RIBEIRO, Evandro Carlos Pinheiro. Movimento Punk - A Insustentavel Rebeldia do Ser

July 13, 2017 | Autor: Evandro Carlos | Categoria: Punk Culture, Punk, Moda, Historia, Punk Rock, Cultura, Comportamento, Cultura, Comportamento
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UNIVERSIDADE GAMA FILHO VICE-REITORIA ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS HUMANAS E ARTES – CCSHA CURSO DE HISTÓRIA

Movimento Punk: A Insustentável rebeldia do ser

Rio de Janeiro Julho/2012

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UNIVERSIDADE GAMA FILHO VICE-REITORIA ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS HUMANAS E ARTES – CCSHA CURSO DE HISTÓRIA

Movimento Punk: A Insustentável rebeldia do ser

Trabalho de Monografia, apresentado no curso de História da Universidade Gama Filho para obtenção do Grau de Bacharelado em História.

NOME DO ALUNO Evandro Carlos Pinheiro Ribeiro PROFESSOR ORIENTADOR Teresa Vitória Fernandes Alves

Rio de Janeiro Julho/2012 2

EPÍGRAFE

Agora sim! Vamos morrer, reunidos, Tamarindo de minha desventura, Tu, com o envelhecimento da nervura, Eu, com o envelhecimento dos tecidos! Ah! Esta noite é a noite do vencidos! E a podridão, meu velho! Essa futura Ultrafatalidade de ossatura, A que nos acharemos reduzidos! Não morrerão, porém, tua sementes! E assim, para o futuro em diferentes Florestas, vales, selas, glebas, trilhos, Na multiplicidade dos teus ramos, Pelo muito que em vida nos amamos, Depois da morte inda teremos filhos Vozes da Morte Augusto dos Anjos

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PARECER DA BANCA EXAMINADORA

Grau: __________ (_____________________________)

_________________________________________________ PROFESSOR ORIENTADOR Profª Ms. Teresa Vitória Fernandes Alves _________________________________________________ Profº Dr. Jayme Lúcio Fernandes Ribeiro _________________________________________________ Profª Dra. Carolina Fortes _________________________________________________ ALUNO Evandro Carlos Pinheiro Ribeiro

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FICHA CATALOGRÁFICA

Deve ser solicitada com pelo menos 15 dias de prazo na biblioteca da UGF – abaixo segue um modelo. Contudo vocês precisam se dirigir a biblioteca e solicitar a ficha para ser anexada ao trabalho corrigido que será entregue na UGF 03 dias depois da defesa.

RIBEIRO, Evandro Carlos Pinheiro. História Contemporânea, Movimento Punk: A Insustentável rebeldia do ser. Trabalho de conclusão do curso de bacharel em História, Rio de Janeiro, Universidade Gama Filho, 2012. 1. Punk; 2 .Moda; 3.Sociedade; 4. Comportamento

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RESUMO Este trabalho, tem por objetivo refletir sobre o movimento punk que tem o seu surgimento na Inglaterra e nos Estados Unidos da América do Norte, em meados da década de 1970, e que se expandiu por diversos países, causando uma enorme perplexidade no âmbito sóciocultural pelos locais por onde passou. Falaremos também dos seus desdobramentos, pois o mesmo influenciou, além da música, a moda e o comportamento daqueles que participaram efetivamente ou não do fenômeno, já que até os dias atuais, ainda temos muitas bandas que são influenciadas, por aquelas que criaram o estilo e que continuam presentes no meio artístico-cultural fazendo história.

ABSTRACT This report has by objective to reflect about the punk movement that had started in England and in the United States of America around the 1970s and has spreaded to several countries causing a huge perplexity in the social/cultural ambit around the places it happened. We will talk about its development because the movement itself not only influenced music, but also fashion, and the behavior of those who effectively were part of the phenomenon, and those who were not, for even nowadays, there are many influenced bands by those who created the stile and are still present in the artistic/cultural scene making history.

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AGRADECIMENTOS

Agradecer nem sempre é uma tarefa fácil. Por vezes incorremos no risco de esquecer de pessoas que de uma forma ou de outra, nos ajudaram a percorrer os caminhos tortuosos que a vida nos reserva, pois não temos o poder de controlar tudo e a todos, já que, o ato falho está à nossa disposição, característica inerente dos seres humanos. Agradeço a Sra. Maria da Conceição Pinheiro Ribeiro, minha mãe, pela paciência que teve comigo durante a minha juventude e que foi obrigada a desfrutar do desprazer de ouvir aquelas músicas barulhentas e que naquele momento não faziam nenhum sentido para ela, talvez nem para mim também, entretanto tinha guardado comigo a impressão que aquela experiência sonora, em algum dia, pudesse gerar frutos e este texto corrobora para essa afirmativa. Agradeço ao Sr. Evandro Pinto Ribeiro (in memorian), meu pai, por ter sido um homem presente em todos os momentos que necessitei de sua ajuda e pelo incentivo que me dava nas questões educacionais, não medindo esforços para adquirir o que fosse necessário para a minha formação escolar, fato que muito me orgulha, pois só cheguei até aqui, devido a essa dedicação. Agradeço a Sra. Adriana Pinheiro, minha irmã, aos meus sobrinhos, Mariana e Gabriel, ao meu cunhado Marcelo, as minhas tias Lila e Lourdes, aos meus primos Fábio, João Vitor e Luciana. Agradeço a minha orientadora Profª Teresa Vitória, por ter aceitado o convite para essa trajetória e que ao longo do tempo foi se tornando uma grande amiga, obrigado pelos conselhos e pelas correções; agradeço também ao Profº Jayme Lúcio que foi um grande incentivador e que me convenceu da possibilidade da pesquisa; agradeço a todos os companheiros da universidade pela amizade que travamos ao longo do curso; agradeço a todos os professores, pois nessa monografia existem fragmentos do pensamento de todos vocês; agradeço a minha sogra Solange e a minha cunhada Simone, que apesar da distância sempre se mostraram preocupadas com a minha caminhada no curso. O meu maior agradecimento vai para a Sra. Saionara Lara, minha esposa, por tudo que a mesma passou durante esses 4 anos e meio sobretudo pela falta de atenção da minha parte, sou muito grato pela compreensão e espero poder dividir com você a minha satisfação em concluir o curso, sem você, jamais o teria concluído. Muito obrigado. 7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO:.............................................................................................................09

CAPÍTULO I – A década de 1960: O Embrião em formação 1.1 - Reivindicações Urbanas:.......................................................................................17 1.2 - A Contracultura e o Universo Punk:.......... ...........................................................28 CAPÌTULO II – O movimento aterrissa nos trópicos 2.1 - A Transição Política:.............................................................................................39 2.2 - Os Punks Brasileiros:............................................................................................45 CAPITULO III – A Rebeldia Pasteurizada 3.1 - A Moda e o Punk:.................................................................................................66 3.2 - O Início da Industrialização:.................................................................................72 3.3 - A Absorção pelo Mercado:...................................................................................80 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................85 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................86

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Introdução Eu não preciso de um Rolls Royce, eu não preciso de uma casa no campo, eu não tenho que morar na França. Eu não tenho heróis do rock. Eles são desnecessários. Os Stones1 e o The Who2 não significam nada para mim; eles estão estabilizados. Os Stones são mais um negócio do que uma banda. John Lydon, dezembro de 19763.

Nem sempre as coisas são como parecem, ou seja, o discurso e a efetividade do mesmo, em algumas vezes, seguem rumos diferentes. Historicamente, palavras e atitudes são de difícil compreensão, pois este binômio está permeado de inconsistências e contradições, fato que requer uma reflexão profunda, tendo em vista, aquilo que é dito, por vezes não é praticado. A frase em epígrafe será de grande valia naquilo que pretendemos mostrar ao longo do trabalho, visto que, o movimento punk está repleto de dicotomias e antagonismos. A concepção da ideia para a feitura deste trabalho, foi com o aniversário do que é considerado o marco do surgimento do movimento punk no Brasil, pois em 2012, este completa 30 anos. Tal fato é caracterizado pelo evento chamado, O começo do fim do mundo, que foi um festival ocorrido nos dias 27 e 28 de novembro de 1982, no Sesc Pompéia, na cidade de São Paulo. Não nos basearemos somente nesse festival, pois entendemos que o movimento punk, vai muito além disso, já que, não só a música era de importância para este grupo, a moda e/ou estilo dos adeptos, também faziam parte de suas características. Importa ressaltar que devido a quantidade bastante considerável de bandas que promoveram a difusão do movimento no Brasil e no mundo, citaremos apenas as que entendemos terem tido uma participação seminal, ou seja, aquelas que compreendemos serem as precursoras do estilo, entretanto sem elegermos qual foi a primeira a se manifestar dessa forma, visto que na nossa concepção, essa movimentação aconteceu em diversos locais quase que ao mesmo tempo.

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The Rolling Stones é uma banda britânica de rock formada em 1962. Disponível em: http://www.rollingstones.com. Acesso em 08 de abr. 2012. 2 The Who é uma banda britânica formada em 1964. Disponível em: http://www.thewho.com/history. Acesso em 08 de abr. 2012. 3 John Lydon foi o vocalista da banda punk britânica Sex Pistols.

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As fontes a serem utilizadas serão as matérias que foram publicadas nos jornais: a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo , as letras das músicas de algumas bandas punks, depoimentos dos que participaram efetivamente do fenômeno bem como as imagens das mesmas, tendo em vista o poder que as mesmas teriam de elucidar o que estava acontecendo como podemos ver abaixo:

Denise, foi a primeira punk brasileira a utilizar o corte moicano4

Como podemos ver, este é um dos exemplos imagéticos que traremos na pesquisa, a fim de traçarmos um perfil daquilo que os punks representavam naquele 4

Disponível em: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/7312-punk-nos-anos-80#foto-141747. Acesso em: 09 de abr. 2012.

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momento diante da sociedade em questão, já que, era algo de muito novo e que de uma forma ou de outra causou rebuliço no âmbito sócio-cultural. Muitos autores se utilizaram da História Cultural como arcabouço teórico para as suas pesquisas, entretanto Carlo Ginzburg5 e Roger Chartier6, prestaram um enorme serviço para historiografia mundial. Para os mesmos a cultura estaria inserida dentro de uma síntese histórica se caracterizando em uma particularidade no âmbito de uma história globalizante, ou seja, a análise partiria do campo indutivo para o dedutivo. Roger Chartier entende que o mundo social está repleto de significações e que as mesmas seriam sempre representadas pelos interesses das pessoas que as constroem, havendo assim, uma real necessidade de verificação desses discursos e a efetividade dos mesmos, com aquilo que foi criado em relação aos criadores. Importa ressaltar que essas práticas não são providas de neutralidade, pois na verdade, de uma forma ou de outra, produziriam ou reproduziriam as intenções daqueles que as criaram, tais como: uma autoridade, a legitimação de um projeto, ou uma justificativa para as suas preferências etc. Diante desse panorama, a apropriação cultural nos levaria a verificarmos os fatos históricos de uma forma mais minuciosa, nos ateríamos aos detalhes, e a partir daí, uma gama enorme de interpretações surgiriam, sendo que novas descobertas nos levariam a refletir imensamente, com a finalidade de atingirmos um patamar vasto de conclusões, acerca do objeto pesquisado. O autor em questão, destaca que a sociedade pode ser lida de várias formas, tendo em vista, a sua capacidade de transmutação e representatividade, dentre as quais, destacaríamos as seguintes: oral ou silenciosa, particular ou coletiva e escrita ou iconográfica, e que teria como principal objetivo a percepção identitária do ser, ou seja, aquilo que o mesmo denota. Para o autor, as construções dessas representações, partem do pressuposto que o universo social e suas configurações estruturais são produzidas historicamente pela articulação dos segmentos, sociais, políticos e econômicos e como produto, teríamos a construção de suas figuras. Na qualidade do campo teórico, a historiografia contemporânea ao longos dos anos, vem cada vez mais, observando as relações entre a escrita e a oralidade, a cultura letrada e a cultura popular. Novos rumos e significados vão tomando os estudos das práticas e representações culturais, e a cada dia que passa novos trabalhos vão surgindo e

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GINZBURG, C. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. CHARTIER, R. A História Cultural entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988.

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estudos feitos por Peter Burke7, Edward Palmer Thompson8, entre outros, colocaram a história social num relevo de grande importância para a realização de seus trabalhos historiográficos. Edward Palmer Thompson (1924 – 1993) foi um historiador inglês, é considerado um historiador de concepções marxistas, mas que como veremos adiante, embora siga a linha marxista de pensamento, revisitou os principais pontos da teoria e criou uma nova visão sobre essa análise. Essa nova visão está inserida sobretudo na revisão do materialismo histórico, visto que, para o autor, a ótica marxista se equivoca quando só analisa o homem pela questão econômica, ou melhor dizendo, analisar o homem, somente por aquilo que produz podem deixar lacunas na interpretação de objeto tão vasto de possibilidades. O autor propõe então uma nova interpretação acerca da teoria, já que para ele, as relações humanas não se baseiam apenas no modo produção. Essas tenderiam a irregularidades que não obedeceriam a regras pré-estabelecidas como modelo geral de todas as civilizações. O objetivo da análise thompsoniana é então caracterizado pela substituição do “homem econômico” pelo “homem social” e o historiador então confrontaria a teoria com a pesquisa empírica, pois os homens não estão somente fadados a dados estatísticos, são também sujeitos de sua construção histórica. O movimento punk, então, se encaixaria naquilo que pensa esse autor, pelo que tangencia as relações sociais envolvidas no mesmo, visto que, o punk quando surge, embora algumas bandas tenham explorado as letras de suas músicas numa crítica da sociedade em questão, baseada numa suposta opressão do sistema das classes menos abastadas, algumas das mesmas foram compostas por membros de classes ou estratos sociais mais privilegiados em predicados econômicos, o que corrobora com a teoria do autor, assim sendo, teríamos então um paradoxo, que nos levaria a reflexão. Trabalharemos também com o conceito de pós-modernismo, que no campo historiográfico ainda não está muito bem digerido, inclusive sendo pouco aceito e até mesmo pouco compreendido, para o pesquisador José Ferreira dos Santos o pósmodernismo é definido como:

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BURKE, P. (Org). A escrita da História: Novas perspectivas. São Paulo: USP, 1992. THOMPSON, E. P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. 8

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(...) O nome aplicado às mudanças ocorridas nas ciências, nas artes e nas sociedades avançadas desde 1950, quando, por convenção, se encerra o modernismo (1900-1950). Ele nasce com a arquitetura e a computação nos anos 50. Toma corpo com a arte Pop nos anos 60. Cresce ao entrar pela filosofia, durante os anos 70, como crítica da cultura ocidental. E amadurece hoje, alastrando-se na moda, no cinema, na música e no cotidiano programado pela tecnociência (ciência + tecnologia invadindo o cotidiano com desde alimentos processados até microcomputadores), sem que ninguém saiba se é decadência ou renascimento cultural (...)9.

O movimento punk, ou melhor, a música punk, pode ser então compreendida dentro deste conceito, pois no que concerne a concepção das letras, as mesmas são destrutivas numa tentativa de rompimento com o pré-estabelecido e como bem coloca o geógrafo David Harvey “(...) é uma imagem nietzschiana da destruição criativa e da criação destrutiva (...)”10, ou seja, os paradigmas devem ser quebrados e a partir daí, serão criadas novas formas de entendimento da sociedade. Quanto à construção das melodias, não poderia deixar de ser diferente, as mesmas são urgentes e de fácil assimilação, as canções tem no máximo três minutos e no máximo três acordes e esses se repetem até o fim do tema, não há solos de guitarras intrincados, a bateria assemelhasse a um bate-estacas e que por vezes também apresenta uma ritmação percussiva quase tribal, ou seja, o homem num entendimento primitivo da compreensão dos fatos. Evidentemente que o movimento punk terá outras formas de percepção, pois dentro de uma acepção pós-moderna, o que foi citado acima é apenas uma descrição de suas principais características estéticas, sobretudo no que tange a composição das letras e a construção das melodias. Nas páginas seguintes pretendemos problematizar um pouco mais sobre esse fenômeno. O conceito de pós-modernismo ou pós-modernidade começa a ser veiculado na década de 1930, mas é somente na década 1970, mais precisamente no ano de 1979, onde o filósofo Francês, Jean-François Lyotard, lança o livro A Condição Pós-Moderna. É a partir dessa obra que esse conceito começa se propagar. Podemos citar vários autores que abordaram o tema, tais como: Fredric Jameson11, David Harvey, Stuart Hall, Steven Connor entre outros.

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SANTOS, J. F. dos. O Que é pós-modernismo. São Paulo: Editora Brasiliense, 1986. p. 8 HARVEY, D. Condição Pós-moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1993. p. 26 11 JAMESON, F. Pós-modernismo: A Lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 1997. 10

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A década de 1960 pode ser considerada como um marco no movimento pósmodernista, sobretudo no segmento artístico onde se incluem, a arquitetura, a literatura, a música, o cinema etc, embora possamos apontar também a tecnologia como o leitmotiv desse movimento, sendo que, foi através da mesma que essa forma de expressão ganhou força, ou seja, com a democratização dos equipamentos eletrônicos, a transmissão de imagens em tempo real, as pessoas começam a ter uma nova percepção do mundo, algo que a modernidade não desfrutou. Começamos então, a ter uma visão de mundo, polissêmica, poligráfica e polifônica, ou seja, se no modernismo tínhamos uma narrativa histórica densa e rica no senso crítico, no pós-modernismo essa historicidade começa a se diluir e é dentro dessa nova estética que privilegia o imediato, o espetáculo, tudo que é tradicional tem que ser rompido e deixado de lado em nome do novo e porque não dizer do efêmero. O caráter imediato dos eventos, o sensacionalismo do espetáculo (político, científico, militar, bem como de diversão) se tornam a matéria de que a consciência é forjada. É sob essa nova ótica, e sob essa nova “aparência” que surge então o movimento punk, perfeitamente alinhado com as mudanças de comportamento que começam a surgir, em busca de uma originalidade, de uma nova forma de expressão que tem como bojo a crítica à sociedade em questão. A cultura de massa em detrimento da alta cultura e o individualismo exacerbado seriam os dois pilares desse novo modo de expressão, onde o lema é: “se estás insatisfeito com algo não espere por ninguém, faça você mesmo”12 o que corrobora também com um forte ceticismo, sobretudo no segmento político, pois para os punks a política estava cada vez mais decadente e não enxergavam nesse segmento, saída para os problemas da sociedade. Com todas estas insatisfações, ao mesmo tempo o movimento punk conviveu com muitas contradições, visto que, a sua representação nem sempre se distanciou de tendências mercadológicas e que no limite, acabaram por se deixar levar pelas influências da indústria cultural e ao longo do tempo foram sendo diluídas até estarem perfeitamente alinhadas com o mercado de consumo, como descreve Connor: (...) Também não é fácil de argumentar que tenha havido uma mutação pós-moderna decisiva a partir do punk e do new wave. Parecer ter acontecido, em vez disso, uma inimaginável aceleração do ciclo de inclusão, em que novas formas são incorporadas, domadas e recicladas

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Frase que mais caracteriza o movimento punk.

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como mercadorias, ao ponto de tornar difícil distinguir a “originalidade” autêntica da “exploração” comercial.(...)13

Utilizaremos o método qualitativo na análise dessas fontes, entendemos que essa metodologia é a que melhor abordaria o tema, pois o movimento punk apresenta muitas nuances, e as mesmas serão destrinchadas milimetricamente, com a finalidade de nos aproximarmos com uma maior isenção e objetividade possível dos fatos, sem cairmos em análises superficiais daquilo que realmente aconteceu, como define a socióloga Heloisa Helena de Souza Martins14: (...) A pesquisa qualitativa é definida como aquela que privilegia a análise de microprocessos, através do estudo das ações sociais, individuais e grupais, realizando um exame intensivo dos dados, é caracterizada pela heterodoxia no momento da análise. Enfatiza-se a necessidade do exercício da intuição e da imaginação pelo sociólogo, num tipo de trabalho artesanal, visto não só como condição para o aprofundamento da análise, mas também o que é muito importante para a liberdade do intelectual. Discutem-se as principais críticas feitas à pesquisa qualitativa, em especial as acusações de falta de representatividade e de possibilidades de generalização; de subjetividade, decorrente da proximidade entre pesquisador e pesquisados; e o caráter descritivo e narrativo de seus resultados (...)15.

Como podemos observar, a análise da socióloga é de extrema importância para o curso que traçamos para a nossa pesquisa, tendo em vista, o quão é relevante a sua avaliação. O trabalho será dividido em três capítulos: O primeiro capítulo tratará da contextualização histórica, já que entendemos o movimento punk como uma manifestação sócio-cultural contestatória e a década de 1960 foi permeada de movimentações dessa natureza, não só no campo sócio-cultural, mas também no econômico e político. O objetivo de tal historicização é para que possamos entender a linearidade histórica e como os fatos vão surgindo ao longo do tempo. Sabemos que a trajetória histórica não se dá apenas nas continuações e que existem muitas rupturas, entretanto é possível, através de uma narrativa que vislumbre a objetividade, chegar a conclusão de que as mudanças nem sempre são definitivas e que a chegada do “novo” por

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CONNOR, S. Cultura Pós-moderna. Edições Loyola, São Paulo 1993, p. 150. É professora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP. Publicou os livros O Estado e a burocratização do sindicato no Brasil (1989) e Igreja e movimento operário no ABC: 1954 -1975 (1994). Atualmente estuda o tema Juventude e Trabalho. Disponível em:. Acesso em 09 de abr. 2012. 15 MARTINS, H. H. de Souza. Metodologia Qualitativa da Pesquisa: Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 30, n.2, p. 289-300, maio/ago. 2004 14

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vezes pode estar impregnada de vestígios do passado apenas com uma indumentária diferente, levando-se em consideração o período histórico a ser abordado. O segundo capítulo abordará a chegada do movimento punk ao Brasil e como este se desdobrou. O momento político que o país atravessava naquele momento servirá como bojo de nossa análise, pois uma nova concepção de mundo e de como a sociedade se comportava as eventualidades históricas, serviram de base para os punks brasileiros se manifestarem e mostrarem o porquê de sua rebeldia, fato que não foi muito palatável no início mas que ao longo dos acontecimentos foram se fazendo presentes no cotidiano e se firmando em nossa expressão cultural. O terceiro capítulo se aterá a análise comportamental através da indumentária que os mesmos utilizavam, estas que são primordiais para o reconhecimento do que seria um indivíduo com o sentimento punk. Falaremos também sobre a moda e o estilo punk, tendo em vista a controvérsia em questão, pois procuraremos demonstrar que um movimento caracterizado pela sua irreverência, pelo seu cunho contestador, foi absorvido pela lógica de mercado e com o passar do tempo se tornou algo comum e corriqueiro no cotidiano das pessoas. A partir de reflexões como estas é que o trabalho se propõe a discutir o referido objeto, evidentemente que não estamos à procura de uma verdade absoluta e nem tão pouco sermos taxativos acerca do fenômeno. Nosso objetivo principal é portanto a reflexão profunda do tema, a fim de chegarmos a conclusões mais abrangentes do ponto vista acadêmico, não no sentido de desconstruir, mas sim construir um entendimento do que foi e o que representou o movimento punk.

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Capítulo I A Década de 1960: O Embrião em Formação A década de 1960 foi um período marcado por contestações em todos os âmbitos: cultural, social, político e econômico. Surgem nessa época, muitos movimentos na sociedade civil favoráveis aos homossexuais, aos negros e as mulheres, sendo esse último, conhecido como movimento feminista e que teve grande repercussão no mundo ocidental, já que as mulheres passaram a questionar o seu papel na sociedade, reivindicando condições iguais, sendo contrárias as opressões impostas pelo determinismo do gênero oposto.16 Esse período também é muito conturbado no que tange à questão política, já que o mundo atravessava um cenário de muitas transformações, dentre elas a polarização em dois blocos econômicos e políticos: um capitalista, liderado pelos Estados Unidos da América do Norte (EUA) e outro socialista, capitaneado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Essa divisão fez com que alguns países, optassem por seguir por uma das duas trajetórias: ou o sistema capitalista ou o socialista, embora muitos não optassem por nenhuma das alternativas dispostas. Evidentemente que nem todas as “escolhas” passaram por um processo democrático, onde a população tivesse o direito de escolher por esse ou por aquele sistema de governo. Em muitos casos, a modificação veio através de golpes militares ou de revoluções civis17, independentemente do sistema de governo a ser adotado. Ao longo desses conflitos, que eram sobretudo de ordem ideológica e geralmente polarizados entre a direita e a esquerda, os países que se dispuseram a dar preferência por um ou por outro sistema de governo, passariam ter o apoio de uma das duas grandes potências a época. Esse período ficou conhecido como a Guerra Fria e o historiador Eric Hobsbawn o definiu como:

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Ver entre outros: AZEVEDO, A. C. do A. Dicionário de Nomes, Termos e Conceitos Históricos. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 3ª Edição. 1999, p. 197. Segundo o autor, o feminismo é o termo adotado e consagrado para designar o movimento pelo qual é reivindicada a ampliação dos direitos e do papel da mulher na sociedade, embora não se possa precisar o início desse fenômeno é na década de 1960 que o mesmo toma um maior vulto. 17 Nota do autor: Em alguns países da América Latina ocorreram tomadas de poder. E como exemplo podemos citar: Em 1959, em Cuba, Fidel Castro e Che Guevara depõem o governo de Fulgêncio Batista. Em 1964, no Brasil, tem início a Ditadura Militar, entre outros.

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A peculiaridade da Guerra Fria era a de que, em termos objetivos, não existia perigo iminente de guerra mundial. Mais que isso: apesar da retórica apocalíptica de ambos os lados, mas sobretudo do lado americano, os governos das duas superpotências aceitaram a distribuição global de forças no fim da Segunda Guerra Mundial, que equivalia a um equilíbrio de poder desigual mas não contestado em sua essência. A URSS controlava uma parte do globo, ou sobre ela exercia predominante influência — a zona ocupada pelo Exército Vermelho e/ou outras Forças Armadas comunistas no término da guerra — e não tentava ampliá-la com o uso de força militar. Os EUA exerciam controle e predominância sobre o resto do mundo capitalista, além do hemisfério norte e oceanos, assumindo o que restava da velha hegemonia imperial das antigas potências coloniais. Em troca, não intervinha na zona aceita de hegemonia soviética18.

Essa década também é marcada por conflitos de todas as ordens. Revoluções sociais eclodem a todo o momento nas mais diversas regiões do planeta. O mundo estava dividido em dois pólos, e isso causava à sociedade civil um profundo temor e um confronto entre as duas grandes potências vigentes parecia inevitável. Esse temor é explicado tendo em vista o grande armamento nuclear de que as duas nações dispunham. Caso houvesse um confronto, este seria de proporções nunca antes visto pela humanidade tendo consequências inimagináveis. Na verdade, mesmo os que não acreditavam que qualquer um dos lados pretendia atacar o outro achavam difícil não ser pessimistas, pois a Lei de Murphy é uma das mais poderosas generalizações sobre as questões humanas ("Se algo pode dar errado, mais cedo ou mais tarde vai dar"). À medida que o tempo passava, mais e mais coisas podiam dar errado, política e tecnologicamente, num confronto nuclear permanente baseado na suposição de que só o medo da "destruição mútua inevitável" (adequadamente expresso na sigla MAD, das iniciais da expressão em inglês mutually assured destruction) impediria um lado ou outro de dar o sempre pronto sinal para o planejado suicídio da civilização. Não aconteceu, mas por cerca de quarenta anos pareceu uma possibilidade diária19.

Diante desse panorama, abaixo apresentam-se alguns dos acontecimentos que tiveram grande repercussão no período: 1961

Yuri Gagarin, cosmonauta russo, chega ao espaço.

1963

Assassinato de John Fitzgerald Kennedy, presidente norte-americano.

1965

Tropas de combate norte-americanas são enviadas ao Vietnã. Tem início a Guerra do Vietnã.

1967

Líder da Revolução Cubana, Ernesto Che Guevara, é executado na Bolívia.

1968

Líder do Movimento Negro, Martin Luther King Jr. É assassinado.

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HOBSBAWN, E. Era dos Extremos. O Breve Século XX. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 9ª Edição. 1994, p. 223. 19 Idem. p. 223.

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1969

Neil Alden Armstrong, astronauta norte-americano, é o primeiro homem a pisar na lua. Baseado: In Enciclopédia Einaudi.

A tabela acima, mostra alguns dos acontecimentos ocorridos ao longo da década de 1960, que terminam por eclodir no ano de 1968, marcado por inúmeras revoltas, que foram preconizadas por movimentos estudantis pelo mundo afora. Através de passeatas, sempre questionando os governos que eram considerados autoritários ou reivindicando mais vagas em universidades públicas, os estudantes, tanto secundaristas, quanto universitários foram para as ruas protestar contra estes líderes. Importa ressaltar que em alguns países a classe trabalhadora20, mais precisamente a classe operária, também teve uma participação efetiva, em busca de melhores condições de trabalho e salários mais justos. (...) na Europa, os primeiros movimentos de contestação estudantil surgiram em dois países submetidos a ditaduras, a Polônia e a Espanha21 (grifo meu). Durante a segunda quinzena de janeiro, a agitação espalhouse pelas universidades espanholas. Assembléias e manifestações acarretaram batidas policiais e perseguições nas faculdades. Às vezes, os manifestantes encontravam refúgio nas igrejas, para grande irritação do poder franquista. Uma frente antiditadura esboçou-se entre universitários, comissões operárias clandestinas, católicos de esquerda e comunistas. Esse ciclo de ação-repressão-mobilização, prolongou-se por cerca de seis meses. O franquismo, ávido por uma abertura econômica, não podia mais se dar ao luxo de uma repressão sem limites: era preciso fazer uma boa figura perante ao exterior. Em Varsóvia, 250 estudantes foram presos às vésperas da ofensiva Tet. Os poloneses estavam cansados do governo Gomulka, submisso aos soviéticos. Em março, as universidades entraram em greve pedindo respeito ao artigo 71 da Constituição que garantia a liberdade de expressão, de reunião e de imprensa. A calma só voltaria ao país em abril, graças a um pesado aparato policial mobilizado para vigiar os estudantes. O governo empenhou-se em desacreditar os intelectuais contestadores apresentando-os como fantoches dos “sionistas” (tradução: judeus). Conseguiu, assim, evitar uma perigosa aproximação entre estudantes e operários, espantando o fantasma da fusão das lutas que então assombrava tanto os países comunistas quanto os capitalistas (...)22

O texto acima nos dá boas referências do que estava ocorrendo na Europa durante o período. Escolhemos a Polônia para exemplificarmos o que de fato vinha acontecendo e para isto transcrevemos parte da matéria publicada no jornal a Folha de São Paulo de 09 de março de 1968: 20

Nota: Quando nos referimos a classe trabalhadora, enfatizamos aqueles que trabalham na indústria, ou seja, nos setores primários do modo de produção. 21 Nota: Os dois governantes respectivamente são: Wladyslaw Gomulka e Juan Francisco Paulino Hermenegildo Teódulo Franco y Bahamonde. 22 KAUFFER, R. (2008). O Ano de todas as revoltas. História Viva, São Paulo, número 54, p. 31, abr. 2008.

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(...) Milhares de estudantes entraram em choque hoje na Universidade de Varsóvia, com policiais armados de cassetetes, e várias centenas percorreram em seguida a cidade, aos gritos de liberdade, liberdade, Varsóvia acompanhe-nos (...)23.

Manifestantes da Universidade de Varsóvia fogem da polícia em março de 196824. Foto: Tadeusz Zagozdzinski/AP.

A Polônia foi um dos primeiros países europeus a ter uma manifestação dessa natureza. A imagem acima, traduz o sentimento que permeava a época, um forte desejo de liberdade, de poder se expressar livremente, sem ter que passar pelo crivo das autoridades governamentais. O motivo que levou a essa insurgência, foi a censura de uma peça de teatro chamada Antepassados, do dramaturgo polonês do século XIX, Adam Mickiewicz25, tendo em vista que o órgão de repressão local a considerou contrária a URSS. A ideia descrita pelo historiador francês Rémi Kauffer26, nos dá um pequeno exemplo do que estava acontecendo na Europa e nos demais países do planeta, já que na Itália: (...) o movimento estudantil, sob a influência de grupos marxistas, não se contentou em ocupar as universidades. (...). Enfrentou os neofascistas com capacete de operário e picaretas na mão (...) essas greves ficaram conhecidas como o mai rampant (maio rastejante) italiano(...).27 23

Fonte: AFP- Agência de Notícias Internacional. Folha de São Paulo, São Paulo, p.2, 09 mar. 1968. Imagem disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u396968.shtml. Acesso em 15 de abr. 2012. 25 Adam Bernard Mickiewicz (1798 – 1855) poeta, escritor e dramaturgo polonês. É considerado um dos maiores escritores poloneses. In: Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em: . Acesso em 15 de abr. 2012. 26 Rémi Kauffer é professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris e membro do comitê editorial da revista Historia. 27 KAUFFER, R. op cit.; p. 32. 24

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Estudantes italianos em confronto com a polícia em Roma na batalha de Valle Giullia, 3 de março de 196828 Foto: AFP/archives.

Na Alemanha Ocidental, “(...) a situação era totalmente oposta a SDS (Sozialisticher Deutscher Studentbund, a Liga dos Estudantes Socialistas Alemães) não tinha nenhum contato com a classe operária (...)”29; na Inglaterra “(...) um estudante paquistanês, Tariq Ali, assumiu a liderança do movimento. No dia 17 de março de 1968, levou 25 mil estudantes a protestar contra a Guerra do Vietnã (...)”30. Os conflitos exemplificados nas linhas acima, são pequenas amostragens do que estava acontecendo no mundo. Além da Europa, esses conflitos se espalharam também pelo continente americano, México e Brasil e no oriente, Japão e China onde encontramos manifestações de cunho semelhante. Durante a década de 1960 a imprensa acompanhava bem de perto esses acontecimentos, já que as redes de televisão, os jornais, as revistas e o rádio mantinham seus correspondentes a postos, a fim de obter um maior número de informações o quanto fosse possível. (...) Da ofensiva Tet aos confrontos entre as facções rivais no Japão e as manifestações romanas de 20 de dezembro, o ano de 1968 transformou-se em um mito, em boa parte graças à mídia. As imagens, fotos, filmes, cartazes, reportagens de TV, preservaram a memória desse conturbado período e deixaram marcado na história o ano de todas as revoltas.(...)31

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Imagem disponível em: http://www.ladepeche.fr/article/2008/04/18/449597-l-italie-en-1968-un-mairampant-qui-a-reuni-etudiants-et-ouvriers.html. Acesso em 15 de abr. 2012. 29 KAUFFER, R. op cit.; p. 32. 30 Idem. 31 Ibidem.

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Cabe ressaltar que vivíamos sob a democratização dos equipamentos eletrodomésticos e o televisor serviu como um grande veículo difusor das imagens desses acontecimentos, ou seja, uma revolução nos meios de transmissão de informações, mais velozes, quase que em tempo real, fez com que as informações chegassem mais rapidamente as pessoas e o mais interessante, no conforto da sala de estar de suas residências e o que antes era utilizado como instrumento para o consumo das massas, para a venda de produtos, agora servia também como local de circulação das informações, como definiu o filósofo francês Guy Debord: O tempo pseudocíclico consumível é o tempo espetacular, em sentido restrito, tempo de consumo de imagens, em sentido amplo, imagem do consumo do tempo. O tempo de consumo das imagens, médium de todas as mercadorias, é o campo onde atuam em toda sua plenitude os instrumentos do espetáculo e a finalidade que estes apresentam globalmente, como lugar e como figura central de todos os consumos particulares: sabe-se que os ganhos de tempo constantemente procurados pela sociedade moderna — quer se trate da velocidade dos transportes ou da utilização de sopas em pacotes — se traduzem positivamente para a população dos Estados Unidos neste fato: de que só a contemplação da televisão a ocupa em média três a seis horas por dia. A imagem social do consumo do tempo, por seu lado, é exclusivamente dominada pelos momentos de ócio e de férias, momentos representados à distância e desejáveis, por postulado, como toda a mercadoria espetacular32.

Fica evidente que a crítica do autor supracitado quer atingir um patamar bem mais profundo, já que o espetáculo, não seria apenas no sentido da exposição das mercadorias com o objetivo da posterior aquisição dos produtos anunciados, mas na transmissão das imagens em si, visto que, nesse período tudo tem que ser espetacular. Na visão do autor, a realidade nua e crua dos fatos sozinhas não são suficientes para o regozijo da população, pois há de se ter um espetáculo implícito. Com toda essa movimentação ocorrendo pelo planeta, embora as manifestações reivindicatórias tenham características diferentes, por onde passaram, a motivação era quase sempre a mesma: a liberdade de expressão. Um dos acontecimentos mais marcantes dessa década ficou conhecido como o “Maio de 68”33, em Paris. Para muitos intelectuais foi o

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DEBORD, G. A Sociedade do Espetáculo. Editora Contraponto: São Paulo, 1997, p. 103 e 104. Maio de 1968 simbolizou o auge de um momento de intensas transformações políticas e comportamentais que marcaram a segunda metade do século 20 no Ocidente, disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2008/maiode68/. Acesso em 18 de abr. 2012. 33

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movimento mais importante do século XX, e o existencialismo sartriano34 é um dos pressupostos para justificarmos esta afirmação: (...) a renovação geracional e a modernização econômica, porém iriam se chocar com uma sociedade ainda dominada pelos valores tradicionais e por uma rígida moral. Esse verdadeiro abismo entre o velho e o novo iria desembocar em uma explosão repentina, quando milhões de estudantes e trabalhadores paralisaram a França em de 1968. O movimento tinha como principal motor as reivindicações existenciais. Milhões de pessoas se questionavam sobre quem eram, o que queriam fazer, qual era o verdadeiro sentido de suas vidas e até que ponto tinham controle sobre o seu próprio destino. Todos esses questionamentos vinham acompanhados de uma liberalização dos costumes: a imprensa feminina passava a tratar da sexualidade e o top less aparecia nas praias de Saint-Tropez (...)35.

O existencialismo é um humanismo é um texto escrito pelo filósofo francês Jean Paul Sartre36 em 1946, para se defender das acusações que vinha sofrendo em virtude das suas ideias sobre as relações humanas, visto que foi criticado por comunistas e cristãos concomitantemente e para fazer a defesa do seu pensamento, escreve: Gostaria de defender, aqui, o existencialismo de uma série de críticas que lhe foram feitas. Em primeiro lugar, acusaram-no de incitar as pessoas a permanecerem no imobilismo do desespero; todos os caminhos estavam vedados, seria necessário concluir que toda a ação é totalmente impossível neste mundo; tal consideração desembocaria, portanto, numa filosofia contemplativa, o que, aliás, nos reconduz a filosofia burguesa, visto que a contemplação é luxo. São estas fundamentalmente, as críticas comunistas. Por outro lado acusaram-nos de enfatizar a ignomínia humana, de sublinhar o sórdido, o equívoco, o viscoso, e de negligenciar certo número de belezas radiosas, o lado luminoso da natureza humana; por exemplo, segundo a senhorita Mercier, crítica católica, esquecemos o sorriso da criança. Uns e outros nos acusam de haver negado a solidariedade humana, de considerar que o homem vive isolado; segundo os comunistas, isso se deve, em grande parte ao fato de nós partirmos da pura subjetividade, ou seja, do penso cartesiano, ou seja ainda, do momento em que o homem se apreende em sua solidão, o que me tornaria incapaz de retornar, em seguida, à solidariedade 34

Ver entre outros: SALATIEL, J. R. Doutor em Filosofia pela PUC-SP e pesquisador do Centro de Estudos de Pragmatismo da PUC-SP, que compreende o existencialismo como um conjunto de doutrinas filosóficas que tiveram como tema central a análise do homem em sua relação com o mundo, em oposição a filosofias tradicionais que idealizaram a condição humana. Acrescenta que é também um fenômeno cultural, que teve seu apogeu na França do pós-guerra até meados da década de 1960, e que envolvia estilo de vida, moda, artes e ativismo político. Como movimento popular, o existencialismo iria influenciar também a música jovem a partir dos anos 1970, com os góticos e, atualmente, os emos. Apesar de sua fama de pessimista e lúgubre, o existencialismo, na verdade, é apenas uma filosofia que não faz concessões: coloca sobre o homem toda a responsabilidade por suas ações. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/filosofia/existencialismo.jhtm. Acesso em 18 de abr. 2012. 35 ROTMAN, P. (2008). “A Geração das Barricadas”. História Viva, São Paulo, número 54, p. 31, 15 de abril de 2008. 36 Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905 – 1980) foi um escritor, filósofo e crítico francês. É considerado o criador do existencialismo. Disponível em: http://www.brasilescola.com/biografia/jean-paul-sartre.htm. Acesso em 18 de abr. 2012.

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com os homens que existem fora de mim e que eu não posso alcançar no cogito.37

Ainda em 1960, o filósofo existencialista francês, Jean Paul Sartre, escreve o livro Furacão sobre Cuba, onde demonstra simpatia pelo regime implantado na ilha pela Revolução Cubana38, já que uma de suas principais características é “abraçar” na sua visão, movimentos que tenham cunho progressista, tanto na Europa quanto em países do chamado terceiro mundo.39

Sartre junto a Simone de Beauvoir e Che Guevara, em Cuba, em 196040 Foto: Alberto Korda.

A imagem acima mostra o casal, Simone de Beauvoir e Sartre, num encontro com Ernesto Che Guevara41, um dos líderes da Revolução Cubana, visto que, no mesmo ano publica um livro chamado Crítica da Razão Dialética, onde faz a revisão do texto O existencialismo é um humanismo. A publicação deste livro coloca o filósofo num patamar de intelectual engajado nas questões político-sociais, visto que a obra tenta tornar compatível o marxismo e o existencialismo. Identifica-se, no caso francês, um certo ar de insatisfação da sociedade, e que não foi percebido apenas por uma classe ou um estrato em questão, mas por um número expressivo 37

O existencialismo é um humanismo é uma transcrição de uma conferência proferida por Sartre em 1946. A Revolução Cubana caracterizou-se por ser um armado com a finalidade da deposição do ditador Fulgêncio Batista em 1º de Janeiro de 1959. Disponível em: http://www.brasilescola.com/historiag/revolucao-cubana.htm. Acesso em 18 de abr. 2012. 39 Ver entre outros: AZEVEDO, A. C. do Amaral. op. cit.; p. 432. Segundo o autor a expressão é de origem desconhecida mas certamente cunhada, em 1952, pelo demógrafo francês Alfred Sauvy e que, a seguir, passou a designar o conjunto de países caracterizados como terceiros em relação aos povos industrializados. O termo, inicialmente pouco considerado, ganhou difusão, identificando a pobreza dos países subdesenvolvidos bem como o domínio político econômico das nações desenvolvidas. 40 Imagem disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mundo/750593-fotos-de-fidel-castro-e-cheguevara-vao-a-leilao-no-reino-unido.shtml. Acesso em 18 de abr. 2012. 41 Ernesto Che Guevara de La Serna (1928 – 1967) Jornalista, polítco, escritor e médico argentino. Foi um dos líderes da Revolução Cubana em 1959. Disponível em: http://www.brasilescola.com/biografia/ernestoche-guevara.htm. Acesso em 19 de abr. 2012. 38

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da população, dentre os segmentos mais atuantes, encontramos os estudantes e os trabalhadores. Estima-se que o movimento tenha tido a participação de mais de 10 milhões de pessoas42 (grifo meu), onde o país foi quase totalmente paralisado por uma greve geral e em virtude disso, confrontos com as autoridades policiais foram inevitáveis e para se protegerem dessas intervenções, formaram barricadas, como podemos ver na imagem abaixo:

Barricada em Paris em maio de 196843

Já do outro lado do Oceano Atlântico, mais precisamente nos EUA, as reivindicações ganharam uma nova conotação e ganhavam um novo rumo. As propostas, apesar de semelhantes aos dos movimentos europeus, adquiriram um cunho mais voltado para o âmbito sócio-cultural, embora o país atravessasse uma fase economicamente favorável, fruto do New Deal44 rooseveltiano da década de 1930, que posteriormente culminaria com o Welfare State45, essa sociedade demonstrava grande insatisfação no que tange aos hábitos da maioria das pessoas. 42

Nota: Nos movimentos de grande acúmulo de pessoas em via pública, devido a protestos contra algo ou alguma coisa é muito difícil precisar a quantidade exata de pessoas presentes, tendo em vista que as fontes documentais nem sempre são confiáveis em virtude do “lado” que estes observadores estariam. 43 Imagem disponível em: http://ledromadaire.over-blog.com/article-mai-68-rappel-a-vos-bons-vieuxsouvenirs-enfin-pour-ceux-qui-y-etaient-sur-les-baricades-comme-moi-57486992.html. Acesso em 19 de abr. 2012. 44 O New Deal (Novo Acordo) foi o nome atribuído a uma série de medidas econômicas implementadas nos Estados Unidos da América do Norte, entre 1933 e 1937, sob o governo do Presidente Franklin Delano Roosevelt com intuito de combater a crise 1929. Disponível em: http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/new_deal_-_a_grande_virada_americana.html. Acesso em 20 de abr. 2012. 45 Ver entre outros: CANCIAN, R. Cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política - 1972-1985", Segundo o autor, o Estado do bem estar, tal como foi definido, surgiu após a Segunda Guerra Mundial. Seu desenvolvimento está intimamente relacionado ao processo de industrialização e os problemas sociais

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A juventude norte-americana, sobretudo: negros, hippies46 e estudantes de uma suposta nova esquerda emergente, punham em cheque o sonho americano do American Way of Life (grifo meu) que significa estilo de vida americano, mas que podemos também interpretá-lo como o jeito americano ou o modo do americano viver, visto que para essas pessoas, havia uma hipocrisia latente nesse modelo. A sociedade norte-americana em questão, baseava o seu modus vivendi, no consumo exacerbado e se afastava de uma realidade que estava presente nas classes menos abastadas que eram afetadas pela pobreza, discriminação, segregação racial, linchamento e pela violência policial. (...) aproveitando as mensagens de liberdade e prosperidade do discurso oficial e apoiados por seus aliados brancos, negros de todo o país, tanto dos estados outrora escravistas do sul quanto dos do norte, construíram um dos movimentos mais importantes dos EUA, o “Movimento por Direitos Civis” Conferindo à palavra “liberdade” um novo sentido de igualdade e reconhecimento de direitos e oportunidades, conseguiram mudar as relações raciais, políticas e sociais nos EUA, inspirando outros americanos a lutarem pelos seus direitos. (...)47

gerados a partir dele. A Grã-Bretanha foi o país que se destacou na construção do Estado de bem estar com aprovação, em 1942, de uma série de providências nas áreas da saúde e escolarização. Nas décadas seguintes, outros países seguiriam essa direção. Ocorreu também uma vertiginosa ampliação dos serviços assistenciais públicos, abarcando as áreas de renda, habitação e previdência social, entre outras. Paralelamente à prestação de serviços sociais, o Estado do bem estar passou a intervir fortemente na área econômica, de modo a regulamentar praticamente todas as atividades produtivas a fim de assegurar a geração de riquezas materiais junto com a diminuição das desigualdades sociais. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/sociologia/estado-do-bem-estar-social-historia-e-crise-do-welfare-state.jhtm. Acesso em 20 de abr. 2012. 46 Ver entre outros: SOUSA, G. R. Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás. Na década de 1960, o movimento hippie apareceu disposto a oferecer uma visão de mundo inovadora e distante dos vigentes ditames da sociedade capitalista. Em sua maioria jovens, os hippies abandonavam suas famílias e o conforto de seu lar para se entregarem a uma vida regada por sons, drogas alucinógenas e a busca por outros padrões de comportamento. Ao longo do tempo, ficariam conhecidos como a geração da “paz e amor” Quem se toma por essa rasa descrição dos hippies, esquece de que muitos deles não se portavam simplesmente como um bando de hedonistas, drogados e alheios ao que acontecia ao seu redor. Ao longo da década de 1960, junto do movimento negro, os integrantes dessa geração discutiram questões políticas de grande relevância e se organizaram para levar a público uma opinião sobre diversos acontecimentos contemporâneos. Disponível em: http://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/as-lutas-domovimento-hippie.htm. Acesso em 20 de abr. 2012. 47

PURDY, S. (2008). O Outro sonho americano. História Viva, São Paulo, número 54, p. 50, abr. 2008. Sean Purdy é professor de História dos Estados Unidos na USP.

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Discurso de Martin Luther King em Washington em 196348

Ao analisarmos a imagem acima percebemos certos elementos que nos levam a pressupor o que estava acontecendo no período, sendo os quais: a quantidade de pessoas que compareceram a esta manifestação, a bandeira norte-americana dando um sentido de nacionalismo e o mais contundente, o orador é um negro, fato que confirma a insatisfação dessa etnia neste país, o qual transcrevemos algumas palavras desse discurso abaixo: (...) Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação. Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham murchados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros. Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre. Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação.(...) Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas irão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.(...)49

Neste mesmo país, desde a década de 1950 começa a surgir um movimento que foi posteriormente chamado de contracultura50, entretanto o fenômeno só tem o seu auge na década de 1960.

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Imagem disponível em: http://retratodotempo.com.br/wp-content/uploads/2012/03/martin-luther-king2.jpg. Acesso em 20 de abr. 2012. 49 Trecho do discurso de Martin Luther King Jr disponível em: http://www.palmares.gov.br/sites/000/2/download/discursodemartinlutherking.pdf. Acesso em 21 de abr. 2012. 50 Jack Kerouac, Allen Grinsberg e William Burroughs são alguns dos autores que trabalharam com essa ideia.

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A Contracultura e o universo punk A contracultura tem como uma de suas características principais questionar os valores da sociedade ocidental, sobretudo aos olhos das pessoas mais conservadoras, já que entendem que a sociedade em desarmonia, está fechando os olhos para uma realidade obstruída pela exacerbação na aquisição de bens de consumo, o que a faz alienar-se diante dos problemas do mundo como define Carlos Alberto M. Pereira: (...) O termo contracultura foi inventado pela imprensa norte-americana, nos anos 60, para designar um conjunto de manifestações culturais novas que floresceram, não só nos EUA, como em vários outros países, especialmente na Europa e, embora em menor intensidade e repercussão na América Latina. Na verdade é um termo adequado porque uma das características básicas do fenômeno é o fato de se opor, de diferentes maneiras, à cultura vigente e oficializada pelas principais instituições oficializadas das sociedades do Ocidente. Contracultura é a cultura marginal, independente do reconhecimento oficial. No sentido universitário do termo é uma anticultura. Obedece a instintos desclassificados nos quadros acadêmicos.(...)51

Como já foi dito anteriormente, essa retórica contestatória, inundou a década de 1960 e essas questões contaminaram a sociedade de uma forma geral em quase todos os seus segmentos, já que a regra era quebrar o establishiment52, ou seja, o rompimento se fazia necessário e a música foi um instrumento imensamente utilizado com o intuito de confirmar essa condição. Este é o momento em que surgem vários cantores e bandas que se utilizavam dos seus textos musicais, ou melhor dizendo, de suas canções para tentarem conscientizar a sociedade dos problemas que a mesma apresentava e o sonho de se viver em um mundo melhor era possível.

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PEREIRA, C. A .M. O que é contracultura. São Paulo: Editora Brasiliense, Coleção Primeiros Passos, 8ª Edição. 1992, p. 13. 52 Ver entre outros: NEIBURG, F. apud ELIAS, N. e SCOTSON, L. J. Os estabelecidos e os outsiders. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar. 1994, p. 7. As palavras establishment e established são utilizadas, em inglês, para designar grupos e indivíduos que ocupam posições de prestígio e poder. Um establishment é um grupo que se autopercebe e que é reconhecido como uma "boa sociedade", mais poderosa e melhor, uma identidade social construída a partir de uma combinação singular de tradição, autoridade e influência: os established fundam o seu poder no fato de serem um modelo moral para os outros. Na língua inglesa, o termo que completa a relação é outsiders, os não membros da "boa sociedade", os que estão fora dela. Trata-se de um conjunto heterogêneo e difuso de pessoas unidas por laços sociais menos intensos do que aqueles que unem os established. A identidade social destes últimos é a de um grupo. Eles possuem um substantivo abstrato que os define como um coletivo: são o establishment. Os outsiders, ao contrário, existem sempre no plural, não constituindo propriamente um grupo social.

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Não há como falar desse período, sem citar os Beatles53, banda formada na Inglaterra, mais precisamente em Liverpool, que tem início em 1957, entretanto é só na década de 1960 que atingem a notoriedade, visto que durante esse período forjaram o comportamento dos jovens, tais como: a sua maneira de se expressar, se vestir, transformando-se em um modelo de expressão comportamental seguido em muitos países do mundo, sobretudo no lado ocidental do planeta. Importa ressaltar que os Beatles, na sua origem, não tinham intenção de modificar padrões ou até mesmo de contestar algo ou alguma coisa, já que no início da década de 1960, ainda existia o sonho, acreditava-se ainda, que algo de muito bom estaria por vir, um período até mesmo de certa inocência que se refletia nas canções desse grupo e também em outros contemporâneos a eles. A História tem suas armadilhas, o fato é que no começo do fim da desintegração dos Beatles, em 1969, um dos seus integrantes mais carismáticos, John Lennon, anuncia a sua saída da banda com a célebre frase “o sonho acabou”, fato que só foi confirmado oficialmente por outro dos seus integrantes, também muito popular, Paul McCartney, em 10 abril de 1970, como podemos ver na imagem abaixo:

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The Beatles foi uma banda de rock britânica formada em 1960. É uma das bandas de rock mais bem sucedidas da história da música popular mundial. Disponível em: http://www.thebeatles.com/#/history/1963. Acesso em 20 de abr. 2012.

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Notícia publicada no Jornal do Brasil em 10 de abril de 197054

(...) Paul McCartney, 27 anos, anunciou o lançamento de seu primeiro disco solo McCartney, confirmando seu desligamento do grupo que formou com John Lennon, Ringo Star e George Harrison e que se tornou o conjunto de música popular moderna mais famoso da história, os Beatles. A iniciativa de McCartney, segundo ele, foi movida por razões pessoais, musicais e de negócios. Noticiada primeiramente no início da manhã pelo jornal britânico Daily Mirror, a separação chegou a ser negada pela direção da Apple Corp, empresa agente dos Beatles, que no mesmo dia confirmou o fim do grupo, para a tristeza de milhões de fãs em todo o mundo.(...)55

Ainda na década de 1960, nos EUA, surgem duas bandas que são consideradas o protótipo do punk o MC5 (Motor City Five)56 e o The Stooges57 (Os Idiotas) essas bandas já faziam um rock agressivo muito diferente das bandas do mesmo período como definiu o escritor Sílvio Essinger: 54

Imagem disponível em: http://www.jblog.com.br/hojenahistoria.php. Acesso em 21 de abr. 2012. Fonte: Notícia publicada no Jornal do Brasil em 10 de abril de 1970. 56 MC5 foi uma banda de rock estadunidense formada em 1964. Disponível em: http://www.mc5.org/#. Acesso em 21 de abr. 2012. 57 The Stooges são conhecidos também como Iggy and The Stooges foi uma banda de rock estadunidense formada no final da década de 1960. São considerados o protótipo do punk rock. In Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em: . Acesso em 21 de abr. 2012. 55

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(...) Quilômetros a oeste, no estado de Michigan, garotos que só queriam saber de beber cerveja, tomar umas bolas e arrumar confusão estavam armando suas ruidosas bandas. Em Detroit, 1968, surgia o MC5, os cinco da cidade dos motores, que começaram a carreira com um álbum ao vivo, gravado em meio ao caos, um dos barulhos mais infernais registrados em disco até então: Kick out the Jams (Vamos detonar), disco proscrito por causa do primal motherfuckers (filhos de profissionais do sexo) berrado pelo vocalista Rob Tyner logo na faixa título. Filiados a um dos vários movimentos políticos de contestação da época, os White Panthers58, eles não tardaram a se desvencilhar das ideologias, tomaram uma dura dos radicais da cidade, que fervilhava de conflitos raciais e passaram a pregar o mais imbecil dos rocks, sujo, desbocado e vigoroso. (...) Ao mesmo tempo e no mesmo estado que o MC5, só que na pequena Ann Arbor, outros exemplares do melhor White Trash59 americano iniciavam sua revolução sonora com as mesmas armas. O nome da banda exprimia uma ideia fundamental: The Stooges, os idiotas que servem de escada para os comediantes (a inspiração veio da televisão, dos Três Patetas – The Three Stooges). Foi aí que começou a ser formar a tal qual o conhecemos em seu auge.(...)60

MC5: Kicking out the Jams in Golden Gate Park, San Francisco in 1970. Foto: Emil Baccila61

O movimento punk, surge em meados da década de 1970, na Inglaterra e nos EUA, embora seja muito difícil precisar, onde realmente esse fenômeno eclodiu 58

White Panther Party ou Partido dos Panteras Brancas, grupo político de estadunidense brancos considerados de extrema esquerda, fundado em 1968. 59 White Trash (Lixo Branco) é um termo norte-americano pejorativo, referente aos brancos pobres nos Estados Unidos, especialmente na zona rural sulista. São vistos como um estrato social que tem o nível de vida degradado. O termo sugere que os mesmos são os párias da sociedade e que vivem à margem da ordem social. São vistos como perigosos porque podem ser de natureza criminosa, imprevisível e sem respeito pela autoridade seja ela política, jurídica ou moral. Disponível em: . Acesso em 21 de abr. 2012. 60 ESSINGER, S. Punk: A anarquia planetária e a cena brasileira. 1ª Edição. São Paulo. Editora 34, 1999, p. 23. 61 Imagem disponível em: http://makemyday.free.fr/mc5insf.htm. Acesso em 21 de abr. 2012.

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inicialmente. Ainda não há um consenso entre os trabalhos que abordaram o assunto, ou seja, falta ainda um estudo que afirme com precisão quem são os primeiros a criarem esse estilo de música ou comportamento, dependendo do enfoque que se queira dar. Nosso trabalho é apenas mais um olhar acerca do tema proposto. Por mais incrível que possa parecer, a palavra punk foi utilizada pela primeira vez por William Shakespeare62, numa peça intitulada Medida por Medida, onde numa das frases o personagem diz “...casar com um punk, meu senhor, é apressar a morte...”63, ou seja, o dramaturgo se mostra bastante atual. Alguns linguistas consideram que o surgimento desse vocábulo tenha sido por volta de meados do XVI, numa tribo indígena norte-americana chamada Delaware64 e a palavra significava cinzas ou poeira65, entretanto há outra hipótese: (...) consideram que provavelmente ela terá surgido em meados do século XVI, (...) a partir de palavras inglesas ainda hoje existentes, como spunk (faísca ou fungo da madeira), funk (medo ou covardia), ou até mesmo punch, cujo significado, na época, era classe baixa (...)66.

No contexto da obra de Shakespeare a palavra significa: “...lixo, traste, passando por prostituta até chegar ao significado atual de música punk, ou punk em pessoa...”67, o que coloca o dramaturgo num patamar de modernidade e atento as modificações nas expressões e palavras da língua inglesa. Já dentro do segmento musical, para ser mais preciso, no rock, a palavra aparece pela primeira vez numa música chamada Wizz Kidd da banda inglesa chamada Mott the Hoople68, onde numa das frases o autor dizia: “...her father was a street punk and her mother was a drunk...” (o pai dela era um punk das ruas e a mãe uma bêbada)69, entretanto a conotação dada a esse vocábulo nesse momento é a de um substantivo e não a de um

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William Shakespeare (1564 – 1616) poeta e dramaturgo inglês. É considerado um dos maiores poetas ingleses e tido também como um dos mais influntes na dramaturgia mundial. Disponível em: . Acesso em 21 de abr. 2012. 63 BIVAR, A. O que é punk. 4ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. (Coleção Primeiros Passos, 76). p. 38 64 Os Delaware eram uma tribo indígena norte-americana que habitavam a região do vale do Delaware antes da chegada dos primeiros Europeus. Atualmente é um estado norte-americano. 65 COELHO, L. A. Disponível em: http://www.recantodasletras.com.br/ensaios/1957686. Acesso em 21 de abr. 2012. 66 Idem. 67 O’HARA, C. A Filosofia do punk: Mais do que barulho. São Paulo: Radical Livros, 2005. p. 189. 68 Mott the Hoople foi uma banda inglesa de rock formada em 1969. 69 BIVAR, A. op. cit.; p. 38.

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movimento ou adjetivo, fato que posteriormente iria se confirmar devido a proporção que essa palavra tomou pelo mundo. O vocábulo ganha notoriedade com a publicação nos EUA da revista Punk Magazine70 em 1976, como podemos ver nas linhas abaixo: (...) Com um ódio pelos hippies que só se igualava em intensidade ao amor por TV, junk food71 e rock´n´roll, o adolescente Legs McNeil resolveu montar, junto com o amigo cartunista John Holmstrom, uma revista para falar daquilo tudo de que gostava. Pensou em chamá-la de Teenage News (notícias adolescentes), mas achou o nome bobo. Queria uma opção de leitura para garotos como ele “que faziam festas quando os pais não estavam e destruíam a casa, que roubavam carros para se divertir”. Nisso, o nome veio cristalino: punk. Lou Reed72 (retratado na capa em hilariante caricatura) e os Ramones73, foram os entrevistados do primeiro número, que, anunciada em cartazes em Nova Iorque, lançou a palavrinha mágica e subversiva ao mundo. Na época, punk era o termo que os policiais da TV, como Kojak74, usavam para chamar os bandidos insignificantes, ou os professores para ralhar com os alunos imprestáveis (...)75

As imagens que seguem abaixo, retratam com precisão a descrição do escritor Sílvio Essinger nas linhas supracitadas, tais como: a caricatura do músico Lou Reed, o nome dos editores e o conteúdo do periódico. Observa-se também que o valor cobrado para obtenção da publicação, era de 50 centavos de dólar, tal atitude nos leva a crer que os seus editores queriam atingir a uma grande parcela de leitores, já que o público em foco eram jovens adolescentes que provavelmente ainda não estavam inseridos num mercado formal de trabalho.

70

PUNK magazine foi uma revista criada em 1976, pelo cartunista John Holmstrom, o editor Ged Dunn e Legs McNeil. O termo punk rock que havia sido criado pela revista Creem alguns anos antes, foi popularizado por esta publicação e como resultado serviu para qualificar o tipo de som das bandas que os mesmos gostavam, tais como: Ramones, The Stooges, New York Dolls, MC5 entre outras. Disponível em: http://www.punkmagazine.com/vault/back_issues/01/01index.html. Acesso em 21 de abr. 2012. 71 Junk Food (Comida lixo) é uma expressão para qualificar um tipo de alimento que embora muito calórico tenha poucos nutrientes. Disponível em: http://www.wisegeek.com/what-is-junk-food.htm. Acesso em 21 de abr. 2012. 72 Lou Reed (1942) é um guitarrista e cantor nova-iorquino. É considerado o “guru” do movimento punk. 73 The Ramones foi uma banda de punk rock nova-iorquina formada em 1974. Disponível em: http://www.ramones.net/biography.html. Acesso em 21 de abr. 2012. 74 Kojak foi uma série de TV norte-americana que foi exibida entre 23 de outubro de 1973 a março de 1978. 75 ESSINGER, S. op. cit.; p. 32.

33

Sumário da revista Punk Magazine76

76

Imagem disponível em: http://www.punkmagazine.com/vault/back_issues/01/toc-vol1no1.html. Acesso em 21 de abril de 2012.

34

Capa da primeira publicação do periódico Punk Magazine em janeiro de 197677.

77

Imagem disponível em: http://www.punkmagazine.com/vault/back_issues/01/01index.html. Acesso em 21 de abr. 2012.

35

Na década de 1970, as rádios inglesas e norte-americanas, tocavam músicas extremamente longas, visto que se vivia um momento em que o segmento mais ouvido dentro do estilo rock, era a vertente do rock progressivo78, visto que privilegiava longos solos de guitarra e de bateria, logo se transformando numa espécie de “hinos”, sobretudo, dentro de outro movimento, o hippie, que foi marcado pelos protestos que faziam contra a sociedade e o seu modo vida, protestos estes que estavam vinculados também contra a guerra do Vietnã, (1959 – 1975), acontecimento que foi muito combatido por esse grupo de pessoas, o qual o lema a ser seguido era: sexo, drogas, e rock´n´roll, trilogia que marcou muito essa época, além do binômio paz e amor. O movimento punk, em termos artísticos, musicalmente falando, surge neste contexto musical, onde jovens, geralmente das zonas suburbanas londrinas e/ou novaiorquinas, não se sentem atraídos pelo rock progressivo, já que são músicas muito longas e de difícil execução, então, criam um estilo musical que tecnicamente falando é bem mais fácil de se aprender a tocar, já que as músicas são basicamente simples e que não possuem mais do que três acordes, ou seja, o principal foco encontra-se nas letras, e não na melodia, quase uma “antimúsica”. Evidentemente o rock progressivo, estilo a ser “superado”, também, além de letras “viajantes”, ligadas ao psicodelismo79, tinha também a preocupação de passar a sua mensagem, entretanto de uma forma mais sofisticada, com composições mais intricadas e que dispunham de uma análise mais profunda para serem compreendidas. Esses jovens de classes menos abastadas, tendem então, a primar por um estilo mais agressivo. As letras retratam o cotidiano de uma forma mais crua, desprovidas de sofisticações estéticas e de metáforas em algumas vezes pouco inteligíveis pela população em geral. Essa é a proposta desse novo estilo que surge, musicalmente pobre, mas de grande riqueza no que tange a rebeldia e a insatisfação com a política de Estado vigente, como a falta de emprego, de oportunidades, ou melhor, com a sociedade em geral, visto que, as letras punks, a retratam como ela é, ou pelo menos, como eles a enxergam. Uma

das

características

mais

importantes

dessa

época

é

o

grande

descontentamento com a classe política, isto fez com que esses jovens não mais

78

É um estilo de música dentro do rock que surgiu no fim da década de 1960, na Inglaterra. Conseguiu se tornar muito popular na década de 1970, e que ainda hoje possui muitos adeptos. 79 Psicodelia é um estado psíquico provocado pelo uso de vários alucinógenos, nomeadamente, o L.S.D (Dietilamida Ácido Lisérgico) que se traduz no aumento das ideias e percepções. Disponível em: http://www.brasilescola.com/drogas/lsd.htm. Acesso em 21 de abr. 2012.

36

acreditassem que os políticos pudessem mais resolver todos esses problemas, a partir de então, criam o que é chamado de Do it YourSelf80 (Faça você mesmo). Imbuídos do sentimento de realizarem as atividades por conta própria, as primeiras bandas começam a surgir. Importa ressaltar que os integrantes desses grupos, também não sabiam muito bem como tocar os instrumentos, tais como: guitarra, contrabaixo e bateria, fato que é bastante relevante, visto que deu uma característica única nas composições, contudo como foi dito nas linhas anteriores eram nas letras que expunham a sua insatisfação e para citar apenas um exemplo vejamos um trecho de uma das canções da banda Sex Pistols81 que marcou muito na época:

God save the Queen /Deus salve a rainha God save the Queen

Deus salve a Rainha

Her fascist regime

Seu regime fascista

It made you a moron

Fez de você um retardado

A potential H bomb

Bomba H em potencial

God save the Queen

Deus salve a Rainha

She ain´t no human being

Ela não é um ser humano

There is no future

Não há futuro

In England´s dreaming

Nos sonhos da Inglaterra

Don´t be told what you want

Não seja dito no que você quer

Don´t be told what you need

Não seja dito no que você precisa

There´s no future

Não há futuro

No future, no future for you

Sem futuro para você

God save the Queen

Deus salve a rainha

´Cos turists are money

Porque turistas são dinheiro

80

Ver entre outros: O´HARA, Craig. op. cit.; p. 186. DIY é um acrônimo para Do It Yourself (Faça você mesmo), que traduz um espírito empreendedor e anarquista que teria surgido com a cena punk underground. É a corporificação da atitude punk. A sigla é utilizada para denotar que determinada banda realiza todo o trabalho com o seu próprio esforço, ou seja, tudo relacionado a organização de shows, gravação e produção dos álbuns, venda de merchandise, marketing, publicidade, etc. 81 Sex Pistols foi uma banda inglesa de punk rock, formada em Londres, no ano de 1975. Disponível em: http://www.sexpistolsofficial.com/biography/. Acesso em 21 de abr. 2012.

37

And our figurehead

Nossa representante

Is not what she seems

Não é o que ela parece

Oh God save history

Oh Deus salve a história

God save your made parade

Deus salve sua louca parade

Oh Lord God have mercy

Oh Senhor Deus tenha piedade

Esse é um trecho de uma das músicas que expressa o sentimento de alguns jovens durante esse período. Numa análise dessa canção pode-se retratar o que sentiam os jovens que se identificavam com esse fenômeno, já que fica evidente o seu repúdio ao que estaria acontecendo e uma profunda perda de esperança em dias melhores, ou melhor dizendo, condições melhores de sobrevivência e que nas palavras do escritor Craig O´hara, pode ser definido dessa forma: (...) Há um sentimento de alienação tão poderoso e difundido em voga na sociedade moderna que se tornou lugar-comum e aceito. Alguns reconhecem suas origens no começo da Revolução Industrial, quando o local de trabalho se tornou o segundo lar dos jovens e dos idosos. Não é preciso ser marxista ou sociólogo erudito para perceber o papel da produção em massa e da eficiência máxima na criação dessa alienação. Até um roqueiro, um vendedor de telemarketing ou um almoxarife poderia nos dizer isso. A parte peculiar é que foi o homem quem criou esses sentimentos, concordou com eles e os aceitou como normais. É possível que nós, que vivemos no começo do século XXI, simplesmente não conheçamos a vida sem tais sentimentos e que hoje estejamos apenas herdando as estruturas negativas que causam alienação.(...)82

O autor é bastante contundente em suas palavras, entretanto será que podemos generalizar esse fenômeno de uma forma tão fechada? Seriam os punks tão desalienados assim? Ou será que vivemos sob modelos de dominação, onde não há desordem e sim implantações de novas ordens onde acabariam caindo no mesmo lugar-comum? . Na imagem abaixo o que mais chama atenção são as inscrições contidas na camiseta que o vocalista da banda, Johnny Rotten (Joãozinho Podre), utiliza, tais como: uma suástica, principal símbolo do nazismo, uma cruz de cabeça para baixo, que representa uma aversão a religião, de forma mais contundente ao cristianismo, e a palavra destroy (destrua). Podem-se ter várias interpretações para a simbologia exposta na camiseta utilizada pelo vocalista da banda, as quais são: chocar a sociedade, apenas uma

82

O’HARA, C. op. cit.; p. 27 e 28.

38

provocação sem mais aprofundamentos ideológicos, ou no sentido literal de destruição de tudo o que era estabelecido. Acredito que as três suposições anteriores se interliguem, entretanto a destruição da sociedade em questão seja a ênfase que a banda quer passar, não só para o seu público mas para todos os segmentos sociais. Veremos no terceiro capítulo tudo o que pode representar a simbologia punk.

Sex Pistols ao vivo em 1977. Da esquerda para direita: Sid Vicious, Johnny Rotten, Paul Cook and Steve Jones83.

Cabe ressaltar que o movimento punk está repleto de contradições, já que um dos ícones do mesmo, os Sex Pistols, foram forjados por um empresário do segmento da moda chamado Malcolm Mclaren84, que era dono de uma loja em Londres chamada Sex e adicionou ao nome da banda a palavra pistols (pistolas), ou seja, até que ponto esse movimento estava preocupado com a ruptura ou se estavam apenas à procura de um nicho de mercado ou foi o mercado que os incorporou?. Ao longo dos próximos capítulos iremos elucidar essas e outras questões que foram surgindo durante a nossa pesquisa.

83

Disponível em: http://www.sexpistolsofficial.com/media/image/2. Acesso em 21 de abr. 2012. Malcolm McLaren (1946 – 2010) foi um estilista e empresário britânico. É um dos responsáveis pela criação da banda de punk rock Sex Pistols. 84

39

Capítulo II A movimentação aterrissa nos trópicos Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. (Karl Marx.)85

Em fins dos anos 1960 e início dos anos 1970 o Brasil vive um momento bastante turbulento. Estamos em plena ditadura militar, direitos cerceados, prisões, exílios políticos, sobretudo a classe artística, que tem a sua liberdade de expressão limitada e que sofre com a repressão, contudo ainda consegue se expressar. Filmes, novelas, peças de teatro, músicas, ficam sob a inspeção da censura federal86, órgão instituído pelo aparelho estatal com a finalidade de coibir àquilo que entendiam ser contrário ao regime vigente à época, contudo, por outro lado, vivíamos num país economicamente viável, visto que estávamos num período que é chamado de “milagre econômico brasileiro”87, período este que ocorre de 1968 a 1974. O país apresentava nesse momento, um crescimento econômico bastante considerável, onde surgiam investimentos de toda ordem, sobretudo na infraestrutura, tais como: a construção de ferrovias, aeroportos, estradas e etc. Observa-se também uma ascensão da classe média, já que à medida que o país evoluía economicamente eram 85

MARX, K. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. São Paulo: Editora Martin Claret, 2008, p. 6. Ver entre outros: OLIVIERI, Antônio Carlos. É escritor, jornalista e diretor da Página 3, Pedagogia & Comunicação. Segundo o autor, censura basicamente, entende-se pelo exame a que são submetidos trabalhos artísticos ou informativos, com base em critérios morais ou políticos, para decidir sobre a conveniência de serem ou não liberados para apresentação ao público em geral. A censura foi uma das armas de que o regime militar se valeu para calar seus opositores e impedir que qualquer tipo de mensagem contrária a seus interesses fosse amplamente divulgada. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/historiabrasil/censura-ditadura-militar.jhtm. Acesso em 23 de abr. 2012. 87 De 1967 a 1973 o Brasil alcançou taxas médias de crescimento muito elevadas e sem precedentes, que decorreram em parte da política econômica então implementada principalmente sob a direção do Ministro da Fazenda Antônio Delfim Neto mas também de uma conjuntura econômica internacional muito favorável. Esse período (e por vezes de forma mais restrita os anos 1968-1973) passou a ser conhecido como o do “milagre econômico brasileiro”, uma terminologia anteriormente aplicada a fases de rápido crescimento econômico no Japão e em outros países. Esse “milagre econômico” foi também, em certa medida, o desdobramento de diagnósticos e políticas adotados entre 1964 e 1966 por Otávio Gouveia de Bulhões e Roberto de Oliveira Campos, respectivamente ministros da Fazenda e do Planejamento do Governo Castelo Branco, e consubstanciados no Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG). Disponível em: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em 23 de abr. 2012. 86

40

oferecidos mais postos de trabalho sobretudo no setor industrial o que impactou diretamente no consumo. (...) Apesar da situação de instabilidade que caracterizou a década, marcada por movimentos curtos de recuperação seguidos de outros de recessão em um contexto de alta inflação, chegou-se ao final do período com uma taxa de desemprego relativamente baixa. Após os anos de recessão de 1981 a 1983, os movimentos curtos de recuperação permitiram a recomposição do nível de emprego industrial, o qual, em 1989, era similar àquele de 1980 (...)88.

Com o passar do tempo, essa situação economicamente estável, vai aos poucos sucumbindo, visto que o país para chegar a esse patamar de estabilidade econômica, se endividou muito e inúmeros recursos passaram a ser utilizados para pagar os empréstimos que foram contraídos em épocas anteriores, com a intenção de alavancar esse crescimento. A partir de 1973 a economia começa a dar sinais de fragilidade e o tão sonhado milagre econômico começa a declinar. Com a crise internacional do petróleo89 nesse mesmo período, a situação econômica se agrava ainda mais, pois o país também sofria com o aumento constante da inflação e a queda no PIB90. No dia 15 de março de 1974, assume a presidência Ernesto Geisel91, que dá início ao processo que ficou conhecido como a distensão92, fato este, que foi visto com muito otimismo tanto nos editoriais dos grandes jornais do Rio de Janeiro e de São Paulo e até mesmo entre alguns parlamentares, opositores da ditadura, como veremos abaixo: 88

DEDECA, C. S. Artigo publicado na Revista de Economia Política, vol. 25, nº 1 (97), pp. 44-111, janeiromarço/2005. 89 Ver entre outros: JÚNIOR, G. A. Historiador; Mestrando em História na linha "Poder, Mercado e Trabalho"; Professor de História, Francês e Inglês; Editor-assistente da Revista Contemporâneos; Pesquisador do Laboratório de História Política e Social (LAHPS) e do Laboratório de Estudos e Pesquisas da Contemporaneidade (LEPCON). A segunda fase da Crise Internacional do Petróleo aconteceu em 1973 em protesto pelo apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur, tendo os países árabes organizados na OPEP aumentado o preço do petróleo em mais de 300%. Disponível em: http://www.infoescola.com/economia/crise-do-petroleo/. Acesso em 23 de abr. 2012. 90 Ver entre outros: SANDRONI, P. Novíssimo Dicionário de Economia. São Paulo: Editora Best Seller, 1ª Edição. 1999, p. 459. O PIB (Produto Interno Bruto) refere-se ao valor agregado de todos os bens e serviços finais produzidos dentro do território econômico de um país, independentemente da nacionalidade dos proprietários das unidades produtoras desses bens e serviços. 91 Ernesto Beckmann Geisel (1907 - 1996) Militar, Comandante do comando Militar em Brasília em 1961; Chefe do Gabinete Militar da Presidência da República em 1961, 1969-1973 e Presidente da República de 1974 -1979). Disponível em: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em 23 de abr. 2012. 92 Ver entre outros: CANCIAN, R. É cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais, é autor do livro "Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política -19721985". Segundo o autor, os militares que se instalaram no poder, a partir de 1974, já estavam se mobilizando para uma distensão lenta, gradual e segura, visando à volta da democracia plena. Os estrategistas sabiam que não havia saída, seu poder estava sob forte pressão nacional e principalmente internacional. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/historia-brasil/governo-geisel-1974-1979distensao-oposicoes-e-crise-economica.jhtm. Acesso em 23 de abr. 2012.

41

(...) O deputado Paes de Andrade do (MDB-CE) declarou ontem na Câmara que, “apesar da opinião dos que sonham com o estancamento da política de descompressão preconizada pelo presidente Geisel, há um processo de distensão em marcha que hoje recebe a inspiração em todas as correntes de opinião deste País”. O parlamentar salientou ainda que as críticas ao Senador Petrônio Portella ao documento “Reforma com democracia” de autoria do Deputado Ulysses Guimarães, não devem ter expressado a opinião do presidente da República. “Estamos certos, enfatizou, de que não se fecharam ainda todos os caminhos para a restauração da ordem jurídica no País”.(...)93

Era um período onde ocorriam grandes transformações na política e na sociedade brasileira, fato que culminaria alguns anos mais tarde, com o processo de abertura política e posteriormente a transição do regime ditatorial militar para a tão aguardada democracia, tão sonhada e esperada pela população. As eleições diretas, ainda não teriam vez, sendo que os candidatos foram eleitos por um colégio eleitoral, onde Tancredo Neves94 de um lado e Paulo Maluf95 de outro, disputavam a vaga. Com mais de 70% da votação, Tancredo Neves saiu vitorioso entretanto não chegou a assumir ao cargo pleiteado: a presidência, visto que, nas vésperas da posse foi internado com fortes dores abdominais logo se transformando em uma infecção generalizada levando-o à morte.

93

Matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 25 de junho de 1975. p. 5. Disponível em: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19750625-30750-spo-0005-999-5-not. Acesso em 23 de abr. 2012. 94 Tancredo de Almeida Neves (1910 - 1985). Deputado Federal por Minas Gerais de 1951-1953; Ministro da Justiça de 1953-1954; Deputado Federal por Minas Gerais de 1954-1955; Presidente do BNDE de 19601961; Primeiro Ministro de 1961-1962; Deputado Federal por Minas Gerais de 1963-1979; Senador por Minas Gerais de 1979-1983; Governador de Minas Gerais de 1983-1984 e Presidente da República eleito em 1985. Disponível em: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx Acesso em 23 de abr. 2012. 95 Paulo Salim Maluf (1931) foi Prefeito de São Paulo de 1969-1971; Governador de São Paulo de 19791982; Deputado Federal por São Paulo de 1983-1987; Candidato a Presidência da República em 1989; Prefeito de São Paulo de 1993-1997; Deputado Federal por São Paulo em 2007. Disponível em http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em 23 de abr. 2012.

42

Capa do Jornal A Folha de São Paulo em 22 de abril de 198596.

Sendo assim, assume o cargo o vice-presidente da coligação, José Sarney97, que tem por objetivo principal controlar a inflação e, para tal solução implementa o Plano Cruzado98 que tem como meta conter a inflação e aumentar o poder aquisitivo da população.

96

Imagem disponível em: http://www.encontrosdevista.com.br/Artigos/A_IMAGEM_DE_TANCREDO_NEVES_NO_JORNAL_FOL HA_DE_SAO.pdf . acesso em 23 de abr. 2012. 97 José Ribamar Ferreira Araújo da Costa Sarney (1930) Deputado Federal pelo Maranhão em 1956, 1957 e 1959-1966; Governador do Maranhão de 1966-1970; Senador pelo Maranhão de 1971-1985; Presidente da República de 1985-1990; Senador pelo Amapá em 1991. Disponível em: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em 23 de abr. 2012. 98 Plano de estabilização econômica anunciado em 28 de fevereiro de 1986, no governo do presidente José Sarney (1985-1990). Inicialmente bem-sucedido, pois os índices inflacionários caíram consideravelmente, o

43

Neste momento percebe-se um clima de euforia no país, várias pessoas, chamadas na época de fiscais do Sarney99 passaram a fiscalizar os preços nas prateleiras dos supermercados para que não houvesse um exagero dos empresários no aumento das mercadorias.

Capa do jornal O Estado de São Paulo em 1º de março de 1986100.

Com o crescimento drástico do consumo os fornecedores das mercadorias passariam a cobrar ágio e com esta atitude temos a retomada da inflação fazendo com que o governo congelasse os salários. Neste período a inerte inflação chega a quase 200% a.a. A década de 1980 fica então conhecida como a década perdida já que economicamente o país tinha o seu crescimento econômico estagnado assim sendo o desemprego estava em alta e os mais afetados eram os jovens. É neste contexto histórico que o movimento punk chega ao Brasil. recrudescimento da inflação levou o plano ao fracasso no final de 1986. Disponível em: http://www.fgv.br/CPDOC/BUSCA/Busca/BuscaConsultar.aspx. Acesso em 23 de abr. 2012. 99 Fiscais do Sarney foi como foram chamadas as pessoas que iam para os supermercados com a tabela de preços distrubuídas pelo Governo com a finalidade de denunciar os abusos praticados pelos empresários das redes de supermercados. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/especial/2002/eleicoes/historia-1985.shtml. Acesso em 23 de abr. 2012. 100 Disponível em: http://blogs.estadao.com.br/arquivo/2011/02/. Acesso em 23 de abr. 2012.

44

Mesmo com a crise do desemprego em alta, os punks brasileiros querem trabalhar e o escritor Antônio Bivar descreve: A maioria dos punks trabalha. Em bancos, escritórios, lojas, indústrias etc. São office-boys, auxiliares de escritório, comerciários, balconistas, recepcionistas (as garotas), operários, feirantes, proletários. Os que não trabalham é porque realmente emprego não está fácil. Todos querem trabalhar. Uma certa manhã na Punk Rock, loja nas grandes galerias (centro de São Paulo), onde punks se reúnem, alguém levantou a ideia de que o Brasil deveria criar o salário-desemprego. Gordo, do grupo Anarcoólatras, fez uma expressão de espanto, riu e disse: “Não diga isso! Se isso acontecer, aí é que ninguém mais trabalha neste país! O que queremos é emprego!” Por pior e mal remunerados que sejam esses empregos, os punks preferem qualquer emprego a emprego algum.101

Como podemos ver, de uma forma não tão generalizada assim, os punks brasileiros tinham uma transparente intenção de inserção no mercado de trabalho formal, já que em sua grande maioria eram oriundos de famílias pobres e necessitavam de uma renda regular para o custeio das despesas domésticas. Fica evidente que por onde esse movimento passou no Brasil, as condições econômicas de seus integrantes sofriam algumas nuances e por vezes pouco semelhantes, tendo em vista que o exemplo acima é uma das características do punk paulista e paulistano. No Brasil, o movimento punk, embora com muitas semelhanças aos seus exemplares estrangeiros, regionalmente assume características marcantes e diferentes pelos locais por onde passou. No caso brasileiro preferimos por optar a não entrar num debate de que banda ou em que Estado teria surgido essa movimentação, entendemos que o melhor a fazer é destacarmos em que pontos aconteceram e quais seriam os seus representantes e suas características, contudo não deixaremos de expor os argumentos em que os mesmos defendem o pioneirismo do estilo no Brasil. Existem muitas histórias que pleiteiam o surgimento do punk no Brasil para a sua banda ou para o seu Estado ou para os dois ao mesmo tempo. O fato é que toda essa discussão quase sempre termina numa tríade, entre São Paulo, Brasília e Rio de Janeiro, visto que, bandas das três cidades surgiram num espaço temporal muito curto embora cada uma com suas características e especificidades. (...) Mil novecentos e setenta e sete, Brasil. Mais especificamente, periferia de São Paulo. Ernesto Geisel governava o país executando a chamada “distensão”. A mão de ferro começava a se abrir, mas mesmo assim o clima político continuava pesado. A censura ainda era muito atuante, privando 101

BIVAR, A. op. cit.; p. 97.

45

público de boa parte da produção artística da época, principalmente a música inteligente e criativa. Não era fácil ser jovem, ainda mais na classe média, um grupo de adolescentes se divertia da maneira que podia. A MPB não refletia o seu dia-a-dia e a música pop não fazia o sangue ferver. O que sobrava era o rock. Apesar de boa parte das bandas da cidade ter acabado ou se adaptado a outros gêneros, em São Paulo a cultura roqueira floresceu mais do que em outros cantos do país. Para aqueles garotos da periferia, não havia samba ou James Brown que aplacasse a ansiedade. (...) Gangues roqueiras se formavam em diversos bairros da periferia (...) (...) Não foi com a mesma intensidade e nem com a mesma glória que em São Paulo, mas o Rio também viveu sua experiência punk. Em 1982, enquanto a Zona Sul celebrava a descontração via rock com a Blitz e Lulu Santos e se reconhecia no alto astral da novela Sol de Verão, havia uma outra cidade, sem chopinho à beira-mar ou gatas de biquíni, que enfrentava o calor sem brisa nos trens e buscava uma possibilidade de diversão nos rincões suburbanos. Morador do morro do Andaraí, Lúcio Flávio tinha o skate (...) Até 1977, Lúcio Flávio gostava de heavy metal. Um dia, ouviu o disco Never Mind the Bollocks102 (Não dê atenção aos escrotos). Estranhou, mas algo o impelia a ouvir de novo, várias vezes. “Aí me amarrei, era tudo rapidinho pegava mesmo”, contou. “Desde 1976 nós conhecíamos o movimento através de revistas estrangeiras. Como ninguém entendia o inglês, ficou mais a imagem e a vontade de agredir.(...) (...) Ao contrário do que aconteceu em São Paulo e no Rio, em Brasília a revolução punk teve sua penetração inicial exclusivamente entre um grupo muito sele de jovens da classe média. Várias são as teorias possíveis para tentar explicar essa singularidade. O melhor, porém é atentar para a geografia da cidade, com quadras e superquadras separadas por longos trechos de cerrado, coisas de uma metrópole artificial, construída no centro do país com a única finalidade de se tornar sua capital políticoadministrativa. (...) Felipe (Fê) Lemos, baterista do Capital Inicial, era um desses filhos de professores que cresceram no ambiente democrático da Colina. (...) Animado, aos 13 anos ele já estava tocando bateria, na cola de bandas como o Led Zepellin103. Dois anos depois, estaria com sua família na Inglaterra, onde pôde acompanhar de perto a explosão do punk rock. (...) Em 1978, o garoto voltou ao Brasil com cerca de 50 discos na mala. A maior parte, de bandas punks. “Voltei totalmente punk, com coleira de cachorro e tudo”, conta (...)104

Como podemos verificar nas citações acima, uma linha muito tênue separa o início do movimento punk no país, nas capitais por onde passou. As características são peculiares em cada região e o mesmo assume novos modelos e diferentes estratos sociais adotam pensamentos semelhantes, ou seja, nichos sociais diferenciados em torno de uma mesma realidade. 102

Never mind on the Bollocks,Here´s the Sex Pistols foi o primeiro e único álbum da banda de punk rock Sex Pistols, lançado em 1977. Disponível em: http://www.sexpistolsofficial.com/biography/. Acesso em 23 de abr. 2012. 103 Led Zeppelin foi uma banda britânica de hard rock formada em 1968. Disponível em: http://www.ledzeppelin.com/timelinebrowse. Acesso em 23 de abr.2012. 104 ESSINGER, S. op. cit.; pp. 123, 137 e 138.

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Importa ressaltar que, quando da chegada das gravações dos primeiros discos das bandas punks estrangeiras em nosso território, aqueles que as ouviram pela primeira vez não faziam a menor ideia do que estavam escutando e do que realmente estava acontecendo, tendo em vista o quão era diferente aquele tipo de som e de comportamento expressos, pelos integrantes dessas bandas. Só com o passar do tempo essa novíssima tendência começa a ficar palatável e à medida que as informações vão chegando, essa movimentação vai ficando cada vez mais transparente e inteligível aos olhos e aos ouvidos dos participantes desse movimento. O período entre 1976 - 1986 pode ser caracterizado como o marco inicial no movimento punk brasileiro, visto que, é nesse momento em que as bandas punks surgem no país. Elegemos cinco capitais, onde elas tiveram o início: São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador e os seus representantes respectivamente são: Restos de Nada105, Aborto Elétrico106, Coquetel Molotov107, Os Replicantes108 e a Camisa de Vênus109, essas bandas citadas são consideradas como as precursoras no estilo, entretanto o punk rock, como movimento, ainda dá os seus primeiros passos, tendo em vista as referências que são dadas quanto àquilo que as bandas pretendiam executar, ou seja, ainda não há uma definição exata daquilo que esses grupos musicais pretendiam transmitir com as suas canções, ideias e formas de expressão. Como foi dito nos parágrafos anteriores, as controvérsias quanto a origem do movimento punk são muitas. Utilizaremos algumas entrevistas e imagens da época, apenas com intuito de ilustração e elucidação do que estava acontecendo no período, ou seja, a problematização dos fatos é crucial para o entendimento de como o punk se instala no país e como dá os seus primeiros passos e os desdobramentos que tiveram na música brasileira. Logo abaixo citaremos trechos de uma entrevista com Ariel, vocalista da banda Restos de Nada, concedida em 27 de dezembro de 2008 ao Portal Rock Press:

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Restos de Nada é considerada a primeira banda de punk rock do Brasil tendo surgido em 1978. Aborto Elétrico foi uma banda brasileira de punk rock formada em 1978. Quando seus integrantes se separaram e formaram as bandas Legião Urbana e Capital Inicial. 107 Coquetel Molotov foi uma banda de punk rock surgida em 1981 no subúrbio carioca, mais precisamente no bairro do Méier. 108 Os Replicantes são uma banda porto-alegrense de punk rock formada em 1983. 109 O Camisa de Vênus é uma banda de punk rock soteropolitana formada em 1980. 106

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Restos de Nada. Da esquerda para direita: Ariel, Carlos, Clemente e Douglas110 Portal Rock Press: Como teve início o movimento e sua banda? Por que Restos de Nada? Ariel: (...) Isso começou em 1977, com esse nome, Restos de Nada. Antes do Restos de Nada, o Clemente montou um projeto com o Douglas, que se chamava Organus, e eles já tinham essa música no repertório. Então, por causa da música, acabou ficando o nome Restos de Nada para a banda. Quanto ao movimento, começou também por aí, um punhado de moleques que curtiam rock’n’roll e que andavam sempre juntos, tanto pra escutar um som na casa de alguém, quanto pra ir em algum salão que tocasse esse tipo de música (...). Portal Rock Press: E como é que começou essa agitação? Ariel: (...) Nós estudávamos todos na mesma escola, o EETAL na Vila Carolina, ali no bairro do Limão. Em 77 eu tinha 17 anos, eu era um dos mais velhos, o pessoal tinha 14, 15 anos, e tinha uma cena de rock and roll ali, tinha um pessoal que tinha uma vivência já de rock and roll e nessa época já existiam várias turmas, não chegavam a ser gangues e tal, não tinha essa intenção de ser gangue, eram turmas que curtiam rock em casa e tinham salões na época, que eram a Led Slay, a Fofinho, na Zona Leste, a Portuguesinha, na Vila dos Remédios, o Racket, na Vila Leopoldina, o Sberock em São Caetano, eram poucos salões de rock... e aquele pessoal se encontrava pra ir pros salões para curtir um som e se inteirar das novidades, conhecer outras pessoas, por aí... Começamos com uma cena lá em 74, quando o Alice Cooper veio ao Brasil fazer aquele show... eu só não fui porque tinha 14 anos, não... tinha 13 anos na época!!! Não dava pra eu ir... meus pais não deixavam (risos). Não tinha como, 13, 14 anos, nos anos 70! Aí a gente se reunia

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Disponível em: http://www.heavymetalcenter.net/2012/01/restos-de-nada-discografia-completa.html Acesso em 23 de abr. 2012.

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em casa, pra escutar esses caras, que eram Alice Cooper111, Cactus113, Dust114, Pink Fairies115... só esse tipo de som... MC5, quer dizer... não tinha Led Zeppelin, pra nós, Deep Purple116 gente escutava mais lado B total117! Pink Fairies, Hawkwind118, Baltimore119, Frijid Pink120.

UFO112, Stooges, e tal! A Sir Lord

E o pessoal curtia muito essas coisas, por exemplo, o Indião (Vocalista das bandas Hino Mortal e Condutores de Cadáver, autor da letra de Desequilíbrio, gravada pela Restos de Nada, dentre muitas outras), tem um primo que mora em Detroit e nessa época, 73, 74, ele conseguia fitas demo do Stooges e mandava pra cá e isso o Índio compartilhava com a gente através de fitas cassete. O Índio era de uma gangue da V. Santa Maria, que era vizinha da V. Carolina, chamada Ostrogodos, que viviam de jaquetas de couro, botas, calça jeans... calça jeans naquela época, era como se você fosse numa boca comprar droga! Ficavam uns caras na esquina assim, falando “Calça Lee... Calça Levis”... aí você falava que queria comprar e os caras falavam pra ir com eles, te levavam numas quebradinhas, subia nuns prédios suspeitos pra caralho! E você falava “Pronto, vão me roubar aqui”... e você chegava nos lugares, comprava a calça Lee e apertava na hora, porque não tinha do jeito que a gente queria, era tudo normal demais, então os caras tinham umas máquinas de costura lá, riscavam com giz, cortavam e apertavam na hora, e você saía com a calça pronta! Ou então era a “Boutique Lixo”, que importava carregamentos de uniformes americanos, usados nas guerras. Tinha umas jaquetinhas de marinheiro, sabe aquela igual do Pato Donald? O pessoal da Carolina descobriu esse pico e comprou uma pá ... então era assim, ficavam uns 10, 15 caras com essas jaquetinhas! Num lugar onde tocava samba, tinha escola de samba... e você andar assim, já era um diferencial! Pô, e curtir rock! E rock maldito! Não era o mainstream do rock! E a maioria estudava no EETAL... nessa época, 76, 77! Aí a gente não entrava em aula! Ficava cabulando aula! Um levava um violão e ficava ali, na porta da escola, fazendo um som e tomando vinho barato! Tinha 111

Vincent Damon Furnier (1948) que é mais conhecido pelo seu nome artístico Alice Cooper. É conhecido mundialmente por suas performances no palco inovadoras para a época e que tinham como principal objetivo chocar o público. Disponível em: http://alicecooper.com/. Acesso em 23 de abr. 2012. 112 UFO é uma banda britânica de hard rock, formada em 1969. Disponível em: http://www.ufomusic.info/band.htm. Acesso em 23 de abr. 2012. 113 Cactus é uma banda estadunidense de rock formada em 1970. Disponível em: http://www.cactusrocks.net/history.php. Acesso em 23 de abr. 2012. 114 Dust foi uma banda estadunidense de hard rock formada em 1968. É também conhecida como uma banda pré-punk. No Brasil ficou conhecida como a banda de Marc Bell que mais tarde mudou o nome para Marky Ramone que foi o baterista dos Ramones. Disponível em: http://whiplash.net/materias/biografias/039279-dust.html. Acesso em 23 de abr.2012. 115 Pink Fairies foi uma banda inglesa de rock underground e psicodélica dos anos de 1970. Eles promoveram música livre, o consumo de drogas e anarquia. Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/the-pink-fairies-mn0000483986. Acesso em 23 de abr. 2012. 116 Deep Purple é uma banda britânica de hard rock formada em 1968. Disponível em: http://www.deeppurple.com/biography/. Acesso em 23 de abr. 2012. 117 Nota: A expressão é utilizada para caracterizar as bandas de rock que não fazem muito sucesso e que geralmente não tocam nas rádios. 118 Hawkwind é uma banda britânica de hard rock formada em 1969. Disponível em: http://www.hawkwind.com/. Acesso em 23 de abr. 2012. 119 Sir Lord Baltimore é uma banda estadunidense nova-iorquina de hard rock formada em 1968. Disponível em: http://www.sirlordbaltimore.com/. Acesso em 23 de abr.2012. 120 Frijid Pink foi uma banda blues rock estadunidense de Detroit, formada em 1967. Disponível em: http://www.frijidpink.com/index_files/Page402.htm. Acesso em 23 de abr. 2012.

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uma padaria próxima, continuava lá até dar a hora de voltar pra casa! E começou aí! Ali se formaram várias bandas de rock, e as primeiras bandas punks! O pessoal do Restos de Nada já estava todo ali! Tinha o Charles, que era o baterista, ele não estudava na escola, mas era um puta músico, um pouco mais velho que a gente. Tocava violão, flauta, tocava sax, bateria, piano (...). Portal Rock Press: E eram Ariel, Clemente, Charles e Douglas... Ariel: E eu não tocava porra nenhuma! Eu era o único que não tocava nada! O Clemente já tinha iniciação, o Douglas, o pai dele tocava sanfona então ele já tinha uma iniciação musical e o Charles era músico, tocava violão, flauta, piano, sax e já mandava ver! E ele gostou pra caralho, se identificou com a gente! Ele era pra estar mais pro lado do rock and roll, da MPB, mas na hora que viu a gente com aquela energia e com aquelas letras, se aproximou da gente e ‘Cargaaaaaa! Como ele costumava dizer. E nessa época o pessoal já escrevia muito, era muito existencialista! Tipo sabe aquelas coisas? Era muito existencialista! Nietzsche, Antonin Artaud121, Jean Paul Sartre, Herman Hesse122, Maiakówski123! A gente já tinha essa formação! E se escrevia muito! Muitos textos, desabafos sobre repressão familiar, desilusão social, incompreensão! E muitos destes textos acabaram virando música! A gente começou a musicar esses textos! Aí começa adaptar daqui e dali e foram nascendo... Ódio, Direito à Preguiça, Deixem-me Viver, puta música existencialista, caralho! Direito à Preguiça era baseada naquele livro do Paul Lafargue124, Direito à Preguiça, que era um anarquista, era genro de Marx e o Marx odiava ele, devia pensar “esse filho da puta desse anarquista comendo minha filha”! (risos) Portal Rock Press: E como foi de repente a chegada de Sex Pistols e Clash? Teve influência sobre vocês? Ariel: Claro, tinha, sim... isso pegou! Olha, e é um contraponto... Clash125 era completamente diferente de Sex Pistols. O primeiro disco do Clash é o único que eu gosto, na verdade! Depois já tem aquela coisa... diluiu muito... E é assim... o Joe Strummer ele tinha uma banda antes, que era o 101ers126, que era anos 50 total, você já ouviu isso? Pô, procura isso, cara! Era o 101ers, tinham uma pegada anos 50, eles tocavam de

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Antonin Marie Joseph Artaud (1896 – 1948) foi um escritor, dramaturgo, poeta, ator, roteirista e diretor de teatro francês que tinha influências anarquistas. In Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2012. 122 Hermann Hesse (1877 – 1962). Foi um poeta alemão, romancista e pintor. Vencedor do prêmio no Nobel de Literatura em 1946. In Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2012. 123 Vladimir Vladimirovitch Maiakovsky (1893 – 1930) foi um poeta, dramaturgo e teórico russo, frequentemente citado como um dos maiores poetas do século XX. Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em:. Acesso em 23 de abr. 2012. 124 Paul Lafargue (1842 – 1911) foi um jornalista revolucionário socialista, escritor e ativista político francês. Foi casado com Laura Marx segunda filha de Karl Marx. Disponível em: http://www.marxists.org/glossary/people/l/a.htm#lafargue-paul. Acesso em 23 de abr. 2012. 125 The Clash foi uma banda britânica de punk rock formada em 1976. Foi uma das primeiras do estilo. Disponível em: http://www.theclash.com/#/timeline/. Acesso em 23 de abr. 2012. 126 The 101ers foi uma banda de rock britânica formada em 1974. Foi a primeira banda de Joe Strummer que mais tarde viria a fazer parte do The Clash. Disponível em: http://www.101ers.co.uk/aboutthe101ers.htm. Acesso em 23 de abr. 2012.

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terninho, aqueles terninhos todos grandes, sabe? Tipo rockabilly127 mesmo... depois que ele formou o Clash! Mas é assim, a diferença dos Sex Pistols pro Clash era gritante... Pô, Sex Pistols era uma banda mais... mais irônica e debochada! God Save the Queen e Anarchy in the UK... puta que o pariu! As letras, a sonoridade, o deboche! Puta, isso era muito foda! Esses discos chegaram um pouco depois... antes chegou o primeiro dos Ramones, eu tinha 16 anos... chegou lá na WopBop... era o único disco! Eles compravam caixas fechadas e nem sabiam o que vinha... era um de cada! Não vinham dez, vinte... era um de cada! E era assim... um disco na época custava 500 cruzeiros, e o salário de um office-boy, que era o meu caso na época, era assim... 500, 600 cruzeiros! Pô, pra você comprar um disco, era o salário do mês, ou alguma artimanha fora da lei! Aí você perguntava se podia ouvir e não podia, porque estava lacrado, se abrisse tinha que levar! Aí você via a capa, quatro caras assim, calças rasgadas... e a gente andava assim! Só que a gente não sabia que era punk (risos)... eram aquelas turmas da jaqueta de marinheiro, eram os Ostrogodos com jaquetas pretas. A gente andava assim, com calça jeans apertada, mas não tinha o nome, de punk! A gente escutava aquelas bandas que falei, como o Cactus e tal, mas não era nada como o punk! Nada como God Save the Queen! Na hora que eu vi a capa, falei ‘isso só pode ser bom’ (risos)! Pô quatro caras assim na capa, de jaqueta, calça rasgada, tênis All Star e tal, sujos, isso só pode ser bom... daí falei, ‘daí o disco vai’... na hora que escutei, falei ‘caralho velho, é isso aí mesmo! Puta que pariu’ (risos)! Portal Rock Press: Para quem estava acostumado com rock progressivo nos anos 70, ouvir essas bandas era difícil... Ariel: The Clash tinha uma sonoridade mais... audível! Pra digerir essas bandas era foda! Mas pô, você vê o pessoal do Dust! Dust andava de jaqueta de couro, aquelas botas e tal... já tinham alguma coisa... apesar do som ter uma certa viagem no meio e tal... mas tinha aquela pegada mais nervosa! E era do que a gente se aproximava. Mas não tinha punk ainda... na hora que eu escutei os Stooges, o primeiro deles, a primeira vez que escutei, eu fiquei de cara! Falei, ‘mas que porra é essa?’ Sabe? A gente tava acostumado com uma coisa, de repente vem isso! Portal Rock Press: Polemizando... e quando o pessoal diz que o punk começou lá em Brasília, o que você acha disso? Ariel: (Gargalhando) Você viu o Botinada (mais risos)... os caras podem ter conseguido o disco, conseguiram escutar e tal, por que o papai trouxe da Europa... mas uma cena de punk, a primeira cena de punk... a Vila Carolina juntou tanto maluco ali, que a gente, pra ir prum som, por exemplo, o Templo do Rock, no Pari...pro Construção, na Vila Mazzei, a gente enchia um ônibus! 50 caras! 50 punks! A idade maior era 17 anos! Já vestidos de marinheiro e tal e isso acontecia em cada ponto da cidade... quer dizer, a turma já se reunia pra ouvir o disco, pra ir no som, tudo junto... subia no ônibus, não pagava nada, passava por baixo, pulava a catraca..., já existia uma rebeldia embutida ali! Agora, você vem me falar que Renato Russo... Dado Villa-Lobos... esses caras, Dinho Ouro Preto... tinham alguma coisa dessa pegada aí, meu? Peraí! Enquanto vivíamos realmente o que estávamos tocando e passando em nossas vidas, o que 127

Rockabilly é considerado um dos primeiro sub-gêneros do rock. Tem surgimento na década de 1950. Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2012.

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nunca eles imaginariam que existisse, esses caras estavam pegando simplesmente pela estética da coisa, rebeldia sem culpa! Agora, você vem me falar que aquele bando de playboyzinhos começou alguma coisa como o Movimento Punk e o Punk Rock no Brasil, cara? A gente já escutava MC5 em 74, Stooges... será que eles já ouviam isso lá também? Já tinham essa pegada do rock mais rebelde? Tinham que brigar todo dia para serem entendidos? Sinceramente não é orgulho pra ninguém dizer que é ou foi punk, não é mesmo? Fomos jogados numa condição, não optamos...(...).128

Como podemos ver o depoimento é bastante contundente e elucidativo. O entrevistado fala de suas influências daquilo leu e ouviu, ou seja, naquilo que se inspirou para construir sua realidade. Cita vários autores emblemáticos, várias bandas que ouvia e quando perguntado sobre onde surgiu o movimento punk é categórico: São Paulo. Para exemplificarmos o que nos diz o depoente vamos tentar ilustrar tal relato com uma canção da banda, já que fica visível a preocupação com a mudança política e até mesmo cogitando uma tomada de poder. Ódio129 Restos de Nada Composição: Ariel/Douglas Lá vêm os ratos Sujos e nojentos Lá vêm os ratos Acabar com o sossego Com motivo e com razão Temos ódio no coração Pedimos a liberdade Mas não somos atendidos Há falta de verdade Precisamos ser ouvidos Com motivo e com razão Temos ódio no coração 128

Ariel. Depoimento: (27 de dezembro de 2008). São Paulo: disponível em: http://portalrockpress.com.br/modules.php?name=News&file=article&sid=3186. Entrevista concedida a Ricardo Flávio e Cláudio José de Moraes. Acesso em 23 de abr. 2012. 129 Nota: Embora essa banda tenha se formado em 1978 e com o seu término em 1980, o primeiro disco só foi gravado em 1987 com os mesmos integrantes da formação inicial sob o título Restos de Nada, essa música é a 3ª faixa do disco que foi lançado pela gravadora Devil Discos.

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Esses ratos sujos Nos deixam sem forças Mas temos que derrubá-los Com martelos e foices Com motivo e com razão Temos ódio no coração Num outro depoimento, agora de um dos integrantes do Aborto Elétrico, banda punk brasiliense, vamos verificar a narrativa para que tenhamos uma ideia de como tudo começou.

Aborto Elétrico. Da esquerda para a direita: Renato Russo, Fê Lemos e Flávio Lemos.

A entrevista foi concedida a Paulo Marchetti e abaixo transcrevemos alguns trechos: (...) Fê Lemos – Teve uma festa, no começo de 1978, na qual eu conheci o Renato. Foi uma festa numa superquadra. Eu fui com o Toninho Maya. A partir dessa festa, o Renato começou a freqüentar a Colina. Eu ia muito à casa dele. Aí no segundo semestre, montamos o Aborto. Apesar da banda já existir, não tocávamos porque minha bateria só chegou no Brasil no fim de 1978. O engraçado é que antes de montar o Aborto Elétrico eu, André Pretorius e Renato nos conhecíamos, mas não sabíamos que os três se conheciam um ao outro. Foi no dia em que descobrimos isso que o Aborto começou. Foi numa reunião que decidimos o nome. Eu gostava muito de uma banda chamada Electric Flag130,então sugeri que o nome fosse Tijolo Elétrico. Eles me olharam feio, com cara de reprovação, e o Pretorius, na hora, falou: “Não, vai se chamar Aborto Elétrico”. (Segundo uma lenda corrente em Brasília, a polícia utilizou cassetetes elétricos numa das invasões da UnB, que chegaram a ser usados contra grávidas). 130

The Eletric Flag foi uma banda de blues estadunidense formada em 1967 pelo guitarrista Mike Bloomfield. Disponível em: http://www.mikebloomfield.com/bio.htm. Acesso em 23 de abr. 2012.

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Olhamos um para a cara do outro e aprovamos. Os primeiros ensaios rolaram na Colina131, no bloco A, apartamento 33. Esses ensaios eram freqüentados pelo Geraldo, Loro e Gutje, que depois formaram a Blitx 64. Foi em 1979 que começamos a tocar. O primeiro show do Aborto Elétrico foi em 11 de janeiro de 1980, no Só Cana, que ficava no Gilberto Salomão. O repertório tinha uma seis ou sete músicas e tivemos de repetilas. Foi todo instrumental, porque ninguém cantava. Nesse dia, eu estava com muito frio e toquei com um agasalho. O show foi muito bom, por isso íamos tocar no dia seguinte também. Mas eu acordei mal, com febre e catapora. Não pude ir. O Pretorius ficou muito frustrado. Depois desse show, ele foi pra África servir no exército. Aí, eu e o Renato ficamos procurando um guitarrista. Chegamos a tocar umas duas vezes com um cara, mas não deu certo. No Natal de 1980, o Pretorius voltou à Brasília pra ficar com a família. Aí nós fizemos um show. Depois disso, ele ainda voltou mais uma vez no Natal seguinte, na mesma época em fizemos “Música Urbana”. No fim de 1981, já tinha a Plebe Rude. Eles estavam indo superbem. Teve um show no setor de clubes Norte. O Pretorius foi ao show. Como fora do país já estava começando a surgir o pós-punk132, com o PIL133, Gang of Four134,B-52’s135, Pretenders136 e todo o movimento New Wave137 ele nos criticou por estarmos estagnados naquele estilo (...). (...) Fê Lemos – A Inês foi minha primeira namorada e, por isso, o meu contato com o Renato foi esfriando. Então começou um período de saco cheio na banda. Foi aí que eu comecei a ter outros interesses. Até então, eu e o Renato éramos unha e carne. Eu era mais novo que ele, e a cabeça dele já estava anos-luz à frente de qualquer outra. Brigamos durante o show no Cruzeiro, que foi no dia da morte de John Lennon138. O Renato estava muito sentido com isso e eu tive um certo ciúme pelo fato de ele não estar cem por cento concentrado no show. Fomos tocar num clima ruim. Aí, no meio da apresentação, quando estávamos tocando “Veraneio Vascaína”139, o Renato errou e eu, impulsivamente, joguei uma baqueta 131

A Colina é um conjunto de blocos residenciais que fica dentro da UnB (Universidade de Brasília) e é a principal referência da Turma. Foi lá que os primeiros punks da cidade surgiram. 132 Ver entre outros: O´HARA, C. op.cit.; p. 189. Refere-se em geral, à fase posterior do punk rock tradicional dos anos 70, quando bandas influenciadas pelas primeiras bandas punks, mas incorporando outros elementos musicais e estéticos, começaram a produzir uma música com um pé no punk e outro no experimentalismo. 133 Public Image LTD conhecida como PIL ou P.I.L foi uma banda pós-punk formada por Johnny Rotten que foi ex-vocalista da banda Sex Pistols. Disponível em: http://www.pilofficial.com/bio.html Acesso em 21 de abr. 2012. 134 Gang of Four é banda pós-punk britânica formada em 1977. Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/gang-of-four-mn0000193231. Acesso em 22 de abril de 2012. 135 The B-52s é uma banda estadunidense de new wave formada em 1976. Disponível em: http://theb52s.com/about. Acesso em 23 de abr. 2012. 136 The Pretenders é uma banda de new wave britânica formada em 1978. . Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/pretenders-mn0000492331. Acesso em 23 de abr. 2012. 137 New Wave (Nova onda) é um termo derivado do punk rock. Surgido no final dos anos 70, tal estilo incluía fragmentos de música eletrônica e disco nas suas composições. Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em: . Acesso em 23 de abr.2012. 138 Nota: John Lennon foi assassinado no dia 8 de dezembro de 1980 em Nova Iorque. 139 Nota: Veraneio vascaína é uma referência à viatura mais comum à polícia da época, a Chevrolet Veraneio, pintada nas cores branca, preta, cinza e vermelho, por acaso as mesmas do brasão do clube Vasco da Gama, e com seu número de série nas laterais. Embora possa parecer obscura aos olhos desavisados, o tema da letra, uma crítica à polícia militar brasiliense, foi percebido de imediato, o que levou o primeiro disco do Capital Inicial a ter a sua venda proibida para menores de 18 anos. Cabe ressaltar que essa música

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nele que acertou seu rosto. Tocamos mais uma música e ele sumiu. Quando fui procurá-lo. Me disseram que tinha ido embora, aí me toquei da minha atitude. Fui atrás dele e ele falou que a banda tinha acabado. Pedi mil desculpas, implorei e ele voltou atrás. Mas não durou muito.(...)140

Como podemos verificar no depoimento acima e como foi dito anteriormente, o movimento punk, assume diferentes características por onde passou. Se em São Paulo tinha uma característica mais agressiva, tendo em vista a origem social de seus integrantes, em Brasília, esse mesmo movimento assume outra direção, visto que, os seus componentes eram de estratos mais abastados da sociedade, alguns inclusive freqüentando universidades embora de um senso crítico muito cáustico também. É o que veremos na canção abaixo: Veraneio Vascaína Aborto Elétrico/Capital Inicial Composição: Renato Russo/Flávio Lemos Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho Com números do lado, dentro dois ou três tarados Assassinos armados, uniformizados Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Porque pobre quando nasce com instinto assassino Sabe o que vai ser quando crescer desde menino Ladrão pra roubar, marginal pra matar Papai eu quero ser policial quando eu crescer Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho Com números do lado, dentro dois ou três tarados Assassinos armados, uniformizados Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Se eles vêm com fogo em cima, é melhor sair da frente Tanto faz, ninguém se importa se você é inocente Com uma arma na mão eu boto fogo no país E não vai ter problema eu sei estou do lado da lei não foi gravada pelo Aborto Elétrico. Só veio a ser gravada anos depois pelo Capital Inicial, banda de Fê Lemos e Flávio Lemos posterior ao Aborto Elétrico. Disponível em: http://whiplash.net/materias/curiosidades/000378-capitalinicial.html#ixzz1uGnnz3bN. Acesso em 30 de abr. 2012. 140

MARCHETTI, P. O Diário da Turma 1976 – 1986: A História do Rock de Brasília. São Paulo: Editora Conrad, 2001. p. 105.

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Cuidado, pessoal, lá vem vindo a veraneio Toda pintada de preto, branco, cinza e vermelho Com números do lado, dentro dois ou três tarados Assassinos armados, uniformizados Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Veraneio vascaína vem dobrando a esquina Veraneio vascaína vem dobrando a esquina As duas bandas citadas como exemplo, bem como suas canções, exprimem a insatisfação desses jovens, independentemente do estrato social de que são oriundos, visto que as regiões em que as mesmas surgem são diametralmente opostas: uma da região Sudeste, São Paulo e a outra da região centro-oeste, Brasília. Na chegada do movimento punk ao Brasil, o mesmo não era dotado de orientações políticas, entretanto, em meados da década de 1980 passam a assumir uma tendência mais voltada as esquerdas políticas, já que o país estava atravessando uma fase de transição política, ou seja, do regime ditatorial para o democrático e como exemplo podemos citar a fundação do Partido dos Trabalhadores141. Para exemplificarmos melhor os fatos, citaremos abaixo um trecho do documento que é conhecido como o Manifesto da Fundação do PT142 que é tido como o marco na instituição do mesmo: (...) O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do país para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá. A grande maioria de nossa população trabalhadora, das cidades e dos campos, tem sido sempre relegada à condição de brasileiros de segunda classe. Agora, as vozes do povo começam a se fazer ouvir por meio de suas lutas. As grandes maiorias que constroem a riqueza da Nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que a conquista de seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites dominantes. Organizam-se elas mesmas, para que a situação social e política seja a ferramenta da construção de uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo. (...).

Ao longo do tempo, um pequeno grupo, embora com certa representatividade, dá início a uma aproximação com grupos de cunho anarquistas, tomando assim um direcionamento bastante voltado à militância no meio político. Dentre as prioridades 141

O Partido dos Trabalhadores foi fundado no dia 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion em São Paulo. Disponível em: http://www.pt.org.br/. Acesso em 1º de mai. 2012. 142 O Manifesto de Fundação do PT é o documento que marcou a fundação do Partido dos Trabalhadores que foi lançado no dia de sua fundação e publicado no Diário Oficial da União em 21 de outubro de 1980. Disponível em: http://www.pt.org.br/arquivos/manifestodefundacaopt2.pdf. Acesso em 1º de mai. 2012.

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estabelecidas por este grupo, podemos referir: a oposição à mídia de comunicação de massa, ao Estado, a Igreja e aos grandes conglomerados empresariais capitalistas. Isto é apenas um pequeno esboço daquilo que iria surgir futuramente, que são os Anarcopunks143. Os integrantes do movimento punk almejavam uma “revolução”, não queriam fazer parte do mainstream144. As ideias são difundidas em grande parte evidentemente pelas canções, entretanto, utilizam-se também das chamadas mídias alternativas145, como veículos de difusão e propaganda daquilo que se predispunham a fazer. No período, os fanzines146 foram de grande importância para solidificação desse movimento. De um modo não tão generalizado assim, evitam as grandes mídias massificativas, entre as quais temos como exemplo: as grandes redes de televisão, o rádio e os jornais de grande circulação. Acreditam que esses veículos, através de suas mensagens, manipulem as informações de modo que não mostrem a sociedade em geral o que de fato vem acontecendo, em sua visão obviamente, ou seja, para eles, os punks, as informações são subvertidas em benefício dos órgãos que as transmitem. Como exemplo, apenas com teor elucidativo, trazemos a imagem a abaixo para esclarecermos o que é um fanzine. Esta publicação é de 1977 e foi editada no País de Gales, chama-se Oh Cardiff147...Up Yours! (Oh Cardiff...Até vocês!). Esse fanzine durou apenas um ano de 1977 a 1978, fato bastante comum entre estes tipos de publicação,

143

Anarcopunk é uma subdivisão dentro do estilo punk que são responsáveis pela difusão de ideias políticas anarquistas. 144 Ver entre outros: O´HARA, C. op. cit.; p. 188. Mainstream é a corrente de pensamento e ideologia predominante e, por extensão, o que é transmitido e divulgado pela grande mídia como relevante cultural e artisticamente. Forma par em oposição a underground. 145 Ver entre outros: GOMES. N. S. S. Jornalista, pesquisador, professor, doutorando da Escola de Comunicação da UFRJ. Segundo o autor: (...) a mídia alternativa, hoje, é um conceito da prática bem mais ampla de produção de comunicações que hoje ocorrem na sociedade brasileira, e não somente nela, constituindo movimentos que se espalham também em direção às ocupações e disputas dos espaços midiáticos e da produção de sentidos que as novas tecnologias de informação vão possibilitando, sem que ainda o capital tenha conseguido comprá-las, “controlá-las”, ocultá-las, silenciá-las ou absorvê-las, tais como fenômenos da indústria cultural. Mídias que vão contra a hegemonia, com falas “diferentes” e que fazem diferenças e diferentemente. Fazer um blog na internet é bem mais fácil e possível do que editar um jornal impresso. Em muitas comunidades populares os moradores montam projetos de comunicação, que vão das rádios comunitárias ao orkut e aos vídeos na internet (...). Disponível em: http://pontoporponto.org.br/ponto-por-ponto/blog-2/midia-alternativa-06. Acesso em 1º de mai. 2012. 146 O´HARA, C. op. cit.; p. 186. Fanzine, literalmente significa uma “revista de fã”. Pequenas publicações, feitas de modo artesanal e criadas por fãs de alguma banda, estilo musical ou até mesmo de outras artes, como quadrinhos, cinema, etc. Do seu surgimento, nos anos 70, até os tempos atuais, desenvolveram-se a ponto de termos fanzines com a mesma qualidade editorial e gráfica de revistas encontradas em bancas de jornal. 147 Nota: Cardiff é a capital do País de Gales.

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embora alguns fanzines tenham se transformado em revistas com publicações regulares. A edição traz na capa a imagem de John Lydon, líder e vocalista dos Sex Pistols.

Oh Cardiff...Up Yours148

Com o passar do tempo, o movimento punk vai ganhando vulto, espaços na grande mídia149 vão sendo abertos mas de forma ainda bastante tímida, tendo em vista o quão era 148

Imagem disponível em: http://www.urban75.org/music/up-yours-cardiff.html. Acesso em 5 de mai. 2012.

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controversa essa forma de expressão, de atitude, de se portar diante dos fatos estabelecidos, de se vestir, enfim, abre-se uma lacuna na sociedade brasileira que até então não existia. Um dos primeiros veículos da grande mídia a falar sobre o punk no Brasil, foi o jornal O Estado de S. Paulo, em que artigos foram publicados sob o título de “Geração Abandonada”, confeccionados pelo jornalista Luiz Fernando Emediato150 que para escrevêlos começou a frequentar os locais onde os mesmos compareciam. Estes artigos posteriormente se transformariam num livro de mesmo nome e que foi agraciado com dois prêmios: Prêmio Esso de Reportagem151 e o Prêmio Roquete Pinto152. Este trabalho jornalístico teve um cunho antropológico, já que o jornalista conviveu quase que diariamente com esses jovens durante dois meses como relata o autor: (...) Durante dois meses eu convivi com eles, viajando pelas estradas, bebendo com eles, nos bares ou nas praias, usando drogas, curtindo a beleza e a posterior amargura das grandes e pequenas viagens pelo desconhecido. Tive medo, às vezes: quando, encharcado de álcool, anfetaminas153, maconha, éter e chá de cogumelos154, subia como um avião, na direção de um mundo cujos os limites não podia conhecer, e muito menos compreender inteiramente. Até hoje eu me pergunto: o que alguém pode buscar no fundo deste delírio? Que proveito podemos tirar, afinal, daquelas loucas alucinações? Para drogar-se é preciso ter um bom motivo. É preciso estar desesperado, triste ou confuso. Ninguém se droga à toa. Eu ouvi suas histórias e foram histórias impressionantes. Ouvi suas queixas, suas fantasias, seus sonhos, suas vontades de criar, de participar de uma sociedade que gostariam de ajudar a construir. Eles têm seus defeitos, como todos nós, seu egoísmo, seus preconceitos, mas são às vezes encantadores. E têm grandes projetos de vida. Mas, rejeitados, postos à margem do sistema, punidos, reprimidos com violência, muitas vezes ou quase sempre, eles se desenganam e procuram, inconscientemente, a morte. Andam perdidos pelas estradas, sem dinheiro, “nada no bolso ou nas mãos”155 com sua falsa alegria. Parecem rebeldes mas não são. Quem se comove com estes pequenos assassinatos, os rapazes e moças que morrem drogados ou, quando não se drogam, passam a vida em branco? Como se não tivessem existido? É uma fuga, sim; jamais rebeldia. A sociedade não precisa temê-los, portanto. Deveria, isto sim, ter pena deles. Ter pena deles e de si própria, porque é ela, 149

O termo é utilizado para designar um conjunto formado pelas principais empresas de comunicação e nos segmentos que as mesmas atuam, tais como: rádio, televisão, jornais, revistas, internet, etc... 150 Luiz Fernando Emediato (1951) editor, jornalista e escritor brasileiro. 151 O Prêmio Esso de Jornalismo, o mais tradicional e disputado programa de reconhecimento de mérito dos profissionais de imprensa do Brasil, completa, em 2012, 57 anos de existência ininterrupta. Criado, em 1955, com o nome de "Prêmio Esso de Reportagem", passou posteriormente a se chamar "Prêmio Esso de Jornalismo. Disponível em: http://www.premioesso.com.br/site/historia/index.aspx. Acesso em 5 de mai. 2012. 152 O Troféu Roquette Pinto foi um prêmio criado em 1952 com intuito de premiar os melhores profissionais do rádio e da televisão brasileira. Disponível em: http://www.museudatv.com.br/premiosdatv/. Acesso em 5 de mai. 2012. 153 As anfetaminas são drogas estimulantes da atividade do sistema nervoso central, isto é, fazem o cérebro trabalhar mais depressa, deixando as pessoas mais “acesas”, “ligadas” com “menos sono”, “elétricas”, etc. 154 Chá de cogumelos é uma substância alucinógena. 155 Nota : Frase de uma composição de Caetano Veloso chamada Alegria, Alegria.

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a sociedade, a grande culpada por essa grande desgraça. Pois ela está matando seus próprios filhos e matando a si mesma, por consequência (...)156

Como podemos observar, o relato do autor é bastante expressivo, visto que, o mesmo faz uma crítica contundente a esses jovens, embora ao mesmo tempo, acredite que a sociedade em que estão inseridos também tenha o seu grau de culpabilidade nesse comportamento. Ao longo do texto o autor continua na sua análise fazendo novas críticas a este tipo de conduta, sendo ainda mais severo: (...) Grande parte dos jovens entre 15 e 24 anos são conformistas, desinformados quase apáticos. Grande parte também forma no outro lado, no exército dos “rebeldes”. Uma rebeldia desorientada, sem objetivos definidos, a rebeldia, parece, de quem está perdido e não sabe o que fazer da própria vida. Seria rebelde um jovem que se droga habitualmente, que se embriaga, corroendo-se fisicamente, destruindo-se em plena juventude, sem qualquer agressão real à sociedade? Como uma espécie de mudo, silencioso suicídio? Seriam essencialmente rebeldes os grupos punks como a gang dos Ratos que desce a Zona Leste para o centro da cidade, onde se dedica a coisas tão específicas como, por exemplo. Roubar bolsas de velhinhas, como um trombadinha qualquer, mas encontrando especial prazer nisso, além do furto puro e simples? Seriam rebeldes os Moicanos157 de aparência amedrontadora, cabelos ouriçados apenas no alto da cabeça raspada atrás e dos lados, e toda aquela fúria quando se põem a roubar e espancar os artesãos, estes que os homens de paletó e gravata ainda insistem em chamar de hippies (...)158

Esses artigos causaram indignação aos participantes do movimento, visto que, os mesmos entendiam que havia uma deturpação na interpretação daquilo que se propunham a fazer, e para se defenderem das “acusações” enviaram uma carta ao jornal, O Estado de S. Paulo, e no dia 7 de maio de 1982, a mesma foi publicada, a qual transcrevemos o texto na íntegra abaixo: Sr.: Os meios de comunicação que até hoje divulgaram o movimento punk rock no Brasil, em vez de se encontrarem com bandas punks e procurarem saber qual a proposta ideológica do movimento, se preocupam apenas em fantasiar e sensacionalizar pequenos atos de vandalismo que, feitos por uma pequena minoria, acabam por comprometer todo o movimento punk no Brasil. O punk é um movimento sócio-cultural, ele é a revolta dos jovens da classe menos privilegiada, transportada para por meio da música. Estes jovens já organizaram vários shows pela periferia de São Paulo, com bandas como Inocentes159, Desequilíbrio160, Fogo Cruzado161, Lixomania162, Juízo 156

EMEDIATO, L. F. Geração Abandonada.6 ª Ed. São Paulo: EMW Editores, 1986. p. 12. Moicano foi um corte de cabelo utilizado pelos índios norte-americanos de mesmo nome. É caracterizado por uma crista no meio da cabeça com os lados raspados. Encyclopedia Britannica On-line. Disponível em: . Acesso em 5 de mai. 2012. 158 EMEDIATO, L. F. op. cit.; p. 40. 159 Inocentes é uma banda de punk rock formada em 1981. 160 Banda formada em 1980 por Ariel, Douglas e Irene. 157

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Final163, Guerrilha Urbana164, Suburbanos165, Olho Seco166, Cólera167, Setembro Negro168 Mack169, Estado de Coma170 e muitas outras. Três destas bandas estão gravadas em um mesmo disco chamado Grito Suburbano. As bandas são Olho Seco, Cólera, Inocentes e Cólera. Portanto os punks não são gangues de blusões de couro que vivem a assaltar velhinhas em estações de metrô, e sim, um movimento social que realmente não sabe a diferença entre Deus e o Diabo, porque nunca foram à Igreja, mas que sabem muito bem a diferença entre Marx, Kennedy e Hitler, e que acham que quem tem costume de beber leite com limão, realmente, tem um gosto muito requintado, para poder dispensar uma cerveja bem gelada. E aproveito o momento propício para lhes dizer que não estamos atrasados e que surgimos quase ao mesmo tempo em que surgiu o movimento punk na Inglaterra e que este ainda não morreu e sim cresceu, tanto é que mantemos correspondência, não só com punks da Inglaterra, como também com punks de muitos lugares da Europa, como a Finlândia, Itália, Suécia, Alemanha, Espanha, Portugal e até mesmo com os Estados Unidos, e o que morreu, realmente foi a tentativa de transformar o punk em mais uma moda passageira. E como todo bom amigo, deixo um conselho: antes de falar sobre alguma coisa, seria melhor se aprofundar mais, conhecer mais sobre o assunto, para que este país não continue atrasado como sempre, Punk´s de S.P. Clemente Tadeu Nascimento, do grupo Inocentes. N. da R. – O missivista punk refere-se a uma das reportagens da série geração abandonada pelo O Estado. Junto com a carta ele enviou um convite para um espetáculo de vários grupos punks, com a seguinte observação dirigida aos jovens convidados: “Não destrua os ônibus, eles serão úteis nos próximos encontros” (sic). E o apelo: “Paz entre os punks!”171.

Como podemos observar, a carta é bastante elucidativa e tenta defender de uma forma ou de outra, a liberdade de expressão e que o comportamento violento de alguns membros, não teria validade para analisar o movimento como um todo. Esses jovens demonstram que possuem uma capacidade bem razoável de organização, tendo em vista a quantidade de apresentações que vem sendo feitas na cidade de São Paulo, sobretudo na periferia, e a gravação de um LP (Long Play)172, chamado de Grito Suburbano173, onde duas bandas participaram da gravação do mesmo: Olho Seco e Cólera, fato que corrobora para esta afirmativa. 161

Banda punk paulistana da década 1980. Lixomania foi uma banda paulistana de punk rock formada em 1979. 163 Banda punk paulistana do mesmo período. 164 Banda punk formada em 1980, em São Paulo. 165 Banda punk formada em 1981, em São Paulo. 166 Olho Seco é banda de punk rock paulistana formada em 1980. 167 Cólera foi uma banda de punk rock paulistana formada em 1979. 168 Banda punk que durou apenas 4 meses. 169 Banda punk formada em 1980. 170 Banda punk formada em 1980. 171 Carta disponível em: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19820507-32869-nac-0002-999-2not/busca/movimento+Punk. Acesso em 27 de mai. 2012. 172 O disco de vinil, conhecido simplesmente como vinil, ou ainda Long Play (LP). 173 Grito Suburbano é um álbum gravado por três bandas brasileiras de punk rock e foi o primeiro desse estilo no país, gravado em 1982. Faziam parte do álbum: Olho Seco, Cólera e Inocentes. 162

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O autor também expõe que esse fenômeno é muito comum em países Europeus, bem como nos EUA, ou seja, acredita que os punks brasileiros, por manifestarem sentimento semelhante aos dos jovens dos países do chamado à época, primeiro mundo174, também estariam inseridos numa suposta vanguarda artística contestatória das questões sociais. Parte da crítica musical brasileira não era muito favorável a qualidade das músicas executadas pelos punks, visto que, entendia esse movimento como uma cópia mal acabada dos ingleses, como podemos ver numa matéria publicada no jornal O Estado de São Paulo em 3 de outubro de 1982: (...) Muitos críticos não aceitam o movimento, alegam que a música é copiada dos ingleses e de baixa qualidade. Bem humorado, Zorro175 defende: “Se fôssemos tirar de circulação todas as músicas que sofreram influência estrangeira teríamos que começar pelo afro, samba, bolero...não sobraria nada”. Quanto à falta de formação musical acrescenta: “Nunca aprendi música e curto muito descobrir por mim mesmo, aos poucos, as possibilidades do meu instrumento e compor com ele. Para mim isso é melhor que passar a vida lendo composições alheias” (...) 176.

A medida que o movimento punk vai se consolidando, já com uma quantidade de bandas bastante considerável, registros fonográficos presentes nas lojas de discos especializadas, por enquanto, e o surgimento de alguns fanzines, os grandes veículos de comunicação de massa, vão se aproximando cada vez mais desses jovens a fim de entender o que realmente estava acontecendo e o que essa movimentação representava dentro do cenário musical brasileiro, como nos descreve Antônio Bivar: (...) Com toda essa excitação nova e já com um certo volume de trabalhos apresentáveis, e um número punks bastante relevante (uns dizem 3.000, outros exageram e calculam 8.000), chega a vez da grande imprensa, escrita e falada tomar conhecimento do movimento. Mas antes de ir aos punks a imprensa quer um esclarecimento: eles mordem ou não? Com a bandeira branca hasteada, mostrando que não há perigo, a colisão acontece em julho, com duas revistas rivais, a Veja, e a IstoÉ. (...) Em julho, agosto, setembro, outubro...não houve uma semana em que o movimento não estivesse ocupadíssimo, concedendo entrevistas coletivas. Se existisse tal prêmio no Brasil, o movimento punk mereceria o prêmio de melhor colaborador com a imprensa, em 82. A todos os órgãos importantes eles falaram, com a franqueza típica deles e sempre abrindo o jogo. Os punks falaram à Folha de São Paulo, à Manchete, à TV Bandeirantes, ao Globo, novamente ao O Estado de S. Paulo, à TV Cultura ,Á Rádio Capital, à Gazeta, novamente à Folha, em suma, os punks não negaram nenhuma entrevista. E a imprensa 174

Primeiro Mundo foi um conceito utilizado para designar os países que na década de 1980, haviam atingido um alto patamar de desenvolvimento econômico. 175 Zorro foi integrante de uma banda punk chamada M-19. 176 Disponível em: http://acervo.estadao.com.br/pagina/#!/19821003-32997-nac-0036-999-36not/busca/movimento+punk. Acesso em 28 de mai. 2012.

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ficou surpresa em constatar que apesar de muitos mal terem concluído o primário, quase todos mostraram-se capazes de opinar sobre a realidade brasileira, desde a pobreza até a instalação de usinas nucleares e sobre as insanidades internacionais como o massacre de Beirute177, por exemplo. (...)178.

No trecho destacado acima é possível termos uma pequena ideia daquilo que realmente vinha acontecendo, dado o rebuliço o qual causou nos meios de comunicação, tendo em vista a forma com que se apresentavam esses jovens, já que no momento essa movimentação era algo realmente nova e revolucionária que surgia no Brasil, causando uma enorme perplexidade nos observadores menos atentos e até mesmo uma temerosidade nos mais conservadores. Ao longo do tempo, a imprensa vem tomando conhecimento, aos poucos, daquilo que realmente vinha a ser o movimento punk, pois com os depoimentos colhidos junto aos participantes do mesmo, começam a entender o porquê de tamanha rebeldia e revolta. Entre uma descoberta e outra, vão traçando um perfil do que seria um punk, ou seja, quais seriam as principais características daqueles que adotam este tipo de comportamento: (...) A imprensa fica sabendo também que uma das características mais notáveis no movimento é a do punk não ter afinidade alguma com outro tipo de música que não seja a música punk. Não gostam da MPB porque: 1) a canção de protesto brasileira é feita por artistas de classe média (“burgueses”, para os punks) que, fazendo sucesso e ganhando dinheiro, romantizam a pobreza e os pobres, autocomiserando o povo; 2) quando são canções de amor só falam de paixões desencontradas, traições, humilhações, queixumes, temas desinteressantes, chatos, irrelevantes; 3) ou então vindas do Ceará, ou da Bahia, de Pernambuco ou de Minas, do Mato Grosso ou do sertão, são músicas por demais regionais ou típicas, com temas envolvendo religiões, superstições, paisagens distantes e inacessíveis, palmeiras ao vento, areias ardentes ou o sol de Ipanema. Temas distantes da realidade punk e do clima subtropical da cidade onde o movimento vive, quando à maioria quase absoluta deles nem ao menos saiu de São Paulo.(...)179.

O trecho acima, nos mostra o quão era difícil entender esse tipo de pensamento, já que até então, uma crítica tão contundente à nossa cultura, às canções produzidas no país, jamais tinham sido tratadas dessa forma, o que nos leva a crer também que essa expressão era uma forma de preconceito por parte dos punks mas ao mesmo tempo a recíproca seria verdadeira, visto que, os punks também sofreram dessa mesma indiferença e tratamento.

177

O massacre de Beirute foi o assassinato de palestinos praticado por israelenses em 16 de setembro de 1982. 178 BIVAR, A. op. cit.; pp. 100 e 101. 179 Idem. p. 102.

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O ano de 1982 foi crucial para a solidificação do movimento punk no Brasil, entretanto como já havíamos dito em parágrafos anteriores, não nos caberia afirmar em qual Estado essa movimentação teria sido a pioneira ou fundadora do punk no país, pois outras capitais também estão inseridas neste mesmo contexto. Cabe ressaltar que a cidade de São Paulo e cidades adjacentes, tal como a Região do grande ABCD180 foi onde este movimento teve sua maior intensidade, mais espaços foram abertos, maior quantidade shows, mais bandas, etc. No final do ano de 1982, mais precisamente nos dias 27 e 28 de novembro do mesmo, foi organizado o que seria o maior festival punk de todos os tempos, O começo do fim do mundo181. Impregnados do sentimento, “faça você mesmo”, os partícipes do movimento arregaçaram as mangas e produziram o festival por conta própria, pagando do próprio bolso os custos do evento, que ao final culminou com a gravação de um disco de mesmo nome lançado em 1983 e reeditado em CD em 1995.

Punks em show no Sesc Pompéia durante o festival Começo do Fim do Mundo em novembro de 1982182

180

A região do ABC ou ABCD paulista é formada por quatro cidades: Santo André (A), São Bernardo (B), São Caetano (C) e Diadema (D). É caracterizado por ser o berço da indústria automobilística no Brasil, na década de 1980 entre outras. 181 O começo do fim do mundo foi um festival de música punk que tinha como objetivo unir os punks da região do ABCD com os da capital, em virtude dos conflitos entre esses dois grupos. Esse encontro foi responsável pela difusão de tudo aquilo que era produzido por estes jovens, tais como: discos, fanzines, etc. 182 Imagem disponível em: http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/7312-punk-nos-anos-80. Acesso em 2 de jun. 2012.

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A imagem acima, mostra os jovens que participaram desse festival. Como podemos observar, os punks demonstram um comportamento bastante peculiar, não só no gestual, mas também em sua indumentária tais como: jaquetas de couro com bottons pregados a mesma, coturnos militares, camisetas pretas com nomes de bandas punks, etc. Estas são as características mais marcantes nos adeptos do movimento. No próximo capítulo trataremos mais especificamente do que realmente significava esse conjunto de expressões: música, vestuário e comportamento.

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Capítulo III

Moda e Estilo Punk: A Rebeldia Pasteurizada Há atos humanos que, considerados isoladamente, são impregnados pela nossa sensibilidade valorativa com as cores mais deslumbrantes, mas que, pelas conseqüências a que dão origem, acabam fundindo-se na cinzenta infinidade do historicamente indiferente, ou que antes, como geralmente sucede, entrecruzando-se com outros eventos do destino histórico, acabam mudando tanto na dimensão como na natureza do seu sentido, até tornarem-se irreconhecíveis. (Max

Weber)183.

O surgimento da moda, é muito mais complexo do que aquilo que a maioria das pessoas pensam. No início das civilizações o status era definido pela indumentária pura e simples, sem muitas problematizações e complexidades, embora as pessoas soubessem que determinados tipos de vestuário, só poderiam ser utilizados por pessoas que detinham certo tipo de poder, tais como: eclesiástico, econômico ou político. Portanto não foi um acontecimento que existiu em todos os períodos históricos, como descreve o autor Gilles Lipovetsky: (...) A moda não pertence a todas as épocas nem a todas as civilizações: essa concepção está na base das análises que se seguem. Contra uma pretensa universidade trans-histórica da moda, ela é colocada aqui como tendo um começo localizável na história. Contra a ideia de que a moda é um fenômeno consubstancial à vida humano-social, afirmamo-la como um processo excepcional, inseparável do nascimento e do desenvolvimento do mundo moderno ocidental. Durante dezenas de milênios, a vida coletiva se desenvolveu sem culto das fantasias e das novidades, sem a instabilidade e a temporalidade efêmera da moda, o que certamente não quer dizer sem mudança nem curiosidade ou gosto pelas realidades do exterior. Só partir do final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias. A renovação das formas se torna um valor mundano, a fantasia exibe seus artifícios e seus exageros na alta sociedade, a inconstância em matéria de formas e ornamentações já não é exceção mas regra permanentemente: a moda nasceu.(...).184

183

Esta frase é atribuída a Max Weber in: CARVALHO, O. de. O imbecil coletivo. Rio de Janeiro: Faculdade da Cidade Editora, 1ª Ed. 1996, p. 110. 184 LIPOVETSKY, G. O Império do efêmero: A moda e seu destino nas sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 24.

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De acordo com a avaliação do autor, podemos dizer que a moda teve sua solidificação no período moderno, tendo em vista os vários eventos que ocorreram, tais como: a sofisticação no modo de produção, uma nova dimensão geográfica e demográfica com o surgimento de uma maior habitação das zonas urbanizadas, o que faz com que haja um desenvolvimento urbano mais latente, e de uma constante busca pelo status nos estratos sociais, entre outros fatores que discutiremos a seguir. O modismo, a cada dia que passa, assume uma representação mais valorizada e emblemática dentro da contemporaneidade social em questão. Ao longo do tempo, isto fica cada vez mais perceptível, tendo em vista a amplitude que esse segmento vem tomando no cotidiano das pessoas. Os fatores que nos levam a crer nessa possibilidade, estão ligados diretamente ao virtuoso tempo disponível para esta prática, pois existe uma quantidade incomensurável de publicações de periódicos, livros, desfiles de modas, programações televisivas, universidades oferecendo cursos de graduação, etc que atuam nessa segmentação. (...) Pode-se caracterizar empiricamente a “sociedade de consumo” por diferentes traços: elevação do nível de vida, abundância das mercadorias e dos serviços, culto aos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista etc. Mas estruturalmente, é a generalização do processo de moda que a define propriamente. A sociedade centrada na expansão das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz passar o econômico para a órbita da forma moda. “Todas as indústrias se esforçam em copiar os métodos dos grandes costureiros. Essa é chave do comércio moderno”: o que escreveu L. Cheskin nos anos 1950 não foi desmentido pela evolução futura das sociedades ocidentais, o processo de moda não cessou de alargar sua soberania. A lógica organizacional instalada na esfera das aparências na metade do século XIX difundiu-se com efeito, para toda a esfera dos bens de consumo: por toda parte são instâncias burocráticas especializadas que definem os objetos e as necessidades; por toda parte impõem-se a lógica da renovação precipitada, da diversificação e da estilização dos modelos. (...). A ordem burocrático-estética comanda a economia do consumo agora reorganizada pela sedução e pelo desuso acelerado. A indústria leve é uma indústria estruturada com a moda. (...)185

Ao longo do século XX, mas especificamente iniciando-se na segunda metade do mesmo, com o capitalismo cada vez mais desenvolvido, um considerável crescimento do consumo, este atrelado as novas descobertas de cunho tecnológico, as necessidades começam a ser impostas e novas reflexões hão de ser feitas sobre este fenômeno, tendo em vista a proporção que o mesmo tomou, e o movimento punk, não fugiria dessa prerrogativa.

185

Idem. p. 184.

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Malcolm McLaren é considerado por muitos como o inventor do punk e sua esposa, a estilista, Vivienne Westwood186, é tida como a responsável pela criação das roupas que os Sex Pistols vestiam, banda que era empresariada pelo seu companheiro, ou seja, a dupla teve uma participação fundamental na criação de um dos movimentos mais controvertidos que já existiram no meio musical, entretanto as coisas não são tão simples assim. Numa das idas do empresário e da companheira a Nova Iorque, o mesmo conhece o New York Dolls187, em 1973, banda que já gozava de um certo prestígio no cenário musical nova-iorquino, embora não estivesse mais em seu auge, McLaren resolve empresariá-los e mudar o seu visual, como descrevemos abaixo: Os Dolls tinham vindo muitas vezes na minha loja quando estavam em Londres e ficaram completamente espantados e chocados com a loja naquela época, porque não havia absolutamente nada parecido em Nova Iorque. Em Nova York ninguém vendia cultura rock & roll na forma de roupas e música num lugar específico. E a loja Sex, tinha uma ideologia definida, o lance não era vender coisa nenhuma, era criar uma atitude. Não era uma porra de uma loja careta dos anos dourados, longe disso. Comecei a empresariar os Dolls mais ou menos depois de eles terem vindo para a Inglaterra. Foi a minha raison d´être pra viver em Nova York. Quer dizer, eu não tinha motivo pra sequer estar lá. Fui pra Nova York pra fugir de um motivo pra sequer estar lá. Fui pra Nova York pra fugir de Londres. Eu estava simplesmente entediado, estava completamente entediado, sabe como é, estava abrindo os meus olhos. Quer dizer, nós todos fugimos, metade do motivo pra alguém entediado se envolver com a cultura pop era sair da Inglaterra, há, há, há. Os New York Dolls, foram uma aventura que eu quis ter e através dela ver o mundo. (...) Os New York Dolls eram divertidos porque eram uma porra de um bando de bastardos vaidosos, e, sendo bastardos vaidosos daquele jeito, pensei que eram ligados àquela ideia de narcisismo tão evidente na geração de 60, de não querer crescer nunca. E esta ideia de não querer crescer nunca, os Dolls a simbolizaram na sua forma transexual de vestir e na ideia geral de permanecer uma boneca, uma bonequinha. Então tentei pôr política na roda. Havia toda uma noção geral de “política do tédio” e toda aquela ideia de vestir os Dolls de vinil vermelho e dar o Livro Vermelho de Mao pra eles, eu adorava foder com aquele tipo de cultura pop-trash de Warhol, que era tão católica, tão chata e tão pretensiosamente americana, onde tudo tem que ser um produto, tudo tem que estar à venda. Pensei: “Foda-se. Vou tentar fazer dos Dolls o oposto total. Não vou deixá-los à venda. Vou dar um ponto político sério pra eles.”188

186

Vivienne Westwood (1941) é uma estilista britânica que foi a responsável pela criação da moda punk na década de 1980. 187 New York Dolls é uma banda de rock estadunidense, formada em 1971 na cidade de Nova Iorque. Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/new-york-dolls-mn0000866786. Acesso em 9 de jun. 2012. 188 McLAREN, M. apud McNEIL, L. e McCAIN, G. Mate-Me Por Favor. Porto Alegre: L&PM. Vol.1. 2004, pp. 247, 248 e 249

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New York Dolls em Nova Iorque, 1975189. Foto: Bob Gruen.

A imagem acima mostra o fruto da criação de McLaren, numa tentativa de forjar um estilo. Como podemos ver, no depoimento de McLaren, os New York Dolls serviram como uma das fontes de inspiração para a criação dos Sex Pistols, contudo, o mesmo ainda não estava satisfeito com aquele estereótipo, faltava algo. Em Nova Iorque, frequentava uma casa noturna chamada CBGB190, que tinha como objetivo dar oportunidade a novos talentos e em uma dessas noites, encontrou aquilo que faltava para a sua criação, Richard Hell191. McLaren ficou muito impressionado com esse personagem, pois a sua atitude e sobretudo o seu visual em particular: cabelos arrepiados, roupas rasgadas e costuradas com alfinetes, foram fundamentais para a sua inspiração: (...) Depois que Malcolm e eu voltamos da Louisiana, fomos ao CBGB´s quase todas as noites. Malcolm ia pra ver qualquer um que fosse alguém, mas a pessoa que ele mais adorou foi Richard Hell. Ele adorou Richard. Quer dizer, logo antes de partir pra Inglaterra, ele me deu uma roupa pra dar pro Richard. Ele ficou dizendo: “Não vai esquecer de dar essa roupa pra Richard, vai? Adoro Richard. Acho que Richard tem muito talento Não esquece de dar pra Richard...” A inspiração de Malcolm por Richard pareceu ser menos pelas roupas rasgadas e mais pela poesia e política. De fato, é por isso que ele estava tão decidido a dar aquele traje pra Richard. Malcolm achou que aquilo poderia ajudá-lo a melhorar sua imagem (...)192.

189

Imagem disponível em: http://www.bobgruen.com/files/nydolls/c54.html. Acesso em 9 de jun. 2012. O CBGB foi um clube de música nova-iorquino onde as primeiras bandas punks tiveram espaço para se apresentarem. O acrônimo significa: Country, Bluegrass and Blues and Other Music Uplifting Gormandizers que significaria numa tradução literal significa: Country, Bluegrass e Blues e outras músicas para gulosos. Disponível em: http://www.cbgb.com/history.php. Acesso em 9 de jun. de 2012. 191 Richard Hell (1949) é um cantor, escritor e músico norte-americano. Entre os anos de 1973 e 1975 foi o contrabaixista da banda pré-punk Television. Disponível em: http://www.richardhell.com/HellBio.html. Acesso em 9 de jun. 2012. 192 SILVAIN, S. apud McNEIL, L. e McCAIN, G. op. cit.; p. 258 e 259. 190

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Fachada do CBGB nos anos 70: O berço do punk estadunidense193

A admiração pelo artista não parou por aí, e continua tecendo ainda mais elogios sobre a performance do artista, e sobremaneira a aparência que o mesmo apresentava: (…) Achei Richard Hell simplesmente incrível. De novo, eu acabava comprando a ideia de mais uma vítima da moda. Não se tratava de alguém vestido de vinil vermelho, com lábios cor-de-laranja berrante e saltos altos.194 Era um cara todo desmantelado, arrasado parecendo que tinha recém-rastejado pra fora de um bueiro, parecendo que estava coberto de lodo, parecendo que não dormia há anos, parecendo que não se lavava há anos e parecendo que ninguém dava a mínima pra ele. E parecendo que na verdade ela não dava a mínima pra você! Era um cara maravilhoso, entediado, acabado, marcado, sujo, com uma camiseta rasgada. Acho que não havia alfinete de segurança ali. Embora pudesse haver, mas era com certeza uma camiseta esgaçada e rasgada. E esse visual, a imagem desse cara, aquele cabelo todo espetado, tudo nele, não há duvida de que levei aquilo pra Londres. Ao ser inspirado por essa imagem, eu iria transformá-la em algo mais inglês. (...) Richard Hell foi definitivamente cem por cento de inspiração (...). Voltei pra Inglaterra determinado. Voltei com aquelas imagens, era como Marco Polo ou Walter Raleigh. O que trouxe foi isto: a imagem daquela coisa angustiada e estranha chamada Richard Hell. E essa frase the blank generation (a geração vazia).(...)195

193

Imagem disponível em: http://kissfm.com.br/portal/noticias/lendario-bar-onde-surgiu-o-punk-rock-vaiser-tema-de-longametragem. Acesso em 9 de jun. 2012. 194 Nota: Ele está se referindo ao New York Dolls. 195 McNEIL, L. e McCAIN, G. op. cit.; p. 260.

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A banda Television196 durante um show em meados dos anos 70 em Nova Iorque197. Richard Hell é o primeiro da esquerda para a direita.

A imagem acima, mostra que a descrição de Malcolm McLaren está condizente com aquilo que o artista transmitia através de sua aparência e era exatamente isso que fizera ao chegar a Londres, criar uma banda nos moldes daquilo que o inspirou, os Sex Pistols. Em 1980 é lançado o documentário The Great rock´n´roll swindle (A grande trapaça do rock´n´roll) que trata da trajetória dos Sex Pistols: (...) Como filme, Swindle não fica atrás, reunindo desde material documental (de onde vem a grande maioria das imagens com Lydon) até as filmagens com os outros integrantes, transformados em caricatos personagens. Caótica, enigmática e desigual, a fita ficou célebre pelas 10 Lições/Mandamentos de McLaren, o auto-intitulado Deus-criador dos Sex Pistols(...): Lição 1: Como fabricar seu grupo. Lição 2: Firme o nome Sex Pistols. Lição 3: Como vender a armação. Lição 4: Não toque, não desperdiçe o nome. Lição 5: Roube o máximo de dinheiro da gravadora de sua escolha. Lição 6: Como se tornar a atração turística número um do mundo. Lição 7: Cultive o ódio, ele é a sua maior garantia. 196

Television foi uma banda pré-punk nova-iorquina formada em 1974. Foi a primeira banda do estilo a se apresentar no CBGB. Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/television-mn0000019701. Acesso em 9 de jun. 2012. 197 Imagem disponível em: http://blogs.estadao.com.br/combate_rock/tag/television/. Acesso em 9 de jun. 2012.

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Lição 8: Como diversificar seu negócio. Lição 9: Leve a civilização aos bárbaros, os Estados Unidos. Lição 10: Quem matou Bambi?(...)198.

Numa análise superficial dos dez mandamentos de McLaren, tem-se a impressão que há mais sarcasmo que seriedade, entretanto numa outra passagem é possível verificar que o mesmo tinha a plena convicção do que estava fazendo, e sua intenção era ocupar um espaço que havia sido diluído pela indústria cultural. (...) Eu era pelo menos uma geração mais velho do que a geração que eu empresariava. Eu não era da geração dos Sex Pistols, era da geração dos anos sessenta. Por isso minha relação com os Sex Pistols era uma ligação direta com aquela opressiva angústia existencial, motivo primordial pra fazer qualquer coisa no rock & roll, abandonando a noção de carreira, e com aquele espírito amador de faça-você-mesmo típico do rock & roll. Foi assim que cresci, com a ideia de que você podia fazer essas coisas. Lá pelo começo dos anos setenta, a filosofia era de que você não podia fazer nada sem um monte de dinheiro. Então minha filosofia se voltou pra: “Foda-se, a gente não se importa se não sabe tocar e não tem instrumentos realmente bons, a gente ainda está fazendo porque acha que vocês são bando de escrotos.” No fundo, acho que foi isto criou a raiva, a raiva era simplesmente por causa do dinheiro, porque a cultura tinha se tornado corporativa, porque a gente não a possuía mais, e todo mundo está desesperado pra tê-la de volta. Essa era uma geração tentando fazer isso.(...)199

Fica bem claro, que a intenção do empresário era a inserção no mercado cultural e o modelo utilizado foi a marginalização dos punks com a finalidade de recuperar um espaço que havia sido perdido, na verdade McLaren estava à procura de uma afirmação, afirmação esta, que encontrou na criação dos Pistols: (...) Eu era apenas esse sujeito estranho com aquele sonho louco. Estava tentando fazer com os Sex Pistols o que fracassara em fazer com os New York Dolls. Estava pegando as nuances de Richard Hell, a veadagem pop

dos New York Dolls, a política do tédio e misturando tudo pra fazer uma afirmação, talvez a minha afirmação final. E irritar aquela cena rock & roll, era isso que estava fazendo. Eu não estava começando nada de novo, estava esperando a minha vez pra fazer a declaração que tentava fazer desde que tinha quatroze anos de idade.(...).200 Ao longo do tempo e com o sucesso estrondoso que os Pistols fizeram, não só na Inglaterra, mas em boa parte do mundo, o mercado começa a voltar os olhos para essa nova 198

ESSINGER, S. op. cit.; p. 58. McLAREN, M. apud McNEIL, L. e McCAIN, G. op. cit.; pp. 28 e 29. 200 Idem. p. 32. 199

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tendência, e com isso, toda essa criatividade, quase que produzida artesanalmente, e como mesmo disse McLaren, que não queria sua loja vendendo produtos, mas sim atitude, vai aos poucos sucumbindo as lógicas mercadológicas. Após proporcionar uma mudança das mais emblemáticas no cenário da música popular, o estilo ou a moda punk, foi gradativamente se transformando e ao mesmo tempo alcançando, uma prerrogativa de produto acessível e vendável para as grandes massas. A aparência descompromissada de seus integrantes e ao mesmo tempo espontaneamente desmazelada, vai ganhando espaço, sobretudo entre os jovens, ou seja, aquilo que antes era desprezado e tratado como abjeto pela sociedade em geral, começa a se tornar um lugar-comum, evidentemente que essa aceitação é absorvida em doses homeopáticas. A indumentária que preconizava as camisetas rasgadas e imundas utilizadas pelos pioneiros no estilo punk, passam a ganhar versões para estabelecimentos comerciais de relativo vulto no mundo da moda, ou seja, marcas relativamente famosas, começam a produzir em grande escala aquilo que era feito individualmente pelos punks como sinal de rebeldia e repúdio à imposição do modelo industrial nos hábitos a serem praticados pela sociedade. Bandas que executavam a música punk e mal haviam feito algumas apresentações, eram rapidamente cooptadas pelas gravadoras, que ofereciam contratos para lançar os discos e pô-los a venda, pois as mesmas estavam ávidas por descobrirem um grupo semelhante ou um substituto dos Pistols, como descreve Essinger: (...) Os Pistols não foram responsáveis apenas pela lição radical do façavocê-mesmo (que levou milhares a tentarem vencer as corporações do rock). Eles também mostraram que o escândalo é uma das mais eficientes formas de autopromoção. Mais importante do que essas duas foi a prova irrefutável de que todos os seres humanos, não importa o sexo, a raça, a cor ou a orientação política, poderiam ter o seu lugar sob o sol do pop. Os artistas não precisariam mais se adaptar desesperadamente aos padrões para obter um encaixe com as engrenagens da indústria, ela é que precisaria abrir brechas para atender à urgência do que estava acontecendo. No calor da explosão punk, a Inglaterra começou a gestar um fenômeno que se propagaria com grande repercussão pelas décadas seguintes: a cultura pop alternativa. Selos fonográficos independentes, fanzines, lojas para vender aqueles discos que as megastores201 não ousariam pôr em suas prateleiras, casas de show para bandas com propostas anti-mainstream... Tudo isso, que era rascunho de sonho desde a época dos primeiros rockers (roqueiros), teve a sua concretização a 201

Nota: Grandes lojas de departamentos que vendem vários tipos de produtos.

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partir do punk. Antes que as grandes gravadoras se convencessem do potencial de artistas emergentes como The Clash e The Jam202, havia a Chiswick e a Stiff Records203, este selo criado pelos empresários Jake Riviera e Dave Robinson com meras 400 libras, tomadas emprestadas de Lee Brilleaux, vocalista do Dr. Feelgood204. O negócio da Stiff era gravar o que aparecesse pela frente, o mais rápido possível, nas condições possíveis e com os menores gastos. Graças a essa agilidade, que muito tinha a ver com o espírito das bandas (“Vá rápido que isso pode acabar cedo!”), o selo conseguiu sair na frente de todos, lançando o disco punk inaugural do Damned205, em setembro de 1976. “Estou interessado em só contratar lunáticos. A história prova que a melhor arte vem dos malucos” dizia Riviera em defesa de sua causa. Nem precisou: o disquinho sozinho acabou vendendo cerca de 10 mil cópias na Inglaterra. (...)206

No trecho acima, fica perceptível que os empresários mais antenados com a movimentação vigente, logo se anteciparam as grandes gravadoras, pois entendiam que aquilo que se sucedera, embora mal começasse a dar os seus primeiros passos, poderia sofrer de uma efemeridade, fato que não se confirmou futuramente, tendo em vista a quantidade de bandas que foram surgindo ao longo do tempo, não só no cenário punk, mas na cena alternativa como um todo. A moda ou o estilo punk não podem ser entendidos somente pelo meio musical. O modo de se vestir é um dos aspectos mais utilizados pelos seus integrantes, pois têm características ímpares, em tudo aquilo que já vinha sendo praticado até então na sociedade. A denominação moda, contudo, não fica de bom tom, ou seja, não é bem digerível por uma maioria dos adeptos desse segmento. Moda para os punks, significa que os mesmos são influenciados de uma forma ou de outra por uma tendência mercadológica. Para eles ser punk, significa um estilo de vida, ou seja, acreditam que são dotados de uma cultura própria, a cultura punk. Um punk ser entendido estritamente pelo modismo, os leva a crerem que isto não passa de uma aceitação social, uma questão comercial ou uma simples e mera aparência, fato que não toleram de forma nenhuma. Para nos aproximarmos mais dessa tendência, seria mais salutar empregarmos o conceito de estilo, que teria um significado: “a indumentária como afirmação personificada da identidade”, ainda assim poderíamos correr o risco de “errarmos”, pois essa denominação 202

The Jam foi uma banda britânica de punk rock formada em 1972. Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/the-jam-mn0000084053. Acesso em 9 de jun. 2012. 203 Nota: Pequenas gravadoras que foram à procura de novos talentos. 204 Dr. Feelgood é uma banda britânica de pub rock formada em 1971. Disponível em: http://drfeelgood.org/history.php. Acesso em 9 de jun. 2012. 205 The Damned é uma banda de punk rock gótico formada em 1976 na Inglaterra. Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/the-damned-mn0000138520. Acesso em 9 de jun. 2012. 206 ESSINGER, S. op. cit.; p. 61.

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também serviria para conceituarmos a moda, fato que como já dissemos nas linhas anteriores, seria quase que uma ofensa a este estrato, pois a questão deve ser levada para um fator de identidade como descreve Stuart Hall: (...) Nenhuma identidade singular, por exemplo, de classe social, podia alinhar todas as diferentes identidades como uma “identidade mestra” única, abrangente, na qual se pudesse, de forma segura, basear uma política. As pessoas não identificam mais seus interesses sociais exclusivamente em termos de classe; a classe não pode servir como um dispositivo discursivo ou uma categoria mobilizadora através da qual todos os variados interesses e todas as variadas identidades das pessoas passam a ser reconciliadas e representadas.(...)207

Como podemos ver, as palavras do autor são bastante elucidativas, o movimento punk, no caso brasileiro serve como um bom exemplo, pois por onde passou, os seus integrantes vinham de classes menos abastadas, inclusive aqui no Brasil, entretanto alguns grupos vinham de classes mais privilegiadas como foi dito no segundo capítulo. Nessa contextualização histórica, tentaremos abordar a questão de uma forma isenta e quais seriam as principais características que contribuíram e fortificaram o movimento punk, como objeto dotado de um teor alternativo e que substancialmente era adverso a padronagem pré-estabelecida pela imposição da moda, numa sociedade pós-industrial capitalizada. Procuraremos fazer uma análise, de que forma os mecanismos utilizados pela moda e como a indústria cultural, transformou esse estilo contestatório em mera mercadoria excêntrica e que poderiam e deveriam ser consumidas em alta escala. O conceito ou termo moda é dotado de uma polissemia, e é possível relacioná-lo a uma variante infindável de mercadorias, tais como: motocicletas, automóveis, programas de televisão, opiniões sobre algo, alimentação, entre outros. Contudo, quando nos utilizamos dessa palavra de amplo espectro, geralmente estamos nos referenciando a quase que na maioria das vezes, à indumentária e aos objetos além das roupas, evidentemente, que as pessoas vão vestir. Diante desse panorama que podemos chamar de conceitual, definir moda ficaria um pouco mais fácil: (...) fenômeno social ou cultural, de caráter mais ou menos coercitivo, que consiste na mudança periódica de estilo, e cuja vitalidade provém da necessidade de conquistar ou manter uma determinada posição social (...) Uso, hábito ou estilo geralmente aceito, variável no tempo, e resultante de determinado gosto, ideia, capricho, e das interinfluências do meio (...)208.

207 208

HALL, S. A Identidade cultural na pós-modernidade. 11ª Ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006. p. 20. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa.

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Em concordância com a análise de Gilles Lipovetsky, a moda poderia ser caracterizada pela renovação bastante loquaz das formas e pela modificação no hábito de se vestir, nesse sentido, o autor afirma que: (...) A moda muda incessantemente, mas nem tudo nela muda. As modificações rápidas dizem respeito sobretudo aos ornamentos e aos acessórios, às sutilezas dos enfeites e das amplitudes, enquanto a estrutura do vestuário e as formas gerais são muito mais estáveis. A mudança de moda

atinge antes de tudo os elementos mais superficiais, afeta menos frequentemente o corte de conjunto dos trajes. (...)209 A estética punk, é bastante singular além de ser muito facilmente reconhecida, devido a uma conjugação de vários elementos que combinados ao mesmo tempo dão uma aparência notável, tais como: alfinetes, lenços no pescoço ou à mostra no bolso traseiro da calça, calças jeans rasgadas, calças pretas justas, bottons de bandas punk e de protesto, jaquetas de couro com rebites e mensagens inscritas nas costas, coturnos, tênis, correntes, corte de cabelo moicano, colorido ou espetado, etc. Como podemos ver na imagem abaixo:

Grupo de punks e toda a sua forma de expressão210

Estas conjugações podem ser aleatórias ou não, ou poderão variar de acordo com o grupo que o indivíduo pertença, fato que é muito comum em alguns dos subgêneros do punk. Essa identificação também estaria voltada pela utilização de um semblante que teria como característica o desleixo, e quando adaptada, seria de uma forma ou de outra, seria 209

LIPOVETSKY, G. op. cit.; pp. 33 e 34. Imagem disponível em: http://portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=32596. Acesso em 10 de jun. 2012.

210

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similar a um punk, sem ter que necessariamente fazer uso dos itens tradicionais do estilo, tais como foram citadas acima.

Ramones, banda punk estadunidense: Da esquerda para direita: Johnny Ramone, Tommy Ramone, Joey Ramone e Dee Dee Ramone.211

Na imagem acima vemos os Ramones, uma das bandas precursoras e uma das mais proeminentes no estilo punk rock. Pelo que podemos observar, há um descuido na aparência e o visual é mais sóbrio em relação ao que seria um punk “tradicional”, como já dito no parágrafo anterior, o que demonstra as nuances do estilo. Essa banda tem uma história bastante interessante em relação ao nome que foi dado à mesma. Paul McCartney, utilizava-se do pseudônimo Paul Ramon, com o intuito de evitar a imprensa quando se hospedava em

211

Imagem disponível em: http://www.infoescola.com/musica/ramones/. Acesso em 10 de jun. 2012.

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hotéis, Então o baixista da banda, Douglas Colvin, assimilou a ideia e adotou o codinome de Dee Dee Ramone, convencendo aos colegas a fazer o mesmo212. Importa ressaltar que esse “sobrenome” foi utilizado por todos integrantes que passaram pela banda, o que nos leva a crer que havia o “sentido” da construção de uma família, ou seja, uma nova família, fato que hipoteticamente seria “comprovado” com esta canção We´re a happy family (Nós somos uma família feliz) que é lançada em 1977, no LP Rocket to Russia: We´re a happy family/Nós somos uma família feliz The Ramones We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

Me, mom and daddy

Eu, papai e mamãe

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

Me, mom and daddy

Eu, papai e mamãe

Sitting here in Queens

Sentados aqui no Queens

Eating refried beans

Comendo feijões requentados

We´re in all the magazines

Estamos em todas revistas

Gulpin´ down thorazines

Tomando thorazines

We ain´t got no friends

Não tenho amigos

Our troubles never end

Nossos problemas nunca terminam

No Christmas cards to send

Não temos cartões de natal para mandar

Daddy likes man

Papai gosta de homens

Daddy´s telling lies

Papai está contando mentiras

Baby´s eating flies

O bebê está comendo moscas

Mommy´s on pills

Mamãe está nas pílulas

212

Disponível em: http://super.abril.com.br/cultura/qual-origem-nomes-rock-483966.shtml. Acesso em 10 de jun. 2012.

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Baby´s got the chills

O bebê está com calafrios

I´m friend with the President

Eu sou amigo do presidente

I´m friend with the Pope

Eu sou amigo do papa

We´re all making a fortune

Nós estamos fazendo uma fortuna

Selling daddy´s dope

Vendendo as drogas do papai

Sitting here in Queens

Sentados aqui no Queens

Eating refried beans

Comendo feijões requentados

We´re in all the magazines

Estamos em todas as revistas

Gulpin´ down thorazines

Tomando thorazines

We ain´t got no friends

Não tenho amigos

Our troubles never end

Nossos problemas nunca terminam

No Christmas cards to send

Não temos cartões de natal para mandar

Daddy likes man

Papai gosta de homens

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

Me, mom and daddy

Eu, papai e mamãe

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

We´re a happy family

Nós somos uma família feliz

Me, mom and daddy

Eu, papai e mamãe

Fica perceptível a ironia na letra da canção, pois a relação que o mesmo tem com a família não parece nenhum pouco amistosa. Percebe-se também um descaso dos pais para com os filhos, e é muito provável que a ideia da criação desse sobrenome tenha relação com a vida familiar um tanto quanto conturbada. Pelo menos um dos integrantes da banda, Dee Dee Ramone, como veremos abaixo, teve um relacionamento familiar bastante confuso. (...) Cresci basicamente na Alemanha, onde a gente se mudou de uma cidade de merda pra outra. Morei em Bad Tölz, na Bavária, bem perto do Hitler's Eagle's Nest. Morei em Munique, depois a gente se mudou pra

79

Pirmasens, uma cidadezinha na fronteira francesa. O lado alemão de Pirmasens era chamado de Linha Siegfried, o lado francês era a Linha Magnot. Durante a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, o interior tinha sido fortificado com obstáculos contra tanques e blindados, artilharia pesada, bunkers e ninhos de metralhadoras. Eu pegava carona até os arredores da cidade, vagueava pelos velhos bunkers e encontrava metralhadoras chamuscadas e enferrujadas, capacetes alemães de aço, máscaras de gás, baionetas e fitas de metralhadora. Todos os garotos do meu bloco residencial colecionavam e negociavam relíquias de guerra. E consegui tantas que comecei a negociá-las. Eu era fascinado pelos símbolos názis. Adorava encontrá-los nos entulhos da Alemanha. Eram tão glamourosos. Eram tão bonitos. Meus pais ficaram muito injuariados com aquilo. Uma vez fiz uma verdadeira descoberta, uma espada da Luftwaffe, que achei numa loja. Comprei-a por oitenta marcos. Eu sabia que poderia ficar com ela ou vendê-la por uma pequena fortuna. Mas quando a levei pra casa, meu pai ficou completamente de cara. Ele disse: "Você não tem ideia de quantos dos nossos morreram por causa desta espada!" E pensei: "Esse cara é um babaca se realmente se importa", porque o meu pai não tinha opinião sobre nada.(...)213

Geralmente o estilo ou a moda punk, vai de encontro, em sua grande maioria, com a moda vigente e por muitas vezes apresenta questões que são contrárias e ofensivas aos valores estabelecidos dentro de uma sociedade dita “normal”, entretanto existe uma quantidade de punks, bastante considerável, e alguns subgêneros que se mostram com um visual bem “sóbrio” e como exemplo podemos citar um estilo conhecido como hardcore.214

213

McNEIL, L. e McCAIN, G. op. cit.; pp. 16 e 17. Ver entre outros: O´HARA, C. op. cit.; p. 187. Hardcore é a evolução do punk rock em terras norteamericanas. Criado no começo dos anos 80, se caracterizava por uma aceleração do andamento punk, por maior agressividade na música e, inicialmente, pelo caráter político e crítico das letras. 214

80

Agnostic Front215

Na imagem acima trazemos o que é o estilo hardcore. Como podemos observar a indumentária é um pouco mais sóbria, já que não há uma mistura de cores, primando pelas tonalidades básicas, é o que poderíamos chamar de “evolução” do punk rock. Nesse mesmo contexto existem indivíduos que são intimamente ligados a esta cultura, contudo não demonstram quase nenhum interesse ou determinadamente se negam a ter uma aparência punk. De um modo geral são motivados pela quantidade bastante razoável de críticas que o movimento punk de uma forma geral recebeu durante o auge de sua história. A grande variedade de transformações que sofreu a indumentária punk, tem como um dos fatores, a enorme quantidade de ramificações que ao longo do tempo foram se inserindo ao estilo, pois o punk, serviu como uma espécie de catalisador cultural e o mesmo foi o responsável por inspirar o surgimento de novos subgêneros musicais. Ao longo dos anos, o estilo punk foi se disseminando cada vez mais, e a indústria da moda foi percebendo que ali poderia surgir um novo estereótipo, e que o mesmo, poderia ser 215

Imagem disponível http://www.myspace.com/metalhell666/photos/12809708#%7B%22ImageId%22%3A12810339%7D. Banda de hardcore Nova-Iorquina formada em 1980. Acesso em 9 de jun. 2012.

em:

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explorado com fins bastante lucrativos, dentro de um mercado já bem estabelecido. Podemos dizer que o punk sofreu um processo de inversão osmótica, ou seja, não foi o punk que se apropriou da moda em questão e sim ao contrário, como define o filósofo Guy Debord: (...) A aceitação beata daquilo que existe, pode juntar-se como uma mesma e única coisa à revolta puramente espetacular: pelo simples fato de que a própria insatisfação se tornou uma mercadoria desde que a abundância econômica se achou capaz de estender sua produção tratando de tal matériaprima. (...)216.

As palavras do autor são bastante significativas para entendermos esse fenômeno, pois são dotadas de um senso crítico muito aguçado e com base nesse raciocínio complementa a ideia o filósofo Vladimir Safatle: (...) Se esse realmente foi o caso, se a mercantilização da insatisfação contra padrões da indústria cultural virou o próprio motor de funcionamento da indústria cultural, então podemos dizer que o punk foi um dos processos que deu força a essa guinada.(...)217

A imagem abaixo nos dá uma boa noção da capilaridade que o mercado possui de apropriação, e no sítio, onde foi retirada essa imagem, diz: (...) As peças clássicas saem das lojas em versão punk: tudo limpinho, cheirando a novo, mas com buracos estudados, rasgos milimetrados, aplicações mil de spikes, rebites, tachas, zípers e alfinetes de segurança decorativos. A ideia já foi e já voltou algumas vezes, mas não deixa de ser irreverente ter um trench Burberry218 cravejado de spikes ou um blazer Chanel219 repleto de furos (...)220

216

DEBORD, G. op. cit.; p. 33. SAFATLE, V. (2005). “Revolta e forma-mercadoria”. Revista Cult, São Paulo, número 96, p. 53, 15 de outubro de 2005. 218 Burberry é uma loja de moda britânica e está entre uma das marcas mais famosas do mundo. Foi fundada em 1856 por Thomas Burberry. Disponível em: http://br.burberry.com/store/foundation/thefoundation/. Acesso em 10 de jun. 2012. 219 Gabrielle Bonheur Chanel (1883 – 1971) estilista francesa mais conhecida como Coco Chanel. É a criadora da empresa Chanel S.A. Disponível em: http://educacao.uol.com.br/biografias/coco-chanel.jhtm. Acesso em 10 de jun. 2012. 220 Disponível em: http://lolamag.abril.com.br/moda/roupas/dicas-para-aproveitar-a-moda-punk-rock-naproducao/. Acesso em 10 de jun. 2012. 217

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Desfile de moda com motivos punks221

Como podemos ver, a insatisfação foi mercantilizada, a rebeldia foi pasteurizada transformando-se num produto das prateleiras de grandes conglomerados empresariais como conclui Safatle: (...) Vários anos se passaram para que a indústria cultural percebesse que ali estava o cerne de sua sobrevivência nas próximas décadas. Tal compreensão implicou um amplo movimento de mutação no qual as representações socioculturais midiáticas começaram, digamos a flertar com o negativo. Ou seja, depois do dia em que o The Clash virou fundo musical para filme publicitário da Levi´s222, indústria cultural aprendera a oferecer “tipos ideais de identificação” marcados pelo desencantamento em relação às promessas de modernização sociocultural e pela encenação da revolta. Um pouco como se o desencantamento com o capitalismo se tornasse a moda de sustentação do próprio capitalismo. A lista de exemplos advindos da música pop é interminável e desnecessária. (...)223

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Idem. Levi Strauss & Co é uma empresa estadunidense fundada em 1853 pelo imigrante bávaro Levi Strauss que é considerado o inventor do jeans. A marca está presente em mais 110 países. Disponível em: http://www.levistrausssignature.com/us/about/default.asp. Acesso em 9 de jun. 2012. 223 SAFATLE. V. op. cit.; p. 54. Vladimir Safatle é professor do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP). 222

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Tudo aquilo que antes fora contestatório e que fazia parte da ideologia punk em sua grande maioria, foram postos de lado, evidentemente que essa afirmativa não é válida para todos os casos, entretanto uma lacuna cada vez mais abrangente nesse movimento vai se rendendo ao mercado e aos poucos vai perdendo sua essência e como dizia Karl Marx, tudo que era sólido se desmancha no ar.

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Considerações Finais Desde as mais remotas civilizações ao longo do tempo, o homem sempre procurou um modo de se manifestar, nas gravuras rupestres, nos hieróglifos, nos trajes eclesiásticos, nos uniformes militares, nas edificações arquitetônicas, no entoar de canções, entre outras. Essas representações, foram de vital importância para que a humanidade pudesse, através de imagens, sons, escrita e trajes expressar seus sentimentos, fato este, que constrói a história das mesmas, demarcando o tempo e o espaço onde existiram. Este trabalho, teve a proposta, em termos teóricos de analisar conceitos que são de vital importância para a interpretação do que foi o movimento punk nos primórdios de sua existência, cabendo ressaltar que não temos a menor intenção em esgotar o assunto, tendo em vista a grandiosidade de compreensões e significações que o mesmo suscita. Através dos estudos metodológicos qualitativos de teóricos como Carlos Ginzburg, com seu paradigma indiciário menocchiano, Roger Chartier, com a idéia das representações e apropriações das idéias de um grupo por outro, E. P. Thompson e sua concepção de homem social é que pautamos as nossas análises, tendo em vista a complexidade que o objeto requeria. Nos utilizamos também, de conceitos pós-modernos, exemplificando-os com os estudos de Fredric Jameson onde entende que a produção cultural está diretamente ligada a realidade econômica em que o momento se insere, nos estudos de Steven Connor que considerou o punk como uma forma de inserção na produção cultural mercantilizada. Podemos dizer que o movimento punk, tal a sua complexidade, teve estas e outras características marcantes, pois nessa movimentação estavam presentes homens de todos os segmentos sociais e talvez tenha sido por isso que o mesmo se desdobrou de forma tão rápida e intensa, tendo em vista a junção de pensamentos com tanta diversidade. O presente estudo, frisamos, não se encerra aqui. Na realidade abriram-se novas formas de leitura, pois a História é um ato contínuo. O historiador, ao se deparar com expressões tão distintas, organiza-as e forma uma nova concepção, ou seja, surge um novo olhar, uma nova forma de interpretar o objeto estudado.

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