RIO DE JANEIRO, CARTÃO POSTAL: O PODER POLÍTICO NA ESTÉTICA URBANA PELA DEFESA DE UMA IDENTIDADE INTERNACIONAL

July 26, 2017 | Autor: Leonardo Mercher | Categoria: Paradiplomacy, Rio de Janeiro, Architecture and Public Spaces
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RIO DE JANEIRO, CARTÃO POSTAL: O PODER POLÍTICO NA ESTÉTICA URBANA PELA DEFESA DE UMA IDENTIDADE INTERNACIONAL Leonardo Mercher1

Resumo Após o fim do Regime Militar, em 1985, e a ampliação na participação da sociedade civil nas decisões sobre o espaço urbano da cidade do Rio de Janeiro, pôde-se ver um crescimento nas iniciativas à preservação e construção de uma identidade local, bem como uma nova dinâmica de atores envolvidos na consolidação de uma imagem internacional positiva. Grandes eventos de visibilidade internacional, de 1990 até a década de 2010, bem como o surgimento legal de iniciativas publico-privadas, através da Lei nº11.079 de 30 de dezembro de 2004, redirecionam a relação entre o poder político, o espaço urbano e a identidade local. Este artigo aborda a relação entre a construção de uma identidade local e projeção de uma identidade internacional através da revisão de literatura e de análises sobre iniciativas público-privadas na região central da cidade do Rio de Janeiro, durante os anos de 1990 até 2010. A dinâmica entre o poder político e a estética urbana, bem como a identidade gerida, é interpretada como um processo que se torna amplo e envolve, não somente as decisões de gabinetes, mas também as novas agendas internacionais e os novos processos nas dinâmicas participativas da sociedade civil e do capital privado. Palavras-chave: Rio de Janeiro. Políticas Públicas. Estética Urbana.

Abstract After the end of Military Regime in 1985 and the increase of civil society participation in urban decisions at Rio de Janeiro city it can be seen a growth of initiatives to preserve and to build a local identity and also a new debate about the dynamics of different actors involved in the consolidation of a positive international image. Major events of international visibility, from 1990 until the 2010s, as well as the emergence of legal public-private initiatives, through Law 11.079 of December 30, 2004, redirected the relationship between political power and urban space local identity. This article studies the relationship between the build of a local identity and the projection of a international identity through a literature review and analysis of publicprivate initiatives downtown area of Rio de Janeiro, during the years 1990 to 2010. The dynamics among political power and urban aesthetics, as well as managed identity, is interpreted as a process that becomes wider and involves not only the decisions of governments firms but also the new international agenda and the new participatory processes in the dynamics of civil society and private capital. Key-words: Rio de Janeiro. Public Policies. Urban Aesthetic. 1

Mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal do Paraná. É graduado e pós-graduado em Relações Internacionais pela PUC-Rio e especialista em Comunicação, Cultura e Arte pela PUC-PR.

INTRODUÇÂO

Ao deixar de ser capital nacional, em 1960, a cidade do Rio de Janeiro entrou em uma fase de degradação de sua região central devido, dentre outros fatores; a problemas financeiros; choques de interesses ideológicos; instabilidade política; intervenções unilaterais do governo central; e burocracias espaciais que dificultavam a cooperação entre as três esferas do poder executivo – municipal, estadual e federal. Com a redemocratização, nos anos 1980, bem como a concepção de atuação subnacional nas relações internacionais, a diplomacia cultural passa a ser incluída nas ferramentas ao desenvolvimento da cidade. É nesse cenário que a região central da cidade voltou a ser foco das políticas públicas e, em especial a região portuária, defendida atualmente como um importante portão de entrada da visibilidade internacional. Tem-se, então na região central, um palco povoado por atores, como o tradicional Estado, e também por atores sociais, atuando e moldando essa nova dinâmica de interesses. Assim, define-se neste artigo que; como ator ativo será analisado o poder político, ressaltando a esfera executiva local que direcionou o rumo dessa nova imagem e, como ator reativo, a sociedade – seja a população da cidade do Rio de Janeiro, seja o capital privado ou o capital privado. Ao ter o poder de decisão sobre o espaço urbano e ao institucionalizar meios de produção artística – como na criação de escolas de belas artes, leis de proteção ao patrimônio histórico, e financiamentos de projetos culturais –, o Estado reforçaria seu caráter ativo como ator nesta dinâmica sob a estética urbana pública2, como vista na recuperação e criação de museus e monumentos à visibilidade internacional. Ainda que a sociedade também seja de extrema importância para a consolidação de uma identidade, por método de análise empregado, ela será colocada como ator reativo à ação política do Estado e de seus interesses internacionais. O palco onde se dá o diálogo entre esses atores é a malha urbana na região central da cidade do Rio de Janeiro, em especial nos anos 2000, em sua relação entre a estética e o indivíduo. A importância de se construir uma identidade internacional, a partir dos anos 1990, se sustenta segundo as premissas teóricas da atuação subnacional internacional, como por ganhos de investimentos, cooperação ao desenvolvimento, fortalecimento da identidade política e do estabelecimento de uma identidade pública internacional que sustentaria uma maior eficiência da diplomacia cultural. Sendo assim,

2

Prédios, monumentos, aparelhos e urbanidades de caráter público e não particular ou com esta função.

ao longo deste artigo o foco maior estará sobre as iniciativas do poder político e em sua tentativa de positivar uma imagem da cidade do Rio de Janeiro diante da comunidade internacional nos últimos anos.

Estética urbana como instrumento de poder

Ao atrelar a produção artística de sua sociedade; como em concursos públicos de projetos arquitetônicos; subsídios financeiros; leis de incentivos específicos à cultura; institutos de fiscalização do patrimônio; agendas culturais sob coordenação de secretarias; seus secretários e órgãos ligados ao poder executivo têm-se resguardada a parcela participativa do poder na chance de ampliar a orientação da estética a vigorar, bem como das ideologias que nela serão defendidas. A estética urbana cria laços afetivos com a população que, por sua vez, constroem um imaginário coletivo da cidade e de si mesmos que pode alterar seu comportamento e sua identidade local. Como a identidade local pode ser percebida por outros grupos sociais, como internacionais, há a formação de uma identidade internacional diretamente relacionada com a concepção artística e monumental de um determinado espaço público. Cidades são reconhecidas por seus monumentos, e a relação do poder político com sua sociedade também pode ser levada em consideração. Sociedades democráticas tendem a cooperar externamente com outros regimes democráticos. Através de uma relação triangular; o governo institui seu regime e seus projetos urbanos que irão moldar a identidade interna e, consequentemente a externa que retorna ao cenário interno interferindo nas novas tomadas de decisões dos demais atores envolvidos. Utilizando-se a definição de poder como “a habilidade de influenciar os outros a fazer o que se quer” (NYE, 2004, p.31), o governo teria três formas de fazer valer seus interesses; pela ameaça física; pela subornação; e pela sedução cooperativa. O EstadoNação contemporâneo percebeu que, ao conseguir atender aos anseios de sua sociedade e levá-la a querer o mesmo que seus governantes, minimiza-se os custos da implementação de políticas públicas e de diplomacias culturais. Utilizando-se do conceito de “poder suave como a habilidade de se obter o que se deseja através da atração e da cooperação” (NYE, 2004, p.31), pode-se dizer que a sedução, inerente à estética, torna a arte um dos vetores mais práticos para promover, legitimar e conquistar o apoio de demais atores – internos e internacionais – dispostos a se envolverem ou ampliarem sua participação em uma dinâmica local. A sedução cooperativa de um poder

suave seria muito mais eficiente e lucrativo para o Estado do que o uso da força. A relação entre a dinâmica por detrás da construção do espaço público faz com que a estética e o imaginário urbano busquem um resultado final onde haja um consentimento entre todos os atores envolvidos, caso contrário, a sociedade não gozaria de um regime democrático participativo e cairia nos velhos regimes impositivos. Podese dizer que em regimes democráticos há sempre a possibilidade de mobilização dentro da própria arte contra o seu uso indevido. O Estado teria competência para criar e legislar sobre o espaço comum, enquanto que a sociedade teria a capacidade de redefinilo de acordo com seus valores, costumes e necessidades. Assim, é possível ver nas atuais reformas urbanas na cidade do Rio de Janeiro ao menos uma tentativa crescente de diálogo contínuo entre os atores envolvidos, as estéticas propostas e as novas identidades locais e internacionais em constante formação.

Um processo político de degradação urbana

Desde que deixou de ser capital federal, em 1960, a cidade do Rio de Janeiro teve que buscar sua nova identidade política. Se a cidade gozava de uma imagem cultural forte no país e reconhecida no mundo, o seu espaço urbano ainda precisava ser apropriado por um poder local, agora autônomo e distante do nacional. Em menos de vinte anos a cidade havia deixado de ser Distrito Federal, em 1960, tornando-se Estado da Guanabara e, posteriormente, anexado ao antigo Estado do Rio de Janeiro, em 1975, como sendo a nova capital fluminense. Essas mudanças precisaram de tempo até ser absorvidas pela consciência coletiva em sua reorganização política. No que diz respeito à organização do poder local, pode-se dizer que houve dificuldade em trabalhar com seu espaço urbano, tanto por este ter sido herdado das projeções políticas nacionais anteriores – e esvaziado com Brasília –, como pela necessidade de se adaptar aos tantos propósitos políticos em um curto período de tempo (1960-1975). O quadro a seguir (VAZ, 2006, p.69-70) permite uma análise pontual desse desenvolvimento histórico da atuação do poder político no espaço urbano central da cidade;

Quadro I: Cidade do Rio de Janeiro – Síntese histórica das transformações espaciais nas áreas Centrais: PERÍOD O

INTERVENÇÃO / PROJETO

Séculos

Desmonte de morros; aterros;

XVII/XIX

Déc. 1900

Aqueduto da Carioca.

Reforma urbana Pereira Passos: abertura de vias; criação do porto.

Déc. 1920

Arrasamento do Morro do Castelo.

Déc.

Renovação da área da Cinelândia;

1920/1930

mudança de uso da Lapa.

Estado Novo: abertura da Av. Déc. 1940

Presidente Vargas; controle de atividades urbanas.

Déc. 1950 Déc.

Arrasamento do Morro de Santo Antônio; degradação da Lapa. Construção da Av. Perimetral;

1950/1960

extensão da Av. Perimetral. Renovação do Estácio e do

Déc. 1960

Catumbi; destruição do casario da Lapa. Construção do metrô. Dec. N.

Déc. 1970

322/76 proíbe uso residencial na ACN; destruição do casario da Lapa.

OBJETIVO ENUNCIADO Ocupação do território; criação

CONSEQUENCIA (Área Central) Alteração do meio ambiente;

de solo urbanizável; construção de

expansão da área urbana; adensamento

infraestrutura urbana.

populacional.

Saneamento; embelezamento; modernização; ordem urbana. Saneamento, aeração e higiene; abertura de vias, modernização. Modernização; área de lazer das classes altas; criação de lugares da boemia; sede de jornais.

Expulsão da moradia; formação de favelas; destruição do patrimônio; área central como área de lazer e cultura. Destruição de marcos e do tecido urbano; formação de vazios e favelas. Início da verticalização; área central como área de lazer e cultura de elite.

Rodoviarismo, transporte individual; embelezamento e ordem urbana; "limpeza de usos

Expulsão da moradia; formação de vazios; destruição do patrimônio.

sujos". Saneamento; abertura da Av. Norte-Sul (não concretizada). Obra viária.

Obras viárias - acessos ao túnel S. Bárbara.

Transporte de massa; ordenação do espaço urbano.

Destruição da primeira favela da cidade; formação de vazios. Rompimento da relação do centro com o mar. Arrasamento dos bairros do Estácio e Catumbi; expulsão da moradia. Destruição do tecido urbano histórico; formação de vazios; expulsão da moradia. Destruição do tecido urbano

Déc. 1980

Expansão do metrô.

Transporte de massa.

histórico; formação de vazios; expulsão da moradia (Dec. N. 322/76).

Projeto Corredor Cultural; reforma de equipamentos culturais. Projetos: Rio Cidade; de habitação e Déc. 1990

Preservação da arquitetura e do ambiente cultural; incentivo à atividade comercial/cultural. Requalificação e revitalização;

Manutenção do patrimônio edificado; expulsão da moradia (Dec. N. 322/76). Ocupação de vazios; retomada da

cultura; Quadra da Cultura da Lapa;

retomada da centralidade; retorno

relação do centro com o mar e de

Lei de Uso Residencial/1994.

da moradia.

atividades culturais.

Projetos: Distrito Cultural da Lapa; Revitalização da Praça Tiradentes, Déc. 2000

Área Portuária. Intervenções: Rua do Lavradio; Programa Novas

Retomada da centralidade; revitalização da área central.

Retomada de atividades culturais; retorno pontual da moradia.

Alternativas.

O deslocamento da máquina estatal, após a criação de Brasília, deixou o centro da cidade do Rio de Janeiro com vazios espaciais cercados por conflitos burocráticos

entre as esferas do poder local e da União. Por ter em Brasília novas construções federais que concorriam na captação de verbas da União, o número de prédios e terrenos subutilizados ou abandonados na região central traziam consigo barreiras burocráticas para iniciativas do poder local. O recorte da região central, entre a Guanabara e a União, já mantinha conflitos que só aumentaram com a divisão do espaço junto ao novo Estado do Rio de Janeiro, na década de 1970. Medidas de intervenções acabavam por esbarrar nas burocracias das três esferas que, muito provavelmente, passaram a engavetar seus projetos por falta de cooperação entre o Município, o Estado e a União, bem como interesses partidários. Na segunda metade do século XX, com a malha urbana já refém da “glorificação do automóvel” (JAGUARIBE, 1998, p.139), ampliou-se a rejeição ao centro desprovido dessa nova necessidade moderna. Os planejamentos modernistas, financiados pelo Estado, valorizavam uma estética que não encontrava espaço no Rio antigo, demolindo ou se dirigindo para as demais áreas da cidade. Ainda que com bons referenciais do período, como o Edifício Capanema, as intervenções modernistas privilegiaram a malha viária para os carros particulares, como a construção da Avenida Perimetral. A perda política da capital e a imagem midiática da Zona Sul, representada nos filmes e nas novelas de alcance nacional, trouxe uma alteração, nos anos 1970 e 1980, ao se pensar o Rio;

Os cartões-postais cariocas raramente enfocam edificações arquitetônicas. As retratações turísticas do Rio de Janeiro reproduzem, sobretudo, os clichês de praias repletas de corpos tostando-se ao sol, a baía da Guanabara ao amanhecer ou ao pôrdo-sol, os morros verdejantes e, finalmente, as mulatas exuberantes em fantasia de carnaval. Mesmo os postais da escultura do Cristo fincado no topo do Corcovado amenizam sua simbologia sagrada e cultural através do espetáculo da vista panorâmica. Entretanto, nos inícios do século XX, os cartões-postais que os turistas nacionais buscavam do Rio de Janeiro eram, segundo Gilberto Freyre, aqueles que ilustravam os progressos da capital. Bondes, monumentos, instalações técnicas, eram prenhes da simbologia de modernização de um Brasil pouco explorado. Como ex-capital, o Rio de Janeiro já não simbolizava as urgências do progresso que o caracterizaram aos olhos provincianos do início do século (JAGUARIBE, 1998, p.119).

. Com a nova imagem que se tentava construir sobre o ser carioca, ligado à Bossa Nova, e a cidade praiana, junto ao turismo da Zona Sul, restou ao centro o descaso de sua importância no registro histórico. É da história que se reforçam os laços afetivos que faz com que o indivíduo se sinta parte daquele lugar e compartilhe, com um numero maior de cidadãos, um imaginário coletivo que possibilitará a construção de uma

identidade local condizente não apenas com os interesses políticos de um governo, mas com a vivência dos demais atores sociais e suas projeções. Nos anos 1960, 1970 e 1980 uma série de obras que cortaram a região, como a Perimetral, passou por cima de construções urbanas que serviam como registro da identidade local rotineira, como o caso do extinto Mercado Municipal, inaugurado em 1907, e que hoje só lhe resta uma de suas quatro torres originais – atualmente o Restaurante Albamar, na Praça XV. A cidade, ainda que visse investimentos em redes de transporte público, como a inauguração, em 1979, do primeiro trecho da linha 1 do metrô, teve o planejamento de seu espaço voltado para o uso do transporte individual. O crescimento do automóvel era tanto um resultado como também mantinha o incentivo ao afastamento da moradia da região central para as Zona Sul e Oeste. Portanto, pode-se dizer que o modernismo trouxe consigo a corrente racionalista que;

Agia como se a cidade atual não correspondesse às necessidades do mundo moderno. Era necessário pensar uma cidade absolutamente nova, que atendesse a imagem que se formava da cidade contemporânea, aliás, nome dado pelo expoente dessa Corrente, Le Corbusier [...] A ideia de sociedade, aqui, acompanhava a ideia do homem-tipo com as mesmas necessidades, seja na Europa, na Índia ou no Brasil. Le Corbusier afirma que o caminho dos homens é a linha reta; quem anda em curvas são os asnos (SOUZA, 1997, p.115).

Avenidas e elevados destinavam-se apenas aos carros; à mobilidade sobre o passado, sobre o espaço compartilhado. Para suprir o espaço público das regiões centrais, vieram os shoppings centers e seus estacionamentos. “Não seria essa uma das explicações do porquê, também no imaginário coletivo, a rua se identifica cada vez mais com a população marginal? [...] Relacionadas com áreas da cidade por uma acessibilidade boa, esses locais representam os focos na estrutura de eixos viários” (SOUZA. 1997, p.119). A segunda metade do século XX testemunha a expansão dessa estética moderna que, deturpada ou não, se materializou atropelando a região pelas iniciativas do poder público. O processo de degradação da região central da cidade do Rio de Janeiro, retratado no quadro anterior, permite a interpretação de que, na segunda metade do século XX, a atuação do poder político acaba por incentivar o esvaziamento que já havia sido iniciado com a saída da máquina estatal para Brasília. As intervenções destinavam-se em atender às demandas viárias, deslocando a estrutura histórica urbana para segundo plano. Essa atuação do poder público central acabou por esvaziar e, consequentemente, degradar a região. Provavelmente um dos

fatores que contribuíram a essa situação de abandono, além da saída da maquina estatal, fora a burocracia em que a região se encontrava, dividida por tantas esferas do poder político que exigia uma cooperação de difícil concretização. A estética do modernismo acabou por fomentar mais esse processo. Ainda que possa não ser inerente à sua estética, o uso de suas intenções, por parte do poder político nacional, trouxe “a destruição do tecido urbano histórico” (VAZ, 2006, p.69) da cidade do Rio de Janeiro.

A dinâmica da recuperação por uma imagem internacional

Se por um lado a cidade do Rio de Janeiro nunca deixou de ser referência à identidade nacional, foi buscando também na atuação internacional que sua relação com a imagem local, construída em seu espaço urbano, ganharia maior incentivo às iniciativas do poder político. A partir da conscientização crescente de seu espaço internacional é que a cidade do Rio – e, consequentemente, o novo Estado do Rio de Janeiro – passou a identificar oportunidades ao construir uma identidade positivada de si mesma que, inevitavelmente passa por sua estética urbana. Ao recepcionar grandes eventos internacionais, como a ECO92, ganhava-se maior visibilidade e aumentava, ainda mais, a preocupação dos governantes com sua imagem. A importância da cidade, internacionalmente reconhecida como global (em 22º lugar no ranking de centros culturais e em 47º no ranking geral do The World According to GaWC 2008) consolidou a preocupação com a manutenção de uma identidade internacional que trouxesse para seu espaço um conjunto constante de novos eventos de grande visibilidade. Eventos como os encontros internacionais de mídias, promovidos pela empresa municipal MultiRio (Empresa Municipal de Multimeios), o PanAmericano em 2007, os Jogos Mundiais Militares em 2011, e as futuras Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e os Jogos Olímpicos de Verão, em 2016, consolidam uma identidade externa e também se baseiam em fluxos de captação de investimentos e empreendimentos financeiros e culturais que, sob novas propostas do poder político local, possibilitam e exigem a recuperação da região central. Ao conseguir sediar eventos com visibilidade internacional, que coloca em jogo, não só a imagem da cidade, mas também a do país, as três esferas do poder se veem em uma situação onde a cooperação se faz necessária para que se mantenha uma imagem positiva não só da cidade, mas do país que também se utiliza de sua identidade

internacional. Ainda que as intenções de recuperação não possam ser interpretadas apenas como resultados desse novo interesse internacionais, a atuação subnacional, em uma diplomacia cultural feita pela cidade do Rio de Janeiro, certamente alavanca os investimentos e a cooperação necessária entre as esferas do poder executivo para superar dificuldades já vistas, como a da burocracia espacial. Essa cooperação, dentre outros objetivos, busca também recuperar as identidades nacionais na história da cidade, bem como construir novos laços afetivos com a estética urbana que possibilitarão uma avaliação externa positiva por diversos atores internacionais, como da Comissão Olímpica Internacional ou da já citada World According to GaWC. Através de investimentos e intervenções na recuperação urbana, a partir da segunda metade da década de 1980, o poder político adere às iniciativas em conjunto com outros atores sociais, como ONGs e Fundações, que contribuem para a construção dessas novas agendas de necessidades urbanas e assim otimizar sua identidade de cidade global. Nos anos 2000, através da Lei nº11.079 de 30 de dezembro de 2004, as iniciativas sociais se rendem às parcerias publico privadas que dão novo folego às reformas urbanas. Ao não depender apenas dos recursos federais para grandes projetos, o governo local pode definir sua própria agenda de reformas. Se a comunicação entre os atores deste trabalho, o Estado como ativo e a sociedade como reativo, dá-se através da estética urbana, essa mudança legal traz uma nova dinâmica para a cidade do Rio de Janeiro. Iniciativas mistas, como o Museu do Amanhã – parceria pública com a Fundação Roberto Marinho – e a Concessionária Porto Novo – de capital privado – estão sendo postas em pratica, não só como uma ferramenta urbana, mas como marcos de identificação dessa nova fase das políticas públicas. Deve-se ressaltar, mais uma vez, que essas iniciativas ainda são orientadas pelo poder político, através de leis e instituições normativas, visto que este ainda detém a soberania administrativa sobre o uso do espaço público. O poder local passou então a ter que estabelecer caminhos próprios que dessem conta de representar os interesses e as identidades local e internacional de acordo com sua população. É então que os marcos urbanos passam a ser resgatados ou construídos, atingindo tanto a percepção dos atores sociais locais, como os internacionais que podem assimilar esses novos símbolos como manifestação de uma saúde social e política que lhes oferece maior segurança em possíveis acordos. Ao trazer algumas dessas iniciativas que ilustram o novo caminho das políticas públicas, traçado na estética urbana da cidade do Rio de Janeiro percebe-se, nessas duas

primeiras décadas do século XXI, uma recuperação do valor histórico na identidade local. A busca pela recuperação de sua própria história, ainda que entrelaçada com a nacional, se torna fruto de uma reestruturação do poder local e da nova imagem que a cidade almeja consolidar, tanto para si como externamente. Ainda que críticas sejam feitas, por ser o poder público a escolher o que deveríamos recordar, não se pode esquecer que a recuperação desses espaços já possibilitam a oportunidade, em uma sociedade democrática, de redescobrir simbologias e fatos que podem contribuir para a consolidação de novos laços afetivos, como a recuperação dos Cais do Valongo e da Imperatriz. Mudanças no espaço público, que se preocupam com a recepção da imagem local para além de sua sociedade também pode ter um efeito negativo, como ocorrera em manifestações internacionais e locais sobre a Pirâmide do Louvre, em Paris. Para muitos, essa intervenção surtiu um efeito negativo quando descaracterizou a obra original – em seu sentido real, imaginário ou ainda em sua função prática. Paris, por um apelo de agenda internacional de passar uma imagem de cidade contemporânea, onde o passado e o presente se comunicariam, teve que lidar com várias concepções negativas sobre a desfiguração junto ao imaginário local sobre o Museu do Louvre. Além de um possível choque estético, que pode provocar uma recepção negativa pela população local, ainda existem os riscos de uma alienação – temporária ou permanente – sobre as dinâmicas afetivas com a região. O apelo do internacional não deve cometer o mesmo erro de regimes passados ao defender conceitos de desenvolvimento que atropelem a relação da sociedade com seu espaço público. No Rio, o maior projeto atual de revitalização da cidade encontra-se na Zona Portuária, denominado Projeto Porto Maravilha. Após décadas de abandono e esvaziamento, o poder público voltou-se para a região seguindo uma corrente de capitalização indireta do espaço, cada vez mais comum na administração das cidades. A atuação, que antes teria sido apenas pela cooperação entre as esferas do poder público, conta agora com as iniciativas privadas. Essa mudança, que se tornou legal nacionalmente em 2004, ampliou as possibilidades de intervenções urbanas por parcerias mistas. A atuação dos governos em parcerias com ONGs, OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público), fundações e empresas, permitiu também um debate maior por envolver uma diversidade de atores interessados em bons resultados. Ancorado no Museu de Arte do Rio (MAR) e no Museu do Amanhã (do arquiteto

espanhol Santiago Calatrava), o projeto Porto Maravilha expõe não só a cooperação de interesses público e privado, como também demonstra preocupações sobre o impacto na dinâmica interna e externa da cidade. No caso do MAR, as intervenções pósmodernistas ganham destaque na junção de três prédios distintos (Palacete Dom João VI de 1916, o Hospital da Polícia Civil – de caráter modernista – e a antiga Rodoviária Mariano Procópio) para a construção de um único complexo. A construção ainda tentará se integrar a outras comunidades com a construção de teleféricos no terraço do museu ligando-se ao Morro da Conceição. Entretanto, para que a iniciativa do MAR seja positiva, deve-se cuidar para que as identidades originais não sejam perdidas, ainda que suas funções sejam modificadas. É preciso pensar na coexistência e manutenção dessas novas funções e seus impactos no entorno que ainda contará com mais um museu; o Museu do Amanhã, no Píer Mauá. O Museu do Amanhã surge como uma construção nova que irá contrastar com a centenária Praça Mauá, o edifício A Noite – também em reformas – e o novo complexo do MAR. De seu posicionamento, ao lado do desembarque dos turistas navais, suas dimensões – cobrindo todo o píer –, e a escolha do arquiteto Santiago Calatrava colocam essa intervenção mais próxima de objetivos relacionados a uma reformulação de imagem, principalmente à percepção internacional da cidade. A tentativa de construir um possível cartão postal para a região, como feito com o Museu de Arte Contemporânea em Niterói (1996), também pode ser levantada como uma identificação monumental de contemporaneidade e saúde social da cidade. Essa intervenção, sobretudo, objetiva marcar o espaço com um novo símbolo da atuação política atual, que guardará em si um momento do poder político vigente. A construção de uma imagem para o meio nacional e internacional não pode ser menos importante do que a dinâmica da população com o seu espaço e a cultura pública. Mais uma vez, devese pensar se a intervenção não irá descaracterizar todo um bairro ou trazer uma mudança cuja população local não terá tempo e nem estrutura suficientes para absorver. Ainda que a modernização seja almejada, tanto no exemplo de Paris como no do Rio, os esforços para programar essa abertura à produção cultural pública podem ser recebidos negativamente pela sociedade que passa a enxergar a obra não mais como uma solução, mas sim como um gasto indevido e desnecessário. Assim, tanto fatores como altos custos às contas públicas e a descaracterização da região podem levá-la à uma dinâmica de rejeição e desvalorização que, por muitas vezes, acaba iniciando alterações em cadeia que cada vez mais acabam por encobrir ou

afastar os vínculos afetivos dos indivíduos. No caso do Porto Maravilha, a preocupação estende-se das obras e engloba todo o bairro, presumindo-se que essas intervenções terão seus impactos positivados ou, ao menos, neutralizados. A manutenção de parte da região encontra-se nas mãos do capital privado da Concessionária Porto Novo. A operação da Concessionária Porto Novo assumiu, em quinze de junho de 2011, a maioria dos serviços públicos municipais referentes à região portuária, como cuidados com a iluminação, limpeza urbana, pavimentação, implantação de 700 quilômetros de redes de água, esgoto, energia elétrica, telefonia e drenagem de águas pluviais, sinalização, poda de árvores e a conservação do mobiliário urbano. Pelo contrato com o consórcio Porto Novo, além de prestar serviços públicos, a empresa terá que realizar obras de infraestrutura, dentre elas a derrubada de parte do Elevado da Perimetral. Suas funções podem ser remanejadas pelo governo respeitando a base

de

orçamento

e

gastos

firmados

previamente

pelo

acordo

de

sua

institucionalização. Um exemplo é a sua desobrigação, ocorrida em outubro de 2011, de implementar as estruturas para o futuro veículo leve sobre trilhos, transferindo a verba privada para a atual construção do Museu do Amanhã. Com o início dos leilões dos Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepacs) – títulos emitidos pela prefeitura para financiar a revitalização do Porto, utilizando-se o mínimo possível da verba pública – o poder executivo municipal delega aos interesses privados maior responsabilidades nas dinâmicas de atuação do novo espaço e a sociedade. O intuito da iniciativa é construir um memorial, encontrado nas escavações em março de 2011, próximo à Avenida Barão de Tefé que exponha os pisos originais, em dois níveis de camada – por um ter sido construído sobre o outro – e construir, ao longo de uma das paredes, uma linha do tempo com informações sobre a evolução histórica dos dois cais. Tenta-se resgatar a história da identidade negra na cidade, por ter sido o Cais do Valongo um dos atracadores que mais recebeu africanos escravizados. Já o Cais da Imperatriz, inaugurado para receber a consorte de Dom Pedro II, a Imperatriz D. Teresa Cristina, traz a engenharia neoclássica à época do Império, elaborado pelo arquiteto francês Grandjean de Montigny. Essa recuperação fara com que uma obra, antes soterrada pelos interesses políticos anteriores, volte a fazer parte da estética urbana da cidade – com 1350 m² – e possa servir como instrumento comunicador de um passado que havia sido esquecido intencionalmente. Como defendido anteriormente, as iniciativas de recuperação mostram-se positivas, pois ao menos absorve os interesses da sociedade local em seus debates,

mostrando que os poderes local, estadual e federal estão interessados novamente em promover a ocupação da região central do Rio de Janeiro, bem como no reflexo que o desenvolvimento urbano da cidade exerce sobre a positivação de sua identidade no âmbito internacional. Ao trazer cuidado às áreas degradadas, investir na manutenção e aceitar a cooperação com o capital privado, o poder político está conseguindo valorizar a região que passa a atrair, cada vez mais, um numero maior de moradores. Iniciativas de resgates cultural e histórico também influenciam no perfil dos novos moradores que, quase sempre, buscam se estabelecer em áreas que possam se identificar com a identidade produzida no local. Essas novas dinâmicas certamente vem positivar a imagem do Rio como uma cidade que, a nível global, tenta ampliar sua diplomacia cultural subnacional.

Considerações Finais A cidade do Rio de Janeiro serviu aqui para uma análise da relação entre o poder político e alguns atores sociais – como o capital privado – que interferem na estética urbana de sua região central e contribuem na percepção de iniciativas a uma identidade internacional positivada. A dinâmica produzida nessa relação permite à sociedade entender os novos caminhos de sua cidade e suas identidades, local e externa, que ainda hoje são guiadas pela atuação do poder político. O poder local, ao ter que representar democraticamente os interesses de sua população traçou um novo caminho, nos anos 1990 e 2000, incorporado preocupações de uma agenda local de resgate e de uma agenda internacional pela positivação. Ainda que tantos outros assuntos permeiem as mudanças e reformas urbanas na cidade, a atuação subnacional desse novo ator global exigiu e continuará exigindo reformas na estética urbana tendo que equilibrar suas intervenções com os laços afetivos dos cidadãos. Através da chamada de atenção para a cidade, ao sediar diversos eventos internacionais nessas duas décadas, o poder político ampliou não só a visibilidade do Rio de Janeiro como também do país, forçando uma cooperação entre três esferas do executivo – municipal, estadual e federal – para que tanto a imagem local como a nacional se mantivessem positivadas. A atuação subnacional da cidade permitiu a cooperação política que tenta ultrapassar décadas de descaso e de burocracias territoriais que tanto alimentaram a degradação da região central. Mesmo enfrentando problemas

diversos, como financeiros e burocráticos, após a longa fase de descaso, de 1960 até a redemocratização participativa, conseguiu reestruturar nos últimos anos uma imagem sustentada por velhos e novos laços afetivos com a identidade urbana. A cooperação das esferas do poder, priorizando tanto a imagem, como a recuperação social de áreas degradadas pode ser resultado, mas também resulta, nesse repensar da identidade local e internacional. As simbologias políticas espaciais também passam pelo clive afetivo da população que, conhecendo melhor seu passado, poderá entender sua atual realidade. Novos monumentos também ampliam e poderão ampliar a autoestima do cidadão que passa a reafirmar seus vínculos com o espaço e a fortalecer uma identidade mais concisa que permite, a médio e longo prazo, uma estabilidade no reconhecimento internacional. A pluralidade de simbolismos existentes no espaço histórico e afetivo da cidade é somada às complexidades em analisar o presente e os resultados futuros do caminho traçado. Todavia, tomando a afirmação de que as imagens ambientais seriam o resultado de um processo bilateral entre o observador e seu ambiente, a imagem de uma determinada realidade pode variar significativamente entre observadores diferentes. No final do século XX e início do século XXI, a absorção da ideia de cooperação com o capital privado também teve impactos na relação entre o poder e a estética. Foi posto na agenda política uma necessidade de normatizar essa relação que, em 2004, tomou forma pela lei que possibilitou as iniciativas mistas. Projetos, como Porto Maravilha, ilustram essa passagem parcial das obrigações públicas para a esfera privada, indo muito além da recuperação do patrimônio, e cuidando de funções administrativas e serviços sociais. O Estado, ainda que transfira parte de seus custos para outros atores sociais, não é substituído em sua noção de obrigação e de vistoria do espaço púbico. Assim, através de novos objetivos de inserção internacional, a possibilidade de cooperação entre o público e o capital privado e a ampliação da participação da sociedade democrática nos debates e decisões do poder político, a região central da cidade do Rio de Janeiro voltou a ser apropriada pela população, impressionando pelo crescimento de moradores em tão curto espaço de tempo.

Referências Bibliográficas JAGUARIBE, Beatriz. Fins de Século: Cidade e Cultura no Rio de Janeiro. Rio de

Janeiro: Rocco, 1998. NYE, Joseph S. Soft Power: the means to success in world politics. Nova York: Public Affairs, 2004. SOUZA, Célia & PESAVENTO, Sandra. Imagens urbanas: os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: UFGRS, 1997. VAZ, Lilian & SILVEIRA, Carmem. A Lapa boêmia na cidade do Rio de Janeiro: um processo de regeneração cultural? Projetos, intervenções e dinâmicas do lugar In. SOUZA, Célia & PESAVENTO, Sandra. Imagens urbanas: os diversos olhares na formação do imaginário urbano. Porto Alegre: UFGRS, 1997.

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