Robert Darnton: A Revolução nas Entrelinhas
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ENTREVISTA
ROBERT DARNTON:
A Revolução
nas entrelinhas
Historiador fala do caldeirão de elementos culturais que formaram a França revolucionária e incluíam canções, filosofia, difamação e best-sellers Por Bruno Tripode Bartaquini*
O
historiador americano Robert Darnton é um cavalheiro. Mais especificamente um Chevalier de la Légion d’honneur (legião de honra), título recebido em 1999, quando o governo francês decidiu condecorá-lo por seus trabalhos sobre a difusão cultural às vésperas da revolução francesa. Darnton é PhD pela Universidade de Oxford e professor de história européia da Princeton University desde 1968. Conhecido no Brasil por seus livros O grande Massacre dos Gatos, Edição e sedição, Revolução Impressa e seu último trabalho Os dentes falsos de George Washington, aproxima a antropologia da história ao destrinchar as relações de significado entre os personagens famosos e as pessoas comuns. Foi um dos pioneiros no estudo da história dos livros e fundador do Gutenberg e-program, que visa digitalizar e comercializar a obra de historiadores e pensadores contemporâneos.
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“Por causa da censura e do policiamento sobre livros, qualquer livro de algum interesse tinha de que ser impresso fora da França e contrabandeado para o país” Felizmente para o historiador, apesar de não o ser para os franceses, a França era um Estado Policial no séc. XVIII. A noção de policiamento deles era diferente da nossa e realmente significava iluminar a administração. Mas a polícia tinha, por exemplo, cerca de 3 mil espiões dispersos ao redor de Paris, que colhiam informações sobre o que as pessoas estavam dizendo em cafés, cabarés, mercados e jardins públicos. E muitos de seus relatórios sobreviveram nos arquivos. Então, se você é interessado em como as idéias circulam na natureza das mídias e nos meios de comunicação do passado, a França do séc. XVIII é um ótimo lugar para estudar. Minha respos-
ta, em outras palavras, é: sou interessado em problemas e idéias, não apenas na França. Se você começa com a preocupação pelo estudo da opinião pública, a natureza da circulação da informação, o domínio dos intelectuais e escritores na História, ler o censo sobre o comércio de livros, todas essas questões, então a França é o lugar ideal para estudá-los. LH - Em seus trabalhos você afirma que a literatura “baixa” e “proibida” ajudou a espalhar os ideais dos grandes filósofos e as idéias da revolução entre as pessoas comuns. Qual era, especificamente, o papel desse tipo de literatura na véspera da revolução francesa? Darnton - A princípio eu fiz uma pergunta que soa simples, mas é, na verdade, complicada. O que os franceses liam na véspera da revolução francesa? Essa questão é difícil de responder porque estamos voltando mais de 200 anos e não temos estatísticas sobre a difusão dos livros. No entanto eu encontrei uma fonte: os arquivos de um editor e comerciante de livros que são tão ricos que acho que fornecem uma resposta razoavelmente confiável para esta questão. Esses são os documentos da
Société Typographique de Neuchâtel, um editor suíço que publicou tudo o que vendia na França. Por causa da censura e do policiamento, qualquer livro de algum interesse tinha de que ser impresso fora da França e contrabandeado para o país, de modo que havia um enorme submundo. Nesses arquivos eu encontrei pedidos de livreiros de toda cidade e vila da França e, através de estatísticas, descobri que, juntamente com escritores famosos como Voltaire e Rousseau, havia muitos escritores dos quais eu nunca tinha ouvido falar. Mas esses eram os escritores que estavam produzindo muitos dos best sellers. Então, se você se interessa pela difusão das idéias, acho que é crucial estudar, não apenas Voltaire e Rousseau, mas também os escritores de segunda, terceira linha e mesmo escritores que nunca puseram seu nome nas capas dos livros, mas que popularizaram as idéias dos filósofos. Em outras palavras, lendo os trabalhos desses escritos obscuros, vê-se o que os franceses chamam de vulgarização, a adaptação das idéias do Iluminismo para o gosto do público leitor geral. Esse é um jeito de levar o estudo das idéias para dentro do estudo das pessoas comuns. É um tipo de disciplina que eu chamo de Família Camponesa, óleo sobre tela -Irmãos Lê Nain – Museu do Louvre, Paris
Leituras da História - Você disse que decidiu estudar a Revolução Francesa porque é interessante é importante como história. Isso explica muito. Mas por que não Grécia Clássica ou Renascença, períodos de igual importância para a História? Robert Darnton - A escolha do assunto por um historiador é sempre meio misteriosa. Tenho que olhar para o meu tempo de estudante para responder a questão. É verdade que eu amo a França e os franceses, então há uma atração aí. Porém, o elemento adicional, é o fato de que os arquivos na França são tão ricos, comparados com todos os outros países, que você pode explorar as questões em um contexto francês que é impossível de explorar em outros países e outros períodos da História.
No período que antecedia a revolução as colheitas foram desastrosas e o deficit público aumentou enormemente, o que fez o preço do pão subir às alturas e os camponeses serem sobretaxados. Leituras da
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Em termos da revolução nada é mais poderoso do que a queda dos símbolos. A queda da Bastilha, que fez do dia 14 de julho a festa nacional francesa , ratificou a queda do despotismo e foi saudada em todo o mundo como o princípio da libertação.
Charles Gravier, o conde de Vergennes - Wikipedia
Eric Hobsbawm em A Era das Revoluções
Charles Gravier, o conde de Vergennes (1717 – 1787) atuou como Ministro das Relações Exteriores de 1774 a 1787 e firmou uma custosa aliança com os norte-americanos em sua guerra de independência, levando o estado francês à bancarrota
“história social das idéias” e, de novo, a França é um lugar excelente para desenvolver essa disciplina, porque você pode ver como as idéias realmente penetram nos tecidos da sociedade. Muitos desses escritores de segunda, terceira, quarta linha e esses livros relativamente obscuros foram cruciais para a popularização dos princípios do Iluminismo. Alguns desses livros deles eram, na verdade, livros pornográficos, como diríamos hoje. Claro que a palavra pornografia não existia no séc. XVIII, mas havia um conceito de obscenidade e corporalidade, e por aí vai. O exemplo que eu às vezes aponto é um livro chamado Therese Philosophie, Teresa filósofa, e seria classificado hoje como um livro pornográfico “hardcore”. Ele contém muito sexo. Mas, entre as orgias, os parceiros sexuais, com o intuito de juntar forças para a próxima rodada de sexo, têm conversas de travesseiro. Isto é, eles discutem coisas sobre
Todos com alguma importância na França tinham um escrito sobre sua privacidade. A maioria dos títulos era “A vida privada de...” Luis XV ou XVI ou Vergennes, o ministro do exterior, afinal, todos têm vida privada.
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as quais são interessados, e essas coisas são filosofia. Na verdade eu até achei tratados abstratos de metafísica que estavam inseridos entre as cenas de sexo. Isso significa que um leitor que pode estar interessado em pornografia ou literatura erótica se encontrará de fato lendo filosofia iluminista sem ao menos esperar por isso. Por isso eu acho que devemos estudar a literatura que realmente atingiu a maioria dos leitores e que freqüentemente re-trabalhou os conceitos mais abstratos de um modo que era acessível às pessoas. Acredito que foi assim que as idéias se difundiram. LH - Você diria que essa literatura foi um importante gatilho para a revolução ou apenas mais um elemento? Darnton - Creio que de muitas formas essa literatura agiu como gatilho e de outras formas preparou indiretamente o público leitor para uma mudança maior em seu sistema de valores. Então é uma resposta dupla que eu ofereceria para a questão. O primeiro caminho é um pouco complicado para se argumentar sobre e, na verdade, é o assunto de um livro que acabei de escrever, mas ainda não foi publicado. É um livro sobre
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A propriedade privada introduz a desigualdade entre os homens, a diferença entre o rico e o pobre, o poderoso e o fraco, o senhor e o escravo, até a predominância do mais forte. O homem é corrompido pelo poder e esmagado pela violência. Jean Jacques Rousseau
Luis XVI é reconhecido em Varrenes - gravura de Camille Pelletain
calúnia. A literatura de difamação pela qual as pessoas mais famosas da França eram caluniadas, difamadas e jogadas na lama pelos escritores. Eram ataques à vida privada do ministro, do rei, da rainha. Todos com alguma importância na França tinham um escrito sobre sua privacidade. A maioria dos títulos era “A vida privada de....”e poderia ser Luis XV ou XVI ou Vergennes, o ministro do exterior, afinal, todos têm vida privada. Então esse é um tipo de literatura de escândalo que é freqüentemente obscena e Voltairiana. Mas esses são atos transtornados de figuras políticas e acho que esses efeitos diretos realmente causaram danos sólidos. Isso é jogar lama na coroa. Mas tam-
“Foi assim, que o antigo regime começou a cair; as pessoas perderam a fé nos seus líderes de estado. Houve uma perda de legitimidade por parte da coroa” bém arruinou a reputação de ministroschave nos anos de 1780 na véspera da Revolução Francesa. Portanto, quando questões políticas ocorreram em época de grande crise, como ocorreu em 1787/88, os elementos-chave da política
viram sua reputação arruinada. Eles de fato aplicaram, em alguns casos, reformas políticas que teriam talvez evitado a revolução ou, ao menos, minimizado o conflito. Mas suas políticas não ganharam o apoio do público. Eu argumentei, nesse e em outros livros, que a razão pela qual as políticas não ganharam o apoio do público foi porque a opinião pública tinha se virado contra a corte, os ministros-chave e até contra o rei e a rainha, como conseqüência desse tipo de literatura. Foi assim, então, que o antigo regime começou a cair; as pessoas perderam a fé nos seus líderes de estado. Houve uma perda de legitimidade por parte da coroa, e essa não é a causa, é parte da causa da revolução francesa. Mas, é claro, havia muito mais do que isso. E eu ainda sou um dos que acreditam que havia um conflito de classes, se você quer chamar assim. Eu certamente acredito que o preço do pão foi crucial para a chegada da revolução. Mas havia uma completa constelação de fatores que vieram juntos, em 1787/88. A opinião pública era um deles. Porém, eu acho que é um dos menos compreendidos pelos historiadores; portanto, a história do livro, a história da comunicação, o estudo do público e o estudo dos sistemas de informação são um novo ingrediente, um novo tipo de assunto que eu espero que nos ajude a entender melhor esse evento da maior importância para a história européia. LH - Em uma de suas entrevistas
Luis XVI assumiu o Estado francês já em crise financeira e institucional, mas não conseguiu conduzir as reformas necessárias Leituras da
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comuns. Então eu acredito que os comuns tinham mentes, eram inteligentes e, dessa forma, se pode fazer uma história intelectual de não intelectuais. Tentar entender o mundo mental no qual eles viviam e, nesse sentido, fazer contato com eles. Mas não através de alguma misteriosa intuição mágica. É uma coisa que os alemães chamam de Eintrudell, sentir-se dentro da vida de alguém. Para mim, isso é besteira e é romantismo, mas eu realmente acho que uma história regular das mentalidades é possível usando técnicas antropológicas básicas e trabalhando duro sobre os arquivos. LH - Hoje em dia podemos ver
realizadas no Brasil, você disse, baseado no livro de Gogol, que a História é uma tentativa de entrar em contato com as “almas mortas”. O que exatamente você quis dizer com isso? Darnton - Quando eu falei sobre a História como a história das almas mortas, citando Gogol, o autor russo, eu não quis parecer um romântico. Não sou um crente no romantismo que possa ter um contato quase mágico com a morte. O que eu quis dizer foi algo muito diferente. É que a maioria da humanidade simplesmente desapareceu sem deixar traço algum. Mas o historiador adentra os arquivos e consegue encontrar evidências sobre não simplesmente a existência de pessoas comuns do passado, mas como eles pensaram e como sentiram. Isso é uma sensação extasiante e faz o tipo de história que eu espero escrever, o que os franceses chamam de histoire totale, uma história total, uma que não apenas envolve a elite, mas também as pessoas
“Penso que o historiador moderno tem de ser um antropólogo, sociólogo e um economista, e olhar para todos os aspectos da vida”
Luis XVI é reconhecido em Varrenes - gravura de Camille Pelletain
Mesmo tendo habilidades administrativas razoáveis Luis XVI não conseguiu antever o colapso do antigo regime ao ponto de poder evitá-lo
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muitos trabalhos ditos como trans-disciplinares, algo que muitos chamam de “estudos culturais”. O que nos permite chamar uma área dentro das ciências humanas de história, por exemplo? Não há um traço positivista por trás dessa denominação? Como você se posiciona em frente a essas fronteiras? Darnton - Eu mesmo sinto que o mundo acadêmico é dividido arbitrariamente nessas disciplinas que podemos reconhecer em um campus americano. De fato, é possível ver isso na paisagem dos prédios. Você tem um prédio no qual as pessoas fazem História, outro onde estudam sociologia e um outro é literatura. Mas, na verdade, para mim, todas essas coisas vêm juntas e eu não acho que haja uma fronteira clara que as separe. Certamente, no período que estudo, os séculos XVII e XVIII, ninguém jamais ouviu falar de sociologia
ou antropologia e as atividades das pessoas envolviam coisas que chamaríamos de “literatura” ou “filosofia ou “arte” ou “arquitetura” assim como política e até economia. Eles estavam vivendo em um mundo onde essas fronteiras não existiam. E, para entender seu mundo penso que o historiador moderno tem de ser um antropólogo, sociólogo e um economista, e olhar para todos os aspectos da vida. Então, se sua questão foi se como historiador eu sinto que as fronteiras são artificiais, a resposta é absolutamente sim, eu acho que são artificiais. LH - Você poderia falar mais sobre sua relação com o trabalho de Elias e Bourdier? Eles te ajudaram a entender... Darnton -Eles não apenas me ajudaram. Foram meus amigos; e colaborei com eles e inclusive trabalhei com eles. Alguns mais que outros. LH - Mas qual é sua relação com eles enquanto atravessa essas barreiras e como você usou semiótica com isso? Darnton - Sou muito simpático ao estudo de sistemas simbólicos e geralmente deixo a teoria implícita, não explícita. Meu contato com a semiótica tem sido largamente através do trabalho de antropólogos como Clifford Geertz. Ele e eu ensinamos em um seminário sobre História e antropologia por mais de 20 anos. Nós colaboramos nas nossas docências em Princeton e nos tornamos amigos muito próximos. Eu li todos os seus livros e discutíamos o trabalho que estávamos preparando. Ele me deu alguma educação informal sobre antropologia, mas era um tipo semiótico de antropologia, que tomou sua inspiração definitiva de Max Weber, que era no sentido de entender sistemas de significado. Mas significado transmitido não apenas através de tratados filosóficos, mas através de gestos e símbolos dispersos pela paisagem, cerimônias, ou meios de comunicação que freqüentemente eram não verbais. Para mim, isso foi
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Ajoelhai-vos, minha filha, e descobri essas partes da carne que são o motivo da cólera de Deus: a mortificação que elas sentirão unirá intimamente o vosso espírito a Ele. Eu vos repito: esquecei-vos e abandonai-vos. Trecho de Teresa Filósofa – autor desconhecido
que um semioticista pode fazer porque pode entender o jeito como os símbolos são; como entendidos pelos semioticistas, eles não são representantes de uma coisa particular, são multifocais. Parte da natureza da comunicação simbólica é um tipo de movimento de um significado para outro e é aí que a piada geralmente se apresenta. Capturar a multifocalidade dos símbolos é grande parte da pesquisa que faço. No caso da antropologia a influência, eu acho, foi direta e tenho sido muito inspirado por não apenas Clifford Geertz, mas muitos outros antropólogos que tenho lido ao longo dos anos. No caso da sociologia, eu era um bom amigo de Pierre Bourdieu, de quem o trabalho é bem conhecido no Brasil. Ele e eu nos tornamos amigos próximos e tivemos muitas discussões e ele me pediu para escrever para sua revista e me juntar a seu conselho editorial. Então vi que ao
Dança de aldeões franceses - gravura de Jean Austen
crucial e eu tentei aplicar no livro que eu nomearia de “O grande massacre dos gatos”. Este é um livro no qual o gesto de primeiro massacrar os gatos foi um jeito de fazer um protesto social e cultural que põe trabalhadores contra seus chefes. Não apenas eles massacraram os gatos e os puseram sob julgamento, condenando-os e então os matando, mas eles repetiram essa epítome em sua oficina. Claramente foi algo muito importante para eles e que acharam muito engraçado. Antropólogos estão tentando ‘hackear’ uma cultura, entrar no sistema de significados. Eu acho que é como entender uma piada em outra língua. Sua língua é muito boa, mas você pode achar difícil entender piadas quando são contadas em inglês. Quando falo línguas estrangeiras e ouço uma piada, freqüentemente não entendo. Mas acho que estudar culturas alienígenas é como isso, como entender uma piada. Isso é algo
As melodias de canções populares eram preenchidas com letras antimonarquia, ajudando a minar a legitimidade do governo Leituras da
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O governo revolucionário merece toda a vossa atenção; se ele for destruído hoje, amanhã a liberdade não mais existirá... Maximilien de Robespierre em discurso de 1794
Retrato de Maria Antonieta - óleo sobre tela de Adelaida-Labii Girar
longo dos anos eu usei muito das idéias de Bourdieu desenvolvendo também o meu trabalho. Não era exatamente uma aplicação direta, mas uma sensibilidade para o que Bourdieu viu não como semiótica, mas como sistemas de poder, porém expresso simbolicamente. Fiz muitos trabalhos sobre a posição de escritores e intelectuais na França do século XVIII e em muito disso foi aplicando o conceito de Bourdieu de Champs intellectuel, Deu champ literelel”. Ele tem uma série de expressões para olhar a vida cultural não só como um sistema de instituições, mas um tipo de campos de poder, com posições particulares alinhadas sobre e contra, o que ele chama de “bens simbólicos”, em outras palavras um tipo de sistema de prestígio pelo qual estão competindo dentro dos campos. Eu poderia ir em frente. Acho que poderia pegar a sociologia de Bourdieu e então aplicá-la no séc. XVIII criar um sentido na oposição entre, digamos, Voltaire e Rousseau de uma forma que fosse útil. Então, eu me vejo sem ao menos intencionar
Maria Antonieta era vista pela população como frívola e superficial. Para os revolucionários, representava a opulência injusta da monarquia 12
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aplicar uma visão semiótica ou uma variedade semiótica de antropologia e uma variedade quase semiótica de sociologia para a minha pesquisa atual.
“Não existiam jornais da forma como os conhecemos, como periódicos que falam sobre os principais eventos e as personalidades públicas. Isso era tudo tabu” LH - Em uma entrevista anterior você disse que seu desejo seria viver numa Republique des Lettres (república das letras). Qual você acha que é o futuro dos livros e qual o papel da internet nessa república? Darnton - A França setencentista é fascinante por causa do censo muito elaborado. Existia um sistema que eles chamavam de privilégio, digamos; periódicos tinham que ter privilégios garantidos pelos reis e servos. Não havia jornais independentes com algum conceito de notícia. Na verdade, não existiam jornais da forma como os conhecemos, como periódicos que falam sobre os principais eventos e as personalidades públicas. Isso era tudo tabu. Nesse país, um dos maiores e mais poderosos da Europa, havia um interesse crescente naquele tipo de evento. Mas aquele interesse não seria satisfeito por nenhum periódico legal. Então, voltou-se para o submundo onde havia uma série de muitos manuscritos, folhetos que circulavam embaixo dos
panos, como dizemos, e eles eram escritos muito rapidamente por, novamente, personagens marginais, escritores desconhecidos, e então, algumas vezes, impressos. Alguns sobreviveram nos arquivos e alguns sobreviveram nas livrarias. E lá você poderia ter alguma noção de como as pessoas estavam tentando contar histórias sobre o mundo ao redor deles, especialmente o mundo da política, poder e conflito que era eliminado dos periódicos legais. E, na verdade, eu descobri que uma das formas mais importantes de se comunicar as notícias era através das músicas. A polícia era muito preocupada com as músicas cantadas pelas ruas que tinham um conteúdo político. Então fiz um estudo muito abrangente sobre isso; acho que não está disponível em português ainda, mas posso explicar muito resumidamente como isso operava; todos tinham em sua cabeça um grande repertório de melodias que cantavam como as pessoas fazem hoje no caso de músicas populares e comerciais. Então a música estava disponível em sua cabeça e todos os dias em Paris, no séc XVIII, pessoas escreviam novas letras para as velhas melodias e essas letras eram cantadas em voz alta por pessoas nas ruas em todos os lugares. Isso está claro pelos registros da polícia e por outras fontes. Muitas vezes você pega um novo verso escrito hoje para seguir um verso que foi escrito ontem ou antes de ontem. E existem coleções desses manuscritos. Algumas delas contêm 30 volumes. Há versos que sobreviveram e que é possível ler na coleção de manuscritos. Há um nome especial para esses documentos, eles os chamam de “chasesniérè”. Debrucei-me sobre cerca de 10 dessas coleções de músicas. Mas estudei somente o meio do século XVIII e fiquei maravilhado ao descobrir como as pessoas estavam cantando sobre eventos de
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Não se esqueçam de mostrar minha cabeça ao povo. Ela é digna de se ver!
sua atualidade. Você acha informações e comentários também. E o governo ficava bastante irritado. Então fiz um estudo específico sobre a repressão policial de uma música em particular, que era fascinante porque a chefia da polícia recebia uma ordem do governo: “encontre o autor da música que começa com....” e então eles simplesmente diziam a primeira rima da música, sua primeira parte, e eles (a polícia) tinham que, de alguma forma, rastrear a música até seu autor. Os arquivos eram tão ricos que pude seguir cada fase da identificação policial e aconteceu que a música cruzava com seis outras e a polícia descobriu que A adquiriu versos de B e B de C e C de D e assim por diante. Então era possível literalmente desenhar um mapa da difusão de toda uma série de músicas e recriar um sistema de informações como realmente funcionava, em cerca de 1750. Esse é um exemplo de jornalismo que não soa como jornalismo, soa?
“Há muitas evidências para indicar que a internet se tornou central na forma como as pessoas se comunicam” Meu ponto é que você pode estudar a história do jornalismo em uma sociedade que não tinha jornais, mas você pode dar uma olhada em outros tipos de mídia. Claro que isso envolveria um conceito bem amplo do que é jornalismo, mas acho que pode ser feito, e poderia ser feito olhando para os quadros, rumores e músicas assim como para a palavra escrita.
LH - Você diria que a internet tem hoje um papel tão importante quanto os livros tiveram no passado, na função de construir as crenças do indivíduo? A internet superou a importância dos livros no papel cultural? Darnton - É muito difícil dizer. Nós ainda estamos na fase inicial da comunicação de internet e a tentação é de ser muito dramático e dizer, “acho que a internet substituiu completamente os livros”, ou “agora a comunicação via internet é muito mais que a comunicação através da leitura”. Não acho que estamos, mas acredito que há muitas evidências para indicar que a internet se tornou central na forma como as pessoas se comunicam. E isso é uma questão de conveniência entre amigos ou para pessoas que vão às compras; você sabe, há muitos usos para a internet. Mas também é importante politicamente. Agora que a temperatura política está ficando mais quente nos E.U.A, acho que é verdade, também no Brasil, os políticos estão percebendo que a internet é uma ferramenta extremamente poderosa e agora têm websites e blogs. Eles contratam especialmente pessoas jovens que são habilidosas com a internet para tentar se apresentar para o público on-line de uma forma que costumavam reservar para os leitores. E você realmente vê isso acontecendo por todos os lugares. Então estou convencido que uma medida de importância crescente da internet é sua medida política. E a quantidade de dinheiro e tempo, energia investida por políticos tentando dominar a comunicação via internet é uma prova do quão importante ela se tornou. Agora, se você quiser ir além e dizer para as pessoas, “vamos parar de ler livros”....não acho que esse seja o caso. Na verdade, acho
Retrato de Jean Jaques Rousseau - Allan Ramsay
Georges J. Danton, líder revolucionário antes de ser guilhotinado
Jean Jaques Rousseau inspirou os revolucionários ao afirmar em seu livro Do contrato social que a sociedade é baseada em convenções e que, antes de um contrato de submissão, o povo deve ter um contrato de associação com seus governantes
que no futuro, agora vou arriscar uma profecia, o futuro envolverá os livros. Bill Gates mesmo disse que ele nunca lê mais do que 4 páginas na tela de seu computador; ele as imprime. Acho que os livros, no futuro serão transmitidos eletronicamente, mas será devido a uma nova tecnologia de impressão e compra de livros. Desse modo você pode pedir um livro e ter todo o seu papel de volta instantaneamente. Isso já está começando a acontecer. Há algo chamado “impressos sob demanda” o que significa que as editoras não têm que estocar um grande número de livros, elas apenas guardam a cópia eletrônica e quando alguém reserva um livro, comunica o pedido eletronicamente e a editora imprime e cola tudo junto. Então eu vejo um tipo interessante de futuro. Acho mesmo que há uma crise nesse campo, mas acredito que a saída dessa condição serão as publicações na internet. Creio que teremos ambas as mídias, eletrônica e impressa. Leituras da
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