (acho que foi 96), eu joguei um live action lá. Acho que foi de vampiro. Gostei, só que eu não tinha o livro, eu não sabia as

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regras, ninguém explicou nada e eu cheguei na minha cidade e falei “vamos jogar live. Eu vou mestrar”. Eu bolei as regras e mestrava de 15 em 15 dias nas ruas da cidade. Nós conseguimos ruínas. Nós conseguimos na prefeitura autorização pra jogar em ruinas. Nós jogamos em escola; nós jogamos em praça. Então nós começamos essa atividade e de 15 em 15 dias eu mestrava um live pra entre 30 e 50 pessoas. E enquanto isso, eu ia mestrando e fiz muitos amigos, e amigos nos eventos. Até que eu... E depois eu vim para... eu passei no vestibular e fui fazer ciências sociais. Eu estava lá na aula de antropologia e o professor passou um texto do Luiz Morgan e falou do desenvolvimento tecnológico, da evolução. Eu lembrei do GURPS e pensei “caramba, nível tecnológico” e aí as coisas curiosamente, não é tão curioso, mas eu comecei a... eu pescava algumas discussões, alguns dados, algumas questões e falava “caramba, isso aqui dá jogo” e deu jogo. E assim, cheguei no meio da graduação e falei “quero estudar RPG”. Procurei uma professora e ela aceitou. Fez um projeto e quando eu entrei no mestrado... Ah, antes... Eu terminei a graduação e fui dar aula, e aí algumas coisas curiosas né, você termina de a graduação, você vai dar aula de qualquer jeito e eu fui dar aula de história e de sociologia e filosofia. E na aula de história eu resolvi (eu dava aula pra quinta, sexta sétima e oitava série) e eu resolvi fazer um teste: GURPS império romano. Eu tirei a parte de GURPS de regras né? Só jogar o dado e a ideia de aleatoriedade; uma simplificada nas regras e com essa simplificação eu comecei a jogar com os alunos da quinta série a tarde (sem receber nada, era uma atividade extraclasse e era optativa: o aluno que quisesse vinha, o que não quisesse não vinha e a vice-diretora jogava com a gente) então foi muito legal! Essa experiência fez com que... Por exemplo, “RPG é um jogo masculino”, mas na escola foram as garotas jogar. Era um grupo de garotas, de meninas da quinta série que se reuniam para jogar GURPS Império Romano. A vice-diretora falou que “nossa Rafael, eu estava andando na rua e pensando na história e em como a gente poderia resolver o problema”. E me aconteceu uma coisa que me chamou muito a atenção: duas alunas eram evangélicas e imagina isso foi em 2003, então já tinha acontecido ouro preto, Teresópolis, os crimes... e aí foi uma coisa assim que um pouco, gerou um pouco de preocupação. E as duas alunas evangélicas eram de uma igreja que a mãe não deixava nem elas assistirem televisão. E aí uma das duas alunas vira para mim e “Professor, eu contei pra minha tia” (que também era evangélica e também era dessa igreja) “Que a gente tá jogando

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RPG Império Romano” e eu pensei “Nossa! lá vem né?” E aí eu falei “E aí?”, “Ela gostou muito e ela vai me ajudar a escrever um livro das histórias do meu personagem”. Então eu fiquei... As pessoas tem contato com o RPG sem ter uma prévia (um pastor falando que é errado...) é bem possível que ela conheça o RPG pelo o que ele é e não pelo o que alguém já... insere preconceito. Isso pra mim foi uma experiência muito forte, muito significativa porque eu pude ver a reação de uma religiosa a um fenômeno que ela não conhecia e ela considerou esse fenômeno apropriado. Então eu achei muito válido. Em 2005 eu entrei no mestrado sobre RPG. RPG e Educação eu desenvolvi o mestrado na área de educação escolar e em 2008 eu defendi e aí em 2009 eu comecei a trabalhar, a dar aula, por que aí e no caso eu tive bolsa e etc. e se não me falha a memória, logo em 2009 ou 2010 eu comecei a dar aula no colégio Etapa (São Paulo e Valinhos). E eu com outro professor e depois outros professores se juntaram a nos. Mas nós conseguimos (o Etapa nos apoia) e nós temos um encontro por mês pra jogos de RPG. Um sábado por mês nós temos cinco horas praticamente pra jogar RPG com os alunos. É tema livre. É aberto, é aceito não tem ali... muito aluno falou “professor eu não sei jogar” e eu falei “vem jogar! Eu tenho uma aventura especial pra quem nunca jogou” e eles sempre vem, jogam, se divertem, formam grupos. Eu vejo vários alunos que falam “vamos jogar nas férias” eles tem grupos no WhatsApp de RPG. E ai levanta aquela velha questão né? Uma vez eu estava conversando com a Maria do Carmo o quanto que o RPG, a gente fala “não, essa juventude não gosta mais, não joga mais porque hoje tem o vídeo game”, mas tem vários alunos que me procuram as vezes e falam “olha professor você pode ver aqui o, essa, estou aqui pensando num RPG, estou pensando num sistema, numa aventura, você pode ajudar?”. Até que ponto a gente pode falar que o RPG não afeta mais. E no fim essa é a minha história dentro do RPG dentro da sociologia, dentro da escola. Então a pratica do RPG na escola ela está muito mais ligada numa questão lúdica e nem tanto preocupada com transmissão de conteúdo “ah não, essa aventura eu elaborei para que eles saiam sabendo o que é estratificação social” percebe? No nosso caso, a gente tem uma liberdade maior e isso é uma coisa muito legal. Inclusive hoje tivemos uma reunião inicial. E aí eles têm um... eles fizeram um vídeo propaganda com os alunos, falando dos clubes, das atividades que eles fazem e aí teve, para minha grata alegria, surpresa, no vídeo da escola falando de RPG. O aluno da escola falando do RPG que é muito legal, que eles podem relaxar, que eles podem se divertir com

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os amigos e eu acho uma experiência extremamente válida. Eu estou lá todo mês, as vezes eu não posso, tenho que dar uma palestra ou alguma atividade da própria escola que eu acabo não podendo ir, mas é um ambiente sempre muito gostoso, sempre muito agradável, de interação muito grande... RPG né? Acho que é isso.

Rocha: Bom, a sua apresentação engoliu algumas perguntas, mas abriram outras. Eu vou pegar uma caneta só para fazer um esqueminha aqui.

Carneiro: Perfeito. Enquanto isso eu tomo um pouco de café.

Rocha: Maravilha! Caneta versus café. Primeiro eu queria pedir pra quando você puder, me enviar o link sobre o depoimento desse aluno.

Carneiro: Uhum.

Rocha: Eu acho interessante que eu ficava pensando em te perguntar como que você abordava o RPG na escola. Se era no contra turno ou se era, você falou que era no sábado. Um momento que é completamente a parte que eu vejo como algo legal do RPG. Ele pode estimular e pré-dispor a aprendizagem. Ele não precisa agregar (embora possa) um campo e falar assim “olha agora a gente vai ter um RPG pra aprender química” pode ter? Pode. Mas ao mesmo tempo você pode fazer um RPG simplesmente pra desenvolver uma predisposição à “vamos experimentar”. Vamos ter essa experiência. Aí uma das minhas perguntas é: Qual é a quantidade de alunos e quantas horas eles ficam jogando? Mais um ponto. E aí no início você comentou sobre o RPG ser quase que padronizado um jogo masculino. Realmente às vezes acontece, e eu paguei a língua quando eu comecei a narrar vampiro e meu grupo inteiro era feminino. Aí até hoje eu lembro e não consigo acreditar que o grupo de vampiro inteiro é feminino. Como que são esses parâmetros: quantidade de alunos; idade dos alunos; gênero dos alunos; o que estimula eles a estarem; quanto tempo eles jogam. Eu queria entender um pouco esse contexto

Carneiro: Bom, sobre a atividade. Tem uma coisa muito interessante também e aí eu não posso deixar de elogiar que nós somos pagos

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Rocha: hum...

Carneiro: Os professores recebem.

Rocha: Excelente! É hora aula?

Carneiro: é hora aula. É uma hora aula. Nós estamos... então quer dizer, nós estamos lá à hora aula. É uma atividade reconhecida da escola. Então a escola... você não vai lá e só pelo amor à educação, pelo amor ao RPG, pelo amor à escola. É um trabalho. Né? Então isso é uma coisa legal porque é exatamente isso: é uma obrigação, mas é uma obrigação muito gostosa. A aula também é uma obrigação gostosa. Ah... Olha, varia tanto! Principalmente ensino médio, que aí a atividade... como eu sou professor de ensino médio, é mais focado no ensino médio, mas aparecem alunos de universidade, do cursinho. Então eles têm uma interação muito boa. Número de... é tem mais homens, mais também tem um número significativo de mulheres. Nós conseguimos fazer um live-action (a escola fechou pra gente num sábado lá em Valinhos; eles conseguiram um ônibus, era rateado: a escola pagou uma parte e os alunos pagaram outra) nós fomos de ônibus, teve toda a caracterização e etc. e cerca de 50 jogadores (alunos-jogadores) participaram da história. E o que eu posso falar é que eles vão para se divertir, para brincar. E isso é uma coisa que eu, assim, é o tipo de coisa de quem está a muito tempo na estrada já tem um estilo que você gosta (já gosto de RPG mais assim ou mais assado), mas você tem que dar o que eles gostam, fazer com que eles se divirtam. Eu tenho duas histórias no Etapa que foram sensacionais. Uma, uma garota veio jogar RPG e falou “olha professor eu vi que tinha e não sabia o que era, eu pensei que era um tanto de computador e todo mundo sentado jogando”. E aí ela sentou numa mesa, jogou e achou o máximo “É muito bacana! Não sabia que isso existia”. Então um ponto é isso: a pessoa não sabe o que é, vai descobre e fica maravilhada.

Rocha: Encanta.

Carneiro: Encanta! E segundo... Um dia, porque assim, nós temos perdas. O aluno começa no primeiro ano, começa a jogar, ganha confiança no segundo e no terceiro já começa a

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mestrar. Vai, leva grupo, leva jogo, cria sistema. Tem aluno que manda as vezes “Aí quando vai ter? Porque eu quero usar meu sistema de Deuses gregos” teve um que fez de piratas, e eles elaboram mesmo. E aí teve uma coisa muito curiosa, que a gente tem um problema muito sério que se chama Faculdade. Vários passam e vários nos abandonam. Então o começo do ano é sempre um pouco complicado quando chega muito aluno e pouco mestre. “Quem sabe mestrar?” Três. Aí tem três professores e tem quarenta alunos. Quem mestra? Só os três professores. Teve um dia que aconteceu e a gente começou a separar grupos e eu fiquei sozinho com 15 jogadores. Aí eu falei “Gente não dá” e falei um por um “Vocês aceitam jogar um live?”. “Ah, mas o que é isso?” “Vou explicar isso, mas vocês aceitam?”. E todo mundo aceitou e sentou numa mesa e eu falei “vou falar de vampiro a máscara porque como eu mestrei isso por muitos anos de 15 em 15 dias é algo que eu já tenho muitas histórias, muitas ideias, é fácil de explicar, é fácil...” reuni todo mundo. Nos reunimos na sala de aula, peguei na lousa fui falar “camarilha”, “gerações”, tudo bem professor dando aula mesmo, explicando, separando ai uma aluna falou “professor, eu estou aqui com ‘Vampiro idade das trevas’, ajuda?” e falei “como assim?”, “então, minha mãe, quando ela viu que a gente ia jogar RPG ela mandou trazer” Aí depois eu fui conversar com ela e ai pensei “eu quero conhecer os pais dela”, e os pais dela eram jogadores de vampiro, de RPG e eu fiquei esperando pra conhecer e eles contaram “olha, a gente estava procurando uma escola que tivesse uma cultura de nerd pra minha filha e quando a gente viu que tinha RPG a gente pensou ‘ela vai’ ele eram jogadores antigos e curiosamente eles nunca jogaram live e ela jogou. Então os pais queriam uma escola que estimulasse esse contato. Contato com cultura nerd, com RPG. Então ela falou “meu, quando vi que a escola tinha RPG eu falei eu quero que minha filha participe” e aí eles fizeram amizade e etc., mas assim, eu destaco alguns pontos positivos, porque tem... eu li uma coisa agora que me chamou um pouco a atenção que é o “Idiota da objetividade” é a pessoa que ela não consegue perceber o subjetivo, os ganhos e conquistas e assim “o aluno vai passar no vestibular com o RPG?” Primeiro: não sei. Mas, segundo: o contato. Grupos que se formam, se conhecem que trocam contato que criam uma identidade. Segundo elemento: aproximação do aluno com a escola. O aluno passa a gostar da escola. A escola também é um espaço de diversão dele. A escola não é só mais um espaço de aula, de prova, mas a escola é um lugar que eu vou encontrar meus amigos e fazer uma coisa divertida. A escola passa a ter isso e só mais uma coisinha: um dia eu fui mestrar uma

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história do Rastro de Cthulhu, uma daquelas histórias extraordinárias, etc. Eu levei uma que eles ficam presos numa ilha. Foi muito curioso que eu comecei a explicar olha tem as pedras sedimentares ai os alunos começou a falar “então é isso, isso e isso” e o outro começou a falar “é porque a gente pode usar a apostila tal pra gente...” “lembra aquele experimento da apostila tal da professora de química que fala que se você está num local como que você consegue agua e etc.” eu falei “gente está muito difícil mestrar pra vocês” (risos) porque eles estudam muito e eles usam e acaba que “ah como que é pólvora?”, “não, pólvora você consegue isso, isso e isso e se você conseguir...” e você fica meio que assim né? É uma experiência muito curiosa, foi bem divertido.

Rocha: interessante! Eu comecei a pensar algumas sub perguntas, mas foram três sub perguntas e um comentário. Você citou a escola como ambiente. Eu falo que etimologicamente a escola só é escola no recreio. Porque pelo grego, escola é o ambiente que você entra pra conversar e encontrar pessoas e isso só acontece no recreio e nos jogos de RPG. Aí eu queria te fazer três perguntas, todas densas

Carneiro: Vish.

Rocha: A primeira é: você identifica alguns pontos negativos desse processo ou quais são? Se teve alguma situação que por exemplo as vezes a gente encontra algumas pessoas que tem dificuldade de abstração. Aí a pessoa não entende (gesticulando) “isso aqui é o on, e isso aqui é o off” se aconteceu coisas similares ou pais que não entenderam essa dinâmica? É uma pergunta para você pensar. A outra envolve uma reflexão pessoal: o que é pra você RPG? Essa é complicada. E aí tem a terceira que é uma curiosidade minha que tem sido uma angústia de pesquisador, faz um ano, que é o seguinte: eu acabo interagindo (aconteceu mais do ano passado pra esse ano, com alunos que criam os próprios jogos. E a gente tinha utilizado até como sistema de avaliação em escola. Hã... você vai fazer prova? Você vai fazer um trabalho? Não, você vai fazer um jogo. Faz o jogo e a gente vai ver como que você está lidando com o que você aprendeu pra criar o jogo. E aí sempre ficou aquela dúvida. Depois que eles criaram o jogo pra onde que vai o jogo? Esse jogo é publicado? Esse jogo é guardado na gaveta? Esse jogo... teve o caso de uma aluna que até hoje eu estou sem saber

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o que fazer porque ela resolveu... ela falou “eu vou guardar o jogo na minha casa pra quando o meu irmão mais novo chegar no ano que eu estou eu ensinar pra ele.

Carneiro: (risos)

Rocha: Achei isso mágico! Mas como que acontece com esses jogos? Porque isso vai ter outros desdobramentos será que a gente pode conversar hoje que a prática do RPG e seus jogos correlacionados permitem um momento de pesquisa e produção na educação básica além do próprio ensino?

Carneiro: Olha aí entra... bom primeiro. Problemas. Quando eu dei aula em minas eu tive uma professora do infantil que (eu dava aula de manhã, fundamental 1. Não, fundamental 2 e de tarde eu acho que era o fundamental 1 ou o contrário. Acho que era o fundamental 1). Tinha uma professora que “ah, RPG! Isso não é de Deus etc.” e a própria diretora disse “Deixe ela pensar o que quiser”. A vice diretora falou “Deixa.” Inclusive a gente conseguiu colocar o RPG como um dos elementos do projeto político pedagógico da escola.

Rocha: que legal Carneiro: isso é uma coisa legal e tal. E a diretora falou “meu, vamos colocar, vamos tentar desenvolver e etc.” mas aí no ano seguinte eu passei no mestrado acabei indo embora e etc. Eu tive uma situação assim de gente que vai, mas não quer jogar, vai porque tem um amigo... ou estava de olho em tal pessoa que vai e etc., mas nunca tive nenhum problema sério nesse sentido, mas mais de alguém que não quer jogar, ou quer ir ali por algum motivo extrajogo.

Rocha: Que ser socializar, mas não necessariamente na esfera do jogo.

Carneiro: É. É. Sobre O que é RPG eu acho que tem uma questão muito complicada que até anteriormente ainda conversava um pouco com o Wagner né? O Wagner Schmit. Não sei se a pronuncia é assim.

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Rocha: É essa mesmo.

Carneiro: Wagner não fique bravo comigo se você assistir. Mas...

Rocha: Espero que esteja, se não estou errando o nome dele a anos!

Carneiro: (risos) O Wagner, a gente estava conversando e por exemplo tem muita discussão. Livro-jogo é RPG? Jogo de computador é RPG? E eu considero que não. Eu considero que tem elementos próximos, mas que não são RPG. E aí você fala: “mas, ah! E aí você está querendo definir...” A gente parte... por exemplo: o Live action é um RPG? Não é. O... por que estou falando isso? O RPG ele... a primeira coisa que a gente tem que tomar cuidado é que o RPG ele é um produto cultural que surgiu nos anos 70 nos Estado Unidos e que com o tempo foi tomando forma. Uma forma específica e em determinado momento alguns autores começaram a tentar extrapolar. “Vou fazer um RPG sem ficha!” Não é? “Vou fazer um RPG que o narrador não decide tanto” nós temos vários exemplos inclusive no português em que você relativiza a importância do narrador e etc. e aí entra uma questão: Chega um determinado momento que deixa de ser RPG. Por exemplo: vamos jogar futebol. Certo, como que é o futebol? Você chuta a bola de um lado pro outro, você tem um tempo, um z de jogadores, um número de faltas, e etc. E se a gente começar a chutar... ao invés de chutar a bola, jogar com a mão? Vira handball. Ainda é esporte, mas não é mais futebol. Então quando... jogo de computador. Jogo de computador tem o “Ah mas eu posso fazer o que eu quiser... se eu for no GTA” por exemplo “eu consigo fazer yoga” “eu consigo a bolsa de valores”, mas isso daí não é necessariamente, assim, ele é uma abertura limitada. Porque quem já jogou... quem narrou. Principalmente quem narrou RPG sabe que os jogadores eles têm uma capacidade... é muito grande de destruir tudo o que você planejou. Tudo. “Nossa eu pensei eles vão fazer isso, eles vão conversar com tal personagem” e boom eles matam o personagem.

Rocha: Sempre. Carneiro: E agora? Né? E aí você fica “o que que eu vou fazer?”, “Como que eu vou fazer?” Então nesse sentido o RPG ele tem uma carga, uma necessidade de improviso que o

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videogame não tem. Né? Então quando a gente fala “Eu vou...” sabe? Todo mundo que joga vídeo game, a gente... você vai jogar um jogo e esse jogo tem personagens que você não pode tirar. Você não pode matar. Esse personagem é de diálogo. Quantas vezes você vai jogar, você vai narrar e um jogador resolve atirar no rei. “Não... eu vou atacar o Rei.” E aí você tem que ficar tentando elaborar. Não só isso. Não estou falando só sobre a flexibilidade de ações, eu estou falando da flexibilidade de regras. Vídeo games não tem como você flexibilizar as regras. O RPG tem. O RPG você tem como falar “Meu, não. Desencana. Joga o dado.” ou “Ah não! Não precisa.” O vídeo game, o jogo de computador ele desenvolve isso. E ele acaba né, então quer dizer “ah eu posso ligar ou desligar tais regras.” Mas o RPG ele é muito mais um pouco intuitivo...

Rocha: Orgânico.

Carneiro: ...é orgânico! E ainda tem um terceiro elemento que no RPG você pode extrapolar! Você pode extrapolar! E aí a gente vai jogar vampiro e “Ah E aí? O que acontece?” “Olha você está andando no meio da rua e você percebe o Mickey Mouse” e você consegue tirar... se você quiser no meio da narrativa sair do vampiro e entrar num mundo medieval ou se você “olha isso...” você consegue jogar a narrativa onde você quiser. Então você tem isso. Às vezes eu estou narrando uma história de terror e os caras fazem alguma coisa e você muda o tema, você muda, o videogame não. Ele já está programado. Ele não consegue dar resposta, ele nem tem como dar resposta porque ele tem toda uma programação. Então nesse sentido eu considero que o videogame e o RPG são categorias diferentes mesmo. Assim como livro jogo é uma categoria diferente assim como o live action é uma categoria diferente, né? Os Larps são categorias diferentes. Então em determinado momento a gente vai falar “Ah mais o RPG pra mim é um jogo de criação coletiva de histórias feitas a partir do diálogo dos personagens e com regras pra delimi... regras que podem ser quebradas. E que essas regras, essa possibilidade ela está muito ligada no desenvolvimento do próprio jogo, daquela situação”. Então nesse sentido, o RPG, ele tem regras e algumas regras quantificáveis. Nem que seja “joga o dado”, nem que seja “quantos acham que isso dá certo?” Mas existe aí alguma quantificação. Eu já joguei RPG completamente sem jogar dados, sem ficha e continua sendo, no meu caso, no meu entender RPG, mas existe uma quantificação no sentido de probabilidade. Você pensa, você... existe uma ordenação da situação. E sobre o RPG que você levantou o

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ponto aí né? Pra onde vão, o que que é produzido e etc... infelizmente acho que vai pro fundo da gaveta, vai pro... a gente tem tanta coisa esparsa e aí a gente entra num ponto que eu acho muito sério e um pouco triste que é a capacidade mesmo de organizar, de ordenar, de estudar o RPG. Que é pesquisar o RPG. Que aí é um ponto que a gente tem um problema muito sério.

Rocha: então. Essa relação do problema de pesquisar o RPG é um conflito que a gente vive no brasil a anos. Porque, inclusive citando o Wagner de novo, a gente anda debatendo que parece que toda vez que a gente vai pesquisar RPG a gente tem que ficar reinventando a roda. São sempre os mesmos autores, são sempre os mesmos campos e as vezes a gente encontra pessoa que fala “eu vou pesquisar RPG porque é legal” aí termina a graduação e ele esquece o RPG, vai pro mercado de trabalho e larga tudo. A mesma coisa: o cara está no ensino médio e fez uma produção muito boa sobre RPG, interagiu e etc. entrou na faculdade e “não, deixa pra lá”. Então acho que falta uma seriedade no RPG como objeto de pesquisa. De tentar entender ele como objeto de pesquisa sério. Bom, vou tentar retornar às minhas perguntas chaves.

Carneiro: tá.

Rocha: Você mostra um foco, e primeiro eu preciso que você me avise onde fica essa escola, em que cidade que ela fica e depois me envia o PPT dela pra gente dar uma lida com atenção e como que é a relação com os professores? Você chega a conversar com os professores e falar assim “vem aqui, deixa eu te ensinar RPG, vamos interagir porque talvez você vai ser um futuro narrador” ou os professores criam um distanciamento? Porque eu vejo que o RPG é uma experiência que aproxima. Então eu vejo muitos professores que jogam RPG com seus alunos para terem aulas mais dinâmicas, mais interativas. Como que é esse triângulo “professor, RPG e aluno”? Os professores se aproximam também para participar dessa socialização? Ou não, é uma coisa a parte?

Carneiro: então, muitos professores têm muitas atividades de sábado. O colégio que eu dou aula, o colégio Etapa (São Paulo e Valinhos) e muitos professores eles tem já uma experiência em RPG. Conheço vários. Inclusive uma coisa curiosa, nós conseguimos, na primeira visita em 2014 se não me falha a memória, nós conseguimos levar o Mark Rein-

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Hagen71 para dar uma palestra para os alunos. Mark Rein-Hagen falou com nossos alunos etc., com tradução simultânea de um professor nosso, da casa, e conversando um deles era jogador de GURPS, um outro mestrava vampiro o outro é... então assim, a maior parte jogou RPG, jogou muito RPG, então... outros, tem professores mais velhos, mas é muito uma coisa de geração. Os mais velhos não jogaram muito, os mais novos jogam, conhecem. Na escola tem muitos professores. Tem professores que “ah eu queria jogar RPG com vocês, mas agora eu tenho que dar aula, não tem como eu fazer” e... mas tem, eles têm curiosidade sim. O que falta muitas vezes é tempo né? E aí isso é uma coisa que eu senti... quando eu comecei a dar aula eu levei aqueles, os GURPS, os mini GURPS. Entradas e bandeiras, cruzadas e eu levava os mini GURPS pro descobrimento do brasil, eu levava para o colégio e mostrava para os professores e um professor olhou pra mim e falou “isso parece muito legal, mas exige muito tempo né?” eu falei “Exige. Exige.”. Você precisa ler, você precisa preparar, você precisa organizar e infelizmente, assim, infelizmente, mas o... para você utilizar em sala de aula você precisa conhecer o RPG, você precisa estudar, você precisa saber em que momento, como eu vou utilizar e etc. então exige muito assim o... exige algum esforço pra você se desenvolver. Eu acho que é assim, existem ótimos professores que não conhecem RPG, existem ótimos professores que conhecem, então acho que esse não é o.. Mas acho que o que é interessante no RPG é esse fato de que os alunos eles se aproximam bastante né? Eles conseguem se aproximar do diálogo com o professor, sabe, muitas vezes é isso. Tinha um aluno que final da aula ele vinha pedir dicas de como desenvolver aventura. Eu dava aula pra ele sexta feira a noite e terminava, sexta feira a tarde, desculpa, 18h35 acabou o sinal e ele virava e “professor eu estou aqui com um problema, os meus jogadores estão aqui, o que que eu posso...” então a gente sentava, conversava, mas infelizmente eu sei que tem muito professor, principalmente se a gente falar de escola pública, que tem uma situação terrível. O professor tem que dar aula em duas, três escolas. Os caras saem de uma, vai pra outra, mas eu acho que na verdade o RPG ele seria uma saída na possibilidade de abrir um diálogo de que olha: somos pessoas legais. Somos todos pessoas legais. Os alunos são legais, os professores também são legais e ai é necessário que a escola também colabore

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Game designer responsável pela criação de Vampiro - A Máscara, entre outros RPGs de grande popularidade.

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e ajude né? Então acho que isso é o que você falou né? O triangulo RPG professor, é um quadrado, porque a escola também precisa dar força, dar o aval, e você precisa ter uma coordenação que tem uma cabeça legal, que pense, que pense no aluno, que pense no professor, que dê condições. Eu creio que é isso.

Rocha: Maravilha. Eu fiquei pensando assim, você já teve alguma experiência de encarar uma sala de 30 a 40 alunos e jogar RPG dentro dessa sala de 30 ou 40 alunos durante a sua hora aula?

Carneiro: eu tentei, eu tentei uma vez...

Rocha: qual a sua experiência?

Carneiro: eu tentei uma vez. Eu tentei usar o quilombo (mini GURPS quilombo) aí eu fui separar em grupos e... nessa mesma escola que eu dava aula em 2003 eu jogava GURPS com eles, o Império Romano; e em 2004 a gente foi tentar na oitava série pra discutir o mini GURPS quilombo então separar grupos, cada grupo separar um personagem, mas o andamento não foi legal. Os alunos ficaram um pouco confusos. Não sabiam direito o que fazer. Então a gente tentou uma vez e falou “vamos tentar de novo” aí eu acabei deixando um pouco de lado... Aí eu acabei passando no mestrado, fiquei longe da escola e aí depois o trabalho acabou me afastando um pouco disso. Eu acho que pode dar certo, mas eu não desenvolvi nada para estruturar isso. Eu nunca diria que é impossível, mas eu não me aprofundei nessa experiência.

Rocha: Maravilha. De depois que você passou no mestrado até hoje, como que deu e como que se desenvolveu a sua pesquisa no campo do RPG? Ou o seu olhar pesquisador sobre o RPG?

Carneiro: Então, eu... como eu falei, eu já fui para a faculdade já pensando em RPG ne? Então eu olhava as coisas e “opa! Tem RPG aqui. Tem RPG ali. E tal” e o que acontece é assim: quando a gente sai da academia (e isso é a parte difícil) o tempo de dedicação para estudo é muito... é muito pequeno. Ne? Então você precisa preparar aula, você precisa preparar prova, precisa corrigir prova e aquele estudo dedicado, centrado, vai se

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distanciando, você tem pouco tempo, então eu continuo comprando, acompanhando, lendo RPGs, livros sobre RPGs. Eu pensei assim olha existe uma coisa o... Eu decidi tentar atacar. Eu fiz um grupo no Facebook chamado estudos sobre RPG e comecei a convidar todos os pesquisadores pra tentar acumular mesmo e falar “olha eu sei de um arquivo, de um artigo, eu sei de uma monografia” pra que as pessoas compartilhem. Eu fiquei muito feliz. Eu encontrei acho que uma monografia ou uma dissertação de mestrado, eu não lembro agora, mas eu encontrei na internet, uma garota agradecendo os membros do grupo que ajudaram ela na bibliografia e eu fiquei feliz. Falei Ok, uma pesquisa, eu tenho certeza que uma pesquisa teve o apoio das pessoas do grupo. Você junta muitas pessoas, mas é muito difícil pesquisar fora da academia. É muito difícil você pesquisar. Falta motivação. Por que que eu vou pesquisar? Por que eu vou escrever um artigo para publicar? Quer dizer, isso não tem um retorno econômico, eu preciso ter outros retornos econômicos, então assim, eu sinto que isso é uma das grandes dificuldades que a gente acaba perdendo um pouco o ânimo exatamente o porquê você começa a ater ideias e o que que eu ganho com isso? Você não consegue, é muito difícil encontrar lugar para publicar. É muito difícil a gente encontrar lugares, ao mesmo tempo em que eu vejo questões fundamentais no RPG e que eu acho que deveriam ser estudadas, deveriam ser aprofundadas. Eu sempre falo assim “eu não sei se eles vão assistir, mas eu acho que nós temos algumas pessoas que deveriam ser estudadas. As obras delas claro, não as pessoas. Mais o... eu digo o Klimick72, o Ricon73, o Flávio Andrade e a Eliane. Esses quatro eu até tenho um projeto assim... o que estudar? A noção de representação de brasil, de brasilidade. Isso é um estudo pronto. Eles estão vivos graças a Deus, publicando, são pessoas acessíveis, são pessoas extremamente simpáticas, legais, eu sou fã deles. Eles têm uma educação, enfim. Eu já estou falando como fã já né? Alguém que jogou os jogos deles, leu e que tinha uma vontade muito grande de pesquisa-los. Eu acho que nós temos personagens riquíssimos. Eles assim para um estudo de sociologia. Vamos lá? O que aparece de brasil nesse desafio dos bandeirantes? E não só no desafio dos bandeirantes por que eles fizeram outro que depois é o Era do Caos, estudo vasto, delicioso

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Carlos Klimick, responsável pelo projeto incorporais e a TNI: técnicas narrativas interativas Luiz Eduardo Ricon responsável pela série mini-gurps de RPGs voltados a história. A maioria sobre história do Brasil 73

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e que é completamente possível. Vamos discutir como o Brasil é representado. O RPG discutiu o Brasil, vamos ver! Mas enfim. Aí essa falta de tempo e mais essa falta de incentivo, de poxa, eu vou estudar. Uma obra de folego: se eu fizer o doutorado eu pelo menos consigo publicar na faculdade. Tá lá ne? Vai ter a... se nem isso eu fizer vai ficar onde? Onde eu coloco esse trabalho? Porque a gente não consegue publicar e isso é um problema. Você estava comentando, você e o Wagner, a gente tem um problema muito sério que por que todo mundo recorre aos mesmos livros? Porque só tem esses. Nós temos alguns livros. O da Sônia (inclusive eu fiz um vídeo falando livro por livro) e os livros... o meu projeto futuro (vai de pouco a pouco, conforme dá meu tempo) eu quero gravar um vídeo explicando cada um dos livros. Quando eu terminar de explicar cada um dos livros eu vou começar a discutir as dissertações de mestrado e doutorado que são importantes! Nós temos a Eliane que tem uma discussão importantíssima sobre a questão da imagem a da Ana Fiori que também que tem um trabalho extremamente significativo, nós temos a discussão do Wagner também. Então, só que aí você começa. Qual o enfoque? Quer dizer, o que que a gente consegue? E como que a gente consegue contatar? Então eu acho que esse é algo que a gente acaba perdendo. Eu acho que a nossa saída seria que algum professor desenvolvesse “olha eu estou na universidade e eu estudo RPG” porque ele vai escrever artigos, ele consegue talvez publicar e a partir daí você tem uma linha (você pode descordar da linha, mas você tem uma linha) de publicação. Mas a gente as publicações, mas não desenvolve. Então todo mundo que começa do básico. Tem o livro da Andréia Pavão, tem o livro da Sonia e aí heroicamente, como Ricardo Amaral, por exemplo, o Edson Copertino, eles conseguem “ó olha, vou publicar” e aí não consegue dar prosseguimento. Porque muitas vezes, putz, tem que entrar no doutorado, muita gente sai para trabalhar, vai pra outro caminho e aí perde empolgação, perde o ânimo. Mas a gente tem publicações ricas só que eu... assim, uma vez eu fui em um congresso em Belo Horizonte e tinha uma mesa, o Matheus, o Matheus Rocha estava lá e eu o conheci. E o Matheus Rocha ele, ele, assim a gente conversando, nós dois batendo papo e ele apresentou um dia depois. Eu fui apresentar o meu trabalho sobre RPG no congresso de... Congresso Estadual, desculpa do Sudeste sobre educação, sobre pósgraduação em educação. Eu tinha dez minutos pra falar. Meus dez minutos foi falar o que é o RPG. Eu não consegui explicar a minha pesquisa, eu não consegui explicar. E aí eu terminei de explicar minha pesquisa, não, o que é RPG. O

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que é RPG? É um jogo, contação de história e papapa. Aí, quer dizer, terminou meu tempo. Eu não consegui desenvolver. Então se a gente conseguisse debater mais, discutir, aprofundar, talvez a gente conseguisse chegar a um... a algo mais aprofundado. Existem pesquisas aprofundadas, mas elas se perdem, elas ficam abandonadas

Rocha: elas ficam presas na universidade

Carneiro: é, elas ficam presas na universidade. O que seria importante é... eu lembro saiu um blog, aquele blog acadêmico de RPG acadêmico. E o Gilson também faz um trabalho

Rocha: Uhum...

Carneiro: e a gente acaba vendo que todo mundo faz o mesmo trabalho. E falta, falta esse...

Rocha: articulação talvez?

Carneiro: esse é o ponto. Então as pessoas vão dialogando longe, distante. Aí entra né o seu mérito de fazer a revista. A revista realmente é um... ah uma coisa muito curiosa. Na número dois tem um artigo do Matheus Capovilla que ele publicou na revista mais dados e ele foi meu aluno e ele começou a jogar RPG lá no colégio Etapa em Valinhos.

Rocha: que legal!

Carneiro: E aí ele entrou em Ciências Sociais. Então nós já temos um aluno que escreveu sobre RPG. Um aluno meu, ex-aluno. Como sou velho. A gente percebe a idade quando os alunos começam a fazer o... e ele jogava. Começou a jogar RPG com a gente, formou no Ensino médio, continua jogando RPG, aí eu avisei ele da revista e ele escreveu um artigo que eu achei delicioso, muito legal. E aí a gente fica pensando: a revista é um canal que precisa se manter, ela precisa cada vez mais ganhar mesmo essa força para que as pessoas conheçam. Porque outro ponto que foi fundamental foi o simpósio de RPG e educação. Infelizmente a gente só tem o primeiro. O Wagner comentou que tem muita coisa nos estados unidos que foi discutida, os nórdicos. E nós temos muita coisa só que falta aprofundar. Todo mundo “o meu trabalho de

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mestrado vai ser discutir o RPG” ponto. Aí eu não volto mais pra discutir o RPG na vida. Fica aquele trabalho e ninguém vai ler. E a gente tem um problema muito sério também na pesquisa em RPG e o Wagner acho que melhor que eu pode falar: existe muito trabalho ruim. Em que sentido? Você procura um professor e fala “professor eu quero estudar RPG porque RPG é legal; o RPG é isso” e o professor não sabe o que é RPG. Aí você escreve uma série de coisas e aí o professor, você chama pra banca com outros professores que também não sabem o que é RPG. E aí você defende, e acabou, e tudo bem. Então é assim, você tem várias pesquisas que você lê e fala “poxa, essa pesquisa não provou nada” até porque não tem uma... esse andamento, esse desenvolvimento. Eu acho que isso é uma coisa que nos falta, mas enfim tem muita coisa ainda por/à se discutir que a gente pode aprofundar e pode ser bem interessante ainda. Eu dei uma dica: quem quiser estudar a noção de brasilidade nos autores dos eventos bandeirantes, era do Caos, etc. é uma mão na roda. Eu acho que vale muito a pena, eles são muito interessantes.

Rocha: é um tema a ser levantado. Eu anotei algumas que, realmente, a gente tem uma ausência, uma falta de espaço de discussão porque a cada dia eu observo que o Facebook não é realmente um espaço de discussão. Não é um espaço que tenha o crescimento de um grupo de trabalho, não se tem. É uma mídia que não permite essa função. E eu gostei de você comentar sobre os trabalhos nas coxas ou de baixa qualidade justamente pela ausência de critério. Que critério a gente tem pra publicar sobre RPG? Que critério a gente tem pra avaliar? Teve um caso na Mais Dados que eu mandei um artigo relacionado à história de uma professora de história e ela falou eu não posso dar parecer porque eu não conheço RPG. Sensato dela isso. Só que aí eu falo onde que eu vou encontrar pareceristas que tenham conhecimento de RPG para poder questionar? É um caso curioso. E aí voltando à história do simpósio. A gente pode... deu 12 anos esse ano que a gente não tem simpósio de RPG e educação, e eu acho que aconteceu um movimento histórico e social que depois do quarto simpósio, as coisas se abriam e cada um foi pesquisar num canto. Curiosamente algumas linhas de pesquisa se convergem e alguns assuntos se tornam similares, outros distintos, mas a gente não parou pra se encontrar novamente. Tem o caso do LabJogos que é só para desenvolvimento de jogos analógicos, mas não necessariamente pesquisadores de RPG (vez ou outra aparece um pesquisador de RPG lá) e agora surgiu uma coisa curiosa que brotou um colóquio no sul sobre RPG, mas assim

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foi aberto anyway, ninguém sabia o que estava acontecendo, surgiu. E aí eu fico pensando como que o RPG que é uma estrutura, um jogo de pequenos grupos para socialização, na escala brasileira ele é desestruturado. Ao invés dele reunir, nós como pesquisadores, ele vai criando polos e muitas vezes polos subterrâneos, porque a gente não sabe de onde que vai surgir uma erupção. E eu acho legal a relação do grupo de Facebook nesse caso do estudo de RPG porque quem vai lá é um grupo muito específico: é quem está procurando pesquisa de RPG. Cada vez mais nós vamos caminhando, subindo degraus nesse campo da seriedade. Porque a seriedade vai ser sempre baseada no critério de “ó isso é válido, isso é interessante; isso é um contraponto” e cada vez mais a gente vai caminhando pra uma reestruturação desse... da ideia do simpósio de RPG e educação. Mas talvez hoje de um simpósio interdisciplinar de RPG. Porque a USP fala “ah vamos fazer...”; o Klimick comenta “ah vamos fazer uma outra estrutura”; eu as vezes dou a louca e falo que vou fazer. Todo mundo fala que vai fazer, então é uma ideia que está cozinhando. Ela só precisa voltar para o plano físico. Bom, eu tenho outra pergunta que é como que é a sua produção não de artigos de RPG, mas de RPGs? Você cria jogos? Você tem o perfil de game designer? Por exemplo, você cria as narrativas próprias ou você pega histórias prontas? Como que é esse esquema? Ou se você já chegou a publicar algum jogo?

Carneiro: ah tá. Bom, algumas coisas. Assim, uma coisa sobre a questão da quantidade de produção. Você vai me achar louco, talvez eu tenha sido, mas um dia eu entrei no currículo Lattes e digitei “RPG” e eu fui vendo um por um a quantidade de trabalhos sobre RPG de monografia e etc. e achei algumas interessantíssimas, interessantíssimas. Muita gente no Brasil, estudou e estuda RPG. Muita gente sim. Currículo Lattes eu fui entrando um por um e vendo o que que publicou. Eu fiz esse trabalho em 2008 se não me falha a memória e eu vi muita gente assim. Foi um número muito maior do que eu imaginava. Não lembro agora de cabeça, mas foi um número muito grandioso. Aí você pensa cadê esse povo? Cadê esse pessoal? E aí eu concordo com você que o Facebook não é um espaço para se reunir. O Facebook é um espaço para as pessoas se encontrarem, marcarem pra sair, curtirem coisa, comentar, falar mal de partido de A de B, mas discussões mais profundas o Facebook não funciona. Eu acredito que o Orkut tinha uma estrutura muito melhor com as comunidades que você tinha os tópicos fechados e

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estruturados com título e a gente acaba, eu acabo me perdendo assim. Nesse sentido o Facebook não é a saída. A saída talvez seja outra coisa, mas o Facebook não, com certeza não vai conseguir resolver. Quanto à questão de desenvolver, eu acho que todo jogador de RPG é um pouco de game designer. Todo jogador de RPG pensa, elabora, olha... eu, eu elaboro as minhas aventuras, as vezes quando eu estou muito apertado eu pego uma aventura pronta, eu pego uma aventura que eu já.... Mas eu sempre, sempre, a gente sempre usa algum tema. Eu evito usar um tema que “ah não, vou usar o que eu fiz num filme” aí o aluno foi lá e assistiu o filme. Aí você fica pensando “caramba”. Aí você tem que pensar de outra forma. RPG eu estou pensando. Estou rascunhando um RPG, estou escrevendo. Não espero ser publicado porque a ideia é ser um pouco polêmico. É uma ideia de usar uma ideia forte pra criar narrativas que serão um pouco problemáticas, mas sei lá, estou, e assim eu estou sem prazo. Eu estou escrevendo durante as férias. Eu estou com dois projetos: um RPG e um jogo de tabuleiro e pra isso eu estou lendo, lendo, lendo, lendo, lendo, lendo e estudando, anotando, pensando, fazendo tudo ao seu tempo. Eu pretendo fazer os dois, mas não estou com prazo em vista porque eu tenho algumas obrigações também né? Eu tenho obrigações do trabalho (que eu tenho que preparar material e etc.) e as vezes eu não posso deixar “não, eu vou trabalhar para escrever” mas eu estou rabiscando alguma coisa. Eu tinha umas ideias assim, mas me falta um pouco de ordenação mesmo.

Rocha: as vezes equipe resolve

Carneiro: opa! Fechou! Rocha: É uma sugestão. Muitas vezes falo “estou sem tempo” e na verdade o que estava faltando era gestão de tempo. Gestão de tempo envolve equipe. Curiosamente o nosso debate foi muito mais interessante que as perguntas que eu fiz. Que eu iria fazer na verdade, mas eu vou colocar assim umas sugestões e indicações. O que você sugere pra quem está começando a pesquisar RPG hoje? É um ponto. E qual é o canal que você divulga o seu trabalho? Você está com um site próprio? É um canal de YouTube? Que inclusive seus vídeos de YouTube eu achei genial a ideia, gostei muito. Eu comecei a montar inclusive uma videoteca do RPG no site da Narrativa e eu coloque

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vários dos seus vídeos, que eu achei muito legal. Porque, agora, é curioso, mas é que as pessoas estão com muita preguiça de ler. Então entre ler o Homo Ludens ou pegar o videozinho do Huizinga, todo mundo vai no videozinho do Huizinga.

Carneiro: Então, eu... sabe que isso é uma coisa que eu pensei. Eu pensei a minha dissertação de mestrado tem lá com os anexos e etc. 180 páginas. Eu pensei assim: se eu escrever um artigo com as principais ideias. Vai ler a pessoa que já leria, basicamente. A pessoa “ah opa! Gostei”. O cara que lê 20 páginas, se o livro, se a dissertação estiver legal ele lê. Aí pensei “caramba, e agora? Acho que eu vou fazer um vídeo pra divulgar.” Porque é o que eu falei: falta espaço. Por exemplo o livro do Mateus Vieira, o livro do Ricardo Amaral, fica tudo muito espaço, tudo muito... você tem sorte de encontrar, se alguém te falar. Então eu pensei em criar um canal no YouTube para falar mesmo. Para falar de livros sobre RPG e não livros de RPG. Talvez em algum momento eu possa vir a falar sobre isso, mas porque as pessoas vão falar assim “o que que existe?” “Existe. Alguém já fez. Alguém fez alguma coisa e é muito legal”. Mas o que eu considero que deva ser visto ou pensado é a ideia de que a gente... para começar a estudar. Para começar a estudar RPG acho que a primeira coisa é ler RPG. Acho que, vamos pegar o D&D, Vampiro e GURPS. Eu sei que isso daí é muito anos 90. Hoje em dia você quase não encontra direito esses livros, mas eu acho que os estilos são muito distintos, mas tem muito jogo bom aí sendo publicado pelos chamados de Cthulhu que acabou de sair. Acabou de entrar só mais recentemente

Rocha: Acabou de traduzir.

Carneiro: Né? Ele foi traduzido. Então primeiro conhecer RPG, sentar, jogar RPG e eu acho que aí entra muito a discussão do que você que r estudar no RPG. Eu acho que aí vai pela sua área. O Wagner e a Ana eles são pessoas muito iluminadas, porque, eu sou muito crítico e muitas vezes em discussões a Ana e o Wagner falam “Rafael vai com calma”. Quem ler a minha dissertação vai falar “poxa, o Rafael...” na minha defesa meu orientador e a minha banca falaram “Rafael você é muito crítico com os textos que você analisa” eu falei “tudo bem, vão ser críticos comigo”. A Ana foi. Mas enfim, é justo, a ciência é isso. A coisa que você escreveu, tem fundamento, tem defesa. Você escreveu e não tem fundamento, alguém vai falar “você está errado” e eu não

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vejo o menor problema nisso. Não vejo o menor problema em alguém apontar que eu estou errado porque eu não estou querendo ser o dono da verdade, eu estou querendo chegar a afirmações, a conclusões, a informações, a ter uma clareza, a esclarecer o assunto, então eu posso errar, não tem problema, alguém pode apontar meu erro. Agora, qual a área? Eu acho que a melhor coisa a se fazer é entrar por exemplo na revista do... no site da revista, no site do Gilson e ler ali as resenhas, pelo menos o resumo para que se possa ter alguma ideia do que te interessa porque é exatamente isso. E você vai encontrar coisa que não é boa, vai encontrar coisas boas, por exemplo, tem coisas boas, tem artigos muito interessantes, mas você vai ter que ficar garimpando de faculdade em faculdade. Eu acho que é interessante pegar os clássicos, os livros que seja: Sonia, Andreia Pavão, agora o Ricardo (e o Ricardo tem um embasamento muito maior do que elas apesar de que ele não faz um estudo tão aprofundado, ne? Ele está voltado pra desenvolver a discussão pedagógica), mas pegar esses textos sempre com muito cuidado. Ninguém acerta completamente, ninguém erra completamente. O que nós precisamos é ter um foco pra saber que há sim erros e acertos. Por exemplo: tem um livro clássico. Tem um amigo meu recente, que recentemente, ano passado acho que ele me mandou mensagem. O saindo do quadro e etc. que é o do Marcatto74. Eu falei “olha, eu tenho, mas é um livro tão antigo. Já tem uma discussão tão mais embasada, debatida. Claro. Se você quer trilhar esse caminho leia o Marcatto, a Andreia Pavão, leia a Sonia Rodrigues, mas também leia o Wagner, a Ana acerta muito, leia o Klimick (ne? A dissertação de mestrado dele que ele discute a educação para surdos), a Eliane. Então existe uma discussão bem encaminhada. Se quiser me ler eu acho que eu tenho alguns pontos pra discutir sobre a questão do sobrenatural, magia crimes. Eu busquei na minha dissertação de mestrado mostrar como há uma incoerência dentro da sociologia nessa ligação entre religião e RPG. Eu pego notícias inclusive de jornal e mostro que há aí um absurdo atrás de absurdo de absurdo. E existem alguns pontos que eu ainda quero discutir, mas que isso eu ainda estou esperando pro doutorado ne? Pra ter aquele animo de “olha eu vou estudar” o Doutorado eu quero aprofundar algumas questões que eu ainda não vi aprofundadas. Sobre pessoas, você falou aqui, 74

Alfeu Marcatto é psicólogo clínico formado pelo Instituto Metodista de Ensino Superior. Desde 1980 se dedica, como psicoterapeuta e educador, ao desenvolvimento de pesquisas e metodologias na área de mudança de atitudes. Autor do livro “Saindo do Quadro” que apresenta a metodologia para a aplicação do RPG em sala de aula.

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pessoas que aparecem e desaparecem. Eu não posso deixar de lembrar um sujeito genial que apareceu nas discussões de RPG que é o Alexandre Marcussi75. Alexandre Marcussi ele sempre aparecia nas discussões e de uma inteligência, de uma capacidade argumentativa, de um conhecimento que ele realmente faz falta na nossa discussão. Não que não tenha pessoas, mas que ele é um exemplo assim de pessoa de uma inteligência aguda que faz falta nos nossos debates.

Rocha: Perfeito. Bom eu vou fechar a entrevista agora, a não ser que você queira fazer mais alguns comentários, mas qual que é a ideia desse tipo de entrevista? Que ao final dela tenhase um, alguns links para sites e até mesmo para essa entrevista no YouTube para a pessoa ter várias perspectivas. E eu até pensei agora numa ideia de colocar o link da sua dissertação se for permitido para que o pessoal tenha acesso aprofunde mais no seu trabalho

Carneiro: tudo bem

Rocha: tudo bem?

Carneiro: tudo bem. O link, se procurar Rafael Carneiro Vasques no Google tem a minha dissertação, ela é pública. Foi financiada pelo CNPQ então eu acho que nada mais justa que a tornar pública. E a última consideração que é uma coisa que o Wagner também chama muito a atenção. A gente trocava muita figurinha, conversava muito sobre isso. Que inevitavelmente nós temos aí, penso eu, uma questão que por mais que os pesquisadores sejam importantes, ne? A gente falou muito de pesquisa, os práticos também são muito importantes. A gente não pode esquecer o Marcos Tanaka, por exemplo, que fez um trabalho significativo...

Rocha: Realmente...

Carneiro: Ele fez a diferença. Eu tenho o livro dele, conheci o cara, sensacional. Então assim, muitas pessoas participaram, muitas pessoas é, sabe, eu não acho que é só

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Historiador, atuante na área de história cultural da escravidão e da África, com Mestrado (2010) e Doutorado (2015) em História Social pela Universidade de São Paulo. É professor de História da África na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 2016

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importante o acadêmico, mas aquele professor que vai, que põe a mão na roda, que leva, esse cara faz uma grande diferença. Os pesquisadores ficam debatendo, como é, como será, o que essa... eu acho extremamente valido, mas a gente também tem que elogiar o cara que disse assim: eu vou fazer. E o Tanaka é um exemplo. Quantas pessoas, eu mesmo fazia, eu ia fazer eventos na casa da cultura em poços de caldas, aberto pra escolas, então a gente recebia todos os amigos lá para mestrar e vinha excursão de escola para a gente jogar RPG com eles. A Devir, a Ludus Culturalis sabe? Eu defendo aquela pessoa que sim ela vai fazer, vai divulgar, porque ela gosta, porque ela dá valor. E eu só queria um último ponto que eu acho que é uma coisa muito importante no RPG que a minha dissertação de mestrado trabalha um pouco com isso que o RPG eu considero que ele vai muito na contramão do que a indústria cultural ela leva. Então, isso daí faz com que o RPG muitas vezes ele é mal compreendido. Em que sentido? Você joga RPG e o que sobra? A experiência. Eu não tenho uma história “ah eu fui lá e escrevi um resumo do meu personagem, do que aconteceu com o meu personagem” isso não é RPG. “ah eu..” Percebe, o RPG não produz uma mercadoria que pode ser consumida por outros. O RPG é uma experiência vivida pelos participantes. Isso eu acho que é uma diferença, quer dizer, “se eu sair tirando foto” “se eu sair...” a situação do RPG é vivida por aqueles que participam dela. Então é exatamente isso. Você pega um livro, sabe? Se meu livro de Vampiro - A Máscara pudesse contar todas as histórias que ele narrou, todas as histórias que eu usei, todas as pessoas, é uma experiência que você não vai encontrar, sabe? Está esparso. Foi vivido. É aquilo que você falou. É orgânico. Tem menos valor? Será que tem menos valor porque ele não tem um registro material? Eu acho que essa é a discussão.

Rocha: então, eu não posso deixar de fazer alguns apontamentos. Realmente o RPG ele é ao mesmo tempo a contramão da sociedade e ao mesmo tempo ele é o que há de mais natural na sociedade, no ser humano por que ele não é um bem de consumo. Todos os jogadores de RPG têm ciência absoluta que se alguém abrir uma loja de RPG que trabalha só com RPG ele vai falir no primeiro mês e ele ao mesmo tempo não é estático ao ponto de você tirar foto, filmar o RPG “porque não, é experiência”.

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A experiência é diferente. E eu queria acrescentar que o pesquisador de RPG ele é diferente dos outros pesquisadores porque ele não... se ele ousar ser um pesquisador teórico ele não é um pesquisador de RPG. E eu acredito que, realmente, quem está dentro da academia pesquisando tem que valorizar aceitar e entender quem está na pratica. Porque a ideia do campo da pesquisa só cria mais um viés para a gente lidar com a pratica. Porque a nossa prática ela é muito volúvel. Realmente é uma experiência que vai e ela fica viva em quem esteve lá, mas quem não esteve nunca saberá. Terá uma noção parcial e essa noção parcial é como se fosse um eco daquele RPG. E o RPG acaba virando um processo profundo de encontro entre pessoas. E esse encontro... teve casos de, que eu estava lidando com pesquisadores, aconteceram dois casos que isso aparece na minha dissertação. Que foram o professorjogador e o jogador-professor. E o professor jogador é aquele que poxa, ele não joga RPG, ele leu sobre RPG, então o contato dele era de outra, era de outra percepção. E ao mesmo tempo lidar com isso... Uma vez eu estava apresentando um trabalho de RPG um simpósio de filosofia e a doutora em filosofia falou assim, “mas como que isso se dá assim, assim e assim?” E eu falei assim, “minha senhora, eu posso te explicar até aqui. Daqui pra cá onde pairam suas dúvidas é a usa experiência. Como você não a tem, eu não tenho como sanar” e eu acho que essa que é a questão: é o campo do natural e do orgânico, é o vivido. Bom, eu agradeço muitíssimo, foi muito rica a nossa conversa e vamos dialogando. Eu anotei algumas ideias pra conversar com você em off

Carneiro: legal. Rocha: E a gente se fala. Carneiro: bom! Bom! Continuaremos aqui – meu áudio ficou ruim agora – bom, muito obrigado pela oportunidade, vamos conversando mais e vamos tocar pra frente né? Rocha: Assim seja! Carneiro: Tchau, tchau. Até breve! Rocha: até breve edição 2016. Carneiro: Isso ai!

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Entrevista Jogando entre a Cegueira e a Surdez Entrevista com Jonny Garcia Transcrição do vídeo76: https://www.youtube.com/watch?v=NEjwKAtN9wE Entrevistador: Rafael Correia Rocha Entrevistado: Jonny Garcia E-mail: [email protected] / Site: jonnyggarcia.wordpress.com

Rocha: Olá! Aqui estamos na entrevista da Mais Dados 2016, Jonny Garcia, “Jogando entre a Cegueira e a Surdez”, uma das entrevistas mega interessantes desse ano. Mas primeiro, a apresentação do nosso entrevistado e convidado especial, jogador, game designer, larpeiro, rpgista, e muitos outros títulos. Jonny, por favor faça todos lhe conhecerem.

Jonny: Olá pessoal, meu nome como foi dito é Jonny eu jogo RPG, jogo Larps, eu crio jogos, principalmente Larps, é meu maior foco de designer, mas eventualmente eu brinco um pouco também RPG, em termos de designer, mas jogo RPG há muitos anos, jogo LARP bastante. Eu moro no Canadá, apesar de que sou brasileiro de São Paulo, mas moro no canada há quase dois anos e tenho bastante experiência com jogos em inglês, com nativos aqui, canadenses, então é uma troca de cultura bem interessante pra se pensar, essa questão de jogos e como que a cultura é extremante associada com os jogos, como isso é parte integrante da cultura, acho que tem bastante coisa interessante aí pra gente trocar e expandir o conhecimento.

Rocha: Vamos começar com a pergunta que eu sempre faço pra todo mundo: como você foi introduzido nesse universo dos jogos. 76

Nota dos editores: durante a entrevista nos preocupamos em manter ao máximo as marcas de oralidade e expressões do entrevistado, de forma a aproximar o quanto possível os leitores da entrevista. Algumas mudanças foram realizadas no texto, como pequenas correções de informação, que foram solicitadas por colaboradores e revisadas pelo entrevistado. Os apontamentos mais relevantes aos leitores estão indicados por notas de rodapé.

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Jonny: Então, há muitos e muitos anos atrás, era uma vez...

Rocha e Jonny: numa galáxia distante...

Jonny: (risos) Então, eu tenho um primo, o nome dele é Rodolfo, ele há muito tempo atrás, estava no colegial (isso faz mais de 10 anos) e tinha um estrangeiro que veio estudar no Brasil. Era um francês... E esse francês conhecia RPG, que mal existia no Brasil, literalmente era algo muito, mas muito incomum no Brasil, e ele ensinou RPG pro meu primo. Meu primo mandou uma carta pros Estados Unidos... Para você ter uma ideia, não tinha nem internet, ele mandou uma carta para os caras mandaram um livro para ele, era D&D, e o D&D chegou para ele. Isso era antes das lojas de RPG em São Paulo, de ter publicação, antes de estrear no Brasil, tudo isso.

Rocha: Isso devia ser o quê? Era década de 80 provavelmente?

Jonny: Só para você ter uma ideia isso era... ele é mais velho do que o meu irmão... se bobear não era nem nascido ainda. Eu tenho 29 anos. Isso... eu sei que aí foi avançando e eu lembro quando eu tinha 5 ou 4 anos, do meu irmão, que é 7 anos mais velho que eu, e os meus primos, inclusive esse, jogando na mesa da sala. Só que eu não tinha nem ideia do que era. Eventualmente eu lembro de um aniversário, e que o meu primo tinha o Livro do Monstro do D&D, segunda edição, se eu não me engano, que tava sobrando lá (em português) e ele me deu. Mas eu conheci por família né, isso assim, antes de ter lojas RPG, antes de ter publicação de RPG no Brasil, eu já via meus primos jogando.

Rocha: Isso tá parecendo aquela cena de ET, o Extraterrestre, quando os meninos estão jogando, mas ninguém tá sabendo que eles estão jogando.

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Jonny: Exatamente né, é mais ou menos por aí mesmo que foi. E até hoje eu jogo com dos meus primos, não com esse que conheceu RPG pelo francês, mas o irmão dele... A gente joga até hoje, faz mais de 10 anos, e a gente joga eventualmente, eu aqui no Canadá e o pessoal no Brasil. Então foi aí que eu entrei no universo do RPG mais especificamente... Agora, do LARP...

Rocha: Então, é porque antes da gente entrar no universo do Larp, eu quero entrar no universo do Card Game e do Board Game, que já são outras sub perguntas. Mas do RPG, quais são os seus jogos favoritos que chamam mais atenção e por quê?

Jonny: Então... Esse quesito pode ser separado em termos de cenário, né. Qual é o cenário que eu mais gosto, e em termos de sistema. Eu sou um grande fã do sistema do Apocalypse Engine, que engloba os jogos do Legião World, The Apocalypse World, por aí vai, Urban Shadows, eu sou bastante fã do sistema. Em termos de cenário, eu tenho uma tendência a gostar de cenários sobrenaturais com magia. Então por exemplo, Mago Ascensão é um cenário que eu gosto muito, o Vampiro é um cenário que eu gosto, porque tem essa coisa do mistério, da magia, de você ser um Vampiro, então do sobrenatural... Mas sumarizando as duas coisas, dos meus sistemas mais favoritos de todos, assim, é Este Corpo Mortal, por quê? Porque é um cenário aberto para você criar o que você quer, que é extremamente ligado à magia e o sistema é fenomenal, é um dos melhores sistemas que eu conheço, e um é um sistema que eu adoro. Para quem não conhece, procure saber porque existe em português...

Rocha: Eu vou trazer um exemplar para fazer uma propaganda do Este Corpo Mortal... Só um instante. (levanta)

Jonny: Este corpo Mortal é fenomenal, é um sistema incrível, pra quem não conhece, conheça, ele é publicado no Brasil... É um livro pequenininho, não deve ter nem 100 páginas, mas é fundamental. Um dos meus jogos favoritos é o Este Corpo Mortal.

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Rocha: Aqui! (mostra o volume do livro).

Jonny: Aí, cara. Muito bom!

Rocha: Só para esclarecer uma coisa, que é uma curiosidade minha. Não conheço muito sobre o autor, você sabe dizer alguma coisa sobre ele?

Jonny: Eu também não conheço outros jogos dele, não sei de muita coisa sobre ele. Esse é o único jogo que eu conheço dele, mas eu amo de paixão.

Rocha: Esse jogo, ele tem umas ilustrações tenebrosas... Só para fazer um esclarecimento para quem tá vendo, ele é um jogo tão diferente, que é um RPG que não usa dados. Você aposta com umas “fichinhas de pôquer” dentro do jogo... é muito divertido

Jonny: É... o mais legal dele é a liberdade narrativa que você tem de inserir fatos no mundo como jogador e como personagem. Então você cria o sistema, o universo, o que é que um vampiro pode fazer, o que que é um mago pode fazer, assim como você modifica a narrativa da história quando você introduz um ponto de poder... e fala assim “ah, eu quero encontrar uma arma”, “eu quero ter um crucifixo” alguma coisa assim. Eu acho que é um dos principais para quem quer conhecer mais RPG nesta linha mais narrativa, o Este Corpo Mortal é uma referência sem dúvida alguma.

Rocha: Agora, saindo do RPG indo para o Larp, Board Game e Card Game. Como foram esses contatos com esses jogos?

Jonny: Então curiosamente ou não, o meu primeiro contato com o Larp, Live Action RPG, não foi jogando, foi escrevendo e facilitando um Larp. O que acontece, eu sou performer, eu tenho uma formação em circo e tinha uma companhia de circo que estava estudando de fazer umas intervenções relacionadas a vampiro, um espetaculozinho e eu conheci o diretor,

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que falou “ah, você conhece esse RPG que os caras se vestem, andam” então eu falei “Ah eu tenho uma ideia do que que é” então ele falou “Dá pra fazer alguma coisa?” falei “não, dá sim dá para fazer” aí eu chamei um grande amigo meu que é um grande mestre RPG, Luiz Kalagar, e a gente falou “vamos fazer? vamos fazer!” e a gente escreveu. O nome do Larp era Dança Macabra e o mais interessante é que de todos os jogadores... a gente teve quase 20 jogadores e só um deles conhecia RPG, todos os outros eram artistas, performers, mas nunca tinham jogado RPG. A gente teve um galpão, super bonito, que era um restaurante, foi super legal, rolou muito bem, o pessoal adorou. Então esse foi o meu primeiro contato com o Larp e na verdade comecei organizado, não necessariamente jogando. Alguns anos depois eu tive contato com a Confraria das Ideias, através do Laboratório de Jogos, que eu fui em BH, tomei contato com os Larps da Confraria das Ideias e do Boi Voador a partir das palestras de e conversas com Luiz Prado e Luiz Falcão, do NpLarp, que também fazem parte dos referidos grupos.... eu já sabia da Confraria das Ideias, mas não era algo me chamava atenção, que não sabia direito. Mas por causa do Prado e do Falcão eu conheci efetivamente a Confraria das Ideias e comecei a frequentar. Comecei a jogar alguns Larps. E aí eu, o Falcão e o Luiz Prado fundamos um projeto que chamava Lab arp, que era o Laboratório de Larp. E aí, a cada 15 dias nós nos encontrávamos num apartamento em São Paulo, com um grupo de pessoas, e a gente jogava. O projeto durou uns 6 meses, duas vezes por mês, e dentro desse projeto foi basicamente jogos pequenos, que são os poemas de representação, com algumas exceções que a gente jogou jogos maiores, que a gente vai falar daqui a pouco, que foi o Limbo, que foi rodado, o Cegos, que é o projeto meu, um dos projetos mais corajosos que já fiz...

Rocha: Eu ia falar assustadoramente desafiadores para a mente humana, mas, "corajoso" também vale. Só para agregar algumas informações, é bom esclarecer que o apartamento era seu e que ele não estava locado. Então tinha total liberdade para jogadores interagirem com se fosse literalmente um laboratório.

Jonny: E assim, era um apartamento literalmente vazio, ele não tinha móveis. Estava totalmente vazio, a gente tinha os dois quartos, a cozinha e sala sem móveis nenhum, pra

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gente usar da maneira que a gente queria. Então às vezes a gente separava grupos, jogando o mesmo jogo em dois ambientes diferentes e a gente rolou outros jogos lá. Foi um processo bem bacana o Lab Larp, ele teve foi um ponto importante dentro da história de São Paulo para explorar os Larps da linha Nórdica. Porque o Larp ela tem várias escolas, tem Larp de Vampiro, Boffer Larp e a gente foi explorar especificamente Larp Nórdico, claro que já existia no Brasil, a gente não trouxe uma novidade, mas foi uma oportunidade de realmente trabalhar esses Larps, jogar várias vezes o mesmo jogo, a linguagem... Foi um momento importante para o que aconteceu dentro da história do Larp em São Paulo

Rocha: Sim, acho interessante como vocês exploraram a ideia do free form ou Jeep form, de como fazer o processo de explorar sensações. Agora uma curiosidade, qual era a diferença básica entre o que você estava experimentando e produzindo e outros Larps no Brasil, de outros grupos, como por exemplo, a Mega Corp ou parte da Confraria das Ideias, ou os Larps vampirescos, que são as mais comuns? É impressionante como a semente do Vampiro - A Máscara germinou no Brasil. Até hoje você encontra locais que só jogam o Live de vampiro. Mas qual era a diferença com os outros movimentos de outros grupos.

Jonny: Eu acho que o Larp como linguagem é bem abrangente, engloba muitas coisas, mas eu acho que a grande diferença que foi explorada pelo viés do Larp Nórdico foi a liberdade do jogo no sentido de que tem menos regras, claro que tem regras, mas tem menos regras. Eles são mais conectados à realidade. Ou seja, você não jokenpô durante o jogo, você não tem rolagem de dados, não tem cartas. Ele tenta ser o mais próximo da realidade possível e muitas vezes os temas dos jogos não são ficcionais, não é sobre o vampiro ou sobre um guerreiro medieval que batalha. Muitas vezes sobre ser um ser humano comum que tem problemas e falhas, e que você vai explorar de repente o término de um relacionamento com seu parceiro. Ou então você vai explorar como é o dilema de uma pessoa que está morrendo, que vai morrer e você não tem como evitar isso e como é o sofrimento. Então são temas que exploram mais o cotidiano do que uma situação fantástica. E por explorar o cotidiano, ele usa de um princípio que é o Close to Home, “jogar perto de casa” que é basicamente... é muito mais fácil você se identificar com seu personagem e ter emoções reais, do que quando você joga com vampiro ou com Guerreiro porque você tá num ambiente diferente, outro tipo de dinâmica. Enquanto que não nos jogos nórdicos, os

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que nós experimentamos é uma coisa que tá ali e é tão próximo da realidade que eu vi gente chorando de verdade, não perdendo o controle, ninguém perdeu o controle mas chorando pela emoção. Por exemplo, no Boa Noite Queridinhas, quando o cara tava matando a honra dele, quando ele tava matando a fama dele, isso cria uma certa dinâmica interna no jogador que eu acho que é mais difícil, não que seja impossível, ser alcançada por exemplo num Live de vampiro ou Boffer Larp. É totalmente possível, mas as ferramentas que o Larp Nórdico fornece para o jogador são mais potenciais para que isso aconteça durante o jogo. Então acho que a diferença está na exploração de temas mais próximos da gente, mas perto das emoções que isso causa do jogador. Acho que tá aí a diferença.

Rocha: Perfeito, o caminho mais ou menos por aí. A ideia do free form, do Larp nórdico, ele tá nessa aproximação visceral das sensações humanas e da condição humana. Quando a gente jogava por exemplo Álcool, Álcool foi o jogo terrível. Boa Noite Queridinhas, muitas vezes eu já vi o pessoal utilizar como brincadeira, mas é muito visceral. Também teve um caso de um cara que teve o maior problema pra matar a honra dele, ele era uma samurai, apaixonado por uma americana e ele ia sair do Japão e nesse boa noite queridinhas, tinha 15 jogadores.

Jonny: Nossa...

Rocha: Olha só como foi difícil para ele, ele matou do cavalo até a honra dele. Partindo pra uma situação que você falou sobre o extremo, vamos falar sobre os Cegos. Cegos é um processo extremo.

Jonny: (risos) Posso introduzir o que é o Cegos?

Rocha: Deve introduzir. Que venha direto da fonte.

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Jonny: Bom, então o Cegos é um Larp inspirado em Ensaio Sobre a Cegueira, o livro do José Saramago. Ele é um Larp de 28 horas sem pausa, sem breaks, tudo é dentro do jogo: ir ao banheiro, dormir, conversar, comer... tudo faz parte do jogo. As pessoas que decidiram jogar se dispuseram a uma experiência de 28 horas em jogo né, sem parar.

Rocha: Elas assinaram um termo de comprometimento imagino.

Jonny: Existia um termo de consentimento... Porque que existia um temo de consentimento? Porque qual foi o objetivo do Cegos quando eu pensei nesse Larp? O que eu quero com ele? Olhando para o filme e para o livro, que foram as duas inspirações, obviamente, o que eu via ali naquele livro é como o ser humano se comporta em uma situação de extremos. Quando não tem comida, ou quando você é extremamente maltratado. Como que o ser humano se desenvolve nessa condição. Então eu pensei em criar isso como um Larp, então basicamente o objetivo do Larp era fazer com que as pessoas enxergassem os limites delas, físicos, emocionais e intelectuais, dentro obviamente de uma situação controlada. Então, pra ele enxergar esses limites. Os jogadores que vieram jogar sabiam que eles iam passar desconfortos físicos, emocionais e intelectuais, isso fazia parte do jogo, quem veio participar foi de livre e espontânea vontade. Foram cinco jogadores que se candidataram para essa experiência, bravos né, e o jogo aconteceu nesse mesmo apartamento vazio, sem intervenção de nenhuma pessoa. Em termos de organização foram várias pessoas, não só eu, porque eu precisava dormir para estar ali no controle da situação. Então tinha eu, o Luiz Falcão, mais quatro pessoas se não me engano. Foram um total de 7 organizadores aí que revezavam turnos, então sempre tinha pelo menos dois. Então um ia embora e chegava outro, eu estive no processo durante todo o tempo, para garantir a segurança das pessoas. Mesmo durante a madrugada com os jogadores estavam dormindo, tinha um organizador acordado porque alguém podia acordar de madrugada e "tô passando mal" e qualquer coisa do tipo, então teve alguém que varou a noite acordado, apesar não ter acontecido nada durante a madrugada. O jogo foi extremamente intenso ouve cenas de todos os tipos, cenas de intimidade entre os personagens, que se desenvolveram, até cenas físicas extremas porque qual que era o contexto do Larp: os jogadores, assim como no livro

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desenvolvem uma cegueira espontânea, ninguém sabe por quê, E aí vinha coisa interessante do jogo: não só é o jogo de 28 horas, como é o jogo vendado. Então os jogadores eram transportados para essa residência de quarentena que era controlado pelo exército. Existiam várias na cidade, onde algumas pessoas eram alocadas para viver enquanto o governo decidia o que fazer, procurar uma cura, alguma coisa assim. Os facilitadores assumiam o papel de guardas que controlavam ali esses jogadores e dentro da casa os jogadores foram divididos em dois grupos: um grupo de 3 pessoas e um grupo de 2 pessoas, que viviam em lugares separados. Um grupo vivia na cozinha e área de serviço e uma dispensa com um banheiro, e outro grupo ficou com dois quartos e um banheiro. Os dois grupos então tinham um banheiro e ficavam separados. E tinha uma área comum a que era proibido o acesso, que era só na hora da comida que eles podiam entrar na área comum, para procurar comida. Eles podiam se comunicar por voz, por exemplo, falando alto, mas eles não podiam ter contato entre os dois grupos. E os guardas ficavam nessa área comum monitorando os dois grupos. Esse é basicamente o cenário do jogo. Ouve cenas intensas físicas, onde tentaram rebelião, e os guardas tiveram que controlar rebelião. Então teve várias cenas intensas durante o jogo, e queria deixar claro, muito importante, que o jogo não perdeu o controle em nenhum momento. Os jogadores eles tinham dois mecanismos: Eles podiam interromper, ou seja, “me dá uma folga porque tá muito intenso”, mas isso dentro do jogo, o jogo não terminava é só "me dá um break", uma pausa de um minuto pra eu respirar que tá muito intenso, ou eles poderiam desistir, não desistir que é uma palavra ruim, mas podiam decidir não jogar mais, caso passasse dos limites deles. Basicamente removendo a venda, que era o sinal de que eles estavam fora do jogo. Não aconteceu, todos que jogaram foram do início ao fim. Ouve sim um período de break, e foi respeitado, tanto que o jogador que pediu Break não saiu do jogo, por causa do break. Se o break não tivesse sido utilizado, a pessoa falou que teria saído do jogo, mas como foi utilizado a pessoa continuou dentro do jogo. Então foi tudo sobre controle e os relatos pós-jogo foram muito interessantes, apesar que eu achei que todo mundo ia me odiar por causa de certos mal tratos que foram colocados dentro do jogo. Mas o pessoal gostou muito, tem um relato de um dos jogadores, incrível, e o relato em termos de boca a boca que eu ouvi foi um dos jogadores que chegou em casa e chorou ao ver a mãe e irmã, porque ele teve a noção da falta, apesar de ter sido só 28 horas,

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o que não é muita coisa... Vamos dizer, se vai viajar, você fica 28 horas sem ver uma pessoas ou alguns dias. Mas quando a pessoa chegou em casa e viu a mãe e a irmã ela caiu em choro porque ela tava emocionalmente com os nervos à flor da pele e isso foi um momento que pra ela realmente caiu a ficha da experiência que ela teve, o quão intensa foi, e quando ela voltou para casa efetivamente e viu a mãe e a irmã e ela abraçou e chorou... no bom sentido estar alegre de poder estar com eles novamente. Então foi um jogo bastante intenso.

Rocha: Isso foi um efeito de bleed fortíssimo.

Jonny: E realmente o jogo foi pro feito para promover bleed, buscar os limites emocionais, físicos e tal, era com a intensão de promover um bleed intenso nos jogadores. E o segundo mecanismo usado para bleed é que foi o Close to Home, jogar perto de casa, ou seja, não existia a ficha de personagem, não tinha pré-determinado quem você era. Qual era o seu nome, sua idade, não tinha. Existia um questionário que você preenchia. Então eu perguntava qual sua profissão, qual sua idade, você tem família ou você não tem, você é casado ou você não é, você tem filho ou você não tem. Então tinha um questionário com uma série de perguntas para você desenvolver quem você era e a única orientação era criar algo que você sabe o que é. Ou seja, se você não tem noção do que é ser um militar, não crie um militar, você não tem ideia do que é a vida de um militar. Então, de repente, seu irmão é médico. Você tem noção da vida de um médico? Então cria um médico... ou você conhece alguém faz isso, você tem uma ideia, então cria aquilo. Não cria algo que você não tem ideia do que é porque senão o bleed fica distante, porque você não tem relação com aquele tipo experiência. Então esses foram os dois mecanismos: você criava o seu próprio personagem e você direcionava a experiência para onde você queria e com a orientação de ser próximo a você. E um dos jogadores inclusive não preencheu o questionário e decidiu ser ele mesmo, com a vida dele do jeito que é. Ele falou "eu vou ser eu mesmo, eu vou vir aqui como pessoa e não como personagem, apesar de ser um jogador e estar no jogo, mas eu não tenho um personagem, eu sou eu mesmo dentro dessa experiência". Então também teve isso que também foi bem interessante no Cegos.

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Rocha: Certo, eu ia perguntar sobre o feedback dos Cegos, mas você já esclareceu bastante, mas aí eu vou pedir um feedback do feedback, que é o seguinte: eu lembro que tinha saído pouco tempo depois dos Cegos uma postagem/artigo sobre acontecimentos do jogo. Você recorda? Acho que era pisando em cacos de vidro, alguma coisa assim.

Jonny: Sim, isso foi na verdade um relato77 do Luiz Prado, ele é um jornalista, e além disso ele é um jogador de longa data, um pesquisador e um produtor, escritor e criador de Larps, então a forma como ele escreveu esse relato foi extremamente intensa, foi super interessante.

Rocha: Foi, foi, eu fiquei assustado.

Jonny: Inclusive a repercussão até gerou uma certa polêmica no Facebook sobre o Cegos, porque gerou um questionamento sobre se o que eu estava fazendo, desenvolvendo, se era um jogo, era um Larp, ou não era um Larp e era um experimento psicológico. Houve esse questionamento.

Rocha: Eu acho que eu houve esse questionamento porque, se me recordo bem, você tem um reconhecimento a parte sobre psicanálise, não é?

Jonny: Na verdade eu sou psicanalista já trabalhei Hospital Psiquiátrico já...

Rocha: Isso deixou o pessoal meio desconfiado.

Jonny: Oi?

A resenha de experiência foi publicada no site www.nplarp.com.br com o nome de “Sangrando em cacos de vidro” e pode ser acessada em 77

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Rocha: Isso deixou o pessoal meio desconfiado.

Jonny: (risos) é.

Rocha: O pessoal pensa "vamos para um larp de um psicanalista, numa casa... né" (risos). Só como um adendo, vamos entrar em contato com o escritor do artigo porque a gente pode publicar esse artigo na revista, anexo à entrevista, porque eu acho que deixa mais rico.

Jonny: Eu posso conversar com ele, a gente conversa com ele e vê qualquer que é, se ele tem interesse em estar publicando isso, mas a gente conversa com ele.

Rocha: Certo, importante. Bom próximo tópico... Ok, então vamos lá, a vida é assim, depois da cegueira vem o Canadá.

Jonny: Certo...

Rocha: Como é o Canadá Gamer, como que é o jogar no Canadá, como são os hábitos, o RPG no Canadá, como posso dizer.

Jonny: Bom existe sim diferenças culturais entre os jogos no Brasil e os jogos os canadenses, não em termos de quais jogos que eles jogam, porque eles jogam as mesmas coisas que a gente. Jogam D&D, jogam Apocalipse World, eles jogam Larps que já foram jogados no Brasil e aqui também. Não é a questão dos jogos que são jogados ou dos temas, mas sim como são abordados os temas. Eu tenho bastante contato com o Larp aqui, então assim, no último ano eu já joguei mais de 50 Larps, todos da linha Nórdica, nunca joguei Boffer Larp ou Vampiro Larp aqui, são todos da linha nórdica, criei muitos jogos nesse processo que estou tô aqui, devido às experiências que eu tive, eu criei vários jogos, Larps principalmente, mas assim a grande a diferença que eu vejo é o reflexo da cultura.

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Então tudo que a gente cria, tudo que a gente vive no nosso dia-a-dia é o reflexo de quem nós somos, que na verdade é construído pela cultura, que inclui a educação dos nossos pais, a escola que a gente frequenta, a sociedade onde a gente vive, os amigos nós temos, as notícias que nós lemos no jornal e aí, por exemplo, no Brasil, sendo bem simples, não quero ser abrangente, mas no Brasil, você encontra uma pessoa que você nunca viu, por exemplo: você e seu amigo estão lá na balada, ou num bar e aí seu amigo te apresenta alguém. "Ah, esse aqui é o fulano ou a fulana". Se é uma mulher normalmente você já cumprimenta dando beijo no rosto, ou dois, três, dependendo da região que você tá no Brasil, né. Aqui no Canadá não. Você dá um oi assim (demonstra), as vezes você dá a mão para a pessoa, “meu nome é tal, eu sou fulano de tal”. Então assim, isso que seria frieza, de não ter proximidade... Eu não vejo como frieza, eu vejo como outra forma de estruturar as relações. Ela demora mais que o brasileiro? Sim, ela demora mais pra você desenvolver uma amizade porque eles vêm as coisas de forma diferente. Eu estava conversando com um professor de inglês, porque eu trabalho numa escola de inglês aqui, e ele fala que no inglês a forma de você ser respeitoso com alguém é você dar espaço pra pessoa. Então ao invés de você falar "ou, vamos no cinema hoje", você fala "eu estava pensando se você gostaria de ir no cinema hoje". Porque quando você fala "você quer ir no cinema hoje?", tem um senso de imediatismo que você está cobrando uma resposta. Então você diz "eu estava pensando em ir no cinema hoje" é tipo assim, uma ideia, o que você acha? Eu te dou espaço pra pensar. Essa noção de espaço é considerada respeito. O não cobrar o imediatismo, porque é considerado rude, ainda mais se for uma pessoa que você não conhece, você não cobrar algo dela. Mesmo se for uma resposta simples: "você quer ir no cinema ou não?". É uma demanda que você tá fazendo da pessoa.

Rocha: Então deixa ver se entendi, algumas coisas não vão ter tradução, tipo "bora" não tem tradução.

Jonny: Não tem tradução, seria "Do you like to go?", você gostaria de ir? Então tem diferença, essa história de você sair do trabalho, encontrar os amigos e ficar até meia noite trocando ideia não é comum aqui, não é de práxis, porque eu tô falando disso? É que eu vou

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falar agora de como isso afeta a cultura, então eles têm essa relação um pouco mais separada, um pouco mais distante, principalmente no início da relação. Então nos Larps que vem da tradição Nórdica, quando eles chegaram nos EUA, mas não só, foram desenvolvidos mecanismos de segurança, que é basicamente o break e o cut. O break significa que você precisa de um tempinho, porque está ficando muito intensa a coisa, afasta, muda de assunto, muda o tom de voz, para de fazer pressão física, você pede um break pra pessoa, é algo que acontece dentro do jogo. O jogo não para, você só comunica break, a pessoa entende. Você só comunica Break a pessoa entende porque é uma regra, ela sabe e ela vai mudar o assunto, ou a forma de falar, ou como ela está interagindo fisicamente com você. E a segunda é o cut, que é pra parar o jogo, quando uma pessoa fala cut, ou seja, “interrompa”, todos os jogardes interrompem o jogo. O jogo termina ali, e se for possível, se os jogadores concordarem o jogo volta, se não, não tem problema. Outro mecanismo é o que eles chamam de portas abertas, se você não tá sentindo confortável, você fala pro narrador "to indo embora", você pega as suas coisas e vai embora no meio do jogo. Não interrompe o jogo das outras pessoas e você simplesmente vai embora. Porque você está se sentindo desconfortável, uma série de coisas. Isso é comum nos Larps que você lê, você tem essas regras, nem todos os Larps Nórdicos têm essas regras, o que é interessante, porque muitas vezes eles não pensam sobre isso, porque não é uma questão que permeia a cultura deles, mas e aí, por exemplo, um jogo muito bacana, chama M versus M, é um jogo tipo escola do professor Xavier enfrentando a guerra civil dos mutantes contra os humanos, que é um jogo muito interessante que eu joguei, é um jogo americano, jogo criado por três ou quatro americanos. E um amigo meu canadense foi jogar com a mulher dele nos Estados Unidos, e esse é um jogo de cenas, então tem horas que você está jogando e tem horas que você tá assistindo, como um expectador, e aí o jogo tem uma regra que é proibido tocar, encostar, ter interação física com outro jogador, você não pode tocar em outro jogador, é uma regra que o jogo coloca. E esse meu amigo tava com a esposa dele assistindo a cena de outros jogadores, eles não estavam jogando e a personagem da minha amiga tinha morrido dentro do jogo, o mutante dela tinha morrido uma explosão. E ela estava emocionalmente frágil, né. Então ela sentou do lado do marido e abraçou o marido. Um dos organizadores veio falar para ela que

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ela não podia ter contato físico dentro do jogo. O cara falou "meu, vai catar coquinho né" tipo né, se liga, “a gente não tá jogando, ela precisa de um abraço agora”. Mas por quê? Porque isso é coisa da cultura deles. E aí vindo pro RPG tem uma coisa que eu nunca vi no o Brasil, não sei se existe gente que usa isso no Brasil, que eles chamam a carta X. Aí de repente o mestre começa a falar alguma coisa, que mexe com algum assunto interno seu, você começa a sentir desconfortável... Você pega a carta só mostra para o mestre, ou seja, muda de assunto, para, faz alguma outra coisa... É a carta x, ou seja que é basicamente um Break

Rocha: Eu vou usar essa carta X quando os meus jogadores ficarem zoando a minha mesa.

Jonny: (risos) é o inverso né.

Rocha: sim, "eu sou o narrador e vocês estão fazendo isso".

Jonny: Então assim, acho que isso é reflexo da cultura aqui, tipo não ter essa relação com as pessoas, de ser um pouco mais distante, eles se protegem mais, então tem essa relação e eu acho que isso se reflete dentro da cultura dos jogos, e assim, é uma coisa que é tão espalhado, isso da carta X, que todas as mesas de RPG que eu joguei tem carta X, eu tenho amigos que vão em convenções nos Estados Unidos, como a Gen Con e outras, a carta X é presente lá... Então assim, é uma coisa que é meio parte do jogos aqui, independente do sistema que você joga você usa carta X. E a carta X fica lá e não é uma coisa que vem escrito no manual do jogo é uma coisa que é incorporada em todos os jogos desde Monsterhearts, a D&D, a Gurps, assim os caras usam carta X, entendeu? Então acho que é uma coisa do reflexo da cultura canadense e norte-americana das relações interpessoais que são trazidas pra entro do jogo. Acho que é meio por aí.

Rocha: Agora vamos chegar a um ponto alto da nossa entrevista, todos os pontos foram altos, mas esse daí é o último ponto alto. Nos falamos do Jonny cego, agora nós vamos falar do Jonny surdo e explorar e revelar questões suas como game designer do limite, como

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game designer dos extremos. Falando sobre o seu novo projeto de jogo, um projeto do jogo que trabalha com o ensino do Braile, perdão! Língua de sinais! Que aí você parte para um outro âmbito do game designer que é o jogo educacional, só que ao mesmo tempo divertido, então ele se torna o que eu realmente chamo de jogo educacional, porque quando se tem um jogo que ele ensina algo, mas o foco dele é conteúdo, eu classifico como jogo didático, não classifico como jogo educacional. Porque o educacional ele envolve absorver novas informações, mas ao mesmo tempo ter percepções e interpretações e perspectivas sobre o que você está absorvendo. Eu acho interessante que a maioria dos jogos no Brasil, quando são de educadores ou de pessoas que querem trabalhar com jogo, são sistemas de jogos didáticos, o foco é sempre conteúdo e pouco se trabalha da percepção do sujeito sobre o conteúdo, então não sei como que você fez essa magia, mas você fez um pulo do jogo didático, você pulou o jogo didático. Primeiro, por favor fale sobre esse jogo e aí a gente vai garimpando na entrevista.

Jonny: Então, o jogo, o nome dele é Silence, ou Silêncio, porque ele é focado no ensino da Língua78 de Sinais. E porque eu criei esse jogo? Eu trabalho em uma escola de inglês, que é para estrangeiros, são pessoas que vem de outros países para estudar inglês aqui no Canadá, que faz parte de uma faculdade que é George Brown College. E eu trabalho num departamento que chama Student Success Team, que é o time para fazer os estudantes serem bem sucedidos, e uma das nossas funções é criar workshops que acontecem todos os dias, e aí a gente tem workshops tanto didáticos, no sentindo de que o cara vai lá pra treinar a escrita dele, a audição dele, a leitura dele, como a gente tem workshops que são mais ligados à diversão, ao entretenimento, por exemplo, vai assistir filme e obviamente você tá trabalhando a escuta do aluno. E aí, de onde surgiu o American Sign Language, que é a Língua Americana de Sinais? Eventualmente uma pessoa começou a trabalhar no meu departamento e ela é surda, e eu nunca tinha... Claro que eu sei da existência de surdos desde muito tempo né, mas eu nunca tinha tido um contato tão próximo com um surdo. Eu via ela toda vez que eu ia lá pro Deixamos a observação de que no inglês o termo “Language” é usado tanto para os significados de “Língua” como “Linguagem”, que em português possuem palavras diferentes. Como o entrevistado está habituado ao uso da palavra “Language”, mesmo falando em português ocorreram referências à Língua de Sinais (que é uma língua independente, como ele mesmo indica corretamente), como “linguagem” de sinais, o autor então validou a mudança desses termos na transcrição da entrevista. 78

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escritório, ela tava lá trabalhando, e ela é uma designer gráfica e assim, na minha cabeça Língua de Sinais era algo muito difícil, sabe? Impossível de ser apreendida, que você tinha que aprender desde criança, era algo que dava muito trabalho. Mas um dia... Ah, antes de eu contar sobre isso... a gente foi na despedida de um dos colegas de trabalho, a gente foi num restaurante, tinha todos os colegas, inclusive a nossa colega surda. E todo mundo no restaurante trocando ideia, conversando um com outro e essa amiga surda mexendo no celular. A hora que eu vi aquilo... eu fiquei "nossa, que zoado, né, que clima..." todo mundo feliz, trocando ideia, dando risada, conversando, sorrindo e ela olhando celular. Por quê? Porque ninguém tinha habilidade, o conhecimento para conversar com ela na língua dela, né? A língua dela é o American Sign Language, que é uma língua independente, ela não é dependente do inglês, é uma língua independente, é como o português, o inglês, o francês, o italiano. É uma língua independente como é a libras no Brasil, que a Língua Brasileira de Sinais. E aí eu vi ela mexendo no celular, aquilo mexeu um pouco comigo, mas ainda tinha essa ideia de que a American Sign Language era muito difícil de ser aprendida... Bom, isso passou, e um dia no final do expediente, essa minha amiga surda... Veio a mãe e a irmã no escritório porque elas vieram das Filipinas, de onde essa minha amiga é, e elas estavam visitando o Canadá por duas semanas e elas vieram só pra se encontrar e ir fazer alguma coisa. Aí eu vi a irmã dela se comunicando com a minha amiga na Língua de Sinais Americana, ai eu falei "nossa! que legal, que diferente!" e eu perguntei para irmã dela "você conhece algum site que dá pra aprender?" e ela disse "ah, eu não conheço, aprendi tudo com a minha irmã. Ai outro dia eu vi minha amiga surda usando um site, aí eu pensei "nossa, tem um site que dá para aprender, nossa que legal!". Ai a gente fala "puts, é tecnologia né, tem de tudo." mas às vezes a gente não tem acesso ao recurso, não sabe o endereço e tal. Aí eu achei um site e resolvi aprender. Isso foi em dezembro do ano passado, estamos em abril agora, eu tenho um pouco superior a 1.500 palavras, ou seja, eu consigo conversar com uma pessoa surda expressar algumas ideias que eu quero da mesma forma como expresso em português ou como expresso em inglês, e aí, isso evoluiu pra um workshop. Eu e essa amiga surda começamos a ensinar língua de sinais na escola de inglês para os alunos estrangeiros. Olha que legal! São pessoas que falam uma língua que não inglesa, como língua mãe, vem pro Canadá aprender inglês e ainda estão aprendendo a

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Língua de Sinais Americana, que é basicamente usada nos Estados Unidos e Canadá. E aí a gente começou a ensinar e fiquei pensando "como eu posso fazer pra criar algo adicional pra esses alunos que eles aprendam e faça eles praticarem, meu foco era em como eles podem praticar em outro tipo de ambiente que não seja a sala de aula. Porque às vezes o ambiente da sala de aula tem aquele tipo de conversa limitada né, que é o tópico, eu queria algo mais solto, que despertasse neles a curiosidade, de falar "poxa, eu não sei essa palavra, como é essa palavra, como é o sinal pra isso?". Então despertar essa curiosidade e sair um pouco daquela ideia de que "eu sei o que o professor me ensina e eu aprendo o que ele me ensina" eu queria despertar essa curiosidade e fazer eles pensarem "poxa, eu preciso aprender essa palavra, eu queria saber como falar isso". Ser algo que eles percebam que eles precisam e por isso incentivar o aprendizado deles. E falei "Bom, vamos criar um RPG né, vamos criar o Silêncio, o Silence. Então qual é a ideia do jogo? Curiosamente, quando a gente conversou, eu te mostrei a primeira versão do jogo e ela já mudou, algumas coisas já mudaram em termos de regra. Então qual que é o primeiro background do jogo, o jogo foi inspirado num anime, mangá, chamado Sakura Card Captors. Para quem não conhece qual que é esse mangá: é uma menina que ela tem uma série de cartas, cada carta representa um espírito. Esses espíritos não são referentes a pessoas, são espíritos naturais, por exemplo espírito da madeira, espírito da água, espírito do clima, espírito do fogo, espírito do infinito. São conceitos. E esses conceitos estão espalhados pelo mundo e causam problemas e a função dela é capturar esses espíritos e eles viram uma carta. Aí futuramente ela pode invocar o espírito para ajudar ela fazer alguma coisa. Então ela precisa escalar um prédio, ela pode invocar o espírito do voo ou do movimento pra colocar ela no topo do topo do prédio. Pensando nisso, eu falei "bom, o cenário do jogo qual que é: existem dois mundos, existe o mundo real, onde a gente conversa sem problemas e existe o mundo dos espíritos. Os espíritos interagem com o mundo real, eles podem movimentar um objeto e tal, mas eles não têm a fineza de movimentar uma caneta para escrever algo ou desenhar algo na parede. Eles não conseguem fazer isso, mas ele tem uma língua, que a língua dos sinais, ou seja, eles podem se comunicar através de gestos. Então, os personagens do jogo são pessoas que tem ciência de que existem esses espíritos e que as vezes eles causam problemas e função deles é capturar esses espíritos. Eles possuem um espírito Guardião, que é um

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espírito que dá informação para eles, então eles podem fazer perguntas para o espírito guardião e tal.

Rocha: Como que eles capturam os espíritos, que eu fiquei curioso agora e preciso te perguntar isso.

Jonny: Vou chegar lá. Quando um espírito aparece, por exemplo, a primeira aventura que eles jogaram, o espírito da canção estava tocando uma música de dormir e ele botou todos alunos de escola para dormir. Então tava todo mundo dormindo, sendo felizes lá nos sonhos deles. O problema era que eles não acordavam, se eles não acordavam, eles não comiam, as pessoas estavam preocupadas, então tinha esse problema pra resolver. Então o espírito do guardião aparece e fala para eles que tem um problema numa escola “x”. Só que esse falar é através de sinais, então quando espírito, né, quando eu como mestre, assumo o personagem do Espírito Guardião eu faço a Língua de Sinais para os jogadores. Aí a pergunta é, mas se eles não sabem como é que eles vão aprender? Na Língua de Sinais a primeira coisa que você aprende é o alfabeto: A, B, C, D... Então é possível soletrar uma palavra que tem um o sinal próprio para aquela palavra, então como é que acontece: eu faço o sinal daquela palavra, se os jogadores não sabem eu soletro a palavra. Aí eles anotam, por exemplo, “escola é assim” (faz o sinal) na Língua de Sinais Americana, então eu soletro e-s-c-o-l-a (fazendo sinais). Aí eles "ah, legal, aprendi uma palavra nova, escola". E aí eu comunico uma mensagem, aí legal, aí eles vão lá pra escola, vão investigar o que está acontecendo, e efetivamente eles encontraram um piano antigo, que uma pessoa tocou uma música nesse piano e aí acabou libertando o espírito da canção, e aí eles tiveram até oportunidade de trocar ideia com o espírito da canção, tudo em língua de sinais, quando eles não sabem um sinal, ele soletra, eu ensino o sinal e aí eles vão trocando ideia. Então, de uma forma geral, o jogo funciona dessa forma. Então sempre que eles se comunicam com espíritos é necessária a língua de sinais, quando eles não sabem uma palavra, eles soletram e eu ensino o sinal para aquela palavra. Capturando um espírito né... o jogo começa, a aventura começa com cada pessoa tendo um espírito, então eles começaram com três jogadores então eles começaram com três espíritos. Aí assim, capturar um espírito, o jogo não é focado em combate ele é mais na

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linha do Scooby-Doo, uma linha de mistério que você tem que pesquisar, investigar, olhar, observar, e pensar numa solução para o problema, sem necessariamente entrar em um combate físico. Tem combate físico, pode ter no jogo, mas não é muito o foco, o foco é descobrir e ter uma ideia bacana pra resolver o mistério. Então como que eles resolveram, eles conseguiram chegar até o piano e tocar a música que estava sendo tocada, no caso eu escolhi uma música, Moon Light Sonata, música clássica e eles tocaram a música ao contrário, de trás para frente, e aí o espírito foi preso novamente dentro do piano. E aí obviamente isso é convertido numa carta para o jogador e na próxima sessão eles podem usar o espírito da canção. Então cada espírito o jeito de capturar é diferente, é muito da situação do espírito, por exemplo, o espírito do tempo, ele tinha um relógio de bolso e o relógio de bolso funcionava ao contrário porque o espírito sugava a vida das pessoas. Então as pessoas vão envelhecendo e o espírito ganhando vida, ou seja, o espírito ia ficando cada vez mais jovem. Então o relógio de bolso que era a chave do espírito, ele rodava ao contrário porque tava voltando no tempo para o espírito, então o que que eu jogadores fizeram... Eles pegaram o relógio fizeram o tempo ir para frente, então o espírito foi capturado por que eles fizeram o espírito envelhecer até o ponto em que ele não tinha mais a vida que ele tinha sugado das pessoas. E ele voltou a ficar preso no relógio de bolso. Então cada espírito é capturado de uma forma e muitas vezes essa forma é da ideia dos jogadores, às vezes eu penso em uma forma pré-determinado mas se o jogador tem uma puta de uma ideia bacana, deixa ele fazer, não tem problema nenhum, não precisa seguir exatamente a rega que foi criada para capturar o espírito né. Então é basicamente isso, como funciona o jogo do Silêncio né.

Rocha: Eu quero adicionar uma coisa, você incrementou com aquele elemento do uso de cartas com os símbolos da língua ou isso ficou distinto?

Jonny: Eu não coloquei isso no jogo, porque a gente conversou e você me deu essa sugestão né... E aí o que acontece, atualmente eu já joguei 5 sessões do jogo, toda terçafeira eu jogo, a gente tem workshop de língua de sinais depois a gente tem um jogo. Tenho três jogadores, só que um desses jogadores é novo, meio que rolou uma troca, um saiu e o

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outro começou, e eles se divertem pra caramba e tal. Então assim, em termos educacionais como é que funciona o jogo: eu planejo, tem o manual do jogo, tá escrito, tô aprimorando esse manual, mas basicamente quando eu planejo uma ideia né primeiro eu planejo qual é o espírito que vai ser usado para aquela situação do jogo e eu planejo quais são os vocabulários possíveis a serem ensinados. Porque às vezes, durante o jogo, para quem conhece RPG sabe que não dá para controlar 100% as coisas, os jogadores vão fazer uma coisa que você nunca pensou. Então eu penso em cerca de 15 palavras que podem ser usadas, que possivelmente serão usadas por causa de quem é o espírito, dos lugares onde eles vão frequentar. Então eu penso nessas palavras e elas ficam de stand by ali para eu usar durante o jogo. Muitas vezes, assim, quase 7 ou 8 desse vocabulário aparecem durante o jogo, mas sempre aparece uma palavra nova. Por que os jogadores têm uma ideia que eu não pensei. E aí eles acabam aprendendo uma palavra nova. Aí eu sempre tenho um papel comigo em que eu anoto as palavras que não foram planejadas, porque depois do jogo, quando o jogo termina, quando eles capturam um espírito, eu reviso todas as palavras que foram usados naquela sessão. Então eu pergunto “como é que fala a palavra X” e eles “ah, é assim, é assado” e se eles não lembram obviamente eu relembro eles. E aí numa segunda sessão de jogo, no começo da sessão, eu tendo a revisar novamente as palavras que foram aprendidas na última sessão, que são normalmente entre 10 e 15 palavras por jogo que eles aprendem. O jogo dura 2:00 e aí eu percebi, cara, que eles lembram 95 ou 90% das palavras. De 10 a 15, às vezes eles esquecem uma ou duas, todas as outras eles lembram porque, até falando em termos de memória, que é uma das áreas que eu estudei, não é simplesmente uma palavra solta que eles aprendem. O que é diferente da aula, eu vejo que na aula no workshop eles tendem a esquecer muito mais o vocabulário do que no jogo. Tudo bem que na aula tem mais palavras, eles aprendem cerca de 30 palavras durante a aula, mas não tem contexto, é tipo assim: hoje a gente vai aprender sobre escola, então a gente vai aprender mesa, cadeira, borracha, lápis, professor, aprender... Você vai aprender palavras associadas à escola e obviamente você vai ter um exercício de conversação, né, perguntar onde você estuda, qual é sua sala de aula, que horas você acorda para vir para escola, mas é um pouco sem contexto, é meio um pouco forçado assim: vamos conversar sobre “isso”.

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Rocha: Posso fazer só um complemento da sua frase? Eu acredito que não é contexto, mas é sem narrativa, porque quando a gente pensa em contexto... Vamos entender contexto como cenário, está dentro de um cenário, só que não está relacionado. O que a narrativa faz é justamente relacionar os conceitos, aí que está o grande X do jogo, ele vai relacionar conceitos dentro de um contexto. E aí que tem o efeito.

Jonny: Exatamente. Porque aí é muito engraçado, porque quando eu falo “como é a palavra x?” eles lembram de uma cena do jogo, quando tentaram destruir o piano, quando eles tentaram atacar o piano e não deu certo, e aí tem um sinal que eles aprenderam. Eles nunca esquecem o sinal de destruir, porque deu uma consequência gravíssima nos personagens, um voou para trás, bateu na parede, quase desmaiou! Então assim, eles lembram porque tem uma história associada para aquele momento, que faz eles lembrarem a palavra. Então percebi que não era necessário ter essas cartas demonstrando como fazer o sinal porque eles mesmos memorizavam, eu percebi que isso não era uma ferramenta necessária do jogo e que assim, pelo menos nessas 5 sessões, que teve aproveitamento em termos de aprendizado, ele é altíssimo, 90% sempre, o índice menor de uma sessão foi 4 palavras que eles não lembravam, de 14. Então é um índice muito bom, em geral eles esquecem uma ou duas e quando um esquece o outro lembra, então é uma coisa que está funcionando muito bem. Então eu acabei optando por não usar esse sistema das cartas e assim o jogo é um RPG, mas ele tem um pouco o foco diferente, por exemplo, ele tem uma narrativa que é construída dentro do jogo, mas o jogo começa já com um problema. Poxa, você tá no metrô (já coloco a situação de cara), você tá no metrô e de repente você vê alguém começando a ficar velho, o cabelo crescer e ficar branco, a pele da pessoa começar a ser sugada e você viu as rugas aparecendo. O que é que você faz? Então eu já coloco eles num contexto diferente, às vezes sem ter aquela história de unir o grupo, de criar relação, eles já têm essa coisa. Meu estabelecimento é que eles são estudantes, eles moram num dormitório, ou seja, eles moram no mesmo ambiente e quando o jogo começa ele já começa numa situação problema, em geral, ou então senão é uma situação-problema imediata, eles percebem um problema. Que nem na última sessão, que era o espírito da névoa, e eles acordaram com muito frio. Eles acordam de madrugada com

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uma temperatura de menos 5 e quando eles olham para fora tenho uma neva que eles não conseguem enxergar mais de 5 metros na frente deles. Então os personagens não têm um background riquíssimo, eles são estudantes e muitas vezes o jogo ele é focado principalmente no trabalho em equipe. Ou seja, o que é que a gente vai fazer, como a gente vai resolver esse problema, eles discutem, “a gente vai fazer isso, vamos invocar tal espírito”. “Ah sou eu”, quem vai? Aí eles “o que a gente vai falar para o espírito?” eles conversam, aí se um não sabe o sinal, o outro ensina para ele, o sinal é esse assim, “ah legal”. O jogo é focado na resolução do problema, claro que tem a narrativa, que ajuda nisso, os personagens eles existem, mas não tem uma construção riquíssima em termos de background. Quem são os personagens? De onde eles vieram umas coisas que a gente faz durante o jogo é que a gente constrói a cidade à medida que o jogo vai acontecendo. Então a gente tem uma que a gente vai construindo aos pouquinhos, a cada novo evento ou local que eles vão eles colocam, eu falo “onde vocês acham que fica isso?”. Vocês querem que fique no centro da cidade, mais perto da praia, eles têm essa liberdade também de decidir coisas na história, então o jogo fica um pouco entre o jogador e o personagem, muitas vezes dá para ver que não tem o personagem, mas o jogador como pessoa tentando resolver um problema dentro de universo ficcional. Então é mais ou menos uma brincadeira, assim: você, Rafael, se acontecesse isso com você, como você resolveria? Às vezes o jogo acaba ficando um pouco nisso, às vezes não, porque para mim o foco, ali, eles aprenderem a língua de sinais, eles praticarem a língua dos sinais e eles colocarem isso num contexto. Ter essa associação, isso ser forte na mente deles.

Rocha: O interessante é que você apresenta como se fosse nem um jogador nem um personagem. Como se fosse um “joganagem”.

Jonny: Exatamente.

Rocha: Um dos pontos que eu gostaria de questionar, primeiro: existe ficha e sistema de dados ou sistema de regras específico? E outra coisa, ouvir você me recordou duas coisas:

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a sensação que deu foi também que você deu um salto em relação àquela ideia da Terra de Og que era: a gente depende da língua, mas em pequenas palavras, só que eram palavras restritas. No seu caso não, você abre para “vamos coletar palavras com mais fluidez” e também lembra a ideia do Goblins Malditos, que é: “qual sua história”, “eu sou um Goblin”. A história do personagem se resume assim “eu sou um Goblin”. Bom, basicamente isso, se existe ficha e sistema de regras para o uso de dados.

Jonny: Sim, na primeira versão do jogo eles tinha uma ficha de personagem e aí eu percebi que a ficha do personagem era praticamente não usada durante o jogo. Era somente usada para fazer os “ticks” (marcações) caso o personagem sofresse algum dano físico ou então tem um processo no jogo que chama condição, que é basicamente: você tá cansado ou emocionalmente estressado, isso te influencia no jogo. Então era basicamente fazer os “ticks” na ficha. Aí eu pensei "Nossa que inútil, eu imprimi a ficha e tinha três “ticks” na ficha e já jogava o papel fora ou então utilizava ou verso, muito inútil, tem que pensar o sistema melhor. Então atualmente não existe ficha de personagem, o que existe são fichas em que nós usamos peças de damas que representam a vida, as condições do personagem, que pode ser mental, física e pontos de dano e pontos de sorte. O ponto de sorte é a habilidade do personagem de mudar o destino do dado, então quando o dado não é favorável ele pode usar um ponto de sorte para mudar esse dado, se tornar favorável para eles. Todos eles têm dois pontos de sorte não cumulativos, ou seja, se eles usarem ou não usarem é independente, na próxima sessão é sempre dois. Então a questão aqui é que não tem um papel... O único papel que existe no jogo é o abecedário, então tem uma cópia impressa do abecedário com figurinhas de como é cada letra para que eles consultem durante o jogo se eles precisarem. Nas últimas sessões ninguém usou mais porque eles já memorizaram o abecedário. Então ninguém precisa mais, mas tá lá caso eles precisem. Em termos de dados, eu estou para testar nesta terça-feira a terceira mecânica de dados. Todas as mecânicas usam dois dados, a primeira se divide em um dado de consequência um dado de sucesso. Então ele poderia ter um sucesso extraordinário e uma consequência terrível, um sucesso parcial e uma consequência terrível ou nenhum sucesso e uma consequência terrível. Ou o oposto, não ter consequência, ter uma consequência parcial ou uma consequência grave.

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Ou seja, eles eram divididos em três categorias, cada dado, com sucesso completo ou consequência muito ruim, sucesso parcial ou consequência parcial ou não sucesso e não consequência. E aí era uma combinação dos dois dados. Isso foi a primeira vez, eu achei interessante, mas eu fiquei “acho que dá para simplificar isso e ser mais interessante”, aí eu pensei em usar dados fudge, que são aqueles dados que tem mais e menos. Fiz um teste na semana da sessão passada, eu acho que ficou legal, ficou mais interessante do que a primeira sessão, mas qual foi o meu pensamento “dados fudge não são dados comuns de serem encontrados” então pras escolas às vezes é mais comum um dado de seis faces, que eles pegam de um War, ou de qualquer outro jogo, do que usar um dado fudge. Pensei “talvez não seja tão interessante usar o dado fudge”. Mas porquê que eu pensei no dado fudge, porque ele é simples de ver, é um “mais” e um “menos”, é bem clara a consequência. E aí, eu, partindo disso, vou testar uma nova mecânica que é com dois dados, mas não tem nada a ver com consequência e sucesso, basicamente o dado tem dois valores, então 1, 2 e 3 é fracasso, 4, 5 e 6 é sucesso. Aí se eles rolarem os dois dados e os dois dados forem fracassos, algo muito ruim vai acontecer, se um dado dá certo e outro fracasso, significa que eles vão ter resultado parcial e se os dois dados tiveram sucesso, significa que eles vão ter um sucesso completo, que é basicamente é mecânica do Apocalipse World só que no Apocalipse World você soma os valores com um atributo e você compara com uma tabela, se é 10+ 7, 9, 6 ou menos, eu excluí essa tabela, até porque o jogo não tem atributos. Então assim, um dado foi sucesso, então é parcial; os dois dados têm sucesso, então é completo. E o porquê de tudo isso? Porque o meu foco não é jogadores, claro que gamers podem jogar o jogo e vão se divertir, mas o meu foco é, de repente, aquele aluno que nunca teve contato com o jogo, que é o meu caso, porque os três jogadores com quem eu jogo nunca jogaram RPG na vida, então é melhor se eu for o mais simples possível dentro do que ofereça diversão para eles e seja desafiador, e não seja um jogo no qual é super fácil resolver os problemas. Os personagens às vezes eles suam frio porque está difícil capturar o espírito. Então o jogo propicia isso de uma forma muito simples, por que o foco está na resolução do problema, está na dinâmica do grupo e está no aprendizado de sinais, claro que a ferramenta de contação de história do RPG, ele é um é suporte, ela vem pra propiciar isso para o jogador.

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Então o jogo não necessariamente é um jogo para se desenvolver uma grande história e ser maravilhoso, pode acontecer? Pode. Mas o foco está no aprendizado de uma forma lúdica, diferente, educacional, então é por isso que essa mecânica funciona nesse jogo. Então resumindo, não tem ficha de personagem, mas eu uso fichas de pôquer ou do que você quiser usar, e sempre uma mecânica de dois dados de seis faces. Agora vamos ver como vai ser a terceira versão de mecânica de regras.

Rocha: Perfeito, agora eu quero só concluir a nossa entrevista falando sobre uma pergunta informal que a gente fez no início, que é, qual é a sua relação com o extremo e o limite, com as predações, com os bloqueios, com as ausências, restrições.

Jonny: Um segundo.

Rocha: Tudo bem, música de elevador.

Jonny: Antes de responder a sua pergunta eu queria falar uma coisa muito importante, que é falar sobre as referências do jogo, porque eu acho que ninguém cria nada do zero, e referências são extremamente importantes pra gente entender e pesquisar, então queria explicar quais foram as referências, de onde veio o jogo. Cenário, Sakura card Captors e aí eu usei dois jogos como inspiração de mecânica, um dos jogos é esse aqui, chama Magicians, (mostra) ele é um jogo pra você aprender coreano, então basicamente os jogadores são capazes de soltarem magia, só que para eles soltarem magia eles têm que falar em coreano, e aí tem três mecânicas dentro do jogo pra você aprender coreano, tem a simples, a média e a complexa. A simples é, você só precisa usar algumas palavras, por exemplo, soltar uma bola de fogo. Você fala "soltar" e aí você fala "fogo" em coreano. Aí a média e a complexa você tem que formular a sentença inteira em coreano. Então esse foi um dos jogos, chama Magicians, o autor desse jogo é o Kile Simons. Escrito e desenhado por Kyle Simons, então é um jogo bacana, um jogo que tem essa proposta educacional. Eu nunca joguei o jogo, eu comprei, li, mas eu nunca joguei o jogo, mesmo porque eu acho que o facilitador precisa entender de coreano pra poder mestrar o

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jogo. O outro jogo em que é inspirado é o jogo do John Harper ele tem vários mini hacks 79 do Apocalypse World, eu li vários, então não tem um especificamente, mas foram jogos do John Harper por um conselho de um amigo, ele disse "ah, dá uma olhada nos jogos do John Harper" então eu li mais de um jogo. Então tem o Lady Black Bird, tem alguns jogos do John Harper, então eu vou deixar a referência mais como do autor do que um jogo específico. Foi de onde eu tirei as inspirações do jogo, e, por fim, o último comentário sobre o Silence é que apesar de eu usar para ensinar Língua de Sinais Americana, ele é possível para qualquer língua de sinais, não sei se ficou claro, então só pra esclarecer, pode ser usado com a Libras, dá pra ser usado com Língua de Sinais Japonesa, dá pra ser usado com qualquer língua de sinais, porém o facilitador tem que ter conhecimento da língua de sinais pra poder administrar a sessão do jeito que ela é, com o potencial que ela pode adquirir. Depende do facilitador conhecer a língua dos sinais, é a única restrição do jogo, os jogadores não precisam saber nada. Dito isso, vamos para a pergunta né, a minha relação com o extremo. Acho que essa pergunta, a gente comentou superficialmente, eu sou um psicanalista, eu sou hipnólogo, ou seja, eu pratico hipnose e eu sempre fui muito curioso com experiências, se eu for citar todo o meu background é engraçado porque eu sou mágico, hipnoterapeuta, psicanalista, dançarino, eu faço muitas coisas, sou performer de circo, então sempre fui uma pessoa que busca por experiências. Eu acho que a experiência é a única forma efetiva de se aprender alguma coisa. Você pode até ir pra aula lá, ler um livro, mas eu acho que o que vai definir o seu conhecimento é quando você senta ou se propõe pra fazer aquilo na prática, ou seja, se você está aprendendo inglês, a sua experiência vai ser validada quando você conversar com alguém fora do ambiente da sala de aula. Essa é a minha perspectiva, claro que é válida a sala de aula, ela é fundamental, mas acho que você vai ter noção do que você está aprendendo, acho que a ficha cai quando você encontra uma pessoa e você diz "eu preciso falar inglês agora". Ai você percebe o quanto você sabe e o quanto você não sabe, eu acho que a experiência real ali ela te dá uma noção, uma auto avaliação do seu conhecimento sobre algo. Então eu sempre fui uma pessoa de experiência, quando eu começo a aprender algo eu quero a experiência real. Eu não quero só a teoria. Então eu comecei a aprender a língua de sinais e eu aprendi

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Estratégias não regulares para burlar regras em um jogo, obtendo vantagens, comuns em jogos eletrônicos. Popularmente chamados nos RPGs como combos.

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praticamente sozinho, estudando comigo, mas eu queria conversar com pessoas surdas porque pra mim elas são o teste máximo, é conversar com alguém surdo. Eu vou num encontro todo domingo pra conversar com pessoas em American Sign Language, e essa minha amiga surda do escritório, a gente sai pra trocar uma ideia, vai fazer compras, vai no Mc Donald, porque pra mim... Claro, por causa da amizade, mas porque eu também quero ter a experiência de conversar com essa pessoa surda num ambiente que não é da sala de aula, que não tem o vocabulário linguístico limitado do trabalho, que só fala de certos assuntos, eu quero falar sobre tudo. Eu quero falar sobre esportes, eu quero falar sobre jogo, eu quero falar sobre vida pessoal, na língua de sinais. Porque eu acho que isso valida a minha experiência. Então assim, de uma forma geral eu sempre busco experiências. Porque isso me ensina, isso é quem eu sou. São pessoas e experiências e aí os meus jogos trazem isso né. Quando eu crio um jogo eu tento criar uma experiência para o jogador, claro que todo jogo e toda situação cria uma experiência? Sim, claro, você sentar e jogar RPG com os amigos é uma experiência, mas muitas vezes o foco do jogo não é a experiência. O foco do jogo não está em propiciar uma experiência. Por exemplo, o foco do jogo do Silence não é a experiência do jogo, é a experiência da comunicação na linguagem de sinais. Ele usa o jogo como uma ferramenta de comunicação na língua de sinais, porque é essa a experiência que eu quero dar para os meus jogadores, que eles utilizem a linguagem de sinais para se comunicarem como se eles se comunicassem com um estranho na rua pra pedir informação. Essa é a experiência que eu quero propiciar, porque é isso que lá fora vai validar o quanto eu sei linguagem de sinais ou não. O quanto que aquilo é familiar pra mim. Então por exemplo o Cegos, o Cegos pra mim ele é uma experiência pra você sentir o seu limite físico. Passar fome. Você já passou fome mesmo né? Ou não? Qual que é a experiência de passar fome? Então isso foi incluído dentro do jogo. Os jogadores chegaram 10h30 da manhã e só foi ter comida as 18h da tarde, entendeu? Então assim, claro que não é passar fome como uma pessoa que não come há muitos dias, mas é uma ideia, uma noção daquela experiência. Ficar sem dormir, eu mandei os jogadores... autorizei né, porque eu ficava acordando eles, a dormir duas horas da manhã e acordei eles as 4h30. Então assim, o cara já tá passando fome, ele dorme quase nada. O guarda maltrata ele, empurra ele, não tem cuidado com a pessoa, então é essa experiência do maltrato, de alguém não se importar com você,

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o que é que isso trás para o jogador? Então assim, eu considero o Larp, principalmente o Larp, mas o RPG também... ele é uma forma segura de experimentar a realidade. É uma forma segura onde você pode falar "ah, legal, para... vamos pensar sobre isso". Porque, às vezes, na vida real, você não tem tempo pra pensar, você brigou com a namorada ou com o namorado, é real, não dá pra você falar "ou, vamos voltar atrás, vamos começar a fazer de novo?". Não dá. No jogo dá, você fala assim "poxa, peraí, volta." Então acho que isso permite uma reflexão posterior. "eu vivi essa experiência, eu tive esse sentimento, como isso me afeta?". E você pensa sobre aquilo e fala "olha, que legal, eu não sabia isso sobre mim." ou "olha que interessante, eu descobri isso na relação de eu com aquela pessoa". Então a minha relação de limites é porque eu acho que o limite pra mim... Eu considero limite quando você se expõe a situações reais que de alguma forma validam o seu conhecimento ou a sua experiência e o real não necessariamente precisa ser... pode ser dentro do jogo, porque eu garanto pra você que as pessoas que jogaram Cegos tiveram experiências reais, apesar de ser um jogo controlado. A experiência de passar fome e ser maltratado fisicamente e psicologicamente foi uma experiência real né, então assim, eles tinham controle... Eles poderiam tirar a venda e dizer "para! eu não quero mais jogar isso, isso pra mim é demais." Então tinha um controle, eles podiam voltar a fase, começar de novo, mas era uma experiência real, então o meu jogo, quando eu crio algo eu tento trazer essa experiência da realidade pra dentro do jogo. Não só a experiência da ficção né, eu quero mais que isso, eu acho que a ficção é interessante, mas ela tem um limite, e o limite que eu quero é pra além disso. Só comentando rapidamente, eu criei um jogo de terror, o nome dele é Espectro, é um jogo que durou 7 horas, é um jogo que foi jogado num acampamento, de madrugada, começou às nove horas da noite e foi noite adentro, e aí as quatro primeiras horas do jogo era preparação psicológica. Teve sessões de hipnose dentro do jogo e a ideia do jogo é que os personagens têm problemas psicológicos, depressão, dupla personalidade, todas essas coisas que a gente vê por aí, tabagismo, vícios, e eles vão pra essa clínica que é um acampamento, quase um retiro, com uma terapia revolucionária que vai curar tudo. Só que na verdade o jogo é um jogo de terror, ou seja, tem um cara que é um assassino e ele vai matar todo mundo durante o jogo, é um dos jogadores. Porque o grande lance do jogo é que tem uma máquina que grava as emoções das pessoas quando elas

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vivem algo. Então as sessões de hipnose eram usadas para trazer experiências para as pessoas, por exemplo, ir numa montanha russa ou passear numa praia e aí depois disso, quando o assassino, que era escolhido dentro do jogo, ele começava a matar as pessoas, as pessoas podiam ouvir como foi a experiência da pessoa sendo morta, pela visão do assassino ou pela visão do assassinado né, da vítima. E aí, um dos jogadores, quando terminou o jogo, que ele foi o primeiro a morrer, ele falou assim: "o que eu acho mais interessante no seu tipo de design, Jonny, é que você, apesar de ter mecânicas de segurança, o seu jogo não é focado na mecânica de segurança" e eu concordo com ele. E ele, curiosamente ou não, ele é sueco, e na Suécia, essa história de ter break e cut não existe80. Os jogos lá não tem isso, então os jogos são muito intensos então foi familiar pra ele, porque relembrou os jogos que ele jogava lá, na Suécia e nas convenções que ele vai lá, no Knutpunkt, então ele relembrou isso. Então claro que existe a possibilidade do jogador parar, sim, mas eu quero explorar uma outra coisa. Eu quero explorar a sensação real, porque isso valida a sua experiência como pessoa, das coisas que você viveu, então é por isso que eu foco nesse design de experiências mais do que necessariamente a experiência da ficção apenas. A experiência do real, eu acho que eu busco um pouco isso nos meus jogos.

Rocha: Parabéns! Muito obrigado... você foi extraordinário e é bom apresentar como que os game designer brasileiros se desenvolvem e o que é que a gente produz, por favor continue criando nessa linha, essa linha dos limites e dos extremos e quando for possível escreva um artigo, uma resenha ou até mesmo se quiser publicar o Silence pela revista, pro pessoal conhecer um pouco mais a fundo.

Jonny: Claro, claro. Tem uma série de jogos que a gente pode conversar depois que vão meio nessa linha, eu tenho jogo sobre suicídio, tenho jogo sobre câncer, alguém morrendo né, então com certeza. É a linha que eu exploro mesmo, essa linha dos limites, da experiência e vamos conversando, a gente vai escrevendo. Obrigado pela oportunidade de

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Inserimos aqui outras observações validadas pelo entrevistado após a revisão da entrevista. Apesar de esse trecho estar generalizando o uso de “safewords” na Suécia, vários Larps suecos fazem o uso delas. Talvez na comunidade jogadora desse amigo sueco, ou na época, não houvesse essa preocupação. Porém, essas regras de segurança também podem ser encontradas lá.

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estar apresentando um pouco dos meus projetos, das coisas que eu faço, então muito obrigado, e vamos conversando, vamos ver até onde a gente vai.

Rocha: muito obrigado e por hoje é só. Revista Mais Dados 2016, entrevista com Jonny Garcia, até mais!

Jonny: Tchau!

Rocha: Tchau!

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Publicação de Jogos

Silence Um jogo por Jonny Garcia

Silence by Jonny Garcia is licensed under a Creative Commons Attribution-NonCommercial 4.0 International License.

[email protected] jonnyggarcia.wordpress.com

Introdução Silence é um jogo de contação de histórias, um RPG (role-play game). Cada jogador irá interagir com a história e com os demais jogadores. A proposta deste jogo é educacional, tendo como objetivo ensinar a Língua dos Sinais. Tendo em mente o foco educacional, o jogo possui poucas regras e elas são universais, ou seja, são sempre aplicadas da mesma maneira. O mais importante é a interação entre os jogadores para resolver e lidar com as situações oferecidas pelo facilitador. O Jogo Silence foi desenvolvido para aquisição de vocabulário na Língua dos Sinais, logo, o público alvo são pessoas iniciantes. Apesar da existência de diversas Língua dos Sinais, tais como Libras, ASL, QSL, JSL, este jogo suporta qualquer uma delas, pois ele é apenas uma ferramenta que pode ser aplicada independente da língua de sinais. Este jogo não requer que os jogadores possuam conhecimento prévio em jogos ou mesmo em Língua dos Sinais. O facilitador precisa conhecer a Língua dos Sinais e para cada sessão de jogo ele precisará reservar cerca de 30 minutos para organizar a sessão. As sessões de Silence são aventureiras e com clima de mistério, algo semelhante a um episódio do desenho Scooby Doo. Assim como no desenho, o foco dos jogadores está em desvendar um mistério sem necessariamente precisar combater fisicamente o inimigo. O aspecto mais importante deste jogo está na interação social entre os jogadores e no trabalho em equipe, em discutir e decidir juntos o que fazer. Baseado nesta idéia, o sistema de regras para este jogo é minimalista. Cenário Este jogo possui uma forte inspiração no manga Sakura Card Captors. O universo do jogo é semelhante ao nosso mundo, porém Espíritos existem e possuem a capacidade de interferirem no cenário. A palavra Espírito não se refere a almas de pessoas falecidas, mas

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sim Espíritos como representantes de conceitos, como por exemplo: Espírito da água, da luz, do infinito, da música e etc. Espíritos não são malignos ou benignos, porém muitas vezes o que eles representam e sua forma de existência pode causar complicações e por isso eles precisam ser detidos. A cada sessão de jogo, os jogadores irão enfrentar um Espírito e seu objetivo é capturá-lo. Os jogadores possuem contato com um Espírito diferenciando, nomeado como Espírito Guardião, o qual os auxilia na captura dos Espíritos que estão agindo de forma problemática. Os Espíritos não são capazes de se comunicar oralmente, logo a única forma de conversarem é através da Lingua dos Sinais. Sempre que os jogadores interagirem com um Espírito será necessário o uso da mesma. Sessão Cada sessão de jogo, nomeada como “aventura”, dura duas horas. Depois que aventura terminar o facilitador irá revisar os sinais aprendidos. Durante a aventura os jogadores irão aprender sinais, alguns deles terão sido previamente pensados pelo facilitador e outros não. Durante a sessão o facilitador deve anotar os sinais utilizados que os jogadores não conheciam ou tiveram dúvidas, para que nos últimos 30 minutos eles possam ser revisados. As aventuras seguem uma estrutura básica, a qual permite que o facilitador crie uma aventura com apenas 30 minutos de preparação. O fluxo de uma sessão segue basicamente a seguinte sequência:



Uma missão é apresentada aos jogadores, em geral pelo Guardião



Os Jogadores investigam o local para descobrir a fonte do problema



Os Jogadores elaboram um plano para resolver o problema



Os Jogadores resolvem o problema



O Facilitador revisa os sinais aprendidos durante a sessão

Para preparar a sessão de jogo, o facilitador deve responder as seguintes questões: •

Qual é o Espírito que está causando problemas e como tudo começou?



Como os jogadores ficarão sabendo do problema?



Quais são as mensagens do Espírito Guardião?



Quais são as 10 palavras que serão ensinadas durante a sessão?



Quais outros sinais que possivelmente podem ser usados durante a sessão?

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Onde o problema está ocorrendo?



Quem são as pessoas afetadas pelo problema e quais as consequências?



Quem são as pessoas importantes para a aventura?



Qual seria uma das possíveis soluções para o problema causado pelo Espírito?

Exemplos de criação de uma aventura seguindo a estrutura acima:

Qual é o Espírito que está causando problemas e como tudo começou? Como exemplo, irei escolher o Espírito da Canção. O Espírito da Canção estava aprisionado em um piano antigo armazenado no porão de uma escola chamada Arrowsmith. Um aluno que decidiu cabular a aula se escondeu no porão e por curiosidade tocou o piano e acabou liberando o Espírito. O Espírito da Canção com sua música coloca pessoas para dormir e as aprisiona em sonhos.

Como os jogadores ficarão sabendo do problema? O Espírito Guardião irá aparecer para os jogadores e comunicar o problema.

Quais são as mensagens do Espírito Guardião? Escola Arrow ajudar precisa

Quais são as 10 palavras que serão ensinadas durante a sessão? Nesta etapa o facilitador irá escolher o vocabulário que ele deseja transmitir durante a sessão de jogo. É possível que nem todas as palavras escolhidas sejam ensinadas, porém outras palavras, dependendo do andamento do jogo, podem se fazer necessárias. 1. Escola 2. Ajuda 3. Música 4. Porão

148

5. Dormir 6. Acordar 7. Tocar 8. Piano 9. Flecha 10. Escutar

Quais outros sinais que possivelmente podem ser usados durante a sessão? As palavras escolhidas nesta sessão estão relacionadas com possíveis questões que apareçam durante a sessão. Esta etapa ajuda o facilitador a se preparar para a sessão de jogo. •

Pais



Não conseguir



Pessoas



Comer



Morrer



Doença



Preocupação

Onde o problema está ocorrendo? Em uma escola chamada Arrowsmith.

Quem são as pessoas afetadas pelo problema e quais as consequências? Alunos e funcionários da escola. Caso as pessoas adormecidas pelo Espírito não sejam acordados elas irão morrer de fome.

Quem são as pessoas importantes para a aventura? Para está aventura não há nenhuma pessoa importante.

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Qual seria uma das possíveis formas de resolver o problema causado pelo Espírito? Os jogadores devem encontrar o piano e tocar a música que foi usada para despertar o Espírito, de trás para frente.

É importante que o facilitador permita que outras soluções se apliquem. Os jogadores podem bolar algum plano interessante para resolver o problema. Mesmo que o plano dos jogadores não seja o mesmo que o facilitador pensou, ele deve estar aberto a mudanças. O mais importante é o trabalho em grupo e interação entre os jogadores.

Respondendo às perguntas acima o facilitador terá a estrutura da sessão pronta. Alguns detalhes adicionais importantes são explicados abaixo. Detalhes A Língua dos Sinais é uma língua que utiliza o espaço tridimensional como recurso intrínseco para comunicação. É muito interessante que recursos visuais sejam usados durante a sessão para representar os aspecto visual da língua. Por exemplo: no exemplo da aventura criada acima existe uma escola, seria interessante representar os prédios e as áreas que a escola possui com papeis e caixas. O uso deste recurso cria o hábito nos jogadores de utilizar a visão como ferramenta de compreensão da comunicação.

As perguntas a seguir são utilizadas para clarificar elementos, ou acrescentar detalhes à história. Essas perguntas muitas vezes não se não serão usadas. •

Existe alguma circunstância que pode ser representadas com objetos?



Defina o que o Espírito é capaz de fazer.



Caso existam inimigos, quem são eles e o que eles são capazes de fazer?



Quais são as possíveis áreas de exploração durante a aventura? Para cada área crie um mapa.

Existe alguma circunstância que pode ser representada com objetos? Sim, a área externa da escola e o porão.

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Defina o que o Espírito é capaz de fazer. O Espírito da Canção utiliza cordas musicais para realizar os seguintes feitos: •

Colocar uma pessoa para dormir



Imobilizar uma pessoa



Levitar e controlar objetos



Tocar músicas que fazem as pessoas ficarem tontas e perderem o senso de equilíbrio

Caso existam inimigos, quem são eles e o que eles são capazes de fazer? Existe um cachorro na área externa da escola que tentará atacar os jogadores. •

O cachorro possui 4 pontos de saúde, mas ao sofrer dois ferimentos ele irá fugir.



O cachorro é capaz de morder e causar 1 ferimento.

Quais são as possíveis áreas de exploração durante a aventura? Para cada área crie um mapa. Os jogadores poderão explorar a área externa da escola, na qual possui: uma quadra de futebol e uma quadra poliesportiva, dois prédios de três andares onde estão localizadas as salas de aulas, um prédio que possui serviços como: cafeteria, biblioteca, área de estudos e laboratório. O prédio de serviços possui um porão onde fica o piano. Sistema de Regras O sistema de resolução de conflitos para este jogo foi inspirado no jogo Ghost/Eco desenvolvido por John Harper (http://www.onesevendesign.com)

Ficha de Personagem (há um papel em que são feitas as marcas?) Devido à natureza visual da Língua dos Sinais não existe uma ficha de personagem em papel. Cada personagem possui marcadores de diferentes cores. Os marcadores podem ser representados com fichas de pôquer ou mesmo peças de damas e etc. Marcadores de Saúde representam a vitalidade do personagem. Marcadores de sorte podem ser utilizados para alterar os dados. Marcadores de Condição são utilizados para aplicar consequências a ação de jogadores que não causam perda de vitalidade. Pontos de Saúde

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Cada personagem possui sete pontos de saúde. A cada ferimento que o jogador sofrer, ele recebe 1 marcador e ao receber 7 marcadores o jogador irá desmaiar. Como regra geral, os personagem não morrem, apenas perdem a capacidade de interagir com a história. Os jogadores sempre começam uma sessão de jogo saudáveis, ou seja, eles não possuem nenhum ponto de saúde marcado. Cada noite de sono recupera 4 pontos de saúde. Condições Condições são uma forma que o facilitador possui para impor consequências ao jogadores sem reduzir pontos de saúde. Possuir uma condição indica que o jogador sofre penalidade de -1 no dado que obtiver sucesso e com menor resultado. Existem dois tipos de condições: físicas e mentais. Condições físicas se aplicam quando o jogador está realizando qualquer tipo de ação física como correr, saltar, fugir, lutar e etc. Condições mentais se aplicam a qualquer tipo de ação que não seja física, como por exemplo: mentir, seduzir, invocar um Espírito e etc. Condições são temporárias, de uma forma geral, elas desaparecem na próxima cena de jogo. Vejamos alguns exemplos:

Ao ser arremessado pelo Espírito da Canção contra a parede, o jogador adquire a condição tonto. Ao enfrentar o Espírito da Força o jogador é capturado e aprisionado com barras de metal, sofrendo a condição aprisionado.

Resolução de Ações O facilitador é responsável por administrar o resultado das ações dos jogadores. Em algumas circunstâncias, explicadas abaixo, é necessário que o jogador role dois dados. Sempre que o jogador rolar os dados os valores individuais de cada dado 4, 5 e 6 são considerados sucessos enquanto que os valores 1, 2 e 3 são considerados como falhas. Após rolar os dados, os jogadores devem contar quantos dados obtiveram sucessos.

Existem dois tipos de ações possíveis durante o jogo. 1. Jogador declara uma ação. 2. Facilitador declara uma ação contra os jogadores.

Jogador declara uma ação

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Quando o jogador declarar uma ação identifique se ela é possível de ser realizada.



Caso não seja possível informe o porquê e pergunte o que o jogador deseja fazer.



Caso a ação seja possível de ser realizada, identifique se existe alguma consequência ou risco associado.



Caso não exista risco ou consequência, descreva o resultado da ação do jogador.



Caso exista algum risco ou consequência, peça ao jogador que role dois dados. Baseado no resultado dos dados descreva o resultado da ação dos jogadores.

Exemplos de ações que não são possíveis •

Atacar um Espírito fisicamente



Voar



Usar um super poder

Exemplos de ações que são possíveis e não possuem risco ou consequência •

Abrir uma porta destrancada



Conversar com alguém



Usar computador para procurar algo no Google

Exemplos de ações que são possíveis e possuem risco ou consequência •

Atacar um inimigo fisicamente



Escalar um muro



Arrombar uma porta



Saltar entre prédios



Invocar um Espírito

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Facilitador declara uma ação contra os jogadores Quando o Facilitador declarar uma ação contra os jogadores, (uma consequência está preste a ser aplicada contra os jogadores) descreva o que está para acontecer. Pergunte aos jogadores o que eles irão fazer em reposta ao que está para acontecer e então solicite que eles rolem dois dados. Baseado no resultado, descreva o que aconteceu.

Exemplos de ações declaradas pelo facilitador contra os jogadores •

O Espírito da Canção usa uma corda musical para levitar um sofá e jogar contra os jogadores.



O Espírito da Canção usa sua música para tentar colocar um dos personagens em sono profundo.



Um cachorros aparece e está prestes a atacar os jogadores.



Um guarda avista os jogadores arrombarem uma porta e grita para que eles fiquem parados.

Ações Possíveis Os jogadores interpretam pessoas comuns sem nenhum tipo de habilidade especial, logo, eles não podem voar, soltar magias e fazer coisas extraordinárias. Apenas com o uso de Espíritos os personagens podem realizas ações além da capacidade humana. De uma forma geral, Espíritos não são afetados por ataque físicos, logo é preciso da ajuda de outro Espírito para atacá-los Dados Este jogo utiliza dois dados de seis faces. Valores 1, 2 e 3 são considerados falhas, enquanto que valores 4, 5 e 6 são considerados como sucessos. Depois de rolar os dados os jogadores devem contar quantos sucessos obtiveram. Quando os jogadores declaram ações eles irão rolar dois dados. Se ambos os dados demonstrarem sucessos eles obtiveram um sucesso completo. Caso apenas um dado demonstre sucesso, eles obtiveram um sucesso parcial. Caso não tenham obtidos sucessos, eles falharam. Sucessos Um sucesso completo indica que a ação do jogador irá ser executada da melhor forma possível. Um sucesso parcial indica que a ação desejada não irá acontecer exatamente como o jogador deseja, permitindo que o facilitador interfira na ação. Com uma falha o jogador não conseguiu realizar o que deseja, ou sofreu um grande consequência.

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A consequência de uma ação não necessariamente precisa ocorrer no mesmo instante da ação e não necessariamente contra a personagem que falhou ou obteve um sucesso parcial. Por exemplo, ao invocarem um Espírito e falharem, os jogadores acabam despertando a atenção do Espírito que está causando problema fazendo-o se preparar contra os jogadores. Vejamos alguns exemplos:

O jogador deseja atacar Sucesso Parcial: causa 1 ferimento. Sucesso Completo: causa 2 ferimentos.

O jogador deseja convencer um personagem a fazer ago Sucesso Parcial: o personagem concorda em fazer o que lhe é pedido desde que ele receba alguma vantagem imediata. Sucesso Completo: o personagem irá fazer o que lhe foi solicitado e não pedirá nada em troca.

O jogador deseja abrir uma fechadura Sucesso Parcial: o personagem consegue abrir a fechadura, mas acaba estragando-a ou faz barulho. Sucesso Completo: o personagem consegue abrir a fechadura sem chamar atenção.

O jogador deseja fugir de um cachorro que o está perseguindo Sucesso Parcial: o jogador chega onde deseja, porém o cachorro ainda o persegue. Sucesso Completo: o jogador chega onde deseja e despista o cachorro. Pontos de Sorte Cada sessão de jogo os jogadores recebem 2 pontos de sorte. Pontos de sorte não se acumulam entre sessões. Os pontos de sorte tem como objetivo mudar os dados e com isso alcançar resultados melhores. Após rolar os dados, o jogador pode usar pontos de sorte para mudar um fracasso para um sucesso. Logo, se o jogador falhar nos dados com dois fracassos (ambos os dados possuem valores 1, 2 ou 3), ele pode obter um sucesso parcial. Caso tenha um sucesso parcial (1 sucesso), ele poderia obter um sucesso completo. Vejamos um exemplo:

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O jogador está tentado atacar o cachorro e rola 1 em ambos os dados. Ao gastar um ponto de sorte ele pode escolher ter um sucesso parcial podendo atacar o cachorro e sofrer uma consequência. Espíritos Na primeira aventura os jogadores devem receber 1 Espírito por jogador, mínimo de três, ou seja, mesmo que haja apenas 2 jogadores eles ainda receberão 3 Espíritos. O Espírito possui um nome, que indica o domínio do mesmo como por exemplo: água, luz, sombras, música e etc. Os espíritos só podem realizar ações que estejam associadas com seu domínio de atuação. Por exemplo, o jogador que possui o Espírito do Escudo, ao invocá-lo pode utilizá-lo para criar uma armadura de proteção, barricar a entrada de uma sala, ou mesmo proteger se proteger de uma queda. Sempre que um Espírito for invocado, com exceção do Guardião, é necessário uma rolagem. Os jogadores então comunicarão com Espírito através da Língua de Sinais e o facilitador irá realizar o que foi pedido. Caso o teste de invocação tenha sido um sucesso completo, a ação do Espírito será a melhor possível. Caso seja um sucesso parcial, o Espírito irá fazer o que pode, possivelmente acarretando uma consequência para os jogadores. No final de cada aventura o Espírito que estava causando problemas será adicionado ao grupo, podendo ser invocado em futuras aventuras. Inimigos É possível que os jogadores enfrentem inimigos, personagens que tentem impedir os jogadores de conquistarem seus objetivos. Inimigos podem ser desde um cachorro que persegue os jogadores ou um Espírito que controla pessoas para atacar os jogadores. Inimigos possuem apenas 3 estatísticas: pontos de saúde, pontos de dano e habilidades. Pontos de saúde indicam quantos ferimentos o inimigo pode sofrer antes que seja destruído. Pontos de dano indicam quantos ferimentos o inimigo pode causar quando atacar. Habilidades são descritas através de frases ou palavras que indicam ações que o inimigo pode realizar. Quando o facilitador desejar utilizar um dos inimigos para realizar uma ação contra os jogadores, ele deve escolher uma das habilidades que o inimigo é capaz de realizar, como por exemplo: colocar alguém para dormir. As habilidades não são gastas, elas representam ações que os personagens não jogadores são capazes de realizar. De uma forma geral, inimigos possuem 4 pontos de saúde. Inimigos naturais, como pessoas (sem nenhum tipo de controle), ou animais, temem a morte e ao sofrerem 2 ferimentos e tendem a fugir ou desistir. Em geral, os inimigos causam apenas 1 ferimento. Vejamos alguns exemplos de inimigos:

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Cachorro •

4 pontos de saúde, porém foge ao receber 2 ferimentos



Causa 1 ferimento ao atacar



Habilidades: Morder, perseguir

Sonâmbulo controlado pelo Espírito da Canção •

4 pontos de saúde



Causa 1 ferimento de dano ao atacar



Habilidades: Atacar os jogadores

Monstro de Ar •

4 pontos de saúde



Causa 1 ferimento ao atacar



Habilidades: Sufocar alvo, arremessar um alvo longe, criar um vendaval, levitar objetos

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Facilitador Funções O facilitador possui uma série de funções no jogo: •

Preparar a sessão



Descrever o que os pesagem estão vendo, ouvindo e sentido



Assumir o papel de qualquer personagem que não seja os jogadores



Ensinar sinais



Anotar sinais aprendidos durante a sessão

Preparar a sessão Usando as questões apresentadas anteriormente o facilitador irá criar uma aventura.

Descrever o que os pesagem estão vendo, ouvindo e sentido Durante a sessão o facilitador é responsável por descrever o que os jogadores percebem sobre o mundo, ou seja, o que eles veem, ouvem e sentem.

Assumir o papel de qualquer personagem que não seja os jogadores Durante a sessão de jogo, caso os jogadores interagem com outros personagens, o facilitador deverá representar o personagem em primeira pessoa.

Ensinar Sinais Durante o jogo, quando o facilitador assumir o papel de um Espírito ele irá usar a Língua dos Sinais como ferramenta de comunicação com os jogadores.

Anotar sinais aprendidos durante a sessão O facilitador deve tomar nota de sinais que sejam ensinados durante a sessão. Estas notas serão úteis para revisar os sinais aprendidos ao final do jogo.

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Princípios Durante o jogo o facilitador possui alguns princípios a serem seguidos, os quais irão ajudar na condução da sessão. •

Conduzir o jogo para que ele se desenvolva



Fazer perguntas



Incentivar que os jogadores a usarem a imaginação



Incentivar que os jogadores interajam entre si



Ameaçar jogadores



Ser fã dos jogadores

Conduzir o jogo para que ele se desenvolva Caso os jogadores fiquem perdidos ou não saibam o que fazer, é papel do facilitador ajudar os jogadores. A melhor forma de ajudar os jogadores é fazer perguntas que os guiarão para a reposta ou solução que eles precisam para fazer com que o jogo avance.

Fazer perguntas Uma das funções dos facilitador é fazer perguntas. Sempre que uma pergunta é feita, o jogador se engaja em encontrar a resposta, logo, ele é inserido no contexto da história. Perguntas podem ser utilizadas para ajudar os jogadores que estejam perdidos, ou também para permitir que os jogadores acrescentem detalhes ao jogo. Veja o exemplo no próximo princípio.

Incentivar que os jogadores a usarem a imaginação Este princípio está relacionado com engajar os jogadores na história. Uma das melhores forma de se fazer isso é através de perguntas onde os jogadores irão adicionar algo a história. Por exemplo, o facilitador pode perguntar para o jogador qual o nome do personagem que eles acabaram de encontrar, ou mesmo para descrever fisicamente como o personagem se parece.

Incentivar que os jogadores interajam entre si

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O jogo só ocorre se os jogadores conversarem entre si e com o facilitador. O facilitador deve encorajar a discussão entre os jogadores dando tempo para que eles tomem decisões como um grupo. O foco deste jogo é que o grupo de forma conjunta resolva o problema.

Ameaçar jogadores Quando o facilitador realiza uma ação contra um dos jogadores, ele sempre os ameaçará. Ao ameaçar os jogadores o facilitador permite que eles interfiram e tentem evitar a ação do facilitador, o que em geral requer uma rolagem de dados. Caso o jogador falhe, o facilitador poderá concluir sua ação exatamente como planejou. Caso o jogador obtenha um sucesso parcial, o facilitador irá concluir sua ação, porém com uma consequência reduzida. Caso os jogadores obtenham sucesso completo, a ação do facilitador não acontece.

Ser fã dos jogadores O facilitador não tem como objetivo agir contra os jogadores. O facilitador tem como objetivo oferecer desafios que sejam capazes de serem resolvidos pelos jogadores, porém os desafios devem oferecer tensão. Tensão pode ser oferecida através das consequência de um ato, como por exemplo, serem perseguidos por um guarda ao invadir um local, sofrerem ferimentos. Os jogadores precisam sentir que há dificuldade ou uma consequência ao realizar ações e também que eles podem falhar. Apesar de tudo o facilitador é fã dos jogadores, o que significa que ele não deve ter a intenção de matar os personagem ou impedir que eles solucionem o mistério. O facilitador acrescentará dificuldades para que os jogadores sejam bem sucedidos. O facilitador joga a favor dos jogadores e não contra. Língua dos Sinais A comunicação entre Espíritos e jogadores ocorre através da Língua dos Sinais. Cada jogador deve receber uma cópia do alfabeto com as figuras correspondentes a cada letra. Os jogadores devem evitar ao máximo dizer verbalmente o que desejam sinalizar e tentar usar a Língua dos Sinais para expressar o que desejam. O facilitador, quando utilizar a Língua dos Sinais deve sempre usar sinais, mesmo que o jogadores não compreendam. Uma vez que os jogadores manifestem dúvidas sobre um sinal, o facilitador deve soletrar o que a sinal significa. Por exemplo, o facilitador irá realizar o sinal que representa escola, os jogadores irão questionar o que o sinal significa, então o facilitador irá soletrar a palavra escola. O facilitador deve encorajar os jogadores a tomarem notas durante o processo de comunicação. Possivelmente os jogadores não irão entender o que é comunicado pelo facilitador, assim como o oposto também é possível. Não há nenhum problema em repetir a mensagem

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múltiplas vezes até que o entendimento se estabeleça. Caso o facilitador realmente não entenda o que o jogador está tentando dizer ele pode optar por realizar o que ele compreendeu, assim irá demostrar ao jogador que ouve um processo falho durante a comunicação. Espírito Guardião O Espírito Guardião é um elemento chave para possibilitar o andamento do jogo. Os jogadores podem invocá-lo a qualquer momento para perguntar algo. Em situações que não há um risco eminente o Espírito poderá ser invocado sem a necessidade de rolar os dados. Caso exista algum risco no ambiente será necessário rolar os dados. O Espírito Guardião ajuda os jogadores, porém não lhes garante repostas. O Guardião fornece dicas para que os jogadores encontrem as respostas.

Fluxo de Ação

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NORMAS DE PUBLICAÇÃO A revista Mais Dados é uma publicação virtual e gratuita vinculada a ONG Narrativa da Imaginação com edição anual, mantendo o seguinte cronograma: 

Início do recebimento de trabalhos: 11/11 (Dia internacional da ciência e da paz)



Fim do recebimento de trabalhos: 22/04 (Dia internacional da mãe terra)



Publicação: dia 05/09 (Dia Mundial dos professores)

NORMATIVAS PARA PUBLICAÇÃO

1. A Revista MAIS DADOS aceita apenas artigos inéditos para publicação. 2. Os

artigos

poderão

ser

enviados

por

meio

eletrônico

para

o

e-

mail: [email protected] 3. Artigos devem conter no mínimo 25.000 caracteres (sem espaço), resumo, palavras-chave, abstract e keywords e deve ser salvo em arquivo Word. Devendo conter e-mail de contato, titulação e filiação do autor. 4. A formatação de entrevistas, jogos, resenhas e traduções será discutida diretamente com o editor chefe pelo e-mail informado. Qualquer dúvida entre em contato com a equipe editorial.

NOTAS DE ORIENTAÇÃO SOBRE FORMATAÇÃO

4.1. Os artigos deverão ser acompanhados de resumos, em português e inglês ou espanhol, com extensão entre 5 e 10 linhas, acompanhados por 3 a 5 palavras-chave nos dois idiomas.

4.2. A formatação da primeira página deverá seguir os seguintes parâmetros: título em caixa alta, centralizado, em negrito, fonte Times tamanho 14; subtítulo centralizado, em negrito, fonte Times 12, com primeira letra maiúscula e o restante em caixa baixa; nome do autor, alinhado à margem direita, em negrito e em fonte Times tamanho 12; seguido de RESUMO, PALAVRAS CHAVE, ABSTRACT e KEYWORDS, todos em fonte Times tamanho 12. Em nota de pé de página, deverão exercer, a instituição em que trabalha e a titulação acadêmica.

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4.3. O texto deve ser formatado em: 1. a) fonte: Times, tamanho 12; 1. b) espaçamento entre linhas: 1,5; 1. c) margens: 3 cm superior e esquerda, 2 cm inferior e direita; 1. d) Alinhamento: justificado 1. e) parágrafo: recuo de 1,25 cm na primeira linha e espaçamento de 0 ponto, antes e depois.

4.4. As citações constituem-se de transcrições de materiais com mais de três linhas. Devem aparecer abaixo do texto, em fonte Times tamanho 10, sem aspas, com recuo de 4 cm da margem esquerda, sem recuo da margem direita, que permanece alinhada ao resto do texto, e com menção ao trabalho consultado em nota de rodapé.

4.5. As ilustrações (fotos, tabelas e gráficos) quando forem absolutamente indispensáveis, deverão ser apresentada no corpo do texto, acompanhadas da respectiva legenda (de acordo com a respectiva legenda) na sua forma definitiva.

4.6. As notas de rodapé deverão ser indicadas no corpo do texto por algarismo arábico em ordem crescente e listadas no rodapé da página, em fonte Times tamanho 10, com alinhamento justificado e espaçamento entre linhas simples;

4.7. A publicação de jogos deve conter, como elementos obrigatórios: título e referência bibliográfica/ludográfica, os demais são variáveis de acordo com o tipo de jogo. Seguem abaixo, sugestões do editor:

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ORIENTAÇÕES SOBRE CITAÇÕES

4.1. Livro: SOBRENOME, Nome. Título em negrito. Local de publicação: Editora, data. Ex.: PORTELLI, Alessandro. República dos Sciuscia. São Paulo: Salesiana, 2004.

4.2. texto em coletânea: SOBRENOME, Nome. Título. In: SOBRENOME, Nome (Org.). Título do livro em negrito. Local de publicação: Editora, data. p. inicial-final. Ex.: KHOURY, Yara Aun. Muitas memórias, outras histórias: cultura e o sujeito de história. In: ALMEIDA, Paulo Roberto de; FENELON, Déa Rirbeiro; KHOURY, Yara Aun; MACIEL, Laura Antunes (Orgs.). Muitas memórias, outras histórias. São Paulo: Olho d’Água, 2004. p. 116-138.

4.3. artigo em periódico: SOBRENOME, Nome. Título. Título do periódico em negrito, Local de publicação, volume, número, página inicial-página final, mês e ano da publicação. Ex.: SOBRENOME, Nome. Titulo. Titulo do periódico em negrito. Local de publicação, volume, número, página inicial- página final, mês e ano da publicação. EX: MARTINS, Estevão. Historiografia: o sentido da escrita e a escrita do sentido.Historia & Perspectivas, Uberlândia, n. 40, p. 55-80, jan.-jun. 2009.

4.4. Trabalho acadêmico: SOBRENOME,

Nome. Título

em

negrito:

subtítulo.

Ano

de

Depósito.

Folhas.

Teses/Dissertação/Monografia/Trabalho de conclusão de curso (Nome do Curso)–Unidade onde foi defendida, Universidade, Local, ano de defesa. Ex.:

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FREITAS, Sheille Soares. Por falar em cultura: história que marcam a cidade. 2009. 209 f. Tese (Doutorado em História Social)–Instituto de História, Universidade Federal 4.5. Artigo e/ou matéria de jornal: SOBRENOME, Nome. Título. Título do jornal, Local, data. Caderno, p. Ex.: HOFLING, E. Livro descreve os 134 tipos de aves no campus da USP. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 out. 1993. Cidades, Caderno 7, p. 15. Depoimento a Luiz Roberto de Souza Queiroz.

4.5. Imagens em movimento: TÍTULO: subtítulo. Diretor, produtor. Local: Produtora, Data. Especificação do suporte em unidades físicas. Notas complementares. Ex.: BAGDA Café. Direção: Percy Adlon. Alemanha: Paris Vídeo Filmes, 1988. 1 filme (96 min)

4.6. Documento iconográfico ( fotografias, cartões postais, gravuras e outros): SOBRENOME, Nome. Título. Data. Características físicas (especificações do suporte, indicação de cor, dimensões). Se o documento estiver em forma impressa ou meio eletrônico, acrescentam-se os dados da publicação (local, editora, data) ou endereço eletrônico. Ex.: COMETA de Harley, 1986. 1 fotografia, p&b., 12cm x 8 cm. NORMANDIA: Lago Caracaranã. Normandia: Desenho Letra e Música, 1986. 1 cartão-postal, color., 11cm x 15cm. RAUSCHER, B. B. da S. Dublê de Corpo. 1985. 10 gravuras, xirograv., p&b., 61cm x 92cm. Coleção Particular.

4.8. documento eletrônico: Para documentos em suporte eletrônico, são necessárias, ainda, as informações sobre o endereço eletrônico, apresentado entre os sinais < >, precedidos da expressão “Disponível em:” e a data de acesso ao documento, precedida da expressão “Acesso em:”. Ex.:

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AUTONOMIA universitária: anteprojeto da Andifes. Disponível em: . Acesso em: 30 abr. 1989. 4.9. Jogo Desenvolvedor. Titulo. Categoria. Local: ano. Ex: Grow. Perfil 5. Tabuleiro. São Paulo: 1997

5. Ao final do texto, em página anexa, informar o endereço anexo completo para correspondência e telefone de contato.

6. A simples remessa dos originais implica em autorização para publicação, que fica condicionada a provação de pelo menos dois pareceristas do conselho executivo. Todos os trabalhos serão previamente apreciados pelo Conselho Executivo da Revista e enviados, para análise, aos pareceristas indicados por ele. Os originais submetidos à apreciação do Conselho Executivo não serão devolvidos. A Revista compromete-se a informar os autores sobre a publicação ou não de seus artigos.

Resumo da Submissão: Editor:

Analisa

á

relevância

do

trabalho

e

envia

para

dois

pareceristas:

CONSELHO CONSULTIVO (Parecer sobre os trabalhos): 1 e 2 aprovam sem modificação: aprovado 1 aprova e 2 aprovam com modificações: retorna ao autor por um tempo 1 e 2 aprovam com modificações: retorna ao autor por um tempo 1 aprova e 2 reprova: envia para um terceiro avaliador 1 e 2 reprovam: reprovado

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REGIMENTO INTERNO DA REVISTA MAIS DADOS DESENVOLVIDA PELA ONG NARRATIVA DA IMAGINAÇÃO

Art. 1º – A Revista Mais Dados é uma publicação virtual e periódica – em princípio, anual – destinada exclusivamente à divulgação de temas relacionados com Role Playing. Art. 2º – A Revista Mais Dados será dirigida por um Conselho Editorial, composto de três membros: a) Dois professores do quadro docente da Universidade Federal de Uberlândia, sendo eleitos pela direção da ONG; b) Um Editor Chefe responsável, escolhido pela ONG que exercerá as funções de secretariado, junto ao conselho executivo. Art. 3º – Subordinadas e votadas pelo Conselho Editorial coexistirá duas Conselhos menores: a) Conselho consultivo – composta por notáveis pesquisadores, nacionais e internacionais, articulistas da Revista Mais Dados, a critério do Conselho Editorial. b) Conselho executivo – Composta por um membro do conselho Editorial, mais dois mestres ou doutorandos, selecionados pelo mesmo conselho. Parágrafo Primeiro – O mandato dos membros dos três colegiados será de quatro anos, coincidentes, admitida a recondução. Parágrafo Segundo – O Conselho Editorial e a Conselho consultivo escolherão um de seus membros, professor, para exercer a respectiva Presidência, com mandato de quatro anos, admitida a recondução. Parágrafo Terceiro – Todas as decisões serão tomadas por maioria de votos dos membros presentes, ou, excepcionalmente, por correio eletrônico. Art. 4º – Ao Conselho Editorial compete: a)

Incluir,

b)

Deliberar

manter

ou

sobre

os

excluir casos

os

membros

omissos

ou

não

do

conselho

resolvidos

consultivo pelo

e

executivo;

Conselho

consultivo;

c) Decidir sobre recursos impetrados contra deliberações do Conselho consultivo; Art. 5º – Ao Conselho consultivo compete: a)

Deliberar sobre as normas de publicação da Revista;

b)

Selecionar matérias para publicação;

c)

Nomear pareceristas em casos de publicações que ensejem dúvida ou polêmica;

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Art. 6º – À Conselho Executivo compete: 1. a) Formatação, execução e organização da estrutura da revista; 2. b) Ilustrações, capa, e design da revista; 3. c) Organização do site, arquivar documentação, informar pareceristas e autores junto ao conselho editorial. Art. 7º – Os trabalhos encaminhados à Revista serão distribuídos igualmente entre os membros do conselho consultivo para apreciação. Em caso de necessidade, poderão ser submetidos ao Conselho Editorial ou utilizados consultores ad hoc. Compete ao Conselho consultivo a análise sobre os trabalhos a publicar. Art. 8º – Os autores de artigos deverão ser sempre professores, ex-professores, professores visitantes, professores convidados e alunos de graduação ou pós-graduação. Art. 9º – Todos os artigos deverão ter unitermos (palavras-chave), resumo em inglês (abstract). Deverão também ser apresentados em forma de arquivo.doc. Art. 10º – A bibliografia final, as citações e as notas de rodapé deverão ser apresentadas segundo as normas técnicas da ABNT, em vigor na data da publicação. Art. 11º – Não serão publicados: a) os trabalhos com mais de 40 (quarenta) páginas; b) os já publicados em periódicos de grande circulação no meio jurídico; c) sentenças, votos, acórdãos e pareceres. Parágrafo Único – Serão admitidos, em cada publicação, até dois trabalhos em língua estrangeira. Esse limite poderá ser ultrapassado, em casos excepcionais, a critério do Conselho consultivo. Art. 12º – Não deverão ser publicados mais de um artigo do mesmo autor, no mesmo número da Revista. Devendo haver um espaçamento de duas edições de publicação, promovendo a diversidade de autores e títulos. Art. 13º – Os casos omissos serão resolvidos pela Conselho consultivo e, em última instância, pelo Conselho Editorial.

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Art. 14º – Este Regulamento entra em vigor nesta data. Uberlândia, 25 de Novembro de 2013.

Rafael Correia Rocha (Editor Chefe) Sergio Paulo de Morais (Membro) Tulio Barbosa (Membro)

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Revista MAIS DADOS

Endereço: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) Narrativa da Imaginação Revista MAIS DADOS Av. Estrela do Sul, 1946 – Bairro: Martins CEP.: 38400-399 – Uberlândia – MG (34) 3239-4068; Fax: (34) 3239-4396

Home page: http://narrativadaimaginacao.org/index.php/arquivos/pesquisa/revista/

E-mail: [email protected]

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