Ritos de Passagem – A Chegada em Silêncio do Brasil Olímpico

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Ritos de Passagem – A Chegada em Silêncio do Brasil Olímpico Carlos Frederico Pereira da Silva Gama1 Publicado por Medium em 07 de Agosto de 2016 – https://medium.com/@CarlosFredericoPdSG/ritos-de-passagem-a-chegada-em-sil%C3%AAnciodo-brasil-ol%C3%ADmpico-e78244fe6b0a?source=tags---------1 Publicado por SRZD em 08 de Agosto de 2016 – www.sidneyrezende.com/noticia/266164 “Don't you think you oughtta rest? Don't you think you oughtta lay you head down? Don't you think you've done enough? Let it wash away All those yesterdays2”) A abertura dos Jogos Olímpicos de 2016 representou dois ritos de passagem para o Brasil. Primeiramente, Michel Temer teve consolidada sua interinidade. Ao declarar abertos os Jogos, o vice-presidente ganhou vaias modestas dos presentes ao Maracanã. Lula no Pan de 2007 e Dilma na abertura da Copa de 20143 motivaram protestos bem mais ruidosos. Os esforços do governo interino para coibir protestos (do trajeto da tocha às arenas) favoreceram a aceitação tácita da comunidade internacional. Os poucos líderes presentes economizaram críticas. Num Rio militarizado, seu temor era apenas o terrorismo. Em meio ao silêncio, quem cala consente. Em segundo lugar, a realização dos Jogos consolidou o status do Brasil como país emergente. A despeito da crise econômica e do desalento político, um degrau foi superado. O país do futuro expôs ao mundo nostalgias. Da trilha sonora de “Central do Brasil” à volta da recémaposentada Gisele Bündchen, com o neto de Tom Jobim a entoar “Garota de Ipanema”. Ao invés de projetar aspirações futuras, o espetáculo nacionalista buscou um cantinho na vizinhança global. Da Pangeia à economia verde, a Olimpíada do Rio produzirá bilhões em divisas e mais 10.000 árvores. Durante a Guerra Fria, os emergentes ostentaram os Jogos Olímpicos como sinal de maturidade – Itália (1960), Japão (1964), México (pioneiro da América Latina, 1968), Alemanha Ocidental (1972), Canadá (1976) e Coréia do Sul (1988). Os Jogos traziam consigo a luta geopolítica das superpotências – Estados Unidos e União Soviética travavam um duelo à parte. A queda do Muro de Berlim

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Professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do Tocantins (UFT), pesquisador do BRICS Policy Center (BPC) 2 Pearl Jam (1998). “All Those Yesterdays”. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=f8AxplFBhdM 3 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2014). “Violent Anxieties: Brazil on the Rise of Overlapping Contradictions”. Medium. Disponível em: https://medium.com/@CarlosFredericoPdSG/violent-anxietiesa42269f1680f#.i8rxrdekg

universalizou os Jogos e pôs fim aos boicotes. Os emergentes continuaram a buscar legitimidade internacional via Olimpíadas – Espanha (1992), Austrália (2000), Grécia (2004) e China (2008). Os Jogos nem sempre trouxeram recompensa financeira às nações anfitriãs (haja vista a disparidade entre os legados, por exemplo, de Barcelona e Atenas). O efeito mais importante é a legitimação simbólica junto aos pares – o poder suave de uma potência que se apresenta como valorosa e capaz. A abertura das Olimpíadas coincidiu com o fim de um período da história brasileira. O status de emergente ganha fôlego internacional à medida que a jovem democracia do país expõe suas chagas4. Mais do que respeito, a realização do megaevento trouxe antes o alívio de um certo temor – de que o país não estaria à altura da empreitada, sofrendo de diversas turbulências. Se a cidade do Rio quer colher para si todos os louros dos preparativos de uma década, a maior parte deles foi feita durante o governo Dilma Rousseff (parceria que se mostrou decisiva). Foi o governo Dilma que vendeu os Jogos (no pacote dos megaeventos) como manancial que desaguaria riqueza noutros setores da sociedade. Foi o governo do PT que viabilizou parceiras público-privadas (ensaiadas com Eike Batista) que se multiplicariam na organização do evento. A euforia com os preços do petróleo e commodities alimentou sonhos de grandeza comparáveis às glórias do Olimpo5. O pecado de Rousseff não consta da constituição brasileira. Ao projetar os Jogos como celebração nacionalista de justiça social, a presidenta e seu partido subestimaram as múltiplas exclusões e violências que pavimentaram o caminho entre 2009 e 20166. Das remoções forçadas de populações aos escândalos das empreiteiras, passando pelo uso de recursos públicos num megaevento privado por um estado federativo que declarou calamidade financeira, as Olimpíadas foram erguidas em meio a expectativas arruinadas. A abertura se evadiu dessas contradições via nostalgia seletiva. Picos de ansiedade política antecederam os Jogos. Megaeventos foram contestados pelas jornadas de Junho de 2013. O próprio governo Rousseff se tornou o alvo dos protestos de rua em 2015. Depois de receber os Jogos Mundiais Militares, a Jornada Mundial da Juventude, a Rio+20, a Copa das Confederações e a Copa do Mundo, era difícil separar a gestão Dilma dos megaeventos7. Contestações impulsionaram outro tipo de nacionalismo – associado com a eficiência gerencial, integrado internacionalmente, capaz de organizar eventos monumentais (mesmo que para poucos).

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Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2016). “Brazil’s New Republic: from Limited Democracy to Aristocracy under Judicial Supervision”. Medium. Disponível em: https://medium.com/@CarlosFredericoPdSG/brazils-new-republic-from-limited-democracy-to-aristocracyunder-judicial-supervision-1ec865197d35#.ktmtjdlew 5 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2014). “Conquistas e Desafios da Política Externa de Dilma Rousseff”. Carta Maior. Disponível em: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Conquistas-eDesafios-da-Politica-Externa-de-Dilma-Rousseff/4/32244 6 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2014). “Violent Anxieties”. 7 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2013). “Reordenação em Progresso no Brasil”. Observatório da Imprensa. Disponível em: http://www.observatoriodaimprensa.com.br/news/view/_ed752_reordenacao_em_progresso_no_brasil

Ritos de passagem trazem descontinuidades, rupturas que simbolizam a morte. A primeira vítima do derradeiro megaevento foi, ironicamente, a própria Dilma. Sua ausência na abertura e a velada aparição de seu vice selam em silêncio as urnas de 2014, em meio à apatia do impeachment8. Outro silêncio marcou o espetáculo nostálgico da decolagem do 14-Bis. 71 anos depois, a memória incômoda da bomba de Hiroshima9 foi calada. Não foi mencionada no show que não podia parar. Entrementes, um Japão diferente veio aos Jogos. Sob Shinzō Abe, sua constituição está prestes a ser modificada. O país terá novamente o direito de empregar a força para além de operações de paz. A reconquista dos atributos soberanos pelo Japão foi fruto de uma lenta ascensão – das ruínas de Hiroshima para o rol das potências que já emergiram. Um longo caminho silencioso de muitas idas e vindas e esforços que repousam na poeira do esquecimento. Sem redes de proteção ou milagres. A segunda morte simbólica foi a do “Brasil Grande”, o país que seria emergente apenas como intervalo rumo a ambições maiores. O Brasil de 2016 se acomodou esplendidamente na emergência10. Mas não há garantias para poderes emergentes. Não há um mundo futuro pronto a lhes esperar. Nos anos 1970 da crise do petróleo, Henry Kissinger projetou um futuro de cinco potências econômico-militares11. Uma delas já não existe – a União Soviética, substituída por uma potência regional, a Rússia. O declínio da outrora superpotência é visível em todos os campos, inclusive no esporte. Uma delegação diminuída chegou ao Rio sob a sombra do doping institucionalizado. A Comunidade Econômica Europeia (atualmente União Europeia) vive prolongada estagnação econômica12 e profundos impasses políticos que limitam sua atuação global – que incluem a acolhida relutante dos refugiados sírios13, o Brexit14 e a dificuldade para empreender ações militares conjuntas. Das potências futuras de Kissinger, apenas a China “confirmou” profecias de ascensão futura. Há 40 anos, os Estados Unidos já eram uma superpotência e o Japão, uma potência econômica. 8

Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2016). “Sob Judice: A Nova República em Transição”. SRZD. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/262141 9 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2005). “60 anos da Bomba Atômica em Hiroshima”. O DEBATEDOURO, ed. 67, pp. 28-29. 10 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva Gama (2016). "Fim do Ecumenismo Involuntário? A Política Externa do Brasil pós-Impeachment". NEMRI. Disponível em: https://nemrisp.wordpress.com/2016/05/25/fim-do-ecumenismo-involuntario-a-politica-externa-do-brasilpos-impeachment/ 11 http://www.nytimes.com/1972/06/25/archives/we-are-playing-a-dangerous-game-with-japan-we-areplaying-a.html?_r=0 12 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2015). "O Futuro da Integração Europeia: o Euro a Perigo na Crise Grega". SRZD. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/251262 13 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2015). “Zooropa Desintegrada”. NOO. Disponível em: http://noo.com.br/zooropa-desintegrada/ 14 Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2016). "A Saída do Reino Unido da União Europeia e seus impactos num Brasil em crise". SRZD. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/264541

O drama das “potências futuras” do passado é encenado, de novo, pelos BRICS após a crise de 2008. Dos cinco integrantes do grupo, apenas China e (em menor escala) Índia realizaram a transição para potências capazes de construir uma nova ordem internacional a partir de regiões distantes do Atlântico Norte. Rússia, Brasil e África do Sul enfrentam contestação crescente em suas respectivas regiões, além das turbulências domésticas. A competição entre os próprios BRICS dificulta profecias15. Nem todos os emergentes “vingam”. Imprensado entre o país do futuro e o complexo de vira-latas, o contraditório Brasil de 2016 respirou aliviado quando a tocha olímpica se acendeu. Numa trajetória tão complexa quanto a de Vanderlei Cordeiro de Lima nos Jogos de 2004, depois da ânsia por um lugar ao sol veio o alívio, diante dos olhos resignados do mundo. Da efemeridade ao repouso, já não era possível voar mais longe, no rumo desconhecido de promessas. Não era preciso ir além.

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Gama, Carlos Frederico Pereira da Silva (2015). “De Volta para o Futuro: O Brasil de Dilma Rousseff entre a Rússia e os Estados Unidos”. SRZD. Disponível em: http://www.sidneyrezende.com/noticia/251817

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