Revolta do Porto: o adiar do sonho republicano

July 3, 2017 | Autor: Manuel de Sousa | Categoria: History, Republicanism, Revolutions, Portugal (History), Porto
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Revolta do Porto: o adiar do sonho republicano MANUEL DE SOUSA

Na madrugada de 31 de Janeiro de 1891, precisamente há 99 anos atrás, sargentos e cabos do Porto, unidos no descontentamento pela monarquia e pretendendo implantar a República, tomaram de assalto a Câmara Municipal, na primeira revolta contra o regime. Esta intentona teve como razão principal a falta de credibilidade criada pela cedência do Governo às exigências britânicas do Ultimatum. Com efeito, no ano anterior, os ingleses haviam forçado Portugal ao abandono das suas pretensões sobre os territórios entre Angola e Moçambique, verdadeiro sonho africano da altura.

Inúmeras manifestações tinham já, por todo o país, demonstrado a insatisfação contra essa cedência. Mas, no Porto, cidade de fortes tradições liberais, de que foi indicativa a revolução de 24 de Agosto de 1820, o espírito de revolta foi mais longe. Rodrigues de Freitas tinha sido eleito pelo Porto o primeiro deputado republicano; a colónia britânica destacava-se na cidade pelo seu grande número e prestígio e os acontecimentos serviam, perfeitamente, como pretexto para a implantação do desejo de república. Este anseio nascera na consciência de um passado glorioso e, face a um presente humilhado, só a República seria remédio, miraculoso. Um exemplo dessa emoção generalizada vem das expressões de um soldado implicado em julgamento pós-revolta: «E eu, meu senhor, não sei o que é a República, mas não pode deixar de ser uma cousa santa. Nunca na igreja senti calafrio assim. Perdi a cabeça então, como os outros todos. Todos a perdemos. Atirámos, então, as barretinas ao ar. Gritámos, então, todos: viva, viva, viva a República!»

Conspirações Antes da madrugada do dia 31, as paredes dos cafés e da redacção do jornal República Portuguesa – propriedade de João Chagas, considerado porta-voz do Partido Republicano – eram ouvidos de conspirações abertas. Boatos circulavam dando como certa a adesão dos oficiais na intentona, idealizada por Sampaio Bruno, Alves da Veiga, Santos Cardoso e Basílio Teles, entre outros. Tais rumores levaram as autoridades militares a transferir sargentos implicados para outros pontos do País, como prevenção. Perante isto, o movimento de conspiradores viu-se perante duas alternativas: ou o adiamento (aconselhado por Basílio Teles) ou fazê-lo imediatamente. E assim foi. No princípio do dia 31 de Janeiro, o Batalhão de Caçadores n.º 9, comandado por sargentos, amotina-se no quartel e avança para o Campo de Santo Ovídio (actual Praça da República). Pouco depois, junta-se-lhes o Regimento de Infantaria n.º 10, liderado pelo capitão Leitão que, como mais graduado, encabeça o movimento. Entretanto, o Regimento de Infantaria n.º 18, embora amotinado, vê os seus desejos de partilhar a revolta caírem por terra. Razão: os oficiais barraram-lhes a saída do quartel. Por entre vivas à República e aplausos dos populares, o grupo de revoltosos dirigese aos Paços do Concelho, erigidos frente à actual Praça da Liberdade, com o intuito de, das suas varandas, proclamar a extinção da monarquia e a constituição de um Governo provisório. Derrocada O entusiasmo era quase geral já que, ao mesmo tempo que na Baixa gritavam-se vivas ao Governo provisório, a Guarda Municipal, fiel ao rei, tomava posições no cimo da

Rua de Santo António, pronta a iniciar o combate. Estes preparativos hostis não passavam pela cabeça do capitão Leitão que, eufórico, acreditava que não iria ser derramado sangue. Enganava-se o capitão Leitão. Ladeado por populares, dirige-se à Praça da Batalha, crédulo de que a Guarda os esperava para o abraço do triunfo. Mas não. Tiros em fogo cerrado foi a recepção. Há pânico, muitos mortos e feridos e, perante a ofensiva, a debandada dos revoltosos foi a solução. Uns refugiavam-se na Câmara; outros por onde calhava. E com mais sorte porque os que se encontravam no edifício municipal, acabaram por ser desalojados a tiro de canhão. Caía, em poucas horas, o sonho da República. Tal qual um baralho de cartas. Represálias Abortada a intentona, chegou a vez das represálias. Alves da Veiga, Sampaio Bruno e Basílio Teles fogem para o estrangeiro. Os outros acabam presos. As sentenças foram duras: prisões e degredos. E o crédulo capitão Leitão teve como castigo a deportação para Angola. O Porto passa a ser ponto de atenção do Governo que para cá envia tropas, numa atitude de imposição da ordem. Ninguém estava seguro. As garantias individuais foram suprimidas, a censura estabelecida, os jornais ameaçados de suspensão, os regimentos amotinados dissolvidos. A madrugada de 31 de Janeiro de 1891 transformou-se em data incómoda, mesmo para o próprio Partido Republicano. De onde seria de esperar pelo menos simpatia, veio a indiferença, aliada ao medo de prejudicar a imagem política. O sonho da República, porém, não morreu. Foi realizado 19 anos depois, em 5 de Outubro de 1910.

Manuel de Sousa “Revolta do Porto: o adiar do sonho republicano” in O Primeiro de Janeiro, 31-01-1990, p. 10.

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