ROCHA, Francisco . Figurações do ritmo: Da Sala de Cinema ao Salão de Baile - Representações da Modernidade na Metrópole Paulista - 1930-1950. São Paulo: Universidade de São Paulo, FFLCH-2007. (tese de doutorado)

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL

FIGURAÇÕES DO RITMO Da Sala de Cinema ao Salão de Baile Paulista

Francisco A. Rocha

Tese apresentada como exigência parcial ao Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, para a obtenção do título de Doutor em História Social. Orientadora: Prof.a Dr.a MARIA HELENA R. CAPELATO.

São Paulo 2006

Abstract This research concerns the diffusion of a particular repertory and musical aesthetic related to dance and the balls in the context of São Paulo’s modernization. We focus particularly on the moment that a new centrality emerged in the cityscape, between the 1930’s and 1950’s. In this context, the musicality has been blended with some representations of the Modern as well as has improved in the urban imaginary certain ideas related to progress and modernity. We search for the meanings of this musical repertory in relationship to the “experience” of the cinema and certain spaces of dancing.

Resumo

Essa investigação analisa a difusão de determinado repertório e estética musical imbricados ao fenômeno da dança, no contexto de modernização de São Paulo. A análise apreende o sentido desse repertório no entrecruzamento da “experiência do cinema” e de certos espaços da dança. Particularmente, abordamos o momento em que uma nova centralidade redesenhou sua fisionomia urbana – grosso modo, entre meados de 1930 e 1950. Nesse cenário, tal musicalidade, não apenas se mesclou de maneira singular às representações do moderno, como também fomentou no imaginário da metrópole emergente certo ideal de progresso e modernidade.

Agradecimentos

Muitas pessoas, direta ou indiretamente, contribuíram na realização deste trabalho; a todos, minha gratidão. Em primeiro lugar, agradeço à professora Maria Helena R. Capelato, pela orientação, confiança, pelo carinho com que me acolheu no Departamento e por todo apoio recebido, ao longo desses anos. Ao professor Elias Thomé Saliba, pelas nossas conversas, tão importantes para mim, e pelo seu bom humor. A professora Tania Regina de Luca, pelo entusiasmo manifestado pelos meus estudos. A Tamiko, pela simpatia e boa vontade com que me auxiliou na pesquisa dos documentos no acervo da Biblioteca Mário de Andrade. Ali, também pude contar com a colaboração do Sr. Adelício, a quem expresso meus sinceros agradecimentos. Na Biblioteca da Faculdade de Direito da USP, fui da mesma forma acolhido pelos funcionários, em especial Luciana. A todos aqueles que se dispuseram a conversar sobre os bailes e as orquestras, dançarinos e músicos, sem os quais, dificilmente, teríamos ensaiado os primeiros passos nessa trilha. Agradeço, ainda, à minha família e a todos os amigos, entre eles especialmente aos meus colegas professores Ed, Ed Quarenta, Jair, Nanci e Rui, com os quais compartilhei alegrias e angústias nesse percurso. A Cleide e Soraya, pela amizade e valiosa colaboração. Ao Nilton, pela amizade e ajuda no trabalho de editoração. A todos os colegas da pós-graduação, em especial ao amigo Marcelo Pedro. Também registro aqui minha eterna gratidão à Dona Antonieta. A Cris, todo o meu reconhecimento e carinho.

Índice Apresentação A Descoberta do Salão de Baile e das Orquestras Introdução.................................................................................................... ....5 Capítulo I Do Triângulo ao Quadrilátero do Glamour O Triângulo: o primeiro ato do ensaio sobre o orgulho da estirpe......... Novo Viaduto do Chá: a caminho do Quadrilátero do Glamour............. Plano de Avenidas: a nova fisionomia da cidade................................... Hotel Esplanada..................................................................................... O glamour dos bailes do Hotel Esplanada.............................................

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Capítulo II O Eclipse do Herói da Velocidade Clássica Chuva de prata no IV Centenário........................................................... O estrondo sônico: a quebra da barreira do som................................... Na era da aviação pelas asas da Panair............................................... Vôo em alta velocidade......................................................................... No cinema: o som dos Cometas de Bill Haley....................................... Voando para o Rio................................................................................. Alegorias da dominação........................................................................ O balé aéreo ao som do foxtrote........................................................... Um monumento ao progresso: a inauguração de Congonhas..............

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Capítulo III O Palácio do Cinema e a Onda Sonora No firmamento da cidade: uma super constelação de estrelas............. Os palácios do culto ao prazer.............................................................. A magia da música na tela e nos alto-falantes dos cinemas................. A onda sonora sobre a metrópole moderna........................................... O jazz e o desenho da onda sonora...................................................... O glamour da “América” em ritmo de foxtrote........................................

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Capítulo IV Dançando o Foxtrote Cheek to Cheek: a dança sensacional que São Paulo irá aprender...... Dançando foxtrote.................................................................................. O glamour do American Way of Life...................................................... Foxtrote no Mappin e avant-première no Art Palácio............................. A Broadway em São Paulo.................................................................... Na Avenida Ipiranga: um monumento ao cinema.................................. Dîner-Dansant junto às estrelas............................................................

181 192 200 211 221 225 232

Capítulo V Ao Som das Grandes Orquestras A era das big bands............................................................................... Glenn Miller: o mito da era das big bands............................................. A “Música Moça e Moderna”: o culto das big bands no Brasil.............. No estilo de Hollywood: a abertura do I Festival Internacional de Cinema do Brasil ................................................................................... Uma recepção para as estrelas e astros do cinema .............................

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Considerações Finais..........................................................................

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Fontes Documentais e Bibliografia...................................................

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APRESENTAÇÃO A Descoberta do Salão de Baile e das Orquestras A cidade e a música passaram a integrar o meu repertório a partir da pesquisa que realizei sobre o cancionista e radiator Adoniran Barbosa, relativa à minha dissertação de mestrado (2002). Nesse trabalho, inspirado em textos teóricos de autores como Michel de Certeau, entre outros, compreendemos a obra de Adoniran como uma estratégia peculiar de apropriação do moderno. Assim, consideramos a sua poética a partir de representações que narravam a metrópole, captando exatamente aquilo que era silenciado pela história oficial. Essa, construída no contexto de intensa expansão urbana de São Paulo dos anos 1940-1950, anunciava a cidade como “progresso e trabalho”, um ícone da modernidade brasileira, enfim a superação do “atraso” do país. Adoniran, narrador da metrópole, iria retratá-la exatamente na contra-mão desse discurso. Sua inventividade comportaria, dessa forma, aquilo que Certeau assinala como microrresistência. Essa pesquisa suscitou minha sensibilidade em relação a determinados aspectos do cotidiano que, de outra forma, acredito, passariam despercebidos. A experiência descrita a seguir contém o espírito dessas descobertas, dirigindo meu interesse para um determinado repertório musical, ligado às grandes orquestras de dança. Tais grupos musicais correspondem à voga dançante que se difundiu em São Paulo, concomitante ao processo que a transfigurou em uma metrópole. O fato se passa no ano de 2001. Na época, lecionando numa escola próxima ao metrô Barra Funda, na Avenida São João, comecei a observar uma série de cartazes colados nos postes e paredes que anunciavam bailes animados por orquestras e conjuntos musicais. Um deles me chamou especial atenção: tratava-se de um baile dos anos dourados, com a fabulosa orquestra do maestro Osmar Milani. O evento ocorreria no Clube Piratininga, em uma quarta-feira, a partir das dezoito horas. Além de indicar o endereço, Alameda Barros, próximo à Avenida Angélica, o cartaz sublinhava uma observação importante: traje social. Na data anunciada, lá estava eu, na minha desajeitada elegância, assistindo ao desfile triunfal de inúmeras damas em suas toilettes

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glamorosas e de cavalheiros distintamente trajados. Uma cena muito interessante, pois, ainda em plena luz do dia, senhoras e senhores em trajes de noite adentravam o salão do clube. Por volta das dezoito horas, os músicos tomaram os seus devidos lugares no palco. Em seguida, entra o maestro Osmar Milani; ovacionado, ele agradece e deseja a todos uma maravilhosa noite, como nos bons tempos dos anos dourados, dando início, assim, ao grande baile. Durante algumas horas, Milani regeu sua orquestra, executando um repertório variado, composto de sambas, boleros, rumbas e foxtrotes, entre outros. Os arranjos, cuidadosamente trabalhados, evocavam a sofisticação harmônica das big bands, compunham a trilha que era coreografada com esmero e graça pelos casais de dançarinos.

Fig. 01 Sr. Brito, saxofonista, participou de diversas orquestras nos anos 1950, entre elas, tocou com Orlando Ferri e Eli &

Sua

Orquestra.

Formou-se

no

Conservatório Municipal de Osasco e integrou

a

banda

municipal

dessa

cidade. Hoje, com seus oitenta anos, complementa

a

sua

aposentadoria,

tocando esporadicamente em diversos lugares, inclusive como músico de rua. O nosso encontro ocorreu na Av. São João, próximo à Av. Ipiranga. Sr. Brito – Av. São João – Setembro de 2003

Nessa ocasião, ensaiei os meus primeiros passos nesse universo. Ali, pude conhecer uma comunidade de aficionados pela dança de salão e velhos músicos ligados às orquestras. Busquei aproximar-me dessas gerações, pois meu interesse voltava-se para a compreensão dessa prática nas décadas de

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1940 e 1950. À medida que a rede de contatos se ampliava, a memória social dos bailes e das orquestras daquele período ganhava profundidade, por meio das entrevistas que realizei, fazendo emergir aspectos de uma prática social intensamente difundida na cidade. Ou seja, a cidade de São Paulo, que, naquele momento, ganhava os contornos de uma grande metrópole, com mais de um milhão de habitantes, conservaria nos espaços da dança um lugar importante da instauração e manutenção das relações, enfim, da sociabilidade pertinente aos diversos grupos que a habitavam.

Fig. 02 Sra Romilda, assídua freqüentadora dos bailes da terceira idade – Abril de 2004

Cabe notar que, para essa geração, saber dançar era um dos requisitos de sua formação pessoal. Como um dos entrevistados relatou: saber conduzir uma dama no salão era tão importante quanto ter boa caligrafia. De fato, a prática da dança, animada pelas orquestras, é marcante no período. Os depoimentos chamam atenção para o fato de que o cinema e os bailes eram o entretenimento preferido dos paulistanos, além do futebol, especificamente para o público masculino. Isso explica os inúmeros salões de baile e pistas de dança espalhados pela cidade, em clubes como o Pinheiros, o Homms, o Harmonia, o Paulistano, o Espéria, o Piratininga, o Palmeiras, o Juventus etc. Mas também, em outros pontos específicos, como o salão do Aeroporto de Congonhas e o do Trianon, além daqueles que se localizavam no centro, a

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exemplo do salão do Hotel Esplanada e o do Hotel Excelsior. Cabe sublinhar que a disseminação dessa prática nos diversos grupos sociais marca a presença de salões de baile e pista de dança nas inúmeras associações profissionais, nas boates, em determinados restaurantes e, evidentemente, nos chamados taxi dancings. Essa modalidade refere-se às casas onde os cavalheiros, mediante a compra de fichas, podiam dançar com moças que eram contratadas pelo taxi dancing. Um dos mais famosos foi o Avenida Taxi Dancing, localizado na Av. Ipiranga, próximo à Avenida São João. Como nos lembraram alguns depoimentos, essas casas de dança eram espaços importantes de trabalho para os músicos das orquestras e para as dançarinas. Se o ponto de partida de nossa pesquisa deu-se com a comunidade dos dançarinos e dos músicos das grandes orquestras, os seus desdobramentos nos levaram a pensar a presença do cinema no universo dessa cultura singular. Trata-se, aqui, de compreendê-la a partir de determinada experiência de modernidade, relativa ao processo de modernização em curso na cidade de São Paulo, quando se afirmou uma nova centralidade em sua geografia, aproximadamente entre meados dos anos 1930 e 1950.

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INTRODUÇÃO A Onda Sonora No ano de 1929, Guilherme de Almeida escreve sobre uma “onda sonora” apropriando-se da cidade. A imagem tem como pano de fundo a estréia do “cinema falado” em São Paulo. A “onda sonora”, intuída pelo cronista, propagou-se no cenário estruturante da modernização dessa metrópole e da intensificação de sua expansão urbana. Ela não só aderiu aos signos de representação do moderno, como alimentou, no imaginário daquela sociedade, as representações que subscreveram certo ideal de progresso. Espécie de trilha sonora, adentrou o processo de gestação da metrópole. A vaga sonora, sugerida por Almeida, teve os seus primeiros contornos delineados ao longo dos anos 1920, ganha maior impulso nas duas décadas subseqüentes e entra em declínio em meados dos anos 1950. Sua narrativa corresponde à era de ouro do cinema, ou seja, aquela protagonizada pelos grandes estúdios de Hollywood. Também evoluiu concomitante ao momento em que a prática da dança e dos bailes ganhou a conotação de uma verdadeira instituição. Na realidade, ela produziu-se em meio ao fenômeno da dança, confundiu-se com a própria dança. Por isso, o público fruiu esse repertório com movimentos e passos que compunham seus ritmos. Cabe considerar que as orquestras existiram como protagonistas de um repertório e uma estética musical imbricados à pratica da dança. No entrecruzamento da experiência do cinema e da prática da dança, identificam-se o repertório e o sentido projetado pelas canções que compuseram a sonoridade de que nos fala Guilherme de Almeida. Elas existiram como uma espécie de ponte entre o mundo imagético construído pela narrativa fílmica e o salão de baile. É preciso, ainda, dizer que tanto a expansão da indústria fonográfica quanto a presença do rádio como importante veículo de comunicação de massa articularam-se ao fluxo impulsionador dessa musicalidade. Em linhas gerais, tais aspectos orientam nossa investigação acerca de determinado repertório musical. O contexto refere-se ao aprofundamento do processo de modernização e conformação da metrópole de São Paulo.

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Especificamente, buscamos apreender esse processo no momento em que uma nova centralidade redesenhou a sua fisionomia urbana, grosso modo, entre meados dos anos 1930 e meados dos anos 1950. A princípio, esse deslocamento espacial orientou a construção de uma possível periodização. Ao longo da pesquisa, esse marco temporal revelou-se profícuo, sobretudo por indicar articulações do repertório musical e da difusão da dança com outras práticas sociais. Essas também conheceriam o seu apogeu nas décadas em que o novo centro irradiou-se como o lugar protagonista do cosmopolitismo paulistano. Aliás, a afirmação desse espaço como um ponto de convergência das representações da invenção da cidade moderna, onde o progresso adquiriu uma moldura espetacular, estava relacionada ao fato de que essa geografia nomeou-se como território dessas práticas. A Conformação da Metrópole e a Modernidade de São Paulo Nos anos 1920, localiza-se a transmutação da cidade de São Paulo em metrópole. Nessa década, aprofundaram-se as marcas de um processo vertiginoso de crescimento, aceleração, fusão e especulação que configuraram a fisionomia da metrópole emergente. No cenário de intensa metropolização, celebram-se a dinâmica da vida moderna e um pretenso ideal cosmopolita.

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Mas também se explicitam as contradições decorrentes da forma paradoxal de como a modernidade se propõe, em nossa realidade periférica, aos centros hegemônicos do capitalismo. Aqui, a modernidade não é só o moderno e, menos

ainda,

o

modernismo.

Ela

se

constitui

simultaneamente

por

temporalidades díspares. Espécie de bricolagem, estrutura-se na combinação de diferentes tempos históricos, incorporando diversas modalidades de ritmo, relações e práticas sociais. Nesse contexto, estão em jogo estratégias reveladoras de como os diversos segmentos sociais, inseridos no processo de modernização, se apropriaram da modernidade.2 Bem como os mecanismos de 1

Ver: SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole. São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Cia. das Letras, 1992. e SALIBA, Elias Thomé. “Histórias, Memórias, Tramas e Dramas da Identidade Paulistana.”. In: PORTA, Paula (org.). História da Cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do Século XX. São Paulo, Paz e Terra, 2004, vol. 3. 2 Sobre os impasses da modernidade nas sociedades latino-americanas, ver: CANCLINI, Néstor Garcia. Culturas Híbridas: Estratégias para Entrar e Sair da Modernidade. São Paulo, Edusp, 1998; e MARTINS, José de Souza. A Sociabilidade do Homem Simples. São Paulo, Hucitec, 2000.

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poder, que aí se retraduziram e reproduziram o fenômeno da desigualdade social, que tem um peso significativo no processo de nossa formação histórica. Nessa perspectiva, o pano de fundo da modernização explicita sua singularidade e complexidade em um quadro onde a modernidade se apresenta de um modo anômalo e inacabado. No período por nós abordado, a identidade da metrópole de São Paulo tem como marca o seu crescimento vertiginoso. Sua evolução demográfica testemunha o ritmo acelerado com que a cidade ganhou os traços de uma grande metrópole. Entre 1890 e início de 1930, o crescimento populacional saltou de, aproximadamente, 65.000 mil habitantes para um milhão de habitantes. Em 1940, sua população atinge um milhão e meio de habitantes. Chega à casa dos dois milhões e setecentos mil habitantes em meados dos anos 1950. Alavancada, num primeiro momento, pelo fluxo de riqueza gerada pela economia cafeeira, no último quartel do século XIX, a cidade tornou-se um núcleo dinâmico, ampliando o seu poder político como sede da administração – provincial e depois estadual –, além de suas funções comerciais e financeiras. Fomentou-se, assim, a demanda crescente do fornecimento de mercadorias e serviços, bem como investimentos comerciais, industriais, financeiros e, evidentemente, aqueles ligados à especulação imobiliária, motivada pelo explosivo crescimento urbano. Progressivamente, na década de 1930, tem sua expansão ligada direta ou indiretamente à produção industrial. Expandem-se as atividades comerciais, financeiras, os mais diversos serviços e, em larga escala, os negócios imobiliários, impulsionados sobretudo pela frenética verticalização.3 Paulatinamente, a cidade torna-se representativa do mais importante centro socioeconômico brasileiro. Nos anos 1940, havia se consolidado como maior centro industrial latino-americano. No início de 1950, por exemplo, São Paulo gerava sozinha 50% de toda a produção industrial da nação.

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O economista Flávio Saes analisa a evolução econômica da metrópole paulista na primeira metade do século XX, relativizando o significado das duas imagens consagradas pela historiografia da “cidade do café” e da “metrópole industrial”. Na realidade, demonstra o autor, essas duas atividades econômicas compunham uma estrutura econômica muito mais complexa. Ver: SAES, Flávio. “São Paulo Republicana: vida econômica.” In: PORTA, Paula (org). História da Cidade de São Paulo – a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo, Paz e Terra, 2004.

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A partir de meados dos anos 1930, está em marcha a conformação de uma sociedade de massa no país. A capital paulista afirma-se como um dos centros mais dinâmicos das transformações que, articuladas à crescente urbanização e industrialização e à expansão dos meios de comunicação de massa – a exemplo do rádio, da indústria fonográfica, do cinema e de outros meios – reestruturariam a sociedade brasileira. Nesse contexto, apresenta-se como paradigma do desenvolvimento nacional. Vale lembrar que, durante a Primeira República, concepções ruralistas têm uma presença marcante na enunciação do projeto nacional. Com a derrocada do modelo agrárioexportador nos anos 1930, a ênfase desloca-se para a valorização da sociedade urbana, plena de dinamismo, em detrimento de um Brasil agrário “atrasado” material e culturalmente. A partir do Estado Novo, é fortalecida uma concepção do país identificada com a urbanização. Na década de 1950, a representação do urbano corresponde à hegemonia de um discurso que articula modernização, nacionalismo e urbanização no âmbito do pensamento do Estado brasileiro. A construção de Brasília, no final dessa década, representa a síntese dessa visão.4 A Onda Dançante na Estética do Jazz Já na década de 1920, em meio ao processo de metropolização em curso na cidade, São Paulo é tomada por um fenômeno novo. Articulado à sua incipiente indústria do lazer, intensificam-se amplamente a difusão da música e a proliferação dos bailes, além de ambientes de dança. Aí a presença proeminente do jazz mesclou-se ao clima efusivo do início do cosmopolitismo paulista. Ao mesmo tempo, a moda organizou um mercado favorável para o surgimento de inúmeras jazz-bands. A prática da dança embalada pelo som desses grupos musicais celebrava, assim, a modernidade na metrópole emergente. Na realidade, São Paulo, ao ser conquistada pela voga dançante, era engolfada por uma onda que emergiu nos anos 1910 e acentuou-se no pós4

Ver: DINIZ, Luís Lopes Filho & BESSA, Vagner de Carvalho. “Vocação e nacionalismo: as visões do urbano no pensamento do Estado Brasileiro (1930-1961)”. Espaço e Debates, São Paulo, Neru, Ano XI, N. º 34, 1991.

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guerra nos grandes centros dos EUA e da Europa. O fato, que reorganizou o campo do entretenimento musical, articulou o sucesso de uma música à sua capacidade de estimular a dança. É nesse cenário que o jazz, identificado como a música popular dos Estados Unidos, conhece uma expansão avassaladora e passa a influenciar toda a música ocidental. Nas décadas seguintes, o swing, das big bands norte-americanas, recompondo traços da linhagem jazzista, entraria definitivamente para a estética da música comercializada em larga escala pela indústria do entretenimento. O jazz sublinhou, assim, matizes do ritmo, da síncopa, dos elementos melódicos e harmônicos e dos timbres que delinearam o repertório dessa cultura musical. A fórmula mais duradoura gerada pela infiltração do jazz no repertório da música dançante foi o foxtrote. Até o advento do rock-and-roll, em meados dos anos 1950, o foxtrote referenciou a popularidade da música norteamericana em todo o mundo. Tal musicalidade encarnou os signos da modernidade simbolizada pelo êxito econômico e militar alcançado pelos EUA após a Primeira Grande Guerra. Nesses termos, configurou-se a trilha sonora do contexto histórico no qual a nação norte-americana emergia como modelo de civilização do mundo moderno. O canto da sereia do mito americano, em meio à onda dançante, foi embalado por essa estética musical. As grandes orquestras, espécie de evolução das jazz bands, formaramse em meados dos anos 1930, conheceram seu apogeu nos anos da Segunda Grande Guerra e entraram em declínio logo depois. Durante esse período, influenciaram, em larga medida, a musicalidade e o repertório propagado amplamente em todo o mundo ocidental. Mesmo a difusão de ritmos latinos, a exemplo do bolero, do mambo e do samba, entre outros, que teve presença marcante na construção desse repertório, foi timbrada pela influência dos arranjos instrumentais que identificaram as big bands. Tal estampa musical deu o tom da padronização da música popular intensamente comercializada na época. Em São Paulo, a expansão de indústria do entretenimento favoreceu um mercado promissor para as grandes orquestras. Diversos grupos por aqui se formaram, atuando na animação dos bailes, nas boates, bem como nas emissoras de rádio e, posteriormente, a partir dos anos 1950, na televisão. Podemos citar, entre outras, as orquestras de Georges Henry, Osmar Milani, Sylvio Mazuca, Luís Arruda Pais e Zezinho da TV.

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Se, nos EUA, o mercado das big bands decaiu logo após a guerra, entre nós, ele ainda se manteve ao longo dos anos de 1950, perdendo espaço na década de 1960. O advento de uma música mais intimista, a bossa nova, e do rock-and-roll, com suas guitarras elétricas, prenunciou o desaparecimento desses grupos musicais. Vale lembrar que a “instituição baile” manteve-se por mais algumas décadas. Naqueles eventos de caráter “solene”, formaturas e réveillon, entre outros, a presença das grandes orquestras cumpria as formalidades da etiqueta. Na atualidade, os chamados “bailes da terceira idade” ainda agregam grupos de músicos remanescentes das grandes orquestras. O Progresso como Espetáculo – O Quadrilátero do Glamour Se o jazz, em sua roupagem foxtrote, escreveu o espírito da modernidade na partitura de determinado repertório musical, os filmes de Hollywood o traduziram nas telas dos cinemas. O advento do filme sonoro no final da década de 1920, ao mesmo tempo em que corroborou para consolidar o cinema como o entretenimento mais popular da primeira metade do século XX, sintetizou em som e imagem o glamour com que se representava o progresso do mundo moderno inspirado na americanização do pós-guerra. Em 1929, o “filme falado” chega a São Paulo e passa a configurar uma nova fase da indústria do entretenimento na cidade. Concomitante ao advento do filme sonoro, inicia-se a construção de esplendorosas salas de exibição, os chamados “palácios do cinema”, na capital paulista. Tais empreendimentos irão, juntamente com os hotéis, restaurantes, comércio de luxo e outros serviços, promover, ao longo da década de 1930, a configuração de uma nova centralidade na metrópole, suplantando a região demarcada pelas ruas do Triângulo (Rua São Bento, Rua XV de Novembro e Rua Direita). O Triângulo foi palco privilegiado das práticas sociais que gravitaram em torno do ideal cosmopolita, fomentado pelo processo de metropolização da cidade nas primeiras décadas do século XX. No entanto, a partir da inauguração do Novo Viaduto do Chá, em 1938, esse cenário deslocou-se em direção à Rua Barão de Itapetininga e suas transversais. A ampliação do centro assinalou, na fisionomia da metrópole, o lugar no qual a modernização

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ganhava uma dimensão espetacular. Expressão de um poder simbólico, esse território delineia-se como ponto de convergência das representações que, naquele momento, glamorizaram a invenção da São Paulo moderna. O desenvolvimento da pesquisa O primeiro capítulo desenvolve a análise da configuração de uma nova centralidade da metrópole paulista. Nesse particular contexto histórico, desenha-se o novo lugar de irradiação das representações da modernidade. A relocação dos signos do moderno na fisionomia da metrópole emergente é analisada como moldura de um discurso que afirma a invenção da cidade moderna, celebrando o progresso como espetáculo. Trata-se de uma estratégia do exercício do poder simbólico, das classes mais abastadas – aqui, tomamos esse conceito na acepção que lhe confere Pierre Bourdieu5. Lembramos que, para Bourdieu, a luta de classes perpassa o estilo de vida e implica a escolha estética dos indivíduos. A nova territorialidade, identificada por nós como “Quadrilátero do Glamour”, ao mesmo tempo em que é nomeada como ponto de convergência da modernização em curso na cidade, será apropriada, pelos segmentos enriquecidos, como cenário da teatralização dos signos da distinção social. Cabe assinalar que a identidade do Quadrilátero articulava-se a uma série de dispositivos, voltados para o comércio de luxo e serviço da burguesia paulistana. Mas, também como já mencionamos, destacou-se como endereço das mais sofisticadas salas de cinema edificadas na capital, quando esse entretenimento figurava entre os mais populares, ao lado dos bailes e do futebol. Além disso, o lugar agregava sofisticados salões de dança, entre eles os mais importantes, o salão do Hotel Esplanada e o do Hotel Excelsior. Entrecruzam-se nesse território as diversas práticas que passaram a expressar o estilo de vida pautado pelo ideal cosmopolita em voga. Nesse contexto, explicita-se a singularidade de como esse processo iria retraduzir os mecanismos de manutenção de uma sociedade marcada por profundas desigualdades sociais. Aí, revelava-se a “moderna tradição brasileira”, para 5

BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Lisboa, Difel, 1989.

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evocarmos a análise crítica proposta por Renato Ortiz. Segundo Ortiz, a cultura massiva em nossa sociedade ordenou-se sob o signo da distinção social. Para ele, determinados setores da indústria da cultura popular de massa, nas sociedades periféricas do capitalismo, são vistos como sinal de status, o que freqüentemente se associa à própria noção de distinção.6 No segundo capítulo, elegemos alguns balizamentos temporais, como embasamento de uma reflexão que pretende investigar a experiência de modernidade articulada a música produzida pelas grandes orquestras. Grosso modo, propomos dois momentos: meados dos anos de 1950 e início dos anos de 1930. Em 1954, sublinhamos a simbologia da demonstração de uma esquadra de aviões a jato dos EUA nos céus de São Paulo. Um ano depois estreava nos cinemas da cidade o filme Sementes da Violência (Blackboard Jungle, 1955), cuja trilha sonora era composta pelo rock-and-roll de Bill Haley & His Comets. O filme prenuncia a difusão de uma nova estética musical e uma nova modalidade de dança. Tomados como indícios do declínio da “era das grandes orquestras”, os dois acontecimentos são aqui compreendidos como indicativo de uma nova experiência de modernidade em conformação naquele momento. Para tecermos as correspondências entre determinada estética musical, ligada à música dançante, e o cinema, recortamos, no início do filme sonoro, a estréia de Voando para o Rio – 1933 (Flying Down to Rio). Ainda nos referindo a essa película da RKO, tal produção é aqui analisada no plano das relações econômicas, políticas e culturais que se estabeleceram entre o Brasil e os Estados Unidos no período entre-guerras. O terceiro capítulo discute a presença do cinema na cidade de São Paulo, em especial o advento da passagem do cinema mudo para o cinema sonoro. A análise investiga a conformação de uma nova cultura musical. Tal cultura irradia-se graças ao avanço da técnica, que irá transformar as salas de cinema em um espaço cuja sedução articula-se à síntese de ver e ouvir. Concomitante a esse momento, instala-se na capital paulista o primeiro “palácio do cinema”, oferecendo à metrópole emergente um índice de distinção e cosmopolitismo. No quarto capítulo, analisamos o foxtrote como figura exemplar do glamour do mito norte-americano e de suas derivações na 6

ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. Cultura Brasileira e Indústria Cultural. 5º. ed. São Paulo, Brasiliense, 2001.

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periferia do mundo ocidental. Aqui, também nos remetemos à expansão da construção dos “palácios do cinema” na região que identificamos como “Quadrilátero do Glamour”. A estética musical das big bands e a difusão e influência de sua música entre nós, sobretudo o culto de Glenn Miller, construído nos anos da Segunda Guerra Mundial, é analisada no quinto capítulo. Finalmente, buscando referências da história cultural do moderno no Brasil, não poderíamos deixar de aludir, mesmo que de maneira sucinta, ao símbolo máximo da aspiração de modernização no Brasil nesse período: a construção de Brasília.

O Jardim de Inverno do Restaurante Fasano. O restaurante, localizado na Av. Brigadeiro Tobias, era apresentado como centro de reunião da elegante sociedade paulistana, graças ao luxo e à distinção de seus jantares dançantes. Na foto, em primeiro plano aparece sua sofisticada pista de dança – “pista de cristal, iluminada, única na América do Sul.”

Fig. 03 Revista Sombra, Nov. Dez. 1952, n º 124, Ano XII, p. 74

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CAPÍTULO I

DO TRIÂNGULO AO QUADRILÁTERO DO GLAMOUR

Fig. 04 Teatro Municipal e, à direita, o Hotel Esplanada por volta de 1928 “A história de países atrasados nos séculos XIX e XX é a história da tentativa de alcançar o mundo mais avançado por meio de sua imitação.” E. Hobsbawm

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O Triângulo: o primeiro ato do ensaio sobre o orgulho da estirpe

O ímã inevitável. - Onde é que vai? - Vou à cidade. Isto é, “fazer Triângulo”. Ginasiano, acadêmico

de

Direito,

bacharel,

jornalista, etc e tal, vão por ele. São Bento-Direita-Quinze de Novembro: roda-viva

rodando,

vivendo.

Geometricamente, sempre o mesmo; arquitetonicamente, sempre outro. Guilherme de Almeida

Fig. 05 Rua 15 de Novembro – 1902

No início do século XX, São Paulo se envaidece das linhas européias presentes em determinados pontos de sua paisagem urbana. Seja nas ações propostas para remodelação de sua fisionomia, ou no estilo de vida praticado por certos segmentos de sua sociedade, busca-se como modelo a Europa, sobretudo Paris e Londres. Os elogios, pronunciados por ilustres visitantes que aqui aportaram, sinalizam que tais esforços não eram infrutíferos. Por exemplo, a cidade causou uma agradável impressão em George Clemenceau, quando ele a visitou em 1911. Para o estadista francês, São Paulo lhe pareceu uma velha conhecida, a ponto de não se sentir no estrangeiro durante a semana de sua permanência por aqui. Segundo o arquiteto Benedito Lima de Toledo, isso

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não seria difícil de ocorrer, sobretudo se estivéssemos falando da região do Triângulo7, mais especificamente da Rua 15 de Novembro. Aí Mme. Prunier mantinha seu salão de cabeleireiro, La Grand Duchesse, Maurice Grumbach tinha a joalheria Pendule Suisse. Outros estabelecimentos ainda mostram sua pretensão com nomes como: Au Palais Royal, Notre Dame de Paris, Au Printemps, Au Louvre.

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Poderíamos acrescentar o fato de que, nesse momento, pouco restara da vila colonial que marcara a fisionomia da cidade até a sua radical transformação, motivada pela expansão da lavoura cafeeira a partir das últimas décadas do século XIX. Pivô central da malha ferroviária por ser a interligação entre o porto de Santos e as fazendas de café condutoras da abertura de novas fronteiras na província, a capital paulista atraiu um contingente significativo de imigrantes de várias regiões do Brasil e do mundo. Data do ano de 1867 a inauguração da São Paulo Railway & Co., ligando a região cafeicultora de Jundiaí ao porto de Santos. Nos anos seguintes, novas ferrovias são instaladas na província paulista, promovendo, dessa forma, a rápida expansão da rede. Em 1875, inauguram-se a Estrada de Ferro Sorocabana e a Cia. Mojiana. Como analisa Caio Prado Jr., aos poucos as estradas de ferro vão abrindo novas zonas, englobando no sistema econômico paulista um território cada vez maior. Esse fato, afirma o autor, desenvolve regiões que, por suas ligações, se tornam economicamente tributárias da capital, o que naturalmente vai se refletir no progresso de seu desenvolvimento.9 Condensa-se, assim, em São Paulo, um volume considerável de recursos, criando um novo fluxo de riquezas traduzidas em investimentos comerciais,

industriais,

financeiros

e,

evidentemente,

na

especulação

imobiliária, motivada pelo explosivo crescimento urbano.10 É esse o contexto da 7

Formada pelas ruas 15 de Novembro, Direita e São Bento, essa área iria se configurar como o centro aristocrático comercial da metrópole do café. 8 TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um século. São Paulo, Duas Cidades, 1983. p. 78. 9 PRADO JUNIOR, Caio. A Evolução Política do Brasil. São Paulo, Ed. Brasiliense, 1969. 6ª. ed., pp. 109-110. 10 Para termos uma idéia da expansão da cidade, neste período em que o café foi o produto mais importante da economia do país e São Paulo, o centro da economia cafeeira, basta observarmos a sua

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administração do Conselheiro Antônio Prado, que seria responsável pelo empreendimento do projeto urbanístico remodelador da capital, importando padrões construtivos dos países europeus, em especial da França. Afinal, tratase de pensar a cidade como um cenário à altura dos anseios da elite enriquecida com o “ouro verde”, ajustando o território urbano às estratégias dos mecanismos de representação e distinção social próprios desse extrato social. Os “Planos de Melhoramentos da Capital”, no decurso desse governo, apoiaram-se em uma legislação municipal nitidamente comprometida com o banimento dos segmentos sociais menos privilegiados do centro da cidade. Além de redesenhar as ruas centrais, tratava-se de eliminar as moradias populares – cortiços e casas operárias – dessa que era a região mais valorizada e, portanto, objeto dos investimentos. Na análise da urbanista Raquel Rolnik: Esse tipo de intervenção no território “popular” complementava o projeto urbanístico municipal de construção de uma nova imagem pública para a cidade, aquela de um cenário limpo e ordenado que correspondia à respeitabilidade burguesa com a qual a elite do café se identificava. 11

De consultor pessoal do Imperador D. Pedro II à importante figura política nos primórdios da República, Antônio Prado iria governar São Paulo durante o período de 1899 a 1910. Sua formação passava por uma longa permanência na Europa, fato que lhe possibilitou conhecer com muita intimidade as grandes capitais européias. De Paris, traz na bagagem o entusiasmo com as reformas promovidas pelo Barão Haussmann. É o historiador Nicolau Sevcenko quem nos sintetiza o projeto urbanístico do Conselheiro, que fez com que Clemenceau reconhecesse, na paisagem da capital do café, traços da cidade-luz. Para Sevcenko, essa administração iria capitalizar a riqueza do café em proveito de um projeto

evolução demográfica. Entre 1872 e 1890, o número de habitantes na capital paulista triplicou, passando de 19.347 para 64.934. Quinze anos depois, em 1905, esse número chegava a 279.000, evoluindo para 579.000 em 1920, para atingir um milhão de habitantes no início dos anos 1930. Cabe lembrar que esse crescimento demográfico resulta da imigração estrangeira. ( Ver Caio Prado Junior, op. cit., p. 122.) 11 ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo, 2 ª ed. São Paulo, Studio Nobel, Fapesp,1999. (Coleção Cidade Aberta) p. 37.

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civilizacional inspirado no urbanismo sofisticado da Paris do Segundo Império. Para isso, foram contratados os engenheiros-arquitetos Bouvard12 e Cochet, profissionais com larga experiência em serviços prestados à prefeitura parisiense e aos projetos paisagísticos das Grandes Exposições Universais. O resultado dessa intervenção urbana teria um impacto extraordinário: Praticamente tudo que restara da antiga aldeia colonial foi posto abaixo, e o conjunto da fisionomia da cidade foi reformado para se transformar numa metrópole moderna de recorte europeu. As duas colinas básicas da área central da cidade, antes separadas por declives íngremes, pântanos e o riacho Anhangabaú, foram unidas por dois viadutos em arcos de ferro, amplos e solenes, integralmente importados da Alemanha. O riacho Anhangabaú foi canalizado e sobre ele construído um elegantíssimo parque ajardinado.13

O plano de remodelação, iniciado pelo prefeito Antonio Prado, foi complementado ao longo da segunda década do século XX, nas gestões de seus sucessores: Raymundo Duprat (1911-1914) e Washington Luis (19141919). Com isso, no início da década de 20, o centro da capital paulista afigurase, em seu conjunto arquitetônico, como tipicamente europeu. Os principais espaços voltados para o Vale do Anhangabaú e ruas adjacentes apresentavam edifícios de grande porte, com fachadas rebuscadas, de gosto francês ou inglês. Não por acaso, essa região passa a ser o cenário para as atividades das camadas mais ricas da população. Na Praça Antônio Prado14, um dos

12

Além de alto funcionário da Prefeitura de Paris, Bouvard havia realizado um plano de melhoramentos para Buenos Aires. É bom lembrar que a capital argentina gozava do prestígio de ser considerada uma Paris na América do Sul, imagem do progresso que as elites brasileiras cobiçavam. 13 SEVCENKO, Nicolau. Pindorama Revisitada: cultura e sociedade em tempos de virada. São Paulo, Peirópolis, 2000. p. 79. (Obs: Na realidade, a solicitação de um projeto de remodelação urbana, centrado no Vale do Anhangabaú, feita a Bouvard e Couchet deu-se na gestão de Raymundo Douprat (1911-1914). Quanto ao Viaduto do Chá, foi reformado na gestão Antonio Prado. A sua construção data do período de abril de 1888 a novembro de 1892. De qualquer forma, o balizamento da reforma urbana que configurou os traços europeizantes da metrópole do café deve-se, de fato, à administração do prefeito Antonio Prado.) 14 Antigo Largo do Rosário, onde se situa a matriz do Rosário, construída pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos. A irmandade fora criada em 1711, pelos negros escravos que viviam em São Paulo. Na época, a região configurava-se como um lugar afastado do Centro. Para lá, o poder municipal encaminhava os doentes, para que ficassem isolados do resto da cidade. As reformas do prefeito Antonio Prado promoveram a demolição da velha Igreja do Rosário. O largo virou Praça Antonio Prado e, em 1905, o centro elegante de São Paulo ficou livre dos negros e dos seus batuques. A igreja dos negros foi para o distante Largo do Paiçandu onde está até hoje. Tais ações administrativas tinham como sustentação, entre outros aspectos, uma legislação sanitária e disciplinadora. Dessa forma, eliminava-se, dos setores urbanos eleitos para sediar as funções de prestígio, a diversidade de usos e os moradores não desejáveis.

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vértices do Triângulo, foram estabelecidos os terminais das linhas dos bondes, interligando o centro aos bairros da elite. O cronista Sylvio Floreal, pseudônimo usado pelo jornalista Domingos Alexandre, desenha um retrato muito interessante, no começo dos anos vinte, do chamado footing praticado nas ruas do Triângulo, particularmente na Rua Direita, aos sábados à tarde. Em tom irônico, o escritor surpreende a avalanche de homens e mulheres que nessas tardes tomam o passeio público como palco para a encenação de sua graça e infinita vaidade. Se a massa se mostra diversificada em seus trajes e gestos, ela se iguala na busca por ostentar o seu garbo e a sua frivolidade. Passam elegâncias improvisadas, atitudes berrantes, postiças, gestos imitados e decalcados, maneiras forçadas, exóticas, e mesuras, tiques, sestros e cacoetes plagiados de afogadilho, à última hora, de outras civilizações e diferentes povos. É uma galeria de filáucias, uma feira de contrastes, um mostruário de figuras humanas todas ciosas por patentear a riqueza monetária, o falso orgulho da estirpe, ou, então, simplesmente, o aplomb da indumentária. É uma perfeita orgia de exibições, onde não falta o mínimo detalhe, o mais imperceptível adereço exigido pelo pedantismo imperativo do código do bomtom e das normas escorreitas da burguesíssima urbanidade. 15

Satírico, o cronista continua em seu flagrante e, com agudeza de espírito, guia nossos olhos, revelando o ardil das coquetes. A fina flor da paulicéia desfila nas tardes de sábado, encena o seu encanto, a sua sedução, e deixa no ar o frisson, embalado pelos foxtrotes saltitantes à jazz-band, que, naqueles anos 1920, tal qual nos fala Floreal, podia-se ouvir nos diversos salões dos cafés e confeitarias espalhadas pelas ruas do Triângulo, a exemplo da Confeitaria Fasoli16, com sua requintada decoração art-nouveau, localizada na Rua Direita.

15

FLOREAL, Sylvio. Ronda da Meia-Noite. São Paulo, Paz e Terra, 2003, vol. 2. (Coleção São Paulo) p. 102. 16 O primeiro endereço da Fasoli foi à Rua 15 de Novembro. No ano de 1900, a confeitaria mudou-se para a Rua Direita. Fundada por André Fasoli, passa, nesse ano, às mãos dos srs. Pelegrini e Zanata, os fundadores do Chocolate Lacta. A reforma do prédio para as novas instalações da Fasoli esteve a cargo dos arquitetos Tomaz Bezzi, autor do projeto do Monumento à Independência, e Cláudio Rossi. Este trabalhou no projeto do Teatro Municipal. A decoração do edifício ficou a seu cargo, e ele acompanhou a confecção das obras de arte na Europa e supervisionou seu embarque para o Brasil.

19

No intuito de comprar qualquer coisa e mostrar ao mesmo tempo o fulgurante das toilletes, vão passando também os mais perfeitos espécimes da beleza feminina dessa capital. Os decotes, esplendidamente exagerados, põem uma nota furtiva de saboroso escândalo, que faz com que os homens revirem cupidamente os olhos na ânsia indiscreta de prelibar um pecado. As mulheres, sempre pródigas e magnânimas, exibem, o mais que podem, as suas curvas provocadoras. Distribuem-se pelos olhos, mercadejam-se pelos sorrisos e destilam através do véu ultra-sutil do pudor, a graça e a coqueteria: duas armas poderosas e pérfidas, com as quais vencem e dominam segundo o ditame dos seus caprichos.17

Ainda no mapa do Triângulo, vamos encontrar um endereço que, durante algumas décadas, teve como propósito atrair a elite paulistana. Essa gente habitava os luxuosos casarões do bairro dos Campos Elíseos, da Avenida Paulista e de Higienópolis, circulava pelas confeitarias do Triângulo e moldava seus gostos segundo a moda de Londres e Paris. Trata-se das lojas Mappin, ou Mappin Stores, como se chamava na época. Inaugurada em 1913 – e, assim como as Galeries Lafayette representam Paris –, o Mappin tornou-se um símbolo de São Paulo, presente, ainda nos dias de hoje, no imaginário das gerações mais velhas, em cuja memória cintila seu famoso Salão de Chá. De propriedade britânica até 1950, a loja percorre um itinerário emblemático do processo de transformação da cidade, que implicou a configuração de uma nova centralidade em meados dos anos 1930.

17

Ibid., p. 103.

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Fig. 06 Praça do Patriarca. À esquerda, Mappin Stores, onde ficava a casa do Barão de Iguape – 1927

Em sua inauguração, o Mappin situava-se na Rua 15 de Novembro, a artéria mais elegante da cidade. Ali, atende aos anseios da elite endinheirada, ávida pelo consumo dos artigos de luxo, que representassem um estilo de vida importado, junto com as últimas novidades, das capitais londrina e parisiense. Como era anunciado, no estabelecimento destacam-se “os últimos modelos de linhas impecáveis, de um modernismo sadio e atraente”. Em 1919, a loja encontraria um novo endereço, ainda na região do Triângulo, na esquina onde, mais tarde, em 1923, ia situar-se a Praça do Patriarca. Instala-se numa das mais aristocráticas mansões da época: o prédio conhecido como “a casa do Barão de Iguape”. Esse edifício fora projetado por Francisco de Paula Ramos de Azevedo, como sabemos, um arquiteto influente e responsável pela introdução de modelos arquitetônicos europeus em São Paulo. Aliás, as reformas exigidas para as novas instalações foram realizadas também pelo

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escritório de Ramos de Azevedo. Nos anos de 1920, o Mappin distinguia-se como uma das lojas de maior requinte de São Paulo, ostentando, em seu interior, o refinamento dos grandes magazines europeus. Todo esse luxo começava antes mesmo de damas e cavalheiros adentrarem as dependências da loja. Basta observarmos o procedimento adotado para a recepção dos clientes, que, ao descer dos veículos, eram recebidos pelo porteiro impecável em sua farda:

“De guarda-sol em punho, para proteger o visitante do sol ou da chuva, o porteiro o conduzia a uma recepcionista, que, por sua vez, o encaminhava ao vendedor. O cliente era então instalado numa das pequenas salas de estar que se espalhavam ao redor da loja. Ali, um primeiro vendedor auscultava seus desejos e preferências, enquanto um segundo vendedor (a hierarquia era semelhante à das corporações medievais) trazia e levava as mercadorias. Ao mesmo tempo em que se desenvolvia esse ritual, um garçom ainda cumulava o cliente com o oferecimento de chá, café ou delicados petit-fours.” 18

No final dos anos 1930, a loja migraria mais uma vez. Agora, atravessando o Viaduto do Chá, muda-se para um dos primeiros prédios art déco paulistanos. O novo endereço do Mappin é o edifício projetado pelo arquiteto Eliziário Bahiana, situado na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal. Trata-se de uma construção de linhas retas e limpas, ressaltando o jogo equilibrado dos traços geométricos. Até a década de 1990, quando encerrou as suas atividades, permaneceu nessa praça, na esquina da Rua Xavier de Toledo com a Rua Barão de Itapetininga.

18

ALVIM, Zuleika & PEIRÃO, Solange. Mappin Setenta Anos. São Paulo, Ex Libris, 1985. pp. 63 e 64.

22

Fig. 07 O Mappin atravessa o viaduto. Anúncio publicado no jornal O Estado de S. Paulo – 09.04.1939. p. 11

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Novo Viaduto do Chá: A caminho do Quadrilátero do Glamour

Fig. 08 Vista do lado norte do Viaduto do Chá. À esq., o edifício Alexandre Mackenzie, sede da Light. Na esquina oposta da Rua Xavier de Toledo, o edifício, ainda em obras, projetado pelo arquiteto Eliziário Bahiana – a nova sede do Mappin Stores, construído em frente ao Teatro Municipal, visto aqui parcialmente. (final dos anos trinta)

A transferência do “endereço da elegância paulista”, em direção à Praça Ramos, ocorreu concomitantemente à inauguração das obras que mudaram radicalmente toda a paisagem do Vale do Anhangabaú. Inicia-se, é certo, pela demolição e substituição do velho viaduto que atravessava o vale. É interessante mencionar que o mesmo arquiteto Eliziário Bahiana19 assinaria o projeto do novo Viaduto do Chá. Compondo o plano de remodelação da área central da cidade, a obra foi iniciada em 1936, na gestão do prefeito Fábio Prado (1934-1938), e concluída na administração de Prestes Maia (193819

Eliziário Bahiana também projetou as novas instalações do Jockey Club de São Paulo, inaugurado em 1941, na Cidade Jardim. O Jockey, durante algumas décadas, atraiu a fina flor da elegância paulistana. Ainda do mesmo arquiteto, destaca-se no período o edifício Saldanha Marinho. Um dos primeiros arranha-céus de São Paulo, com suas linhas art déco, foi originalmente construído para ser a sede do Automóvel Club de São Paulo.

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1945). Entre outros aspectos, representa a expansão do Centro em direção à Praça da República. Com isso, as ruas que concentram o comércio e os serviços da burguesia paulistana expandem-se para a Rua Barão de Itapetininga e suas transversais. Formava-se, assim, o chamado Centro Novo. Tecnicamente, não havia motivo para a demolição do velho viaduto, projetado pelo francês Jules Martin20. A monumental ponte de 180 metros de comprimento era modelada em treliça de aço, com a parte metálica importada da Alemanha e decorada em ferro forjado. Tratava-se de um exemplar da chamada “arquitetura dos engenheiros”, como a torre Eiffel, em Paris. A obra, inaugurada em 1892, agora, por razões estéticas, deveria ser substituída; pois, como justificou o engenheiro Prestes Maia21, não se harmonizava com o propósito de modernização do Anhangabaú. Assim, reconstruído o Viaduto do Chá, a estrutura reticulada de palitos deu lugar a um grande arco de cimento armado, permitindo, como ele

idealizará,

“uma

silhueta monumental,

suficientemente esguia para não obstruir a vista”. As duas extremidades do vale eram, dessa maneira, interligadas pelo ideal de modernidade e progresso que marcariam as ações de intervenção urbana a partir dos anos 30. Dessa forma, o Triângulo se ligava ao Centro Novo por essa passagem, uma espécie de continuação da Rua Direita em direção à Rua Barão de Itapetininga.22 No final da gestão do prefeito Fábio Prado (1934-1938), em 18 de abril de 1938, sem nenhuma cerimônia, como retratou a imprensa, era aberto ao público o monumento da arquitetura moderna que viria a se tornar um dos ícones da cidade de São Paulo, o Novo Viaduto do Chá.

20

Jules Martin (Marselha, França 1832 - São Paulo, SP, 1906). Pintor e arquiteto. Inicia sua formação artística na École Superiéure des Beaux-Arts de Marseille (França). Em 1868, muda-se para São Paulo e leciona no Liceu de Artes e Ofícios. Em seu trabalho como arquiteto, além do Viaduto do Chá, destaca-se também o projeto das Galerias de Cristal do Largo do Paiçandu, inauguradas no final do século XIX. Edita a Revista Industrial do Estado de São Paulo em 1900, durante a Exposição Universal de Paris. 21 O projeto de remodelação da área central, contemplado no ‘Plano de Avenidas’, idealizado pelo engenheiro Prestes Maia previa a substituição do antigo Viaduto do Chá por um outro, de linhas mais modernas. 22 Ver: BUCCI, Ângelo. Anhangabaú, o Chá e a Metrópole. Documento disponível em versão eletrônica: http://www.spbr.arq.br/anhangabau.htm

25

Ontem, iniciaram-se os trabalhos de demolição do velho Viaduto do Chá. Logo cedo, foi interrompido o trânsito de veículo e pedestres na antiga construção, enquanto era entregue ao povo a parte já edificada do novo Viaduto. Não houve solenidade alguma. Morto o rei, viva o rei! Apenas alguns munícipes, transeuntes habituais da ponte condenada, se demoraram olhando os operários na sua faina de destruir para edificar, que o progresso da cidade exige o sacrifício dos mais tradicionais monumentos da nossa marcha através dos anos, a fim de que nenhum obstáculo se anteponha à nossa obra, e a nossa grandeza, a grandeza de São Paulo, prossiga indestrutível no espaço e no tempo. 23

O anúncio da “morte do rei” era grafado pelo ritmo acelerado da urbanização de São Paulo, ligado aos desdobramentos do processo expansão que gravitava em torno do avanço da industrialização. Os embates da gestão do espaço urbano frente às questões demandadas por essa nova condição justificaram a morte dos “velhos reis”. Pois, como explicitava a reportagem citada, a grandeza de São Paulo deveria prosseguir indestrutível no tempo e no espaço. Tal veredicto não desdenhava dos velhos monumentos, ao contrário, reconhecia a sua realeza; no entanto, a razão do progresso os condenava: Menos de um cinqüentenário bastou para que a grandeza material da cidade de S. Paulo exigisse do viaduto um serviço que ele não lhe poderia prestar, por infinitamente superior às suas forças. Não que ele, na sua armadura, fraquejasse ou tremessem os seus alicerces, mas sim que a metrópole, num crescendo de indústria e de comércio, ultrapassara todas as expectativas, a ponto de tornar-se o maior centro manufator da América Latina. Não foi o Viaduto que fracassou: foi a metrópole que cresceu. 24

23

ONTEM foi entregue ao povo de São Paulo o novo Viaduto do Chá, O Estado de S. Paulo. 19.04.1938. p. 6 – Observação: Em todos os documentos de jornais e revistas, optamos pela atualização da ortografia. 24 Idem. p. 6.

26

Fig. 09 Novo Viaduto do Chá, em fase final de suas obras. No fundo, à direita, o neon da Chevrolet prenuncia a São Paulo dos automóveis. Foto publicada no jornal O Estado de S. Paulo de 19.04.1938. p. 6

É interessante observarmos como esse discurso se inscreve no campo de determinadas representações, configurando a identidade da capital paulista, no âmbito da ideologia do progresso. Se, nos anos de 1920, como sinalizou o historiador Nicolau Sevcenko, a cidade é marcada por um alucinante ritmo de metropolização,

25

a partir dos anos 1930, o ritmo de sua expansão urbana

acelera-se ainda mais. É nesse contexto que a identidade de São Paulo assume sua representação como a cidade do progresso e do trabalho, aquela que não pode parar.26 Em 1954, quando a cidade completou quatrocentos anos, a frase: São Paulo é a cidade que mais cresce no mundo, deu o “tom” das

comemorações.

Para

os

setores

dominantes,

cujos

interesses

orquestraram o intenso processo de expansão da capital paulista, esta idéia será exaltada como progresso. Além disso, tal discurso busca legitimar São 25

Ver SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Estático na Metrópole: São Paulo, Sociedade e Cultura nos Frementes Anos 20. São Paulo, Companhia das Letras, 1992. 26 Sobre os desdobramentos ideológicos desse discurso e a construção da identidade paulistana, ver: SALIBA, Elias Thomé. “Histórias, Memórias, Tramas e Dramas da Identidade Paulistana.” In: PORTA, Paula (org.). História da Cidade de São Paulo: a cidade na primeira metade do Século XX. São Paulo, Paz e Terra, 2004, vol. 3.

27

Paulo como centro hegemônico do país, afirmando o dinamismo do seu processo de metropolização como paradigma da modernidade brasileira. Plano de Avenidas: a nova fisionomia da cidade Nas primeiras décadas do século XX, a cidade, marcada por um vertiginoso processo de metropolização, tem a sua fisionomia idealizada pelas ações de intervenção de Antônio Prado. Como assinalamos, tais ações buscaram ordenar o perfil urbano da cidade dentro das expectativas de uma burguesia desejosa de um cenário europeizante. Quando adentramos a década de 1930, a ação intervencionista do Estado iria se fundamentar no chamado “Plano de Avenidas”. Em 1930, o engenheiro e arquiteto Francisco Prestes Maia27 propõe as ações desse plano que, salvo algumas mudanças, estabeleceu-se como a matriz da conformação urbana de São Paulo ao longo de todo o século XX. O projeto baseava-se na expansão do centro em grande escala, por meio de um anel viário formado por largas avenidas circundando o centro histórico, juntamente com artérias radiais que acessariam os diferentes pontos da urbe. Compunha-se, assim, o ambicioso sistema radial-perimetral de circulação viária para a cidade. Essa intervenção incentivaria, em larga medida, o crescimento horizontal e vertical da capital paulista. Como a sua concepção não previa qualquer limitação para a expansão do tecido urbano, o esquema radial-perimetral ajustava-se às necessidades do vertiginoso ritmo de metropolização. A partir da estruturação desse sistema viário, espalhamento e adensamento foram articulados, priorizando o uso do automóvel e do ônibus a diesel. Definitivamente, o projeto de Prestes Maia sinalizaria a expressiva influência do automóvel na vida e na estrutura da metrópole paulista.28 Como vimos, o “Plano de Avenidas” articula-se a uma série de elementos dinamizadores de uma nova ordenação da cidade, onde se destacam: a consolidação do padrão periférico de crescimento urbano, a substituição do sistema de transporte coletivo baseado no bonde pelo ônibus, o 27

Embora Prestes Maia tenha sido o porta-voz mais eloqüente do projeto, a proposta foi desenvolvida em conjunto com o engenheiro João de Ulhôa Cintra. Em 1930, publicam, por encomenda do prefeito Pires do Rio (1926-1930), o celebrado Estudo de um plano de avenidas para a cidade de São Paulo. 28 Cf. MEYER, Regina Maria Prosperi. Metrópole e Urbanismo, São Paulo Anos 50. São Paulo, FAUUSP, 1991 (Tese de Doutorado).

28

enorme crescimento do número de veículos, com a conseqüente estruturação da cidade em função deste meio de transporte, a rápida e massiva renovação das edificações, gerada pela verticalização e por novas formas de intervenção dos empreendedores. Tal reordenação do tecido urbano fomentaria ainda mais as contradições, visíveis, sobretudo, na periferia da grande metrópole. 29 É certo que, quando o projeto foi proposto, todo o quadrante central e suas vias de circulação apresentavam sinais de estrangulamento, sendo necessário um conjunto de ações para reordenação do espaço da metrópole. No entanto, o Plano de Avenidas, ao reduzir toda a complexidade dos problemas de planejamento e gestão da cidade à questão técnica de remodelação de seu sistema viário, não só não amenizou os problemas existentes, como influenciaria, no decurso das décadas seguintes, a exacerbação dos mesmos e a criação de outros. A fórmula simplista em que se traduzia o projeto de Prestes Maia frente aos problemas que se pretendia equacionar é analisada no estudo sobre a cidade de São Paulo de Richard M. Morse. Tudo, como assinala Morse, reduzia-se em essência à formulação de seis grandes avenidas radiais e ao perímetro de irradiação. O autor nota ainda que, para o convencimento de seus interlocutores, o engenheiro expunha o plano com uma profusão de citações em línguas estrangeiras e fotografias de São Paulo, bem como das principais cidades do mundo. Ainda sobre os projetos de Prestes Maia, comenta R. Morse: Havia também esboços da futura metrópole, uma mistura de Roma no tempo de César, de Paris no tempo de Luís XIV e da moderna Nova York. Representavam-se viadutos oprimidos sob o peso de maciços arranha-céus; palácios sombrios e imponentes dominando vastas esplanadas; e uma espantosa miscelânea de arquitetura enfeitada, sem estética, incluindo até um estilo chinês.30

29

Cf. KOWARICK, Lúcio & BONDUKI, Nabil. “Espaço Urbano e Espaço Político: Do Populismo a Redemocratização”. In: KOWARICK, Lúcio (org.). São Paulo Passado e Presente: As Lutas Sociais e a Cidade, 2ª. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994. p. 154. 30 MORSE, Richard M. De Comunidade a Metrópole, Biografia de São Paulo. São Paulo, Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo, 1954. p. 300.

29

A

crítica,

como

vimos,

é

contundente.

Sobretudo

porque,

ao

desqualificar esteticamente o cenário vislumbrado nas ilustrações, denuncia a fragilidade técnica de um projeto que pretendia, no campo do planejamento urbanístico, controlar e ordenar o ritmo de crescimento frenético, estruturante do território da cidade naquele momento. As projeções desse “esboço de futura metrópole”, aí representadas no Estudo de um plano de avenidas para a cidade de São Paulo, não se realizaram. Para além das possibilidades dessa paisagem cuidadosamente ordenada em traços “hipermodernos”, pulsava o modo anômalo e inacabado como a modernidade se propunha na metrópole brasileira. Em nosso contexto, ela seria constituída, ao mesmo tempo, por temporalidades díspares.

Fig. 10 - Ilustração Plano de Avenidas da Cidade de São Paulo. Aquarela de Prestes Maia.

O antropólogo Claude Lévi-Strauss capta de forma muito perspicaz esse aspecto de São Paulo, ao narrar suas impressões de quando aqui viveu, em meados dos anos 1930.

30

O encanto da cidade, o interesse que ela suscitava vinham primeiro de sua diversidade. Ruas provincianas onde o gado retardava a marcha dos bondes; bairros deteriorados que sucediam sem transição às mais ricas residências; perspectivas imprevistas sobre vastas paisagens urbanas: o relevo acidentado da cidade e as defasagens no tempo, que tornavam perceptíveis os estilos arquitetônicos, cumulavam seus efeitos para criar dia após dia espetáculos novos. Bairros nasciam. Assim, ao norte cemitério do Araçá, as colinas do Pacaembu mal começavam a se urbanizar e painéis publicitários propunham terrenos à venda. Aqui e ali na cidade, cartazes evocavam atividades industriais ou políticas. Em outro enaltecia os sucessos da imigração japonesa, então em pelo desenvolvimento.31

Fig. 11 Rua da Liberdade, vista em direção ao centro da cidade – entre 1935 e 1937

31

LÉVI- STRAUSS, Claude.Saudades de São Paulo. São Paulo, IMS & Cia. Das Letras, 2002. p. 69.

31

Como vimos, a realidade subvertia o panorama idealizado no “esboço da metrópole futura”. No entanto, as ações de intervenção urbana contempladas no Plano de Avenidas, iniciadas com a nomeação do prefeito Fábio Prado (1934-1938) e intensificadas na gestão Prestes Maia (1938-1945), concorreram para a verticalização da região central. Nesse sentido, a fisionomia européia, paulatinamente, foi sendo substituída por uma feição norte-americana. Ao mesmo tempo, a remodelação do sistema viário provocou a redução ou mesmo a supressão de muitos parques, que deram lugar a novas ruas e viadutos. É interessante observar como o vertiginoso crescimento e urbanização convergem, nesse momento, para o imaginário de uma São Paulo moldada pelos elementos de uma espécie de cenário futurista, onde “gigantes de ferro e cimento armado” são serpenteados por vias expressas que coordenam a circulação dos veículos. Eis um exemplo desse aspecto flagrado na publicidade de venda de um novo loteamento.

Fig. 12 Publicado no jornal O Estado de S. Paulo de 02.04.1939, p. 19

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A composição do anúncio explicita certos elementos da representação de São Paulo como a cidade do progresso, voltada para o futuro e, portanto, moderna. Num tom ufanista, o jogo de imagens que anuncia o futuro daquela que será a “maior cidade da América” nos dá pistas da realidade que se avizinha. O Cartão Postal do Anhangabaú, com o seu elegantíssimo parque ajardinado, será substituído pela arquitetura dos arranha-céus, das grandes avenidas e das “maravilhas” da engenharia moderna, com a capacidade de construir artérias suspensas, penetrando todo o corpo da cidade, por onde flui o tráfico incessante dos automóveis, cada vez mais veloz e sem nenhum obstáculo para frear o dinamismo da urbe. Ainda sobre as transformações da metrópole paulista decorrentes do intenso ritmo de expansão urbana e da intervenção do Plano de Avenidas, coincidentemente, um dia antes da abertura do novo Viaduto do Chá, a imprensa noticiava com grande furor o trigésimo aniversário da primeira viagem de automóvel de São Paulo a Santos. A expedição32, inspirada e chefiada por uma das maiores personalidades do esporte e da vida pública de São Paulo, Antônio Prado Jr., seria celebrada como um marco do automobilismo brasileiro. A importância do evento, como destacou a imprensa, era muito mais do que celebrar um feito esportivo, tratava-se de reverenciar a nossa tradição rodoviária. Uma vez que, até aqui, somente às estradas de ferro cabia o privilégio de terem suas datas comemoradas. Um outro acontecimento ligado à paixão pelas máquinas automotivas, refere-se à construção do autódromo de Interlagos, também iniciado nesse mesmo ano de 1938. A realização da Grande Prova Automobilística São Paulo, no dia 26 de novembro de 1939, inaugurou aquele que seria o primeiro circuito especialmente construído da América do Sul. A obra empreendida pela S. A. Auto-Estrada localizava-se na proximidade de Santo Amaro, entre a represa de 32

A travessia contou com a participação de Clóvis Glicério, engenheiro; Mário Cardim, jornalista e Bento Canabarro, sertanista. Utilizando um carro Motobloc de fabricação francesa, o grupo de Prado Jr. partiu da Praça da Sé, na manhã do dia 16 de abril de 1908. A aventura durou 36 horas, através do percurso do caminho histórico que, desde a instalação da ferrovia, estava abandonado. No final da tarde do dia 17 a expedição chegou ao porto de Santos. – A TRAVESSIA de 1908 e os nomes dos pioneiros que a realizaram ficarão registrados numa placa de bronze que se inaugura esta tarde. O Estado de S. Paulo. 17.04.1938.p. 14.

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Guarapiranga e o Rio Grande. Uma região que, a essa altura, já era muito procurada pelos setores mais abastados para o veraneio de fim de semana. Para se ter uma idéia da ordem de grandeza de tal projeto, basta observarmos que o empreendimento da S. A. ocupava uma área de um milhão de metros quadrados, possibilitando a construção de uma moderna pista para a prática desse esporte, além das acomodações destinadas a um público cada vez mais entusiasta do automobilismo. Quando os pilotos fizeram os primeiros testes para a calibragem da pista, os jornalistas convidados retrataram a monumentalidade de Interlagos como destinada a ser, num futuro próximo, a maior atração turística da nossa capital. A visibilidade da pista é quase total, permitido aos espectadores sempre acompanhar os corredores com interesse e emoção... As arquibancadas, que já estão sendo construídas, terão capacidade para 200.000 pessoas, oferecendo segurança absoluta, pois estão bastante acima do nível da pista. Além das arquibancadas, será construído um parque de estacionamento para 10.000 automóveis, com ruas de 19 metros de largura, permitindo um vão de 7 metros entre cada carro. Dentro do autódromo, será construído outro ponto para estacionamento para mais 2.000 automóveis e de onde seus ocupantes poderão assistir às provas. A S. A. Auto-Estrada pretende, até outubro próximo, construir em Interlagos restaurantes, jardins, piscinas, campos de esportes, lagos, parques de diversões etc.,e, segundo nos afirmou um dos diretores, até aquele mês Interlagos terá água, luz e esgoto.33

Tais fatos denotam o lugar do automóvel na construção de certas representações da São Paulo moderna, bem como de seu papel como um dos elementos direcionadores da produção e ordenação da geografia da urbe. Se as ferrovias e os trens encarnam aspectos relevantes das representações da modernidade e do progresso de São Paulo em um primeiro momento de sua expansão urbana – e, em larga medida, isso referenciou o mapa da metrópole

33

AUTÓDROMO de Interlagos, visita à sua pista já concluída. O Estado de S. Paulo. 18/04/1939. p. 13.

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em gestação –, a partir dos anos 30, paulatinamente, o automóvel, as avenidas e as rodovias tomariam esse lugar. Isso explica por que o projeto de Prestes Maia, salvo algumas vozes dissonantes, foi amplamente creditado como um marco no progresso da cidade, uma via plausível por onde a grandeza de São Paulo prosseguiria indestrutível no espaço e no tempo. A matriz de remodelação urbana sintetizada no Plano de Avenidas concorreu, como mencionamos, para que o cenário europeizante de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, fosse preterido por outro baseado no modelo norte-americano. É nesse contexto que se dá a consolidação de uma outra centralidade que, concentrando os usos de prestígio, substituiria a região do velho Triângulo. O próprio adensamento dessa região impedia a continuidade de sua expansão, sobretudo, para atender às demandas da especulação imobiliária. Além disso, no momento em que o automóvel se afirmava como o meio de transporte preferencial das camadas de alta e média renda, os aspectos estruturais do “centro histórico” o tornavam congestionado e de difícil acesso para a elite motorizada. Concomitantemente, a substituição do bonde pelo transporte coletivo baseado no ônibus e a construção de terminais nas praças da Sé e Clóvis Bevilacqua favoreciam a sua popularização. A travessia do Vale do Anhangabaú em direção à Rua Barão de Itapetininga nos leva ao “Quadrilátero do Glamour” da São Paulo dos anos de 1940 a 1960. Grosso modo, poderíamos mapear essa área, presumindo os seus limites entre: a Praça Ramos de Azevedo e a Praça da República de um lado; e a Avenida São João e a Rua da Consolação, do outro. Aí se expandiram as atividades ligadas ao comércio de luxo, à vida noturna, ao lazer e a cultura, fazendo com que o novo centro reinasse inconteste nas décadas de 1940 e 1950.

35

Fig. 13 A moda “Quadrilátero do elegância na Barão Revista Sombra, ano dez. de 1950

e o luxo no Glamour”, a de Itapetininga. 10, nº 107, nov.

Fig. 14 Confeitaria Fasano na Barão de Itapetininga, a reedição Fasoli do velho Triângulo – Revista Sombra, ano 10, nº 107, nov. dez. de 1950

Quanto ao Anhangabaú, o elegantíssimo parque projetado por Bouvard foi totalmente descaracterizado. A esplanada do Teatro Municipal, com o seu tratamento paisagístico requintado, apresentando seus conjuntos de palmeiras imperiais dispostos em semicírculo, seria substituída por uma nova perspectiva. No plano entrecortado pelo monumental Viaduto do Chá, é possível, agora, contemplar a profusão de automóveis estacionados nas imediações. Tal retrato aparece fielmente descrito em um guia de São Paulo no final dos anos 1940.

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O estacionamento de automóveis no perímetro central de S. Paulo, como em toda grande capital, apresenta aspectos pitorescos. Os 70 mil veículos motorizados que circulam diariamente na capital paulista convergem naturalmente para o centro da cidade, e os “chauffeurs” espreitam e porfiam por uma vaga para estacionar o seu carro. O local preferido, pelo acesso fácil ao Centro, é o Vale do Anhangabaú, nas imediações do majestoso Viaduto do Chá, onde se alinham várias centenas de automóveis dos mais diversos tipos e cambiantes cores. 34

Fig. 15 Vale do Anhangabaú, de onde sai a Avenida 9 de Julho, considerada na época uma das mais belas artérias da capital paulista. Na foto, o novo Viaduto do Chá e, em suas imediações, o grande número de automóveis estacionados. (final dos anos 1940)

Considerando o intenso processo de verticalização nessa área, estamos, sem dúvida, diante de um cenário indicativo das representações da moderna São Paulo que se projetava concomitante a sua nova centralidade: a verticalização, as grandes avenidas e os automóveis são elementos da composição de um quadro que se sobreporia à São Paulo do Triângulo, dos bondes e da arquitetura europeizante.

34

ALMEIDA JR., José B. Guia Pitoresco e Turístico de São Paulo. São Paulo, Livraria Martins Editora S. A. s/d.

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Hotel Esplanada Em meados dos anos 1930, o antropólogo Claude Lévi-Strauss assim descreveu suas impressões sobre a paisagem do Vale do Anhangabaú. A parte de baixo está ocupada por um parque em estilo inglês: relvados ornados de estátuas e quiosques; enquanto que, pelas vertentes acima, se erguem os principais edifícios: o Teatro Municipal, o Hotel Esplanada, o Automóvel Clube, os escritórios da companhia canadense que se encarrega da iluminação e dos transportes. Os seus volumes heteróclitas enfrentam-se no meio de uma desordem estática. Esses edifícios em posição de combate fazem lembrar grandes rebanhos de mamíferos reunidos no fim da tarde à volta dum bebedouro, imóveis e hesitantes durante alguns instantes; estão condenados, por uma necessidade mais premente do que o receio, a misturar temporariamente as suas espécies antagônicas.35

Para além da crítica ao gosto duvidoso expresso no ecletismo das linhas arquitetônicas, a descrição do antropólogo nos situa num ponto privilegiado, de onde é possível vislumbrar um cenário emblemático. Na época em que LéviStrauss escreve, o Anhangabaú ainda preserva os traços que o haviam consagrado, durante as primeiras décadas do século XX, como o cartão postal da cidade. Não só pelo paisagismo projetado sobre as obras de canalização do riacho Anhangabaú no início do século, mas, também, pela sofisticação do conjunto de prédios que ladeavam o vale. O Teatro Municipal e o Hotel Esplanada, ambos situados no lado norte, são emblemáticos. Aliás, o Municipal, cuja obra foi iniciada em 1903 e concluída em 1911, tem importância fundamental na composição dessa geografia afirmativa da elite dominante. Posteriormente, ao lado do Teatro projetado por Ramos de Azevedo, seria edificado o Hotel Esplanada. O prédio, assinado pelos arquitetos Gabriel Pierre J. Marmorat e Emile Louis Viret na esplanada sobre o vale, guardava as mesmas linhas de requinte de seu ilustre vizinho. Ou, como escreve Benedito Lima de Toledo: 35

LÉVI- STRAUSS, Claude. Tristes Trópicos. Lisboa, Edições 70. p. 93.

38

O hotel Esplanada foi concebido para compor um conjunto harmonioso com o Teatro Municipal, dentro do Parque. Pelo menos, essa é a sensação que transmite aquele edifício, por sua escala, arquitetura e implantação. O próprio nome parece advir de sua situação: ficava na esplanada do teatro.36

Esses dois edifícios compõem lugares estratégicos de representação de um cenário condizente com o desejo das elites de produção de uma imagem de si, mesclada ao glamour da cidade. Seja nas representações simbólicas condensadas em suas estruturas físicas ou por meio das práticas que ali ocorrem, eles representam uma posição de destaque na paisagem e no mercado dos bens simbólicos. Nesse sentido, são plataformas onde operam os signos de distinção, ou seja, lugares privilegiados da afirmação do gosto de uma certa classe e de um estilo de vida. Assim, determinam balizas de uma territorialidade, onde o que está em jogo, na perspectiva do sociólogo Pierre Bourdieu, é a afirmação do monopólio de “fazer ver e fazer crer, de dar a conhecer e de fazer reconhecer, de impor a definição legítima das divisões do mundo social.37 A crônica de Guilherme de Almeida, datada do final dos anos 1920, comentando o início da Estação Lírica no Municipal, não deixa dúvidas quanto ao valor simbólico que esse lugar agrega. O início da Temporada Lírica alterou o movimento noturno no centro da cidade. Isto é, apenas naquele pequenino pedaço de chão que vai da Praça do Patriarca ao Teatro Municipal. Aí se reúne, todas as noites, uma espessa multidão, que se divide em duas metades: a metade visual e a metade auricular. A primeira é aquela curiosa gente que abre alas, ante as entradas do Grande Teatro, para ver limousines, torpedos, táxis e bondes despejar manteaux e peitilhos, chales e ternos escuros. Essa parte da humanidade é essencialmente comercial: ela fica ali, avaliando jóias, vestidos, cartolas, automóveis, etc. Aquilo, para ela, vale muito mais do que qualquer outra esgoelada, em quaisquer condições, por qualquer 36

TOLEDO, Benedito Lima de. Anhangabaú. São Paulo. Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. 1989. p. 136. 37 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2003. p. 113.

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pessoa vermelha e peituda. A segunda metade, a auricular, é uma gente heróica, cuja trompa de Eustáquio é de uma resistência à prova de fogo, isto é, de dós-de-peito ou outras cousas destruidoras.” 38

Nesse mapa dos privilégios e das distinções, o Municipal constitui um lugar de prestígio. O Hotel Esplanada, com os seus 250 apartamentos, magnífico hall de entrada todo de mármore Carrara e seus luxuosos salões, destacou-se, também, como um lugar cortejado pelas classes abastadas. É curiosa a sua trajetória. Coincidentemente, foi aberto no mesmo ano em que na capital da República se inaugurava o Hotel Copacabana Palace, que, como sabemos, se tornaria um dos signos de sofisticação, ainda em pleno funcionamento na cidade do Rio de Janeiro. O Hotel Esplanada, por sua vez, quando encerrou suas atividades em 1957, foi adquirido pelo Grupo Votorantim, tornando-se sede das empresas de Antônio Ermírio de Moraes39. Onde hoje funciona o auditório da Cia. Brasileira de Alumínio, eram realizados os eventos mais elegantes da sociedade paulistana. Durante os seus trinta e quatro anos de funcionamento, a lista de hóspedes do Esplanada incluiu estrelas do teatro, da música e do cinema, bem como políticos e personalidades do mundo empresarial.

38

ALMEIDA, Guilherme. Pela Cidade. São Paulo, Martins Fontes. 2004. p. 473 O empresário paulista comenta que o lugar tem uma relação especial com a história de sua família. Pois ali viveram enquanto sua casa passava por uma reforma: “Meus pais foram morar temporariamente no velho Hotel Esplanada, que ficava na praça Ramos de Azevedo – coincidência, o mesmo prédio em que, a partir de 1965, passei a trabalhar. Da janela do quarto do hotel, hoje minha sala de trabalho, avistavase o belo Viaduto do Chá por inteiro”. In: http://www.antonioermirio.com.br/artigos/admpub/92fol002.htm. 39

40

Fig. 16 Jardim do Anhangabaú, à esquerda o Hotel Esplanada e à direita o Teatro Municipal – início do anos 1930

Fig. 17 Publicidade do Hotel Esplanada - 1929

41

É novamente o escritor Guilherme de Almeida quem nos ajuda a compor o retrato desse lugar que, durante algumas décadas, emprestou sua fachada ao mais “belo cartão postal da cidade”, além de acolher em suas dependências a afirmação da aura do prestígio das classes abastadas. Sua arquitetura foi um palco para a “boa sociedade” exibir sua etiqueta, bem como a sua elegância, gosto e reputação, enfim, os elementos de representação simbólica que, ao serem encenados, cumprem o papel de lembrar a ela e aos outros o seu lugar. Todavia, exigir esse grau de refinamento de um ambiente, requer alguns parâmetros, mais francamente encontrados na aristocracia dos grandes hotéis do Velho Mundo. A história narrada pela crônica do ‘príncipe dos poetas’ nos certifica a esse respeito. O enredo é simples. Um amigo, depois de passar algum tempo na Europa, chega a São Paulo e, evidentemente, deseja hospedar-se no Esplanada. Qual não é a sua surpresa, ao descobrir que o endereço não existe mais.

– Como? Acabaram com o Esplanada?... Vocês estão doidos! Compreendi muito bem essa estranheza do bom paulista torna-viagem. Suas malas traziam as etiquetas (que são cartas de recomendação) de muitos grandes hotéis do Velho Mundo. E isso – o que se entende por hotel “de tout premier ordre”, isto é, o “Palace”, o edifício de certa suntuosidade, construído para o fim a que se destina, e, pois com o “physique du role” – isso não existe mais em São Paulo. Existem, sim, bons hotéis instalados em prédios comerciais, que poderiam ser para escritórios ou apartamentos, dispondo de conforto, com bom tratamento, bom serviço, mas... sem “cara de hotel”, que era precisamente aquilo que antes e acima de tudo tinha o nosso Esplanada.40

40

ALMEIDA, Guilherme. Eco ao Longo dos Meus Passos –“ Pró-Esplanada”. Jornal O Estado de S. Paulo. 22.06.1960.

42

Fig. 18 Fachada do Hotel Esplanada – início dos anos 1930

A comparação entre o Esplanada e os recentes hotéis instalados na cidade é relevante. Ela nos oferece certos indícios para nos aproximarmos da aura de glamour que envolve o lugar. Como explica o texto, o Esplanada, a exemplo dos seus irmãos do Velho Mundo, expressa em sua estrutura física certa

suntuosidade.

Poderíamos

acrescentar

que

essa

qualidade

corresponderia às exigências da elegância dos seus hóspedes. Nesse sentido, o espírito aristocrata de sua identidade expressa a singularidade do gosto de uma determinada classe e, portanto, responde às demandas de certo estilo de vida. A “cara de hotel” reclamada pelo cronista é, exatamente, aquilo que os outros hotéis não podem oferecer. Construídos tal como escritórios ou apartamentos, evocam a versatilidade e a praticidade de uma razão utilitária e, portanto, explicitam um ethos econômico. Nesse ponto, inviabilizam a aura aristocrática de um Palace. Embora ofereçam o conforto de um bom serviço, a estética do prédio comercial é incompatível com “le physique du rôle” e, dessa forma, prescinde dos valores de prestígio. O campo das representações simbólicas inscritas nos traços do edifício comercial é da ordem da racionalidade mercantil, da lógica funcionalista. Nesse caso, o uso do espaço é disciplinado, não como um fim em si mesmo, mas em vista aos negócios. O

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que responde às solicitações do “tempo utilitário”, aquele equacionado na fórmula: não perder tempo. Tais evidências sendo da ordem da lógica do mercado, conformam-se a determinado ethos econômico. Mesmo que os interesses econômicos permeiem os valores de prestígio das camadas burguesas, o status da distinção e a sua aura aristocrática não se colocam no campo da razão utilitarista, como bem demonstrou Norbert Elias em sua Sociedade de Corte: A partir do momento em que surgem tendências exclusivistas e elitistas nas camadas burguesas, estas também passam a se expressar através de símbolos de prestígio, que visam à preservação da existência do grupo excludente como um grupo distinto e, ao mesmo tempo, a glorificação dessa existência. Em tais símbolos essa existência é apresentada como um objetivo em si, cercado por uma auréola de prestígio, mesmo que valores utilitários e interesses econômicos sempre se misturem aos valores de prestígio nas camadas burguesas.41

Isto posto, poderíamos inferir que não era apenas a cidade que estava perdendo os seus hotéis. Na perspectiva de Guilherme de Almeida, de certa forma, também estaria perdendo a aura de sua elegância. Ou, visto por um outro ângulo, os signos de distinção social estavam se deslocando no território da metrópole e ganhavam novos matizes com o aprofundamento da sociedade de massa em curso no país. Palco da distinção da elite paulistana, os valores de prestígio agregados ao Esplanada articulavam-se a certas representações da elegância que compunham o imaginário dessa sociedade. Desde a contratação dos chefs internacionais para instruir seus cozinheiros ou da instalação em suas dependências do salão de “coiffure”, organizado segundo os mais modernos requisitos da estética, como descrito nas Notas Sociais abaixo, tudo evoca um cenário glamoroso. Ora, aconteceu-me, numa dessas últimas tardes de maio, visitar, por acaso, um desses salões destinados a emprestar maior sedução aos delicados perfis

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ELIAS. Norbert. A Sociedade de Corte. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2001. p. 120.

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das nossas patrícias. Uma autentica ‘ambiance très parisienne’, onde os notáveis mestres na arte do penteado, Antoine Groff e Gaston, e a celebre ‘visagiste’ Aude Rennes, supervisionados por Monsieur Roland, realizam real revolução na técnica da Beleza! Esse mundo de maravilhas ocupa pequeno espaço de um dos andares do Esplanada. 42

E ainda, para não pairar dúvidas sobre esses profissionais da beleza, a nota sublinha no currículo da “visagiste” do Salão Esplanada uma referência primordial: ela fora encarregada da “maquilage” de famosas artistas do cinema francês. O Glamour dos Bailes do Hotel Esplanada Mas o Esplanada irradiou a sua aura de prestígio no “Quadrilátero do Glamour” também por apresentar, em sua lista de hospedes, os mais célebres visitantes da cidade, sobretudo os artistas. Além disso, seus salões foram o palco de inúmeros bailes, cujos atores referem-se aos segmentos mais abastados da sociedade da época. Tais eventos dialogavam com os mesmos signos de distinção que demarcam esse território como um lugar da “boa sociedade” paulistana. Como observamos, esse espaço apresenta-se como uma espécie de palco da teatralização da etiqueta, da elegância, do gosto, enfim, de um estilo de vida articulado a determinadas representações do “glamour” que compunha o imaginário da sociedade naquele momento. Espaço da instauração e manutenção das relações, da sociabilidade pertinente a determinado grupo, os bailes definem-se, nesse cenário, sobretudo, como uma prática onde os agentes sociais podem reconhecer e reafirmar seus valores. Ou seja, pensando os signos da distinção social na perspectiva de Pierre Bourdieu, os bailes podem ser vistos como um lugar privilegiado, onde os agentes jogam com a distinção, para afirmar sua própria identidade, ao mesmo tempo em que impõe e legitimam uma visão de mundo. E no que diz respeito à música, é certo, freqüentaram o palco do Esplanada as orquestras de maior prestígio na cidade. Pois a música e as 42

CORRÊA Jr. Notas Sociais – “A Serviço da Beleza”. A Gazeta de São Paulo. 01.06.1950.

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orquestras não só instauram o tempo da dança, como, também, regem o gestual que, nesse cenário, narra o código da etiqueta e, conseqüentemente, da elegância. O “bom tom” e o gosto dialogam com as orquestras (o repertório e os arranjos), e o que está em jogo é a afirmação de um estilo de vida, a sua legitimidade e inteligibilidade em todos os elementos que concorrem para o monopólio de fazer ver e fazer crer. A dança, sem a música, não poderia escrever a narrativa que, nesse caso, celebra o par romântico, ou seja, silenciada a trilha sonora, os gestos dos casais escreveriam um texto sem gramática, portanto, sem sentido. Nesse espaço, onde se idealizou a encenação de um pretenso cosmopolitismo, a estética musical espelhou-se naquilo que fora timbrado como moderno, amplamente influenciada pela cultura da música popular norte-americana que se tornou hegemônica no período entre-guerras,

ou

seja,

as

jazz

bands,

num

primeiro

momento

e,

posteriormente, as chamadas big bands. Mais adiante, aprofundaremos o sentido desse texto musical que embalou a prática dos bailes aureolados pelo signo da distinção.

Fig. 19 Nos ricos e suntuosos salões do Esplanada Hotel, o seu tradicional animado

réveillon por

quatro

jazz-bands. O Estado de S. Paulo, 19.12.1935.p. 18

46

Fig. 20 Na foto, o maestro Georges Henry regendo a sua grande orquestra, no baile das debutantes, realizado no ano de 1952, nos salões do Hotel Esplanada. Henry tornou-se um dos nomes de maior prestígio na cena musical paulistana no final dos anos 1940. Sua orquestra animava os espaços de dança mais sofisticados da cidade. Revista Sombra. nov. / dez. 1952, n º 124, Ano XII, p. 51

Espaços como os do salão do Esplanada tornaram-se “palco”, onde os atores teatralizaram aspectos do imaginário social, cujo script articulou-se à aspiração de modernização e distinção social relativa a um contexto histórico particular da conformação da metrópole paulista. Importante ressaltar que aludimos à metáfora do teatro tal qual a compreendeu Erving Goffman, em sua análise dos estabelecimentos sociais, ou seja, “qualquer lugar limitado por barreiras estabelecidas à percepção, no qual se realiza regularmente uma forma particular de atividade”43. A interação social, aqui focalizada em termos 43

GOFFMAN, Erving. A Representação do Eu na Vida Cotidiana. Petrópolis, Vozes, 1985. p. 218.

47

de “estratégias dramatúrgicas”, envolveria a distribuição dos atores no espaço; os seus posicionamentos; os seus movimentos nos palcos sociais e o uso de acessórios físicos determinantes dos papéis que as pessoas desempenham, e como se apresentam aos outros. Nesse sentido, a ênfase incide sobre as formas de controle da impressão. Assim, os diversos elementos mobilizados para o desempenho dos atores em seus respectivos papéis sociais – aparência, padrões de linguagem, expressões faciais e gestos corporais, entre outros, bem como, o cenário onde a ação ocorre – corroboram para o domínio da projeção de uma imagem que, configurada em termos de atributos sociais legitimados, compreende o ato da interação social. Sob essa perspectiva, os salões do Esplanada identificam-se como um lugar privilegiado da representação de uma imagem pública de seus atores, bem como, ali, explicitam-se determinadas estratégias empreendidas para causar uma “boa impressão”.44 Explorando um pouco mais essa abordagem, podemos inferir que ela assinala um ponto importante para compreendermos as imagens fotográficas dos bailes, geradas pelas revistas especializadas da crônica social, a exemplo da revista Sombra. Tais registros, ao documentarem os “personagens em cena nos bailes”, seriam, sob esse ângulo, reveladores de um enquadramento comprometido com as formas de controle da “boa” imagem pública que o grupo identificava em si mesmo e que estava empenhado em manter. Vale observar, aqui, que o imaginário social da época referenciou-se num ideal estético de beleza ditado pelo padrão dos filmes hollywoodianos. Tal espelho ditou um modelo de elegância e sofisticação almejado pelos atores que, nesses espaços, encenaram a publicidade de suas imagens. Ainda aludindo aos bailes, é importante notar que a “trilha sonora” conduzida pelas orquestras interagiu com a estética musical pautada pelas produções dos grandes estúdios de Hollywood.

44

Sobre a contribuição da sociologia de Goffman relacionadas aos estudos da história social, ver: BURKE, Peter. O Mundo como teatro: estudos de antropologia histórica. Lisboa, Difel, 1992. pp. 152 154.

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Fig. 21 “Pelo salão de festas do Hotel Esplanada desfilaram trinta e seis jovens das mais representativas famílias paulistas, iniciando-se na sociedade num ambiente da mais alta finesse. As lindas debutantes defrontaram-se com uma legião de fotógrafos, dezenas de presentes, um mundo de flores e prêmios de viagens, deslumbradas em sua apresentação oficial ao grand-monde paulista.” Revista Sombra, n º 8, novembro de 1948.

A seguir, a matéria publicada na revista Sombra, no ano de 1948, explicita a aspiração cosmopolita da burguesia da metrópole emergente que, espelhando-se nos centros do capitalismo, idealizou a construção de sua imagem pública. Trata-se de uma cobertura em “alto estilo” de um baile realizado no Hotel Esplanada. Tais registros nos dão uma idéia do “glamour” desses eventos. Sem dúvida, o palco onde a boa sociedade paulistana jogava com os signos da distinção. O Bal du Panache é uma festa já tradicional em Paris. Realizando-se uma vez por ano tem ela o condão de movimentar o mundo elegante, tornando-se assunto obrigatório da crônica mundana. Os grandes chapeleiros da França fazem para essa noite coiffures especiais, os mestres da moda criam modelos

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inéditos e os salões se enchem daquela aristocracia internacional que nos habituamos a ver em Paris. Sendo um baile maravilhoso uma festa de raro bom gosto, natural seria que outras capitais seguissem o exemplo parisiense. E, num outro hemisfério, também numa grande cidade vimos um “gala” que nada ficou a dever ao da capital francesa. São Paulo, a mais européia das capitais brasileiras, foi o cenário dessa esplêndida e elegantíssima noite – o Baile do Panache. Um acontecimento marcante na sociedade bandeirante que abre assim, de maneira brilhante, a temporada social desse ano, dando uma idéia nítida do que será ela, animada pelos vultos mais representativos e ilustres da metrópole que é, hoje em dia, um orgulho para o Brasil.45

Fig. 22 O mundo elegante em desfile no Bal du Panache, no Hotel Esplanada. Revista Sombra, nº 77, ano 8, abril de 1948

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O GRANDE Baile do Panache em São Paulo, Revista Sombra, n º 77, ano 8, abril de 1948.

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Grosso modo, a trilha que seguimos até aqui se refere à construção de um panorama amplo acerca das transformações em curso na metrópole de São Paulo nas décadas que aceleraram o ritmo vertiginoso de sua expansão urbana. Nesse panorama dinâmico, buscamos sinalizar aspectos relativos à demarcação simbólica de uma nova centralidade, aqui identificada como “Quadrilátero do Glamour”. No capítulo quatro, aprofundaremos a análise dessa territorialidade, abordando a presença das grandes salas de cinema, que agregaram significativo capital simbólico à conformação do lugar como centro irradiador de certo ideal de modernização.

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CAPÍTULO II

O ECLIPSE DO HERÓI DA VELOCIDADE CLÁSSICA

Aeroporto de Congonhas - 1954

52

Chuva de Prata no IV Centenário De dia, aviões lançaram papeluchos dourados e prateados que brilhavam ao sol, e ao cair provocaram tumultos de moleques. De noite voaram de novo, e o reflexo dos papéis, à luz dos holofotes, maravilhou o povo. Jorge Americano

A “chuva de prata”, como ficou conhecido o espetáculo proporcionado pelos aviões que lançaram sobre a capital paulista milhares de pequenos pedaços de papéis metalizados, integrou a programação dos festejos do dia vinte e cinco de janeiro de 1954. Assim, além dos tradicionais fogos de artifício que coloriram os céus da cidade enquanto bandas de música tocavam por toda a parte, a celebração dos quatrocentos anos de São Paulo fascinou a população com a magia dessa espécie de chuva de estrelas. Na memória daqueles que assistiram às comemorações, o acontecimento ainda cintila como uma das evocações mais vivas da festa do IV Centenário. O público ainda pôde contemplar mais uma vez o espetáculo da chuva de prata quando, em meados desse ano, três aviões C-47 da FAB sobrevoaram o Vale do Anhangabaú. Seguidos por poderosos holofotes do corpo antiaéreo do nosso Exército, das aeronaves precipitaram-se os fragmentos metalizados. Começou, então, a cair sobre o vale, como pétalas prateadas, os círculos dentro do foco de luz violáceo, saídos dos holofotes. Essa parte foi das mais empolgantes, realizada com o mais absoluto êxito, sobre um clima propício e ameno debaixo do entusiasmo incomum de centenas de milhares de pessoas.46

Dessa forma, potentes holofotes da defesa antiaérea e aviões C-47 protagonizaram o espetáculo que maravilhou o grande público nos festejos dos quatrocentos anos de São Paulo. O evento, é certo, inspirava-se em uma 46

CHUVA de Prata. Correio Paulistano. 10.07.1954. p. 16.

53

característica operação militar da Segunda Guerra Mundial. Vale dizer, ainda muito

presente

na

memória

da

geração

que

havia

acompanhado,

entusiasticamente, o curso dos seus acontecimentos. Essa foi, segundo Eric Hobsbawm47, a guerra dos noticiários radiofônicos. Acrescenta-se, à ampla transmissão pelo rádio, as imagens que nos chegaram via imprensa escrita ou intermediadas pelo cinema em filmes de ficção ou jornalísticos. Como sabemos, o conflito foi marcado pela guerra aérea, sobretudo como um meio de devastar as cidades, levando o terror à população civil e dando ao acontecimento a dimensão de uma guerra total. Graças à tecnologia bélica, teatralizou-se a cena de extraordinário efeito visual. Focos de luzes, projetados nos céus, capturam o vôo das aeronaves e seu rastro desenhado pela explosão de fragmentos brilhantes. Completava o show, o impacto sonoro, do barulho dos motores dos pesados C-47, amplificado pela baixa altitude com que os três aviões sobrevoaram o Vale do Anhangabaú. De fabricação norte-americana, o C-47, conhecido como Skytrain, operou no translado de tropas e veículos militares, tornando-se o avião padrão de transporte durante a Segunda Guerra Mundial. Quanto aos holofotes, na medida em que a guerra aérea assumiu um papel fundamental no conjunto das operações militares, esse equipamento tornou-se parte da artilharia. Acoplados aos canhões, eles varriam os céus na defesa antiaérea. O espetáculo com as aeronaves, ao mesmo tempo em que aludia à Grande Guerra, de certa forma também se inscrevia na narrativa que, desde os anos de 1920, celebrou a modernização de São Paulo através do culto da velocidade. Este, representado pela febre do automobilismo e da aeronáutica, ganhou particular significado no imaginário social da metrópole emergente. Após a Primeira Grande Guerra, a aviação repercute como assunto cotidiano na cidade, tornando-se o mais excitante de todos os esportes. Nesse cenário, popularizaram-se os heróis dessas máquinas modernas. Eles contabilizam recordes de velocidade, de distância, de altura e de manobras arriscadas. Aventureiros cruzam os céus para glorificarem-se como pioneiros das viagens aéreas que ligaram continentes, cidades e países. O paulista Edu Chaves distinguiu-se no panteão desses aviadores. Seus feitos o qualificaram 47

Ver HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo, Cia das Letras, 1995. p. 32.

54

como verdadeiro herói da aviação, tornando-se uma das figuras mais populares de sua época. Sua celebridade alimentou e foi alimentada pelo culto da aviação que, na São Paulo dos anos 1920, catalisou o espírito da modernidade. 48

Fig. 23 Chuva de Prata – “Às 18h30 acenderam-se os poderosos holofotes do corpo antiaéreo do nosso Exército, anunciando a próxima chegada das aeronaves que sobrevoaram a cidade. Instante, após, três poderosos C-47 cruzam os céus de São Paulo, sob os olhares da multidão que acompanhava o banho de luz projetado pelos holofotes guiando a marcha dos aparelhos.” CHUVA de Prata. Correio Paulistano, 10.07.1954. p. 16

48

Sobre o culto da aviação na emergente metrópole paulista dos anos 1920, ver: SVECENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole: São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Cia. das Letras, 1992. pp. 77-83.

55

O Estrondo Sônico: a quebra da barreira do som O ano de 1954 parece ter sido pródigo em espetáculos envolvendo aeronaves. Como noticiou o jornal O Estado de S. Paulo49, foi este o ano em que, pela primeira vez, os céus do Brasil testemunharam a travessia da barreira do som, um marco na história da aviação, que já havia sido realizado pelo capitão norte-americano Charles Yeager em 1947.50 O mesmo piloto, agora major, repetiria a sua façanha, primeiramente no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, com o caça a jato – “Sabrejet F-86”, um dos mais modernos aviões a jato que integraram a esquadrilha da Força Aérea dos EUA, em visita ao Brasil no mês de fevereiro de 1954. A missão nomeada Cruzeiro da Boa Vontade fora agendada pela Secção de Aeronáutica da Comissão Militar Mista Brasil–Estados Unidos. Pilotando o seu F-86, Charles Yeager efetuou um mergulho com o aparelho, atingindo a velocidade supersônica. Em seguida, o avião retomou o vôo plano, e as ondas de choque geradas no momento da trajetória descendente, ao tocarem o solo, produziram o “estrondo sônico”. Assim, graças às demonstrações acrobáticas da alta escola da aviação norteamericana podemos ter, pela primeira vez, a nítida percepção sonora de que adentrávamos a era supersônica. Antes de deixar o Rio de Janeiro, o comandante do grupo de aviões da Força Aérea dos Estados Unidos homenageou a memória de Santos Dumont, depositando uma coroa de flores junto ao monumento do pai da aviação brasileira.51 O homem-jato reverenciou, assim, o nosso símbolo maior da aviação-hélice. Era o prenúncio de que o tempo do herói da velocidade clássica, segundo a perspectiva de Roland Barthes, caminhava para o ocaso. O jet-man, como analisa o autor, pertence a uma nova raça da aviação, mais próxima do autômato do que do herói. O herói 49

VOARAM Hoje Sobre a Cidade os Aviões a Jacto Norte-Americanos, O Estado de S. Paulo, 03.02.1954, p. 28. 50 A velocidade do som havia sido medida pelo físico austríaco Ernst Mach, e seu valor de 1.226 km/h (em condições de atmosfera padrão, Mach 1) impunha-se como barreira intransponível. Ao final da Segunda Guerra, uma equipe norte-americana foi formada pela Força Aérea do Exército dos EUA, pelo Comitê Nacional de Assuntos Aeronáuticos (Naca, que, mais tarde, se tornaria a Nasa) e pela fábrica Bell Aircraft Corporation para projetar, construir e operar uma nova aeronave, cuja missão seria investigar o vôo a velocidades transônicas (próximas à do som) e, se possível, quebrar a "barreira do som". Em 14 de outubro de 1947, o capitão Charles Yeager, nos controles do Bell X-1, voou mais rápido do que o som, no que foi internacionalmente reconhecido como o primeiro vôo supersônico de uma aeronave pilotada por um ser humano. (CHEGARÃO Hoje a São Paulo os Aviões a Jacto da Força Aérea Norte-Americana, Diário de S. Paulo, 03.02.1954, p. 01) 51 Idem, VOARAM Hoje Sobre a Cidade os Aviões a Jacto Norte-Americanos.

56

tradicional, cujo valor era o de fazer aviação sem abandonar a sua humanidade, experimenta a velocidade como uma aventura, na condição de homem simples. Eis aí um Santos Dumont, pilotando o seu 14-bis em trajes cotidianos, e um Saint-Exupéry escritor. Para eles, o movimento era uma façanha episódica, para a qual só era preciso coragem. O jet-man, esse, parece não conhecer nem aventura nem destino; apenas uma condição; e mesmo essa condição é, à primeira vista, menos humana que antropológica; miticamente, o homem-jato define-se menos pela sua coragem, do que pelo seu peso, sua dieta e seus hábitos (temperança, frugalidade, continência). A sua particularidade racial lê-se na sua morfologia: o macacão anti-G em nylon dilatável, o capacete polido constituem para o homem-jato uma nova pele onde ‘nem a própria mãe o reconheceria. 52

Fig. 24 Nessa figura, uma explicação gráfica do fenômeno. Diário de São Paulo, 03.02.1954 p. 1 “O major Yeager – primeiro homem a transpor a barreira sônica – ‘caiu’ verticalmente pilotando o seu ‘jet’ a uma velocidade superior a 2.600 quilômetros por hora. A ‘queda’ se iniciou a seis mil metros de altura – e ao chegar a dois mil metros o major Yeager se desviou, seguindo até o solo o som de seu aparelho. Segundos após, ocorreu o ‘estrondo’, que nada mais foi do que o choque do som do ‘jet’ com o solo.” ESTRONDO Sônico, Diário de S. Paulo, 03.02.1954 p. 1

52

BARTHES, Roland. Mitologias, 5 ª ed. São Paulo, Difel, 1982. p. 63.

57

Fig. 25 - “Chega hoje a esta Capital uma flotilha de modernos aviões a jacto, pertencentes à Força Aérea Norte-Americana. Em visita a vários países sul-americanos, num Cruzeiro de Boa Vontade, aquela esquadrilha proporcionará, das 11h às 11h45 de hoje, uma demonstração na base de Cumbica. No clichê, o vôo de precisão de um grupo de aviões ‘Shooting Star’, presentes na capital paulista.” DEMONSTRAÇÃO de jactos norte-americanos. Diário de S. Paulo, 03.02.1954. p. 5

Segundo a reportagem do jornal Diário de S. Paulo53, uma multidão de curiosos aguardava desde as primeiras horas da manhã a aterrissagem dos aviões a jato norte-americanos. Inúmeros automóveis vindos da capital, muitos transportando famílias inteiras, chegaram à Cumbica para prestigiar o espetáculo de acrobacias aéreas proporcionado pela frota que fazia a viagem do Cruzeiro da Boa Vontade pelas Américas. De fato, naquela manhã de fevereiro de 1954, os paulistanos puderam apreciar um espetáculo inédito realizado pelo que havia de mais avançado na área da tecnologia aeronáutica. Os

modernos

aparelhos

Shooting

Stars

F.80

e

Thunderjets

F.84

impressionaram o público com manobras realizadas em uma velocidade variável de 600 a 1000 quilômetros horários. O show incluía vôos rasantes sobre a pista, com os aparelhos ganhando altura logo em seguida e elevandose quase em ângulo reto. Voando de dorso e fazendo uma série de allow rolls e 53

EMPOUGOU o público a exibição dos aviões a jacto norte-americanos, Diário de S. Paulo, 04.02.1954. p. 2.

58

loopings, sempre em alta velocidade, os aviões faziam subidas e descidas bruscas e, nas palavras do jornalista, davam uma impressão de leveza e absoluta segurança. O que mais chamou a atenção do público foram as evoluções dos Thunderjets F-84. O balé acrobático realizado por quatro aviões F-84, com suas manobras audaciosas, executadas com extrema precisão e sincronia, causou frisson naqueles que acompanharam, deslumbrados, a dança dos jatos nos céus. Em formação de quatro aviões, as aeronaves voaram por cerca de meia hora, fazendo acrobacias assombrosas. Algumas vezes, ainda segundo a reportagem, modificavam o grupo de quatro – com um líder, duas alas e uma cauda –, dando a impressão de cruz no céu, para, logo a seguir, voltarem à formação anterior e passarem em vôo rasante sobre a pista ou executarem subidas bruscas, sempre fazendo acrobacias. Em minúcias, a reportagem sobre a impressionante exibição dos jatos norte-americanos enumera as especificações dos Thunderjets F-84. Trata-se de um avião tipo caça, equipado para transportar uma bomba, bem como para receber abastecimento em pleno vôo. O aparelho, sucessor do conhecido Thunderbolt P-47, da Segunda Guerra Mundial, teria um uso muito difundido na América Latina. Com seu raio de ação praticamente ilimitado e grande poder destruidor, era empregado como força de prevenção para pretensos agressores. Fabricado pela empresa norte-americana Aviation Corporation, o Thunderjet F-84 fora utilizado com grande êxito na Guerra da Coréia (19501953) e passou a compor a frota da OTAN, para fortalecer o seu sistema de defesa aérea. Ainda sobre as especificações da aeronave, a reportagem esclarece: O avião é armado com seis metralhadores de calibre 0.50 (12.7 mm). Tem capacidade para levar 2.268 quilos de bombas, foguetes e tanques para espalhar sobre o alvo gasolina gelatinosa “napalm”. Esse avião contribuiu grandemente para o êxito da Força Aérea do Extremo Oriente em destruir importantes alvos comunistas.54

A solenidade de recepção dos pilotos americanos contou com a participação das mais altas patentes militares e de importantes autoridades 54

Idem.

59

civis. O major brigadeiro Reuben Columbus Hood Jr., chefe da missão norteamericana, comentou que iniciara o “Cruzeiro da Boa Vontade” no dia 15 de janeiro, quando os aviões decolaram da base de San Antonio, passando pelo México, Nicarágua, Panamá, Peru, Chile, Argentina e, finalmente chegara ao Brasil. Sobre o nosso país, elogiou as belezas naturais, a acolhida cordial que recebeu nos meios militares e civis, e a felicidade em revisitar essa adorável nação. 55 É certo que, no “Cruzeiro da Boa Vontade”, estava implícita uma estratégia de poder em tempos de Guerra Fria. Não estamos apenas no campo das cordialidades diplomáticas, na verdade, trata-se de um cerimonial militar. A explicitação de um poder bélico, travestido em um show de acrobacia aérea, tem sua eficácia exatamente porque se inscreve como espetáculo. Possível, na medida em que os movimentos executados pelas máquinas de guerra enfatizam a estética e abstraem o seu conteúdo político. Ou seja, a acrobacia espetacular ganha a forma de entretenimento, ao camuflar, na beleza hipnótica de um balé aéreo, a finalidade para a qual as aeronaves foram projetadas: poder bélico. Se a exibição dos aviões a jato norte-americanos empolgou o público, tal qual nos relata a reportagem do Diário de S. Paulo, então se cumpriu o objetivo da missão; pois, como explica Guy Debord: “A sociedade portadora do espetáculo não domina as regiões subdesenvolvidas apenas pela hegemonia econômica. Domina-as como sociedade do espetáculo”

56

. O vôo

dos jatos coloca o domínio da alta tecnologia no jogo da encenação do poder, fazendo ver e crer na superioridade daqueles que, no mundo moderno, dispõem dos meios de empreender a aceleração da velocidade. Na festa comemorativa dos quatrocentos anos de São Paulo, o veloz balé acrobático, encenado pelas máquinas e pilotos americanos, aclimatou-se à narrativa da

55

Segundo a reportagem citada do Diário de S. Paulo, 03.02.1954, p. 8.: “O Major-Brigadeiro Columbus Hood Jr., comandante do grupo aéreo norte-americano que ora visita o Brasil, é velho amigo deste país, desde 1948, quando veio para o Rio de Janeiro como Adido de Aeronáutica à Embaixada Americana, assumindo, em 1950, o posto adicional de Chefe da Secção Aérea da Comissão Militar Mista BrasilEstados Unidos. [...] De 1948 a 1951, serviu no Brasil. Regressou aos Estados Unidos em Maio desse ano, e dois meses depois foi nomeado comandante da Escola de Comando e Estado Maior da Aviação na Base da Força Aérea em Maxwell, no estado de Alabama. Em junho de 1953 o general Hood foi investido no Comando Aéreo das Antilhas com sede na Base da Força Aérea em Albrook, na Zona do Canal do Panamá.” 56 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro, Contraponto, 1997. p 38.

60

celebração do progresso como um grande espetáculo na “cidade que mais cresce no mundo”. Na era da aviação pelas asas da Panair

O culto da aviação mantinha-se em pleno vigor na década de 1950. Se, desde os anos 1920, a paixão pelos aviões despertava grande entusiasmo no público paulistano, posteriormente, ela amplificou-se e assumiu novas feições, alimentada, sobretudo, pelo glamour das viagens internacionais, em aeronaves cada vez mais modernas e luxuosas. Na realidade, o frisson causado pelas máquinas voadoras seguia em consonância ao desenvolvimento da aviação mundial.57 Esta avançou sobremaneira, impulsionada pelo salto tecnológico da aeronáutica conquistado durante a Primeira Grande Guerra. Na década de 1930, os avanços técnicos permitem construir aviões maiores, mais velozes, com maior autonomia de vôo e capacidade de carga. Estudos de aerodinâmica foram incorporados ao desenho das aeronaves, favorecendo o desempenho dos vôos. E, o desenvolvimento da rádio-telecomunicação tornou-se parte integrante do sistema aeronáutico, estruturando a segurança da navegação aérea. Consolida-se, assim, no período, a aviação comercial. Empresas aéreas passam a operar regularmente, no transporte de carga e passageiros, bem como no correio aéreo, em vôos nacionais, continentais e intercontinentais. Ícone dessa era da aviação foram os aviões Douglas DC-358, desenvolvidos pela empresa norte-americana Douglas Aircraft Company. Com capacidade para transportar entre 21 a 28 passageiros, o DC-3 atingia a velocidade cruzeiro de 320 km/h, tornando-se o avião comercial mais usado na época. Não menos importantes foram os modelos de hidroaviões desenvolvidos pelas também norte-americanas Sikorsky Aircraft Corporation e pela Boeing Airplane Company, usados em viagens transoceânicas.

57

O interesse pela aviação teve na imprensa um forte aliado. Por exemplo, o jornal Diário de S. Paulo publicava semanalmente, desde 1935, a coluna Idéias e Fatos de Aviação, na qual mantinha o público informado sobre as novidades do setor aeronáutico. 58 TRANSPORTE e Comunicações – O Avião Douglas DC-3. O Estado de S. Paulo, 20.10.1955. p. 8. O Douglas DC-3 foi redesenhado para servir como avião de transporte na Segunda Guerra, identificado como C-47. A produção dessa série inicia-se em 1931, com o DC-1, para atender a demanda de vôos domésticos nos EUA. O DC-3 entrou em operação em 1935. Em meados dos anos 1950, 80% da frota aérea nacional (civil e militar) era composta por esses aviões, na sua versão Super DC-3.

61

No final dos anos vinte, foi criada a empresa que viria a ser o símbolo da aviação comercial mundial no século XX, a Pan American Airways.59 Importante dizer que o setor da navegação área, desde o seu início, esteve envolto numa fina trama política. Nos anos 1920, a aviação sinaliza-se como uma aérea promissora para os investimentos. Formam-se empresas aéreas que,

para

garantirem

internacionalmente

seus

suas

interesses

operações,

e

viabilizar

necessitam

nacional

articular

alianças

ou e

entendimentos políticos com os governos. Aqui, por exemplo, estava em jogo a criação de uma legislação para estruturar o setor, a construção de aeroportos, a organização de um sistema de apoio em terra e as concessões de rotas aéreas, entre outros aspectos. Em linhas gerais, este é o cenário em que se constituiu o império da Pan Am. A empresa dialogou muito de perto com os interesses do governo norte-americano nas regiões onde ela operou, tornandose, assim, uma ferramenta poderosa da política de Washington no âmbito de suas relações internacionais. Em 1927, a Pan Am inicia seus empreendimentos com a concessão para operar o correio aéreo EUA – Cuba. A rota é estabelecida entre Key West, na Flórida, e a capital da República de Cuba, Havana. Posteriormente, a companhia passa a transportar passageiros entre as duas cidades. Constituiuse, então, o primeiro ponto de uma ampla rede de navegação aérea que iria configurar a hegemonia inconteste da empresa em todo o continente americano, nas próximas décadas. Sua

rápida

expansão

sustentou-se

no

apoio

de

influentes

personalidades do mundo dos negócios e da política norte-americana. Ressalta-se, também, que ela se valeu da experiência de renomados aviadores, a exemplo de Charles A. Lindergh, o seu diretor de operações. Em dois anos, a Pan Am havia construído o alicerce que a projetou como a maior empresa de avião do mundo capitalista, no século XX. Para se ter uma idéia do que isso representa, basta observar que, nesse espaço de tempo, passou a dominar a navegação aérea nas rotas que ligavam os EUA, Cuba, o Haiti, a

59

A companhia teve como mentor e principal fundador Juan Terry Trippe. Trata-se de um jovem empresário americano, filho de um importante banqueiro de Wall Street. Ele havia se iniciado como aviador nos anos da Primeira Guerra, esperando servir nas forças americanas. Aliás, muitos dos pioneiros da aviação comercial tinham em seus currículos a passagem pela aviação militar. Usando de sua influência econômica e política, Trippe dirigiu o império da Pan Am durante décadas. Ver: http://www.panam.org/newhist1.asp

62

República Dominicana, Porto Rico, o México, Belize, o Panamá e a Colômbia. Em 1929, encampou a Nyrba, empresa norte-americana que há pouco havia estabelecido a rota Nova Iorque – Rio – Buenos Aires. A Nyrba, rebatizada como Panair do Brasil, permitiu à Pan Am voar desde Nova Iorque até Buenos Aires, garantindo o seu domínio no Atlântico Sul. Em 1930, os Clippers, nome com o qual foram batizados os aviões da companhia, já voavam por grande parte da América do Sul. Até o início da Segunda Grande Guerra, a Pan Am já operava vôos regulares na América do Norte, na América do Sul e nas Ilhas do Caribe, para a Europa, a Ásia e a África. 60 O cartaz publicitário a seguir nos dá uma clara indicação da presença da Pan Am no continente americano no início da década de 1930. O “Pan American Airways System” afirmava-se como representação de um sentido de unidade das nações da América. Vale observar que, até o surgimento de aeroportos, após 1945, estruturados com amplas pistas para decolagem e aterrissagem de aviões mais pesados, a companhia operou com hidroaviões.

Fig. 26 Cartaz publicitário da Pan American Airways do ano de 1932. O continente ligado pelos Clippers voadores da Pan Am. 60

http://www.panam.org/newhist1.asp

63

No momento em que se estruturava a aviação comercial, a Pan Am foi um vetor importante na demanda de uma frota junto à indústria aeronáutica, bem como de novas tecnologias voltadas às suas necessidades. Podemos citar, como exemplo, os chamados “Sikorsky's Flying Boats” e o “Boing-314”, os quais foram pioneiramente usados pela empresa. Os “flying boats”, como ficaram conhecidos os Clippers da Pan Am, dominaram a navegação aérea no Atlântico e Pacífico. Os modelos, como dissemos, facilitaram o estabelecimento de rotas em pontos onde inexistiam pistas adequadas para os pousos e decolagens. É importante dizer que os Clippers da Pan Am significaram uma revolução no transporte transcontinental. Numa época em que os negócios ainda exigiam a presença física dos agentes, os aviões da Pan Am, ao encurtar o tempo das viagens, operaram como meios dinamizadores dos fluxos de circulação das pessoas, bem como da mercadoria e da informação. Enquanto as

travessias

marítimas do Atlântico eram feitas em

uma

semana

aproximadamente e a do Pacífico em três, esses aviões as realizavam em dois dias e uma semana respectivamente. Nesse sentido, inscreviam-se na lógica do “tempo é dinheiro”. Se bem que estávamos longe da “era do jato”, iniciada em meados dos anos 1950, na qual, o processo de compressão do tempo e das distâncias seria aprofundado em larga escala. Até o advento dos aviões a jato, as aeronaves chegaram a desenvolver velocidades máximas entre 480 e 640 km/h. Esses números quase duplicaram na “era do jato”: 800 e 1100 km/h. Como bem demonstrou David Harvey, o fenômeno da “compressão do tempoespaço” é intrínseco ao processo de modernização do capitalismo e resulta de sua própria história, que “tem se caracterizado pela aceleração do ritmo de vida, ao mesmo tempo em que venceu as barreiras espaciais em tal grau que por vezes o mundo parece encolher sobre nós.”61 Nesses termos, explica Harvey, o sentido do tempo e do espaço, ao responder à lógica da acumulação do capital, tende a reduzir os horizontes temporais a um ponto em que só existe o presente; e a imensidade do mundo, à compactação das escalas geográficas.

61

HARVEY, David. Condição Pós-Moderna, 15 ª ed. São Paulo, Edições Loyola, 2006. p. 219.

64

Os Clippers da Pan Am evocavam um misto de velocidade e aventura, a eles coube muito do glamour que as viagens aéreas internacionais despertaram no imaginário social da época. Símbolo de sofisticação, a companhia primou por manter uma aura de luxo e requinte associada às acomodações e serviço em suas aeronaves. Se o nome “Clipper” seduzia pelo “carisma da aventura”, não menos importante era o fato de que os aviões da Pan Am se tornaram um signo de alta classe. Quando nos anos 1950, o avanço técnico permitiu intensificar a aceleração do tempo das viagens e a experiência dos deslocamentos não mais comportava a aventura, os Clippers, em sua versão “ultramoderno Super-6”, prometiam o máximo em rapidez, mas continuavam a afirmar a distinção do conforto e da elegância.

Fig. 27 O texto do anúncio sublinha as linhas do desenho do novo modelo da Chevrolet, inspirado no moderno avião. Se deseja apreciar alguma coisa realmente bela e sensacional, vá ver sem demora o novo Chevrolet 1940! Uma agradável surpresa lhe está reservada – a estilização “Royal Clipper”, que empresta à parte dianteira do Chevrolet a aparência imponente de um moderno avião. (Publicidade do Royal Clipper Chevrolet, 1940)

65

Fig. 28 Viagem inaugural do novo Clipper – Sikorsky S42 Brasilian – da Pan Am à capital da República do Brasil. O texto alude ao batismo do avião pela primeira dama Darcy Vargas. (Ilustração em aquarela, 1934) Watercolor John McCoy Copyright © Pan Am Historical Foundation

Sikorsky S42 Brasilian Clipper arrives in Rio de Janeiro to be christened by the wife of Brasilian President Vargas August 18, 1934.

Fig. 29 Na “era da política da boa vizinhança”, o texto do anúncio sublinha a presença da empresa nos países latinos, como instrumento a serviço da boa imagem do Tio Sam. [...] a Pan American não somente reflete Tio Sam, ela é Tio Sam – o contato principal que a maior parte dos latinos tem com essa nação. A amizade que a Pan American está construindo entre as Américas é baseada em benefícios sólidos e mútuos. (Publicidade da Pan American, 1940)

66

Fig.30 A elegância nos ares, em um Clipper. No texto, ressalta-se a distinção dos serviços Pan Am: uma admirável experiência de cosmopolitismo, diversão e conforto. Até os mais sofisticados passageiros sentem um frêmito de alegre antecipação quando embarcam num Clipper Super-6 “Presidente Especial”. (Anúncio da Pan Am publicado na Revista Sombra, 1955)

A Panair do Brasil foi instituída como uma empresa satélite da Pan Am e estava articulada à logística de expansão e domínio da aviação comercial no continente pela matriz norte-americana. Dessa forma, integrou o conjunto de empresas aéreas, a exemplo da andina Panagra – Pan American Grace Airways, criada no final dos anos 1920 e da Compañía Nacional Cubana de Aviación, fundada em 1932, que formava o chamado Pan Amercan World Airways System. Tal sistema, é certo, corroborou para o crescimento do império Pan Am. No início dos anos 1940, a Panair do Brasil, até então controlada pelo capital norte-americano, começou a ser vendida a empresários brasileiros. Em fins dos anos 1950, a companhia era majoritariamente nacional. Até 1965, quando, numa operação obtusa, o governo militar decretou a sua falência, ela manteve-se como a mais importante empresa aeronáutica do país. Ao longo das três décadas de sua existência, teve um papel essencial na estruturação do transporte aéreo brasileiro, configurando-se como um ícone do desenvolvimento nacional. 62 62

Ver ANDERSON, Dole A. Aviação Comercial Brasileira. João Pessoa, Ed. Universitária UFPb, 1979. O autor chama a atenção para a forte presença de organizações alemãs na América do Sul e, evidentemente, no Brasil, nos primórdios do desenvolvimento da aviação comercial. Até 1927, analisa Anderson, a Alemanha detinha a hegemonia do setor aeronáutico nessa parte da América. A Sindicado

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Fig. 31 As aerovias da Panair são artérias do Brasil. De fato, a empresa havia recortado o mapa do país, ligando com suas rotas diversos pontos do seu território. Em 1941, o governo autoriza a Panair a construir e operar aeroportos em São Luiz, Fortaleza, Belém, Natal, Recife, Maceió e Salvador. No início dos anos 1940, ganha a concessão de rotas para Goiânia e Corumbá, entre outros pontos do Centro-Oeste e do Sul, além da Amazônia. (Anuncio da Panair do Brasil, publicado na revista Brazilian American, 1943.)

Fig 32 A Panair uma das subsidiárias da Pan Am, integrava o sistema Pan Américan World Airways System. A logomarca da empresa alude à fusão entre um símbolo nacional brasileiro e a logomarca da Pan Am, representada pela asa e o globo terrestre. (Anúncio da Panair do Brasil publicado na Revista Brazilian American, 1944)

Condor, uma companhia de propriedade alemã, com atividades no Brasil, tornou-se a base para as operações daquele país em todo o continente. Em 1927, a empresa cria a linha Rio de Janeiro – Porto Alegre, que viria a transferir para a Varig. Em 1942, a Condor é reorganizada como a aerolinha brasileira Cruzeiro do Sul. Ver também: http://www.sbda.org.br/revista/revista.htm

68

Fig. 33 O glamour e a rapidez das viagens aéreas nas asas da Panair. A empresa prometia para o ano de 1954 entrar na “era do jato”, quando a viagem Rio-Paris seria feita em 14h50. As rotas mais cobiçadas pelas companhias aéreas eram as linhas internacionais. As empresas que integravam o Pan American World Airways System organizavam-se de modo a evitar a competição direta entre os participantes desse sistema. A Panair, por exemplo, além do tráfego doméstico operava rotas na América do Sul, Europa e Oriente Médio, mas estava “impedida” de voar para os EUA.

(Anúncio da Panair publicado na Revista Sombra, 1953)

Vôo em alta velocidade

Um ano após as exibições dos jatos americanos no “Cruzeiro da Boa Vontade”, a aviação continuava na ordem do dia, agora por conta da realização da “Semana da Asa”. Em outubro de 1955, o evento, comemorado com entusiasmo pelas autoridades civis e militares, além de acompanhado com muito interesse pelo público em geral, prometia superar as expectativas. A novidade era a I Feira Internacional de Aviação de São Paulo, cuja abertura foi noticiada com destaque pela imprensa: Às 14 horas, no Parque de Aeronáutica, com a presença de altas autoridades, realizou-se a cerimônia de abertura da I Feira Internacional de Aviação de São Paulo, organizada pelo comando da IV Zona Aérea e pela diretoria da UBAC – União Brasileira de Aviadores Civis. Despertando especial interesse entre o numeroso público que acorreu ao local, achavam-se alinhados nas pistas do Parque cerca de cinqüenta aparelhos dos

69

mais variados tipos, empregados na aviação civil, comercial e militar, inclusive diversos helicópteros cedidos pela Força Aérea norte-americana. O Centro Técnico de Aeronáutica, modelar centro de pesquisas aeronáuticas instalados em São José dos Campos, muito contribuiu para o êxito do certame, apresentando uma “asa voadora” construída em suas oficinas, um túnel aerodinâmico em miniatura e um motor a jato em pleno funcionamento. Deu-se assim ao público paulistano a oportunidade de travar conhecimento direto com as mais recentes conquistas realizadas no setor aeronáutico. 63

Justificada como uma exposição de caráter didático e educativo, buscouse não apenas reverenciar a memória dos nossos heróis da aviação, em especial Santos Dumont, mas garantir ao público inteirar-se do progresso dos avanços aeronáuticos. Como complemento natural do programa dos festejos, sublinhava a imprensa, organizaram-se as provas aéreas de planadores, aviões a jato da FAB e provas de acrobacia. Lembravam, ainda, os jornais que as empresas Vasp, Varig, Real-Aerovias, Panair do Brasil, Nacional e Loide Aéreo abrilhantariam o evento, expondo diversos aparelhos. Por fim, a programação agendava um almoço para as autoridades no Hotel Esplanada e, na noite de abertura da feira, o Aeroclube de São Paulo ofereceria um baile aos seus associados. 64 O vôo a jato mereceu destaque na imprensa em relação aos assuntos pautados pelo acontecimento da Semana da Asa. O debate atualizava os leitores acerca das conquistas e limitações que se abriam para a aeronáutica, no momento em que avanços tecnológicos disponibilizavam os meios para empreender uma experiência radical de velocidade. Uma revolução estava em curso, sublinhavam os jornais: aquela medida em escala supersônica e trazida pelo salto do desenvolvimento da indústria aeronáutica, resultante da Segunda Grande Guerra. Se, até a pouco, os limites para os sonhos do homem diziam respeito ao meio mecânico, a extraordinária marcha da ciência e da técnica os havia superado; no entanto, outra questão agora se colocava: qual a capacidade humana em suportar tamanha aceleração? Nesses termos, uma matéria publicada no jornal O Estado de S. Paulo, em 1955, refletia sobre o vôo a jato e o novo conceito de velocidade a ele associado. 63 64

AS COMEMORAÇÕES, da “Semana da Asa”. O Estado de S. Paulo, 23.10.1955. p. 18. Idem.

70

Em se tratando de vôos em altas velocidades, dois fatores de limitação são considerados: o humano e o mecânico. Se até recentemente o fator mecânico foi o principal empecilho à obtenção de velocidades elevadas, hoje a situação se apresenta em fase de transição, tendendo a ser limitada pela fragilidade humana. Se voltarmos às vistas para as experiências de Santos Dumont, há 50 anos, içando aos galhos de uma árvore seu motor a explosão de 2 cilindros “para verificar como se comportaria ele fora de terra firme”, seremos forçados a admitir a grande limitação mecânica, quando o homem constituía o fator soberano do vôo naquele tempo. Esse predomínio do homem sobre a máquina, diminuiu tão rapidamente que as máquinas atuais já estão sofrendo limitação de velocidade, decorrentes de causas humanas. 65

A seguir, o texto explicita que as aeronaves, equipadas com motores a propulsão a jato, projetam a experiência da velocidade em nova escala, superando o conceito que até então orientou a prática da aviação. O encontro da barreira sônica trouxe-nos um novo conceito de velocidade e os termos quilometro/hora ou milha/hora, já são unidades superadas. É corrente e obrigatório, na literatura aeronáutica o emprego do termo “número Mach”, com o qual são expressas as altas velocidades, inclusive subsônicas. Os valores “Mach”, que ainda nos soam pouco familiarmente, são indicações da velocidade do avião em relação à velocidade do som. [...] O atual recorde mundial de velocidade, batido a 5 de setembro por um Super Sabre F-100, foi de 1.233 km/hora a 12.872 metros de altura. Isto, traduzido em “Mach”, será igual a “Mach” 1,22. Desde que determinada velocidade seja maior que “Mach” 1, indica, implicitamente, estar além da barreira sônica. Assim, pelo recorde anunciado, podemos concluir que o homem já voa supersonicamente em aparelhos comuns, e o dizemos porque, em tipos especialmente construídos para testes, já se sabe terem sido obtidos valores superiores a “Mach” 2. Estaremos chegando no limite admitido pelo esforço humano? 66

65 66

NOVAS Indicações de Velocidade. O Estado de S. Paulo. 30.09.1955. p. 8. Idem.

71

Mais do que uma relação espaço/tempo, afirma Paul Virilio 67, a velocidade é uma forma de ver o mundo. Nesse sentido, a “era do vôo a jato” abria-se para uma outra experiência de modernidade, inscrita em uma nova visão do mundo. Aqui, explicita-se a análise de Roland Barthes acerca do “herói da velocidade clássica”, para o qual a velocidade era experimentada como uma aventura, no momento em que o homem constituía o fator soberano do vôo. Na era do jet man, há uma inversão no quadro, a máquina predomina sobre o piloto. Ele, transformado em mero coadjuvante de um plano de vôo, tem sua ação limitada pela parafernália dos dispositivos mecânicos, pelos incontáveis marcadores no painel de controle da aeronave, para os quais sua atenção está voltada.

Fig. 34 O avião de pesquisas X-3, que se vê no clichê, foi construído pela “Douglas Aircraft Co.”, pela Força Aérea norte-americana. O aparelho destina-se a testes de velocidade acima de Mach 1,5, além da barreira sônica, e dentro da zona térmica. O aparelho, aerodinamicamente limpo, dotado de superfície de sustentação mínima, o que lhe permite cruzar o espaço mais como um bólido, do que como avião comum. Para levantar vôo, o X-3 necessita de 5.000 metros de pista.

68

(Imagem publicada no

jornal O Estado de S. Paulo. 30.09.1955. p. 8 )

Se compreendermos a aventura como uma narrativa do espaço e dimensionarmos o novo conceito de velocidade praticado pelo jet man como vetor de encolhimento do mapa do mundo e da aniquilação do espaço por meio do tempo, então, a experiência de modernidade na “era do jato” não mais comportaria, no tempo da viagem, o tempo da aventura. No campo dessa 67 68

VIRILIO, Paul. Velocidade e Política. São Paulo, Estação Liberdade, 1996. NOVAS Indicações de Velocidade. O Estado de S. Paulo. 30.09.1955. p. 8.

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experiência espacial e temporal, é certo a obsolescência do “herói da velocidade clássica”. O evolucionismo tecnológico, com o qual ele contracenou em um dado momento, agora havia reorganizado as peças do cenário e, nesse contexto, anuncia-se o seu eclipse. No cinema: o som dos Cometas de Bill Haley A construção de um novo conceito de velocidade, possibilitado pela revolução técnica do pós-guerra, era um indício altamente revelador de um novo mundo e de uma nova sensibilidade em formação. Por conta do alvorecer da aviação a jato e dos experimentos aeroespacial, o termo “era supersônica” representou, para o imaginário social da época, a percepção desse quadro de mudanças. De fato, ao longo da segunda metade do século XX, o processo de aceleração intensificou-se ainda mais, radicalizando seus efeitos sobre todos os campos da experiência humana. Nesses termos, quando “os poderosos e modernos jatos norte-americanos, de cores encarnado, branco e azul, os caças “Sabrejet”

(Avião

Sabre),

“Shooting

Star”

(Estrelas

Cadentes)

e

os

“Thunderbirds” (Aves do Trovão) cruzaram nossos céus como verdadeiros bólidos”, tal qual relataram os jornais, eles encenaram o prenúncio de profundas transformações que estavam em marcha. O “Cruzeiro da Boa Vontade” afirmou-se, assim, como a representação do presente da “era supersônica”. Ouvido pela primeira vez no Brasil, o “estrondo sônico” traduziase na alegoria sonora de um futuro que se avizinhava, credenciado na conquista da barreira do som. Se para os olhos do público era impossível dimensionar a velocidade dos jatos que se arremessavam como meteoros em suas estonteantes manobras, o sinal sonoro comprovava a verdade de suas performances em escala supersônica. Dois anos após a espetacular demonstração da alta escola de aviação dos EUA, um outro som singular anunciou-se na cidade. Não como resultante de acrobacias aéreas, mas como trilha sonora do filme Sementes da Violência (Blackboard Jungle). Divulgado como “o filme que vem estarrecendo meio mundo em três continentes”, ou “que conta a verdade sem meias palavras”, a produção hollywoodiana da MGM tematizava o fenômeno da delinqüência

73

juvenil que, segundo a impressa, tomava proporções inéditas nos EUA naquele momento. A obra do diretor Richard Brooks, comentava a crítica, tinha como objetivo a denúncia “da situação alarmante em que se encontra a juventude de numerosas escolas das grandes cidades americanas, mergulhada na delinqüência, no culto pela violência, na mais completa inconsciência sobre os valores da vida.”69 Embora louvável em sua proposta, concluía, o filme, ao ensaiar uma resposta para uma série de perguntas demandadas por essa realidade social, “falha lamentavelmente, retirando quase todo o significado do problema. [...] Brooks responde da forma mais convencional possível e no habitual estilo de Hollywood, debilitando completamente o impacto da denúncia que pretende fazer.”70. No entanto, alguns pontos altos destacavam-se na película, entre eles, a perfeita interpretação dos atores, o realismo de determinadas cenas e: O encaixe, no começo e no final, de um demoníaco tema de jazz, Rock Around the Clock e sua repetição como fundo nas cenas de violência, é também um dos momentos modelares de força expressiva. 71

O “demoníaco tema de jazz”, ao qual se refere a crítica, inaugurou uma nova fase da música popular dançante. Ao incorporar a canção Rock Around the Clock *, interpretada pelo conjunto musical Bill Haley & His Comets, como trilha do filme Sementes da Violência, o cinema acabou por potencializar a explosão em todo o mundo ocidental do gênero denominado rock-and-roll. Ancorado na recepção estrondosa de Blackboard Jungle, menos de um ano depois, Hollywood lançava o filme Rock Around the Clock, aqui traduzido como Ao Balanço das Horas. Tratava-se, basicamente, de um filme musical. Além de o título aludir ao sucesso de Bill Haley, o próprio grupo, juntamente com outros conjuntos do gênero, participava da película interpretando o seu rock-and-roll. Tal estratégia da indústria do entretenimento corroborou para amplificar ainda mais o explosivo sucesso da nova onda musical que arrebatou o universo da * Anexo – CD das músicas selecionadas. OBS: Na esteira do sucesso do filme, a cantora brasileira Nora Ney gravou a canção “Rock Around the Clock”. 69 FILMES da Semana – “Sementes da Violência”. Folha da Manhã, 26.01.1956. p. 6. 70 Idem. 71 Idem, ibidem.

74

música popular. Durante a exibição dos filmes, o público manifestava-se com um entusiasmo incontrolável, jovens punham-se a dançar sobre as poltronas, chegando muitas vezes a danificar os cinemas. O fato ajudou a cultuar a aura de rebeldia que, a partir de então, embalaria a narrativa desse gênero musical. .

Fig.

35

“Ouçam

maluquíssimas

quatro

executando

orquestras o

ritmo

selvagem do Rock-and-Roll.” Ao Balanço das Horas estreou nos cinemas de São Paulo no final de 1956, anunciado como o filme cuja música alucina. Correio Paulistano, 19.12.1956. p. 4

Com uma estrutura rítmica sincopada, linhas melódicas e harmônicas bastante simples e utilizando-se de uma base instrumental fortemente marcada pelas guitarras elétricas, o rock levava as platéias ao êxtase. A recepção inebriante do público nada mais era do que uma resposta “aos apelos rítmicos de músicos negros como Chuck Berry, Bo Didley e Little Richard. Ou a vozes que emergiam das cidades empobrecidas do sul, identificadas pelo convívio com comunidades negras, como Elvis Presley, Gene Vincent e Eddie Cochrane.”72 Certamente, muito do que a indústria do entretenimento timbrou com o selo rock-and-roll era uma versão diluída da expressão musical que havia emergido nos redutos negros norte-americanos, dentro da linhagem do rhythm-and-blues. Grupos, como Bill Haley & His Comets, e mesmo Elvis Presley incluíam-se em uma estratégia comercial para promover o gênero junto à classe média branca dos EUA e, evidentemente, potencializar a vendagem dos discos. Importante dizer que, desde que o rock apareceu para o grande 72

Cf. SEVCENKO, Nicolau. A Corrida para o Século XXI: no loop da montanha-russa. São Paulo, Cia. das Letras, 2001. p. 113.

75

público em meados dos anos 1950, ele se tornou um grande negócio. Aliás, como sugere Alan Bloom, “o negócio do rock é capitalismo perfeito, suprindo a demanda e ajudando a criá-la.”

73

De fato, todo o “conglomerado empresarial”

que passou a circular em torno do gênero ia transformá-lo em um dos ramos mais lucrativos da indústria do entretenimento. Quando o crítico de Sementes da Violência identificou Rock Around the Clock como um tema de jazz, ele de certa forma intuía, nessa canção, a sua linhagem rhythm-and-blues, ou melhor, aludia à matriz da música popular norte-americana que, após a Primeira Guerra Mundial, havia conquistado o mundo ocidental, ou seja, o jazz. A propagação do fenômeno da dança nas grandes cidades industriais encontrou nessa música de origem negra, apoiada numa sofisticada estrutura rítmica, o seu par perfeito. Com a prosperidade crescente dos povos ocidentais e a conquista das classes operárias em prol da diminuição de sua jornada de trabalho, o lazer tornou-se uma questão fundamental, e o tempo do não-trabalho, o espaço da diversão. Em linhas gerais, nesse cenário estrutura-se a indústria do entretenimento, voltada para suprir a demanda do ócio. A dança, juntamente com os esportes e o cinema, difundiu-se como uma das formas de lazer mais populares e o jazz afirmou-se como a música por excelência desse novo contexto cultural. Com sua estrutura rítmica sincopada e irresistível apelo pulsional, dialogou com a aceleração do ritmo de vida nas metrópoles modernas. Foi apropriado como o mais importante gênero musical, de grande influência em relação aos demais ritmos e, sobre sua base, as danças populares modernas arquitetaram suas coreografias.74 Quando, em meados dos anos 1950, eclodia o rock-and-roll, o novo gênero, na realidade, inscrevia-se na narrativa de uma revolução musical que, desde os anos 1920, havia colocado os ritmos sincopados, sobretudo o jazz, no centro da vida cultural. As cenas do público extasiado com a música produzida por Bill Haley & His Comets e outros grupos e interpretes do gênero, guardadas as proporções, lembravam a recepção contagiante e incontrolável dos jovens que, há duas décadas atrás, aplaudiram o surgimento das big bands nos EUA. Na época, 73 74

BLOOM, Allan. O Declínio da Cultura Ocidental. São Paulo, Best Seller, 1989. pp. 97 e 98. Cf. HOBSBAWM, Eric. A História Social do Jazz. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1990.

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orquestras como a de Benny Goodman, o rei do swing, por exemplo, quer se apresentasse nos “ballrooms”, nos teatros ou nas salas de cinema, levava o público ao delírio e imediatamente o ritmo se apoderava da audiência. É certo estarmos tratando de fenômenos musicais distintos: além da estética e dos diferentes contextos culturais nos quais emergiram, referem-se a um mercado da música ainda não fortemente segmentado. Se, na “era das big bands”, jovens e adultos fruíram as mesmas canções e arranjos produzidos pelas grandes orquestras, isso não ocorreu na “era do rock”. Até que o gênero vestisse smoking e fosse admitido na sala de estar, ele ficou restrito aos redutos jovens. O que não era mau, pois grande parte desse público dispunha de salário ou de mesada e, naturalmente, estava disposto a consumir os discos dos seus ídolos. Talvez por isso, o frenesi e a aura de rebeldia imputados ao rock causassem tamanho alarido nas autoridades investidas do papel de proteger os valores mais caros da sociedade. Quando estrearam em São Paulo, os filmes embalados pela música de Bill Haley e as manifestações dos jovens pareciam fora de controle, o debate público travado em torno da onda do rockand-roll, em prol da moral e dos bons costumes, cerceava o novo ritmo, por ele ser excitante, frenético, alucinante e imoral. Além disso, sublinhava a imprensa, tal comportamento dos jovens revelava a inclinação dos brasileiros em imitar “modos de povos de outras plagas bem diferentes das nossas.” 75 Em tempos de velocidade supersônica, o rock and roll instituiu um outro capítulo na narrativa da música popular dançante que, como dissemos, emerge como um fenômeno cultural após a Primeira Grande Guerra. A construção de sua estética musical, particularizada pela rusticidade dos arranjos melódicos e harmônicos e fortemente calcada na sincopa de sua célula rítmica, embora filiada à matriz jazzista, soou estranhamente bárbara. Evidentemente, não para as platéias jovens que a ele aderiram. Mas, para a sensibilidade de uma escuta, até então seduzida pelos arranjos glamorosos que perpetuaram o repertório embalado pelas grandes orquestras, as canções timbradas pelo novo gênero eram, no mínimo, de um gosto duvidoso. Nesse ponto, ele projetava-se como representação de uma ruptura. Se bem que, quando o rock-and-roll

75

AO BALANÇO das Horas. Correio Paulistano. 21.12.1956, p. 5.

77

eclodiu na cena da música popular, a “era das big bands” vivia o seu eclipse. Sobretudo nos EUA, para citarmos algumas das mais populares, as orquestras de Benny Goodman, Tommy Dorsey, Artie Shaw e a responsável pela popularização dessa onda no mundo, a orquestra de Glenn Miller, há alguns anos já haviam encerrado suas carreiras. A evocação dos arranjos e repertório da época das grandes orquestras ficava por conta dos cantores, em especial a emblemática presença, nesse cenário, de Frank Sinatra, que, aliás, iniciou sua carreira como crooner de uma big band. No Brasil, a atividade das grandes orquestras ainda se manteve nos anos 1950, refluindo na década seguinte. Nesse momento, o rock brasileiro, proclamado pelo movimento da “Jovem Guarda”, em sua versão iê-iê-iê, transformou-se em um fenômeno popular. Articulado à televisão que, na época, se consolidava no país como um veículo de comunicação de massa, as canções da “Jovem Guarda” passaram a ser o rico filão da indústria fonográfica.

Voando para o Rio O cinema, como veremos no capítulo três, foi um meio poderoso de difusão e construção do repertório musical da era das grandes orquestras. Nesse ponto, foi um veículo tão importante ou mais do que rádio e a expansão da indústria fonográfica. Com o advento do filme sonoro, no final da década de 1920, os filmes não se constituíam apenas em uma moldura através da qual o público fruía as imagens. O encanto desse aparato técnico, a partir de então, traduzia-se na experiência de ver e ouvir. Nas décadas em que os grandes estúdios de Hollywood viveram o seu apogeu, aproximadamente do final dos anos 1920 a meados dos anos 1950, as produções hollywoodianas catalisaram em suas trilhas sonoras parte significativa da produção musical do período. O apelo dos filmes, além de centrado no star system, tinha, nas canções, compostas, intencionalmente ou não, para as películas, um atrativo a mais de sedução do público. Assim, a beleza dos astros fascinava tanto quanto as composições que, com seus arranjos e intérpretes, enlevavam a escuta das platéias nas salas de cinema.

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Quando Rock Around the Clock se transformou na “Marselhesa” da juventude, que saía das salas dos cinemas tomadas pelo espírito de rebeldia do rock-and-roll, o fenômeno, de certa forma, ainda se referia à época em que as canções, associadas às trilhas sonoras dos filmes, ocuparam um lugar relevante na formação de determinada escuta musical. Se em meados dos anos 1950 Hollywood impulsionou a onda do rock, quando surgiu o cinema “falado”, seus filmes subscreveram o jazz no centro da cultura moderna. O sotaque musical da estética hollywoodiana filiou-se à linguagem jazzista, pelo menos a uma forma híbrida e diluída de jazz que, após a Primeira Guerra Mundial, além de tornar-se sinônimo dos EUA, alastrou-se pelo mundo ocidental como a música mais exuberante e alegre para dançar. Mesmo quando se tratou de incorporar outros gêneros às trilhas sonoras das películas, os ritmos latinos, por exemplo, os arranjos, comumente, estetizaram as canções dentro da matriz jazzista. Esse momento da música no cinema consagrou o par romântico Fred Astaire e Ginger Rogers, como a expressão de sua síntese. As imagens dos dançarinos mesclaram-se, com suas elegantes coreografias, às imagens sonoras da musicalidade consagrada pela era dourada do cinema. A dupla estreou em Voando para o Rio (Flying Down To Rio), no ano de 1933. Trata-se de uma produção da RKO – Radio-Keith-Orpheum, um estúdio subsidiário da Radio Corporation of América, a RCA.76 Embora atuassem como coadjuvantes na película, cujos atores principais eram a atriz mexicana Dolores

76

A criação da RCA articulou-se aos esforços do governo norte-americano para manter o controle das patentes das novas tecnologias do setor de telecomunicação sem fio. Durante a Primeira Guerra Mundial, evidencia-se a importância estratégia dessa tecnologia. O então secretário da marinha norte-americana, Franklin D. Roosevelt, defende a idéia de se estabelecer uma política para o setor, de tal forma que os EUA empreendessem o controle da nova tecnologia. Em negociação com a General Eletric, o governo convenceu a empresa a assumir a liderança na organização de uma rede de comunicação americana. Em outubro de 1919, surgia a Radio Corporation of America, que, a princípio, atuou na telegrafia internacional. Concebida como um casamento de conveniência entre corporações privadas e o governo para o desenvolvimento do sistema de comunicação sem fio nos EUA, a RCA logo cresceu em diferentes direções. Seus negócios expandiram-se para a produção de tecnologia e fabricação dos mais diversos equipamentos e aparelhos elétrico-eletrônicos, sendo responsável pelo desenvolvimento do Photo-phone Sound System, que permitia a sonorização das imagens. Foi essa ramificação de investimentos que a levou para a área do entretenimento cinematográfico, criando uma rede de produção e distribuição de filmes. Vale lembrar a construção de um dos mais sofisticados teatros da época, onde eram lançadas as suas produções, o Radio City Music Hall, construído no Rockefeller Center em Nova Iorque. Importante ainda sublinhar seus empreendimentos na área de transmissão de programas de rádio, bem como na gravação de discos, ramo que integrou a corporação em 1929, quando adquiriu a Victor Talking Machine Company, constituindo, assim, a RCA Victor, a maior fabricante de discos dos EUA. Cf. RCA History. In: http://home.rca.com/en-US/rcahome.htm

79

Del Rio e o ator norte-americano Gene Raymond, a performance de Astaire e Rogers, no número The Carioca, chamou a atenção do público e, evidentemente, dos altos executivos da RKO, que aí vislumbraram os novos astros para os seus filmes musicais. A película, uma romântica comédia musical, tem como enredo o triângulo amoroso envolvendo o galante milionário Roger Bond, aviador e líder da orquestra Yankee Clippers, interpretado por René Raymond; Dolores Del Rio, no papel da sedutora brasileira Belinha de Rezende, filha de um rico aristocrata carioca que irá contratar a orquestra de Roger para inaugurar o seu novo empreendimento, o Copacabana Palace (no filme, Hotel Atlântico). E, por fim, o noivo brasileiro, com quem Belinha está prestes a se casar, Júlio Ribeiro, vivido pelo ator brasileiro Raul Roulien. Importante dizer que Júlio é o melhor amigo de Roger e intermedia a vinda de sua orquestra para o Brasil. Fred Astaire (Fred Ayres) e Ginger Rogers (Honey Hale) participam como integrantes dos Yankee Clippers. O filme inicia-se em Miami, num elegante hotel, onde se apresentam Roger Bond e seus Yankee Clippers. Cortejado pela audiência, o galante músico aviador flerta com as hóspedes, entre elas a beldade dos trópicos, Belinha. Ela, sob os cuidados da tia matrona, está em férias na cidade. Em meio à atmosfera romântica do luxuoso salão do hotel, onde, embalados pela música, casais deslizam na pista de dança, o aventureiro norte-americano acaba seduzido pela irresistível latina. Porém, a intimidade entre o músico e a hóspede desagrada o gerente do hotel e a orquestra é demitida. Os Yankee Clippers são então convidados para uma temporada no Brasil. Toda a trupe voa para o Rio de Janeiro e o cenário transfere-se para a capital brasileira. A narrativa fílmica estabelece, assim, a conexão Miami–Rio de Janeiro. As tomadas do Rio de Janeiro são dignas de um verdadeiro cartãopostal. A produção da RKO esmerou-se na edição dessas imagens, de modo que a capital da República é apresentada como uma cidade vibrante, cosmopolita e moderna. Nesse sentido, era nítida a diferença entre Voando para o Rio e produções anteriores, quando Hollywood havia desenhado a paisagem carioca sem nenhum glamour, além de equivocar-se com relação à sua geografia e traços de sua cultura. Por exemplo, nesses filmes, personagens brasileiros têm nomes hispânicos, tocam castanholas e a cidade

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não passava de um lugar exótico nos trópicos. Tal gesto foi interpretado como revelador de um profundo descaso do “grande irmão do norte” em relação ao Brasil, merecendo protestos do público, da imprensa e do governo. É evidente aí a arrogância e a ignorância dos produtores hollywoodianos na abordagem da América Latina, exceção feita a Orson Welles, quando da realização de seu documentário Tudo é Verdade – It’s all true (1942).77 Mas, implícito à grita geral, por sermos confundidos com os nossos vizinhos latino-americanos, estava também a expectativa de uma imagem do país delineada pela mentalidade eurocêntrica que, ao longo da nossa história, subsidiou os ideólogos na construção da identidade nacional. Como bem demonstra Maria Helena Capelato78, desde o Império, forjou-se a imagem de um Brasil fora da América Latina. Os modelos projetaram-se, portanto, no ideal de civilização ancorada na Europa ou nos Estados Unidos. Além disso, esse imaginário sublinhou uma pretensa superioridade brasileira em relação às demais nações ibero-americanas. A construção desse imaginário estaria, dessa forma, fundamentada na prescrição da linha divisória entre o atraso e a modernidade, associando, ao moderno, idéias de progresso e civilização vislumbradas nos centros do capitalismo avançado. Renato Ortiz discute essa operação como reveladora de uma representação, do país, que articula a defasagem da nossa modernização e situação de subdesenvolvimento a uma vontade de reconhecimento, que as classes dominantes ressentem. Nesses termos, concluí o autor: Daí o fato de essa atitude estar intimamente relacionada a uma preocupação de fundo, “o que diriam os estrangeiros de nós”, o que reflete não somente uma dependência aos valores europeus, mas revela o esforço de esculpir um retrato do Brasil condizente com o imaginário civilizado. 79

Com suas imagens elogiosas do Rio de Janeiro, o filme da RKO inscrevia-se no curso das mudanças da política norte-americana que, sutilmente, começava a assumir uma outra feição frente aos vizinhos do sul. 77

Ver SHOHAT, Ella & STAM, Robert. Crítica da Imagem Eurocêntrica. São Paulo, Cosacnaify, 2006. CAPELATO, Maria Helena. “O ‘gigante brasileiro’ na América Latina: ser ou não ser latinoamericano”. In: MOTA, Carlos Guilherme org. Viagem Incompleta: A Experiência Brasileira (15002000): A Grande Transação. São Paulo, Senac, 2000. 79 ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. 5ª ed. São Paulo, Brasiliense. 2001.p. 32. 78

81

Como sabemos, as eleições do democrata Franklin Roosevelt (1933-1945); o impacto da depressão econômica e, mais tarde, a nova correlação de forças deflagrada pelo contexto da Segunda Guerra fomentaram o que ficou conhecido como “política da boa vizinhança”. Respondendo a interesses tanto político-estratégicos quanto econômicos de Washington, o campo das relações interamericanas ganhava novos matizes. Nesse cenário, Hollywood comparece como instrumento eficaz da propaganda em prol de um ideal pan-americano. No que diz respeito à música das big bands, ela também foi percebida como recurso importante a ser somado aos esforços demandados pelo contexto da guerra. Segundo David W. Stowe, o jazz tomou parte de um amplo impulso cultural articulado à mobilização de guerra nos EUA. Com esse espírito, esqueceram-se as cismas que, até então, dividiam a comunidade swing em campos rivais: hot jazz versus swing, swing versus sweet. A singular ideologia, que durante os anos 1930 alimentou a onda musical do swing (a crença na excepcionalidade da cultura norte-americana, no pluralismo étnico e na igualdade democrática), explica o autor, ajustava-se perfeitamente às necessidades da nação em sua luta contra o fascismo. Ela condensava os ideais para inspirar o heroísmo na Europa e no Pacifico, e, ao mesmo tempo, o senso de sacrifício necessário internamente. Alguns meses antes de Pearl Harbor, argumenta Stowe: O presidente Roosevelt dirigiu-se à National Federation of Music Clubs em uma linguagem claramente baseada nesses traços da ideologia do swing. A música, disse o presidente, “é uma língua universal e tem o poder de tornar as pessoas conscientes de sua humanidade comum, para fortalecer a democracia contra aquelas forças que poderiam subjugar e escravizar os homens. Mais especificamente, a música pode promover a tolerância de grupos minoritários em nosso meio ao mostrar suas contribuições culturais na construção da América. Da mesma forma, ela pode promover a solidariedade e compreensão hemisférica ao popularizar a cultura de nossos vizinhos latino-americanos.” Convenientemente, foi Benny Goodman quem Roosevelt, mais tarde, nomeou como coordenador musical do Pan-American Committe. Goodman também

82

serviu como presidente honorário da Popular Music Division of Russian War Relief. 80

O filme musical, em função de sua estrutura, oferecia-se como uma plataforma perfeita para ajustar as relações culturais entre as Américas, segundo o que idealizava a “política da boa vizinhança”. Vale lembrar que uma das

personalidades-chave

na

implementação

dessa

política, 81

Rockefeller, à testa de um verdadeiro império econômico

Nelson

e com notórios

investimentos nos mercados latinos, compreendia a cultura, nas suas mais diversas áreas, como terreno profícuo para garantir o intercâmbio efetivo entre as nações americanas. Respondendo à demanda do Office of the Coordinator of Commercial and Cultural Relations Between the American Republics, o Birô Interamericano, dirigido por Rockfeller e responsável por sedimentar a “política da boa vizinhança”, Hollywood, através de seus filmes, passou a promover uma imagem glamorizada da América Latina. Voando para o Rio enquadra-se nos “novos moldes da latinidade” que começam a ser produzidos pelos estúdios hollywoodianos.82 Seja, como dissemos, em relação ao retrato da cidade ou no que diz respeito ao número musical The Carioca * (Vincent Youmans, Edward Eliscu, Gus Kahn). Tal número, os compositores o escreveram inspirados na idéia de um samba. Afinal, tratava-se, nessa cena, da apresentação da música e da dança brasileira aos americanos, representados, no filme, pelos Yankee Clippers. O intuito era glamorizar a musicalidade brasileira através de uma apoteose sonora. Interpretado pelo grupo carioca Turunas e pela cantora norteamericana Etta Motten, The Carioca tornou-se responsável, segundo o crítico do jornal Correio Paulistano, pelo sucesso retumbante do desembarque do samba nas terras do Tio Sam. A última novidade que lhes mando deste país (de onde cedo vou partir triste por não poder ficar mais tempo) é que o samba está dominando Nova Iorque. – Como assim? 80

STOWE, David W. Swing Changes: Big Band Jazz in New Deal América. USA, Havard University, 1998. p. 143. 81 Na aérea do setor da comunicação, Nelson Rockefeller era um dos grandes investidores da RCA. Essa empresa, como notamos, estava ligada à aérea da telecomunicação sem fio, à radio difusão e à produção cinematográfica através do estúdio RKO. 82 Ver análise do filme Voando Para o Rio, por FREIRE-MEDEIROS, Bianca. O Rio de Janeiro que Hollywood Inventou. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005. * Anexo – CD das músicas selecionadas.

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– É o que lhes digo. Enquanto aí no Brasil se faz campanha contra esse hino nacional do morro, Nova Iorque está, como se diz na gíria amorosa americana, “crazy about it” – apaixonada por ele. Não lhe chama Samba, porém, chamalhe “Carioca”. Foi o caso que apareceu aqui uma fita de cinema chamada Flying down to Rio – Voando para o Rio. Trata-se de uma orquestra que, malsucedida em Miami, no sul, deliberou embarcar de avião e tentar melhor fortuna aí, no Copacabana Palace (Hotel Atlântico, no filme). Quando os músicos chegam ao hotel observam que o povo só gosta de uma dança local chamada Carioca (o samba) e há então na fita uma exibição curiosa da dança. O samba da fita Flying Down to Rio é admirável. Não há exagero algum em eu lhes jurar, como juro, em público e rezo, que noventa por cento das orquestras de dança de Nova Iorque (e há milhares) o repetem, agora, dez vezes por dia. Chegou, como disse Machado de Assis de certa música, “à consagração do assobio”. Até os guris de colégio assobiam a Carioca.83

Adiante, o crítico sublinha o papel fundamental que Hollywood poderia ter na difusão da cultura brasileira, nesse caso específico, da nossa música. Ele, também um conhecedor do senso de humor do povo norte-americano, orienta o público brasileiro para que não leve muito a sério as imagens do país condensadas no filme e desfrute da bela opereta que Hollywood nos oferece. Afinal, em se tratando de cinema, explica o crítico, a comicidade faz parte do apelo para atrair o público; portanto, não estamos diante de uma crítica ou de um desrespeito em relação às nossas instituições e costumes. Dez anos de propaganda paga não seriam capazes de fazer pela música popular brasileira o que essa fita, há três meses, está fazendo em Nova Iorque. Vejam-na se ela aí for levada, mas compreendendo o espírito americano de galhofa. Raul Rulien desempenha um papel. A moça carioca é Dolores Del Rio, que só aparenta saber uma palavra de brasileiro: titia. Bela opereta. Sem dúvida a de maior sucesso dos últimos tempos. Tinha, necessariamente, de ser um tanto cômica, para agradar ao novaiorquino. De outra forma, ninguém a iria ver.

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FONSECA, Goudin da. O Samba de Voando para o Rio dominando Nova Iorque. Correio Paulistano, 10.07.1934. p. 7.

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Repito que não se trata de crítica ao Brasil, mas sim de elogio à sua música popular, hoje vitoriosa em Nova Iorque.84

Mesmo com essa indicação favorável, o número musical The Carioca não conquistou a unanimidade do público brasileiro. Parte da crítica sublinhou a estilização do ritmo, mais para o maxixe, com um toque caribenho, do que para o verdadeiro samba. Isso novamente demonstrava o pouco cuidado dos produtores hollywoodianos com as expressões brasileiras. Outros, imbuídos do preconceito em relação à “música do morro”, questionaram a escolha do samba como representação nacional. E, por último, os insatisfeitos com maneira pela qual o ritmo brasileiro foi coreografado pelos diretores do filme. A unanimidade, sobre a presença do samba em Hollywood, ainda teria que esperar a missão de Walt Disney à América do Sul. Ou seja, a criação do Zé Carioca, que contracena com o Pato Donald no filme Alô Amigos (1943), embalado pela trilha sonora da composição de Ari Barroso, Aquarela do Brasil.* Como sabemos, esse samba passou a expressar um verdadeiro hino à brasilidade. Nas palavras de Ari Barroso, era um samba que há muito desejara, um samba que, “em sonoridades brilhantes e fortes, desenhasse a grandeza, a exuberância da terra promissora, da gente boa, laboriosa e pacífica, povo que ama a terra em que nasceu. Esse samba divinizava, numa apoteose sonora, esse Brasil glorioso.” 85 O sucesso de Aquarela do Brasil deve muito à musicalidade de seu compositor, mas não menos à do maestro Radamés Gnattali. Coube a ele escrever o arranjo que consagraria essa composição como uma das mais executadas no mundo ocidental, sobretudo depois de ser exportada como trilha sonora do filme de Walt Disney. A competência de Radamés foi harmonizar a gramática do samba dentro da estética musical que, naquele momento, emergia como expressão da moderna música popular, ou seja, o swing das grandes orquestras norte-americanas. A “justa medida” desenhada pelo maestro da Rádio Nacional encontra na orquestração escrita para Aquarela do Brasil sua expressão mais emblemática. Gravada pela primeira vez em 1939, por Francisco Alves, tornou-se uma referência para a música popular brasileira 84

Idem. * Anexo – CD das músicas selecionadas. 85 Citado por CABRAL, Sergio. No Tempo de Ari Barroso. Rio de Janeiro, Lumiar, s/d.

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nesse período.86 A composição de Ari Barroso foi amplamente gravada por orquestras e cantores, tanto nacionais quanto internacionais. Para citarmos alguns exemplos, no início dos anos 1940, ela passa a integrar o repertório da orquestra cubana de Xavier Cugat, a mais proeminente orquestra latina daquele momento. Posteriormente, no final dos anos 1950, o cantor norteamericano Bing Crosby gravaria uma versão em inglês. Vale notar que a canção foi exportada com o título Brazil e, em todas as suas gravações, a estruturação do arranjo orquestral refere-se à matriz criada por Radamés Gnattali. Pode-se argumentar que o samba foi bem apresentado por Hollywood através da figura emblemática de Carmen Miranda, cujo primeiro filme realizado pela 20th Century Fox, Serenata Tropical, estreou em 1940. Mas sua figura ambígua esteve longe de ser unanimidade. A forma de interpretar as canções; o jogo de corpo; a vestimenta de baiana; os balangandãs e mesmo a personalidade da atriz, ousada para os padrões da época, se por um lado extasiava o público norte-americano, para determinados setores da sociedade brasileira, sobretudo a elite, Carmen era acusada de exportar uma imagem caricata do país e, para os mais nacionalistas, o samba havia sucumbido à sua americanização. Portanto, o consenso geral do retrato mais positivo do país, pintado por Hollywood, ficou por conta de Alô, amigos – a figura carismática do Zé Carioca, inventariando as coisas nossas ao amigo Donald, na aprazível Copacabana, ao som de Aquarela do Brasil. Importante lembrar que o filme foi 86

Jairo Severiano e Zuza Homem de Mello identificam o período entre 1929 e 1945, como a Época de Ouro da nossa música. Nesse momento, a música popular brasileira vive uma grande fase. Além da profissionalização dos seus artistas, trata-se de um dos momentos mais férteis de sua história, período esse que vai estabelecer padrões que vigorarão ao longo do século. Segundo os autores, a Época de Ouro resultou da conjunção da renovação musical iniciada no período anterior (1917-1928) com a criação do samba, da marchinha e de outros gêneros; com a expansão do rádio, como um veículo de comunicação de massa; com a gravação eletromagnética do som e o advento do cinema “falado” e, não menos importante, com o aparecimento de um considerável número de artistas talentosos. Nesse momento, destacam-se os compositores: Ari Barroso, Noel Rosa, Lamartine Babo, João de Barro, Custódio Mesquita, Assis Valente, Ismael Silva, Ataulfo Alves, Dorival Caymmi, Wilson Batista, Herivelto Martins, Geraldo Pereira; e os cantores: Mário Reis, Silvio Caldas, Carmem e Aurora Miranda, o conjunto Bando da Lua, Araci de Almeida, Dalva de Oliveira, Irmãs Batista, Orlando Silva e Nelson Gonçalves, entre outros. Além de inúmeros músicos talentosos, os autores sublinham os trabalhos de dois arranjadores – Pixinguinha e Radamés Gnattali, responsáveis pela criação de padrões de orquestração para a música popular brasileira. Vale ainda citar, conforme a periodização seguida pelos autores, a fase posterior à chamada Época de Ouro. Essa, refere-se ao período entre 1946 e 1957. O momento traduz uma espécie de ponte entre o que se consolidou como tradição e a modernização, que viria com a bossa nova. Nesse período, além da presença ainda marcante da geração anterior, destaca-se a moda do baião e do sambacanção, o chamado samba-de-fossa. SEVERIANO, Jairo & MELLO, Zuza Homem de. A Canção no Tempo: 85 anos de músicas brasileiras. São Paulo, Ed. 34, 1997, vol.1.

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produzido pelos estúdios Walt Disney, sob a supervisão direta de Nelson Rockefeller. Comparada a The Carioca, Aquarela do Brasil estava muito mais próxima à expectativa de certa representação da nação. Essa, construída sob os auspícios do governo Vargas, reeditou a “autêntica” identidade brasileira, a partir da reabilitação da terra tropical e do mestiço como ícones da brasilidade e, sobretudo, celebrou tais imagens no âmbito do nacionalismo ufanista que se tornou uma das peças de sustentação do Estado Novo. Em outras palavras, a composição de Ari Barroso, em seu moderno arranjo instrumental concebido por Radamés Gnatalli, pode ajustar-se perfeitamente ao propósito de representar, como ele intuiu, numa apoteose sonora, o Brasil glorioso. Chama a atenção o contraste entre o conjunto de imagens produzido como cenário da capital brasileira e a cena na qual Voando para o Rio apresenta o samba, ou melhor, The Carioca. É evidente o propósito de se forjar, ao longo da narrativa fílmica, um retrato glamoroso do Rio de Janeiro. A estratégia combina imagens da natureza exuberante da cidade tropical com a estampa de uma pretensa metrópole cosmopolita. Aí, ressaltam-se o movimento das ruas, automóveis e pedestres; os edifícios modernos; os ambientes luxuosos do jóquei-clube, dos hotéis e clubes noturnos etc. Mas sempre na perspectiva de ordenar os elementos dentro de um sentido harmonioso e aprazível. A dissonância irrompe no número musical dos Turunas e da cantora Etta Motten. Nesse momento, algo destoa do sentido de equilíbrio preservado pelo quadro, como se a música e a coreografia se precipitassem para fora do retrato mais amplo da cidade, até então mostrado pelo filme.

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Fig. 36 A chegada dos Yankee Clippers, de Miami, ao Rio de Janeiro. Tomada aérea da cidade. Imagem do filme Voando para o Rio (1933)

Fig. 37 Cenas do Rio de Janeiro elegante e bem vestido retratado em Voando para o Rio (1933). À esquerda, o comércio de luxo e, à direita, o jóquei-clube.

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Podemos pensar a cena em que The Carioca é coreografada, composta por três grupos de dançarinos. Importante dizer, os seus lugares não são intercambiáveis ao longo do desenvolvimento da dança. Um dos grupos referese a dançarinos negros, a eles cabe realizar a coreografia mais ousada que a música sensual dos trópicos inspira. O outro grupo é composto por dançarinos brancos e, por fim, o centro do espetáculo, ocupado pela dupla Fred Astaire e Ginger Rogers. A cena acontece em um cassino, no filme chamado Carioca, onde se apresentam os Turunas. O cenário sugere uma atmosfera exótica, com o seu salão de dança circundado por denso jardim de plantas e árvores tropicais; o mobiliário rústico decora a arquitetura aristocrática do local. Quando o mestre-de-cerimônias anuncia a presença dos ilustres visitantes norteamericanos e propõe ao público se não gostaria de ouvir um foxtrote, a resposta é unânime: preferimos a Carioca. O que há de errado com o foxtrote? Questiona Fred Astaire. O gerente do clube lhe explica: O foxtrote é considerado monótono, muito recatado. Nosso país prefere a Carioca. Na seqüência, os Turunas iniciam o número musical. Os casais se dirigem à pista e começa a dança, que consiste em executar os movimentos com suas testas grudadas. Segue então o diálogo entre Fred Astaire e Ginger Rogers: – Então essa é a Carioca. (F.A) – O que significa isso de juntar as testas? (G.R) – Telepatia mental. (F.A) – Posso adivinhar o que estão pensando de longe...O truque é manter a mente em branco. (G.R) – Com essa música, é impossível. (F.A)

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Fig. 38 O país prefere a Carioca. Cena do público do cassino dançando a Carioca. Voando para o Rio (1933).

A próxima seqüência é possível prever. Sentindo-se desafiados pelos casais, a dupla resolve arriscar-se na Carioca. A performance de Fred Astaire e Ginger Rogers, evidentemente, reinventa a coreografia, vai ajustá-la à maneira que os consagrou como o mito da era do filme musical. O que até o momento parecera uma dança pitoresca e exótica, transfigura-se num bailado moderno. O excessivo é simplificado, o improviso dilui-se na precisão de cada gesto, enfim, a Carioca adere à modernidade.

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Fig. 39 Imagens de Fred Astaire e Ginger Rogers na dança da Carioca. Ao fundo os Turunas. Voando para o Rio (1933).

A imagem a seguir ilustra a performance dos dançarinos negros. A cena condensa um forte apelo sensual. O samba é aí coreografado de forma a exaltar certo erotismo que o seu ritmo sincopado evocaria. Nesse momento, não era tanto uma dança de “testas” que caracterizaria a Carioca, mas, sim, o requebrado dos quadris.

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Fig.40 Dançarinos negros mostram como se dança a Carioca. Voando para o Rio (1933).

Fig.41 A cantora Etta Motten, em trajes de baiana, canta The Carioca. Mais tarde, o traje seria popularizado por Carmen Miranda. Voando para o Rio (1933).

The Carioca tornou-se, nesse início dos anos 1930, um dos maiores sucessos musicais junto ao público norte-americano. No contexto da “redescoberta” dos vizinhos do sul, a latinidade desembarcava na América do Norte pela via das produções hollywoodianas. Aí, os seus ritmos podem até se

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mesclar ao foxtrote ou ao swing, ganhar um matiz jazzista, mas se mantêm, sob a perspectiva dessa recepção, fortemente marcados pelo exotismo. Vejamos como a composição definia a Carioca. A Carioca 87 Você conhece a Carioca? Não é foxtrote ou polca Ela tem um quê de um novo ritmo Um “blue rhythm” de suspirar Ela tem uma métrica travessa Um pouco de brincadeira, de loucura Quando você dançá-la com um novo amor Há amor verdadeiro nos olhos dela Você sonha com uma nova Carioca Sua música é um beijo e um suspiro Você sonha com uma nova Carioca Quando o baile acabar e nós dissermos adeus Duas cabeças juntas, dizem, é melhor que uma Duas cabeças juntas é como a dança começa Dois braços enlaçam você e lábios que suspiram Eu pertenço a você e você pertence a mim

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The Carioca: Edward Eliscu/ Gus Kahan/ Vincent Youmans Say, have you seen the carioca? It's not a foxtrot or a polka It has a little bit of new rhythm A blue rhythm that sights / It has a meter that is tricky A bit of wicked wacky-wicky when you dance it with a new love There's a true love in her eyes / You dream of a new Carioca It's theme is a kiss and a sight You dream of a new carioca When music and lights are gone and we're saying goodbye / Two heads together, they say are better than one Two heads together, that's how the dance's begun Two arms around you and lips that sigh I'm yours and you're mine / While the carioca carries you away While we carioca till the break of day / Now that you've done the carioca You'll never care to do the polka And then you'll realize the blue hula anda bamboola are through / Tomorrow morning you’ll discover You're just a carioca lover And when you dance it with a new love There'll be true love just for you / You'll dream of a new carioca Its theme is a kiss and a sigh You'll dream of a new carioca When music and lights are gone and we're saying goodbye

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Alegorias da dominação

A análise de Ella Shohat e Robert Stam, sobre a imagem da América Latina no filme musical, chama atenção para o fato de que a estrutura do gênero articulou-se à construção de alegorias afirmativas da hierarquia étnica eurocêntrica. Nesses termos, afirmam os autores, “o musical favoreceu uma divisão do trabalho por etnia, ao apresentar um modo de narrar relativamente ‘realista’ ligado aos personagens brancos em oposição a números musicais implausivelmente lúdicos de latinos – já que o delicioso modo de ser destes últimos ofereceria uma licença narrativa para a exibição exótica.”

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O exemplo

do número musical “genuinamente” brasileiro, The Carioca, apresentado em Voando para o Rio opera nessa lógica. A exceção, nesse quadro, refere-se à coreografia realizada por Astaire e Rogers. O estilo da dupla sobrepõe-se aos movimentos até então desenhados pelos outros dançarinos, não por acaso, eles serão o centro do espetáculo. Não se trata aqui dos bailarinos exibirem sua maestria em apreender os passos da nova dança e, tampouco, de celebrála em sua singularidade, mas se trata, sim, da afirmação da competência de um estilo capaz de reinventá-la, transfigurando-a em uma dança moderna. A cena de Astaire e Rogers destaca-se, assim, do cenário “exótico”, para se identificar com o cosmopolitismo do Rio de Janeiro, glamorizado pela narrativa fílmica. Importante observar que o filme apresenta três quadros musicais, cada um referenciado a um gênero musical distinto: o samba – The Carioca; o tango – Orchids In The Moonlight; e o foxtrote – Flying Down To Rio, o fabuloso balé aéreo no encerramento do filme. Tal composição explicita as ligações entre a produção da RKO e os interesses da Pan American Airways, que, como abordamos anteriormente, empreendia na época o domínio da navegação 88

SHOHAT Ella & STAM, Robert. op. cit., pp. 331 e 332.

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aérea no continente. Novamente, Ella Shohat e Robert Stam sugerem uma interpretação arguta sobre esse aspecto de Voando para o Rio. A chave de compreensão articula-se à tendência em direção à “alegoria” que os autores observam nos filmes realizados em sociedades multirraciais. Para eles, tais filmes caracterizam-se como alegóricos. Vale dizer que o sentido de alegoria, aqui, refere-se aos textos que metaforizam a esfera pública mesmo quando narram histórias aparentemente privadas e nos quais estão intrinsecamente entrelaçados o pessoal e o político, o privado e o histórico. Resguardada em violar princípios de pureza e ordem social, a grande maioria das histórias de amor nas comédias musicais, afirmam Shohat e Stam, evita qualquer insinuação de miscigenação. A exceção apareceria nas produções hollywoodianas que refletem a cobiça econômica por parte das corporações norte-americanas. Esse seria o caso de Voando para o Rio. O enredo do filme, portanto, metaforizaria – na união matrimonial entre a aristocrata brasileira Belinha de Rezende e o galã, músico e aviador norteamericano Roger Bond – os interesses imperialistas da Pan American e, também, da RCA, com seus empreendimentos na área da telecomunicação. De fato, o roteiro do filme aponta para uma estrutura que evoca esse sentido alegórico. Vejamos: As primeiras cenas mostram o flerte entre o band leader, Roger Bond, e Belinha, no hotel em Miami. Rompido o contrato da orquestra, os Yankee Clippers recebem o convite para um trabalho no Rio de Janeiro. Coincidentemente, Belinha deve partir também, pois seu pai (o dono do Hotel Atlântico, que será inaugurado pela orquestra de Roger) adoeceu. Ainda em Miami, no saguão do hotel, o casal, inesperadamente, encontra-se quando está enviando um radiograma para o Brasil. Trata-se, claro, de um serviço disponibilizado pela R.C.A Comunications. Inc. Sabedor da urgência de Belinha em partir para o Rio, o aventureiro galã planeja levá-la até Porto Príncipe em seu avião monomotor. Ali, a encantadora latina tentaria alcançar o vôo, que

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havia perdido, para o seu país. Tudo resolvido, a brasileira vai aventurar-se nessa viagem com o band leader. Importante frisar que, nessas circunstâncias, Roger tem a inspiração para o título de sua nova composição: Flying Down to Rio. Tudo corre muito bem, até que um falha mecânica resulta num pouso forçado em uma isolada ilha do Caribe. Depois da aterrissagem perfeita numa belíssima praia deserta, o aviador norte-americano se ocupa do reparo do motor. Solucionado o problema, ele percebe o pouso na ilha como oportunidade ideal para seduzir a “irresistível” latina. Afinal, nada mais romântico do que uma ilha no mar caribenho, ainda mais porque anoitece e a lua desponta no céu. Inventando uma desculpa, Roger comunica à Belinha que somente poderão prosseguir a viagem na manhã seguinte. As próximas seqüências retratam o jogo amoroso entre o casal nesse cenário sedutor. No que diz respeito à personagem latino-americana, questões ligadas à tradição e à moral de sua família aristocrática e ao seu compromisso já firmado com o noivo brasileiro refreiam o desejo que a impulsiona para os braços do galã aventureiro. (Esses pensamentos são narrados ao público através de um efeito que duplica a imagem dos personagens.) Para o norte-americano, as questões são de ordem tática. Trata-se de avaliar o método mais indicado para sair-se bem no empreendimento de sua conquista. Pesado os prós e os contras, a música lhe parece o meio infalível para avançar em seu objetivo. O problema é qual música poderia tocar a alma do seu objeto de desejo. Olhando Belinha, Roger compara sua beleza a uma orquídea, acrescenta-se aí o esplêndido luar da ilha tropical e teremos o tema da canção: Orquídeas à luz do luar. Tais metáforas colocam em cena as tensões entre a tradição e a modernidade. O norte-americano, apresentado como protótipo do homem moderno, age segundo a mentalidade que prescreve a prática desvencilhada dos valores morais sustentados pela tradição. Pode, nesse sentido, aventurarse no futuro, pois o seu tempo afirma-se no presente, objetivando conquistas

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futuras. Sua ética entroniza o individualismo, preconiza a liberdade de escolhas próprias e da busca da felicidade. É a “América” liberal, glamorizada como modelo de civilização e progresso. Em contraposição, a latino-americana tem o seu presente concebido pelos vínculos com a tradição. Seu mundo existe na condição da preservação do passado. Este circunscreve o presente à ética da conservação de uma moral aristocrática, entrelaçada às estruturas do poder familiar oligárquico. Portanto, ela encarnaria a representação dos “ranços prémodernos”, o atraso frente ao mundo orientado pelas conquistas da civilização contemporânea. Em meio essa trama, o galã vai investir em sua conquista. Ele movimenta-se orientado pela razão prática, por um arguto senso de oportunidade. A música é apenas um artifício de sua estratégia. Resta saber qual a mais adequada. No interior do seu avião monomotor, Roger dispõe de uma pianola. Soam os primeiros acordes da composição, a melodia mescla-se aos sons da ilha e tudo se harmoniza em uma atmosfera romântica. Belinha sede aos poucos ao encantamento daquela música que se irradia do interior do avião. Interessante observar que a composição é um tango. Adiante na narrativa fílmica, Orchids In The Moonlight irá compor a partitura de um número musical. Em tal quadro, o cenário é ambientado num clube de aviação e a orquestra, içada dentro de um balão, posiciona-se acima da pista, onde os bailarinos executam a coreografia do tango.

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Fig. 42 Roger, dentro de seu avião monomotor, executa na pianola o tango Orquídeas ao Luar. Gene Raymond - Voando para o Rio (1933)

Fig. 43 Belinha ouve encantada a canção de Roger. Dolores Del Rio Voando para o Rio (1933)

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Fig. 44 Seduzida pela música, Belinha sede à conquista de Roger. O beijo do par romântico no interior do monomotor. Voando para o Rio (1933)

Fig. 45 A consumação do empreendimento de Roger. Em um clima romântico de uma ilha deserta do Caribe, encantada pelo som da música, a adorável latina é conquistada pelo norte-americano. Voando para o Rio (1933)

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De súbito, tomada pela consciência de seus valores morais, Belinha se afasta de Roger. Ela lhe explica os motivos que a impedem de levar adiante esse inesperado romance. Seu destino já está estabelecido pelas convenções de sua sociedade e nada poderá mudar isso. Portanto, o melhor é esquecer tudo, como se nunca tivessem se conhecido. O galã aventureiro não aceita essa condição. Segue então o diálogo. O texto é lapidar como revelação do sentido da alegoria condensada no filme. – Minha vida já está comprometida. (B) – Não me fales como no século XVIII, quando uma regra familiar poderia se impor à felicidade... (R) – As coisas se fazem assim no meu país. (B) – Então farei algumas mudanças radicais nos costumes do seu país. (R) – Meu noivo já construiu para mim uma bela mansão na Baia do Rio. (B) – Mas você me quer! (R) – Você diz com muita segurança. (B) – E eu te quero! (R) – Não sabes nem o meu nome. Vamos esquecer essa noite. Estou disposta que não me vejas nunca mais. (B) – Nem que tenha que vasculhar o país de norte a sul. Terei você. (R) – Não permitirei... Você fará o que eu te digo. (B) – Você crê? Nada me impedirá...nem tua família, nem teu noivo, nem o Exército, nem a Marinha, nem toda a sul América me impedirá. (R)

O dialogo se exaspera, e Belinha, perdendo a compostura, dá um tapa no rosto de Roger. O galã não se faz de rogado. Energicamente, a toma nos braços e, virando-a de bruços em seu colo, “aplica-lhe uma lição”. Se levarmos ao limite o sentido da alegoria que o filme evoca, tal qual nos propõe Shohat e Stam, poderíamos intuir que, em tempos de “política da boa vizinhança”, a cena representa um retrocesso. De qualquer forma, ela se dilui no jogo amoroso do casal. Para o espectador, que até então havia adentrado a intimidade dos dois no cenário romântico da ilha e, com certeza, havia sido seduzido pela canção do conquistador, a resistência de Belinha não passava do capricho de uma moça mimada.

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Fig. 46 O galã revida energicamente o tapa na cara. Voando para o Rio (1933) O balé aéreo ao som do foxtrote

Expressão do moderno, o galã norte-americano tem o seu personagem construído a partir de determinados signos que, naquele momento, afirmam o ideal de modernidade. A começar pelo fato de dispor, como meio de locomoção, de um aeroplano. Essa condição de aviador lhe confere o poder de aventurar-se em novas experiências de espaço e tempo. Ele, senhor de si, controla o aparato técnico que lhe permite o domínio da velocidade. Tais insígnias configuram a aura do seu glamour. Pois, como analisa Paul Virilio, a revolução tecnológica, que estabeleceu o primado da velocidade na civilização ocidental moderna, tende a dividir o mundo entre aqueles que capitalizam a velocidade, os esperançosos, a quem é permitido esperar pelo amanhã, pelo futuro, e os desesperançosos, “imobilizados pela inferioridade de seus veículos técnicos, vivendo e subsistindo num mundo finito.”89 Mas a máscara do personagem completa-se com a do músico, o band leader, identificado com o que havia de mais cosmopolita na época: o jazz. Assim, suas composições fascinam pela pertinência a um campo de representações simbólicas. Em 89

VIRILIO, Paul, op. cit., p. 57.

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outras palavras, sua arte define-se pela dialética que estabelece com o capital simbólico resultante da síntese aviador/músico. Aliás, tal síntese, no filme, projeta-se no próprio avião. Lembremos, o objeto símbolo do progresso moderno, o monomotor do nosso personagem, está equipado com um piano. Essa insólita conjunção – avião/piano – expressa relações simbólicas de certo sentido da música nesse particular contexto cultural. O avião e a música articulam-se numa espécie de síntese em Voando para o Rio. Tal qual o personagem do filme, na escolha de um tema musical adequado para empreender a sedução do seu objeto de desejo, trata-se de pensar uma estética musical que, através de suas imagens sonoras, mescle-se como trilha desse objeto, ou melhor, da sua representação como signo da mobilidade e da imaginação instigada pela aventura do deslocamento no espaço. Ou seja, que música – com seu ritmo, cadência, melodia, harmonia e timbre – pode emprestar sua poética para coreografar o deslocamento da aeronave? A resposta que o filme nos oferece é: o foxtrote. Pelo menos, o gênero insere-se no apoteótico balé aéreo referente às seqüências finais da película. Vale dizer que o nosso aviador filia-se ao herói da velocidade clássica, no sentido que Roland Barthes lhe atribui, sua experiência de velocidade se traduz como uma aventura, um divertimento. O tempo de sua trajetória, do seu movimento no espaço, conflui para esse sentido. Como sabemos, a matriz da música é o tempo. Ela contém seu efeito estético precisamente através do seu movimento temporal. Efeito esse, resultante da organização do fluxo de sons a partir de um ritmo, aliás, o ritmo define sua poética90. Assim, em Voando para o Rio, o ritmo do foxtrote expressa a aventura da modernidade. Vejamos como o filme irá juntar o foxtrote e o espetáculo aéreo. O pai de Belinha de Rezende, na inauguração do seu novo empreendimento, o Copacabana Palace (no filme Hotel Atlântico), para a qual os Yankee Clippers foram contratados, não pode dispor de um espetáculo de música e dança, pois seus inimigos políticos o impediram de conseguir o alvará municipal para a realização do número. Portanto, a abertura do hotel corre o risco de ser um

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Segundo Gino Baratta: “O ritmo em música (correlacionado com a harmonia e a melodia) é o modo pelo qual se organiza o movimento que em nós responde ao som, ou melhor, o movimento graças ao qual o som se constitui com tal no ouvinte; este deverá constatar que o ritmo participa da obra como parte integrante, de tal modo que constitui a sua lei profunda de desenvolvimento interno.” BARATTA, Gino. “Ritmo”. In: ENCICLOPÉDIA EINAUDI, Oral/Escrito Argumentação. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1987, Vol. 11. p. 111.

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fracasso. O impasse é solucionado com um balé aéreo. Assim, a orquestra tocaria na sacada do hotel, enquanto uma esquadrilha de aviões, transportando em suas asas as bailarinas, faria realizar o número de dança nos céus do Rio de Janeiro. O clichê do anúncio do filme sublinhava exatamente essa cena apoteótica como a grande sensação da produção da RKO – Lindo demais para ser feito na terra, ele foi filmado no céu maravilhoso do Brasil! Ao sobrevoarem o Hotel Atlântico (Copacabana Palace), os aviões anunciam no céu a abertura do espetáculo. Fred Astaire, no comando dos Yankee Clippers, dá início à música: um foxtrote, com um moderno arranjo ao estilo das grandes orquestras que, a essa altura, ganhavam força na cena musical norte-americana. Cabe ainda sublinhar que a letra dessa canção implicitamente alude a certa mensagem publicitária da Pan American e da RCA. Voando Para o Rio91 * Um velho marinheiro, num tempo antigo, cantaria uma velha canção Navegando para o rio através de um mar bravio Um novo marinheiro em nossa época cantaria uma nova canção Voando para o Rio, venha comigo. Enquanto adoráveis garotas brasileiras capturam seus olhos Sob a luz de milhões de estrelas no céu Meu Rio, Rio... Voando para o Rio, onde há ritmo e rima Hei “amigo”, gire, faça girar, aquela velha hélice Vamos para o Rio, vamos ganhar tempo Você vai amá-lo, voando alto sobre ele Olhe para o Rio de um firmamento azul Passe um rádio para o Rio de Janeiro com um grande alô, assim eles saberão e estarão por lá Nós vamos voar para lá Hei Rio, tudo estará bem. Nós vamos cantando e voando até você

91

Flying down to Rio: Edward Eliscu/ Gus Kahan/ Vincent Youmans An old sailor in an old time would sing an old song. Rolling down to Rio in a wild sea A Young sailor in its time would sing a new song. Flying down to Rio, come with me! While lovely Brazilian ladies would catch your eyes. By the light of a billion stars under the evening sky”./ My Rio, Rio by the Sea-o. Flying down to Rio where there's rhythm and rhyme. Hey feller, twirl that old propeller. Got to get to Rio and we've got to make time. You'll love it, soaring high above it Looking down on Rio from a heaven of blue. Send a radio to Rio de Janeiro. With a big hello just so they'll know and stand by there. We'll fly there. Hey, Rio, everything will be okay. We're singing and winging our way to you. * Anexo – CD das músicas selecionadas.

103

Fig. 47 Acrobacias aéreas anunciam o espetáculo dos Yankee Clippers nos céus de Copacabana. Voando para o Rio (1933)

Fig.48 Fred Aistare, no comando dos Yankee Clipper, interpreta o foxtrote Flying Down to Rio, na sacada do hotel. Voando para o Rio (1933)

104

A seqüência seguinte nos mostra o fantástico balé nos céus de Copacabana. A cena, construída a partir da utilização de efeitos especiais, possibilitou fundir tomadas aéreas da cidade do Rio de Janeiro com as cenas de estúdio, nas quais as bailarinas realizam uma coreografia presas às asas dos aviões. O recurso dava uma sensação realista às imagens. Aqui, a aventura da modernidade era celebrada através do espetáculo da esquadrilha de aviões ao som do foxtrote Flying Down to Rio. Diferentemente do apelo erótico do número musical do samba – The Carioca, cuja tônica recaia na moldura exótica, a erotização agora jogava com a sensualidade de “deslumbrantes garotas” surfando nas asas dos aeroplanos.

Fig. 49 O erótico bailado aéreo; os aviões aproximam-se do hotel.

Fig. 50 Sobrevoando o Hotel Atlântico (Copacabana Palace).

105

Fig. 51 Praia de Copacabana, o espetáculo aéreo defronte ao Hotel Atlântico (Copacabana Palace).

Fig. 52 A sensualidade nas asas do aeroplano, ao som do foxtrote.

106

Para finalizarmos, um breve comentário sobre o desfecho do filme. Aqui explicita-se mais uma vez o sentido da alegoria na narrativa de Voando para o Rio. O triângulo amoroso resolve-se com o casamento da sedutora brasileira com o aviador músico norte-americano. Isso depois que o aristocrata Júlio Ribeiro, noivo de Belinha e amigo incondicional do band leader, percebe não poder impedir a paixão entre sua noiva e o amigo norte-americano. Esse já havia desistido da latina, pois agora compreendia a força dos vínculos familiares que a prendiam a Júlio. Nessas circunstâncias, ele toma o vôo para Buenos Aires. Júlio, sabendo desse fato e compreendendo ter perdido o amor de Belinha para Roger, embarca com ela no mesmo avião em que se encontra o norte-americano. Na aeronave, sob os auspícios de Júlio, o comandante do Clipper realiza o casamento entre Roger e Belinha. Segue, então, a fala de Júlio. Voltando-se para o amigo norte-americano, ele esclarece a sua decisão: Roger, tua felicidade é a minha felicidade; e, dirigindo-se à ex-noiva: Belinha, que você seja muito feliz. Boa Sorte! Adeus. Embora, a trilha sonora dessa cena refira-se ao tango Orquídeas a Luz da Lua, afinal o avião está à caminho de Buenos Aires, tudo se resolve sem arroubos dramáticos. No território neutro do espaço aéreo, a razão prática, tão pertinente ao estilo de vida moderno, pode exercer-se em sua plenitude. Finalizado o casamento aéreo, Júlio salta de pára-quedas e suavemente pousa próximo ao Hotel Atlântico, enquanto o avião se distância.

Fig. 53. Júlio salta do avião, observado pelo comandante e os recém-casados.

107

Fig. 54 O Clipper afasta-se do Rio de Janeiro em direção a Buenos Aires.

Voando para o Rio apresenta a síntese de três elementos ícones da modernidade: o hotel, o avião e a dança. Trata-se aqui da confluência entre a viagem e o baile. Segundo o filósofo alemão Siegfried Kracuer – que muito inspirou os escritos de Walter Benjamin, outro filósofo preocupado com a sensibilidade moderna –, após a Primeira Guerra Mundial, a sociedade moderna burguesa celebrou, nos bailes e nas viagens, o triunfo do seu estilo cosmopolita e moderno. Cada vez a viagem resulta numa ocasião incomparável de estar num lugar distinto daquele que se ocupa habitualmente. Cumpre uma decisiva função como transformação espacial e como mudança temporal de situação. Assim como a viagem foi reduzida a uma pura experiência do espaço, o baile foi transformado numa mera forma de marcar o tempo. [...] A dança social moderna alienada da rede convencional que rege as classes médias tende a se converter em uma representação do ritmo e nada mais. Ao invés de expressar uma série de idéias no tempo, seu conteúdo atual não é mais que esse mesmo tempo. Se em tempos mais remotos a dança era uma prática de

108

culto. Hoje ela se converteu em puro culto ao movimento. Se o ritmo era uma manifestação de Eros e do espírito, hoje não é outra coisa senão um fenômeno auto-suficiente que anseia liberar-se do sentido. 92

Não por acaso, o Copacabana Palace, fundado no ano de 1923, no Rio de Janeiro, foi o cenário escolhido para a cena final, onde o moderno balé aéreo toma lugar como espetáculo, ao som do foxtrote Flying down to Rio.

*

92

*

*

KRAKAUER, Siegfried. Estética Sin Território. Valencia, Fundación Cajamurcia, 2006. p.189

109

Um monumento ao progresso: a inauguração de Congonhas Em dezembro de 1954 foi inaugurada a Estação Central de Passageiros do Aeroporto de Congonhas, a maior área coberta de passageiros do país, sem dúvida um marco na arquitetura da cidade relacionada ao transporte aéreo. Com as novas instalações, Congonhas era comparado aos modernos aeroportos do mundo, incorporando em suas dependências lojas, restaurante, boate e toda sorte de facilidade e comodidade para fazer jus, como sublinhavam os jornais, ao maior e mais movimentado aeroporto do Brasil que honra e orgulha os quatrocentos anos de São Paulo, cooperando consideravelmente com o progresso e desenvolvimento da “cidade que mais cresce no mundo”.93

Fig. 55 Imagens das modernas instalações do aeroporto de Congonhas, inauguradas em Dezembro de 1954. Vista Panorâmica: torre de controle e detalhes da estação central. Jornal A Gazeta, 11.12.1954, p. 11

93

Jornal A Gazeta, 11.12.1954, p. 11.

110

O pavimento superior, com uma área de mais de 3.500 metros quadrados, era destinado à instalação de um grande restaurante, com todos os anexos indispensáveis a uma construção desse gênero. O terraço, que avançava sobre o pátio do aeroporto, foi emoldurado por amplas vidraças, permitindo cômoda e perfeita apreciação do movimento dos aviões, um espetáculo sempre interessante, comentavam os jornais, especialmente à noite. Tendo em vista a sua localização, a grandiosidade e a sofisticação de sua construção, apostava-se que o local em breve seria um dos centros de atração da cidade, a exemplo do que se verificava em grandes aeroportos mundiais, como os de Orly, em Paris, e o Pistani de Buenos Aires. De fato, Congonhas incorporou-se à paisagem da metrópole, tornandose um ícone de sua modernidade. Além da decolagem e aterrissagem das aeronaves procedentes de diversas partes do país e do mundo, tidas como um espetáculo para a audiência curiosa que afluía às suas dependências, os jornais informavam diariamente em suas colunas sociais a lista de embarque e desembarque dos passageiros. O fato concorria para aumentar a aura de glamour desse lugar das viagens aéreas. Jorge Americano, em suas memórias, narra a trajetória do aeroporto paulista, que, inaugurado em 1934, possuía uma estrutura muito precária, composta de uma pista e um barracão de madeira utilizado como estação de passageiros, mais tarde substituído por um pequeno conjunto que, seria demolido com a construção do atual, com o restaurante, o grande salão de espera e de bailes e duas estreitas e longas alas de embarques.

94

A presença

de um salão de baile nas dependências desse aeroporto é extremamente reveladora. Ela nos dá indícios de que a viagem e o baile estão interligados, não apenas num sentido físico, espacial, mas, sobretudo, no plano simbólico. A equação, aeroporto/salão de baile, em Congonhas, reedita um índice de modernidade apresentado de forma tão emblemática em Voando Para o Rio.

94

AMERICANO, Jorge. São Paulo Atual – 1935-1962. São Paulo, Melhoramentos, 1963. p 115.

111

Fig. 56 Aeroporto de Congonhas, vista externa. 1955

Fig. 57 Aeroporto de Congonhas, saguão. 1956

112

Congonhas, afirmando-se pelo seu deslumbrante espaço físico e social, fundava-se como um lugar que, em sua monumentalidade, assemelha-se ao que fora a Estação da Luz nas primeiras décadas do século XX. Na época, o edifício da Luz, com os traços de uma imponente construção vitoriana, tornouse símbolo da metrópole paulista, figurando como ícone de sua modernidade. Se a primeira estação ferroviária, construída no final de 1860 com o objetivo de atender à recém-criada São Paulo Railway, tinha uma arquitetura tímida, o novo prédio, inaugurado em 1901, apresentaria linhas arquitetônicas à altura daquilo que as elites acreditavam ser a expressão da marcha do progresso da civilização em terra paulista. Tal fato teve como garantia a chancela de um projeto elaborado na Inglaterra, além, é claro, de que todo o material necessário para a execução da obra fora importado desse país. Cabe lembrar: a implantação da nova estação se beneficiaria da proximidade do Jardim da Luz, remodelado durante a gestão do prefeito Antonio Prado (18891910). Assim, a Estação da Luz e o Jardim da Luz iriam compor um importante cartão-postal da cidade nas primeiras décadas do século XX.95 Tratava-se de um cenário bem ao gosto da afirmação de respeitabilidade burguesa com a qual a elite naquele momento se identificava. Evocando o retrato que o cronista Sylvio Floreal fez do Triângulo, podemos dizer que por aqui também passavam elegâncias conformadas aos detalhes exigidos pelo pedantismo imperativo do código do bom-tom e das normas da burguesíssima urbanidade ou, como está descrito na crônica abaixo, pela estação desfila o que há de mais hygianópolis no gênero. Tal crônica, publicada no início dos anos de 1920, nos dá uma idéia do capital simbólico (ou social) agregado ao conjunto arquitetônico da Luz. Notemos que o texto, com sua concisão e estilo telegráfico, busca traduzir a atmosfera de modernidade que a Estação da Luz inspirava. O autor flagra a despedida, em um domingo à noite, de um jovem casal de noivos na plataforma de embarque do trem com destino à capital da república. Todos os detalhes: os figurinos; os gestos; os personagens; o burburinho da estação e a severidade com que uma respeitável senhora, a matrona, vigia os últimos

95

Cf. TOLEDO, Benedito Lima de, op. cit. p. 82.

113

instantes dos noivos, antes da separação, compõem a dramaticidade digna de uma despedida romântica em alto estilo.

Domingo. Estação da Luz, 20h50, hora oficial. O noturno está prestes a partir. A plataforma cheia de senhoras e cavalheiros – o que há de mais hygianópolis no gênero que vem despachar amigos ou parentes para a capital da república. A um canto cochicham dois noivos (ao que parece), à sombra de uma respeitável matrona que desempenha as funções de anjo da ‘guarda’. Ele tipo perfeito de embevecido, solenemente encadernado em uniforme do exército; ella – tipo acabado de irresistível, luxuosamente acondicionada em sedas e gazes. E ambos tristes e nervosos. Estados de alma que convêm ao momento da separação. Ouve-se o primeiro sinal da companhia. Os dois jovens se abraçam e se contemplam longamente. Por fim, soa o sinal da partida. Dir-seia que fora dado para eles exclusivamente. Ele a beija nas mãos e na testa; e dos dois pares de olhos, dois pares de lágrimas caem sobre a plataforma...96

O cronista, é certo, deixa transparecer uma ponta de ironia, por exemplo aquela que se depreende do uso da expressão o que há de mais hygianópolis no gênero, ou dos sinais de uma dramaticidade excessiva na performance dos noivos. Esse matiz se explicita quando, mais adiante, a narrativa revela que o destino do noivo era Mogi das Cruzes, uma localidade muito próxima a São Paulo, e que o seu retorno estava previsto para o dia seguinte. Ora, a princípio é claro o descompasso entre a ação dramática levada a efeito pelo casal e o fato de que a separação não se estenderia por mais de um dia. No entanto, poderíamos imaginar uma outra questão em jogo aí. Esta nos apontaria para a aura de suntuosidade que a Estação da Luz adquiriu para a sociedade em questão. Ela estaria representada por tamanha relevância, que seria legítimo aos noivos encenarem uma despedida a altura das exigências sugeridas pelo cenário. Para concluir; a audiência é seleta: domingo, são 20 horas e 50 minutos, hora oficial e o noturno está prestes a partir rumo à capital da república. O público ali presente era a fina flor da metrópole paulista, quanto ao instante da partida lembremos: a hora não poderia ser mais “oficial”, pois a

96

Tid., “Despedida” – seção Elegância, A Garoa, n. 8, ano I 20.01.1922.

114

torre do relógio da Luz é uma réplica da torre londrina de Westminster, onde está instalado o relógio Big Ben.

Fig. 58 Estação e Jardim da Luz, entre 1925 e 1930.

Assim como, no final da década de 1930, a inauguração do novo Viaduto do Chá sinalizou a configuração de uma outra centralidade, rumo ao que identificamos como Quadrilátero do Glamour em detrimento do velho Triângulo, nesse momento, também o Conjunto da Luz havia perdido muito de sua magnitude. No universo simbólico do processo de transformação em marcha na cidade, o trem já não expressava um signo maior da modernidade e progresso, o automóvel e, sobretudo, o avião representariam o primado do moderno em consonância com a configuração de São Paulo como a grande metrópole industrial da América Latina. Há, é certo, uma relocação do moderno no corpo da cidade, bem como o deslocamento dos seus signos. Nesse sentido, não é coincidência a quase total destruição do prédio da Luz em novembro de 1946, por um incêndio.

115

Fig. 59 Foto da torre da Estação da Luz publicada no jornal Folha da Manhã de 07.11.1946, p. 12. A legenda explicita que a imagem fora “colhida por volta das quatro horas da madrugada de ontem, quando amanhecia e o velho relógio

fundido

pelo

fogo

finalmente silenciava. A foto nos mostra estação

a

torre

principal

envolta

em

da

densa

fumarada e sob os jactos dágua da mangueira levada até ao alto pela escada Magirus.

O incêndio, tal como o relataram os jornais, atraíra uma pequena multidão desde as primeiras horas da madrugada; a ela, coube testemunhar, comovida, o furor do fogo destruir o edifício que, em tempos áureos, fora o signo da cidade moderna. A pequena multidão que presenciava a fúria da destruição espantava-se ante a facilidade com que o fogo lavrara, reduzindo em pouco o imponente edifício a ruínas fumegantes. [...] não deixava de comover aquela gente a morte do belo corpo arquitetônico que por muitos anos orgulhara S. Paulo. Quando construído embevecia a gente do planalto aquele prédio moderníssimo de linhas severas a projetar para o alto uma torre de rara feição artística. Os turistas dirigiam-se para aqueles lados conduzidos pelos cicerones voluntários a serviço do jubilo pela sua cidade. Nos cartões postais a paisagem que mais se reproduzia era aquele monumento defrontado por um jardim com uma torre esguia.97

97

O LADO Sentimental da Tragédia. Correio Paulistano, 08.11.1946. p. 12.

116

Os relatos dos jornalistas estampavam a comoção, davam ao incêndio um tom de espetacular dramaticidade, expressões como: chamas impiedosas; braseiro crepitante; línguas rubras veementes a varar para os céus, entre outras, eram articuladas para compor a arrebatadora cena da destruição do velho monumento e para aludir ao estado de choque que tomou conta daqueles que, estarrecidos, presenciaram, ao longo da madrugada, o sinistro espetáculo do incêndio da Estação da Luz. A partir das três horas, já eram milhares de pessoas postadas nas proximidades, principalmente no Jardim da Luz e na Avenida Tiradentes, acompanhando o desenrolar da catástrofe. O ápice da tragédia, ou como escreveram os jornais, a cena mais dolorosa, refere-se ao momento em que o fogo tomou conta da torre central. Cerca de 3 horas da madrugada as labaredas tomaram as escadarias da torre central. O relógio célebre pela sua pontualidade começa a ser lambido pelo fogo. O mostrador era intensamente iluminado pelas chamas, que destruíam o seu madeiramento. Enquanto isso se passava, parte do teto da estação de chapas de chumbo derretia-se e caia ao solo com grande fragor. Os ponteiros do grande marcador foram torcidos pelo fogo. Pouco depois das 4 da manhã, que ainda chegou a bater, o relógio desapareceria numa fogueira que se formara no alto da torre. A própria cúpula da torre também foi destruída.98

Fig. 60 O intenso tráfico de veículos nas imediações da Luz. Ao fundo a torre

sem o relógio, que desapareceu com o incêndio. Correio Paulistano. 08.11.1946. p. 12 98

DESTRUÍDA parcialmente pelo fogo a Estação da Luz. Folha da Manhã, 07.11.1946. p. 1.

117

O desaparecimento do velho relógio, relatado como o momento de maior comoção da tragédia, é relevante. A dramaticidade com que o jornalista alude à última badalada, antes de sua extinção nas chamas, pode ser analisada como um indício das transformações que há mais de uma década estavam em processo na geografia

da

cidade.

Assim,

esse

som

anunciou não apenas o desaparecimento de um velho mecanismo, de uma referência importante no espaço e no tempo; pois, como enfatizaram os cronistas, o relógio da Luz durante muitos anos indicou matematicamente a marcha do tempo e foi, por isso, o guia daqueles que na metrópole tulmutuosa viviam sob

a

urgência de seu

cotidiano.

Mas,

sobretudo, podemos inferir que a destruição do velho relógio fazia emergir naquele instante a compreensão de que a cidade não mais se Fig. 61 Foto publicada no Correio Paulistano. 08.11.1946. p. 112 A legenda sublinha a ausência do relógio: “A torre nua, despida, inclusive do velho e tradicional relógio, apresenta agora um aspecto triste.”

pautava pelo tempo e pelo ritmo de suas locomotivas: os signos da modernidade já haviam se deslocado desse cenário. Por isso, a narrativa extravasa certo tom nostálgico ao referir-se à última badala do austero relógio. Esse som lúgubre teria sido ouvido pela multidão consternada, a testemunha da fúria do

fogo, do estranho espetáculo que destruiu a estação. Cabe lembrar, também, que a torre onde estava instalado o relógio foi, na cidade horizontal, um ponto culminante. Mas, o intenso processo de verticalização ao longo dos anos 1930 e sua acentuação na década seguinte roubariam a majestade da grande torre da Estação da Luz.

118

Naquele tempo, ainda sem a fúria dos arranha-céus moirados, a amassar o transeunte pelas ruas sombrias, a torre da Luz era dos pontos culminantes da cidade. De qualquer ponto se divisava aquela lança esquia, a ostentar nas quatro os nítidos mostradores do relógio. Muitas vezes por dia, voltavam-se os transeuntes para o rumo dos algarismos certíssimos, com a fé dos maometanos que se voltam para Meca. Aquela era a hora certa do trabalho que também marcava o instante inigualável do repouso. Aquela, a medida da pontualidade dos encontros, o instante da partida, o momento da chegada. 99

Ainda sobre a “cidade vertical” e o declínio da altivez da Luz, vale lembrar que, um ano depois do seu incêndio, em 1947, foi inaugurado o Edifício Altino Arantes100, na Praça Antônio Prado. Conhecido como edifício do Banespa, tornou-se o ícone da modernidade paulista e, por ocasião dos festejos do IV Centenário, teve a sua imagem amplamente usada como símbolo do progresso de São Paulo. Adentrávamos a era em que o ritmo do progresso e crescimento da cidade era exaltado como “delírio de conquistar o céu com os gigantes de ferro e cimento armado”. Cabe sublinhar que o seu projeto era uma cópia acanhada do famoso edifício americano Empire State Bulding, inaugurado em 1931, em Nova Iorque. Assim, o edifício do Banespa legitimava-se como uma marca incontestável da pujança e modernidade da capital paulista. Observamos, ainda, que o Empire State Bulding há muito já fazia parte do imaginário dos paulistanos, graças ao enorme sucesso do filme King Kong101 no ano de 1933. Na película, a cena mais dramática é quando o gigantesco macaco escala o Empire State e morre durante uma batalha contra os aviões que tentam abatê-lo, no alto do edifício. 99

Idem. O LADO Sentimental da Tragédia. Os tramites para a construção da sede Banco do Estado de São Paulo S/A iniciam-se no final dos anos 1930. A diretoria do banco adquire um terreno na Praça Ramos de Azevedo, em frente ao Teatro Municipal, onde constrói o seu edifício sede. No entanto, o banco não chega a ocupar esse endereço, que acabou alojando as Lojas Mappin; pois se julgou longe do centro bancário da cidade, localizado no Triângulo. Permutando então o prédio da Praça Ramos com um prédio da Santa Casa de Misericórdia na Rua João Brícola e adquirindo mais dois prédios na Rua Boa Vista, o Banespa passa a dispor do terreno para a construção do Edifício-Sede, na confluência da Praça Antônio Prado com a Rua João Brícola e com saída para a Rua Boa Vista. A construção levou oito anos, de 1939 a 1947. 101 Sobre a presença do filme King Kong no imaginário dos paulistanos, vale lembrar que, no início dos anos 1930, a melhoria na pista de rodagem entre o planalto e o litoral, permitiu a implantação do transporte rodoviário regular entre São Paulo e Santos. Em 1933, a Companhia Geral dos Transportes (CGT), subsidiária da São Paulo Railway, criou uma linha regular para transportes de passageiro de São Paulo ao litoral. Os seus ônibus, de fabricação inglesa, na cor preta esverdeada, de dois andares, ganhou o apelido de King Kong. Ver: www.museudantu.org.br/brasil8.htm - 6k 100

119

Fig. 62 O Cruzeiro, n º 15, 23.01.1954. Na edição, uma reportagem especial sobre os quatrocentos anos de São Paulo. A imagem refere-se a uma vista aérea do Edifício Altino Arantes. Na legenda,

o

texto

exalta

a

intensa

verticalização da cidade: “O paulista significa, hoje como ontem, ritmo de progresso de crescimento, delírio de conquistar o céu com os seus gigantes de ferro e cimento armado.”

Fig. 63 Cena final do filme King Kong (1933), depois de escalar o Empire State Building, King Kong trava uma guerra na torre do arranha-céu contra os aviões. O filme foi produzido pela RKO, o mesmo estúdio de Voando Para o Rio. A estréia em São Paulo ocorreu no final do ano de 1933.

120

CAPÍTULO III

O PALÁCIO DO CINEMA E A ONDA SONORA

Auditório Ufa-Palácio

121

No firmamento da Cidade: uma super- constelação de estrelas Enquanto o espetáculo da chuva de prata encantou os paulistanos na festa do dia 25 de Janeiro de 1954, menos de um mês depois, causou frisson na cidade a presença de inúmeros astros do cinema que desembarcaram em Congonhas para participar do I Festival Internacional de Cinema do Brasil. Segundo as palavras de Jacqueline Leroy, secretária da delegação francesa, São Paulo tornou-se o palco de uma superconstelação de estrelas. Eis como ela brindou o festival: Desejo, pois, que graças a nossos amigos brasileiros, todas as estrelas do firmamento cinematográfico se dêem as mãos e façam uma grande roda em torno do mundo, proclamando a alegria que todos sentimos por ter vindo a este I Festival de São Paulo.102

Dessa forma, o festival proporcionou que, no “firmamento da cidade”, brilhassem os astros da grande tela. Durante a sua realização, o boletim oficial divulgava, além de resenhas críticas dos filmes e da programação, uma coluna intitulada: Onde Eles Estão, através da qual o público poderia se informar em quais hotéis estavam hospedados os atores e atrizes que integravam as diversas delegações internacionais convidadas para o evento; entre os endereços, destacava-se, além do Hotel Jaraguá, recém-inaugurado, o Hotel Esplanada. Quanto às celebridades, nomes como: Jeannette MacDonald, Edward G. Robinson, Errol Flynn, Walter Pidgeon, Abel Gance, Sophie Desmarets e Etchika Choreau, entre outros, foram aclamados por inumeráveis admiradores. No momento em que os lucros da indústria cinematográfica, sobretudo dos estúdios de Hollywood, ainda gravitavam em torno do cinema de ator e atriz, o chamado star system, onde a produção, o roteiro, a montagem e a publicidade se voltam para a performance do astro, a chegada dos ídolos do cinema, cultuados com a aura da riqueza, da elegância, da juventude, da beleza, enfim do sucesso, constitui-se como a maior expectativa do público. A 102

LEROY, Jacqueline. Uma Super-Constelação de Estrelas Em São Paulo. In: Boletim do Festival, 25.02.1954. p. 6. (Impresso e distribuído pela Folha da Manhã sob responsabilidade da Comissão do Festival. )

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fama dos atores, glamorizada pela ampla rede de publicidade do star system, mobilizou fãs ardorosos a cata de autógrafos e da possibilidade de ver ao vivo os seus ídolos, o que acabaria se tornando a coqueluche do Festival. No saguão do jornal Diário Associados, localizado na Rua Sete de Abril, eram organizadas ‘sessões de autógrafos para os fãs’, com horário previamente agendado com as delegações e divulgado ao público pelos órgãos da imprensa. Toda essa efervescência foi percebida com ressalvas pelos cronistas mais exigentes: Cada dia chegam novas delegações nacionais, pessoas que dirigem, influenciam, fabricam esta arte fantástica e universal que é o cinema. Mas, se há nas delegações de todos os países, diretores, produtores, técnicos, o público não procura senão um elemento: atores. VER seu astro predileto, receber autógrafo da sua estrela favorita, eis a mais forte preocupação dos espectadores. Isso prova mais uma vez, como são falsas as bases cinematográficas [...] a deificação de um só elemento que é o intérprete, foi construída durante longos anos de esforços constantes e conscientes para fins exclusivamente comerciais. 103

De fato, durante décadas, um imenso setor da produção cinematográfica ancorou-se no culto das estrelas. Os nomes e os rostos dos atores estavam no centro da publicidade dos filmes, atraindo para as salas de projeção os inumeráveis fãs. Para o público em geral, o ator torna-se mais importante do que a personagem, mais estimulante do que as histórias ou os gêneros, mais legítimo do que a marca dos estúdios de produção. A partir dos anos de 1920, o conteúdo, a direção e a publicidade dos filmes passa a gravitar ao redor da estrela. O star system é, desde então, o centro da indústria cinematográfica. Em 1926, a morte de Rodolfo Valentino, um dos maiores astros do cinema mudo, é reveladora da sedução que as estrelas do espetáculo cinematográfico exerciam em relação ao público. A comoção toma conta de milhares de fãs ardorosos em todo o mundo. A paixão dos fãs chega ao ponto de duas mulheres cometerem suicidio diante da clínica onde Valentino acabara de expirar. Seus funerais transcorrem em meio à histeria coletiva, e seu túmulo jamais 103

OS CONTATOS In: Boletim do Festival, 13.02.1954. p. 3. (Impresso e distribuído pela Folha da Manhã sob responsabilidade da Comissão do Festival.)

123

deixaria de ter flores. Mas, em meados dos anos de 1950, quando o I Festival Internacional de Cinema do Brasil ocorreu em São Paulo, a época áurea em que a tela dos cinemas era a janela através da qual o público contemplava o Olimpo estava se fechando. Marilyn Monroe é a ultima realização grandiosa do assim chamado star system. O seu nascimento como superstar a transformaria em uma das divindades do sex appeal dos anos de 1950. Da pinup Norma Jeane à estrela mais popular dos EUA já em 1953, a trajetória de Marlyn Monroe traduz, de forma paradoxal, a afirmação e a negação dos valores cultuados pelo star system da indústria cinematográfica americana. O seu suicídio, em 1962, irá expor de forma trágica as contradições que pairavam nos céus da fábrica de sonhos. A morte de Marilyn sinalizou o ofuscamento da imagem fabulosa que Hollywood cultivou durante décadas de seus astros e que ajudou a promover o fascínio irresistível do público em direção às bilheterias das salas de projeção. Em um clássico estudo sobre o fenômeno do star system, o sociólogo Edgar Morin analisa como o desenvolvimento da modernidade, na sua perspectiva da vida urbana e burguesa, suscitou e levou adiante o mito das estrelas, é nesse texto que Morin assim se referiu à tragédia da atriz americana: Esta morte que nos deixa perplexos, a nós que pensávamos que nos faltava muito mais que o que faltava a Marilyn Monroe, esta morte que nos bestifica, a nós, os milhões que, se a tivéssemos conhecido, estaríamos prontos para adorá-la e amá-la, esta morte é o último suspiro do star system. É a desmitificação natural, a brecha por onde se precipita a verdade; não existe mais estrela-modelo, não existe mais Olimpo feliz.104

Nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, a produção de filmes converteu-se em um dos setores mais lucrativos da indústria norteamericana. A primeira estrela a ascender ao zênite da tela foi a atriz Mari Pickford, que receberia o título de “America’s Sweetheart”. De Pickford a Marilyn Moroe, desfilariam pela galeria dos astros inúmeras estrelas, cultuadas por uma legião de fãs, cuja paixão era inflamada por uma série de mecanismos

104

MORIN, Edgar. As Estrelas, Mito e Sedução no Cinema. Rio de Janeiro, José Olympio, 1989. pp. 131e132.

124

e procedimentos oblíquos, colocados em prática pelos estúdios para promover a celebridade de seus atores e, é claro, garantir o sucesso de bilheteria. As décadas em que o star system catalisou os esforços das produtoras sinalizam, também, uma série de transformações no que diz respeito à produção, distribuição e exibição dos filmes. Cabe dizer que, nesse período, os EUA passaram a dominar mundialmente a produção de filmes, tendo como centro Hollywood, uma pequena localidade da Califórnia, perto de Los Angeles, que, do dia para a noite, seria transformada na Meca do Cinema. Ali prosperaram as grandes corporações que, através do sistema de estúdios, implementaram a produção cinematográfica em escala industrial. Nomes como: Paramount; Metro Goldwing Mayer; Warner Bros; RKO; Universal Pictures; Columbia Pictures; Twentieth Century Fox e suas logomarcas estavam estampadas nas películas dos espetáculos cinematográficos assistidos por milhões de pessoas em todo o mundo. Para se ter uma idéia do que isso significava em termos numéricos, basta observarmos que, na metade da década de 1920, três quartos dos filmes exibidos no mundo eram americanos.105 Nos anos 30, os avanços técnicos ajudariam a fortalecer ainda mais os estúdios de Hollywood: eles, praticamente, passaram a monopolizar o mercado cinematográfico em escala global. O prestígio do cinema como o maior entretenimento do mundo moderno havia se consolidado. Seu aprimoramento técnico, o glamour exercido pelos estúdios de Hollywood e pelo star system, as salas de projeção com uma arquitetura cada vez mais suntuosa concorreram para ampliação do público. Indistintamente, o cinema passou a ser a diversão preferida de todas as camadas sociais. Ou, como anunciavam os produtores de Hollywood, “um espetáculo recomendado a todas as famílias”. Um dos fatores que garantiam o cinema como um espetáculo moralmente recomendado referese à instauração de uma comissão de censura. A ela coube implantar, em 1930, o Código Hays, que consistia em uma série de restrições de caráter moralista impostas aos filmes de Hollywood. Por exemplo, não era permitido cenas de nudez total ou parcial, alusão ao homossexualismo, às drogas, às relações inter-racias, entre outras. Eram também proibidos os diálogos que 105

BEAVER, Frank E. On Film: A History of the Motion Picture. New York, McGraw-Hill Book Company, 1983.

125

contivessem palavrões ou xingamentos. Quanto ao “happy-end”, o filme deveria concluir sempre a favor dos valores da boa moral e dos bons costumes.106 Espetáculo plebeu em suas origens, alojado nos teatros de vaudeville, nos salões populares e em barracões improvisados, por essa época o cinema já havia ascendido às classes superiores do público; o aperfeiçoamento da banda de som, incorporada nos anos 1930, fez muito para promover o espetáculo cinematográfico ao gosto de uma platéia mais elitizada. Além disso, os roteiros também se ajustaram à expectativa de dirigirem-se a um público potencialmente total. Assim, a multiplicação dos temas (amor, aventuras, comédias) dentro de um mesmo filme traduz um esforço de responder ao maior número de exigências específicas. Segundo Edgar Morin, por volta dos anos 1930, os filmes tornam-se mais complexos, mais “realistas”, mais “psicológicos” e alegres. Os grandes gêneros cinematográficos – fantástico, amor, aventura, policial, comédia etc. – que ao longo da década de 1920 já haviam se mesclado, acentuariam ainda mais essa tendência, ou seja, adotou-se o procedimento de integrar em determinado gênero, como tema menor, o que poderia ser a pedra angular de um outro. O amor apresenta-se em todas as categorias de filme e o happy-end tornou-se um dogma. A maioria dos filmes ganha as cores de uma “adorável fantasia”. Nesse

momento,

o

filme

sonoro

consolida-se

nas

produções

cinematográficas e supera a primeira fase de sua experiência, no final dos anos 1920, em que havia utilizado o sistema Sound-Disc da Vitaphone. Este consistia na sonorização das imagens a partir de um disco onde se grava a trilha musical, os efeitos sonoros e as falas dos atores. O disco era então acionado, buscando manter a sincronia com a ação projetada na tela. Naturalmente, o sistema oferecia uma série de limitações, sobretudo, no que 106

Trata-se de uma referência a Will Harrison Hays, o homem forte dentro da instituição que agregava os grandes estúdios hollywoodianos, a Motion Picture Producers and Distributor of América – MPPDA. É importante sublinhar que nos anos de 1920, depois de uma série de escândalos envolvendo personalidades de Hollywood, os produtores criaram dentro da MPPDA, mecanismos de regulamentação, no intuito de coibir os eventuais “excessos”. A medida visava a afastar a ameaça da censura governamental e criar uma publicidade favorável para a nascente indústria. William H. Hays presidiu à MPPDA entre 1922-1945; por ser uma figura pública proeminente e respeitável membro da Igreja Presbiteriana, ele trouxe legitimidade para a organização. Coube a ele introduzir “a moral blacklist” em Hollywood e sugerir clausulas morais nos contratos dos atores. Em 1930, foi o principal autor do Código de Produção, o chamado Código Hays, que, como vimos, detalhadamente enumerava o que era moralmente aceitável na tela. O código só seria suplantado em 1966. Ver: SCKLAR, Robert. História Social do Cinema Americano. São Paulo, Cultrix, 1975.

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diz respeito a garantir uma perfeita sincronização do som com a imagem. Um novo sistema, Sound-on-film, advindo do avanço das condições técnicas, permitiu, através do registro óptico do som, gravar e reproduzir a trilha sonora diretamente da película, resolvendo de forma definitiva o problema da sincronização. O Movietone, como ficou conhecido, amplificaria enormemente as possibilidades da sonorização das imagens, instigando a imaginação dos diretores a explorar a incorporação do som como elemento expressivo e fundamental dos filmes. Assim como a montagem das cenas filmadas em diferentes momentos e lugares, para compor a narrativa fílmica, tornou-se a essência da arte cinematográfica, também a técnica de sonorizar as imagens após a filmagem (a pós-sincronização: dublagem das vozes, gravação dos ruídos, da trilha musical) permitiu manipular os sons e editá-los, no sentido de ampliar as possibilidades do processo de dar som às imagens. É no contexto do advento do filme sonoro que um novo gênero assume a posição de carro-chefe da cinematografia norte-americana. Entram em cena os musicais, projetando-se como um grande sucesso, aproximadamente, dos anos 1930 até meados dos anos de 1950. Para o historiador Nicolau Svecenko, o êxito do filme musical era expressão da sintonia de sua estética com o panorama da modernidade. Seu sucesso era estrondoso porque fundiam as linguagens mais expressivas da ação e da modernidade, o esporte, a dança, o glamour, a coordenação coletiva e o primado do destino individual. Sua fonte original eram as grandes apoteoses cênicas de luxo e extravagância dos musicais da Broadway. 107

A canção e a dança conjugam-se no filme musical de tal forma a estabelecer o ritmo e a poética, enfim, o tecido da narrativa que sustenta o desencadear das cenas e a beleza hipnótica de suas imagens. Muitas das canções consagradas pelos filmes musicais passaram a ter vida própria, independente da origem cinematográfica. Compositores como Cole Porter, George Gershwing, Jerome Kern, Irving Berlin emprestaram sua arte para a criação das mais conceituadas trilhas da era de ouro do cinema 107

SEVCENKO, Nicolau. “A Capital Irradiante: Técnica, Ritmos e Ritos do Rio.” In: SEVCENKO, Nicolau (org.) História da Vida Pruvada no Brasil . São Paulo, Cia. das Letras, 1998. p. 606. Vol. 3

127

americano. Também os arranjos e a orquestração receberiam no filme musical um tratamento impecável, muito se investiu na roupagem orquestral das canções, glamorizando os sons que emolduraram as imagens desses filmes. A isso se junta um investimento de grande monta na criação das coreografias e no preparo do corpo de bailarinos, aprimorando cada gesto, para galgar a perfeição. Naturalmente, astros como Fred Astaire, Ginger Rogers, Judy Garland e Gene Kelly, entre outros, promoveram com o seu talento o êxito dos filmes musicais. Para se ter uma idéia da expressão desses astros, basta observar que Fred Astaire, aclamado como um dos maiores artistas de sua época, entre 1933 e 1957, ocuparia a cena principal de 33 musicais. Assim, a música e a dança foram protagonistas em um cenário glamoroso e concorreram para a afirmação de um ideal estético no momento em que o cinema tornou-se o maior entretenimento das massas. Outro aspecto importante no advento do filme sonoro e sua relação com a música produzida naquele momento, diz respeito à participação das big bands nos filmes. O cinema foi palco privilegiado para as big bands norteamericanas que tiveram no período uma intensa presença nos estúdios de Hollywood. As orquestras comparecem nos cartazes ao lado dos astros, impulsionando a publicidade das películas. Assim, a popularidade das big bands no rádio, no disco, bem como em suas apresentações ao vivo nos ballrooms e teatros foi catalisada por Hollywood para aumentar o fluxo das platéias nas salas de exibição. Ainda no campo da junção big bands e cinema, cabe lembrar que, no apogeu desses grupos, era comum, nos EUA, o uso das salas de projeção como local para performance das grandes orquestras que se apresentavam no intervalo entre um filme e outro.108 Tratava-se, portanto, de uma combinação entre o espetáculo cinematográfico e o musical, um indício revelador do quanto a música das grandes orquestras dialogava muito de perto com o ideal estético das produções hollywoodianas. Para concluir, a relação cinema e big bands também teve um campo prodigioso na produção dos chamados jazz shorts, pequenos curtas que foram realizados em larga escala em um período que vai do advento do cinema sonoro no final dos anos 1920, 108

O colecionador baiano de discos Jorge Cravo narra suas incursões pelos cinemas em Nova York nos anos 1940 para assistir as performances das big bands e dos cantores. Ver: CRAVO, Jorge. O Caçador de Bolachas Perdidas: as incríveis incursões de um brasileiro pelo front da música e do futebol nos anos 40 e 50. Rio de Janeiro, Record, 2002.

128

até meados dos anos de 1940. Eles normalmente eram exibidos antes dos filmes de longa metragem.109 Há que se observar, também, que o avanço técnico que permitiu sonorizar os filmes trouxe para a tela um elenco de artistas que, uma vez consagrados nos rádios e nos discos, atuariam também como astros do cinema, geralmente em comédias musicais, dividindo a interpretação dramática com suas performances como músicos. Como exemplo, poderíamos citar Bing Crosby e Frank Sinatra, duas vozes de extraordinário sucesso na música popular do século XX, com uma presença significativa em Hollywood na sua fase áurea. Os palácios do culto ao prazer Com o advento do filme sonoro, as salas de cinema em São Paulo receberam um tratamento arquitetônico digno do entretenimento que era considerado a maior diversão de todos os tempos, “recomendada a todas as famílias”, tal qual preconizavam os produtores de Hollywood. Ou seja, nesse momento, a edificação dos cinemas na capital paulista, com sua arquitetura magnificente, reclama para si o prestígio de templo da era moderna. Dessa forma, as novas salas de exibição são aclamadas como signo do que há de mais avançado na metrópole que se pretende cada vez mais cosmopolita. Um empreendimento de grande monta, aqui executado pelos próprios estúdios de Hollywood, ávidos pelo controle do setor de exibição e ampliação do mercado internacional para os seus produtos, ou por empresários paulistas associados às distribuidoras internacionais. Assim, os novos cinemas articulam em seu espaço funcional e estético aos índices que os consagrariam como legítimo território do espetáculo da modernidade e serão, por isso mesmo, apropriados como cenário do mundanismo afinado pelo diapasão do “estilo” de vida moderno. Tratava-se de salas de exibição cuja arquitetura destaca-se por determinados traços de efeitos cenográficos, como o uso de colunas, muitas vezes sem nenhuma função estrutural, a profusão de espelhos, mármores e veludos, esplendorosas salas de espera e hall de entrada, marquises 109

Cf. MACHADO, Arlindo. “O Fonógrafo Visual.” In: GRILO, João Mário & MONTEIRO, Paulo Felipe (org.). Revista de Comunicação e Linguagem. Lisboa, Edições Cosmos, 1996, n º 23. p. 54.

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monumentais e iluminação deslumbrante, buscando reproduzir, dessa forma, uma ambiência a maneira dos faustuosos cenários hollywoodianos e coroar-se com a aura de um espaço requintado para o público elegante da progressista metrópole.110 O sociólogo e arquiteto alemão Siegfried Kracauer, escrevendo em meados dos anos vinte, identifica na paisagem berlinense esses palácios da diversão que, segundo ele, como palácios do mundo óptico da imaginação, passaram a configurar a face de Berlim. O elegante esplendor superficial é a marca registrada desses teatros populares. À semelhança de saguões de hotéis, eles são altares do culto ao prazer, seu glamour se volta para a edificação. [...] A comunidade de aficionados, que remonta aos milhares, pode ficar satisfeita, pois seus pontos de encontro são como residências de luxo.111

Em abril de 1929, um estúdio hollywoodiano realiza um grande investimento em São Paulo. É inaugurado o novo cine Paramount, com todo o requinte do luxo nos moldes do que já era uma prática nos EUA e em outras cidades do mundo, onde os cinemas, como explicitou Kracauer, edificavam-se como verdadeiros palácios. Nesse espaço do luxo, adornado pelo gosto autorizado dos decoradores da Paramount Pictures, identificada como a Marca das Estrelas, os paulistanos vivenciariam, pela primeira vez, a aventura do Movietone. A inauguração da sala com o novo sistema sonoro contagiou o público e foi reverenciada com furor pela imprensa, sobretudo porque São Paulo era eleita como uma das primeiras cidades do mundo a conhecer os prodígios da nova tecnologia do som. Evidentemente, todo o frisson criado em torno da abertura do Paramount tinha muito de uma jogada publicitária dos responsáveis por esse empreendimento no cenário paulistano. E, é certo, a imprensa corroborou para que o fato ganhasse as tonalidades de um acontecimento espetacular. No entanto, a maneira como foi tratado o assunto 110

Sobre a evolução das salas de cinema na capital paulista, ver SIMÕES, Inimá. Salas de Cinema em São Paulo, São Paulo, PW / SMC / Secretaria de Estado de Cultura, 1990. Em relação à cidade do Rio de Janeiro, ver LIMA, Evelyn Furquim Werneck. Arquitetura do Espetáculo, Teatros e Cinemas na Formação da Praça Tiradentes e da Cinelândia, Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2000. 111 KRACAUER, Siegfried. “Culto ao Entretenimento nos Palácios de Cinema de Berlim”. Espaço e Debates, n º 27, São Paulo, Neru, 1989.

130

revela indícios significativos de como o cinema, que ao longo dos anos vinte já se configura como um espaço do entretenimento na cidade, e, mais ainda, como iria compor nas próximas décadas um aspecto bastante significativo da vida na metrópole paulista. Vejamos como a chegada do novo equipamento responsável pela magia de juntar o som à imagem, a última maravilha do cinema, recebeu o corolário de um acontecimento extraordinário. O “Cine Paramount”, a brilhante casa de espetáculos com que a Marca das Estrelas vai aumentar o patrimônio de S. Paulo qui s’amuse, apresentava ontem, no seu amplo vestíbulo de entrada, um desusado espetáculo. Havia por toda a parte caixas, grades e caixotes, aparelhos, porta-vozes colossais – era, numa palavra, o “movietone” fazendo sua entrada definitiva no “Cine Paramount”.112

A seguir, a matéria enaltece as razões de ter cabido à São Paulo o privilégio de ser a primeira cidade do Brasil e da América do Sul à apresentar ao público o espetáculo invulgar da perfeita sonorização das imagens, sublinhado pelo jornalista como um investimento de alto custo que aqui era empreendido pela Paramount Pictures. Tais motivos, diz ele, seriam pautados pela dinâmica da cidade e, portanto, merecedora de um investimento dessa magnitude. Pioneira dos maiores progressos nacionaes, expressão viva de adiantamento, iniciativa e riqueza na comunidade brasileira, bem está que tenha cabido à São Paulo apresentar o mágico invento com primasia sobre todo o resto do Brasil, sobre todo o resto do continete sul-americano.113

O cinema falado, apresentado pelos seus processos mais perfeitos, como noticiou os jornais, chega à São Paulo. Assim, não era apenas a arquitetura suntuosa das instalações do Paramount a demarcar, no território da cidade, um índice de distinção, oferecendo à fina elegância paulistana um lugar de sua sociabilidade. Ao luxo estampado na fachada do prédio e na 112 113

UM ESPETÁCULO, Invulgar no Paramount. Folha da Manhã, 05.04.1929. p. 4. Idem.

131

configuração do seu interior, apontados pela imprensa como parâmetro de elegância e cultura, somava-se a sofisticação da nova técnica cinematográfica, o Movietone. Era, portanto, a combinação de determinados valores sociais representados pela arquitetura suntuosa do edifício com a promessa da técnica em garantir a magia de um grande espetáculo, à altura do progresso material da cidade, que atribuía a tal empreendimento o estatuto legítimo, agregando ao patrimônio de São Paulo qui s’amuse um valor significativo. A primeira demonstração do movietone foi oferecida a uma seleta audiência, os raros apenas. A eles caberia perscrutar a ciência responsável pela nova maravilha do som. Como relatou o cronista, esparsos em uma luxuosa sala, iluminada à moderna, se dispôs a platéia. Ali, prenuncia-se o embarque do público no mundo da imaginação visual. O cenário, uma espécie de anticlímax, não era um acessório dispensável. Ao apelar, em sua forma, para os sentidos, dirigiria a percepção do público para o espetáculo da reprodução técnica das imagens cinematográficas. Ontem, no Cine Paramount. Uma espécie de “avant-première”, “para os raros apenas”. Na sala luxuosa, iluminada à moderna, esparsos aqui e ali, pequenos grupos de homens de “metier”, jornalistas, homens de ciência, devotos do rádio e o fluido elétrico, maravilhoso como sempre, fazendo jorrar sob a vasta abobada uma nova maravilha: o som. Comentários

dispersos,

quase

segregados,

aventando

possibilidades,

hipóteses, umas razoáveis, outras absurdas, mas todas evidenciando a mesma curiosidade, o mesmo interesse pela nova descoberta que São Paulo – a terceira cidade do mundo a apresentá-la, revelará ao publico paulista dentro de alguns dias. 114

A audiência, representada pela seleta platéia, legitima a aura do lugar e reforça os signos de sua distinção que o promoveriam como um espaço admirado pela mais fina sociedade paulistana. Ali, comentaram os críticos mais exigentes, São Paulo verdadeiramente encontraria o mais elegante e “rafiné” dos seus pontos de encontro. Afinal, uma casa de espetáculos desse porte correspondia aos anseios do grã-finismo por um cenário à altura de sua

114

NO CINE PARAMOUNT. Folha da Manhã, 09.04.1929. p. 8.

132

fantasia cosmopolita burguesa. Nesse sentido, o filme sonoro, ao apontar para o avanço da técnica, seduz pelo índice de modernidade que ele agrega a esse topos do mundo óptico da imaginação. Dessa forma, ao Paramount atribui-se o estatuto de um legítimo lugar da sociabilidade da elite paulistana. Sua inauguração, diziam os cronistas: Promete ser um verdadeiro acontecimento social, dada a justa curiosidade da nossa “haute gomme” pela abertura da nova casa de espetáculos, que irá proporcionar-lhe saraus de arte de absoluto ineditismo, sobressaindo-se, como uma das novidades de maior vulto, a apresentação do cinema falado pelos seus processos mais perfeitos, o “movietone” e o “vitaphone”, pela primeira vez mostrados na América do Sul, e pela terceira em território fora dos Estados Unidos.115

O novo endereço da sociabilidade burguesa encontra-se agora no Paramount, o palácio encantado. Tal qual anunciaram os jornais, ali o público fruiria da magia emanante das imagens sonorizadas, oferecida pela sofisticada tecnologia do mundo do entretenimento, o movietone. De fato, subscreveram os cronistas, é o Paramount um verdadeiro palácio encantado; ali, concluíam: as horas se escoam rapidamente, porque se apresenta um espetáculo novo, pela primeira vez mostrado na América do Sul, a maior maravilha do século, o cinema com som, o cinema sonoro.116 Além do atributo de novidade, a sensação de brevidade do tempo, do fluxo veloz das horas, era o veredicto para a modernidade do espaço onde o ritmo pulsava em sintonia com um universo pretensamente cosmopolita. Para aqueles que buscavam imprimir ao seu estilo de vida, os hábitos da civilização moderna, o Paramount assinala o lugar de evasão da cidade morosa. Se ali as horas se escoam rapidamente e se isso evidência um índice de distinção do espaço, é porque ali se afirma o imaginário que transcende o indolente provincianismo em direção ao mundo dinâmico orientado pelo avanço técnico.

115 116

A INAUGURAÇÃO do Cine Paramount. Folha da Manhã, 11.04.1929. p. 4. O PARAMOUNT. Folha da Manhã, 16.04.1929. p. 4.

133

Fig. 64 Detalhe da fachada do cine Paramount. s/d.

Fig. 65 Em sintonia com os valores da sociedade moderna, a cidade recebe bem e promove a novidade. Era a afirmação

da

“tradição

do

novo”.

Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 12.04.1929, p. 21.

134

Para o imaginário das camadas abastadas, desejosas de, no corpo da cidade, nomear a metrópole dinâmica, a inauguração do Paramount traduziu-se como um acontecimento especial do mundanismo em reverência à mais moderna tecnologia do entretenimento. Nesse sentido, a celebração do evento transitou distintamente por outros pontos da geografia da urbe, tal qual descreve a seguir, o cronista da Folha da Manhã. A INAUGURAÇÃO DO CINE PARAMOUNT DO ALMOÇO NO ESPLANADA HOTEL A UM FILM SONORO Procurando uma maneira gentil de por os representantes da ParamountPictures em intimidade dos jornalistas de São Paulo, a direção dessa poderosa fábrica, na Paulicéia, ofereceu hontem um almoço no salão vermelho do Esplanada Hotel. [...] Como figuras de relevo na representação Paramount estavam os srs. Shauer e Day, o primeiro enviado especial para vir inaugurar o imponente cinema que a “marca das estralas” acaba de construir à av. Brigadeiro Luís Antônio, e o segundo representante geral da Paramount na América do Sul. A essas duas altas personalidades da cinematografia norte-americana se fizeram os brindes e delas vieram as respostas amáveis, cheias de entusiasmo pelo Brasil formoso e por São Paulo construtor. 117

Durante algumas horas, entre impressões gerais sobre a cinematografia e brindes rápidos e alegres os presentes congratularam-se em torno do novo empreendimento que ora seria inaugurado em São Paulo. Terminado o almoço no Esplanada, continua o cronista, a comitiva dirigiu-se ao Cine Paramount. No local,

em meio a jornalistas e

representantes de

outras empresas

cinematográficas, os diretores da Marca das Estrelas formalizaram a inauguração da nova sala de cinema. À noite, a casa seria aberta ao público, ao melhor público de São Paulo, como sublinhou os jornais, que já havia disputado, muitos dias antes, todos os lugares. No momento em que a Paramount aqui concretizava os seus empreendimentos, as major companies da indústria cinematográfica norte117

A INAUGURAÇÃO do Cine - Paramount do almoço no Esplanada Hotel a um filme sonoro. Folha da Manhã, 14.04.1929. p. 6.

135

americana já estavam estruturadas dentro de um esquema de “integração vertical”, fortemente monopolizado, uma vez que detinham o controle da produção, distribuição e exibição, era o studio system. Aliás, o proeminente realizador de tal sistema foi Adolph Zukor, chefe maior da Paramount, no período áureo de Hollywood. Até 1948, quando a Corte Suprema dos EUA contestou a sua legitimidade por suspeitas de infração das normas antimonopólio, o poder dos grandes estúdios patenteou-se por essa via. Cabe observar que no âmbito da política do studio system estava a construção dos palácios do cinema, como o nosso Paramount. Tal qual explicitou o historiador Robert Sklar,118 o período de maior prosperidade para estas gloriosas construções surgiu em meados dos anos vinte, depois que os estúdios começaram a comprar as salas de exibição. Visando a agregar prestígio às suas marcas, as companhias passaram a estampar os seus nomes nas fachadas desses suntuosos teatros. Além disso, analisa Sklar, essa política ajustava-se ao objetivo de classificar os cinemas pelas suas qualidades e rentabilidades. No entanto, a manutenção de tal aparato onerava sobremaneira as empresas. A renda da bilheteria proporcionada pela maioria dos filmes, não cobria os gastos demandados pelos luxuosos cinemas, uma vez que não era todos os dias que havia a estréia de uma grande produção. Foi o advento do filme sonoro, ainda segundo Sklar, que trouxe a solução para o problema da receita dos palácios do cinema; pois, além de elevar significativamente a freqüência do público, também, possibilitou o aumento do valor dos ingressos. Tais pressupostos nos indicam as bases do investimento da Paramount, quando inaugura em São Paulo o primeiro palácio do cinema da cidade equipado com a moderna tecnologia do som. O filme de estréia não era sonorizado em sua totalidade. Alta Traição, (The Patriot – Ernst Lubitsch – 1928), com o astro Emil Jannings, incorporava a nova tecnologia do som somente em alguns momentos ao longo da película. Há sonoridade apenas em certos detalhes como uma gargalhada, uma exclamação, alguns diálogos etc. Isso não arrefeceu o interesse da platéia em ir “ouvir” a maravilha cinematográfica apresentada pela primeira vez nessa parte do globo. O grande, extraordinário interesse de todos estava no ir ouvir o

118

Cf. SKLAR, Robert. op. cit.

136

primeiro filme sonoro que veio à América do Sul e que até agora unicamente foi ouvido, fora dos Estados Unidos, em Paris e Londres.119 Ao lado de nomes como Emil Jannings e da Paramount, chancela da garantia de um genuíno espetáculo, os agentes da “Marca das Estrelas” preparam uma surpresa para o público. Nada mais legítimo do que o cônsul do Brasil em Nova Iorque apresentar, para os espectadores paulistas, a nova conquista da arte cinematográfica. São Paulo, dessa maneira, entrava na era do cinema sonoro. No majestoso theatro da Paramount, a platéia foi impactada pelos efeitos da mais moderna técnica da reprodução mecânica da imagem e do som, que, ao longo das décadas seguintes, seduziria as massas e consolidaria os estúdios hollywoodianos como a maior indústria do entretenimento do século. Ao sinal para o início do espetáculo, já a curiosidade se fazia enorme. Surge, então, na tela, o Sr. Sebastião Sampaio, cônsul geral do Brasil, em Nova Iorque. E, coisa maravilhosa: o Sr. Sebastião Sampaio principia o seu discurso em português perfeito, como se ele próprio ali estivesse a falar, tendo a palavra unida ao gesto, flagrantemente verdadeira em tudo. Aos que acreditavam que o filme falado nada mais fosse que um aperfeiçoamento ao processo com que se fazem ouvir os gramofones, o discurso do nosso cônsul geral em Nova Iorque causou encantadora decepção. Como se vê, a inauguração do Cine-Paramount, à qual ocorreu São Paulo ultra-elegante, fez-se de um modo deliciosamente inédito.120

A imagem do cônsul brasileiro credita ao espetáculo a verdade para os céticos, “ver para crer”. Ali não há nenhum artifício de ilusionismo, mas sim, o progresso da ciência e da técnica a serviço da certeza de que aquilo que se ouvia era o que se via na tela. O cinema “falado”, ao possibilitar a mecanização da totalidade da expressão humana, do gesto e da voz, concorreu para que a perfeita sincronização das imagens e dos sons, produzisse um efeito de “realidade”. A reprodução mecânica do “real” garantia, assim, um estatuto de veracidade para as imagens projetadas. A modernidade não era um espetáculo de prestidigitação, e sim um atributo do avanço contínuo da razão técnica, por 119

A INAUGURAÇÃO do Cine Paramount do Almoço no Esplanada Hotel a um filme sonoro. Folha da Manhã, 14.04.1929. p. 6. 120 Idem.

137

isso a encantadora decepção daqueles que associavam ainda ao gramofone o pressuposto técnico daquilo que se inaugurava no cine Paramount. Vale observar também que as imagens do cônsul emprestavam ao evento a aura de uma solenidade diplomática. Por esse ângulo, adentramos o campo em que o espetáculo cinematográfico viria a ser um condutor importante das relações que se estabeleceram entre os Estados Unidos e o Brasil.

Fig. 66 O cinema que fala, eis a maravilha que o Sr. S. Sampaio, cônsul do Brasil em Nova Iorque, descortinou para São Paulo. O Estado de S. Paulo, 07.04.1929. p. 27

No entanto, se dúvidas pairavam quanto aos mecanismos da nova engenharia do entretenimento, certezas havia quanto à escolha de São Paulo para recepcionar o “recente prodígio desse século de prodígios”. Eis o novo invento que se lança à conquista do mundo. Na Europa, escolhe Paris e Londres para cenário dos seus triunfos. Na América do Sul, levanta triunfalmente em São Paulo a sua lenda, como se, filho do talento, da iniciativa, da audácia, ele quisera sagrar as qualidades de que é expressão viva a capital paulista121.

121

O CINEMA e o rádio. Folha da Manhã. 07.04.1929. p. 6.

138

É relevante como a inauguração do Paramount reverbera o propósito de se afirmar, através de um discurso laudatório, as representações de uma São Paulo moderna, em sintonia com as grandes metrópoles do mundo. O fato de ser a cidade uma das pioneiras na estréia da nova técnica do cinema sonoro, evidenciaria o seu cosmopolitismo e a sua identidade assentada nos trilhos do progresso. É certo que estamos diante do propósito de se construir a representação da capital paulista como o mais pujante centro econômico e político do país, dessa forma, tal discurso articula-se à dinâmica das forças políticas no contexto nacional. No entanto, o anúncio de São Paulo, ao lado das grandes metrópoles, teria também como desdobramento a afirmação em seu território de um cenário que prescreveria determinadas práticas, cuja legitimidade espelha-se na idealização de um estilo de vida, conjugado aos padrões dos centros mais modernos do mundo. Nesse sentido, trata-se da invenção da cidade moderna, na qual o cinema, expressão do progresso da civilização técnica, encarna os anseios cosmopolitas e traduz a modernidade como cinematográfica. Para Walter Benjamin, o cinema, por ser um veículo poderoso em sua capacidade de transmitir velocidade, simultaneidade, superabundância de imagens e choque visual, torna-se, por excelência, o aparato técnico expressivo da sensibilidade dos habitantes da metrópole moderna. Segundo ele, o cinema é a forma de arte correspondente aos perigos existenciais mais intensos com os quais se confronta o homem contemporâneo e espelha as profundas metamorfoses de seu aparelho perceptivo, como, por exemplo, as modificações que experimenta o passante em meio ao intenso fluxo das ruas.122 A reprodução mecânica da imagem cinematográfica é, assim, entendida como tradução estética da percepção de tempo e espaço vivenciado pelo indivíduo na grande cidade, onde o choque apresenta-se como estruturante de sua experiência. Resultante do avanço do capitalismo, a metrópole é, na interpretação de Benjamin, o lugar histórico do surgimento de um mundo caracterizado pela violenta reestruturação da percepção, ambiente no qual a iminência do choque suplanta a experiência calcada na memória individual e coletiva. Em seu cenário, construído com o advento de novas 122

BENJAMIN, Walter. Magia e Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São Paulo, Brasiliense, 1994. (Obras Escolhidas; v. 1) p. 192.

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técnicas de produção, transporte, comunicação e fontes de energia, além da intensa concentração das massas populacionais, configura-se a cultura do consumo e do espetáculo, caracterizada por um ritmo cada vez mais veloz e por efemeridades e obsolescências aceleradas. Traduzido como um traço eloqüente do cosmopolitismo da metrópole, o cine Paramount em sua monumentalidade arquitetônica e tecnológica foi apropriado como um índice significativo da invenção da São Paulo moderna. Mas é importante dizer que, por si só, a magia da técnica não referendava tal legitimidade, a menos que o cinema emprestasse sua arte para expressar a “verdadeira” fisionomia da cidade moderna. Isso é o que se depreende de determinada crítica em relação ao primeiro filme sonoro rodado em São Paulo e que estreou em agosto de 1929, no Teatro Santa Helena. O filme, dirigido por Luís de Barros, foi sonorizado pelo sistema Vitaphone, tendo parte de sua tecnologia projetada e desenvolvida pelos próprios realizadores da obra. Como noticiou a Folha da Manhã, a película representava a gênese de uma nova fase da cinematografia nacional. O sound picture dos americanos, sublinhava a matéria, “venceu em toda parte. O público tem por ele uma preferência indisfarçável, e se as grandes multidões ainda não aderiram francamente a ele, deve-se ao fato dele estar se exprimindo apenas em língua inglesa.”

123

Eis os motivos do por que se

esperava um grande sucesso junto à platéia, pois o filme era falado e cantado em português. Intitulado, Acabaram-se os Otários, a comédia de Luís de Barros narra as peripécias de dois amigos, um caipira e um italiano, que, vindos do sertão, experimentam as vicissitudes da grande cidade. No entanto, esses atributos, em relação ao primeiro experimento de sonorização do filme brasileiro, não seriam suficientes para garantir uma unanimidade da crítica. Vejamos como a revista Cinearte censurou o filme: “O que não podemos deixar de censurar é a São Paulo de fundo de quintal que o filme mostra.”124 Em uma outra edição, ainda se referindo à mesma película, a revista indica o cenário adequado para a nossa arte cinematográfica. 123

UM FILME falado e cantado em português. Folha da Manhã, 31.08.1929. p. 6. De fato a questão da língua colocou-se como um dos problemas a ser solucionado pelos produtores na busca de ampliarem o mercado para os talkies. A solução viria com o processo de legendar os filmes. 124 Revista Cinearte, 30.10.1929. Citado por GALVÃO, Maria Rita e BERNADET, Jean-Claude. Cinema Repercussões em Caixa de Eco Ideológica. (As idéias de “nacional” e “popular” no pensamento cinematográfico brasileiro). São Paulo, Brasiliense, 1983. p. 36.

140

Num dia desses vimos um filme nosso em que, entre vários ambientes sórdidos e desagradáveis, como albergues, cemitérios, necrotérios, estalagens e estrebarias, aparecia uma delegacia de polícia com paredes esburacadas, uma mesinha quebrada e vários cavalheiros de longas barbas, bigodes e sobrancelhas e outros tipos tão característicos que já saíam da realidade. [...] Ora, bolas nós devemos e podemos mostrar uma delegacia no Brasil assim? [...] Nós podemos fazer muita arte dentro dos salões, nas reuniões elegantes[...] 125

O exemplo é significativo para percebermos quais balizamentos estavam em jogo quando se tratava de articular o cinema à representação da cidade moderna. Aqui, sobretudo, explicita-se o investimento no controle de uma imagem e, nesse sentido, adentramos o campo do exercício do poder simbólico. Ou seja, a afirmação da São Paulo cosmopolita significa essencialmente cercear a imagem cinematográfica, no âmbito de uma operação que inventa a cidade moderna em contraposição à cidade provinciana. Nesse sentido, o entretenimento cinematográfico – emoldurado pela suntuosidade da arquitetura das salas de exibição, os palácios do cinema; pelo complexo maquinismo da produção e reprodução das imagens, o progresso técnico; e pela estética e conteúdo das películas – é apropriado, como celebração espetacular do ideal de cosmopolitismo no campo de uma luta simbólica pertinente ao gosto de uma classe e ao seu estilo de vida, portanto, às determinações dos signos de distinção.

125

Idem, pp. 36 e 37.

141

A magia da música na tela e nos alto falantes dos cinemas Na estréia do movietone, uma das possibilidades de minimizar o choque da inusitada experiência foi evocar o que há algum tempo já participava do cenário da cidade: o próprio cinema e o rádio. Nesse sentido, conjecturou-se o novo aparato do audiovisual no entrecruzamento desses dois inventos e como um degrau a mais no século do progresso. O CINENEMA... O RÁDIO... Duas descobertas que surgiram há poucos anos de distância e que, pelo seu alcance popular, empolgaram as massas como nenhuma outra. Passaram os anos. Passa a novidade e um belo dia, talvez entediados porque já os chamavam “velharias”, o radio e o cinema concertam-se, acumpliciam-se em segredo, e brindam à Civilização a mais extraordinária das maravilhas do século: - o “som”, o filme falado, o “movietone”. 126

Ver e ouvir, eis a síntese apresentada pelo movietone em tempos de progresso. O fato de o cronista conceber a nova tecnologia como uma espécie de fusão dos dois inventos, o rádio e o cinema, é sugestivo. Se não propriamente uma explicação técnica para o registro óptico do som, o Soundon-Film, é preciso dizer que, nas décadas seguintes, quando o Brasil adentra a era da comunicação de massa, o rádio e o cinema caminhariam juntos como os veículos mais expressivos e estratégicos desse processo. Até o surgimento da televisão nos início dos anos 1950 e a sua popularização na década seguinte, esses dois meios catalisaram a audiência e espelharam o imaginário da moderna sociedade urbana que começava a se desenhar no país. Em São Paulo, doze emissoras de rádio estavam em funcionamento nos anos 1930 e, em meados dos anos de 1950, já havia dezessete. A expansão das salas de cinema na capital é também significativa, passando de trinta para mais de cento e sessenta, no mesmo período. Nos anos de 1940, Otávio Gabus Mendes, o célebre nome da radiodifusão paulista, propunha fazer cinema pelo rádio. Ou, pelo menos, assim era divulgado nos jornais um de seus programas de rádio-teatro que ia ao ar 126

O CINMEMA… o radio. Folha da Manhã, 07.04.1929. p6.

142

diariamente pela Tupi. O anúncio indica o quanto as práticas culturais de se ouvir rádio e freqüentar cinema participam e organizam o cotidiano da cidade nesse momento, integrando a construção de um imaginário que irá fomentar as representações da metrópole moderna. Cabe aqui sinalizar que o trânsito entre estas duas mídias sugere, como veremos a seguir, questões relevantes sobre a produção e recepção da música consumida massivamente no período por nós estudado.

Fig. 67 Publicada no jornal Diário de S. Paulo, 17.11.1944 p. 27

Um outro exemplo de publicidade, na mesma linha, refere-se ao programa da Estação do Som de Cristal. No grafismo, a família reunida diante do aparelho vê as imagens fluírem do rádio. Tal representação empresta ao ambiente a dimensão de uma sala de projeção de filmes. É explicito o apelo publicitário, no sentido de acentuar as emoções proporcionadas pelo radioteatro com a equivalência do espetáculo cinematográfico. Mas, ao compor a

143

simbiose entre os dois meios, os anúncios sugerem um campo comum entre o cinema e o rádio. Ou seja, trata-se de uma época em que essas fronteiras eram muito tênues, e o mesmo mundo poderia ter os seus contornos desenhados no “éter ou no écran”, como diria Otávio Gabus Mendes.

Fig. 68 Publicada no jornal Diário de S. Paulo, 19.11.1944 p. 10

Se, para galgar um degrau a mais no progresso e continuar empolgando as massas, o rádio e o cinema acumpliciaram-se e, assim, possibilitaram uma nova tecnologia que promete a síntese entre “ver e ouvir”, poderíamos supor, então, o cinema falado como uma espécie de rádio para ser visto. Aliás, o advento do rádio já anuncia as questões que serão exponenciais na sua relação com o cinema. Sobre essa equação ver/ouvir nas tecnologias, Edmond Couchot observa que:

144

As inovações tecnológicas entre o fim da Primeira Guerra Mundial e o fim da Segunda são numerosas e participam todas da evolução do campo tecnestésico, mas algumas têm efeitos muito mais marcantes sobre os modos de percepção do espaço e do tempo. A radiodifusão faz passar o som (a voz, a música e os barulhos) do espaço acústico ao espaço hertziano: tudo se passa como se de repente o ouvido estivesse afetado por certas qualidades do olho. A audição passa a levar mais longe e mais diretamente do que a vista. A onda sonora, prolongada pela onda eletromagnética, adquire a possibilidade de tocar ao mesmo tempo e imediatamente um número de ouvintes extremamente grande, independente dos lugares onde eles se encontram, até sua intimidade, unindo-os fortemente sem desrespeitar suas individualidades. 127

A junção do cinema com o rádio foi esse invento potencialmente fecundo para a imaginação do “ouvinte”, mesmo que os mais céticos argumentassem ao contrário. Pois, o registro óptico dos sons, ao sincronizar o áudio à referência de uma fonte, por exemplo, a voz, à imagem dos atores; a música, à dos cantores e dos músicos e assim por diante, dispensaria o público de intuir por si mesmo a correspondente representação do emissor sonoro. Lembremos dos relatos sobre o filme do cônsul brasileiro apresentado na inauguração do Paramount: era como se ele próprio ali estivesse a falar, tendo a palavra unida ao gesto, flagrantemente verdadeira em tudo. No entanto, se o Sound-on-Film realiza tal experiência de realidade, ele será, por isso mesmo, um engenho capaz de incitar a imaginação da platéia. Eis como o novo invento rapidamente se processou nos estúdios hollywoodianos, e, por volta de 1932, seus diretores já tinham compreendido o som como um valioso dispositivo para intensificar a emoção das imagens na tela, pois já dominavam a gama de recursos expressivos da tecnologia que lhes possibilitava juntar o som e a imagem. 128 Cabe observar que o cinema nunca foi mudo. Ao longo das primeiras décadas de sua existência, o entretenimento cinematográfico sempre contou com algum dispositivo sonoro. A diferença é que antes do avanço técnico, possibilitado pela gravação do som para a posterior reprodução, a trilha era produzido ao vivo, seja por músicos, cantores ou locutores incumbidos de 127

COUCHOT, Edmond. A Tecnologia na Arte: da fotografia à realidade virtual. Porto Alegre, Editora da UFRGS, 2003. p. 69. 128 Cf. BEAVER, Frank E. op. cit.

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narrar determinados trechos da cena ou mesmo realizar a dublagem das vozes dos atores. Observamos ainda que, como notou Robert Sklar, durante o período “mudo”, as salas reverberavam o burburinho da audiência. Com o advento do “cinema falado”, o traço característico da recepção do filme sonoro será a conformação de um público silencioso.129 Nesse contexto, a trilha sonora permaneceu, até o final dos anos 1920, um campo alheio ao controle dos estúdios. Mesmo quando a matéria sonora dos filmes vinha indicada através de partituras musicais, os músicos dispunham de uma margem de liberdade para exercitar a sua interpretação. Com a evolução técnica que permitiu sonorizar as imagens, foi possível a padronização do som. A trilha sonora torna-se um recurso expressivo a ser explorado pelos produtores. Isso não quer dizer que compreendemos a recepção como uma instância passiva frente à imposição das produções culturais de massa. É certo que, quando o sistema de sonorização se mostra um projeto auspicioso em termos econômicos e potencializador de certos padrões estéticos, Hollywood rapidamente adere ao som gravado e sincronizado à imagem. Dessa forma, tanto a matéria visual como a matéria sonora das produções cinematográficas estariam, a partir do novo sistema, sob a regência dos estúdios e de seus interesses. Voltando ao nosso cronista e à sua compreensão do movietone como síntese entre o rádio e o cinema, poderíamos supor que, com o advento do filme sonoro, a sala de projeção seduziria o público também como um lugar de audição de músicas, seja a dos artistas já conhecidos pelo rádio ou a de outras, ouvidas no filme. Sobre esse ponto, o escritor Caio Porfírio Carneiro apresenta uma narrativa muito sensível, em suas memórias de Hollywood, ao relatar o seu encontro com a voz de Bing Crosby. Sessão matinê, no final dos anos de 1930, ele adolescente, com um grupo de amigos, arrisca-se a assistir um filme água-com-açúcar: Ouvi, no escuro, alguém comentar: – Canta bem. E passei, em conseqüência, a prestar atenção àquela voz. Foi um enlevo, aos treze anos. Pela primeira vez eu ouvia, com muita atenção, alguém cantar num 129

SKLAR, Robert, op. cit.p. 18.

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filme. A voz me encantava, a música me encantava. E quando o artista voltou a cantar, fiz sinal de silêncio aos amigos. Era uma beleza. Nada de tiros e correrias. Um homem bem vestido, gravata borboleta, chapéu de palheta, cantando. Uma coisa diferente pra mim.130

Na saída do cinema, ele olharia o cartaz com cuidado para descobrir o nome de Bing Crosby e, a partir daí, assistiria a todos os seus filmes. A continuação da história nos leva ao seu primeiro amor platônico, a star que desde então brilhou nas suas reminiscências hollywoodianas. Mas se Crosby me fascinou com sua voz, foi ele o culpado das penitências duras, após as confissões demoradas com os padres sacramentinos. Holandeses que nos ensinavam religião prometiam pouco o céu e muito o inferno. Pois, num dos filmes de Bing, lá estava, além de Bob Hope, Dorothy Lamour de sarong. Um deslumbramento. Aquelas pernas, meu Deus! Elas não me saíram mais da cabeça.131

Quando em São Paulo estreou o primeiro filme132 de Frank Sinatra, a publicidade chama a atenção para o début do artista na tela, referindo-se à película como o show do trovador do século. A voz de Sinatra – já conhecida do público brasileiro através do rádio e do disco, graças as suas primeiras gravações como crooner da orquestra de Harry James e, posteriormente, de Tommy Dorsey – poderia agora ser apreciada pelos fãs em um espetáculo cinematográfico. Lembramos que, em 1944, quando o filme foi exibido, Sinatra já havia se consagrado como um dos maiores astros da música norteamericana, ao lado de Bing Crosby, artista de grande projeção desde os anos 1930. O seu primeiro êxito revelou-se com o fox-canção I’ll Never Smile Again * (Ruth Lowe), gravado no ano de 1940, com a orquestra de Dorsey. Até então um cantor pouco conhecido, o artista, ao interpretar a composição de Ruth Lowe, fez dela uma das canções mais populares durante a guerra e, ao mesmo 130

CARNEIRO, Caio Porfírio. “O Cinema e Uma Voz”. In: LADEIRA, Julieta de Godoy (org). Memórias de Hollywood. São Paulo, NOBEL, 1988.p. 228. 131 Idem, p. 228. 132 Na realidade, Sinatra já havia participado em outras duas películas: Las Vegas Nights (1941) e Ship Ahoy (1942). No entanto, nestes filmes, comparece em segundo plano, como crooner da orquestra de Tommy Dorsey. * Anexo – CD das músicas selecionadas.

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tempo, tornou-se a figura central da orquestra de Dorsey, no momento em que os ídolos do swing eram os band-leaders e não os cantores. No ano de 1942, iniciou a sua carreira solo para, a partir daí, tornar-se uma das maiores expressões da música popular do século XX. Quando Sinatra, The Voice, assim chamado pelos seus fãs, encenou como um dos astros principais do filme Higher and Higher, dois anos depois de ter deixado Tommy Dorsey, era um indício de que o apogeu das big bands declinava, ao mesmo tempo em que o seu espetacular sucesso sinalizava o início da era dos cantores.

Fig. 69 O filme Higher and aqui

Higher, como

A

Alcance.

Lua

traduzido a

Publicada

Seu no

jornal O Estado de S. Paulo, 25.06.1944. p. 15

Por ocasião do lançamento de A Lua a Seu Alcance no Cine Ipiranga, a crítica paulista comentou: o cinema tem coisas inexplicáveis; pois, segundo ela, como explicar a sedução de um astro nas telas do cinema que não possui “figura” e quanto ao talento cênico era difícil avaliar, uma vez ser o filme escrito “especialmente para pretexto de suas canções”. E assim se referia ao caso de Frank Sinatra:

148

Vencedor com milhões de fãs no mundo inteiro, êxito imenso nas boates, no teatro e... no cinema. Tudo isso graças à sua voz de “chansonnier” que sabe dizer, ao som de musica, as palavrinhas tolas tão ao gosto das mulheres de todos os tempos... É isso, a voz macia. 133

Mesmo que o filme trouxesse outros atrativos, como a atriz Michele Morgan no papel de heroína, a película traduzia-se como um palco para Frank Sinatra, um lugar do qual o público iria ver e ouvir o seu cantor preferido. Mas, A Lua a Seu Alcance é, realmente, de Frank Sinatra. E estou certa de que grande parte do público elegante que vi no Ipiranga foi atraído por ele. Se Michele Morgan e os demais interpretes também agradam, melhor. E se o argumento é delicioso, muito melhor. Temos então uma fitinha gostosa de se ver e ouvir, ótimo passa-tempo nestes tempos em que o tempo de vezes custa tanto a passar.134

Dessa forma, a fita foi um sucesso, pois, em se tratando de Frank Sinatra, comentou a nossa crítica, o filme teve mais canções do que as que se ouvem no cinema de todo dia. Duas, pelo menos, Lovely Way to Spend an Evening* e You’re on Your Own, ela antecipava: logo estarão na boca do povo, assobiadas nas ruas, dançadas nos “show”’, ouvidas nos “boudoirs” – pois Frank Sinatra é popular de verdade.135 O espetáculo do trovador do século XX apresentou-se, naturalmente, com o glamour dos cenários hollywoodianos e, nesse sentido, a voz de Sinatra iluminou e foi iluminada pelo mito de Hollywood, fato que não passou despercebido pela crítica. Higher and Higher é filmada com o requinte de “decors” e de guarda-roupa que faz com que certas fitas “made in Hollywood” pareçam mais paradas de elegância do que histórias filmadas. São elas aliás, que mantêm o mito do cinema americano acerca do qual tanto se tem escrito e ainda se escreverá. 136

133

CINEMA, A Lua ao Seu Alcance. O Estado de S. Paulo, 30.07.1944, p. 2. Idem. 135 Idem. * Anexo – CD das músicas selecionadas. 136 Idem. 134

149

A magia da síntese de ver e ouvir no contexto da ambiência desse “mundo óptico da imaginação”, para usarmos a expressão de Krakauer, coloca o público diante da experiência na qual a música não mais comparece ilustrando cenas, no caso do filme mudo, mas sim transfigurada em imagens no Sound-on-Film. O encantamento produzido na sala escura do cinema propõe à platéia deixar-se conduzir pelo olho da câmara; ser capturada pelo universo imaginário que instaura um processo de identificação do sujeito-espectador com o significante fílmico, isto é do “sonhador” com a “tela do sonho”.137 Assim, a música projetada nesse contexto participa do investimento subjetivo que a experiência do cinema demanda do público. Com isso poderíamos acrescentar o som à denominação sugerida por Krakauer, e identificarmos o cinema como o “mundo óptico e sonoro da imaginação”. Em um ensaio sobre os cem anos do cinema, Susan Sontag, ao analisar o sentido dessa prática cultural para as gerações que a viveram em seu período áureo, aponta para a sua significativa presença no cotidiano do público. Era com uma visita semanal ao cinema, diz a filósofa, que as pessoas aprendiam (ou tentavam aprender) como caminhar com elegância, como fumar, como beijar, como brigar, como se entristecer. Os filmes nos davam dicas sobre como ser atraente, como por exemplo... parece bacana usar capa de chuva mesmo quando não estava chovendo138.

No entanto, mais do que esse traço “pedagógico”, a relação do espectador com o cinema traduzia-se, particularmente, pela construção de uma subjetividade ideal, mobilizada pelo desejo de ser tomado pela narrativa fílmica. Pois, tudo o que se levava dos filmes para casa, conclui Suntag, era apenas uma parte da experiência mais vasta de perder-se em rostos, em vidas que não eram as nossas – o que é a modalidade mais abrangente de desejo corporificada pela experiência do cinema. A experiência mais forte era

137

Cf. AUMOUNT, Jacques O Filme e Seu Espectador. In: AUMOUNT, Jacques et al. A Estética do Filme. Campinas, SP, Papirus, 2005. 3ª. Edição. p. 223. 138 SONTAG, Susan. Questão de ênfase: ensaios. São Paulo, Cia. das Letras, 2005. p. 157.

150

simplesmente render-se ao que estava na tela, ser transportado por aquilo. As pessoas queriam ser seqüestradas pelo filme.139

Há um outro aspecto que é necessário sublinhar. O glamour das canções “filmadas” também está intimamente ligado à experiência da audição mediada pela ambiência das salas de projeção. O teatro cinematográfico, com a sedução do seu cenário, do seu tratamento acústico e da qualidade da reprodução mecânica dos sons, possibilita um espaço singular, onde a recepção poderia fruir o espetáculo. Lembremos que, na época, ouvir música, através da reprodução mecânica, restringia-se ao rádio, às vitrolas e ao cinema. No que diz respeito às duas primeiras mídias, elas estavam longe de poder competir com a qualidade das melhores salas de projeção. Seja em relação à captação do som, o registro óptico apresentava um nível muito superior às gravações elétricas nos discos, e a reprodução nas vitrolas ou as transmissões radiofônicas ficavam aquém do que era possibilitado nos cinemas. Sobretudo as produções hollywoodianas exibiam uma qualidade técnica irrepreensível. O cineasta francês Jean Renoir, a respeito de sua experiência na América nos anos 1950, afirma ser Hollywood, por exemplo, o único lugar do mundo em que o som possui qualidade e, argumenta, “se o sucesso dos filmes americanos na Europa pode prejudicar os filmes europeus que não são devidamente cuidados... ora tanto pior, isto é, tanto melhor, porque se ‘americanizar’ na precisão da técnica será uma coisa boa.”140 Quando, a partir de meados dos anos 1930, prosperam as edificações dos “palácios cinematográficos” em São Paulo, além da decoração, do conforto, da iluminação, da ventilação e da qualidade de projeção, muito se investiu no projeto acústico como garantia de um bom espetáculo. Inúmeros exemplos nos levam às linhas que conectaram, no universo da música popular, o cinema e o rádio. A permeabilidade entre as duas mídias criou um espaço importante, no qual interagiram o consumo, a circulação e a produção musical. Nos filmes brasileiros, o fenômeno explicita-se de forma bastante emblemática nos musicais da Atlântida, as chanchadas, que conheceram um enorme sucesso nos anos de 1940 e 1950. Na fase mais 139 140

Ibid., p. 157. RENOIR, Jean. Escritos Sobre Cinema, 1926-1971. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1990. p. 72.

151

característica desse gênero do cinema nacional, quase não havia lugar para o enredo, tamanha era a quantidade de números musicais apresentados pelos filmes. Por exemplo, o elenco do rádio brasileiro reunido em uma dessas primeiras revistas musicais filmadas, Alô Alô Brasil – 1933, permitiu ao público ver e ouvir no cinema: Carmem Miranda, Mário Reis, Francisco Alves, Aurora Miranda, Ari Barroso, Custódio Mesquita, Dircinha Batista e Bando da Lua, entre outros.141 Referindo-se a esse filme, o compositor Ari Barroso comentou que, pela primeira vez, a maioria dos fãs pôde associar o rosto de seus ídolos às vozes que eles conheciam do rádio.142 No ano de 1936, a comêdia musical Alô... Alô... Carnaval, produzida pela Cinédia e dirigida por Adhemar Gonzaga, estréia nos cinemas de São Paulo, anunciando-se exatamente nesses termos.

Fig. 70 O texto do cartaz chama atenção para o elenco de canções que compõem a trilha sonora da película: Nada menos de oito canções populares e lindas servem de enfeite ao enredo de “Alô... Alô... Carnaval”, “Manhãs de Sol”; “Teatro da Vida”; “Cadê Mimi”; “Parodia do Guarany”; “Amei” e “Não Beba Tanto” e também os sambas “Seu Liborio”; “Molha o Pano”; “Querido Adão” e “Pierrot Apaixonado”.

Publicado

no

jornal O

Estado de S. Paulo, 02.02.1936. p. 30

141

Cf. AUGUSTO, Sérgio. Esse Mundo é um Pandeiro: a chanchada de Getúlio a JK. São Paulo, Cia. das Letras, 1989. 142 Cf. CABRAL, Sérgio. A MPB na Era do Rádio. São Paulo, Moderna, 1996.

152

Compondo esse circuito, é preciso considerar também a indústria fonográfica. A gravação de discos integra, juntamente com cinema e o rádio, a produção e circulação da música no período. A partir do “cinema falado”, o mesmo elenco musical apresentar-se-ia nessas três mídias. Aliás, o advento da gravação elétrica em substituição à gravação mecânica em meados dos anos de 1920, além de alterar a forma do registro sons e com isso impactar a produção musical da época, possibilitou a realização dos primeiros filmes sonoros através do sistema Sound-disc, o Vitaphone, a exemplo do filme O Cantor do Jazz, produzido pela Warner Bros em 1927. Há, portanto, no universo da música popular, a configuração de uma cultura musical cujos fios estão tramados e conectados, simultaneamente, ao cinema, ao rádio e à indústria fonográfica. Esse momento, é certo, tem no cinema sonoro dos anos 1930 aos 1950, sinalizado pelo apogeu e declínio do studio system e do star system, o marco referencial de uma época na qual um amplo repertório de canções constituiu a sua trilha musical. O advento do cinema sonoro pode de fato ter sugerido uma espécie de rádio para ser visto ou de um gramofone visual. Para evocarmos ainda um exemplo do trovador do século XX, citaremos o filme Young at Heart, que estreou em São Paulo dez anos depois de A Lua ao Seu Alcance, com o nome de Corações Enamorados. Na película de 1954, Frank Sinatra atua pela primeira vez ao lado de Doris Day. Tal qual Sinatra, a atriz também havia iniciado a sua carreira como crooner de orquestras, entre elas a famosa big band de Les Brown. Depois de ter obtido sucesso no rádio e em gravações de discos durante a década de 1940, a cantora apareceria nas telas do cinema em uma série de musicais e comédias. Na década de 1950, Doris Day é uma das atrizes mais populares dos Estados Unidos, marcada por papeis angelicais ao lado de astros como Rock Hudson e Cary Grant. O seu estrelato em Hollywood acontece no ano de 1948, com o filme Romance On The High Sea – Romance em Alto Mar. Na película, Doris Day interpreta a canção It’s Magic (Jule Styne e Sammy Cahn). Nesse mesmo ano, a composição figurou como uma das músicas estrangeiras mais executadas no Brasil. Apostando na popularidade das vozes de Doris Day e Frank Sinatra, paralelo à estréia de Corações Enamorados, a Columbia lançou, já dentro dos

153

novos padrões de gravação, os long-play de 33 rotações143, o disco que continha a trilha sonora do filme.

Fig. 71 Capa do Lp da Columbia contendo oito canções selecionadas do filme “Corações Enamorados”.

O disco, editado pela Columbia do Brasil, traz na contracapa a apresentação do LP e explicita as razões do sucesso desta produção cinematográfica ao considerar o fato de ela agregar duas vozes de grande sucesso na América, interpretando um repertório de excepcional sedução. Tanto Doris Day como Frank Sinatra, esclarece o autor, estão entre os mais eficientes vocalistas populares dos EUA. A “carreira” de ambos, diz ele:

estão juncadas de discos de sucesso e com representações que lhes granjearam renome como artistas. Desde seu primeiro filme, Romance no Alto 143

O long-play chega ao mercado norte-americano em 1948, por uma iniciativa da Columbia. Três anos depois, em 1951, é lançado o primeiro destes novos formatos de discos no Brasil, através da gravadora nacional Sinter. Esse novo padrão iria transformar o mercado musical, baseado até então na venda de discos de 78 rotações por minuto que continham duas faixas. Os LPs estavam configurados em 33 rotações por minuto, apresentavam um nível de qualidade sonora bastante significativa (os discos de altafidelidade – Hi-Fi) e possibilitavam a gravação de oito faixas. Ainda nos anos 1950, surgem os LPs de doze faixas. Um outro avanço, trazido pela indústria fonográfica no final dos anos de 1950, foi a gravação estereofônica – processo batizado de estereofonia bicanal. Até então, o disco era produzido num só canal.

154

Mar, Doris Day tem sido uma das principais estrelas musicais da tela [...] continuando a produzir ao mesmo tempo, disco após disco que rapidamente se encaminham aos primeiros postos das listas dos “best-seller”. [...] Frank Sinatra, desde os seus primórdios na carreira como cantor de orquestra de jazz (onde Doris Day também teve seu início), a inteligência de sua interpretação era aparente e, quando se tornou o primeiro (e um dos mais duradouros) dos astros feitos da noite para o dia, logo no início de 1940, transmitiu um gosto e sinceridade tais na sua interpretação, que tem encantado desde então os corações dos compositores de canções e igualmente do público.144

Ao lado de Doris Day, ainda nos fala o autor, Frank Sinatra é um dos artistas que tem conseguido sucesso simultaneamente nas carreiras dos discos e do cinema. Sobre as oito faixas do LP, ele conclui: Os dois astros nos oferecem uma série irresistível de apresentações, em canções memoráveis de Cole Porter, Gerge Gershwin e Harold Arle, e em esplêndidas e novas canções escritas especialmente para a tela. Mas à parte as lições da maneira como interpretar as canções deste filme, esta coleção oferece divertimento do melhor, e uma infindável e prazerosa recordação de Doris Day e Frank Sinatra em Corações Enamorados.145

O contexto da experiência do cinema sugere ao espectador um lugar onde a música146 transcende a dimensão puramente auditiva para, impregnada de imagens, alojar-se no plano da narrativa visual. As canções, ao emprestar a sua poética para “coreografar” as cenas que se projetam na tela, ganham os matizes que se apresentam no texto fílmico. É como se elas emulsionassem e fossem emulsionadas pelo jogo das imagens. No entanto, se a matéria visual dos filmes está condicionada ao tempo da projeção e se apaga quando as luzes acendem, ficando como impressões difusas que o público leva para casa.

144

Texto publicado na contracapa do LP “Doris Day & Frank Sinatra – Canções Selecionadas do Filme Corações Enamorados – Young at Heart”. São Paulo, Columbia do Brasil, s/d. 145 Idem. 146 Não estamos aqui nos referindo ao conceito de uma trilha sonora, composta no sentido de inscrever ao longo da projeção uma música incidental, como contraponto à narrativa do filme. Particularmente, nos referimos à trilha sonora sustentada pelas canções.

155

A canção, por sua vez, escapa ao efêmero e dura no desenho de sua melodia. Redime-se furtivamente ao escuro das salas de projeção e traz consigo boa parte do encantamento que protagonizou no filme. Por isso pode evocar a memória do que se experimentou no cinema. Assim, a gravação da trilha do filme, como sugere o texto, não era apenas um registro das vozes de Doris Day e Frank Sinatra, de suas performances como cantores, mas a infindável recordação de suas presenças projetadas na tela pela narrativa visual de Corações Enamorados. Para uma geração em que as práticas culturais do cinema e da dança foram tão expressivas, as “canções filmadas” evocam o trânsito entre o mundo imagético dos filmes e o salão de dança. Lembremos da crítica de A Lua ao Seu Alcance e de como ela previu que duas canções da película logo seriam apropriadas pelo público. Elas comporiam a trilha sonora de seu cotidiano, suas melodias fluiriam pelas ruas da cidade, adentrariam recantos privados e, por fim, animariam as danças. Tal jogo de sedução das “canções filmadas”, na medida em que agregam o encanto visual em sua identificação com o cinema, seria evidentemente explorado pela indústria fonográfica. Em outubro de 1943, os cinemas de São Paulo exibiram a produção da Warner Bros que já havia permanecido em cartaz durante cinco meses no Rio de Janeiro. Por aqui, o filme também conquistaria o público, tornando-se uma dos maiores sucessos daquele ano. Entre as qualidades de Sempre no Meu Coração (Always in my Heart), que teriam dado a essa produção da Warner um êxito tão extraordinário junto às platéias, estava a canção de um dos mais importantes compositores cubanos da primeira metade do século XX, o maestro Ernesto Lecuona; aliás, a composição é parte integrante do enredo do filme. Always in my heart, comenta a crítica do jornal O Estado de S. Paulo: É o nome de uma canção simples, mas que fica impressa nos ouvidos de todo espectador que vai ao Ritz, agora. É uma canção, apenas; no entanto, mesmo sem a muito importante contribuição de Gloria Warren e sem aquele fenomenal conjunto de gaitas, seria decorada, cantada, assobiada e estilizada por todo mundo, exatamente porque é uma canção simples. Como música, é puro realejo; como letra, é absolutamente “Always in my heart”; mas todos gostam. A vitória indiscutível, dessa canção que serviu de motivo para a fita de miss Warren, é prova cabalíssima de poder de divulgação do cinema. As

156

ondas radiofônicas e os discos musicais não dariam tão ampla expansão a “Sempre no meu coração”....147

De fato, a nossa crítica tinha razão. O filme da Warner foi responsável por popularizar uma das canções de maior sucessos da época, amplamente gravada tanto pelos cantores quanto pelas big bands. No Brasil, com uma versão em português148, foi interpretada por Orlando Silva, no mesmo ano do lançamento do filme. Com uma roupagem foxtrote, Sempre no Meu Coração* (Ernesto Lecuona, Kim Gannon e Mário Mendes) destacou-se no repertório desse cantor, tornando-se um de seus maiores hits. Importante ressaltar que a composição de Lecuona permanece como uma forte evocação na memória da geração que a ouviu pela primeira vez, no cinema ou na voz de Orlando Silva. Por fim, vale a pena destacar um último exemplo do entrecruzamento cinema e música. No mesmo ano de 1943, ocorre a estréia do clássico Casablanca. A música tema dessa produção, o foxtrote As Time Goes By, além se transformar na música-símbolo do romantismo hollywoodiano, realiza o mesmo “percurso” da música de Ernesto Lecuona; porém, nesse caso, a versão brasileira foi gravada por Francisco Alves, com o título de Amor é Sempre Amor.* A onda sonora sobre a metrópole moderna Quando, no final dos anos vinte, São Paulo adentra a era do “cinema falado” – com suas salas de exibição sendo equipadas com o vitaphone e o movietone –, concomitante ao lançamento das “películas sonoras”, as gravadoras colocariam à disposição do público os discos contendo as trilhas dos filmes. A cidade passou, assim, a respirar a atmosfera musical que fluía dos seus cinemas. Ela seria arrebatada por uma espécie de onda sonora, cuja emissão tinha sua origem nos estúdios de Hollywood, tal qual avaliou o cronista do jornal O Estado de S. Paulo. Há, portanto, uma série de exemplos muito ilustrativos da via de conexão entre o cinema, o disco e o rádio na

147

C., Sempre no meu coração. O Estado de S. Paulo, 21.10.1943. Cinema, p. 5. * Anexo – CD das músicas selecionadas. 148 Desde os anos 1920, tornou-se comum a gravação de versões. Compositores como João de Barro (Braguinha), Haroldo Barbosa e David Nasser, entre outros, foram especialistas nessa prática.

157

configuração da cultura musical que irá compor determinado repertório deste cenário. Vejamos alguns. A estréia do som no cine República apresentou a primeira versão cinematográfica do clássico musical Show Boat149. Traduzido como Bohemios, a atração do espetáculo sublinhava a atriz Laura La Plante interpretando duas canções da trilha sonora da película.

Fig. 72 Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 07.08.1959. p. 19 149

Em sua versão para o palco, Show Boat foi escrito pelo compositor Jerome Kern e estreou em Nova

York em 1927. O musical, baseado no livro de Edna Ferber, narra a história da vida de uma artista, cujo pai trabalha como capitão de um desses “barcos teatros” que viajavam pelas hidrovias do sul e do meiooeste americano, especialmente os rios Mississipi e Ohio, levando entretenimento para as localidades portuárias, geralmente shows de vaudeville. Em sua estréia no cinema, no ano de 1929, Show Boat foi dirigido por Harry A. Pollard. A produção da Universal Pictures insere-se na linha evolutiva dos primeiros musicais realizados pelos estúdios hollywoodianos na esteira do advento do filme sonoro. O uso desse cenário não poderia ser mais apropriado para uma produção que pretendia explorar a música e a ação dramática. Cf. MAST, Gerald. Can’t Help Singin: The American Musical on Stage and Screen. New York, The Overlook Press, 1987.

158

Depois

de

fruir

do

espetáculo,

a

super-produção

cantada

e

“synchronisada”, o público poderia dispor do registro fonográfico das canções do filme, pois a gravadora Victor oferecia no mercado a trilha original de Bohemios. Tal qual podemos observar na ilustração a seguir.

Fig. 73 Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 07.08.1929. p. 15

O mesmo vale para The Broadway Melody, cuja estréia, no cine Odeon, também ocorreria em agosto de 1929. O filme, anunciado efusivamente como todo falado; todo cantado; todo dançado, inaugura a entrada da Metro Goldwyn Mayer na era dos musicais. Até o início dos anos 1950, quando produziu o seu último grande musical, Singin In the Rain, a Metro marcou presença proeminente nesse gênero. Melodia da Brodway tinha, entre outros números, as canções: You Were Meant for Me, Broadway Melody* e Wedding of the Painted Doll, compostas por Nacio Herb Brown e Arthur Freed, sendo que esse último tornou-se o produtor responsável pelo grande êxito dos musicais da Metro ao longo das duas décadas seguintes. No ano de 1929, a canção Brodway Melody encabeçava a lista das músicas estrangeiras de maior sucesso no Brasil.150 Em junho desse ano, o filme estreou no Rio de Janeiro, no Cine Palácio Teatro, tornando-se o primeiro longa-metragem sonoro sincronizado visto pelo público carioca. * Anexo – CD das músicas selecionadas. 150 As indicações das músicas que integravam a lista de sucessos no Brasil baseiam-se nas seguintes fontes: SEVERIANO, Jairo & ZUZA, Homem de Mello. op. cit.; e no site Hot100Brasil: http://www.hot100brasil.com/timemachinemain.

159

Fig. 74 O film triumphal da Metro Goldwym

Mayer



Musicado,

cantado e dansado. Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 08.08.1929. p. 22

Fig. 75 Na Sala Vermelha do Cine Odeon, à tarde e à noite. Uma superprodução “synchronisada” da Metro Goldwyn Mayer, que está batendo o recorde artístico e de bilheteria das fitas sonoras apresentadas em S. Paulo. Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 01.08.1929. p. 22

160

Fig. 76 Novamente a Victor coloca ao alcance do público os mais belos trechos musicais deste filme sonoro. Além da voz do próprio protagonista do filme, comparecem também à gravação ótimas orquestras de baile. Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 01.08.1929. p. 17

No ano de 1930, The Breakaway e Walking with Susie figuram entre as músicas estrangeiras mais ouvidas no Brasil. Ambas compõem a trilha sonora da comédia musical Fox Movietone Follies of 1929, uma produção da Twenty Century Fox, dirigida por David Butler e Marcel Silver. A película estreou em São Paulo, no Cine Odeon, em setembro de 1929 e fora apresentada como o maior espetáculo synchronisado que se veria naquele ano. No conjunto de suas atrações, o primor, a fantasia, o movimento, mas, sobretudo, sublinhavase a música do filme. O cinema agora transcendia os limites da “cena muda” para se oferecer como uma arte completa, na qual a imagem e o som confluíam para o deleite do público. Assim, nada mais sugestivo do que lindas canções para compor a beleza hipnótica do jogo imagético projetado na tela. A

161

reprodução sincronizada prometia, através de sensações visuais e auditivas, encantar a platéia. A obra gigantesca de cinema-sonoro com Sue Carol, Lola Lane, David Rollins e mais vinte formosuras. As mais belas mulheres; modas; fantasias fascinantes; enredo de amor; gargalhadas; animação; ousadia; danças exóticas e sobretudo, lindas canções – tudo formando um primor de encenação, movimento e arte para o triunfo de ‘Follies of 1929’. O maior film synchronisado que vereis até o fim deste ano! 151

Na oportunidade do lançamento do filme, a Victor anunciava os discos contendo o eletrizante fox trot Breakaway, assim como outros números de sucesso de “Follies of 1929”.

Fig. 77 Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 30.08.1929. p. 15 151

ODEON, o grande cinema paulista. O Estado de S. Paulo, 04.09.1929. p. 18.

162

Os exemplos nos mostram como, a partir do advento do “filme falado”, São Paulo foi tomada pela musicalidade que, entoada nas salas de cinema providas com o vitaphone e o movietone, fluía para as lojas de discos e era reproduzida nas vitrolas e nos rádios. Essa nova forma da reprodução mecânica da música não só propôs uma nova maneira de recepção das canções, como fomentou um novo repertório. Ela representa um indício de que um novo tempo colocava-se em marcha, também por essa via. A experiência do cinema, na era sonora, trouxe a percepção de que algo ficava para traz. O convite para um “profundo momento introspectivo” na sala de projeção, onde as imagens bailavam silenciosamente, fora suspenso da cidade cosmopolita. Se ele ainda pudesse ser enunciado, seria em um idílico cinema do interior. Ali, os filmes ainda transcorriam “mudos”, hauridos como atributo de um outro tempo. Assim percebeu o cronista do jornal O Estado de S. Paulo a nova configuração que a tecnologia do som imprimiu ao entretenimento cinematográfico: – gosta muito de cinema: e porque aí, nessa cidadezinha linda, há um cinema – um? três ou quatro! – que, infelizmente, não é do meu tempo: e porquê... ah! Principalmente porque esse cinema ainda é silencioso... Si-len-ci-o-so... Gosto de alongar bem esta palavra: ela torna-se igual àquelas horas “cheias de coisas”, muito estiradas, em que a gente espreguiça o corpo e o espírito, e fica olhando sem ver, escutando sem ouvir, o mundo – este mundo que, graças a Deus, costuma acabar cada vez que começa o sonho...152

Para ele, a magia das imagens silenciosas despertava os sonhos. No pequeno cinema do interior, o filme mudo acompanhado pelo toque do piano, emudecia o mundo, apagava as luzes e conduzia os olhos e os ouvidos para verem e ouvirem a “grande fita” e o “grande piano” que o espectador traz dentro de si. Olhar sem ver; escutar sem ouvir... Mas isso é o ideal dos sentidos e da alma! Isso é o que você faz, quase todas as noites quando, “faute de mieux”, você desmaia todo o seu corpinho de flor e de fruta, na cadeira mais distinta do 152

G. Cinematographos – Inveja. O Estado de S.Paulo, 11.08.1929, p. 8 (Obs: G. refere-se ao pseudônimo do escritor Guilherme de Almeida.)

163

pequeno cinema de Interior... Isso é o que conseguia o cinema silencioso... Para que fita e para que um piano, senão para despertar e fazer correr a grande fita e cantar o grande piano que a gente tem, dentro de si, escondidos?153

A moderna cidade com os seus “cinemas sonoros”, o cinema de grande atualidade que São Paulo inteira já se acostumou a apreciar com apuradíssimo gosto154, com o informava o cartaz do Cine Odeon, já não permite, segundo o cronista, o momento de abstrair o mundo à volta e sonhar. Agora, os sentidos da visão e da audição são despertos e tragados para dentro da tela e dos altos falantes. Eles são conduzidos, independente da vontade da audiência, pela sincronia estabelecida entre a matéria visual e sonora projetada na sala de exibição. Aqui, minha pequena amiga distante, nesta cidade tão humana, esse momento divino já não é permitido. A música que sublinha o filme, arrasta os olhos para a tela; e, ao mesmo tempo, o filme que ilustra a música prende os ouvidos ao alto-falante. E, entre essas duas forças poderosíssimas (que se chamam, numa palavra, “synchronização”), eu sou um aniquilado, um inútil, um pobre homem [...]155

Mas, se num primeiro momento o cronista parece reticente quanto às mudanças trazidas pelo advento da “synchronização”, algum tempo depois essa onda sonora também haveria de lhe seduzir. Ela pairou sobre a terra com suas asas de celulóide, baixou o vôo, e a tudo e a todos envolveu irresistivelmente. Dessa forma, ele se referia ao impacto da nova cultura do “cinema sonoro” em expansão na cidade. Uma onda sonora veio do Norte, clara e quente e civilizada como o “sunshine” da Califórnia; e flutuou, alta, sacrílega, neste céu religioso do Cruzeiro; e foi baixando o vôo palpitante das suas asas de celulóide; e estirou-se, afinal, pela

153

G. Cinematographos – Inveja. O Estado de S.Paulo, 11.08.1929. p. 8. ODEON. O Estado de S. Paulo, 01.08.1929. p. 22. 155 Idem, Cinematographos – Inveja. 154

164

terra toda, e a tudo e a todos envolveu no novelo macio da sua melodiosa confusão.156

Quando por aqui aportaram as inúmeras produções hollywoodianas sonorizadas, São Paulo fora tomada por uma nova atmosfera musical. Tal qual aludiu a crítica sobre o filme de Frank Sinatra – A Lua ao Seu Alcance, o cronista do jornal O Estado de S. Paulo também sugere a evasão das canções das salas dos cinemas. Elas se apresentaram em todos os lugares, em todos os momentos, de todas as formas. Assim, ele retrata a onda sonora que se apropriou da cidade. A nova musicalidade sai das trilhas dos filmes para alojarse em seu cotidiano, como uma espécie de idéia fixa, obsessão. Olhe, ouça! Você passa por uma rua central onde há vitrolas ou rádios; entra num chá vagaroso onde há orquestras e “flirts”; vai ao “wild-party” simples, moço, bem “informal”, onde há vestidos curtíssimos e “cocktails” longuíssimos; boceja na recepção mais “high-hat”, onde apenas se tolera um “jazz” suficientemente censurado; fecha, enfim, de noite, os seus sentidos cansados, no seu quarto muito íntimo, que tem uma janela vestida de renda e fio de ouro aberta sobre a calçada por onde passam homens noturnos que assobiam... – onde quer que seja, como quer que seja, quando quer que seja, sempre aquela mesma onda sonora há de rondar e rolar sobre você. Idéia fixa. Obsessão.157

A continuidade da crônica traz o elenco de canções desembarcadas na cidade com os seus respectivos filmes, Broadway Melody, Fox Follies e Bohemios, entre outros. Precipitadamente, de cambulhada, numa avalanche, assim é narrada a invasão do novo repertório musical e a sua propagação na metrópole. Diante desse fato, e considerando a onda sonora como expressão da modernidade e do progresso, onde a mesma musicalidade transita pelo mundo, padronizada, o cronista expressa a inevitabilidade de não aderirmos a ela. Quanto aos arroubos de patriotismo, tolices, o Brasil estando no mundo, argumenta o cronista, também é parte e possui elementos análogos àqueles conformadores dessa cultura universal. Por exemplo, o blues entoado pelos

156 157

G. Cinematographos – A Onda. O Estado de S.Paulo, 06.09.1929, p. 20. Idem.

165

negros americanos, de alguma maneira também espelharia a nossa alma. E, aqui se trata de uma alusão à trilha sonora do filme Bohemios, a nostálgica toada dos negros cantada ao som do banjo, assim grafado nos discos lançados pela Victor. Pois, para ele, nós também temos os velhos negros melancólicos, cheios de “diabos azuis” (poracé, banzo, saudade...), cantando, para embalar a nossa crueldade, a mesma canção que embalou a nossa rede.158 Mas, sobretudo, nós temos progresso e civilização. Portanto, aderir à onda sonora é reconhecer-se parte do mundo civilizado. Aceitá-la compreende apropriar-se de suas representações como parte de nossa própria identidade. A onda sonora... Aceite-a! Suavemente, passivamente, aceite-a! Entregue-se a ela! Vá na onda!... Não seja a pessoa lamentável que protesta com patriotismos grotescos: – Mas, isso não é nosso! Onde está a nossa velha modinha? Que será feito do nosso bom maxixe? Isso não é nosso, meus senhores! Não diga essa tolice insuportável! Isso é nosso, sim. Porque isso é do mundo, e porque o mundo de hoje está todo estandardizado, e porque o Brasil ainda está no mundo.159

O jazz e o desenho da onda sonora Mas se havia algum desenho rítmico, harmônico ou melódico capaz de sintetizar a expressão da onda sonora intuída pelo cronista, ele se refere ao jazz. O gênero, identificado como a música popular dos Estados Unidos nos anos da Primeira Guerra Mundial, conhece uma expansão avassaladora nas décadas seguintes e passa a influenciar toda a música ocidental. No Brasil, as jazz-bands proliferam e são cortejadas pela indústria fonográfica. Romeu Silva, um dos mais prestigiados chefes de orquestra, gravaria com grande sucesso, em meados dos anos de 1920, uma série de foxtrotes com a sua Jazz Band Sul Americano. Segundo o saxofonista, desde 1922, quando transformou sua orquestra em jazz, para se atualizar em relação à evolução da música, tornouse cada vez mais solicitado e aclamado com grande entusiasmo pelo público. A exemplo do que havia visto em Nova York, Romeu Silva organiza uma das 158 159

G. Cinematographos – A Onda. O Estado de S.Paulo, 06.09.1929. p. 20. Idem.

166

mais famosas jazz-bands da época, cuja formação incorporava: saxofone; clarineta; trompete; trombone; banjo; piano; contrabaixo e bateria. Seus músicos sempre impecavelmente trajados e disciplinados executavam com maestria sambas, maxixes, valsas, mas, sobretudo, a música norte-americana, ou seja, o jazz. No programa musical, não faltavam foxtrotes, blues, shimmys, ragtimes enfim, ritmos cuja sincopa deriva da matriz jazzista. Inicialmente tocando nos principais cinemas do centro do Rio de Janeiro, a Jazz Band Sul Americano ganhou fama e passou a abrilhantar os mais elegantes bailes da capital da República e de São Paulo. Entre os músicos de carreira proeminente nas décadas seguintes e participantes da Jazz Band Sul Americano, destacava-se o compositor Ari Barroso. Ele integrou tais grupos musicais nos anos de 1920, atingindo o ápice de sua carreira como pianista de jazz na orquestra de Romeu Silva.160 Outro exemplo, diz respeito ao grupo do arranjador, instrumentista e compositor Pixinguinha. Quando, em 1922, os “Oito Batutas” retornam de sua excursão a Paris, seus músicos haviam entrado em contado com a onda musical disseminada no ocidente. O único disco gravado pelo Grupo do Pixinguinha nesse ano, pelo selo Odeon, apresentava dois foxtrotes: Ipiranga e Dançando, ambos de autoria do próprio compositor. Em 1923, os “Oito Batutas” se recompunham com o nome de “Bi-Orquestra Os Batutas”. Na avaliação de Pixinguinha, que, além da flauta, passara a integrar o conjunto como saxofonista, a idéia era dar ao grupo um estilo mais identificado com os novos tempos, ou seja, o jazz. 161 Em São Paulo, se não surgiram jazz-bands com tanta expressividade quanto a das suas irmãs cariocas, elas também se apresentaram na cena musical da cidade na época. Lembremos do cronista Sylvio Floreal e a sua ronda pelas ruas do Triângulo. A noite inicia-se; ele, na Rua Direita, entra em um dos endereços mais distintos do Centro.

160

Cf.CABRAL, Sérgio. No Tempo de Ari Barroso. Rio de Janeiro, Lumiar Editora, 1993. p. 29, 37 e 38. Cf.CABRAL, Sérgio. Pixinguinha, Vida e Obra. 3 ª ed. Rio de Janeiro, Lumiar Editora, 1997. pp. 87, 97,98,99 e 100. 161

167

O vasto salão, sempre cheio de homens e mulheres, delira entusiasticamente, animado pela música que toca sempre uns pot-pourri nervosos e fox-trots saltitantes à jazz-band.

162

Trata-se, evidentemente, de música ao vivo, a sua reprodução mecânica ainda não oferecia condições técnicas para produzir o frisson sugerido por Floreal. Aliás, segundo Nicolau Sevcenko, nesse momento a cidade é tomada por um fenômeno novo, a intensa difusão da música e a proliferação dos bailes e ambientes de dança como parte da emergente indústria do lazer. Assim, no cenário de metropolização da São Paulo dos anos de 1920, vicejam os “musichalls”, os “salões de dança”, as “sociedades dançantes” e, sublinha o historiador, as lojas mais elegantes para atraírem a clientela transformaram o tradicional “chá das cinco” em “chá dançante”. Quanto ao ritmo, a presença marcante do jazz comparecia animando o clima efusivo deste alvorecer do cosmopolitismo paulista.163 O contexto, é certo, nos parece plenamente favorável à ampliação do mercado de trabalho para as jazz-bands.164 Por fim, vale mencionar, os cinemas foram palcos para a atuação desses grupos musicais, por exemplo, o Cine República teve, durante a sua “fase muda” e ainda no início da “sonora”, a presença da Jazz Band República como uma das atrações do seu programa.165 O advento dos sons no cinema em São Paulo, no ano de 1929, foi, na realidade, o palco da consolidação e do impulso de uma musicalidade cujo contorno estava sendo delineado desde o início da década de 1920. Portanto, a “irresistível” onda sonora que irrompeu pelos alto-falantes dos cinemas, embalada pelos signos de modernidade

do

aparato

cinematográfico,

reverberou dentro dessa cultura musical que compunha a atmosfera cosmopolita da metrópole emergente.

162

FLOREAL, Sylvio, op. cit., p. 105. SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole. São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Cia. das Letras, 1992. pp. 89 e 90. 164 Cf. MORAES, José Geraldo Vinci de. Sonoridades Paulistanas. A Música Popular na Cidade de São Paulo (Final do sec. XIX – Início do séc. XX). Rio de Janeiro, Funarte, 1995. p. 164. 165 SIMÕES, Inimá. Op. cit. p. 21. 163

168

Fig. 78 A clássica formação de jazz que abrilhantava o programa do Cine República. No bumbo da bateria, o nome do grupo: Jazz-Band República.

169

Fig. 79 A platéia do elegante República será pequena para conter os admiradores dessa produção cuja propaganda enche agora as ruas da cidade. Assim, os jornais anunciaram o filme quando ele estreou no início do mês de setembro. Publicada no jornal O Estado de S. Paulo, 25.09.1929. p. 21

170

No âmbito do advento do espetáculo do filme sonoro, o ano de 1929 ainda traria para os paulistanos a apresentação do Cantor do Jazz. A “perfeita fita synchronizada que o Programa Matarazzo recomenda ao público paulistano”

166

, como noticiou a Folha da Manhã, estreou em setembro no cine

República. A produção da Warner Bros, de 1927, entrou para a história do cinema como o primeiro filme musical. Com a “sincronização” de diálogos, efeitos sonoros e de números musicais, o filme foi considerado uma revolução da indústria cinematográfica, cujo sucesso acabou por demarcar o fim da era do cinema “mudo”.167 Estrelado por Al Jolson, que até então havia se popularizado como artista de espetáculos musicais em Nova Iorque e conquistado grande expressividade no rádio e no disco, o enredo narra o drama de um cantor judeu que se aventura na carreira do show business. Para o cronista do jornal O Estado de S. Paulo, a película representava o cânone do cinema dos sons. “Vendo-se e ouvindo-se ‘The Jazz Singer’, as suas cenas de ‘coulisses’, com ‘estrelas’, coristas, ensaios-gerais, aplausos... – a gente compreende, agora, o quanto este filme foi imitado, plagiado mesmo, em quase todas as produções que se lhe seguiram.”168 Por tudo isso, ele recomendava: Quem se interessa por cinema, ou pelo menos, quem gosta da nova indústria do filme sonoro – quer dizer: todo mundo – deve, precisa ver “O Cantor do Jazz”. Ele é um documento: o documento inicial e básico da história de uma arte que começa.169

Não é mera coincidência que o primeiro longa-metragem da era do filme sonoro seja The Jazz Singer.* Durante os anos 1920, como observamos, uma infusão de jazz altamente diluída, para usar uma expressão de Eric J. Hobsbawm, obteve um grande impacto entre o público branco, tornando-se a linguagem dominante na música de dança ocidental urbana e nas canções populares. Nas décadas seguintes, o swing, recompondo traços da linhagem 166

“O CANTOR DO JAZZ”, o maior espetáculo sychronisado da tela – será apresentado segunda feira próxima no República. Folha da Manhã, 21.09.2006, p. 6. 167 PARKINSON, David. History of Film. London, Thames and Hudson, 1996. p. 84 e 85. 168 G. Cinematographos – “O Cantor do Jazz”, no “República” O Estado de S.Paulo, 25.09.1929, p. 21. 169 Idem. * Anexo – CD das músicas selecionadas. (Blue Skies)

171

jazzista, entraria definitivamente para a estética da música comercializada em larga escala pelas gravadoras.170 Nesse sentido, o avanço técnico de sonorização da imagem coincide com a popularização desse gênero musical e, evidentemente, os produtores cinematográficos apostaram na celebração do sucesso do jazz.171 Isso explica a forte efusão jazzista na composição das trilhas sonoras dos filmes musicais e, como mencionamos anteriormente, a grande produção pela indústria hollywoodiana dos chamados jazz shorts nas décadas de 1930 e 1940, exibidos como complementos dos filmes de longa metragem. Época de apogeu das big bands, com o sucesso do swing e a proliferação dos ballrooms, Hollywood, através dos shorts, registrou e distribuiu as performances desses grupos, impulsionando a popularização da música dançante das grandes orquestras norte-americanas. Além disso, observamos também que as big bands marcaram presença no cinema, seja de forma lateral ou em primeiro plano, nos enredos de diversos longas-metragens ao longo das décadas de 1930 e 1940. Nos anos 1950, quando o auge do sucesso das grandes orquestras já havia declinado, Hollywood se incumbiu de evocar a era de ouro desses grupos musicais através de filmes que narravam a biografia dos seus band-leaders.

170

Eric J. Hobsbawm analisa nestes termos a presença do jazz na música pop ocidental a partir da primeira guerra mundial. Ver: HOBSBAWM, J. Eric A História Social do Jazz. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1990. 171 Não nos cabe aqui entrar no debate sobre o matiz jazzístico, que passou a ser amplamente comercializado, a partir dos anos 1920. Para muitos críticos, aquilo que se rotulou como jazz estava longe da qualidade musical alcançada pelos maiores expoentes da comunidade de artistas de Nova Orleans, Chicago ou Nova York. No entanto, os diversos aspectos estilísticos criados pelos precursores do jazz: o ritmo sincopado; a singularidade da escala musical; a espontaneidade na performance dos instrumentistas entre outros, foram amplamente disseminados na chamada música pop, promovendo, assim, uma marca jazzística, ainda que diluída, no repertório musical que passou a ser produzido e consumido no ocidente. Não é sem ironia que Eric J. Hobsbawm comenta o assunto: “Embora o aficionado de jazz possa ter ataques com essa idéia, não se pode negar ao saudoso Paul Whiteman o direito de se considerar músico de jazz, a Al Jolson se chamar de cantor de jazz, ou até mesmo ao mais cretino dos roqueiros o direito de se arrogar cidadania no jazz, da mesma forma que o crítico literário não pode negar ao homem de negócios comum o direito de se afirmar que escreve inglês.” (HOBSBAWN, op. cit., p. 47).

172

O glamour da “América” em ritmo de foxtrote A conversão de um amplo espectro da música popular produzida e consumida no mundo ocidental, a partir dos anos da Primeira Grande Guerra, deu-se em direção ao campo da influência do jazz. O ritmo, a síncope, os elementos melódicos e harmônicos e o conjunto instrumental, com seus timbres, foram emprestados da linguagem jazzística para conformar a base do repertório da cultura musical no alvorecer do século XX. Para Hobsbawm, o triunfo do jazz, ou melhor, de uma espécie de jazz híbrido, explica-se graças à intensa propagação, nesse momento, da danças de salão e – principalmente entre a geração mais jovem – de um tipo de dança relativamente rápida. Assim, elementos jazzísticos compõem o universo musical coreografado pelos diversos estilos disseminados pela voga da dança. A prática, nos grandes centros urbanos da Europa e da América, foi rapidamente incorporada pela indústria do entretenimento. Os salões, os cursos e as publicações de manuais proliferaram, enquanto a moda se incumbia de inventar novos passos. A fórmula mais duradoura gerada pela infiltração do jazz no repertório da música dançante foi o foxtrote. Segundo o historiador: A partir de 1900, a invenção de novas danças rítmicas tornou-se uma pequena indústria. A safra 1910-1915, turkey trot, bunny hug, etc., produziu a fórmula mais duradoura, o foxtrote. Pode-se afirmar que, sem o foxtrote e seus similares (o shimmy, originalmente um indecência da Costa Bárbara, alcançou especial sucesso na Europa, na década de 1920), o triunfo do jazz híbrido na música pop teria sido impossível, assim como o avanço de ritmos latinoamericanos se respaldou firmemente no tango, também por ocasião da Primeira Grande Guerra. Inovações subseqüentes – o black bottom, charleston, lindy hop, big apple, truckin e outras – emprestadas, principalmente de abundantes fontes de novas danças nos cabarés do Meio-Oeste, e mais tarde nos grandes salões de baile do Harlem – foram ondas temporárias.172

Até o advento do rock-and-roll, em meados dos anos de 1950, o foxtrote deu o tom da popularidade da música norte-americana em todo o mundo. O

172

HOBSBAWM, op. cit., pp. 70 e 71.

173

ritmo norte-americano chegou até nós por volta de 1915, através de partituras e dos discos importados. Nos anos de 1920, a influência do gênero vai inspirar os primeiros foxes brasileiros. Procurando reproduzir a roupagem orquestral dos arranjos americanos e com letra em português, tais composições marcam presença na música brasileira, nas décadas de 1920, 1930 e 1940. O clássico exemplo, ainda hoje cultuado, refere-se à composição de Custódio Mesquita. Músico, pianista, de uma técnica harmônica bastante sofisticada e adotando o foxtrote como um estilo recorrente, Mesquita, em parceria com Mário Lago, produziu o sucesso mais perene desse gênero em nosso repertório. Trata-se do fox Nada Além*, cuja gravação, datada do ano de 1938, foi realizada por Orlando Silva. O jazz híbrido, com seus desenhos estilizados à foxtrote, encarnava os signos da América triunfante de Henry Ford. Era percebido como a tradução sonora do espírito da jovem nação, cujo progresso em muito ultrapassava a Europa, ancorada no tradicionalismo de sua cultura. Na “América”, o classicismo não comportaria a expressão da alma nova e progressista, engendradora da moderna civilização, uma luz que se fazia projetar como farol do mundo. O escritor Monteiro Lobato, vivendo em Nova Iorque no final dos anos 1920 e seduzido pelas possibilidades de uma sociedade entendida por ele como portadora do modelo inconteste da civilização do mundo moderno, compreendeu o jazz como a música síntese do gênio americano. A cultura da “América”, com o seu gosto pela novidade, por artigos em série, pelo automóvel, pela velocidade, pelo arranha céu; estruturada na praticidade da vida cotidiana, na eficácia e funcionalidade de suas instituições responsáveis pela orquestração do progresso, rumo à superioridade técnica e material, frente às nações européias, teria, no jazz, o seu retrato sonoro. O escritor nos fala do seu encontro com o gênero musical no cinema. Mais precisamente, no cine Roxy, um ícone das salas de exibição de filmes, com o requinte e a exuberância que lhe valeu a identidade de “Catedral do Cinema”. Ali, envolto na atmosfera onírica do cenário, Lobato ambienta suas reflexões sobre o triunfo da nação norte-americana e sobre a sua música. Vale acompanhar a narrativa.

*

Anexo – CD das músicas selecionadas.

174

Todas as vezes que fui ao Roxy pus-me a sonhar coisas extra-mundo. As seis mil pessoas que permanentemente lhe ocupam as poltronas creio que fazem o mesmo. Daí a sensação de fuga à realidade que o Roxy nos proporciona.173

Bem acomodado, ele nos descreve o apuro extremo do Roxy em proporcionar conforto e diversão ao público. Todos os detalhes, rigorosamente planejados, concorrem para garantir o regozijo da platéia no ambiente do sonho, a começar pela manutenção de uma temperatura aprazível, artificialmente controlada. Já na entrada as estações mudam. Se estamos no inverno e nas ruas cobertas de neve o frio nos corta a cara, mal penetramos no Roxy caímos em temperatura de primavera. E se estamos no verão, a derreter-nos naquele abafado forno que é New York nos dias de onda de calor, o Roxy resfriado vale-nos por uns sorvetes ambiente.174

Mas se o progresso técnico possibilita aclimatar a “Catedral do Cinema”, convidando os milhares de espectadores a se alojarem confortavelmente em suas poltronas, enquanto desfrutam da temperatura amena, longe dos desconfortos do tempo lá fora, ele também pode, pela via da mesma inteligência técnica, derramar vagas sonoras no interior monumental de sua arquitetura. Soa o órgão. O órgão! Quando falamos em órgão, lembramo-nos dessa coisa de igreja, velha como a velhice, cujos sons tão bem entoam com o ambiente recolhido dos templos. No Roxy o órgão se chama órgão por falta de melhor palavra, ou talvez porque é um órgão por meio do qual o som musical se nababiza. Nababização do som! Soa a disparate, mas como definir aquela riqueza sonora, inédita no mundo, que nos envolve de todos os lados e nos “ergue da cadeira?” “Mass production” da levitação...175

A máquina de produzir música o encanta, o aparato técnico capaz de gerar múltiplos efeitos sonoros o surpreende. Os sons, diz ele, projetam-se de 173

LOBATO, Monteiro. América. São Paulo, Ed. Brasiliense Ltda., 1951. p. 119. Ibid. 175 Ibid. 174

175

todos os pontos da sala, ora da parede da esquerda, ora da direita, ora do teto e ora do chão. As ondas sonoras propagam-se na catedral e acolhe a platéia numa tontura de imprevisto, envolvente, circunvolvente. O organista apenas passeia os dedos pelas chaves, explica o autor, e a máquina mágica dispersa a música por todo o edifício. Instrumento? Não. Arte do diabo, magia. Conclui. Tal modernismo é marca distintiva da nação norte-americana. Ela dispensa os cânones da “velha civilização” e se lança para fora das formas clássicas da criação artística universal. Mal compreendida pelos seus críticos, argumenta Lobato, não percebem que a “América” move-se em direção ao novo, ao inédito, no seu ímpeto de ultrapassar o status quo da civilização cristalizada na Europa. Indignados, eles a adjetivam bárbara e não se dão conta que os Bárbaros criaram a civilização européia, ao aniquilarem a golpes de machado o legado greco-romano. Na perspectiva da linha evolutiva do progresso civilizacional, ele nos ensina o salto norte-americano e diz porque adere ao jazz como expressão dessa evolução: Estes bárbaros da América, apesar de filhos de europeus, fazem o mesmo que o vândalo fez com o seu machado nos Antinuos, Apolos e Vênus de mármore dos gregos – e foram essas machadadas que possibilitaram o “Moisés” de Miguelangelo e certos sonhos de pedra de Rodin – marcha para frente em matéria de representação escultural da emoção humana. Que é o jazz, senão o novo machado com que destroem o classicismo dos Fídias e Praxiteles da velha música européia para dos escombros criar música maior? Da primeira vez que vi um noturno de Chopin sincopado, revoltei-me. Veio-me depois a compreensão – e hoje o Chopin clássico me soa tão piegas em face da sua versão americana como o sobrado nosso em face do arranha-céu. 176

O Roxy, glorioso monumento do cinema, ao contemplar a metáfora da “América” em seu cenário espetacular, pode conter o jazz. Ao gerar música, não pela via da orquestração sinfônica; mas, através da eficácia de um aparato técnico, pode abrigar o universo no qual é possível decodificar o verdadeiro sentido da nova arte musical. Ali, o jazz é celebrado, ao mesmo tempo em que empresta a sua musicalidade para celebrar os valores estéticos da civilização

176

LOBATO, Monteiro. op. cit.,p. 121.

176

norte-americana, ou como definiu Lobato, prestar a suprema homenagem à Coisa Nova. A indignação do europeu contra o americano provém disto, deste desrespeito barbaresco, cujo alcance criador não pode ser compreendido de longe. O jazz fora da América soa mal – está desambientado. É frase solta, isolada citação dum livro. A mesma frase que assim destacada soa mal, quando integrada na obra justifica-se a ponto de criar emoção. Chopin foxtrotizado há de ser ouvido ali, naquele Roxy, onde a riqueza do ambiente e a nova apresentação do som em vagas sonoras exigem temas dessa ordem. Só se casará e se mostrará entonado com o resto, algo monstruosamente audacioso, como esse despedaçar dum ídolo, seja Chopin ou Beethoven, para com os divinos cacos prestar-se numa jonglerie sublimemente ímpia, a suprema homenagem à Coisa Nova.177

Ao foxtrote é lícito inscrever sua síncopa e transfigurar a partitura do repertório clássico. Como explicou Lobato, não se trata de um gosto duvidoso. O seu ritmo é parte da gramática da nova civilização. A “América” vibrante pulsa e evoca uma outra musicalidade. Sinto-me encantado com a América. O país com que sonhava. Eficiência! Galope! Futuro! Ninguém andando de costas!

178

Assim, registrou o escritor as suas impressões sobre a civilização

ianque. O jazz, identificado como sinônimo dos Estados Unidos, da sua música sincopada dançante, se harmonizaria com tal cenário. Não é música para a contemplação diletante dos ouvidos afinados pelo diapasão do velho classicismo, pois convida à ação, estimula os sentidos, excita o espírito. Sua estética musical, dessa forma, não poderia ser mais representativa do dinamismo da maior cidade do mundo, espelho da nova civilização – Nova Iorque, de onde nos fala Monteiro Lobato. Ele tão pouco afeito à música, mas seduzido pela modernidade da cultura norte-americana, se entregou ao jazz. Até à música me entreguei, eu, tão pouco musical. O jazz me deleita, e enlevome nos songs, nos Broadway hits, no perpétuo marulho oceânico desta Broadway onde moro.179 177

LOBATO, Monteiro. op. cit. p. 121 e 122. LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo, Ed. Brasiliense Ltda., 1948. 2º. Tomo. p. 302. 179 op. cit. p. 321. 178

177

Fig. 80 A nave da “Catedral do Cinema” – O cinema Roxy de Nova Iorque, inaugurado em 1927 e demolido no ano de 1960.

178

Depois da Primeira Guerra, enquanto a Europa construía monumentos em homenagem aos seus milhões de mortos, diz Paul Virilio,180 os arquitetos norte-americanos davam asas à imaginação para conceber o estilo arquitetônico que abrigou os chamados “palácios do cinema”. Verdadeiros monumentos à sétima arte foram erguidos nos EUA e de lá migraram para o mercado mundial da indústria cinematográfica norte-americana monopolizada pelo studio system. É certo que a fórmula Roxy foi desenvolvida antes da guerra, mas o seu período de expansão coincide com a entrada dos estúdios, em meados dos anos vinte, no ramo da exibição.181 No início de 1960, os grandes cinemas começaram a desaparecer. A diminuição do público e a crise de Hollywood varreriam da paisagem das metrópoles os monumentos que representaram a era de ouro do cinema.

Fig.

81

A

atriz

Gloria

Swanson,

fotografada durante a demolição do Roxy, em 1961. Swanson fora a estrela do filme The Love of Sunya, o qual inaugurou a “Catedral do Cinema”, em 1927.

180 181

VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo, Boitempo, 2005. p. 70. (Col. Estado de Sítio) Cf. SKLAR, Robert, op. cit., p. 175.

179

CAPÍTULO IV

DANÇANDO O FOXTROTE

180

Cheek to Cheek: a dança sensacional que São Paulo irá aprender O foxtrote, na ambientação esplendorosa da “Catedral do Cinema”, tal qual nos sugere Lobato, oferece uma síntese emblemática do ideal estético com que se representa, naquele momento, a modernidade, pelos menos aquela modernidade simbolizada pelo êxito econômico e militar alcançado pelos EUA no pós-guerra e que converteu a nação norte-americana em modelo de civilização. A fórmula híbrida e diluída do jazz, de larga influência na música popular urbana e contemporânea, tornou-se a matriz dominante da gramática com que os arranjadores passaram a timbrar determinado gosto musical. Tal repertório, com sua sofisticação melódica, harmônica, rítmica, mas, sobretudo, em relação ao arranjo orquestral, exprime o mesmo espírito da “era dourada do cinema”, das produções hollywoodianas à arquitetura das salas de exibição dos filmes. O estilo, pautado pelas jazz bands dos anos 1920, ganha nova conotação com as big bands dos anos de 1930 e 1940 e amplifica o tom dos arranjos cuidadosamente desenhados para colorir o requinte da instrumentação das orquestras. As canções, por sua vez, para ficarmos no centro irradiador de tal cultura musical, têm seu lastro na geração mais brilhante dos compositores norte-americanos, Cole Porter, George Gershwin e Irving Berlin, entre outros. Até os anos 1950, período em que o foxtrote reinou triunfante no repertório das grandes orquestras de dança, uma distintiva marca de elegância acentuou a aura do glamour presente tanto no entretenimento cinematográfico, como neste universo da música. No filme musical, como já mencionamos, é possível vislumbrarmos a síntese desse espírito. Ao condensar as linguagens da dança e do esporte com a precisão de suas coreografias coletivas, o musical constitui-se como espelho da cultura moderna. Inspirado no esplendor luxuoso dos musicais da Broadway, o gênero ganhou projeção em Hollywood, através do coreográfo Busby Berkeley. Contratado pela MGM, Berkeley fundiria a sua experiência de diretor de danças nos teatros da Broadway com os recursos dos dispositivos cinematográficos. Em seu conceito, era a câmera que deveria dançar; assim, ressaltou a coreografia e conduziu o público até o espaço dos bailarinos no

181

palco.182 Em 1933, quando estreou o filme Rua 42 (42nd Street), sua concepção passou a identificar o que havia de maior sofisticação no gênero. Complexas figurações coreográficas, faustos cenários e figurinos, além da beleza deslumbrante do elenco fazem dos musicais o emblema do glamour de Hollywood. O contexto histórico corresponde à grande recessão desencadeada pela crise de 1929, e o cinema oferecia ao público o êxtase da fantasia, a certeza de que o prazer existia e era possível desejá-lo.183 Se até então o cinema estava sob a constante mira dos que o julgavam pernicioso à moral e aos bons costumes, o impacto da crise, na economia e na sociedade, desorganizou o mundo e arrefessou os ânimos dos defensores da herança cultural da nação.184 Escancararam-se os portões celestiais e o cinema dos Estados Unidos, como proclamaram universalmente os seus cronistas, ingressou na idade de ouro: Hollywood passou a ocupar o centro do palco da cultura e da consciência da América, fazendo filmes com uma força e um ímpeto até então desconhecidos e que depois disso nunca mais se viram. As fitas de cinema não somente divertiram e entretiveram a nação enquanto durou sua mais severa desordem econômica e social, mantendo-a coesa por sua capacidade de criar mitos e sonhos unificadores, mas também a cultura cinematográfica dos anos trinta passou a ser uma cultura dominante para muitos norte-americanos, proporcionando novos valores e ideais sociais em substituição às velhas tradições feitas em pedaços. 185

Na época áurea da produção cinematográfica de Hollywood, o público pode contemplar, na tela, um mundo sedutor e mítico, de uma beleza inefável, cujas imagens fascinavam pelo seu glamour. 182

Cf. SCHATZ, Thomaz. O Gênio do Sistema. A Era dos Estúdios em Hollywood. São Paulo, Cia das Letras, 1991. p. 160. 183 SEVCENKO, Nicolau. “A Capital Irradiante: Técnica, Ritmo e Ritos do Rio.” In: SEVCENKO, Nicolau (org.) História da Vida Privada no Brasil , Cia das Letras, SP, 1998. p. 606. Vol. 3. 184 Na realidade, como esclarece Sklar, os produtores garantiram um trânsito no terreno da regulamentação moral, sem grandes prejuízos para os seus negócios, porque haviam redigido o seu próprio código de padrões morais – o Código de Produção de 1930 (o Código Hays). Sem os ingredientes mais “picantes”, os filmes não atrairiam as platéias, no entanto, havia a fórmula do “valor moral compensador”. Ou seja, sempre deveria haver na história algo de “bom” que contrabalançasse o que o código defina como imoral. Cf. SKLAR, Robert. op. cit. p. 204. 185 SKLAR, Robert. op. cit. p. 189.

182

Fig. 82 Sedas e paetês, o glamour do filme musical. Cena do filme Rua 42 – 42ND Street–MGM-1933.

Fig. 83 As famosas tomadas de cima, chamadas de tomadas Berkely. Ele foi o primeiro a usar essa perspectiva de filmagem. Cena do filme Rua 42 – 42ND Street – MGM -1933.

183

Nos anos 1930, enquanto a MGM consolidava o estilo Berkley em seus musicais, a RKO investiu no gênero, dando ênfase à performance individual de alguns de seus atores. Foram as produções da RKO que elevaram ao zênite do estrelato o casal Fred Astaire e Ginger Rogers, concorrendo para a mitificação do par romântico de maior sucesso da era do filme musical. Como vimos, a estréia da dupla foi em Voando para o Rio, onde triunfaram com The Carioca; a partir daí, protagonizariam uma série de comédias musicais. Aliás, vale comentar que, no filme subseqüente, A Alegre Divorciada – 1934 (The Gay Divorcee), o casal era apresentado como “The King and Queen of Carioca”. Nessa película, Fred Astaire interpreta o foxtrote Night and Day*, a composição de Cole Porter que se tornaria um dos maiores sucessos da época. Depois de A Alegre Divorciada, Astaire e Rogers aparecem em O Picolino (Top Hat), de 1935. A trilha sonora, composta especialmente para a película, trazia a assinatura de Irving Berlin. Trata-se do primeiro filme musical escrito e concebido para a tela de cinema, sem a prévia passagem pela Broadway, e suas músicas foram criadas a partir dos diálogos, articulando os textos das canções ao enredo. Anunciado como “o maior filme musical de todos os tempos” ou “a mais memorável das comédias musicais de todos os tempos”, além de destacar os dois protagonistas, “os magnatas do ritmo: Fred Astaire e Ginger Rogers”, a produção da RKO excedia-se na sofisticação do cenário, do figurino, da coreografia, da impecável atuação dos atores e de sua trilha sonora. A genialidade do compositor Irving Berlin e a maestria da dupla Astaire e Rogers deram à película uma das cenas mais cultuadas dos musicais, o momento em que o mítico casal dança o foxtrote Cheek to Cheek.* As imagens a seguir, do filme O Picolino, retratam tais cenas. Trata-se de uma das mais célebres declarações de amor da era de ouro do cinema. O cenário refere-se a um salão de baile de um hotel em Veneza. No momento em que dança com Ginger Rogers, Fred Astaire interpreta Cheek to Cheek.

*

Anexo – CD das músicas selecionadas

184

Fig. 84

Fig. 85

185

Fig. 86

Fig. 87

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Em São Paulo, a campanha publicitária do lançamento da película, entre outros clichês, anunciou o filme como: “Picolino – A Dança Sensacional que São Paulo Irá Aprender”. Músicas novas, romance encantador, loucuras surpreendentes e danças eletrizantes prometiam ao público fazer os nervos bailarem e o sangue ferver, numa festa para os olhos, que faz vibrar os nossos sentidos. Nesse contexto, evidentemente, compareciam o rádio e o disco, tal qual era anunciado no jornal O Estado de S. Paulo: “Ouçam a partir de amanhã das 21h15 às 21h30 o Quarto de Hora “Picolino”, com Discos Odeon ao microfone da “P.R.A. 5 – Rádio S. Paulo”.

Fig. 88 Detalhe do cartaz publicitário do filme Picolino, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 25.04.1936. p. 14 – O Maior Acontecimento Cinematográfico da Era do Som.

187

Fig. 89 Cartaz publicitário do filme Picolino, publicado no jornal O Correio Paulistano 25.04.1936. p. 12

188

Fig. 90 “ Picolino” – A Dança Sensacional que São Paulo irá aprender! Cartaz publicitário do filme Picolino, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 26.04.1936. p. 05

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A interpretação de Fred Astaire e a cena do célebre par romântico, dançando a composição de Irving Berling, concorreram para criar a aura de “Cheek to Cheek”. Por esses atributos, mas não menos pela qualidade de sua poética musical, a canção tornou-se um dos foxtrotes mais representativos do espírito do repertório das orquestras de dança. Seu autor, um judeu nascido na Rússia em 1888, desembarcou em Nova Iorque quando tinha cinco anos de idade, para se tornar o compositor de maior sucesso da canção norte-americana do século XX. Em 1907, Berlin publica a primeira obra musical. Músico autodidata, foi contemporâneo do processo formador da moderna música popular dos EUA. Outro compositor não menos importante, Jerome Kern, testemunha sobre a importância da obra de Irving Berlin, afirmando ser o compositor “a própria música da América”. De fato, o seu nome tornou-se uma instituição. Em 1910, inicia a carreira escrevendo para revistas musicais e, no final dos anos vinte, com o advento do filme sonoro, passa a intercalar os trabalhos entre Hollywood e musicais da Broadway. Seu conceito de composição musical expressa de forma bastante significativa a mentalidade da indústria do entretenimento à qual suas composições eram parte integrante, ou seja: “there is no hit musicals without hit songs.” A premissa impunha adequar a canção ao intérprete, ao estilo, ao texto, mas, sobretudo, à audiência. Essa versatilidade, Berlin a adquiriu no mercado milionário da produção musical da América, o Tin Pan Alley de Nova Iorque. Ali, como Kern, Gershwin e Harry Rubby, entre outros, exerceu a função de “song plugger”, demonstrando em um piano as novas canções para os intérpretes, os diretores, os produtores, os agentes ou qualquer comprador que se dirigisse à região da cidade, onde se concentrava o mercado da música. O “song plugger” não apenas deveria saber como executar a canção, mas como improvisá-la dentro de um arranjo adequado ao estilo do cantor; à determinada cena da peça musical ou ao show para o qual seus direitos estavam sendo vendidos. A partir da apresentação nos espetáculos, uma composição poderia transfigurar-se em uma “hit song” e lucrar com a venda de milhares ou milhões de cópias de sua partitura para piano. Dessa forma, o papel do “song plugger” no circuito da indústria do entretenimento não era de

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pouca relevância.186 Interessante é notar que o filme sonoro possibilitou uma plataforma similar de difusão mercadológica das canções. Aparecer na trilha sonora de uma película era, como vimos, uma vitrine ideal para que uma composição lograsse a vendagem de sua gravação em disco e mesmo de sua partitura para piano. Para os críticos, a maestria de Irving Berlin se expressa na competência com que foi capaz de traduzir a linguagem coloquial da “América” em suas canções. Lembremos: a arte do cancionista requer equilibrar o texto na melodia e a melodia no texto, sem que para isso deixe transparecer qualquer esforço, apenas naturalidade e fluidez, num desenho harmonioso composto na intersecção da fala e da melodia, ou da fala e do canto. Poucos tiveram, como Berlin, nesse sentido, um ouvido tão sensível à dicção musical e à entonação da linguagem cotidiana em formação, no complexo contexto da cultura cosmopolita norte-americana das primeiras décadas do século XX. Antes de Berlin, dizem os críticos, nenhum compositor havia atingido o nível de acabamento em que a entonação do inglês coloquial norte-americano fosse tão bem configurada à linha melódica e rítmica da canção. Além disso, sublinha Gerald Mast, suas composições tiveram significativa influência na conformação da dança de salão da “América”. A música desse compositor, analisa Mast, impactou e foi impactada pela onda da prática da dança que tomou conta dos EUA, no início da década de 1910, sobretudo os gêneros considerados respeitáveis no âmbito dos valores morais da classe média.187 E aqui, é certo, o foxtrote estava bem posto. Não só fora cultuado com a aura da modernidade, mas, acima de tudo, com a benevolência da respeitabilidade burguesa.

186 187

Cf. MAST, Gerald. op. cit., pp. 39-48. Cf. MAST, Gerald, op. cit., p. 41.

191

Dançando o foxtrote No ano de 1919, em um manual de dança publicado em Nova Iorque, podia-se ler a seguinte recomendação do gênero aos praticantes da onda que tomou a nação: Foxtrote não é um bom nome, pois na verdade esta dança, a qual parece conter os princípios fundamentais da dança moderna, não tem nenhuma similaridade com o trote. Na verdade, ele é uma dança suave e muito fácil de ser praticada, além de ser a mais digna das danças modernas.188

Ao analisar o triunfo da cultura do entretenimento nos EUA, o crítico Neal Gabler mostra como características peculiares à formação da sociedade norte-americana encorajaram a sua propagação ao longo do século XIX. Ao término desse século, argumenta Gabler, os divertimentos públicos haviam efetuado uma espécie de reconversão da cultura do país. Numa nação cada vez mais complexa e diversa, eles promoveriam a unificação das diferentes regiões, classes, rendas, sexos, religiões e idades, com exceção dos negros e uma minoria que insistia em sua superioridade intelectual e cultural. Assim, por meio do entretenimento, os norte-americanos haviam se tornado um único povo. Era a conformação dos EUA na República do Entretenimento.189 Enquanto na Europa, a burguesia havia caminhado no sentido de cooptar a cultura aristocrática, nos EUA ela encontrou um caminho intermediário entre a alta e a baixa cultura, entre a arte esnobe e o entretenimento vulgar. A solução de uma cultura intermediária, embora fingisse, para a crítica mais exigente, valorizar os cânones da alta cultura impôs um processo de diluição e vulgarização de sua arte, ou seja, produziu uma estética embalada pela distinção do bom gosto, mas completamente inofensiva, altamente moral e insípida. Segundo Glabler, da mesma forma com que a burguesia norte-americana moldou a cultura aristocrática à sua imagem e semelhança, ela também se voltou para a cultura popular, realizando uma 188

COLL, Chalés J. & ROSIERE, Gabrielle. Dancing Made Easy. New York, Edward J. Clode, 1919. p. 73. Documento disponível em versão eletrônica: http://memory.loc.gov/ammem/dihtml/dihome.html ( The Library of Congress – USA) 189 GABLER, Neal. Vida, o filme. São Paulo, Cia. das Letras, 1999. p. 47.

192

operação que consistia em reeditar expressões do universo dessa cultura a partir dos seus próprios padrões de respeitabilidade. Isso posto, o entretenimento poderia ser domesticado, expurgado de seus aspectos mais “vulgares” e desfrutado com segurança por toda a sociedade. Nessa linha de análise, o autor aponta para o que considera ser a matriz do processo dinâmico da produção da cultura popular norte-americana. As formas do entretenimento popular, originadas das classes baixas, invariavelmente acabam sendo adotadas e depois cooptadas pela classe média que a recria para tirar-lhes todo e qualquer elemento subversivo.190 Entre outros exemplos, Gabler destaca alguns ritmos e gêneros de dança que, praticados nos redutos negros, foram “suavizados” e remodelados pelo gosto da classe média e, assim, integrados à linha de produção da indústria do entretenimento. No inicio do século XX, as “danças negras”, com o turkey trot (trote de peru), o bunny hug (abraço de coelhinhos) e a grizzly bear (dança do urso), foram transformadas em danças refinadas por Vernon e Irene Castle, enquanto o ragtime foi convertido a “Alexander’s Ragtime Band” por Irving Berlin. E, na segunda metade do século XX, para citar um dos mais dramáticos entre dezenas de exemplos, a ameaça do blues negro foi transformada no rock branco de Elvis Presley, e o rock branco nos shows de meia-idade aburguesados de Las Vegas.191

Os anos 1910 repercutiram um novo fenômeno no campo do entretenimento musical. Para uma canção atingir um amplo sucesso, já não era suficiente que o público a cantasse, a tocasse no piano ou a ouvisse sentado em um concerto. Sua popularização estava articulada à capacidade de prestarse à dança. Mais do que uma música para a audição contemplativa, ela deveria convidar ao movimento, instaurar, através de sua temporalidade rítmica e melódica, o tempo da dança. Na voga da onda dançante, o casal de dançarinos norte-americanos, Vernon e Irene Castle, assumiria um lugar emblemático, não apenas como propagadores dos novos ritmos e inventores de novos passos, mas, sobretudo, tal qual assinalou Glaber, como recriadores de coreografias. Aos mestres do refinamento da dança de salão, coube civilizar o gesto sensual, 190 191

Ibid. p. 46. Ibid. p. 47.

193

lascivo, exótico e pouco comedido das danças embaladas pelo ragtime nos redutos das classes baixas, agregando, por meio dessa operação, os sinais de respeitabilidade tão essenciais ao gosto da burguesia. Alçados ao estrelato, os Castles representavam o ideal do par romântico cultuado pelo establishment norte-americano: um jovem casal moderno, casados, esbanjando saúde e, sobretudo, capaz de bailar os ritmos síncopados com graça e decoro. Seus passos corroboraram para que o foxtrote contabilizasse os louros da distinção dos salões da classe média. Em 1912, os Castles, festejados nos círculos mais elegantes dos EUA e da Europa, passaram a ser referência na dança de salão. Estrelas de primeira grandeza do entretenimento, eles tornaram-se cada vez mais cultuados pelo público, influenciando a moda e a etiqueta da época. Tal popularidade favoreceu empreendimentos bem sucedidos, desde turnês por todo o país, filmes, gravações de discos com os arranjos adequados para a prática da dança, lançamento de produtos do vestuário feminino e masculino com a marca “Castle”, cosméticos, publicações e a criação da escola de dança Castle House, em Nova Iorque. Em 1914, o casal de dançarinos publica Modern Dancing, no qual tecem minuciosa explanação sobre como praticar a dança de salão, marcada pela síncopa dos ritmos modernos. O livro consistia em um manual amplamente ilustrado com fotos de suas performances, de forma que o leitor visualizasse as seqüências dos passos dos diversos gêneros. Mas, além das sessões explicativas das coreografias, os autores discorriam sobre outros assuntos e os consideravam tão importantes quanto o desenvolvimento da habilidade dos dançarinos. Os temas gravitavam em torno da observância ao código das boas maneiras; do refinamento do gosto; do aconselhamento de moda e da prática salutar da dança moderna, capaz de educar o corpo e o espírito, em conformidade com os mais elevados valores morais e em sintonia com a dinâmica da vida atual. Assim, argumentam em defesa dos ritmos síncopados – vivacidade e jovialidade os colocam em consonância com os novos tempos. Os homens de hoje, dizem eles, acabariam adormecendo na pista de dança se tivessem que dançar o minueto. Quanto à descendência nada “aristocrática” dos ritmos modernos e à suspeita de imoralidade do ragtime, do tango ou do maxixe, os Castles concluem:

194

Isto certamente não procede, se os dançarinos executarem suas performances com correção. Qualquer gesto pode ser vulgar ou imoral, depende de como ele se dá. Um homem ou uma mulher podem denunciar a sua falta de civilidade ao atravessar o salão, ao sentar-se de uma maneira imprópria ou em outros pequenos gestos. As danças modernas, dançadas com decoro, não são vulgares, pelo contrário, elas incorporam graça e refinamento. Críticos imparciais, convidados a opinarem sobre o assunto, admitem não haver nenhuma objeção contra elas. Ou seja, elas não são nem imorais e nem contrárias a qualquer crença religiosa. 192

Adiante, os autores evocam os benefícios medicinais da prática da dança moderna de salão: Sob o ponto de vista da saúde, dançar é um exercício delicado e nos mantém em forma. Nós mesmos somos testemunhas desse fato. Também conhecemos muitas pessoas que aparentavam a idade de cinqüenta anos, há três anos atrás e hoje parecem ter menos de quarenta. Isso, elas conquistaram através da dança. [...] Há muitos argumentos a favor da dança. Assim, consciências razoáveis estão convencidas de que a atual popularidade da dança entre pessoas de diferentes idades e classes é uma das melhores coisas que aconteceu nos últimos tempos.193

As danças e os ritmos síncopados, uma vez reescritos dentro da gramática do ideal estético preconizado pelo gosto burguês da América do Norte triunfante, passam a ser nomeados como expressão legitima do espírito moderno. A boa forma física e, por conseguinte, a manutenção da saúde têm na prática da dança moderna uma aliada. Os novos ritmos, ao exigirem dos dançarinos vigor físico, exercitam os músculos, fortificando-os; melhoram a circulação

sanguínea,

despertam o fluxo

das

energias,

influenciando

beneficamente os humores e induzindo o rejuvenescimento de seus adeptos; promovem hábitos saudáveis, como a moderação de bebidas alcoólicas; enfim, preparam e condicionam corpo e mente às exigências da agitação da vida moderna. Além disso, quando praticada com propriedade, isto é, observando o 192

CASTLE. Vernon and Irene. Modern Dancing. New York, Harper & Brother, 1914. pp. 32 e 33. Documento disponível em versão eletrônica: http://memory.loc.gov/ammem/dihtml/dihome.html ( The LibrAri of Congress – USA) 193 Ibid. p. 33.

195

código da correção moral, a dança moderna revela-se um gesto de “elegância e bom gosto”. Não é apenas um exercício da potência física, coordenando movimentos, mas a representação da graça e da beleza enunciada pelos passos que coreografam a síncopa dos ritmos modernos. O conceito da atual dança de salão, assim compreendido pelos Sr. e Sra. Castle, nomeou a distinção em meio à “loucura da dança” emergente nos anos 1910. A célebre agente de espetáculos da Broadway, Elisabeth Marbury, escreve uma longa introdução no livro Modern Dance, na qual justifica a “Castle House” como o mais importante centro da difusão de ensino da dança, exatamente nestes termos. O Sr. e Sra. Castle são tidos hoje como os maiores expoentes da dança moderna. Na Europa, bem como na América, há o consenso de que eles são mestres inigualáveis. Refinamento é a chave de seu método, sob sua direção a “Castle House” tornou-se o padrão da moderna escola de dança. Através de sua influência o espírito da beleza e da arte associa-se a legítima necessidade física do exercício saudável e do divertimento honesto. O “One Step” tal qual é ensinado no “Castle House” elimina todos os rebolados; todas as contorções do corpo; todos os movimentos bruscos dos braços e, acima de tudo, as extravagantes inclinações. Esse “One Step” não apresenta nenhuma relação ou semelhança com as danças populares do “Turkey Trot”, do “Bunny Hug”, ou do “Grizzly Bear”. Nele, foi introduzido o deslizante e poético “Castle Walk”. A “Hesitation Waltz” é um charme, o majestoso flutuar, elegante e modesto. O Tango, tão mal compreendido, torna-se uma evolução do Minueto do século dezoito. Dessa forma, não há abraços impetuosos dos pares, giros descomedidos ou fora do normal e muito menos ângulos indecentes. O Sr. Castle afirma que: quando o Tango se degenera em exibições acrobáticas ou lascivas insinuações, isto se refere à falta de correção dos casais e não propriamente da dança. O “Castle Tango” é cortês e artístico e os instrutores da “Castle House” ensinam somente esse Tango. Quanto ao Maxixe, ele resulta do desenvolvimento de um dos tipos mais atrativos de “folk-dancing”. Ambos, Sr. e Sra. Castle, têm feito dessa dança uma especialidade, tornando-a uma delicada expressão de alegria e de espontaneidade juvenil.194 194

Ibid. p. 20 e 21.

196

Como vemos, o cardápio é variável, incluindo-se os ritmos latinoamericanos, em especial o tango, tão em voga na época. No entanto, a questão era como traduzir a síncopa dos ritmos e as coreografias criadas nas camadas populares, ou importadas de um mundo exótico, de forma que a operação resultasse em seus refinamentos. Isso significava, como bem analisa Glaber, expurgar qualquer vestígio de suspeição que pudesse constranger o padrão estético e moral da classe média, padrão esse tão bem representado pela “Castle House”. Afinal, refinamento era a chave de seu método. Assim reeditadas, tais manifestações culturais passaram a contabilizar elegância, beleza, enfim, a distinção com a qual nomearam e foram nomeadas como legítimas práticas modernas. A diluição do jazz, aludida por Eric Hobsbawm, e que compõe a matriz do foxtrote, explicita-se nessa chave de entendimento. Nesse sentido, Irving Berling está para a canção norte-americana assim como os Castle estão para a dança de salão. Aliás, quando Irving Berling estreou o seu primeiro musical na Broadway – Watch Your Step – em 1914, o casal de dançarinos foi uma das atrações do espetáculo. Entre os diversos números dançados pela dupla, a canção "Show Us How To Do the Fox Trot", contribuiria para que o foxtrote viesse a ser o gênero de maior sucesso dos EUA.

Fig. 91 e 92 Imagens ilustrativas do livro “Modern Dancing” com o famoso casal de dançarinos. Na figura da esquerda, o Sr. e a Sra. Castle ensinam a correta maneira de se iniciar o “Castle Walk”, uma reedição elegante do “Cake-Walk”, a ginga do Ragtime. Na da direita, uma ilustração da “Hesitition Waltz”, uma forma moderna de se coreografar a clássica valsa.

197

Fig. 93 Foto da Sra. Castle publicada

no

livro

“Modern

Dancing”. Alçados ao estrelato, os Castles tornam-se para toda a sociedade norte-americana, um modelo de sofisticação e bom

gosto.

A

publicação

assinada pelo casal, mais do que um manual instrutivo dos passos

da

dança

moderna,

propunha-se como um código de civilidade para os salões de baile. Nesse sentido, incluía capítulos tais como Graça e Elegância;

As

Danças

Adequadas e o Traje Feminino; A Moda e a Dança Moderna e A Adequada Música de Dança.

A fulgurante carreira dos Castles seria interrompida tragicamente pela morte de Vernon, em um acidente aéreo, no ano de 1918. Duas décadas depois, a RKO filmaria a história do renomado casal norte-americano. Naturalmente, os astros que encenaram o papel de Vernon e Irene foram Fred Astaire e Ginger Rogers. Assim, a produção da RKO reescreve a trajetória dos célebres dançarinos com o glamour dos seus cenários, figurinos, arranjos musicais e tudo o que, a essa altura, Astaire e Rogers já representavam para o imaginário do público. O símbolo maior de sofisticação e elegância da prática dos bailes fora encarnado pelo mito do par amoroso da era do filme musical. A reconstituição ficcional da RKO da História de Irene Castle e Vernon, no ano de

198

1939, era um claro indício do quanto a sedução em torno da dança idealizada pelo Sr. e Sra. Castle ainda repercutia. Até o advento do rock-and-roll, em meados dos anos de 1950, e enquanto o foxtrote e as grandes orquestras compuseram a trilha sonora das pistas de dança, o código de civilidade e distinção propagado pela “Castle House” deu legitimidade aos padrões do gosto mais elevado inscrito na pratica dos bailes.

Fig. 94 Imagem do filme A História de Irene Castle e Vernon – 1939. O outdoor fotografa Fred Astaire e Ginger Rogers sobre o mapa da América. A figura ilustra o grande sucesso do casal de dançarinos Vernon e Irene Castle em turnê, por diversas cidade dos EUA, em 1914, que os consagrou como astros da dança moderna de salão.

199

Fig. 95 Imagem do filme A História de Irene Castle e Vernon – 1939. Fred Astaire e Ginger Rogers dançam sobre o mapa dos EUA. Espécie de alegoria do furacão Castle que impulsionou a onda da dança no âmbito da indústria do entretenimento nos anos 1910.

O Glamour do American Way of Life A estruturação da moderna sociedade norte-americana, resultante do processo de seu desenvolvimento econômico articulado à produção e ao consumo de massa, organizou-se por uma dupla via. Não somente foi necessário reconfigurar o mundo do trabalho em torno de inovações tecnológicas e de novos pressupostos organizacionais, como, também, promover novos arranjos sociais que compactuassem com a produção de massa; ou seja, viabilizar o consumo de massa. Nesse sentido, a complementação do industrialismo pressupôs a aceitação do consumo como um modo de vida. O historiador Christopher Lasch195, ao analisar o lugar do consumismo

na

cultura

norte-americana,

mostra

como

as

grandes

corporações, depois de organizarem a produção em massa sobre as bases da nova reordenação do mundo do trabalho, voltaram-se para a reestruturação do 195

Cf. LACH, Christopher. O Mínimo Eu. 4ª ed. São Paulo, Brasiliense, 1987.

200

mercado. Assim, passaram a fomentar transformações culturais, de modo a desencorajar o auto-suprimento das necessidades e, ao mesmo tempo, ressocializar as pessoas como consumidores. Por sua própria natureza, diz Lasch, o industrialismo tende a desestimular a produção doméstica, tornando a sociedade dependente do mercado; mas foi preciso um amplo esforço, iniciado nos anos 1920, para reeducar os norte-americanos aos novos valores do consumo. Aludindo aos estudos de Emma Rothschild sobre a história econômica da indústria automobilística, o autor identifica os dois pilares estruturantes do processo de formação da moderna sociedade industrial nos EUA: o fordismo e o sloanismo. No início dos anos de 1920, a General Motors, comandada por Alfred Sloan, criou uma série de inovações nas técnicas de marketing, cujo impacto produziu um novo conceito na área da produção automobilística. Sob a inspiração de Sloan, a GM passou a estimular os consumidores a comprarem o modelo do ano, ao mesmo tempo em que fomentava deliberadamente o desejo pela novidade; investiu no constante aperfeiçoamento dos seus produtos e empreendeu um grande esforço para associar o automóvel ao status social. Tais mudanças, conclui Lasch, constituiriam a contraface necessária das inovações de Henry Ford na consolidação da nova sociedade que, após a Primeira Guerra, emergiu como modelo do avanço civilizacional. A compreensão do fordismo – em torno das inovações implementadas no campo da gestão da produção em massa e o seu impacto na formação da sociedade moderna norte-americana – é analisada pelo geógrafo David Harvey em termos semelhantes. A singularidade de Ford, explica Harvey, estava em seu reconhecimento explícito de que produção de massa “significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência de reprodução da força de trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista.”196 Dessa forma, as transformações implementadas pelos novos métodos de trabalho e de processo produtivo (fordismo) correspondeu a novos arranjos sociais, específicos a uma “nova forma de viver, de pensar e de sentir a vida”

196

HARVEY, David, op. cit. p. 121.

201

(americanismo). Ou seja, o fordismo se definiria não apenas como um sistema de produção em massa, mas, sobretudo, como um modo de vida, implicando toda uma nova estética gerada pela mercantilização da cultura. Ícone da modernidade no pós-Primeira Guerra Mundial, os EUA inscrevem-se no imaginário das regiões sob a sua influência, a partir de determinadas

representações

simbólicas

forjadas

em

seu

dinamismo

econômico – eficiência e funcionalidade sintetizam o êxito que projeta o país como modelo da civilização moderna. Assim, representam-se como a materialização da utopia da modernidade: liberdade de espírito; aplicação da racionalidade técnica; avanço científico e inovações tecnológicas que impulsionam a sociedade de crescente afluência. Mas, o mito da modernidade norte-americana também gravitou em torno do glamour com o qual processou a estética de suas mercadorias, tanto no ramo do entretenimento como no ramo dos bens de consumo, inspirados pela marca do sloanismo. A virtude da eficiência técnica promete não apenas a realização da plenitude da vida, o progresso material da civilização, mas, também, concede o “deleite da beleza”. A publicidade da Ford e General Motors, na cidade de São Paulo, em meados dos anos 1930, não deixa dúvidas de como os seus produtos estampavam as representações desse mito moderno. É bom lembrar que desde a década de 1920, a indústria automobilística, incorporando novas tecnologias e materiais, garantira desempenho e linhas de design cada vez mais arrojados aos seus produtos. Por exemplo, o aperfeiçoamento dos motores possibilitava aumentar a aceleração num tempo cada vez menor e, se até 1920 quase todos os automóveis eram de cor escura, por volta de 1925, com a invenção da pintura a pyroxylin, adquiriram cores alegres e cintilantes, que incluíam um verdadeiro arco-íris. Vejamos como a campanha publicitária da Ford, publicada no jornal O Estado de S. Paulo em janeiro de 1936, anunciava o seu novo modelo, o Ford V-8: “Há trinta anos, disse Henry Ford que não vendia somente carros – fornecia transporte. Uma das coisas mais agradáveis quando se adquire um Ford, é a certeza de que é um carro bem montado, solidamente construído e que somente às vezes precisará de concertos.” Tais atributos somavam-se às afirmações: “Há quem já não tenha ouvido falar do Ford V-8?... do carro que conquistou a preferência de mais de 2.000.000 de automobilistas? Linhas alongadas e fluentes, distinto e luxuoso

202

acabamento, facilidade excepcional de manejo são apenas alguns dos detalhes que hoje mais do que nunca colocam o Ford para 1936 numa posição preeminente!”

197

Mas a síntese avanço tecnológico / glamorização do objeto –

ou fordismo e sloanismo, para evocar a proposição de Christopher Lasch – explicita-se no anúncio do modelo do carro Lincoln-Zephyr. O modelo ousava em sua forma, ao incorporar avanços dos estudos que buscavam diminuir a resistência ao vento dos carros e aperfeiçoar o seu desempenho. Por isso, inspirava-se na forma de uma gota – com sua perfeita aerodinâmica. O nome “Zephyr” alude ao vento que sopra do Ocidente, um vento brando e agradável, e também fazia referência ao primeiro trem expresso criado dentro dessa escola de desenho, o “Burlington Zephyr”. O carro “esculpido pelo vento”, embora mantivesse a tradição do luxo do modelo Lincoln, adaptava-se ao contexto da recessão econômica desses anos da década de 1930. De posse de um desses novos modelos, prometiam os anunciantes, o consumidor poderia conhecer uma nova sensação em ritmo de marcha: Lincoln-Zephyr – carro essencialmente novo – novo em idéia, aparência e funcionamento, reflete um consagrado passado de experiência, uma proficiente concepção criadora... Preeminente em sua classe – métodos e precisão longamente apurados emprestam-lhe o impecável acabamento Lincoln... Quantidade, qualidade e preço, associam-no à capacidade organizadora Ford... Da fusão de tão valiosos elementos, só poderia resultar um carro de tamanha potência, economia, dimensão e beleza – o Lincoln-Zephyr! Vazado em puríssimo estilo aerodinâmico, a impressionante beleza de suas linhas – mais do que uma simples tendência – indica inédito desenho e construção... Apenas uma experiência com este carro extraordinário... e conhecerá uma nova sensação em ritmo de marcha!198

197

Texto do anúncio do automóvel Ford V-8 publicado no jornal O Estado de S. Paulo – 12.01.1936. p. 4. Texto do anúncio do automóvel Lincoln-Zephyr publicado no jornal O Estado de S. Paulo – 04.02.1936, p. 3.

198

203

Fig. 96 Publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 09.02.1936, p. 5.

204

Emblemático é também o anúncio do Oldsmobile fabricado pela GM – uma obra da engenharia mecânica, revestida da beleza que empolga. “Por fora – por dentro – pelo motor – pela carroceria – pelo chassi – por tudo é um grande carro o Oldsmobile de 1936! A sua beleza empolga. Entusiasma o seu valor como obra de engenharia mecânica. E encanta o luxo dos seus detalhes! Tudo o que seus hábitos de conforto requerem num automóvel, o novo Oldmobile lhe oferece.” Por tudo isso, a GM convidava os paulistanos – “aprecie um dos elegantes Chevrolets de 1936, deslizando majestosamente pelas avenidas e ruas da cidade”.

199

Uma linha ainda mais explícita de

afirmação do automóvel como o mais vistoso objeto do consumo conspícuo refere-se ao modelo Buick, também da GM, proclamado como o carro da elite paulista. Neste caso, tanto as linhas modernas e distintas do veículo agregam um capital de distinção aos seus proprietários, como também o nome dos compradores transferem capital social à marca.

Fig. 97 Publicado no Jornal O Estado de S. Paulo, 29.03.1936, p. 3. 199

Fragmento do texto do anúncio do automóvel Oldsmobile, da GM, publicado no jornal O Estado de S.

Paulo, 05.03.1936. p. 1.

205

Fig. 98 Em 1934, a Burlington Railroad introduziu um novo trem de passageiros com suaves linhas aerodinâmicas. O novo modelo da Burlington foi batizado de Zephyr, tornando-se um feito na área da engenharia dos trens, famoso por quebrar o recorde de velocidade da rota Chicago-Denver. Inspirando-se nas linhas aerodinâmicas do Zephyr, a Ford buscou transferir o glamour desse trem para o seu novo modelo aerodinâmico, o Lincon-Zephyr.

Fig. 99 Anúncio do Buick 1928, publicado na revista Country Life. A publicidade estampa uma elegante mulher com o seu novo e elegante Buick. Os anúncios dos carros da General Motors buscavam atrair os consumidores, apresentando seus novos modelos com linhas mais arrojadas e uma variedade de cores, diferentemente do Ford-T, disponível somente na cor preta e que saiu de linha em 1928.

206

No contexto do acelerado processo de metropolização da São Paulo dos anos 1920, o automóvel, um símbolo da era das máquinas e do culto à velocidade, foi reverenciado como ideal do cosmopolitismo do mundo moderno e, em função dos elevados custos de sua importação e manutenção, era tido, por aqui, como o último grau da ostentação. Considerando a ênfase que a publicidade da venda de veículos atribuía a tais produtos, associando-os ao privilégio da tecnologia moderna e a um símbolo de status social, então teremos afirmação da cidade motorizada como um misto de progresso e pedantismo de classe. Na jovem metrópole, o automobilismo era cultuado: a elite paulista se orgulhava de ter organizado a primeira competição automobilística da América do Sul. E a agremiação mais aristocrática e reservada, durante décadas, foi o Automóvel Club. Fundado em 1908, ocupou um palacete na área nobre do centro, voltado para o vale do Anhangabaú. Ali, por muito tempo, reuniu-se a elite mais proeminente da República brasileira.200 Após a Primeira Guerra Mundial, essas máquinas progressivamente ocupam a geografia da urbe, concentram-se nos logradouros da região central e, em pouco tempo, tal forma de transporte exigirá a remodelação do tecido urbano. Como já mencionamos, isso foi realizado pelo Plano de Avenidas que teve início em meados de 1930. Por essa época, também, a Ford e a General Motors já dominavam o mercado promissor que a metrópole paulista representava para os seus produtos.

200

Cf. SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Extático na Metrópole. São Paulo, sociedade e cultura nos frementes anos 20. São Paulo, Cia. das Letras, 1992.pp 73 e 74.

207

Fig. 100 Vista da Avenida São João, tomada nas proximidades da Ipiranga em direção à Rua São Bento, início dos anos 1930. No fundo, o Edifício Martinelli. Os automóveis e o Martinelli dão um tom cosmopolita à cidade. No início dos anos 1940, esta paisagem sofrerá um intenso processo de verticalização, bem como aumentará de sobremaneira o fluxo de automóveis, circulando nesse quadrilátero.

Ainda para ilustrarmos as correlações entre maquinismo e glamour, representado pelo mito norte-americano, vale acompanhar as reflexões de Monteiro Lobato. Ele narra, em meados dos anos 1920, de forma muito peculiar, o que julga ser a influência benéfica dos EUA no avanço da civilização moderna e, evidentemente, do Brasil. Não nos esqueçamos que, como bem analisa a historiadora Tania Regina de Luca201, as primeiras décadas do século XX são um período de intensa releitura da nação. Havia uma urgência em compreender o país, debruçar-se sobre seus desafios e propor um projeto de superação do “atraso” brasileiro. Nesse contexto, Monteiro Lobato elege a América puritana como um modelo a ser reverenciado. Assim, condena a 201

Ver: LUCA, Tania Regina de. A Revista do Brasil, um Diagnóstico para a (N) ação. São Paulo, Editora Unesp, 1998.

208

estreiteza da visão dos que vêem no americanismo não a conseqüência natural do progresso humano, mas a corrupção dos nossos hábitos e os males de nossa terra. Diz ele, ao criticar a obtusidade dos americanófobos: Conheço um que não cessa de catonizar contra os Estados Unidos e sua nefasta influência na vida brasileira. Isto aqui seria o paraíso terreal se não fora o yankee com a sua penetração irresistível, diz ele. O país vai mal, a máquina administrativa não funciona, o povo não enriquece, não aprende a ler, não tem justiça, etc., tudo graças à influência americana. Rolamos por um despenhadeiro porque o americano nos empurra. No dia em que mo apresentaram estava ele num bar a sorver regaladamente um ice cream soda, muito bem posto em seu terno Palm Beach. Viera da Tijuca de bonde, estivera no escritório a ditar cartas à datilografa, tinha falado três vezes ao telefone e dado um pulo ao Leblon, num Buick de praça, para concluir um negócio. Depois do ice iria ao Capitólio ver a Cloria Swanson na Folia. O ice refrescou-lhe as tripas; o terno de Palm Beach tornou-lhe suportável o peso do calor; o bonde o trouxe da Tijuca em trinta minutos por três tostões; as cartas feitas numa Remington impediram que sua má letra fosse dar origem a atrapalhações comerciais; as telefonadas pouparam-lhe uma trabalheira insana; o Buick permitiu-lhe voar agradavelmente ao Leblon em minutos; o cinema ia fechar o seu dia com uma completa e deleitosa impressão de arte e beleza.202

As conquistas do estilo de vida moderno – praticidade, comodidade e bem-estar – são, como explica Lobato, tributárias daquilo que o gênio dos EUA proporcionou ao progresso da civilização. Porém, tal contribuição não se restringe apenas a disponibilizar os meios para acomodar as necessidades veementes que os novos tempos imprimem à dinâmica do cotidiano. No final do dia, é preciso satisfazer a alma, a imaginação e, novamente, o gênio norteamericano nos oferece uma completa e deleitosa impressão de arte e beleza. Ela poderia estar no cinema, no encanto da dança de Fred Astaire e Ginger Rogers; num foxtrote desenhado pelo requintado gosto musical de Irving Berlin ou nas linhas luxuosas do último modelo lançado pela General Motors ou pela 202

LOBATO, Monteiro. Na Antevéspera. São Paulo, Ed. Brasiliense Ltda, 1948. p. 197.

209

Ford. Aí, é certo, inscreve-se o glamour da “América”, a sedução que a impulsiona para o centro e sustenta o ideal de modernidade proclamado pelo American Way of Life. Novamente,

evocamos

Monteiro

Lobato

para

mapearmos

as

representações que a palavra “glamour” condensava em torno da aura dos EUA. Se, na crônica anterior, ele tinha a perspectiva de um observador a distância, agora o escritor opina in loco. Lobato escreve diretamente da metrópole ícone da modernidade: Nova Iorque. Ali, diz ele, o “glamour” é moeda corrente. Isso é tão imenso, tão desmarcado, tão fora de proporções com o nosso mundinho aí, que é tolice querer dar uma idéia. Teatros, beleza feminina... os arranha-céus...

o

orçamento

da

cidade...

o

perpétuo

Amazonas

de

automóveis... Maomé sonhou com um paraíso de huris e o Ziegfeld realizou-o na terra, pondo-o ao alcance dos olhos (dos olhos só) de quem tem 3 ou 4 dólares no bolso. “Glorifying the American Girl” – é o moto desse homem, que em seu teatro reúne e exibe quase nua a flor da beleza americana. E é diante delas que um basbaque vindo daí primeiramente se extasia. Com bom basbaque, já fui extasiar com aquele “glamour”. Esta palavra tem enorme consumo aqui. 203

O célebre produtor da Broadway Florenz Ziegfeld concebeu a fórmula da revista musical de grande sucesso durante as primeiras décadas do século XX, nos EUA, Ziegfeld Follies, que tiveram uma série de edições durante o período. Tais espetáculos colocavam em cena, numa seqüência aparentemente infinita, inumeráveis beldades, iluminando os contornos femininos, suntuosamente adornados e em um cenário glamoroso. Busby Berkeley, iniciando sua carreira como assistente de coreógrafo e, posteriormente, diretor das produções de Ziegfeld, fora influenciado pela opulência da tradição estética das Ziegfeld Follies.

Quando,

em

1933,

inaugurou

sua

marca

no

filme

musical

hollywoodiano, Berkeley transpôs para a tela o espírito que havia assimilado na Broadway, aquilo que Ziegfeld, patrioticamente, chamava de “glorificação da garota americana”.204 O mais bem sucedido empresário do show business do 203 204

LOBATO, Monteiro. A Barca de Gleyre. São Paulo, Ed. Brasiliense Ltda., 1948. 2º. Tomo. p. 303. Cf. MAST, Gerald, op. cit. p. 116,117.

210

começo do século havia descoberto e, Monteiro Lobato nos esclarece, a fórmula do sucesso. Enquanto o Alcorão de Maomé promete ao crente mulçumano o paraíso onde ele desposará uma moça de grande beleza – huri – a estratégia de Ziegfeld resumia-se em oferecer o paraíso agora, ou pelo menos uma visão concreta dele, no New Amsterdam Theater, localizado na West 42. Street, da Broadway. Evidentemente, a oferta limitava-se aos que dispunham de três ou quatro dólares para a compra dos ingressos. Foxtrote no Mappin e avant-première no Art Palácio Ao encerrar-se o século XIX, escreve a historiadora Janice Theodoro da Silva, “a cidade de São Paulo se transformaria em ‘vitrine’ de bens manufaturados produzidos no exterior [...] a mercadoria precisava ser venerada. A cidade devia tornar-se o altar; portanto, impunha-se construí-lo.”205 O altar seria primeiramente edificado na região do Triângulo. Um ponto na geografia da urbe reverenciado como o imã, cuja atração fez fluir para esse endereço aquilo que, nas primeiras décadas do século XX, experimentou-se como o moderno estilo da vida metropolitana. Como assinalamos no primeiro capítulo, em meados dos anos 1930 e, particularmente, a partir da inauguração do Novo Viaduto do Chá, em 1938, as ruas que concentravam o comércio e os serviços da burguesia paulistana haviam se expandido em direção à Rua Barão de Itapetininga e suas transversais. Configurou-se, assim, uma nova centralidade, à qual identificamos como o “Quadrilátero do Glamour”. O “imã”, portanto, havia se alojado na outra extremidade do Vale do Anhangabaú e, dali, a “cidade vitrine” iria irradiar suas luzes. A ampliação do centro assinalava, na fisionomia da metrópole, o lugar no qual o progresso – representado pela sofisticação das lojas; pelos grandes hotéis e restaurantes de luxo; pelas salas de cinema; pelo processo de verticalização; e pelo intenso fluxo de veículos e de pedestres – ganhava uma dimensão espetacular. Na época, a expressão “ir à cidade” foi a bússola de São Paulo, cujo norte indicava esse espaço de

205

SILVA, Janice Theodoro. São Paulo 1554-1880 – Discurso Ideologia e Organização Espacial. São Paulo, Moderna, 1984. p. 129.

211

difusão e organização de determinadas práticas socais, encenadas no campo das representações de um pretenso ideal cosmopolita. A construção da identidade do Quadrilátero gravitaria em torno de sua afirmação como território de visibilidade. Os espetáculos do Teatro Municipal, as salas de cinema, a suntuosidade das vitrines das lojas, a profusão dos cartazes publicitários, o footing da elegância em desfile pelas suas artérias, o automóvel último modelo circulando em suas avenidas ou, ainda, a iluminação noturna dos estabelecimentos comerciais, as luzes das janelas dos edifícios e inumeráveis néons concorriam para assinalar o seu magnetismo visual. Nessa região, o “altar da mercadoria” expandiu-se em outras proporções. A “cidade vitrine” redimensionou as representações do espaço, onde o olhar era capturado pelos dispositivos, cada vez mais intensos, de um cenário sedutor. Cabe sublinhar que transpor a linha de seu território significava, também, contracenar com os olhares dos outros passantes. Não por acaso, os freqüentadores do centro, em sua “época glamorosa”, evocam a memória de uma toalete elegante: chapéus, luvas, jóias, ternos e gravatas, que obrigatoriamente trajavam ou observavam, quando se dirigiam para essa região da cidade. É certo que o Quadrilátero também expunha os sinais das contradições intrínsecas ao processo acelerado de urbanização em curso na cidade. Eles eram visíveis, por exemplo, na presença dos vendedores ambulantes ou nas marcas de privação das populações que, vindas dos bairros mais pobres, atravessavam suas fronteiras. No entanto, o seu território organiza-se como expressão de um poder simbólico, determinante de sua geografia como centro de convergência das representações que, naquele momento, glamorizavam a invenção da São Paulo moderna. Ao mesmo tempo, o lugar conjugava os signos de distinção dos setores mais abastados da sociedade paulistana – ali o progresso da “locomotiva da nação” era celebrado como espetáculo. Mas se o mapa do Quadrilátero afirmou-se como território da visibilidade, ele também teve sua geografia particularizada por certa “paisagem sonora”, onde, os rumores da cidade pulsavam. A densidade da circulação de veículos fazia soar em tom frenético os seus decibéis; a concentração de pessoas amplificava os rumores das vozes e a presença de teatros, cinemas, emissoras de rádio, bares, restaurantes, boates e dancings configurou o lugar como centro de irradiação musical.

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Dentre os equipamentos articulados à modernidade do Quadrilátero e que representavam um símbolo estruturante, no imaginário da população, pela força de sua centralidade, estava o conjunto das salas de cinema. Se, em 1929, a Paramount inaugurou a era dos “palácios do cinema” na metrópole paulista, locando a mais sofisticada sala de exibição de filmes até então em um terreno na Avenida Brigadeiro Luís Antonio206, em meados dos anos 1930, os novos palácios teriam suas edificações localizadas no Novo Centro. Nomes como Art Palácio, Broadway, Marrocos, Ouro, Olido, Marabá, Ipiranga, Metrópole, Metro representavam o que havia de mais sofisticado em relação ao entretenimento cinematográfico. Construídas entre 1935 e início dos anos de 1950, algumas dessas grandes salas tinham capacidade de lotação para mais de três mil lugares. A exemplo do que assinalamos em relação ao cine Paramout, elas distinguiam-se por sua arquitetura luxuosa, requintadas salas de espera, todas acarpetadas, mobiliário de luxo, serviço de bar e, em seus projetos, contemplavam técnicas de acústica e iluminação avançadas. Enquanto o Novo Centro brilhou em seu glamour, no cine Marrocos, por exemplo, os freqüentadores eram recepcionados por funcionários com elegantes uniformes, e era praxe em todos os seus cinemas a exigência para os cavalheiros do uso de gravata.207 Se o “Quadrilátero” refundou a “cidade vitrine”, ele o fez por agregar em seu território novas representações do progresso e, ao mesmo tempo, por configurar-se como cenário onde os signos da distinção social ganhavam novos matizes, no contexto do acelerado processo de urbanização e desenvolvimento da sociedade de massa em curso em São Paulo, no final dos anos 1930. No entrecruzamento do prestígio do comércio de luxo – com suas vitrines iluminadas pelo fascínio da última moda de Paris, Londres e Nova Iorque e dos suntuosos palácios do cinema –, compreende-se a aura do glamour que a força daquela centralidade representava no imaginário da cidade. O “altar da mercadoria” fora amplificado no prédio art déco das novas

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Na época, a Avenida Brigadeiro Luís Antônio abrigava um conjunto residencial de grandes palacetes, tal qual a Rua da Consolação, a Avenida Higienópolis e a Avenida Angélica e ligava o Triângulo à Avenida Paulista, esta o símbolo maior do prestígio das classes mais abastadas da metrópole paulistana. 207 Cf. SIMÕES, Inimá, op. cit. Ver também SCARLATO, Francisco. “Busca do Centro, o reencontro com a cidade.” In: CARLOS, Ana Fani Alessandri & OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino (orgs.) Geografias de São Paulo – Representação e Crise da Metrópole. São Paulo, Contexto, 2004. p. 252.

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instalações do Mappin208 na Praça Ramos, na sofisticação das lojas da Rua Marconi e demais ruas que compunham o comércio de luxo da região. Tudo isso intensificou o brilho do fetiche da mercadoria e das edificações que as novas salas de cinema imprimiram na paisagem. Elas traziam os emblemas da modernidade reivindicados pelo espetáculo cinematográfico, bem como o luxo de sua arquitetura corroborou para destacar as marcas de elegância do território. Nesse contexto, Hollywood e as vitrines forneceram às classes abastadas da metrópole um espaço profícuo para o exercício do seu poder simbólico. Se a cultura do cinema era massiva, a pronúncia correta do nome dos atores e a similitude frente ao ideal estético da beleza encarnado pelos astros funcionavam como uma reserva da distinção social. E se o olhar embevecido pela última moda exposta na vitrine copiava o modelo, a qualidade do tecido e o corte denunciavam a cópia.

Fig.101 Publicado na Revista Sombra, ano 5, n.º 46, set. de 1945. “Do dia para a noite, surgiu na paulicéia, rasgando a monotonia da cidade a Rua Marconi. Nessa rua, instalou-se a Casa Vougue.‘Prima interpares’ das casas de moda e peles de São Paulo.” Podemos dizer que a Marconi estava para o Novo Centro, assim como, a 15 de Novembro esteve para a região do Triângulo. Símbolo da sofisticação do “Quadrilátero”, o seu glamour emprestou a imagem para compor a celebração do progresso.

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Ícone da modernidade, tal qual analisa Walter Benjamin no trabalho das Passagens, a loja de departamentos representa-se como o traço característico da cidade moderna. Ver: BENJAMIN, Walter. Passagens. Belo Horizonte, UFMG; São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. p. 86 e p. 99.

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Fig.102 Publicado na Revista Sombra, ano 5, n.º 45, agosto de 1945.

Paul Virilio identifica as construções dos palácios do cinema como similares aos edifícios das grandes lojas de departamentos, cujas portas foram abertas ao público nas metrópoles ocidentais do século XIX. Para o filósofo, a sua arquitetura filia-se aos magazines, o lugar de culto ao fetichismo da mercadoria. O vocabulário arquitetônico das futuras catedrais norte-americanas do cinema já se encontrava presente nessas grandes lojas: aglomerado de estilos heteróclitos,

naves

imensas,

longos

corredores,

escadaria

central

desproporcional e, sobretudo, um imponente ambiente técnico (iluminação, elevadores, climatização...). A simples lógica do comércio é abandonada ostensivamente, pois, com a invenção do marketing, o conjunto dos sistemas de mercadorias da jovem civilização industrial passa a manifestar-se em campos de percepção imateriais. 209

Compondo um traço da cidade moderna, a loja de departamento configura-se como uma espécie de moldura da estética da mercadoria. Nesse sentido, decoração, arquitetura, iluminação, cores, fundo musical, aromas, equipe de funcionários cuidadosamente escolhidos e rigorosamente trajados são elementos do cenário onde se teatraliza o fascínio dos objetos à venda. O intuito é predispor o público para a compra, realizar o fim último da razão do capital em que a mercadoria se converte, através do seu valor de troca, em 209

VIRILIO, Paul, op. cit., p. 70.

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dinheiro. Como num jogo amoroso, o glamour do magazine compartilha das artimanhas da sedução da mercadoria. Seu esplendor elegante permeia a planificação do markenting com que o capital conforma suas estratégias de galanteio. Ele direciona, assim, o seu poder para amplificar o caráter fetichista dos produtos expostos à venda. Pois, o valor de troca encarnado no corpo da mercadoria anseia intensamente pela redenção na forma de sua liquidez. É Wolfgang F. Haug quem nos sugere a metáfora da cumplicidade amorosa como ponto de partida para a compreensão crítica da estética da mercadoria. Segundo Haug, a produção de mercadorias, no âmbito das necessidades do capitalismo, ao objetivar um maior valor, adentra o campo do estímulo amoroso. Por conseguinte, a mercadoria apreende sua linguagem estética da gramática da corte entre os seres humanos. Os mesmos olhares amorosos com os quais os sujeitos tentam seduzir os seus objetos humanos do desejo são lançados pelas mercadorias aos compradores. Quem galanteia faz-se bonito e amável. Usa toda sorte de ornamento, jóias, perfumes, tecidos e maquiagens como meio para representar a beleza no estratagema da sedução.210 Tais considerações explicitam as correspondências dos dispositivos que compõem o universo estético do “palácio do cinema” e da loja de departamento, no campo das estratégias de sedução. A construção desses ambientes, demandada pela lógica do marketing, tem sua marca registrada no glamour por meio do qual atraem o público. Considerando o mapa traçado pela cronista social da Folha da Manhã, quando da inauguração do primeiro “palácio do cinema” na Avenida São João, em meados da década de 1930, é possível vislumbrar os contornos do espaço físico e social que compunham, no território do centro da cidade, os endereços do culto à mercadoria e ao entretenimento cinematográfico. Essa cartografia, acentuada pela elegância esplendorosa da notável audiência e do cenário, revela seus signos de distinção social. Acrescenta-se aí a indicação de uma espécie de mapa sonoro, cuja partitura rege a orquestra na execução de “um foxtrote cinematográfico”. De tarde – às cinco horas, classicamente – Chá no Mappin, 210

HAUG, Wolfgang Fritz. Crítica da Estética da Mercadoria. São Paulo, Fundação Editora da Unesp, 1997. p. 30 e 31.

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Aconteceu uma coisa extraordinária – num dado momento ouviam-se dois ou três grupos conversando, ao mesmo tempo em que a orquestra se dedicava à execução dum foxtrote cinematográfico! “Toilettes” de verão – algumas belezas terrivelmente embonecadas, com centenas de “boucles”, chapéus floridos, “collerettes”, mangas “bouffantes”, laçarotes, luvas de “crochet”, “voilettes” vistosas. Sorrisos simpáticos. Meia dúzia de reconhecimentos – D. Nenê Cunha Bueno Assumpção de branco e preto, Maria Elisa Nobre, de preto e branco, Nelly Salles Sampaio, de “imprime”. O Miran Latif, o José Pinto Alves e o mais moço dos rapazes Gontier, rodeado de “jeunes filles”, num “bavardage”alegre. À noite – “avant premiére” do novo cinema – Ufa Palácio – que está muito “bem” com os seus “rideaux” de veludo, “orangé”, avivando o tom bege claro da sala enorme, o seu “hall” que vai permitir que se espere sem impaciência o princípio das sessões elegantes, a sua orquestra “sur plateau mouvant”. No meio da multidão oficial e jornalística – o senhor e a senhora Roberto Simonsen, o senhor e a senhora Marques Campão, o senhor e a senhora Olavo Castilho, outra vez a Nelly Sampaio, o dr. Renato Pereira de Queiroz, o Honório de Sylos, o senhor e a senhora Procópio dos Santos, o Plínio Ribeiro da Silva – e tantos, tantos “não conhecidos” que nem a crônica social de um ano inteiro daria para publicar os seus nomes.211

O Ufa-Palácio fora o primeiro de uma série de cinemas projetados pelo arquiteto Rino Levi em São Paulo. Concebido dentro dos princípios racionalistas da arquitetura moderna, o projeto destacou-se pela rigorosa aplicação das técnicas de acústica na arquitetura de auditório. As linhas de iluminação indireta, cuidadosamente planejada, conduziam o olhar em direção à tela, não existindo nenhum outro atrativo nas superfícies internas que pudessem competir com o espetáculo. A forma parabolóide predominava em todo edifício. E, na entrada, o movimento dinâmico sugerido pela parábola era acentuado pelo efeito de luz que se projetava para o alto; tal ambientação dava ao espaço da rua indícios da natureza sonora e luminosa da atividade que ocorria no interior do prédio.

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As linhas arquitetônicas arrojadas do projeto

compunham o cenário descrito pelo cronista do Estado de S. Paulo, um palco de exuberante modernidade que se conjugava como reflexo da própria 211

ANNY. Crônica Social. Folha da Manhã, 14.11.1936. p. 8. Cf. ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON, Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 76.

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modernização da metrópole paulista. Afinal, o Ufa era o cinema para São Paulo. Moderno aqui, neste caso, tem um sentido total: quer dizer grande como S. Paulo, bom como S. Paulo, útil como S. Paulo, discreto como S. Paulo, acolhedor como S. Paulo, lindo como S. Paulo. É o cinema para S. Paulo. 213

Adiante, o texto convida o leitor para contemplar o novo cinema, explicitando os traços modernos da arquitetura subscrita pelo projeto de Rino Levi. A transcrição revela como tais espaços foram inventariados pelo discurso que, nesse momento, imprime a nomeação do território do Quadrilátero. Logo à entrada, o pórtico, no curioso atualismo das suas colunas ovaladas vestidas de mármore negro e cimento escamado de mica, já é um abraço agradável de amigo acolhimento. É um “welcome” que faz a gente penetrar sorrindo nas límpidas larguezas do “hall” todo “greige” [grège: bege claro] nas suas argamassas nítidas, e “grenat” [grènat] na pelúcia dos seus sofás molengos. “Greige” e “grenat” – são os dois repousantes semitons que, daí, desse generoso vestíbulo, se estiram por escadas, corredores e galerias até a imensa sala de projeções, criando para as duas humanidades – a de luz e sombra da tela, e a de carne e osso das quatro mil “fauteuils”... – um pano de fundo muito propício, ou um “passe-partout” como esses neutros, levemente riscados “tonsur-ton”, que tanto valorizam a estampa fina que enquadram. A enorme, quase infinita sala, onde a gente fica pequena, pequenina, pequenininha... Poltronas cômodas de madeira laminada, clara e vergada, galgando uma rampa longa e suave que sobe, imperceptivelmente, dez por cento... E os balcões, lá em cima, amplos e bons como uma segunda platéia... E – utilidade e beleza – os feixes colossais de barras de duralumínio da ventilação, estendidos contra a aspereza atualíssima das paredes... E os altos arcos abatidos da “avant-scène”, desdobrando-se, alargados, pela sala e desprendendo o clarão forte e branco das luzes invisíveis... E... Mas, basta. Este é mesmo o cinema para São Paulo.214

213 214

G. Cinematographos - O “Ufa Palácio”. O Estado de S. Paulo, 12.11.1936, p. 6. Idem.

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Fig. 103 Vista interna da sala de espera – Ufa-Palácio – 1936

Fig. 104 Interior da sala de projeções – Ufa-Palácio – 1936. A sala fora projetada, a partir de um rigoroso cálculo do volume em função do tempo de reverberação desejado. A forma parabolóide das paredes, piso e forro, próximos ao palco, levava em conta a melhor distribuição das ondas sonoras.

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Fig. 105 Cine Ufa-Palácio – 1936 – Vista noturna da entrada. A forma em parábola apresenta-se no hall, acentuada pela iluminação. Interessante notar como o seu desenho participa do espírito da modernidade da época. A fachada do Ufa-Palácio, ao sugerir o dinamismo com suas formas em parábola, tem correspondência com as linhas aerodinâmicas do novo modelo da Ford, o Lincon-Zephyr.

Aplaudido como um empreendimento à altura do progresso de São Paulo pela imprensa, o Ufa-Palácio era ressaltado como um dos pontos de encontro elegante da cidade. A ênfase no conceito racionalista da arquitetura moderna imprimia ao edifício o despojamento de suas linhas arquitetônicas, explorando o equilíbrio nas proporções dos volumes e elegendo os efeitos de iluminação como principal elemento de sua ambientação, o projeto de Rino Levi impactava pela sua modernidade. O Ufa-Palácio, o novo cinema de São Paulo, parece que saiu de algum livro de Wells. As suas linhas lisas e moderníssimas, o seu sistema de iluminação que, não fazendo sombra nos rostos, torna todo mundo mais bonito e mais jovem. As duas cores escolhidas para a decoração, o creme e o brique, tudo numa

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harmonia deliciosa, torna o Ufa uma sala de diversão como antes só fora vista nos próprios filmes.215

O quadro social retratado pela cronista da Folha da Manhã, no trânsito entre o chá do Mappin e o “avant-première” do Ufa, quando inserido no cenário do novo palácio do cinema – cuja edificação primou pelo requinte dos mais arrojados conceitos arquitetônicos – parece fora do lugar. Tal aspecto denota como o processo de modernização em curso na cidade, estruturava-se sob os desígnios de uma modernidade conservadora. Por isso, seus atores irão protagonizar a cena oficial de abertura do cine Ufa fruindo da execução orquestral de um trecho de Carlos Gomes. Um programa à altura de contracenar com as pompas exigidas por esse acontecimento social. Trata-se evidentemente da inscrição de uma moldura oficial à cultura de massa. Uma operação que implicaria em se apropriar de um dispositivo da indústria do entretenimento, o cinema, subscrevendo-o no campo da distinção social. A execução da opereta causou “impressão esplendia” na audiência, não só como música, mas também pelo fato de a “orquestra brotar do solo, para em seguida desaparecer”. A sessão de ontem, dedicada ao mundo oficial, à imprensa e a um grande número de convidados, foi iniciada com um trecho de Carlos Gomes e causou impressão esplêndida, não só como música, como a orquestra brotando do solo, para em seguida desaparecer, logo terminada a música.216

A Broadway em São Paulo A inauguração do Ufa-Palácio217 impulsionou a força do imã da nova centralidade em direção ao “Quadrilátero”. No momento em que Hollywood monopolizava os cinemas de São Paulo, parece paradoxal uma empresa estatal alemã ter bancado um investimento nos moldes do que fora o Cine Paramount, e não um estúdio norte-americano. Cabe assinalar que, no campo das disputas diplomáticas internacionais, o cinema configurou-se como uma 215

Correio Paulistano, 14.11.1936. p. 9. Idem. 217 Paul Virilio observa que a UFA (Universum-Film-Aktiengesellschaft) foi fundada em 1917, durante o primeiro conflito mundial; no ano seguinte já se tornaria o principal complexo de produção, distribuição e comercialização de filmes da Alemanha em guerra. “Beneficiando-se de subsídios do Estado, desde sua fundação a UFA sempre foi dependente do grande capital, e sobretudo dos Krupp, conseqüentemente da indústria bélica.” VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema. São Paulo, Boitempo, 2005. p. 28. 216

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arma poderosa para atrair simpatias. Tal prerrogativa, é certo, foi uma condicionante do empreendimento do governo da Alemanha na capital paulista. Quanto à escolha do endereço na Avenida São João, observamos que, se o Ufa, renomeado como Art-Palácio em 1940, foi de grande importância para definir a região como centro do entretenimento e da vida noturna de São Paulo, essa identidade já estava em curso há algum tempo. O cine Broadway, instalado na avenida no começo dos anos de 1930, embora não contasse com a sofisticação do projeto de Rino Levi, afirmava-se como o mais bem situado cinema paulistano e capaz de oferecer ao público um moderno e confortável ambiente. Um ano antes da inauguração do Ufa, a casa orgulhava-se de se tornar a primeira exibidora das grandes produções norte-americanas que estreavam na capital. Esses atributos serviram à crônica de Guilherme de Almeida, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, não apenas para ressaltar as qualidades do cinema, como também para afirmar a vocação do seu endereço em tornar-se a síntese da expressão da vida moderna de São Paulo. Apropriando-se de uma representação da Broadway como imagem modelo da civilização norte-americana, o autor irá projetar o devir da Avenida São João. A avenida nova-iorquina, retratada no adensamento dos arranha-céus, do frenesi de um mundo sedutor, glamorizado na beleza de uma “girl de Zigfeld” e nos sons metálicos de um saxofone, haveria de conter, em sua geografia, todos os gestos e todas as vozes da “América”. Nela, portanto, estaria vivificado o espírito do progresso norte-americano. Do mesmo modo, o cronista presume a São João, afinal toda a vida da cidade de São Paulo – diurna de “resfolegar e transpirar de motores e de corpos” e noturna de “cintilar de jóias e de cartazesluminosos” – que começa a se concentrar ali, a “esticar e rodar pelos seus asfaltos.” Para completar, nós teríamos, dentro de nossa própria Broadway, o nosso Broadway que, no momento, entrava em sua fase de ouro, tornando-se o primeiro exibidor de uma programação de primeira classe. A Broadway é toda a América. É a América que desliza, canalizada, entre alas perfiladas, pasmas, de arranha-céus. Ali, estão todos os gestos e todas as vozes da América: – da frívola pernada de uma “girl” de Ziegfeld que arma e desarma lares, à decisiva penada do “business-man” que constrói e destrói fortunas; do grito elétrico e trêmulo de uma campainha de telefone num

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escritório anunciando uma bancarrota, à gargalhada metálica e bamba de um saxofone num “roof” milionário sob luzes do céu e sobre luzes da terra... Ora, todas as cidades americanas vão tendo a sua Broadway: o seu eixo urbano, imantado. Aqui, é a Avenida São João. Mas S. Paulo, além da sua Broadway, tem também o seu “Broadway”: dentro da sua Broadway o seu “Broadway”... Agora que a vida toda paulistana – vida diurna de resfolegar e transpirar de motores e de corpos, e vida noturna de cintilar de jóias e de cartazesluminosos – começa a se concentrar, esticar e rodar pelos asfaltos da Avenida São João, o “Broadway”, o cinema da nossa Broadway, vai entrar numa fase dinâmica de renovação. Já na próxima segunda-feira, dois de setembro, começara ele a cumprir o seu novo destino de primeiro exibidor de uma programação de primeira classe.218

Quando, em março de 1938, na Avenida São João, a Metro Goldwyn Mayer inaugurou sua própria sala, com todo o requinte, a exemplo do que ocorrera na edificação do Cine Paramount e do Ufa, Guilherme de Almeida reafirmaria a identidade da avenida como o eixo imantado da cidade. O seu traçado no mapa da metrópole, ressaltava o cronista, é o centro de gravitação da vida moderna, todos os signos do progresso para ali convergem: arranhacéus; automóveis; bondes; frêmito de luzes; multidão e, por fim, o cinema. Com a inauguração do Metro, tido como a última palavra em conforto e distinção, ou, nas palavras do próprio Almeida, que, aludindo ao metro como padrão de medida, afirmava ser o Cine Metro a base do novo sistema de construção especializada na área do entretenimento – “Um cinema padrão, puramente cinema. Em tudo; por tudo.” O quadro descrito pelo cronista definitivamente ganhava os contornos da imagem modelo da Broadway. Um novo, poderoso eixo vara a cidade de São Paulo, girando, centrípeto. Esticada, reta, entre duas montanhas simbólicas de nossa grandeza – O Jaraguá, a montanha histórica que Deus fez; e o Martinelli, a montanha moderna que os homens fizeram – a Avenida São João, centralizadora, atraente, magnética, vai chamando a si a vida urbana, que a ela se gruda e com ela roda empolhada toda de arranha218

GUY. Cinematógrafo – Broadway. O Estado de S. Paulo, 28.08.1935. p. 4.

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céus, apinhada de autos e “trams”, inchada de pencas de gente, borbulhada de cachos de luz. E – síntese da vida de hoje, índice infalível do progresso desses tempos – o cinema também para ali converge, escancarando as suas portas e ímã para a dócil limalha humana. O Broadway, o UFA e agora, hoje, essa noite, mais um: o Cine Metro.219 Para amplificar ainda mais a imagem, cabe lembrar que a abertura do Metro convidava o público para a “grande inauguração deste luxuoso cinema com o romance musical Melodia da Broadway de 1938. O filme compunha o terceiro dessa série da MGM, cujo primeiro deles, há dez anos, como vimos, marcara a entrada desse estúdio na era dos musicais e, por aqui, impulsionara a entrada de São Paulo na era do “cinema sonoro”: The Broadway Melody de 1929, efusivamente anunciado como todo falado; todo cantado e todo dançado. O mote do enredo da nova produção permanecia o mesmo: as peripécias de artistas e produtores em seu intento de atingir o estrelato na famosa Broadway nova-iorquina. Ainda evocando o filme de 1929, a cena final traz o número Brodway Melody, a canção de Nacio Herb Brown e Arthur Freed que se tornara o grande sucesso da primeira produção. Em 1940, o último filme da série foi protagonizado por Fred Astaire.

Fig. 106 Publicado no jornal Correio Paulistano, 15.03.1938, p. 9. Cartaz da inauguração do cine Metro.

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GUY. Cinematógrafo – Cine Metro. O Estado de S. Paulo, 15.03.1938. p. 4.

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Tal qual sublinha a crônica do Correio Paulistano, o Cine Metro dava à cidade a última palavra em conforto e distinção. De fato, a Metro Goldwyn Mayer estampou sua marca em uma sofisticada e luxuosa sala de cinema na Avenida São João.

Com uma sessão única, às 21 horas, o Cine Metro será inaugurado, terça-feira próxima, para entregar aos paulistanos uma luxuosa, elegantíssima, moderna e confortável sala cinematográfica dotada de aparelhamento de ar condicionado para todas as estações, poltronas de couro, projeção e som impecáveis e vários outros preciosos requisitos de conforto e distinção. A venda dos ingressos, aos preços de costume – platéia, balcão de 1.ª e balcão de 2.ª – começará a ser feita já amanhã, domingo, à tarde, no Cine Metro, à avenida São João. [...] O filme inaugural do “Metro”, “Broadway Melody 1938” (Melodia da Broadway) vale pelo espetáculo mais jovial e trepidante que a direção do novo cinema dos paulistanos poderia escolher para iluminar pela primeira vez a tela do cinema “up to date” que a cidade está em vésperas de ganhar. [...]220

Na Avenida Ipiranga: um monumento ao cinema Nas décadas de 1940 e 1950, enquanto o cinema continuava atraindo o grande público, as construções dos “palácios” seguiram demarcando a geografia do “Quadrilátero” com o luxo e o requinte das salas, celebradas pela imprensa como índice distintivo do progresso de São Paulo. Nessas décadas, o mercado cinematográfico paulistano atingiria o seu apogeu, entrando em declínio no final dos anos de 1950.221 O historiador Ernani Silva Bruno assinala, no período, a intensificação do prestígio do cinema como diversão da maioria 220

CINEMATOGRAPHIA, A inauguração do cine Metro terça-feira. Correio Paulistano, 12.03.198. p. 7. O decréscimo de público, nas salas de cinema, a partir do final dos anos de 1950, indica que o entretenimento cinematográfico estava perdendo muito do prestígio que havia conquistado nas décadas anteriores. Interessante notar que o fenômeno coincide com o declínio do star system e do studio system. A crise do mercado dos cinemas corresponde ao momento de expansão da Televisão; para muitos, ela teria sido a responsável pelo fim da “era de ouro” do espetáculo cinematográfico. Os números relativos à diminuição do público, nas salas de projeção de filmes em São Paulo, são bastante significativos: entre 1955 a 1970 atingiram a casa dos 62%. Ver: SIMÕES, Inimá, op. cit., p. 106. 221

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da população. Depois da supremacia do República (na Praça da República), diz ele, “do Royal (na Sebastião Pereira) e mais tarde do Odeon (na Consolação) e do Paramount (na avenida Brigadeiro Luís Antônio) – pioneiro do cinema falado –, casas exibidoras de maior luxo e conforto foram inauguradas na cidade, apresentando sessões que vão do meio-dia à meianoite.”222 De fato, desde a inauguração do Ufa, o crescimento dos empreendimentos na área cresceram em uma escala bastante expressiva. Com ressalvas ao tom ufanista por meio do qual a imprensa saudou o IV Centenário, as observações da revista Manchete quanto à expansão das salas de projeção de filmes na cidade são significativas: Anualmente, abrem-se 5 ou 6 cinemas, com capacidade para 2 mil espectadores cada, engrossando o contingente de 120 outros existentes. Mesmo assim, a população acaba se comprimindo na porta, em filas quilométricas, obrigando a sessões que começam às 10 horas da manhã e terminam às 2 da madrugada.223

Assim, como a construção do Teatro Municipal agregara um espaço representativo da sociabilidade dos setores mais abastados da sociedade paulistana, a edificação dos “palácios do cinema” também passou a abrigar um endereço da distinção. E, aqui, é certo, estamos nos referindo às salas luxuosas da região do Quadrilátero. Ao lado da recepção do filme, influenciando hábitos e comportamento do público, a freqüentação ao cinema adquiriu um sentido muito mais amplo. O filme era apenas uma parte do espetáculo e o espaço do cinema convergia para um importante ponto de convivência social. Nesse sentido, a sala de cinema, proporcionalmente à sofisticação de suas instalações, configurou-se como um cenário privilegiado da distinção social. O nome dessas salas era subscrito pelo capital simbólico a elas agregado. Dessa forma, tão importante quanto o nome do filme, era o nome do cinema, onde ele foi visto. Mesmo sendo uma cultura massiva, o cinema, como já mencionamos, possuía sua reserva de distinção, seja por meio da toalete com a qual seus freqüentadores se apresentavam na fila ou 222

BRUNO, Ernani da Silva. Histórias das Tradições da Cidade de São Paulo. São Paulo, Vol. III, Livraria José Olympio Ed., 1953. p. 1364. 223 LINGUANOTTO, Daniel. IV Centenário de São Paulo, Manchete, 23.01.1954, n. 92, p. 31.

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sala de espera; seja por meio do preço do ingresso, cotado conforme fosse: camarote, platéia, ou balcão; e, por último, da representação que a própria sala adquirira no imaginário do público. Nesse contexto, compreende-se os dispositivos de requinte através dos quais as salas de exibição pretendiam afirmar sua marca. Tais estratégias não somente contemplavam a sofisticação arquitetônica e a decoração mas também o uso de publicidade na mídia impressa e no rádio; o apelo da programação e das estréias; funcionários distintamente uniformizados e devidamente treinados, com noções de etiqueta; e, ainda, um rigoroso critério de seleção do publico freqüentador. Aí, levava-se em conta a aparência física e a indumentária. Por exemplo, em determinados cinemas, negros e mulatos ficavam de fora, e também os que não estivessem “bem trajados”.224 Em abril de 1943, erguia-se no Quadrilátero aquele que se tornou o cinema número um da cidade. Seu slogan era sublinhado como: Ipiranga – Um monumento ao cinema. A imprensa exaltou suas qualidades, afirmando ser este, “o cinema de mais alta classe do Brasil.” Às linhas arquitetônicas, inteiramente novas da construção, somavam-se o sofisticado sistema de iluminação em tom amarelo-dourado e a mais completa aparelhagem de som e projeção de imagens, até então instaladas no país. O projeto, mais uma vez assinado por Rino Levi, acentuava os princípios racionalistas da arquitetura moderna. Seu requinte, descreviam os jornais, contemplava majestosos ornatos; revestimentos e piso de mármore; pródiga e luxuosa tapeçaria com desenhos exclusivos; confortáveis e amplas poltronas instaladas tanto na platéia como no balcão; ampla sala de espera; e, por fim, os aristocráticos “pullmans”, servidos por um grande elevador, reunindo em suas poltronas individuais – 26 apenas – revestidas de “melton-veluté”, a mais alta elegância.225 A edificação do Ipiranga, assim como a das outras grandes salas, foi apropriada como um índice do progresso de São Paulo, tornando-se objeto de investimento de representações, cujo sentido estavam articulados à produção da identidade da metrópole emergente. Assim, afirmava-se a cidade moderna, 224

Cf. SIMÕES, Inimá, op. cit., p. 47. Ver também: MENEGUELLO, Cristina. Poeira de Estrela: o cinema Hollywoodiano na mídia brasileira das décadas de 40 e 50. Campinas, SP, Editora da Unicamp, 1996. 225 Cf.anúncio da inauguração do cine Ipiranga publicado no jornal Folha da Manhã, 06.04.1943, p. 15.

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emprestando, do “monumento ao cinema”, o emblema do seu progresso e cosmopolitismo. Ao mesmo tempo, sua locação corroborou para definir o mapa do Quadrilátero como o lugar de irradiação do ideal de modernidade contemplado na paisagem constitutiva de sua geografia. ... Ora, outro rio – um novo Ipiranga, largo e túmido de vida – ora pulsa como veia vital no corpo febril da metrópole imensa. Avenida Ipiranga: torrente impetuosa do nosso Progresso, rio humano borbulhante de gentes, arfante de motores, brilhante de luzes... E, sobre o leito da grande via paulistana, como a repetir o gesto de Pedro I, na sua tesa altivez de espada vertical, um arranhacéu de mármores fidalgos ergue-se nobre e orgulhoso. As luzes modernas e fortes escrevem sobre a sua fachada: IPIRANGA. Ele é um puro Monumento ao Cinema: à arte mais nova das mais novas civilizações. Na sua ânsia de atualidade, São Paulo recebe hoje o novo IPIRANGA como uma conseqüência natural de sua grandeza; daquela grandeza nascida nas margens do riacho histórico que verteu como um seio materno, o leite sagrado que amamentou a Pátria... 226

226

Texto de Guilherme de Almeida inserido no anúncio da inauguração do cine Ipiranga, publicado no Folha da Manhã, 07.04.1943, p. 13.

228

Fig. 107 Fachada iluminada do Cine Ipiranga e Hotel Excelsior, vista da Av. Ipiranga. Abril de 1943. “...um arranha-céu de mármores fidalgos ergue-se nobre e orgulhoso. As luzes modernas e fortes escrevem sobre a sua fachada: IPIRANGA.”

229

Fig. 108 Foyer principal do Cine Ipiranga.

Fig. 109 Sala de projeção do cine Ipiranga, vista dos balcões.

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O endereço do novo cinema beneficiava-se do prestígio da recémalargada Avenida Ipiranga. As obras de reforma dessa via, iniciadas em 1938, integravam-se ao plano de remodelação urbanística empreendido por Prestes Maia. A constituição do Perímetro de Irradiação previa a transformação da Rua Ipiranga numa larga e longa avenida, cujas dimensões foram significativamente ampliadas: de 12 para 37 metros de largura e de 600 para 1 km e 300 metros de comprimento, fazendo com que ela chegasse até a Rua da Consolação. Com isso, a Avenida Ipiranga configurou-se como uma das mais imponentes radiais da metrópole emergente. Uma de suas funções era desafogar o centro comercial do trânsito que demandava a Rua da Consolação e, desta, o bairro da Luz. Assim, em função da retirada de considerável volume de trânsito, o centro da cidade receberia, em virtude das obras, um alívio sensível, principalmente na Praça Ramos de Azevedo e adjacências. 227 Conformando a narrativa da história da cidade ao cânone de uma ordem progressiva e progressista, Guilherme de Almeida evoca o “monumento ao cinema” como um índice do progresso na Avenida Ipiranga. Cabe observar que, nessa construção, não apenas afirmava-se o processo intenso de urbanização, mas, ao mesmo tempo, era reivindicado, à luz de sua pujança, o lastro de um passado glorioso. Se a metrópole emergente era gestada em meio a um processo caótico de urbanização, destruindo os vínculos materiais com o seu passado, este era reescrito pelo discurso dominante com rompantes da glória. No âmbito das correspondências propostas por Almeida, entre a cena da representação oficial da Independência – o gesto altivo de D. Pedro I, empunhando para o alto a espada às margens do riacho Ipiranga – e a edificação, na moderna avenida, do arranha-céu do novo cinema, percebe-se o quanto a estruturação da metrópole paulista fora apropriada como objeto de investimento de um poder simbólico. No contexto vertiginoso de fusão, crescimento, aceleração e especulação característico da expansão urbana de São Paulo, os setores dominantes nomeariam, em tom laudatório, os emblemas do progresso e da civilização moderna que redesenhavam a fisionomia da metrópole.

227

Cf. matéria: A TRANSFORMAÇÃO da Rua Ipiranga em Avenida. O Estado de S. Paulo, 21.04.1939. p. 6.

231

Não nos cabe aqui aprofundar as questões políticas implicadas nas correspondências simbólicas propostas por Almeida. De maneira geral, elas sugerem aspectos significativos de uma estratégia articulada à construção da hegemonia da burguesia paulista no âmbito nacional. Se o gesto de D. Pedro era inventariado como símbolo da fundação da nação, o progresso de São Paulo era a atualização desse marco. No curso do desenvolvimento da sociedade urbano-industrial no país, afirmava-se, assim, a proeminência da metrópole paulista como portadora legitima de um projeto nacional fundado sob a égide dos signos da modernização. Diner-Dansant junto às estrelas A transmutação da Rua Ipiranga em avenida no final da década de 1930 articulava-se aos interesses dos setores dominantes que, naquele momento, orquestravam a intensa urbanização em curso na cidade. A configuração da nova via, justificada pelas demandas do fluxo cada vez mais intenso na região central e traçada nas pranchetas dos engenheiros do poder público, além de promover a valorização fundiária e dinamizar empreendimentos na área da construção civil, impulsionou, em larga medida, o capital especulativo que gravitava em torno dos negócios imobiliários na região central. A remodelação do tecido urbano expressava, assim, a concepção da cidade como negócio, denotando as imbricações entre Estado e interesses privados na gestão do espaço urbano. Dessa forma, o urbanismo paulistano operou como suporte de estratégias de valorização do capital, ordenando suas ações para garantir a eficiência e o desenvolvimento da cidade e do capital.228 As reformas da Ipiranga, para usarmos a expressão de Benedito Lima de Toledo, inscreveram-se no âmbito do processo que substituiu a cidade de tijolos, pela cidade de concreto, ou seja, integravam-se à construção da cidade verticalizada. Potencializando o valor do uso do solo, novos edifícios 228

A análise da urbanista Nadia Somekh, sobre a verticalização na cidade de São Paulo, demonstra como a ação do Estado, através de intervenções e legislações urbanísticas, orientou-se como agente produtor do espaço em consonância como os interesses do capital. Ou seja, o urbanismo paulistano ordenou sua ação modernizadora do espaço no âmbito da concepção que compreendia a “cidade como negócio”. SOMEKH, Nádia. A Cidade Vertical – Urbanismo Modernizador. São Paulo, Studio Nobel; Edusp, 1997. Ver também: SOUZA, Maria Adélia Aparecida. A Identidade da Metrópole: a verticalização em São Paulo. São Paulo, Hucitec; Edusp, 1994.

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redesenharam a fisionomia da cidade, particularmente do seu centro comercial. Enquanto o processo de metropolização traduziu-se como referência inconteste da evolução de São Paulo rumo à civilização moderna, a verticalização foi revestida com os signos do progresso. Ao mesmo tempo, ela deu à paisagem da metrópole paulista a marca mais singular de uma identidade que a reivindicava junto às cidades mais modernas do mundo – a linha de seu horizonte desenhada pela silhueta dos arranha-céus. É revelador o quanto a nova cidade vertical, construída sob a demolição da “metrópole do café”, foi celebrada pelo discurso dominante que, buscando legitimar a frenética remodelação do tecido urbano, exaltava a constituição desse cenário como imagens de uma São Paulo moderna e progressista. Assim, os arranha-céus, somados a outros dispositivos, urdiram no imaginário da sociedade as representações que buscavam nomear, nessa geografia em gestação, a invenção da cidade moderna. A edificação do projeto de Rino Levi encenou na Ipiranga, aquela que “pulsava como veia vital no corpo febril da metrópole imensa”, segundo a imagem de Guilherme Almeida, um dos emblemas mais distintivos da modernidade paulistana. Além da forma, concebida segundo os princípios da arquitetura moderna em voga nos centros avançados, o edifício destacava-se como o grande arranha-céu da nova Avenida; era o endereço do sofisticado cinema Ipiranga e agregava as instalações do maior e mais moderno hotel até então construído na cidade: o Hotel Excelsior. Se correspondências havia no roteiro delineado pela cronista da Folha da Manhã, abarcando o clássico chá do Mappin e a avant-première do Art Palácio, elas também se condensavam na construção que fundou o “monumento ao cinema”. Lembremos da indicação de Krakauer, que nos remete aos saguões de hotéis, para enfatizar o glamour com que se construíam os “palácios do mundo óptico da imaginação”. Quanto à trilha sonora, na cobertura do edifício, a atração do restaurante Excelsior era o seu “diner-dansant”. A música ficava a cargo do famoso pistonista sulamericano, José Paioletti e seu “sweet” conjunto de ritmos – ao microfone a “lady-crooner” internacional Maby Daniels; tal qual era grifado na publicidade, que convidava o público para desfrutar de um ambiente de distinção e “savoirvivre”.

233

Fig. 110 Publicado no jornal Diário de S. Paulo, 15.11.1944, p. 7

234

Não menos sugestivo das correspondências simbólicas entre o hotel, o cinema e a dança, aqui destacadas, é o anuncio publicitário dos cigarros Hollywood. Além das recomendações da marca aos consumidores, o texto anuncia uma das atrações no espaço que se tornara referência da noite paulistana: “A boite do Hotel Excelsior, animada pela magnífica orquestra de Zacharias, é um dos mais elegantes centros de reunião da sociedade paulista.”

Fig 111 A big band anima as noites no “roof” do Hotel Excelsior. Publicado no jornal Diário de S.Paulo, 25.04.1950. p. 4

235

Fig.

112

Vista

do

restaurante da cobertura do Hotel Excelsior. Final dos anos de 1940.

Fig. 113 Junto às Estrelas - Restaurante da cobertura do Hotel Excelsior. Final dos anos 1940.

236

CAPÍTULO V AO SOM DAS GRANDES ORQUESTRAS

Orquestra Glenn Miller no filme: Quero Casar-me Contigo

237

A era das big bands Segundo o historiador norte-americano David W. Stowe229, a dificuldade de se articular, dentro da gramática musical, um significado para a palavra swing acabou por favorecer a construção de uma série de imagens que buscaram explicar o sentido desse termo, identificado com o estilo das grandes orquestras norte-americanas, hegemônicas na cena musical entre 1935 e 1945. Aliás, analisa Stowe, parte do fascínio impulsionador da moda do swing estava justamente ligado à resistência que a palavra oferecia à sua definição. De acordo com um dos seus maiores representantes, diretamente envolvido com o fenômeno que se alastrou pelos EUA, o clarinetista Benny Goodman, o swing era tão difícil de explicar quanto o sorriso da Mona Lisa. Para Goodman, ele não podia ser definido, só reconhecido. Para muitos músicos, o swing não se referia a um tipo de música, mas a uma maneira específica de tocá-la, ou seja, ligada à performance dos integrantes da orquestra. Tal maneira orientou a música dançante mais proeminente na chamada era Roosevelt. A onda do swing projetou-se vigorosamente fora do campo musical específico, refletindose amplamente no universo cultural norte-americano, na literatura, na imprensa e em Hollywood. Ocupando um lugar central na cultura norte-americana do período, o swing relacionou-se ao americanismo, que emergiu no contexto da Grande Depressão e dos anos da guerra. Para os historiadores do jazz230, o estilo configura uma fase de desenvolvimento dessa música, caracterizado por arranjos escritos e executados pelas grandes orquestras durante os anos de 1930 e 1940. Surge em Nova Iorque, importante centro, que congregava músicos vindos de diversas regiões do país, a exemplo de Chicago e Nova Orleans. Se, até o final dos anos 1920, o jazz era tocado com base no chamado “two beat jazz”, composto de duas batidas fortes, a partir daí, foi introduzido a “four beat jazz”, ou seja, os quatro tempos do compasso levam a batida regular, com o segundo e o quarto tempo levemente acentuados. Esse novo desenho rítmico, associado à formação de grandes conjuntos musicais, as big bands – 229

STOWE, David W., op. cit. Sobre as big bands e o swing na história do Jazz ver: BERENDT, Joachim E. O Jazz do Rag ao Rock. São Paulo, Perspectiva, 1975. Ver também, HOBSBAWM, Eric J. História Social do Jazz. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1990.

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238

compostas pelas sessões de instrumentos de sopro (basicamente três pistões, três trombones, quatro saxofones) e a base rítmica (piano, baixo, guitarra e bateria) – e a determinado padrão de arranjo orquestral criaram o novo estilo. Ele viria a influenciar em larga medida a música popular ocidental nas décadas de 1930 e 1940 e, mesmo, posteriormente. Aqui, swing diz respeito ao balanço, à pulsação, não só trabalhada pelos instrumentos de base, bem como pelos metais com o arranjo riff-still. Tal arranjo refere-se ao esquema de “chamadas e respostas” entre os diversos grupos do conjunto: pistões, saxofones e trombones. As sessões de instrumentos tendem a funcionar como uma espécie de engrenagem e a genialidade do arranjador está em produzir formas excitantes e criativas de misturar os instrumentos. A big band, uma invenção tipicamente norte-americana, recapitularia, segundo alguns historiadores, a idéia da “chamada e resposta” da Igreja Batista. Uma das personalidades centrais, que viria a definir o estilo musical das big bands, foi o pianista negro Fletcher Henderson. Entre 1920 e 1938, ele fundou e dirigiu inúmeras orquestras de dança. Exímio arranjador, sua linguagem instrumental de conjunto influenciou em larga medida o novo estilo, que eclodiu como fenômeno de massa e acabou por representar, através da música das big bands, o espírito de uma época. Os arranjos de Fletcher Henderson têm, quase literalmente, os saxofones e os metais respondendo uns aos outros. Sua importância no jazz é comparada à de Duke Ellington, também uma das referências da música produzida pelas big bands. Critico da maneira como a indústria do entretenimento havia se apropriado da linguagem jazzista, Ellington afirmava que o swing não era uma música, e sim um negócio.231 A explosão do swing como um fenômeno da cultura de massa nos EUA projetou, como grande celebridade nacional, o band leader, filho de judeus migrantes, Benny Goodman. Assíduo freqüentador do bairro negro novaiorquino Harlem e admirador de Fletcher Henderson, Goodman iria organizar uma orquestra de músicos brancos no início de 1930, mas para tocar o que ele considerava ser o jazz genuíno, ou seja, a música que vinha sendo praticada

231

Além da bibliografia citada, parte das informações sobre a ascensão da música das big bands baseouse no filme do documentarista norte-americano Ken Burns. O filme, intitulado Jazz Um Filme de Ken Burns, é uma produção da Forentine Films, Weta e BBC (2001), editado no Brasil em 2002 pela GNT & Som Livre, em formato DVD. Trata-se de uma série em quatro volumes, abordando a história do jazz de seus primórdios até 1990. Contém rica documentação de imagens, gravações, além de depoimentos dos músicos, críticos e historiadores.

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pela comunidade negra de Nova Iorque. Depois de alguns trabalhos em casas noturnas, sua orquestra é contratada, no ano de 1934, para fazer um programa de rádio na NBC (National Broadcasting Company). O programa intitulado Let’s Dance (“three solid hours of real dance music”) iria ao ar sábado à noite e teria três horas de duração. Tratava-se de um programa de música dançante, dividido em três sessões. As duas primeiras horas eram destinadas à música latina e sweet, sob a responsabilidade das orquestras de Xavier Cugat e Murray Kellner, e a terceira, que deveria cobrir a parte final, reservada aos temas mais rítmicos, hot. A questão era que a orquestra de Goodman não dispunha de um número suficiente de bons arranjos para atender essa parte do programa. A solução viria através da compra dos arranjos de Flecther Henderson. Visto que sua orquestra, em plena Depressão, passava por dificuldades, Henderson se dispõe a transferir seus arranjos para a orquestra de Goodman. Assim, pelas ondas da NBC, a música que animava os bailes no salão Savoy, do Harlem, começava a ser transmitida para todos os lares norteamericanos através da performance da orquestra de Benny Goodman. Composta por músicos de altíssimo gabarito, sua orquestra ganhou fama pela precisão, entonação e pelo ritmo contagiante com que pulsava o seu conjunto instrumental. Buscando ampliar a audiência, Goodman solicitou a Henderson arranjos para melodias populares, dessa forma, pretendia-se chegar o mais próximo possível dos temas com os quais o público já tivesse alguma familiaridade. Um desses arranjos refere-se à canção Blue Skies*, do compositor Irving Berlin. Interessante lembrar que a canção, interpretada por Al Jolson, compôs a trilha do filme O Cantor de Jazz (1927). Essa estratégia de trabalhar com arranjos, que faziam versões dos chamados standards, seria muito usada pelas diversas orquestras de swing. Em agosto de 1935, a orquestra, depois de excursionar em direção à costa oeste, triunfa junto a uma multidão de fãs em Los Angeles. O som do swing, que lançava suas raízes no jazz da década de 1920 e fora acalentado nos salões do Harlem, acabaria por se tornar, através de Goodman – The King of Swing –, a mania nacional dos EUA. Suas gravações alcançaram o primeiro lugar das paradas norte-americanas, como por exemplo, King Porter Stomp* escrita e arranjada por Fletcher Henderson. Vale dizer que, em plena

* Anexo – CD das músicas selecionadas.

240

Depressão, o swing impulsionou o mercado de disco norte-americano, tornando-se responsável por uma fatia de setenta por cento das vendagens da indústria fonográfica. O fenômeno musical, que consagrou Goodman como uma celebridade da cultura norte-americana, tal qual analisa Stowe, somente poderia ter ocorrido no âmbito das novas tecnologias e organizações industriais que haviam surgido nas primeiras décadas do século, particularmente nos anos de 1920. É certo que os EUA viviam um momento privilegiado de sua criação musical, bem como da qualidade de seus músicos: havia excelentes instrumentistas e repertório para as orquestras trabalharem. No entanto, a presença dos veículos de comunicação de massa foi de importância fundamental para o advento swing e das big bands. O cinema232 e a imprensa tiveram um papel significativo na sua popularização. Mas foi, sobretudo, o rádio, transmitindo diretamente dos clubes, dos salões de baile e dos hotéis onde as orquestras se apresentavam, o meio impulsionador das big bands e do swing como um fenômeno de massa. Hobsbawm analisa a ascensão do jazz na cultura norte-americana do período, mostrando como o swing estava muito mais próximo à genuinidade da arte jazzista – mesmo que sua moda fosse embalada pelos lucros da indústria do entretenimento – do que estivera a música comercial dos anos 1920. Nessa década, uma efusão altamente diluída de jazz apresentou-se na música pop, emprestando sua síncope para compor o estilo dançante. Na época, o jazz genuíno teria pouco impacto sobre o público branco. Com a Depressão, o espaço para a arte do jazz restringiu-se ainda mais, no entanto, a onda do swing colocou o jazz no centro da cultura musical. Se a Depressão quase exilou o jazz autêntico dos EUA, o país foi reconquistado, de maneira triunfante, em meados da década de 30. Entre 1935 e 1940, a música pop mais uma vez capitulou frente ao jazz (agora denominado swing), como acontecera em 1914-1920. Além disso, o jazz ao qual ela cedeu estava muito mais perto do jazz autêntico do que quando 232

Como já mencionamos, Hollywood através dos chamados shorts movies registrou as performances das big bands. Elas também participariam nas comédias musicais e, nos anos 1950, os estúdios hollywoodianos se encarregariam de produzir filmes biográficos sobre os seus band leaders. A orquestra de Benny Goodman participou de vários filmes, entre eles: The Big Broadcast of 1937; Hollywood Hotel (1938). Entre 1942 a 1944 atuou nas seguintes produções: The Powers Girl, Stage Door Canteen, The Gang’s All Here, Sweet and Lowdown e Make Mine Music. Em 1948, aparece no filme A Song Is Born. No ano de 1955, Goodman é celebrado por Hollywood com The Benny Goodman Story. Cf. Gigantes do Jazz: Benny Goodman. São Paulo, Abril Cultural, s/d. e The Oficial Site of Benny Goodan – The King of Swing, http://www.bennygoodman.com/index.php.

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líderes de orquestras ansiosos colocavam alguns saxofones atrás de partituras, usavam síncope e tocavam Danúbio Azul como se fosse Danúbio Azul Blues. Na verdade, a música pop adotou, quase que totalmente, as técnicas e os arranjos instrumentais elaborados pelos músicos negros e, especialmente, pelas big bands negras, nos anos 20.233

Segundo o autor, a diferença entre a orquestra hot de Benny Goodman e a orquestra sweet comum, infiltrada de jazz híbrido, era menor em 1935 do que anteriormente. A música representada pela orquestra de Benny Goodman tornou-se um fenômeno de massa, triunfando junto aos mais diversos públicos. Praticamente, o swing havia diluído as fronteiras de classe. Se, no ano de 1937, ele leva o público jovem ao delírio no Paramount Theater de Nova Iorque, cujo ingresso foi cotado a preços bastante acessíveis, no ano seguinte, em janeiro de 1938, o swing adentrava a casa de espetáculos mais solene da cidade, o Carnegie Hall. Na platéia, músicos eruditos, críticos, freqüentadores de concerto em traje de gala ficariam eletrizados com a síncope do jazz de Benny Goodman. O feito ganha uma conotação singular na história da cultura norte-americana. Coube a Benny Goodman liderar o primeiro ato de reconhecimento “oficial” do jazz, celebrando o seu triunfo no espaço sagrado da alta cultura burguesa. O programa do concerto fora organizado de modo que o repertório percorresse a história do jazz. Além dos músicos da orquestra de Goodman, tomaram parte na apresentação personalidades negras, como os pianistas Count Basie e Teddy Wilson, o vibrafonista Lionel Hampton e o saxofonista Lester Young, entre outros.234 Na análise de David W. Stowe, o concerto legitimou o swing como uma espécie de ponte cultural, ligando os setores mais amplos da sociedade norte-americana. Ficava provado que o swing e seus ídolos não conheciam classes, nem idade e nem fronteiras. Nesse sentido, a nova música das big bands era a expressão do nacionalismo e populismo do New Deal da era Roosevelt. Não entendido como o conjunto de medidas legislativas e a estruturação de agências governamentais, mas compreendido como um movimento cultural mais amplo.

233 234

HOBSBAWN, Eric J., op. cit., p. 76. Cf.Gigantes do Jazz: Benny Goodman. São Paulo, Abril Cultural, s/d, p. 10.

242

O swing fez mais do que simbolizar esse movimento. Ele participou diretamente dele. O swing foi a expressão musical proeminente do New Deal: uma forma cultural “do povo”, acessível, inclusive, notadamente democrática, ou seja, notadamente americana. Como a política de Franklin Roosevelt, o swing proporcionou o terreno ideológico para a inclusão étnica e regional, numa escala que não há precedentes na história americana. Ele emergiu numa cultura definida pelos choques e deslocamentos, dividida pelos impulsos de competição que iam numa direção do radicalismo político e conservadorismo social. O swing refletiu esses choques e, tal como evoluiu no final dos anos quarenta, auxiliou a mitigá-los, produzindo, nesse processo, um tipo diferente de cultura americana. Para os seus proponentes, o swing foi tanto a prova, como a causa de uma sociedade que crescia cada vez mais igualitária e progressista. 235

Em maio de 1938, as orquestras de swing reuniriam uma platéia de mais de vinte mil pessoas, brancos e negros, em um estádio, em Nova Iorque, para um espetáculo ao som das mais famosas big bands daquele momento. Tal qual aconteceria com os grupos de rock-and-roll, décadas mais tarde, a popularidade das orquestras aglutinava grande contingente de público, além de alimentar a celebridade de seus músicos e, sobretudo, dos seus band liders. Eles eram cultuados pelos fã-clubes, pelos programas de rádio, pelos filmes de Hollywood e pela imprensa. Quando eclodiu a Segunda Guerra Mundial, os heróis do swing, comenta Stowe, foram pressionados para o esforço de guerra. Assim, emprestaram suas imagens para impulsionar a venda de bônus, transformando, semi-oficialmente, sua música para levantar o moral das tropas militares espalhadas pelo mundo e dos trabalhadores domésticos da indústria de guerra. Alguns, como Glenn Miller, além de heróis do swing, iriam se transformar, pela maneira como transcorreu a sua participação na guerra, em verdadeiros heróis nacionais.

235

STOWE, David W., op. cit., p. 13.

243

Fig. 114 Benny Goodman, no Carnigie Hall, em janeiro de 1938. A consagração do Swing no templo da alta cultura burguesa norte-americana.

Fig. 115 Lester Young, integrante daquela que foi a sensação do Carnival of Swing, a orquestra de Count Basie, em maio de 1938. O festival era a prova de que o swing havia se consagrado como a alma da nação.

244

Fig. 116 O ritmo do swing contagia o público no Carnival of Swing – Randall's Island Stadium - NY, maio de 1938. Vinte e quatro mil pessoas, entre negros e brancos se confraternizaram, embaladas pelo som das big bands.

Fig. 117 O clarinetista Artie Shaw participa com sua orquestra em um concerto dentro de um porta-aviões no Pacífico sul, 1943. Um dos band leaders mais críticos sobre a forma como a indústria da música havia transformado o swing num grande negócio. Sua orquestra consagrou-se com a gravação Begin the Beguine* do compositor Cole Porte. *

Anexo – CD das músicas selecionadas.

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Glenn Miller: o mito da era das big bands

Fig. 118 Filme Quero Casar-me Contigo (Sun Valley Serenate ) -1941

Muitas orquestras projetaram-se na cena musical norte-americana na esteira do sucesso de Benny Goodman. Cultuadas nos EUA, elas conquistaram a música popular no mundo ocidental. Algumas tocavam pouco jazz, dando destaque aos seus cantores, como forma de cativar o público, mas todas se propunham a uma música dançante. Elas surgiram em grande número, tanto orquestras de músicos negros, quanto aquelas formadas por músicos brancos. Alguns band leaders ousaram uma formação mista, como é o caso da orquestra de Artie Shaw que chegou a ter como cantora Billie Holiday. Mas a tônica não era misturar as etnias, e o grande sucesso comercial da era das big bands foi logrado pelas orquestras brancas, como as orquestras de Benny Goodman, Tommy Dorsey, Jimmy Dorsey, Harry James, Les Brawn, Stan Kenton e Glenn Miller, entre outras. É importante dizer que as orquestras de grande sucesso nos anos 1920 adentraram a década de trinta no cenário dominado pelo novo estilo das big bands. É o caso de Paul Whiteman, uma das mais populares dentro da linguagem do jazz híbrido, tal qual analisa Hobsbawm, como também da orquestra de Guy Lombardo e Fred Waring. Sobre essas duas últimas, cujo estilo era predominantemente sweet e de grande apelo comercial, pode-se

246

dizer que, no começo dos anos de 1930, elas já incorporavam alguns elementos de arranjo que as diferenciavam do período anterior. A novidade, tal qual apontavam alguns críticos da época, ficava por conta da construção de uma arquitetura musical diferente: “um jazz de luxo – romance com aura dourada e o sibilo da era do automóvel [...] Sublinhando a melodia ao invés do ritmo, alguma coisa não apenas para despertar os pés, mas também para tocar o coração.” 236 As orquestras buscaram, através de seus arranjos e performances, criar uma identidade própria.237 Por exemplo, o trombonista Tommy Dorsey era anunciado como o cavalheiro sentimental do swing. Ele havia transformado o trombone em um instrumento de canto. A singularidade estava em usar um instrumento de base como instrumento de canto e, assim, executar melodias nele. Segundo os críticos, a orquestra de Tommy Dorsey tanto podia ter uma performance ótima com arranjos de jazz (hot) ou apenas manter-se como uma orquestra pop que tocava melodias sentimentais. No que diz respeito a Glenn Miller238, a particularidade do som de sua orquestra, timbrado como uma romântica música dançante, ajudou a projetá-la como o grande sucesso da época. A fórmula consistia na maneira como Miller harmonizava os quatro saxofones com o clarinete. Essa sonoridade singular era obtida com o clarinete tocando a linha melódica juntamente com o sax tenor, enquanto os três outros saxofones criavam a base harmônica. Tal modelo de arranjo foi a chave dos seus maiores sucessos. A orquestra de Glenn Miller acabaria por ocupar o centro da onda musical da era das big bands. Seus arranjos comportados e sua música romântica deram o tom mais popular do período em que as grandes orquestras impuseram-se na cultura musical pop do ocidente. Glenn Miller iniciou a carreira em 1926, como trombonista de uma orquestra de dança. Em 1934, é contratado pelos irmãos Dorsey e, nos próximos anos, irá integrar outras orquestras como músico e arranjador. No ano de 1937, funda sua própria orquestra. Dois anos depois, era o bandleader mais proeminente do país. A 236

STOWE, David W., op. cit. p. 8. Cf. DANCE, Stanley. The World of Swing. An Oral History of Big Band Jazz. Cambridge, MA, Da Capo Press, 2001 238 SIMON, George Thomas. O inesquecível Glenn Miller e sua orquestra. São Paulo, Fermata do Brasil, 1979. pp. 95 e 96. 237

247

partir daí, suas gravações atingiriam enorme sucesso, não só nos EUA como em todo mundo ocidental. Músicas como Moonlight Serenade*- Miller (1939); In the Mood* – Garland, Razaf (1939); Star Dust* - Carmichael, Parish (1940); Tuxedo Junction – Dash, Feyne, Hawkins (1940); Pennsylvania 6:5000 – Finegan, Gray, Sigman (1940); Chattanooga Choo Choo – Gordon, Warren (1941); Perfídia – Dominguez (1941); A String of Pearls* – DeLange, Gray (1941); I’ve got a girl in Kalamazoo – Gordon, Warren (1942); Always In My Heart* – Lecuona (1942); American Patrol – Meacham (1942); Serenade in Blue* – Gordon, Warren (1942), entre inúmeras outras, tornaram-se a referência do som da era das big bands. A canção In The Mood foi um dos hinos mais populares do swing e da Segunda Guerra Mundial. A ascensão de Glenn Miller simboliza o quanto a “máquina do swing” teve suas engrenagens articuladas a um dos esquemas mais bem sucedidos da indústria da música. Nesse ponto, o comentário de Duke Ellington, de que o swing expressava um negócio e não uma música, é muito relevante. O próprio Miller, além de tocar “excelente” música de dança estilizada, administrava sua orquestra dentro dos mais rígidos conceitos empresariais. Desde a confecção dos arranjos, o figurino dos músicos, a contratação dos cantores, o gestual no palco, entre outros aspectos, eram calculados com vistas ao sucesso comercial. Detalhes como o corte de cabelo correto, a mesma quantidade de branco saindo do bolsinho do paletó de cada um dos integrantes da orquestra etc. eram minuciosamente supervisionados pelo band leader. A ênfase recaía completamente no comercialismo, a linha era mantida em tudo: dos sapatos ao corte do cabelo dos músicos e, evidentemente, em suas performances. Com isso, a característica espontaneidade do jazz e os espaços de improvisação e criação foram cerceados, tal era a queixa de muitos músicos que integraram a a orquestra de Glenn Miller.

239

Ou seja, a questão não se reduzia a um

conceito de elegância do figurino dos seus músicos que, aliás, marcava as big bands. As orquestras primavam por uma imagem impecavelmente moderna e elegante, cuja tradição remonta ao visual dos músicos das bandas de hot jazz dos anos 1920, que procuravam se distinguir de músicos mambembes e

* Anexo – CD das músicas selecionadas. 239 Cf. SIMON, George Thomas, op. cit.

248

clowns.240 Mas, a racionalidade de um sistema que, organizado em torno das big bands norte-americanas, envolveu: agências publicitárias; estações de rádio; estúdios de cinema; gravadoras; indústrias e operadoras de juke box; e a imprensa a favor do sucesso comercial de sua música. O domínio da cultura musical do swing pela poderosa indústria do entretenimento norte-americana teve, na orquestra de Glenn Miller, o seu retrato mais emblemático. Alguns exemplos explicitam as estratégias operadas pelos mecanismos que fizeram da orquestra de Glenn Miller o maior ícone da era das big bands. Em apenas três anos, entre 1939 e 1942, a orquestra angariou surpreendente popularidade e sucesso comercial. Em 1939, emplacava nas paradas musicais dos EUA dezessete canções, onze em 1940 e 1941, incluindo as clássicas In the Mood, A String of Pearls, Little Brown Jug e Moonlight Serenate. No final de 1939, Miller é contratado para um programa de rádio que ia ao ar três vezes por semana, pela rede Columbia Broadcasting System. Intitulada Moonlight Serenade, a série contava com o patrocínio dos cigarros Chesterfield. “Você fuma o cigarro que satisfaz?“ Era assim que a voz de Paul Douglas começava o programa de rádio de Glenn Miller, Monlight Serenade, para os cigarros Chesterfield, às terças, quartas e quintas pelo inteiro sistema da Columbia Broadcasting. [...] a série era o clímax da meteórica ascensão da orquestra que tinha começado há pouco mais de meio ano.241

Segundo o biografo de Glenn Miller, George Thomas Simon, o band leader sempre se assegurou de que seus músicos fumassem Chesterfield, mantendo, assim, um relacionamento de alta fidelidade com o seu patrocinador. O programa na CBS multiplicou a popularidade do maior ídolo da música norteamericana desse período. Depois do rádio e das gravações, foi a vez de Hollywood. Em 1941, a orquestra estreou no filme Sun Valley Serenade (Quero Casar-me Contigo), cuja trilha sonora deu a Miller uma das maiores vendagens de discos da época, a canção Chattanooga Choo Choo, com mais de um milhão e duzentas mil cópias vendidas. Na esteira do sucesso do primeiro filme, um ano depois, chegava aos cinemas Orchestra Wives (Serenata Azul). 240 241

STOWE, David W., op. cit. p. 45. SIMON, George Thomas, op. cit. p. 163.

249

Nesse filme e no anterior, ambos produzidos pela Twentieth Century Fox, Glenn Miller e a orquestra interpretam uma parte central da história. Tal opção era pouco usual nesse tipo de produção, uma em vez que as big bands eram usadas como enfeites musicais. Novamente, a trilha impulsionou o sucesso de duas gravações: Serenade in Blue – usada para compor o título do filme no Brasil – e I’ve Got a Gal in Kalamazzo. Em São Paulo, Serenata Azul fora referendado com atributos qualitativamente superiores às películas rodadas ao som de uma orquestra de jazz, com muito fox e blues. Pois, como sublinhou a crítica, a participação de Glenn Miller e sua orquestra no filme, por si só, era a garantia de um bom espetáculo para qualquer público. Temos aí um claro indício do fenômeno Glenn Miller e de sua assimilação pelo público brasileiro. Por aqui, a presença da cultura musical das big bands, embalada pelo ritmo do swing e pela sonoridade dos seus timbres, teve, na estampa dos arranjos da música romântica e estilizada de Glenn Miller, a referência mais proeminente. Na primeira metade dos anos 1940, suas gravações, a despeito das outras orquestras, comparecem entre as músicas estrangeiras de maior sucesso no Brasil. Quando entrei na sala do Bandeirantes, ontem, estava certa de ir assistir a um filme musicado, como a generalidade dos filmes rodados ao som de uma orquestra de jazz: com muito fox e muito “blues”, mas falho de cinema e pobre de “espírito”. No entanto, que surpresa! “Serenata Azul”, evidentemente, é uma fita muito musicada. Nem poderia deixar de sê-lo, pois, os títulos, o original e o nacional, sugerem melodias inesquecíveis... Mas a questão é que foi musicado por Glenn Miller, que também se incumbiu de parte da interpretação, com todo seu notável “jazzband”. Só isso tornaria o filme que está sendo passado no cine Bandeirantes irresistível chamariz para qualquer público. Mas esse filme tem mais atrativos. Tem um argumento “chamativo”, com uma trama amorosa das mais gostosas. [...] E já que se trata de uma “Serenata”, destaquemos também os números executados pelos disciplinadíssimos “boys” de Glenn Miller: “I’ve got a girl in Kalamazoo” e o batido, mas sempre em voga

250

“Chattanooga Choo Choo”. Em tudo e por tudo, “Serenata Azul” é um filme bom. 242

A apresentação do filme tem como música de fundo Moonlight Serenate. Começa a primeira cena, a câmara nos leva a um estúdio de gravação. Nesse cenário, a orquestra, de forma bastante descontraída, se movimenta, os músicos estão afinando seus instrumentos e se aquecendo; detalhe: a maioria está fumando. Eles executam os primeiros compassos de Chattanooga Choo Choo. Aos poucos, começam a tomar suas posições no tablado, a câmara passeia pelo ambiente até enquadrar o pianista. Fixa agora um quadro: o piano; o seu executor em pé, à esquerda, e, um pouco mais ao fundo, o guitarrista. Ao lado e justaposta ao piano, uma cadeira, onde o músico deixou o seu blazer e, sobre o acento da cadeira, uma garrafa de refrigerante. Lentamente, Glenn Miller adentra o quadro. Ali permanece por alguns instantes. Trata-se, é certo, de uma mensagem publicitária subliminar. O bandleader sabia exatamente o quanto sua música e o que ela significava junto ao público poderiam agregar de valor aos produtos dos seus patrocinadores. O cigarro que os músicos estavam fumando na cena, não resta dúvida, era Chesterfield e o refrigerante que bebiam, Coca-Cola.

Fig. 119 Cena do filme Serenata Azul. No quadro o detalhe da publicidade subliminar da Coca-Cola e dos cigarros.

242

C. Serenata Azul (Orchestra Wives) – No Bandeirantes. O Estado de S. Paulo, 04.07.1943, Cinema, p. 29.

251

Fig. 120 Cena do filme Serenata Azul. Glenn Miller adentra a sala de gravação e se posiciona na frente do piano.

Tanto a Coca-Cola quanto o cigarro Chesterfield não eram apenas os patrocinadores do empreendimento Glenn Miller. Tais signos, desde a década de 1920, patrocinaram os símbolos clássicos do modo de vida norteamericano. Nesse sentido, tal qual a “orquestra de jazz: com muito fox e muito blues” e os filmes de Hollywood, eles irão compor aquilo que o imaginário da época nomeou como representação de um ideal de civilização moderna. A música de Glenn Miller fertiliza e é fertilizada dentro desse campo. A arquitetura musical de suas canções imprime certas imagens sonoras que serão apropriadas pela recepção no âmbito da construção de uma experiência singular de modernidade. Experiência essa produzida dentro de um campo de forças sociais particularizado por determinado contexto histórico-social. Aliás, seu texto só adquire sentido exatamente nesse processo. A música de Glenn Miller, imprimindo efeitos sonoros, através de combinações de arranjos bem comportados que sobrepunham a harmonia ao ritmo, ajustava-se bem à metáfora aludida às orquestras sweet do início dos anos 1930 que adotaram fórmulas de arranjos mais modernos. Aquelas, cujo

252

jazz híbrido fora denominado jazz de luxo. Um romance com aura dourada, uma música dançante, mas, sobretudo, feita para “tocar o coração”. Tal estética musical, se por um lado encontrou em Glenn Miller sua expressão mais bem sucedida; por outro, quando comparada às sonoridades de outras orquestras, como, por exemplo, a de Guy Lombardo, os arranjos e performances de Miller soaram mais modernos. Sua música estava mais próxima, mesmo que diluída, da estética jazzista praticada por Benny Goodman e Artie Shaw. Segundo a crítica, para os que não se identificavam nem com Benny Goodman ou Duke Ellington, expressões da modernidade do jazz, havia Glenn Miller. As produções da Twentieth Century-Fox enfatizaram o acabamento estético e a glamorização da imagem da orquestra Glenn Miller. Nesse ponto, a crítica do jornal O Estado de S. Paulo tinha razão. O tratamento dado aos filmes nos quais a orquestra atuou foram dignos de uma produção hollywoodiana de alta classe. A orquestra e seu bad leader ocupavam o lugar de astros e não de meros coadjuvantes incumbidos da música de fundo. Os argumentos giravam em torno deles e procuravam dar à narrativa um sentido “verdadeiro”. Dessa forma, as cenas dos números musicais compreendem ambientações onde a orquestra poderia realizar de fato suas performances. Essa moldura “realista” intermediava a identificação do público com o seu ídolo. Vale dizer que a produção primou pela direção, iluminação e fotografia da orquestra, emoldurando sua música em cenários que realçavam o “bom gosto” e a sofisticação. Enfim, o material fílmico buscava galvanizar o glamour das imagens sonoras subscritas pela estética Glenn Miller, imprimindo um retrato moderno e elegante de sua música, associado à imagem de uma orquestra que sugeria moderação e sobriedade. Nesse ponto, estamos longe da celebração do swing produzido por orquestras como as de Count Basie e Chick Webb, entre outras, cuja estética musical garantia uma pulsação rítmica que instigava os dançarinos a ousarem em suas coreografias. Tal qual analisa Hobsbawm, os aficionados do swing, “era[m] um público dançante, porém com uma diferença, pois os movimentos atléticos e acrobáticos que a música suscitava

253

(jiving, jitterbugging) eram mera liberação de energia sexual por meio do ritmo, em lugar de buscar desculpas para antegozar carícias sexuais.”243 Em Sun Valley Serenade (Quero Casar-me Contigo), desde a apresentação do filme, com as silhuetas dos músicos servindo de fundo para o letreiro, percebe-se como Hollywood realçou a aura do glamour que embalava o sucesso de Glenn Miller. A primeira seqüência nos leva a uma audição numa sofisticada agência do music business. Ali a orquestra disputará a contratação para uma temporada num hotel em Sun Valley (uma estação de esqui). A idéia não é apenas convencer o empresário, mas também uma famosa cantora já contratada para as apresentações no hotel. Os músicos organizam-se na sala e tem início a audição. Após alguns compassos do tema Moonlight Serenate, o público já pode saber que o filme promete “músicas inesquecíveis”. Todos estão embevecidos e a famosa cantora foi cativada pela orquestra de Glenn Miller. Então os músicos dão início a uma outra melodia e passam a acompanhar suavemente a canção I Know Why (Gordon, Warren) – interpretada pela cantora Lorraine Elliott e pelo conjunto vocal Modernaires. Obviamente, a orquestra é aprovada no teste e vai embarcar para o hotel em Sun Valley. Antes, porém, os músicos devem cumprir alguns compromissos em Nova Iorque. É a vez do tema In The Mood sustentar o número musical que será ambientado no terraço de um elegante hotel, em Manhattam. Os primeiros acordes de In The Mood, símbolo da era das big bands, mesclam-se à visão noturna do skyline da metrópole nova-iorquina. A fusão dessa imagem, tão emblemática do cosmopolitismo da civilização moderna, com a música de Glenn Miller projeta-se como uma espécie de síntese de um ideal de modernidade. Lembremo-nos de Monteiro Lobato que, seduzido pelo foxtrote e extasiado com a visão que a cidade de Nova Iorque lhe inspirava, vislumbrou, nesse contexto, a imagem do progresso da civilização. É relevante que, nas duas seqüências aqui abordadas, a música da orquestra associa-se ao hotel, portanto, temos aí uma alusão à “viagem e ao baile”, tal qual nos sugere Krakauer, ao analisar a relevância do fenômeno da dança e da viagem na sociedade burguesa moderna: “Hoje a sociedade chamada burguesa se realiza no desejo de viajar e bailar com um entusiasmo

243

HOBSBAWM, Eric. op. cit. p. 77.

254

muito maior do que foi mostrado por essas práticas profanas em qualquer época. Seria demasiado fácil atribuir estas paixões espaço-temporais ao desenvolviemento do trasporte ou compreendê-las em termos psicológicos como conseqüência do período pós-guerra. Mesmo que essas indicações possam ser corretas, não explicam, nem a forma particular, nem o sentido específico que essas duas manifestações da vida tomaram no presente.”244

Fig. 121 Apresentação do filme Sun Valley Serenate (Quero Casar-me Contigo). As silhueta dos músicos projetadas em um fundo branco. Todo o tratamento estético dado a essa produção cinematográfica realçava a aura do glamour em torno da orquestra de Glenn Miller. Essa mesma iluminação, jogando com o efeito das sombras, repete-se na apresentação de In The Mood.

244

KRACAUER, Siegfried, op. cit. p. 187.

255

Fi g. 122 A representação por excelência do cosmopolitismo moderno condensada na visão noturna do skyline da metrópole nova-iorquina. Tal imagem aparece mesclada como os primeiros acordes de In The Mood. Filme Quero Casar-me Contigo (Sun Valley Serenate) - 1941.

Fig. 123 A fusão da imagem da cidade com a cena da performance da orquestra no terraço de um elegante hotel em Manhattam. A orquestra executa In The Mood. Filme Quero Casar-me Contigo (Sun Valley Serenate) – 1941.

256

Fig. 124 A orquestra executa In The Mood. Um dos maiores sucessos de Glenn Miller e que se tornou a marca da era do swing, pelo menos em sua versão mais comercial. Os casais dançam ao lado da orquestra. Filme Quero Casar-me Contigo (Sun Valley Serenate) – 1941

Fig. 125 A orquestra executa In The Mood. Arranjos bem comportados, a moderação da orquestra e da coreografia dos casais na ambiência sofisticada do salão do hotel. Os casais dançam ao lado da orquestra. Filme Quero Casarme Contigo (Sun Valley Serenate) -1941.

257

A música de Glenn Miller, tal qual aludimos em relação ao foxtrote, encarnou o mito da civilização moderna norte-americana, o paradigma do progresso que referenciava, em nosso imaginário, um projeto de modernidade a ser conquistado. Cabe assinalar que o fenômeno de sua popularidade estava diretamente ligado aos acontecimentos históricos da Segunda Guerra Mundial. Quando, no contexto da ascensão do fascismo e do engajamento direto dos EUA na guerra, a nação demandou patriotismo e nacionalismo, a celebridade dos band leaders e de suas orquestras, juntamente com a popularidade de sua música, até então cultuada pelo music business, foram instrumentalizadas pelo esforço de guerra do governo norte-americano. Não por acaso, Glenn Miller, alistando-se na aeronáutica, organiza uma orquestra, cujo intuito era fortalecer o moral dos jovens soldados e ao mesmo tempo afirmar o americanismo frente à difusão da ideologia fascista. Afinal, como disse Benny Goodman: “Um homem que improvisa com um instrumento musical está se valendo da mesma liberdade exercida por um editor que edita suas próprias idéias, ou do arquiteto que joga fora idéias do passado e constrói uma casa de vidro.”245 Em setembro de 1942, o band leader organiza a “Glenn Miller Army Force Band”. Seu intuito era patrocinar uma música moderna, a altura do interesse dos jovens norte-americanos, pois, se o exército dos EUA vangloriava-se da modernidade de seus armamentos, o mesmo não poderia ser dito em relação às bandas militares. Ali a música era pautada pelo conservadorismo e seus arranjos continuavam os mesmo do século XIX. Dentro desse conceito, a orquestra militar de Glenn Miller realizou gravações de marchas militares com uma nova roupagem, que atribuía a essas composições a síncopa e os timbres do seu swing, a exemplo da emblemática gravação

de

American

Patrol

(Meacham).

Além

disso,

a

orquestra

reponsabilizou-se pela produção de uma série radiofônica. Como afirmou Glenn Miller, tais programas, voltados para os homens em farda e irradiados regularmente, “porá mais elasticidade nos pés que marcham e um pouco mais de alegria em seus corações.”246 Em 1943, a Glenn Miller Army Force Band é enviada ao “front”. A orquestra embarcou para a Inglaterra para uma série de apresentações nos 245 246

Citado por STOWE, David W., op. cit. p. 73. Citado por SIMON, George Thomas, op. cit. p. 267.

258

acampamentos militares e teatros em Londres, além de realizar programas de rádio pela BBC. Em dezembro de 1944, já no final da guerra, a orquestra assume o compromisso de excursionar durante seis semanas pela França. O band leader, no intuito de organizar as apresentações da Glenn Miller Army Force Band, tomou um avião na Inglaterra com destino à Paris. Ele pretendia chegar dias antes para organizar os detalhes das apresentações. No entanto, seu avião desapareceu no Canal da Mancha e o seu corpo jamais foi encontrado. Segundo o historiador David W. Stowe, Glenn Miller, mais do que qualquer outro, exemplificou a maneira pela qual os componentes da indústria do swing interagiram para promover a figura dos band leaders. “O sucesso de Glenn Miller dos tempos da guerra, capitalizado por seu desaparecimento no Canal da Mancha em 1944 e imortalizado pelo filme The Glenn Miller History (1954) de James Stuart, tornou Miller um ícone nacional. Trata-se de um exemplo bem sucedido de articulação da cultura popular com patriotismo.” 247 A “Música Moça e Moderna”: o culto das big bands no Brasil O culto de Glenn Miller e da cultura musical das big bands ganhou enorme prestígio no Brasil. Inúmeras produções hollywoodianas e uma série de programas de rádio difundiram entre nós valores e representações embalados nos ritmos das grandes orquestras. Nesse sentido, era a reedição da “onda sonora”, intuída por Guilherme de Almeida, quando da inauguração do cinema “falado”. Ao analisar o desenvolvimento da fotografia e do cinema na história do Ocidente, Paul Virilio coloca a tecnologia da imagem no centro do poder bélico. A vitória na guerra passa tanto pelo campo de luta, como pelo campo das imagens. Se a logística da guerra articula-se ao “poder-mover”, não menos importante é o “poder-comover”. O triunfo norte-americano no contexto da Primeira e Segunda Guerra Mundial é tributário do agenciamento logístico de um aparato de produção e gerenciamento da informação e da imagem. Simbolicamente, diz Virilio,

247

STOWE, David W. op. cit. p. 119.

259

O logotipo da RKO [um desenho que alude à torre Eiffel sobre o globo terrestre, emitindo sinais de radiodifusão] mostra uma enorme torre, que já não é construída para “impressionar o mundo” por suas dimensões, mas para cobrir com mensagens o globo por ela dominado. À logística das imagens (fotográficas, cinematográficas), a guerra acrescenta a logística dos sons e, logo depois, uma logística musical, graças à exploração dessa “radiofonia popular”, que conheceria um desenvolvimento considerável entre as duas guerras mundiais, com o surgimento dos grandes auditórios e das transmissões públicas. De Roses of pecardie (1914) a Lily Marlene (1940) e Glenn Miller – que se tornará um dos patronos desta logística musical, e teria um fim misterioso.248

O cinema e o rádio foram os meios de difusão do estilo das grandes orquestras. Mas vale dizer que as big bands reafirmaram os traços de uma cultura musical presente entre nós desde os anos 1920, tanto no que diz respeito ao foxtrote, como em relação aos chamados standards, tematizados por seus arranjos. Por exemplo, podemos citar a canção Star Dust (Hoagy Charmichael – 1927). Ela, um tema popular desde o final dos anos 1920, praticamente será gravada por todas as big bands, no final dos anos 1930 e ao longo da década de 1940. Não menos importante é o fato de que o estilo big band padronizou os arranjos dos diversos gêneros musicais que circularam no período. Mesmo que, em suas letras, alguns compositores dispensassem a orquestração: Para eu cantar um samba / Não precisa orquestração / Gosto mais de uma cuíca, um cavaquinho / Um pandeiro e um violão...249, o fato é que todas as gravadoras e as rádios dispunham de uma orquestra, e a figura do arranjador foi extremamente relevante na configuração de certa estética e difusão de um gosto musical influenciado, em larga escala, pelas orquestras norte-americanas. O maestro da Rádio Nacional, Radamés Gnattali é, com certeza, o arranjador de maior prestígio no período e responsável por ajustar o modelo orquestral da música popular brasileira aos padrões modernos, referenciados na cultura das big bands. Um dos seus programas mais populares, difundidos em cadeia nacional, intitulado Um Milhão de Melodias, tinha o patrocínio da Coca-Cola. Tamanha popularidade da série, que 248 249

VIRILIO, Paul. Guerra e Cinema: logística da percepção. São Paulo, Boitempo, 2005. pp. 55 e 56 Samba Rasgado (Portello Juno e Wilson Falcão), gravado por Carmem Miranda em 1938.

260

permaneceu no ar durante as décadas de 1940 e 1950, lhe valeu o apelido de maestro Coca-Cola.

250

Uma vez por semana, o locutor anunciava: “Coca-Cola,

a bebida da família e da cordialidade, cumprimenta sua distinta platéia ao iniciar o seu show com a grande Orquestra Brasileira, exclusiva de Coca-Cola, sob a regência e arranjos de Radamés Gnatalli [...] Coca-Cola, o refresco favorito de milhões de pessoas no mundo inteiro... pura, viva deliciosa e borbulhante. “251 Como afirma Hobsbawm, a Segunda Guerra foi a guerra do noticiário radiofônico. Pelo rádio, o público pode acompanhar “num relato fiel e diário” a “a marcha da guerra”, tal era o anúncio da série de programas que transmitia o desenrolar dos acontecimentos da guerra pelas emissoras paulistas. Vale lembrar aqui o “Repórter Esso”, programa da Rádio Nacional, criado em 1941 para dar notícias do conflito e que fez escola no radiojornalismo brasileiro. Mas, juntamente com a “logística” da informação, o rádio articulou-se a uma “logística musical”. Programas como Rodas de Ritmos, patrocinado pela Goodyear da Rádio Difusora, ou Alô Amigos, da Rádio Excelsior, eram verdadeiras vitrines da música norte-americana. Alô Amigos, além das orquestras, também contava com a presença de cantores e mesmo dos astros do cinema hollywoodiano.

Fig. 126 A espontânea homenagem musical à América Latina, prestada pelas estrelas e astros do cinema e do rádio e pelas mais famosas orquestras dos Estados Unidos. O Estado de S. Paulo, 17.06.1943. p. 2

250

De acordo com o próprio depoimento de Radamés Gnatalli. In: Assim Era o Rádio – Série Depoimentos. Rio de Janeiro, Collector S. Editora Ltda, s/d. (gravação em fita k7) 251 Assim Era o Rádio – Um Milhão de Melodias. Rio de Janeiro, Collector S. Editora Ltda, s/d. N º 01. (gravação em fita k7)

261

Interessante observar que, desde os primeiros anos da década de 1930, quando o avanço técnico permitiu ao rádio uma potência de difusão global, o veículo passou a ser anunciado como um meio distinto por possibilitar a recepção direta de informação e música dos EUA. Pelo menos, assim se anunciavam os rádios fabricados pela RCA, tal qual podemos ver na publicidade abaixo. Música e informação sobre variados assuntos – finanças, ciência, moda e cultura em geral – e mesmo os discursos do Presidente Roosevelt eram transmitidos com “a perfeição do som que caracteriza todos os aparelhos da RCA Victor”. Dessa forma, o rádio possibilitava aos ouvintes um contato direto com “a voz que nos chega do grande país dos arranha-céus, com sua música moça e suas canções modernas”, conforme afirmava o anúncio a seguir.

Fig. 127 Encurtando as distâncias, a maravilha da ciência nos coloca em contado direto com a informação e a música “moça e moderna” que nos chega da América do Norte. Correio

Paulistano,

28.07.1934. p. 04

262

Inúmeros filmes produzidos por Hollywood traziam a participação das big bands. Por exemplo, a comédia musical, Du Barry Era um Pedaço (Du Barry Was a Lady), que estreou na programação comemorativa dos vinte anos do estúdio MGM, no cine Metro, em 1944. Segundo a crítica do Estado de S. Paulo: Comemorações de aniversário requerem muita música, muitas flores, muitas danças, muita alegria. Daí haver a Metro Goldwyn Mayer escolhido “Du Barry Was a Lady” para o programa desta semana, com o qual festeja seu vigésimo ano de existência. E a fita é uma festa e tanto, com Lucille Ball fazendo de dona de casa e a música entregue a Tommy Dorsey e Cole Porter – o anfitrião é Red Skelton, que divide as responsabilidades, generosamente, com Gene Kelly. 252

É relevante que o curta documentário, apresentado antes do filme, noticiava uma operação de guerra das tropas aliadas, uma “sensacional préinvasão!” da Europa. Aqui se entrecruzam a “logística” da informação, das imagens e da música.

Fig. 128 Tal qual anunciava o cartaz: Um filme de cores, de músicas, de piadas, tudo proporcionando alegria com um ar de festa e júbilo! O

Estado

de

S.

Paulo,

22.06.1944. p. 13.

252

CINEMA, Du Barry Era Um Pedaço. O Estado de S. Paulo, 28.06.1944. p. 02.

263

Um outro exemplo de big band e cinema, em tempos de guerra, referese ao filme Entre a Loura e a Morena (The Gang’s All Here) – 1944. A película contava com aquela que se tornara uma das maiores estrelas de Hollywood, Carmem Miranda, e com a orquestra do “rei do swing”, Benny Goodman. A produção condensa uma das cenas mais emblemáticas dos musicais com a participação da cantora brasileira. Tratava-se de um dos filmes mais extravagantes de Busby Berkeley, com efeitos de cenários monumentais. Para muitos, a cena de abertura é uma das mais sensacionais da era do filme musical, a seqüência de imagens que culmina com gigantes bananas tropicais adornando o cenário, onde Carmem Miranda se apresenta acompanhada pelo Bando da Lua. No anúncio do filme, se proclamava a glorificação feérica do samba, em todo o esplendor de um arco-íris musical. No jogo de imagens e sons, “o samba, o swing e o fox, em uma luxuosa parada colorida” se fundiam no campo da política da Boa Vizinhança. No entanto, numa visada mais atenta, observa-se a extrema diferenciação que eles encerram. Tal qual analisam Shohat & Stam, em filmes como Entre a Loura e a Morena, a exemplo de vários outros: “Os números musicais apresentam o espetáculo da diferença exótica e funcionam no plano da narrativa para unir os casais norteamericanos.”253

Personagens

latino-americanas,

cujo

exemplo

mais

extravagante é Carmem Miranda, atuam em números espalhafatosos, exóticos e, no âmbito da narrativa, tendem a estar no final do filme no mesmo ponto em que começaram, contrastando com os protagonistas norte-americanos que, como afirmam os autores, estão em permanente evolução teleológica. A ornamentação exótica de Carmem Miranda e o samba, extremamente estilizado, não passaram despercebidos pela crítica. Com isso, escreveu o crítico do Diário de S. Paulo, se algo sustentava o filme, era a música de Benny Goodman e a atuação de Alice Faye. Esta fita é uma revista clássica, com todas as características do gênero. [...] Sua função é unicamente servir como fio que une os diferentes “gags” e números de canto e dança. Seria quase má fé eu me ocupar dela. Apreciemos o filme como espetáculo. [...] Quanto à nossa, muito nossa Carmem Miranda, está de fazer qualquer indivíduo da platéia se envergonhar 253

SHOHAT Ella & STAM, Robert, op. cit. p. 238.

264

de ser brasileiro. Lembro-me ainda dos tempos em que ela era uma cantora engraçada e natural que nos encantava no Cassino da Urca. Como era diferente da boneca mecânica e afetada que vemos hoje na tela! Enfim, consolemo-nos. Quando nem Duviver pode resistir... O que nos restaria no filme, pois, seria unicamente a orquestra de Benny Goodman, que continua ótima, e a voz agradável de Alice Faye.254

Fig. 129 O Samba, O Swing e o Fox em luxuosa parada colorida... na mais alegre e romântica comédia. Diário de S. Paulo, 11.11.1944. p. 08

254

COELHO, Ruy. Entre a Loura e a Morena. Diário de S. Paulo, 14.11.1944. p. 8.

265

No estilo de Hollywood: a Abertura do I Festival Internacional de Cinema do Brasil Entre os eventos comemorativos do IV Centenário da cidade de São Paulo, o I Festival Internacional de Cinema do Brasil mereceu grande destaque. São Paulo fora referendada pela magnitude de um acontecimento dessa natureza, um fato confirmatório do seu cosmopolitismo, assim alardeado pela imprensa que a projetava entre os grandes capitais do mundo. Tal qual mencionamos no capítulo III, durante algumas semanas, os jornais, as emissoras de rádio e televisão ocuparam-se do festival. O assunto tomou conta da cidade e reverberou como uma espécie de síntese das representações que o culto do cinema imprimia no imaginário da metrópole. O cine Marrocos, elevado a Palácio do Cinema, sediou oficialmente o evento. Construído em 1951, suas instalações foram remodeladas, intensificando ainda mais o seu elegante esplendor. “Uma das novidades era a nova tela de vidro plástico de quinze metros e oitenta centímetros por sete metros e meio e a instalação de uma quarta máquina de projeção, a fim de atender não só aos filmes comuns como também ao cinemascope, tela panorâmica e terceira dimensão.”255 Interessante mencionar que, nesse momento, é noticiado, em tom laudatório, o pioneirismo dos cinemas paulistanos que ofereciam ao público as novas tecnologias do espetáculo cinematográfico ao público. Dias antes da abertura do festival, ocorreu a primeira exibição em cinemascope no Cine República, vale dizer que, em outubro de 1953, havia ocorrido ali uma projeção em “3D”. Com toda pompa e circunstância, agentes da 20th Century-Fox, ligados a empresários paulistas, inauguraram a grande novidade da arte cinematográfica. A estréia deu-se através de um curta metragem demonstrativo, produzido por esse estúdio. Segundo a imprensa, a experiência resumia-se a uma palavra: empolgante. São vistas panorâmicas de grande amplitude, que ganham extraordinária beleza na tela gigante do República, assim como algumas das cenas filmadas especialmente para demonstrar a perfeição do novo sistema, que se destaca não apenas pela grandiosidade das cenas, como pela extraordinária função 255

PALÁCIO do Cinema. Diário de S. Paulo. 11.02.1954. p. 12.

266

exercida pelo som que se conjugam para dar ao espectador um espetáculo de grande beleza. Finalizando a sessão, foram exibidos alguns “trailers” de filmes produzidos pela Fox em Cinemascope, versando os mais variados gêneros, de forma a provar que o sistema do professor Henri Chrétien pode ser usado tanto por cenas externas como internas, com a mesma força emotiva, empolgando sempre o público. Aliás, o único adjetivo que realmente se adapta ao Cinemascope é: empolgante. 256

Os dias que antecederam a abertura do festival foram noticiados em contagem regressiva. Na grande noite, doze de fevereiro, pelas escadarias do Marrocos, desfilaram as celebridades do cinema, num acontecimento à altura do glamour hollywoodiano. Uma multidão concentrou-se nos fundos do Teatro Municipal e na Rua Conselheiro Crispiniano, e dali contemplou o espetáculo de rara beleza e elegância: Na noite de sexta-feira, noite de gala, inauguração do Festival, teve lugar um magnífico desfile de elegância e beleza. Artistas e representantes estrangeiros ostentaram as mais ricas “toiletes”, emprestando ao Festival um colorido alegre e pomposo.257

Para muitos paulistanos, o episódio constitui uma das lembranças mais vivas dos festejos do IV Centenário. Também não era para menos, tal qual sublinhou o Correio Paulistano, a abertura do festival pôde ser comparada às grandes estréias do “Chinese Theatre” de Hollywood. Quem já teve oportunidade de assistir no cinema as estréias levadas a efeito no celebre “Chinese Theatre” de Hollywood, pode fazer uma idéia do que foi a festa de cores e elegância que teve lugar na escadaria do Marrocos, cinema escolhido para as solenidades oficiais do Festival. Sob profusa iluminação, suplementada por projetores de luz colorida, chegavam os convidados para a sessão especial e as delegações estrangeiras que vieram representar seus países no certame. Verdadeira bateria de cinegrafistas, fotógrafos, jornalistas e radialistas permaneceu no topo das escadarias, contribuindo os relâmpagos

256 257

ROCHA, Walter. O cinemascope em São Paulo. Correio Paulistano. 10.02.1954. p. 6. BELEZA e elegância. Diário de S. Paulo. 14.02.1954. p. 10.

267

dos “flashs” e os fortíssimos projetores utilizados pelos cinegrafistas para dar uma impressão de irrealidade ao ambiente. Em toda a extensão da Rua Conselheiro Crispiniano, assim como nos fundos do Teatro Municipal, grande massa popular se comprimia, saudando entusiasticamente atores e outras personalidades que, por entre os cordões de isolamento, chegavam à parte do cine Marrocos. Observado o traje a rigor estatuído para a abertura oficial, riquíssimas toiletes desfilaram ante as luzes coloridas num espetáculo que constituiu verdadeira parada de elegância. 258

Dentro do cinema Marrocos, depois de alguns discursos e da apresentação

de

curtas-metragens,

projetou-se

o

filme

da

Universal

International Pictures: The Glenn Miller History – 1953, aqui traduzido com o título de Música e Lágrimas. A película narrava a biografia do grande mito norte-americano da era das big bands, como vimos, o ícone do nacionalismo dos EUA, construído nos tempos da Segunda Guerra. Dessa forma, a sessão oficial de abertura do I Festival de Cinema Internacional do Brasil pôde celebrar os quatrocentos anos da “metrópole que mais cresce no mundo” ao som de Moonlight Serenade, In The Mood e String of Pearls, entre outras. Embora alguns críticos mais exigentes fizessem restrição ao filme, os grandes sucessos de Glenn Miller, é certo, intensificaram o brilho do espetáculo de beleza e elegância na noite de abertura do festival. Música e Lágrimas evocava, já no momento de eclipse da era das big bands, a cultura musical que, desde meados dos anos 1930, havia estabelecido o padrão estético da música popular no ocidente. Hollywood ainda presentearia o público com um outro filme do gênero, abordando a biografia de do “rei do swing”, Benny Goodman, em 1955. Tais películas apenas sugeriam um sentido de reminiscência da época glamorosa da música das big bands. Em meados dos anos 1950, somente os grandes cantores ainda tinham os arranjos de suas gravações estruturados dentro de uma estética que, em certo sentido, dialogava com o glamour das grandes orquestras. O público mais jovem estava migrando para o rock-and-roll e, no Brasil, havia também a alternativa da bossa nova. No entanto, como já assinalamos, por aqui essa cultura musical

258

NO ESTILO de Hollywood: Feérica inauguração teve o festival de cinema. Correio Paulistano 14.02.1954. p. 7

268

continuou presente nos salões de dança, adentrando os anos 1960, sobretudo, nos bailes de maior prestígio, formaturas, debutantes e réveillon, entre outros. Nos EUA, a presença das big bands não se sustentou no pós-guerra, embora o mito Glenn Miller mantenha seus aficionados até hoje naquele país. Para Stowe, o eclipse da era das grandes orquestras explica-se pelo fato de que a afirmação da cultura musical do swing operou-se no campo da transmutação da cultura popular em patriotismo e estava intimamente articulada ao americanismo que unificou a nação no esforço da guerra. Entre nós, a estética das big bands foi recepcionada como signo do moderno. Mesclou-se a uma experiência singular de modernidade, projetada em certo ideal de progresso e apropriada como um signo de distinção social. Nesse caso, a narrativa desse gosto musical, associado à grande orquestra, com seus timbres e a sua forma específica de construção dos arranjos e ao sentido dessa música, circunscrito a determinadas práticas sociais, haveria de se inscrever em uma outra temporalidade. Depois de sua estréia triunfante na sessão de abertura do festival, em fevereiro de 1954, Música e Lágrimas entrou novamente em cartaz no final do ano de 1955.

Fig. 130 A história de Glenn Miller,

ao

som

inesquecíveis”,

de

“músicas

continuava

a

empolgar a cidade. O

Estado

de

S.

Paulo.

15.09.1955. p. 51.

269

Uma recepção para as estrelas e os astros do cinema “O Festival Internacional de Cinema foi em fevereiro de 1954, numa festa muito bonita. Alberto Cavalcanti e eu nos divertimos, organizando-o. A casa estava ainda em reformas, quando aceitei o convite da Embaixada Americana para receber na Fazenda as delegações de cinema.”259 Assim se inicia, no livro de memórias de Yolanda Penteado, Tudo em Cor-de-Rosa, o capítulo em que a autora relata a recepção que preparou para as celebridades estrangeiras do cinema. Ela, esposa de Francisco Matarazzo Sobrinho e uma das personalidades mais influentes na vida cultural e social de São Paulo, nos anos 1940 e 1950, encarregara-se de organizar, em sua fazenda Empyreo, na pequena cidade de Leme no interior do estado, uma festa em homenagem aos artistas que estavam em São Paulo por ocasião do festival. Para tanto, os trabalhos de decoração das instalações da fazenda foram minuciosamente executados: o propósito era compor ali um cenário típico do Brasil colonial. Tudo organizado, a comitiva deslocou-se da capital rumo ao interior em dois trens especiais, oferecidos pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Os trens refrigerados, narra Yolanda, eram maravilhosos. Serviam champanha, uísque, e o pessoal chegou num verdadeiro Trem da Alegria. Os embaixadores, misturados com cantores de samba e passistas, adoraram, saíram um pouco daquele regime rígido e cacete de diplomata. Quando os trens chegaram a Leme, pode-se imaginar o alvoroço da população. A estaçãozinha é um amor, pequenininha, bem cuidada, e eu mandei preparar jardineiras todas enfeitadas para levar os convidados até a Fazenda, Eles entravam naquele veículo que nunca tinham visto e iam chacoalhado até chegar. Pedi que os convidados viessem de branco. Assim, os artistas se sobressaíam, nas suas roupas de cor.260

Segue o relato da chegada dos convidados à festa, uma das mais belas já realizadas no Brasil, segundo registraram as colunas sociais da época.

259 260

PENTEADO, Yolanda. Tudo em Cor-De-Rosa. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1976. p. 242. Ibid., p. 244.

270

De cima do morro, avistava-se a casa-grande e as lanternas com velas, tipo Ouro Preto, em cada janela. A casa parecia suspensa. No gramado e nas árvores, refletores. Esperando as jardineiras, dezoito negros de pés no chão vestidos à Debret, segurando na mão umas lanternas de procissão. Chegando à Fazenda, a jardineira parava e despejava aquela onda branca. Podiam ser mais ou menos seis e meia a sete horas. O espetáculo era realmente bonito, com o pôr do sol. Os convidados passavam pela ala de pretos antes de entrar na casa, e ficavam extasiados. Admiravam-se de ver aqueles negros vestidos como na época da escravidão. Realmente, dava a impressão que se tinha voltado ao passado. As empregadas tinham saias compridas e blusas brancas da época, e eu, com o vestido que havia posto no baile de Fath, em Paris, estava a própria Sinhazinha.

261

Teatralizava-se, assim, um quadro do Brasil pré-moderno, uma volta ao passado, um “desatualizar-se”, como sugeriu o cronista do Diário de S. Paulo. Uma festa, dizia ele, que não foi mais que um inefável retorno ao Brasil colonial. Por entre os convidados deliravam moleques e crioulas saídos das gravuras de Debret, e pelas dependências do casarão, autenticamente patriarcal, o tempo parara naquele outrora povoado de sinhôs, de sinhás de sinhazinhas, de negras Fulôs, outrora musicado pelas modinhas merencórias e pelo cantar dolorido dos escravos. Os convidados sentiam desatualizar-se percorrendo a fazenda “Empyreo” detendo-se diante da mesa farta, da pilha de frutas características dos nossos pomares, dos doces caseiros, tomando refresco de legitimo maracujá, surpreendendo-se com os serviços de uma quituteira [...]262

Depois de descrever todos os detalhes, cuidadosamente planejados, para dar à celebração uma “aura genuinamente brasileira”, conclui o cronista: Com esta festa tão profundamente evocativa, uma das mais belas já acontecidas no Brasil e sobre a qual um dia falaremos aos nossos netos, em tom de enlevo nostálgico, o casal Francisco Matarazzo Sobrinho ofereceu aos

261 262

Ibid., p. 245. FAZENDA Empyreo, Evocação do Brasil Colonial. Diário de S. Paulo, 28.02.1954. p. 12.

271

visitantes de outros países um retrato fiel, da nossa terra, da nossa gente, das nossas tradições.263

Era como se a encenação do tempo pretérito pudesse expor, diante do olhar estrangeiro, o retrato mais autêntico do país e revelar, através de tal gesto simbólico, a alma “genuinamente” brasileira. Como se, no campo da dialética entre presente e passado, o “verdadeiro” inventário das nossas coisas somente

pudesse

emergir

quando,

abandonando

o

presente,

nos

permitíssemos, através de um artifício de “teatro”, esse estado de “desatualizar-se”. Mas a construção de uma cena ilumina, sobretudo, os atores. O “cenário Debret” ali ordenado, consciente ou inconscientemente, autorizava uma representação, distribuía papéis e orientava o lugar dos atores, enfim, afirmava o poder, dizia quem é quem. Por esse ângulo, mais do que um encontro com as “raízes do Brasil”, estava em jogo o exercício do poder simbólico, um campo de forças sociais, fundamentando a distinção, a salvaguarda de posições de privilégio e superioridade. Dessa forma, não se tratava meramente de adornar um cenário e realçar a arquitetura colonial das instalações da fazenda. Se a “casa-grande parecia suspensa”, essa visão talvez revelasse o indício de que o seu lugar não estivesse mais assegurado. Nesse ponto, o desejo de outro tempo pode representar um desencanto com a modernidade ou, pelo menos, com um projeto de modernidade que se havia acalentado, na medida em que o código da distinção social deslocava-se e ganhava novas conotações no contexto do avanço da sociedade de massa no país. No entanto, mesmo com toda a preocupação da anfitriã em promover uma recepção tipicamente brasileira, algo desfigurou o quadro: a orquestra contratada tinha um timbre moderno. Eu insistia com o Chateaubriand para ele mandar um conjunto do Norte que estava naquele tempo na TV Tupi. E o Chato dizia: - Vai ser um pouco difícil, mas eles vêm. Na hora, chega uma orquestra com um francês muito bem vestido que queria um piano. Eu fiquei uma fera. 263

Idem.

272

– Não quero piano algum, quero é gente do Norte, tocando música. Não era gente do Norte, e o homem acabou tocando tango. O que salvou tudo foi um grupo de Recife trazido pelo Noné de Andrade. Eu dizia ao Chato: – Eu ofereço a essa gente coisa tipicamente brasileira e você me aparece com um homem tocando tango!264

De fato, a orquestra à qual ela se refere não soava dentro do tom proposto pelo script da festa. O seu cosmopolitismo era uma nota dissonante no gesto simbólico evocativo do passado. O seu band leader, por essa época uma das pessoas mais influentes em São Paulo no ramo da música popular das grandes orquestras, tinha sob o seu comando a direção musical da Rádio e Televisão Tupi. Patrocinado pela Companhia Antarctica de Bebidas, o francês Georges Henry, primeiramente, apresentou no rádio, no final dos anos 1940 e, posteriormente, na televisão, o programa, Antarctica No Mundo dos Sons. A série fora criada para promover a Antarctica, diante da concorrência da CocaCola que, como mencionamos, patrocinava Um Milhão de Melodias, sob a regência de Radamés Gnatalli. O trompetista George Henry apresentava em seu currículo uma carreira tipicamente representativa da cultura musical das big bands. Havia se tornado músico jazzista na França dos anos 1930. Depois de integrar algumas orquestras de música dançante em Paris, é contratado por uma orquestra cubana de muito sucesso que excursionava pela Europa. Com a deflagração da guerra, migrou com o grupo para os Estados Unidos, no momento em que o swing dominava a cena musical de Nova Iorque. Ali tem o privilégio de contatar diretamente as grandes figuras da música das big bands. Depois de algum tempo na América do Norte, transfere-se para Havana e de lá segue com a orquestra

em

excursão

pelos

principais

centros

da

América

Latina,

apresentando-se em hotéis e cassinos de luxo de Buenos Aires, Montevidéu, Rio de Janeiro e São Paulo, entre outros. Em 1948, já liderando sua própria orquestra, vem para uma temporada em São Paulo, no Hotel Excelsior e no Teatro Municipal. Nos dois lugares, dividiu o palco com a orquestra de Xavier

264

PENTEADO, Yolanda, op. cit.244.

273

Cugat, famosa pela participação em uma série de filme hollywoodianos.265 Sobre a apresentação do Municipal, diz George Henry: A platéia do teatro tinha sido transformada numa pista de dança para os convidados selecionadíssimos. Todos vestidos a rigor em elegantes trajes de noite. O palco enorme era apropriado para as mais impressionantes representações do repertório ópera, gênero muito apreciado nessa cidade ainda hoje fiel às tradições de sua imigração predominantemente italiana. Dois grandes estrados, um para Xavier Cugat e outro para minha orquestra foram colocados no palco.266

Com a aprovação do público no Teatro Municipal e no “roof” do Hotel Excelsior, ele se fixa em São Paulo, passando a trabalhar na sofisticada casa noturna da Avenida Ipiranga, a boate Oásis. Contratado pela Rádio Tupi, fica responsável por uma série de programas irradiados diretamente do Hotel Esplanada, onde se apresentava uma vez por semana. A projeção de Georges Henry, na cena musical paulista, corroborou para transformar sua orquestra na coqueluche da noite paulistana, na época em que o nome do band leader configurava um signo de distinção aos espaços de dança da cidade, bem como aos bailes, sobretudo aqueles mais prestigiados e realizados nos salões mais elegantes. Dessa forma, evidenciava-se uma dissonância no cenário evocativo das “nossas tradições”, com o qual a anfitriã desejou festejar a presença das estrelas e dos astros do cinema em São Paulo. A música timbrada pela cultura musical das big bands de Georges Henry estava, naquela cena, fora do tom, já que se filiava à matriz de uma outra Aquarela do Brasil. Uma aquarela que também sugeriu inventariar as nossas coisas:...abre a cortina do passado, tira a mãe preta do cerrado. E, numa ocasião semelhante, recepcionara uma grande celebridade estrangeira, o que lhe valeu ajustar-se perfeitamente à trilha sonora do filme Alô Amigos. Mas, essa aquarela havia proposto a reinvenção do samba. Reinventá-lo, como sugeriu o seu compositor, para num

265 266

Cf.HENRY, Georges. Um Músico.. Sete Vidas. São Paulo, Letras & Letras, 1982. Idem, p. 220.

274

ritmo original, diferente, libertá-lo das tragédias da vida e do sensualismo das paixões incompreendidas. 267

***

267

Ari Barroso, citado por CABRAL, Sérgio, op. cit. p. 179.

275

Considerações finais Henry Pleasants, historiador inglês e crítico de música, definiu o swing, comparando-o ao momento da decolagem de um avião. Quando uma orquestra começa a suingar, logo após os primeiros compassos, diz ele, a sensação é muito parecida com o momento em que os aviões, antes da era do jato, de repente davam a largada e, roncando seus motores, ganhavam velocidade e levantavam vôo. 268 A imagem sugestiva proposta por Pleasants orienta a definição da estética musical, praticada pelas big bands, em um contexto da experiência da modernidade referenciada na era da aviação, ou melhor, na era da aviação à hélice. Nessa perspectiva, o sentido desse texto musical explicita-se no entrecruzamento de experiências sensoriais vinculadas a um momento particular da modernidade, aquele em que as viagens aéreas iriam se projetar como síntese da dinâmica do mundo moderno. Sua sonoridade, assim decodificada, ressalta a aura do novo impressa nos timbres, nos arranjos melódicos e harmônicos, bem como na pulsação rítmica evocada pela particularidade do seu estilo. Na imbricação entre a estampa sonora das big bands e a representação do moderno, pode-se melhor compreender o sentido da recepção que essa música assume em um país dependente e de capitalismo periférico como o nosso. Entre nós, a “trilha sonora”, pautada pelo estilo musical das grandes orquestras, foi apropriada no âmbito das aspirações de modernização e, de certa forma, como um signo de distinção social. O tom de sua música mesclouse ao ideal estético que seduzia as platéias nos “grandes palácios do cinema”, esse mundo óptico e sonoro da imaginação, um luxo semanal que o público fruía, graças às produções dos grandes estúdios de Hollywood que se abriam à contemplação da beleza hipnótica dos seus astros e estrelas. As salas dos cinemas configuraram-se como caixa de ressonância da estética musical e de determinado repertório da era das grandes orquestras. Sua música sedimentou uma espécie de ponte entre o cinema e o salão de baile, no momento em que a prática da dança e o baile compunham uma verdadeira instituição. 268

Citado por DANCE, Stanley. The World of Swing: An Oral History of Big Band Jazz. Cambridge, MA, Da Capo Press, 2001. p. 3.

276

Ao longo dos anos 1960, ao mesmo tempo em que refluía a “era de ouro do cinema”, o som das grandes orquestras paulatinamente iria perder o brilho do seu glamour. Talvez o seu último triunfo tenha ocorrido na inauguração do monumento síntese do projeto de modernidade do país, embalado pelos anseios de desenvolvimento e da redenção econômica nacional do pós-guerra. Ou seja, no baile de gala oferecido pelo casal Kubitschek aos três mil convidados no Palácio do Planalto, na inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. Na ocasião, noticiou a imprensa, o evento fez da nova Capital “um centro de elegância por uma noite, um acontecimento social que ficará na História do Brasil.”

269

Aliás, percebe-se, aqui, o quanto os bailes animados

pelas grandes orquestras ainda representavam um espaço de prestígio e distinção em nossa sociedade, a ritualização da modernidade e um lugar cultuado pelo imaginário social que gravitava ao redor da representação da imagem pública de seus atores, compondo o cenário de festas solenes, a exemplo dos bailes de formatura, de debutante etc. Nessas ocasiões, como mencionamos, a orquestra, nos moldes das big bands, era um elemento imprescindível ao rigor formal da celebração, tal qual às exigências do figurino de seus atores. Mas, no caso do baile de gala da inauguração de Brasília, havia ainda um outro aspecto. A imagem pública do presidente Juscelino Kubitschek ressaltava, em seu currículo, a fama de exímio dançarino; portanto, a recepção vinha a calhar. Na realidade, a paixão pela dança referendava sua aura moderna, assim como sua inclinação pelos aviões e pelos automóveis. O presidente JK encarnou, como nenhuma outra personalidade política, a aspiração de modernização da sociedade brasileira. É certo que não apenas pela construção de sua imagem pública, de homem dinâmico, à frente do seu tempo, mas pelas realizações econômicas representadas pelo seu projeto de governo que, como sabemos, promoveu um avanço extraordinário da expansão industrial brasileira. A construção da nova capital da República tornou-se o emblema do ideal desenvolvimentista acalentado no governo JK. O país reconciliou-se com o seu destino – havia encontrado o “caminho do desenvolvimento” –, e Brasília constituía o referente do esforço de atualização do país, a ruptura com o passado, uma salto para o futuro, tal qual os cronistas

269

Cf. O GRANDE Baile. Manchete, 07.05.1960. p. 28.

277

a anunciaram: “O Brasil, com a sua nova Capital, deixa para trás o próprio tempo. Brasília saltou por cima do Século XX.”

270

A cidade resultante da

racionalidade do planejamento urbanístico realizava-se como um símbolo do Brasil novo, o triunfo da modernidade da nação. 271 No planalto central, em meio ao sertão, no meio do nada, sublinhou a imprensa na época, o Brasil era descoberto outra vez por JK. Nesse sentido, a fundação da nova Capital compreendia um gesto civilizador. As suas orquídeas de cimento armado podem ser apalpadas pelo olhar mais desfocado. O seu jardim de concreto e vidro, que dá a cidade impressão de chapa de Raios X, também é imoderado impulso para a conquista de claros econômicos de mais de 6 milhões de Km2 de Brasil. Ela é a ‘cidade síntese’ da fala presidencial, a força aglutinadora de um povo que marcou encontro com o futuro, nos longes do Brasil Central.272

Como afirmara Lúcio Costa em seu Plano Piloto, “tratava-se de um ato deliberado de posse, um gesto de sentido ainda desbravador, nos moldes da tradição colonial.”273 Mas o que se indaga, dizia ele, é como tal cidade deveria ser concebida. Ora, no âmbito da concepção da Arquitetura Moderna, sem nenhum resquício com o passado, pois, como sabemos, a tabula rasa consistia a premissa necessária do espírito utópico, do Plano, de uma arrancada para frente. Dentro desse conceito, realizara-se de fato o encontro do Brasil com o futuro no planalto central. Na cidade do século, sem cruzamentos, o monumento ao futuro, em tudo, diziam os cronistas, projeta-se o novo. A começar pela forma com a qual ladrilhou o território, cujo mapa alude ao desenho de um avião. Enfim, a cidade síntese cumpria o desígnio “do país condenado ao moderno”.

270

O FUTURO já tem capital: Brasília. O Cruzeiro. 07 de Maio de 1960, p. 1. Sobre o projeto modernista de Brasília ver: ARANTES, Otília. Urbanismo em Fim de Linha e Outros Estudos sobre o Colapso da Modernização Arquitetônica. São Paulo, Edusp, 2001. Ver também: FRASER, Valerie. Modernidade, Identidade e a Cidade: Brasil e Brasília. In: http:// www2.essex.ac.uk/arthistory/arara/issue_five/paper2.html 272 Idem. O Cruzeiro. 07 de Maio de 1960, p. 1. 273 COSTA, Lúcio. Relatório do Plano Piloto de Brasília. 1957. Documento disponível em versão eletrônica: http://portal.iphan.gov.br/portal/baixaFcdAnexo.do?id=280. 271

278

Fig. 131 Cerimônia do lançamento do projeto Brasília, 1957.

O

vasto

programa

de

inauguração

contou,

no

chamado eixo

monumental, com desfiles dos candangos, dos engenheiros, das Forças Armadas, enquanto aviões da “Esquadrilha de Fumaça” faziam evoluções sobre a marcha; queima de fogos de artifício; prova automobilística; inauguração do primeiro cinema; regata a vela; inúmeros atos solenes e, à noite, encerrou-se com a recepção de gala, oferecida pelo presidente e pela primeira-dama a ilustres convidados no Palácio do Planalto. Era noite de festa no planalto. Brasília acabara de se transformar em Capital e estávamos prestes a partir para o grande baile. Casacas e condecorações. Antes tínhamos um jantar no Chez Willy oferecido a Conrad Hilton, o grande hoteleiro internacional. Paramos o carro na porta do restaurante. Um porteiro de uniforme vermelho abriu a porta para as senhoras. Na calçada os candangos olhavam com curiosidade. 274

O som da grande orquestra animou o primeiro baile na cidade símbolo da modernização do país. É provável que tenha sido um dos últimos com a marca de tão solene elegância. Nos dias que sucederam ao evento, as revistas estamparam em suas páginas as imagens dos salões, uma espécie de palco, 274

THORMES Jacinto de. O Candango, Herói de Brasília. Manchete, 07.05.1960. p. 71.

279

onde os atores celebraram, nessa noite de gala, a cidade marco do encontro do Brasil com o futuro, a moderna capital do país, projetada como rompimento do passado e a promessa de criar uma nova tradição. A cidade planejada para o trabalho ordenado e eficiente, como formalizou Lucio Costa, “mas ao mesmo tempo cidade viva e aprazível, própria ao devaneio e a especulação intelectual, capaz de tornar-se, com o tempo, além de centro de governo e administração, num foco de cultura dos mais lúcidos e sensíveis do país.”275

Fig. 132 O primeiro baile de gala na inauguração de Brasília, abril de 1961. Publicada na revista Manchete, 07.05.1960.

275

COSTA, Lúcio, op. cit.

280

Fig.133 A Pan American inaugura o Aeroporto Internacional de Brasília, 1960.

Fig.134

Aeronáutica

abre

a

parada com a esquadrilha da fumaça. “Com a ampla Avenida do Eixo Monumental cheia de povo e veículos, as Forças Armadas iniciaram

espetacularmente

desfile

comemorativo

o da

inauguração

de

Brasília.

Contigentes

do

Exército,

Marinha e Aviação arrancaram aplausos na primeira parada da nova Capital do Brasil.” Manchete, 07.05.1960.

281

FONTES DOCUMENTAIS E BIBLIOGRAFIA

282

Fontes Documentais A presente investigação construiu-se sobre fontes variadas. Sabemos que a heterogeneidade desse material coloca uma série de problemas metodológicos. No entanto, a escassez dos registros escritos e iconográficos da temática aqui desenvolvida, conduziu-nos a operar com uma pluralidade de fontes documentais. Nesse sentido, o corpus documental dessa pesquisa envolveu:

entrevistas com

músicos,

artistas,

maestros

e

público

de

freqüentadores dos bailes, visto que parte dessa geração ainda está viva, e muitos ainda praticam a dança nos chamados “Bailes da Terceira Idade”; registros escritos os mais diversos; registros sonoros de programas de rádio e gravações das orquestras; registros iconográficos de acervos públicos e privados; filmes documentários e filmes da época. Depoimento oral coletado através de entrevistas com músicos, artistas, maestros e o público dos bailes.

Estas fontes orais apresentam-se como ponto inicial da investigação. Através delas pudemos coletar registros, ainda muito escassos e dispersos, sobre as orquestras, seus músicos e repertórios, os salões e os clubes onde a prática dos bailes teve lugar. Além disso, as entrevistas trazem referências significativas sobre todo um código de sociabilidade encenado nestes espaços da música e da dança, bem como da vida cultural na cidade de São Paulo, no período por nós abordado. Foram realizadas as seguintes entrevistas: Sr. Altamiro (fev. 2004); Sr. Antonio (março de 2003); Sr. Arley (abril de 2004); Sra. Dulce (março de 2004); Sra. Glorinha (outubro de 2003) Sra. Lucia (agosto de 2004); Sra. Malena (agosto de 2004); Sr. Medina (janeiro de 2002); Sra. Romilda (abril de 2004); Sra Ruth (novembro 2005); Sr. Brito (saxofonista – set. de 2003); Sr. Georges Henry (maestro - out. 2004 e jan.2005); Sr. Osmar Milani (maestro - setembro de 2001); Sr. Toniquinho (baterista - maio de 2004); Sr. Zé Maria (saxofonista - fevereiro de 2003); Sr. Ciro Pereira (maestro - janeiro de 2006); Sra. Esterzinha de Souza (cantora - janeiro de 2006).

283

Registros Escritos

Em relação aos documentos escritos alusivos à dinâmica sócio-cultural da cidade no período abordado. Destacamos as seguintes fontes: I. Registros de Cronistas e Memorialistas, a exemplo das obras de Jorge Americano, Guilherme de Almeida,Joel Silveira, além do livro do maestro George Henry e o do colecionador de discos Jorge Cravo, citados na bibliografia. II. Jornais e Revistas. Referimo-nos às seguintes coleções de periódicos (da época) arquivadas no acervo da Biblioteca Mario de Andrade e da Biblioteca da Faculdade de Direito – USP: O Estado de S. Paulo; Folha da Manhã; O Tempo; Diário de S. Paulo; Correio Paulistano; Revista Sombra; O Cruzeiro e Manchete. Registros Sonoros em Cd e K7

Selo Collector’s Editora Ltda – Rio de Janeiro (Gravações em fita k7): Assim Era o Rádio: “A Canção da Lembrança”, n º 12 (1953) Assim Era o Rádio: “A Canção da Lembrança”, n º 13 (1953) Assim Era o Rádio: “A Canção da Lembrança”, n º 15 (1953) Assim Era o Rádio: “Aquarelas das Américas”, n º 1 (1945) Assim Era o Rádio: “Aquarelas das Américas”, n º 2 (1946) Assim Era o Rádio: “Aquarelas das Américas”, n º 3 (1946) Assim Era o Rádio: “Dona Música”, n º 2 s/d Assim Era o Rádio: “Orquestra Carioca e Orquestra Tabajara” (1952) Assim Era o Rádio: “Os Vinte Anos da Rádio Nacional”, n º 2 (1956) Assim Era o Rádio: “Rádio Melodias Pond’s”, n º 1 (1947) Assim Era o Rádio: “Ritmos do Copacabana”, n º 1 (1947) Assim Era o Rádio: “Trinta Anos da Rádio JB Club do Disco” (1965) Assim Era o Rádio: “Um Milhão de Melodias”, n º 1 (1948)

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Assim Era o Rádio: “Um Milhão de Melodias”, n º 6 (1949) Depoimentos: “ Radamés Gnattali” s/d Assim Era o Rádio: “Your Hit Parade”, n. º 01 (1949) Selo Revivendo – Curitiba (PR) ( Gravações em CD) Grandes Versões – Vol. 3. Álbum editado pela Revivendo Músicas Comércio de Discos Ltda (s/d). Contém um CD com 21 canções de diversos compositores estrangeiros. São valsas, tangos, boleros, rumbas e foxtrotes que receberam versões em língua portuguesa e foram interpretadas por cantores brasileiros. As gravações são datadas entre os anos 1929 e 1953. O encarte apresenta detalhada ficha técnica. Grandes Versões – Vol. 4. Álbum editado pela Revivendo Músicas Comércio de Discos Ltda (s/d). Contém um CD com 20 canções de diversos compositores estrangeiros. São valsas, tangos, boleros, rumbas e foxtrotes que receberam versões em língua portuguesa e foram interpretadas por cantores brasileiros. As gravações são datadas entre os anos 1932 e 1964. O encarte apresenta detalhada ficha técnica. Grandes Versões – Vol. 5. Álbum editado pela Revivendo Músicas Comércio de Discos Ltda (s/d). Contém um CD com 21 canções de diversos compositores estrangeiros. São valsas, tangos, boleros, rumbas e foxtrotes que receberam versões em língua portuguesa e foram interpretadas por cantores brasileiros. As gravações são datadas entre os anos 1931 e 1957. O encarte apresenta detalhada ficha técnica. No Tempo do Fox – Vol. 1. Álbum editado pela Revivendo Músicas Comércio de Discos Ltda (s/d). Contém um CD com 21 foxtrotes de diversos compositores brasileiros e interpretados por diversos cantores. As gravações foram feitas entre os anos de 1933 a 1945. O encarte apresenta detalhada ficha técnica. No Tempo do Fox – Vol. 2. Álbum editado pela Revivendo Músicas Comércio de Discos Ltda (s/d). Contém um CD com 21 foxtrotes de diversos compositores brasileiros e interpretados por diversos cantores. As gravações

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foram feitas entre os anos de 1929 a 1945. O encarte apresenta detalhada ficha técnica. Outros Selos: The Big Band Era – Vols. 1 e 2. Coleção editada pela Capitol Records (1996), contém em dez CDs gravações originais das orquestras de Benny Goodman, Tommy Dorsey, Jimmy Dorsey, Glenn Miller, Artie Shaw, Stan Kenton, Duke Ellington, Coutie Basie. Song That Got Us Throuugh WWII. Álbum contém um CD, editado pela Rhino Records (1991), apresenta dezoito canções interpretadas por diversas big bands norte-americanas de grande sucesso nos anos da Segunda Guerra Mundial. O encarte traz indicações valiosas sobre o repertório e as gravações do período. Those Were Our Songs – Music of War II - Álbum contém dois CD’s, editados pela

Records

Capitol

Records

(2001).

Apresenta

quarenta

canções

interpretadas por diversas big bands norte-americanas, cantores e grupos vocais de grande sucesso nos anos da Segunda Guerra Mundial. Também o encarte traz informações significativas. A Time of Hope – Broadway 1935 – 1940. Álbum contém um CD editado pela Deca Broadway (2005), apresenta doze sucessos de musicais norteamericanos da segunda metade dos anos de 1930, além de encarte com informações bastante detalhadas. Irving Berlin In Hollywood. Álbum contém um CD editado pela Turner Entertainment Co (2005), apresenta 25 canções originais de Erving Berling que compuseram trilhas sonoras dos filmes musicais. Hollywood’s Best – The 30’s. Álbum contém um CD editado pela Turner Entertainment Co (1997), apresenta 16 canções originais de trilhas sonoras de filmes norte-americanos dos anos de 1930. Hollywood’s Best – The 40’s. Álbum contém um CD editado pela Turner Entertainment Co (1997), apresenta 16 canções originais de trilhas sonoras de filmes norte-americanos dos anos de 1940.

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Filmes documentários Glenn Miller – The Centennial Collections – BMG – 2004 (DVD) Benny Goodman – Adventures In The Kingdom of Swing – Columbia Music Video – 2000 (DVD) Jazz – Um Filme de Ken Burns – GNT / Som Livre – 2002 (DVD) Musicals Great Musicals: The Arthur Freed Unit at MGM – Turner Entertainment Co. – 2004 (DVD) Arquivo Hollywood I – GNT – 1996 ( Cópia VHS) Arquivo Hollywood II – GNT -1996 (Cópia VHS) Filmes de ficção O Cantor de Jazz – (The Jazz Singer – 1927- Waner Bros) Melodias da Broadway – ( Broadway Melody – 1929 – MGM) Rua 42 – (42ND Street – 1933 – MGM) King Kong – (King Kong – 1933 – RKO) Voando para o Rio – (Flying Down To Rio – 1933 – RKO) O Picolino – (Top Hat – 1935 – RKO) Alegre e Divorciada – (The Gay Divorcee – 1936 – RKO) A História de Irene Castle e Vernon – ( The Story of Irene Castle and Vernon – 1939 – RKO) Quero Casar-me Contigo – ( The Sun Valley Serenate – 1941 – 20th Fox) A Lua a Seu Alcance – ( Higher and Higher- 1943 – RKO) Sempre no Meu Coração – (Always In My Heart – 1943 – Waner Bros) Música e Lágrima – (The Glenn Miller Story – 1953 – Universal International) Corações Enamorados – (Young At Heart – 1954 – Colúmbia) Sementes de Vilência – (Blackboard Jungle – 1955 – MGM) The Benny Goodman Story – 1955 – Universal International

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Fig. 13 Rev Sombra, ano 10, nº 107, nov dez de 1950 Fig. 14 Rev Sombra, ano 10, nº 107, nov dez de 1950 Fig. 15 Vale do Anhangabaú, final dos anos de 1940. Jean Manzon. In: AMEIDA JR., José B. Guia Pitoresco e Turístico de São Paulo. São Paulo, Livraria Martins Editora S. A. s/d Fig. 16 Jardim do Anhangabaú, a esquerda Hotel Esplanada e a direita Teatro Municipal – início do anos de 1930. In: TOLEDO, Benedito Lima. Anhagabaú. São Paulo, FIESP,1989. p. 138 Fig. 17 Publicidade Hotel Esplanada – 1929 In: TOLEDO, Benedito Lima. Anhagabaú. São Paulo, FIESP,1989. p. 138 Fig. 18 Fachada do Hotel Esplanada - início dos anos de 1930 In: TOLEDO, Benedito Lima. Anhagabaú. São Paulo, FIESP,1989. p. 141 Fig. 19 O Estado de S. Paulo, 19.12.1935.p. 18 Fig. 20 Revista Sombra. nov. / dez 1952, n º 124 Ano XII, p. 51 Fig. 21 Revista Sombra, n º 8, novembro de 1948. Fig. 22 Revista Sombra, nº 77, ano 8, abril de 1948 Fig. 23 Correio Paulistano - 10.07.1954. p. 6 Fig. 24 Diário de São Paulo, 03.02.1954 p. 1 Fig. 25 Diário de S. Paulo, 03.02.1954. p. 5 Fig. 26 Images of Pan Am In: A collection of various Pan Am advertising and promotional items - http://www.panam.org/newhist1.asp Fig. 27 Publicidade do Royal Clipper Chevrolet, 1940. Correio Paulistano. 19.12.1939, p. 8.

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Fig. 28 Images of Pan Am In: From a collection of original watercolors by John McCoy commissioned for Pan American - http://www.panam.org/cgi-bin/_display.asp Fig. 29 THE Good Neighbor Who Calls Every Day. Saturday Evening Post, USA, 1941. In: http://scriptorium.lib.duke.edu/adaccess/ Fig. 30 Revista Sombra, n º 136 Ano XV, Rio de Janeiro, Jan 1955. s/p Fig. 31 Revista Brazilian American, Rio de Janeiro, 14.08.1943. p. 13 Fig. 32 Revista Brazilian American, Rio de Janeiro, 19.08.1944. p. 13 Fig. 33 Revista Sombra, n º 130 Ano XIV, Rio de Janeiro, Set/Out 1953. s/p Fig. 34 O Estado de S. Paulo. 30.09.1955. p. 8 Fig. 35 Correio Paulistano, 19.12.1956. p. 4 Fig. 36 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 37 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 38 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 39 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 40 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 41 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 42 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 43 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 44 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 45 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933)

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Fig. 46 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 47 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 48 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 49 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 50 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 51 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 52 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 53 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 54 Imagem do filme – Voando para o Rio (1933) Fig. 55 Jornal A Gazeta, 11.12.1954, p. 11 Fig. 56 Acervo Folha de S. Paulo Fig. 57 Acervo Folha de S. Paulo Fig. 58 Estação e Jardim da Luz, entre 1925 e 1930 Autor Desconhecido - In: Cadernos de Fotográfia Brasileira – SP 450 anos. São Paulo, Instituto Moreira Salles, 2004. p. 152 Fig. 59 Folha da Manhã 07.11.1946, p. 12. Fig. 60 Correio Paulistano. 08.11. 1946, p. 12. Fig. 61 Correio Paulistano. 08.11. 1946, p. 112. Fig. 62 O Cruzeiro, n.15, 23.01.1954. Fig. 63 Imagem do filme – King Kong (1933)

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Fig. 64 Acervo Folha de S. Paulo Fig. 65 O Estado de S. Paulo, 12.04.1929, p. 2 Fig. 66 O Estado de S. Paulo, 07.04.1929. p. 27 Fig. 67 Diário de S. Paulo, 17.11.1944 p. 27 Fig. 68 Diário de S. Paulo, 19.11.1944 p. 10 Fig. 69 O Estado de S. Paulo, 25.06.1944. p. 15 Fig. 70 O Estado de S. Paulo, 02.02.1936. p. 30 Fig.71 Capa do Lp da Columbia – Dorys Day e Frank Sinatra – Corações Enamorados. s/d Fig.72 O Estado de S. Paulo, 07.08.1959. p. 19 Fig.73 O Estado de S. Paulo, 07.08.1929. p. 15 Fig.74 O Estado de S. Paulo, 08.08.1929. p. 22 Fig.75 O Estado de S. Paulo, 01.08.1929. p. 22 Fig.76 O Estado de S. Paulo, 01.08.1929. p. 17 Fig.77 O Estado de S. Paulo, 30.08.1929. p. 15 Fig.78 Jazz-Band República – 1930. Fonte: Arquivo Ricardo Mendes. In: SIMÕES, Inimá. Salas de Cinema em São Paulo. São Paulo, Secretária Municipal de Cultura/Secretária de Estado de Cultura, 1990. p. 21 Fig.79 O Estado de S. Paulo, 25.09.1929. p. 21 Fig. 80 O cinema Roxy de Nova Iorque – 1927 Fonte: American Studies at the University of Virginia. http://xroads.virginia.edu/~CAP/PALACE/auditorium.html Fig. 81 A atriz Gloria Swanson fotografada durante a demolição do Roxy em 1961.

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Fig. 94 Imagem do filme do filme A História de Irene Castle e Vernon” – 1939 Fig. 95 Imagem do filme do filme A História de Irene Castle e Vernon” – 1939 Fig. 96 O Estado de S. Paulo – 09.02.1936, p. 5. Fig. 97 O Estado de S. Paulo – 29.03.1936, p. 3. Fig. 98 Coleção Henry Ford. In: Automobile in American life and society – University of Michegan - http://www.autolife.umd.umich.edu/ Fig. 99 Coleção Henry Ford. In: Automobile in American life and society – University of Michegan - http://www.autolife.umd.umich.edu/ Fig. 100 DPH – Divisão de Iconografia e Museus Seção de Arquivos de Negativos. Pref. de São Paulo - No. 797 E Fig. 101 Revista Sombra, ano 5, n.º 46, set. de 1945 Fig. 102 Revista Sombra, ano 5, n.º 45, agosto de 1945. Fig 103 Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 77. Fig. 104 Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 77. Fig. 105 Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 77. Fig. 106 Correio Paulistano, 15.03.1938 p. 9. Fig. 107 Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 119. Fig. 108Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 120.

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Fig. 109 Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 120. Fig. 110 Diário de S. Paulo, 15.11.1944, p. 7 Fig. 111 Diário de S.Paulo, 25.04.1950. p. 4 Fig. 112 Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 121. Fig. 113 Acervo Rino Levi. In: ANELLI Renato, GUERRA Abílio e KON,Nelson. Rino Levi Arquitetura e Cidade. São Paulo, Romano Guerra Editora, 2001. p. 121. Fig. 114 Imagem do documentário, Jazz Um Filme de Ken Burns. Fonte: BURNS, Ken. Jazz Um Filme de Ken Burns.Forentine Films, Weta e BBC. Som Livre, 2002. vol. 2 Fig. 115 Imagem do documentário, Jazz Um Filme de Ken Burns. Fonte: BURNS, Ken. Jazz Um Filme de Ken Burns.Forentine Films, Weta e BBC. Som Livre, 2002. vol. 2 Fig. 116 Imagem do documentário, Jazz Um Filme de Ken Burns. Fonte: BURNS, Ken. Jazz Um Filme de Ken Burns.Forentine Films, Weta e BBC. Som Livre, 2002. vol. 2 Fig. 117 Imagem do documentário, Jazz Um Filme de Ken Burns. Fonte: BURNS, Ken. Jazz Um Filme de Ken Burns.Forentine Films, Weta e BBC. Som Livre, 2002. vol. 2 Fig. 118 Imagem do filme do filme Quero Casar-me Contigo -1941 Fig. 119 Imagem do filme do filme Serenata Azul – 1943 Fig. 120 Imagem do filme do filme Serenata Azul – 1943 Fig. 121 Imagem do filme do filme Quero Casar-me Contigo -1941 Fig. 122 Imagem do filme do filme Quero Casar-me Contigo -1941

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Fig. 123 Imagem do filme do filme Quero Casar-me Contigo -1941 Fig. 124 Imagem do filme do filme Quero Casar-me Contigo -1941 Fig. 125 Imagem do filme do filme Quero Casar-me Contigo -1941 Fig. 126 O Estado de S. Paulo, 17.06.1943. p. 2 Fig. 127 Correio Paulistano, 28.07.1934. p. 04 Fig. 128 O Estado de S. Paulo, 22.06.1944. p. 13. Fig. 129 Diário de S. Paulo, 11.11.1944. p. 08 Fig. 130 O Estado de S. Paulo. 15.09.1955. p. 51. Fig. 131 Fotografia do projeto Arquivo Brasília -.( Trabalho do fotógrafo alemão Michael Wesely e da artista plástica Lina Kim – exposto na Nona Bienal de Havana) Fig. 132 Revista Manchete, 07.05.1960. Fig. 133 Fotografia do projeto Arquivo Brasília -.( Trabalho do fotógrafo alemão Michael Wesely e da artista plástica Lina Kim – exposto na Nona Bienal de Havana) Fig. 134 Revista Manchete, 07.05.1960.

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