RS: O Quilombo Rural de Manoel Padeiro

Share Embed


Descrição do Produto

Porto & Vírgula, Secretaria Municipal de Cultura, Porto Alegre-RS, v. n.11, p. 54-72, 1995.

RS: O Quilombo Rural de Manoel Padeiro

!

!

!

Mário Maestri* Em meados de setembro de 1835, na serra do Tapes, não muito longe da vila de Pelotas, no Rio Grande do Sul, o quilombola Mariano, após se ter dispersado de seus seis companheiros, devido à incessante perseguição de aguerridas tropas policiais, dirigiu-se a um ponto de reencontro, determinado por Manoel Padeiro, general do seu quilombo. Desarmado e faminto, o cativo pediu ajuda a Luiz, trabalhador escravizado da chácara do comendador Bernardino Rodrigues Barcellos. O companheiro de infortúnio, solidário, deu-lhe de comer e, prestativo, convidou-o a se refugiar em uma casa do engenho, devido ao frio e à forte chuva que castigava a serra. Sabemos pouco sobre Mariano. Solteiro, com pouco mais de 25 anos. Ele nascera em Santa Catarina e teria, como principal ocupação, as lides campeiras. Segundo às leis escravistas, pertencia ao barão de Jaguari. Sobre a cabeça de Mariano pesava um valioso prêmio de 100 mil-réis. Seu crime: escapara ao senhor e se juntara, segundo parece, em abril ou maio de 1835, ao agressivo grupo quilombola que convulsionava a serra. Mariano foi preso, em um quarto do engenho, pelo seu falso protetor. Imediatamente enviado pelos capatazes para Pelotas, foi julgado, em inícios de dezembro, pelos mesmos senhores que ofendera, quando fugira ao trabalho e ao látego e atentara contra a vida e a propriedade dos escravistas. Mariano foi abandonado pelo seu senhor. Teve como defensor um advogado, nomeado de ofício, que se despreocupou em recorrer da pena de morte, votada "unanimemente" pelos jurados. Na ocasião, o vendeiro Simão Vergara foi igualmente a julgamento. Caso a pena do africano forro tenha sido mantida, ele pagou com quinze anos, seis meses e vinte dias de sua vida, o ato de ter vendido pólvora aos negros rebeldes. O processo de Mariano e Simão Vergara, depositado nosso Arquivo Público do Estado, fornece-nos a mais rica informação até agora conhecida sobre o fenômeno quilombola no Rio Grande do Sul. *** Durante a Colônia e o Império, o Rio Grande do Sul encontrou-se, sempre, entre as principais capitanias e províncias escravistas, atrás de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia e Pernambuco. Trabalhadores escravizados contribuíram com seu duro e impessoal trabalho à construção do Rio Grande do Sul, desde os primórdios da colonização luso-brasileira dos nossos territórios. Nos primeiros tempos, foi minguado o tráfico negreiro em direção ao Sul. Os cativos negros custavam caro e faltavam recursos para importá-los em grande número. A partir de fins do século 18, a produção charqueadora assumiu um caráter manufatureiro e magotes de cativos, sobretudo africanos provenientes de Angola, foram introduzidos, no Rio Grande do

Sul, anualmente, através do porto de Rio Grande. Pelotas foi o coração da produção saladeira sulina. A atividade charqueadora pelotense motivou uma grande concentração de trabalhadores escravizados. Em 1833, o município possuía 5.623 cativos; 3.911 livres; 1.137 libertos; 5.623 escravos; 180 índios. [AHRGS, CMP, 1833] Em 1884, a população cativa mantinha-se quase a mesma: mil trabalhadores escravizados labutavam na agricultura, dois mil na cidade ou no porto e dois mil nas charqueadas. [CONRAD, 1975:253] A grande concentração de escravos assenzalados angustiava os senhores. As charqueadas eram verdadeiros estabelecimento penitenciários. Nas margens do arroio Pelotas, funcionavam uns quarenta saladeiros, com sessenta cativos cada, em média. A charqueagem era uma atividade sazonal. Durante a safra, que ia de outubro a maio, os trabalhadores escravizados deviam trabalhar o maior número possível de animais. As condições de vida dos cativos charqueadores eram infernais. Eles labutavam, incessantemente, em duras tarefas especializadas, semi-especializadas e não-especializadas, 16 e mais horas diárias, com apenas breves interrupções, embalados pelo chicote do capataz e pequenas canecas de aguardente. Nas poucas horas de repouso noturno, eram encerrados nas sinistras senzalas. Desde os primeiros tempos da colonização, os trabalhadores escravizados sulinos resistiram, ininterruptamente, ao trabalho feitorizado, fugindo, justiçando seus senhores, suicidando-se, organizando quilombos e insurreições. Pelotas foi um dos principais pólos da resistência escrava no Rio Grande do Sul. Os negros charqueadores eram estreitamente vigiados - eles trabalhavam armados de ameaçadores instrumentos de trabalho. Não raro, o desespero de um cativo explodia e um odiado capataz caía, nas canchas, como boi sangrado. Em Pelotas, foi urdida, no mínimo, uma importante conspiração servil - a dos cativos minas, de 1848. Apesar do controle constante, era também comum a fuga de cativos das charqueadas e da vila de Pelotas. Muitos cativos escapados dirigiam-se para a fronteira uruguaia. Em princípio, ali se encontravam longe das mãos senhoriais. Outros, arriscavam homiziar-se na própria aglomeração urbana, caso contassem com o apoio de cativos e libertos citadinos. Sempre havia a possibilidade de procurar um esconderijo e formar, com outros companheiros, uma pequeno quilombo. Ou seja, uma comunidade de produtores livres. As cercanias imediatas de Pelotas eram e são avaras em eventuais refúgios - são planas, desarborizadas e sem acidentes geográficos importantes. Mas se caminhassem um pouco, os fujões encontravam um couto seguro. Até há poucos anos, o município de Pelotas possuía importantes territórios semi-desabitadas, de relevo sinuoso e vegetação agreste. A serra dos Tapes encontrava-se entre eles. A noroeste de Pelotas, o monótono e desprotegido relevo litorâneo é substituído por um significativo complexo de coxilhões e serras - o dorsal do Canguçu. Na região, a serra dos Tapes, com importante vegetação, arroios, caça abundante e boas terras, era habitat ideal para quilombolas. As primeiras ondulações da serra encontram-se a uns vinte quilômetros de

!2

!

Pelotas. Desde fins do século 16, segundo parece, essas regiões eram procuradas por escravos fugidos. *** Nos anos 1835, ricos charqueadores e pequenos e médios agricultores ocupavam parte das férteis terras da serra do Tapes. As pequenas propriedades - as chácaras - dedicavam-se sobretudo à produção de gêneros de subsistência consumidos nas charqueadas e nas aglomerações vizinhas - mandioca, feijão, milho, etc. A região possuía importantes matas. Não temos informações precisas sobre a formação do quilombo de Manoel Padeiro. A documentação conhecida sugere que ele teria se formado no segundo semestre de 1834. Em 10 de outubro desse ano, a câmara municipal de Pelotas registrava que "quilombolas" estariam, "há poucos dias", cometendo "atentados criminosos na serra". [ACMP/ 4/1834-44:28]. Nos meses seguintes, os vereadores pelotenses mantiveram uma nutrida correspondência com a presidência da província, pedindo e recebendo recursos para reprimir os quilombolas. O cativo Manoel, padeiro de profissão, do comendador Boaventura Rodrigues Barcellos, seria chefe inconteste do grupo quilombola. O processo de Mariano/Pai Simão informa que ele vivera fugido, anteriormente, na Serra, em companhia da preta Marcelina, que morrera, de morte natural, e fora enterrada em um dos diversos rancho utilizados pelos quilombolas como refúgio, nas suas andanças. Manoel Padeiro, recapturado, teria escapado, outra vez, sozinho ou acompanhado. Dos doze quilombolas que formavam o núcleo central do grupo, quatro eram, como o general do quilombo, cativos de Boaventura Rodrigues Barcellos. O comendador possuía, além de uma chácara na serra dos Tapes, grossa escravaria e duas charqueadas, contíguas, na margem direita do arroio, na Costa e no Areal. [GUTIERREZ, 1993: 122.]. A documentação revela que eram íntimos e constantes os contatos dos quilombolas com a escravaria do comendador. Não sabemos quando e como os quilombolas se reuniram. Sabemos que, nos primeiros dias de abril de 1835, o bando passou a assaltar chácaras na serra dos Tapes. A correria só teriam terminado, meses mais tarde, em fins de 1835, com o debilitamento dos quilombolas devido a mortes e capturas. A primeira chácara assaltada teria sido a de Jerônimo Lopes Garcia. Participaram do ataque doze quilombolas: Manoel Padeiro, general do quilombo; João, juiz de Paz; Alexandre Moçambique, capitão; Pai Mateus; Mariano Crioulo; Antônio Mulato; Antônio Cabinda ou Cabunda; Pai Francisco, Congo; Francisco Moçambique; Benedito Moçambique; João, cozinheiro e africano; e a mulata Rosa. O cativo Manoel, africano, também do comendador Barcellos, foi preso em uma estrada pelos quilombolas, após esse ataque, e teve sua morte pedida, não sabemos por quê, por Mariano, e negada, por Manoel Padeiro. Poupado, Manoel, preto da Costa, incorporou-se, de vontade própria, aos quilombolas. Não foi possível elucidar o sentido dos títulos "juiz de paz” e "capitão".

!3

Na chácara assaltada, encontrava-se a esposa do proprietário, Jerônimo Lopes Garcia, o que sugere que a serra não se achava ainda conflagrada pelos ataques quilombolas. Na residência, os quilombolas obtiveram farinha, roupas e três armas de fogo. Na ocasião, Alexandre Moçambique propôs o seqüestro da senhora Lindaura Garcia. Manoel Padeiro se opôs ao rapto, certamente consciente de que ele determinaria uma perseguição implacável ao seu grupo. Se os quilombolas deixaram a senhora, levavam a mucama. A parda Maria, de 25 anos, carregada pelos quilombolas, permaneceria com eles, segundo parece, contra sua vontade, por dois meses. Maria foi a primeira de quatro mulheres seqüestradas pelos fujões - três cativas [Maria, Florência e Dorotéia] e uma adolescente livre [Senhorinha Alves]. O que corrobora a tese de que os quilombolas iniciaram, com esse ataque, a fase mais agressiva de suas correrias. A documentação registra uma quase obsessão dos quilombolas por "crioulas" e "pretas". Em 16 de junho, quando sofrem o primeiro ataque direto das tropas policias, os cativos sublevados viajavam pela serra acompanhados de quatro mulheres que deviam ser estreita e continuamente vigiadas. Após o ataque, quando se reagruparam novamente, a primeira iniciativa do grupo - não concretizada - foi assaltar uma fazenda para conseguir novos aliados e novas . . . "pretas". A sede de mulheres dos fujões era compreensível. O desequilíbrio sexual da escravidão é fato registrado pela historiografia. Em média, da África, chegavam dois africanos para cada africana. O tráfico em direção ao Rio Grande do Sul teria mantido esse padrão. [MAESTRI, 1994: 33.] O desequilíbrio sexual alcançava verdadeiro paroxismo nas charqueadas. O historiador rio-grandense Euzébio Assumpção revela, em minucioso levantamento demográfico, que, em 1850-1888, nos saladeiros pelotenses, a taxa de masculinidade encontrava-se em torno dos 87%. [ASSUMPÇÃO, p. 37.] E boa parte das poucas cativas permaneciam nas residências senhorias destinadas às lides domésticas. Também os quilombos eram formados sobretudo por homens. Quando do primeiro ataque policial, o grupo de Manoel Padeiro compunha-se de 11 homens e apenas uma mulher. A mulata Rosa, do comendador Boaventura Rodrigues Barcellos, era uma decidida quilombola. Vestia-se de homem e carregava duas facas na cintura. A documentação sugere que não possuía um companheiro fixo no quilombo. Rosa e João Juiz de Paz morreram, resistindo, quando do ataque reescravizador. Manoel Padeiro não chefiava um quilombo agrícola tradicional, escondido em um ermo qualquer, vivendo da caça, pesca, coleta, agricultura e escambo. O general liderava um grupo de quilombolas bandoleiros que desafiavam, rebeldes, a ordem escravista sul-rio-grandense. Após o assalto à chácara dos Garcias, a quadrilha prosseguiu uma quase ininterrupta peregrinação pela serra. Sem jamais se demorarem muito em um local preciso, alternavam paradas - para descanso, geralmente em acampamentos já utilizados - com o assalto às residências da região. Nove moradias e duas senzalas foram roubadas e incendiadas e um número indeterminado de casas, rapinadas.

!4

As últimas residências assaltadas, antes do ataque policial de 16 de junho, pouco renderam aos quilombolas, que terminam incorporado ao grupo mais sete escravos, encontrados na região. Segundo parece, aterrorizados, os moradores abandonavam a serra, levando o que podiam. Nos assaltos, além das preciosas crioulas e mulatas, os quilombolas obtiveram alimentos - farinha de mandioca; milho; feijão; etc.-, vestimentas, fumo, pólvora, armas de fogo e objetos de valor - estribos e colheres chapeadas à prata. A documentação sobre o quilombo em questão ressalta um fenômeno comum em outras regiões do Brasil. A promiscuidade entre os quilombolas e a população escravizada. Os seguidores do Padeiro obtinham informação dos cativos das casas assaltadas. Escravos participavam de ataques, sem acompanharem, a seguir, os quilombolas. Trabalhadores escravizados eram incorporados ao grupo, ou trazidos para o acampamento quilombola, onde passavam a noite, dançando e comendo, para partir ao amanhecer. Nem sempre o apoio aos quilombolas era voluntário ou desinteressado. A documentação sugere realidade mais complexa. Entre quilombolas e trabalhadores escravizados existia uma identidade, de fato, social e cultural, que levava a que uns e outros dialogassem com facilidade e freqüência, mesmo quando um cativo se opunha aos quilombolas. Esses laços punham, também, escravos e ex-escravos, em contado, algumas vezes em forma contraditória. Possivelmente em fins de abril, Mariano pediu licença a Manoel Padeiro para ir vender milho e comprar fumo e pólvora, nas proximidades da vila de Pelotas. O general acedeu ao pedido e enviou, com o crioulo, o Pai Francisco. A documentação sugere a fina razão da escolha. Depois de roubarem e ensacarem milho, os quilombolas dirigiram-se, numa viagem de nove dias - ida e volta -, a uma venda, em Boa Vista, nas proximidades de Pelotas, de propriedade do africano liberto Simão Vergara, conhecido, pelos quilombolas, como Pai Simão. Pai Simão alugava sua casa a libertos e era proprietário de uma taberna, freqüentada por cativos e forros. Também era dono de humildes moradas, alugados a pretos ganhadores. A taverna de Pai Simão não seria muito surtida. A preta Teresa, mulher do africano, acompanhou Pai Francisco, para que comprasse, sem problemas, erva doce, pimenta do reino, açúcar e cominhos, em outra bodega. Na venda de Pai Simão, os quilombolas adquiriram fumo e a preciosa pólvora. As posturas municipais proibiam, terminantemente, a venda de pólvora a escravos, quanto mais a quilombolas. Mariano declarou que as negociações entre Pai Simão e Pai Francisco se deram na "língua do Congo", que ele desconhecia. O quicongo era falado nas regiões do antigo no reino do Kongo, no norte angolano. As sociedades domésticas africanas utilizam denominativos parentais simbólicos e classificatórios. Assim, chamamos de pai ou de mãe todos os membros da geração de nossos pais e de nossas mães. O fato de os dois africanos serem chamados de "pai" e conhecerem o quicongo, sugere que seriam congos e, talvez, da mesma geração. Não seria profunda a solidariedade nacional. Pai Simão trapaceou, de tal modo, o conterrâneo, pouco afeito aos negócios, ao trocar a valiosa moeda, que recebera para as

!5

compras, que o Padeiro castigou, com laçaços, os viajantes, quando voltaram ao quilombo. Mariano, talvez por pudor, relatou, diante das autoridade policiais, que Pai Francisco teria sido apenas "xingado" pelo Padeiro. Na sociedade classista, domina a ideologia das classes dominantes. O castigo físico, como forma de punição de faltas cometidas, um dos pilares do escravismo, penetrava tão fundo na consciência dos trabalhadores escravizados que, nesse caso, eles adotavam, com um outro conteúdo, a prática, mesmo na liberdade do quilombo. A documentação sugere igualmente que dominariam as determinações sociais sobre as racial, no ação dos quilombolas. Era o fato de serem cativos fugidos que unificava o grupo formado de trabalhadores escravizados, nascidos no Brasil ou na África. A ação dos quilombolas não parece ter sido regida por uma consciência racial que se sobrepusesse às contradições e as necessidades do grupo. As cativas Maria, Florência e Dorotéia foram notificadas que ficavam livres, ao serem obrigadas, à força, a acompanharem os atacantes. Jamais aderiram ao quilombo e tiveram que ser estreitamente vigiadas. A serra dos Tapes era zona de média e pequena propriedades, de grandes, médios e pequenos senhores. Em Pelotas, eram abundantes as olarias. As casas incendiadas possuíam coberturas de palha. O que sugere parcos recursos ou investimentos. Diversas propriedades assaltadas, queimadas ou saqueadas pertenciam a pardos, livres ou libertos. Alguns deles eram senhores de escravos. Os quilombolas pareciam não fazer diferença entre senhores brancos e pardos. Eles arrombaram a residência e assassinaram o pardo liberto José Alves, segundo parece, pequeno proprietário. Após saquearem e incendiarem a casa, carregaram, à força, a sua filha, a mulata Senhorinha, de 16 anos. Israel, irmão de Senhorinha, integrava o grupos armado que atacou os quilombolas, libertou as mulheres e matou João, Juiz de Paz, e Rosa. A documentação registra também o ódio quilombola aos capatazes. Os capatazes Domingos José Enes, português, de 54 anos, e Eufrázio Antônio de Silva, foram duramente feridos e castigados. Durante o ataque da chácara de Tomás Flores, ao saberem que o capataz se encontrava na casa, os fujões arrombaram uma janela, a machadadas, e retiraram e balearam Domingos Enes, deixando-o por morto. A mulata Maria, seqüestrada pelos quilombolas, teria gritado que matassem o português, por que "era mau". A consciência dos trabalhadores escravizados - fugidos ou seqüestrados - se fundia diante da possibilidade de castigar um capataz sobremaneira impiedoso. Após porem a serra dos Tapes em chamas e despertarem a ira e o medo dos senhores pelotenses, como vimos, os quilombolas foram atacados por uma patrulha que cai sobre o acampamento, apodera-se das mulheres e do tesouro de guerra dos sublevados. Dois quilombolas morrem no combate e os outros alcançam a escapar. Porém, mesmo debilitados, a seguir, os quilombolas reagruparam-se e reiniciaram os ataques. Duas semanas mais tarde, em inícios de julho, seis a oito quilombolas atacam, à noite, uma olaria, próxima de Pelotas, com o intento de libertarem "negros" e "negras". No assalto, o Mulato Antônio fere gravemente o capataz do estabelecimento. Os fujões não teriam

!6

!

alcançado seus intentos. Na mesma noite, assaltaram uma venda, no caminho da Serra, onde obtém pão, farinha e fumo. Em 9 de julho, durante a marcha de volta à serra dos Tapes, encontram a Antônio Grande, que é chumbeado, degolado e decapitado. Segundo Mariano, o homem era responsável por ter feito a "partida" a "João, Juiz de Paz". [AHRGS:CMP, 1832-6:9.6.1835] A sorte dos quilombolas estaria selada. Em 12 de agosto, o juiz de Paz do Terceiro Distrito do município de Pelotas participava que uma "partida" atacara um grupo de oito quilombolas e conseguira matar a Antônio Cabunda, que, como vimos, se incorporara aos quilombolas, após escapar de por eles ser morto. [BPP/ACMP/1834-44:13.8.1835] Após este ou um outro ataque subseqüente, Mariano, desgarrado dos companheiros, procurou refúgio, em 10 de setembro, na propriedade onde foi preso, no dia 13, à traição. Segundo uma publicação de Pelotas, de 1928, no início da revolta farroupilha (1835-1845), teria sido entregue "como contribuição de guerra", a quantia de "dois contos e duzentos mil réis", para o combate aos quilombos pelotenses. A expedição, que contou com um "destacamento de alemães", teria sido feita sob a direção do juiz de paz Boaventura Inácio Barcellos. As duas principais concentrações de cativos fugidos batidas se encontrariam "sobre margens de dois arroios de cursos encobertos por densa mataria, afluentes, um do Pelotas, o outro do Arroio Grande". [Antigoalhas de Pelotas, 9.11.1928] Talvez esse quilombo fosse formado por remanescentes do bando do Padeiro. Nos arquivos sul-rio-grandenses encontram-se outros documentos que nos informarão, com maiores detalhes, sobre esses fatos. Em 1835, iniciava-se a Revolução Farroupilha. Com ela, as fugas de cativos tornam-se ainda mais freqüentes. Os farroupilhas assaltavam as fazendas inimigas e libertavam os cativos que aceitassem lutar como soldados. Os soldados imperiais faziam o mesmo nas propriedades dos rebeldes. Cativos eram libertados para substituir senhores convocados para os dois exércitos. Muitos trabalhadores escravizados procuraram refúgio mais seguro do que as fileiras dos exércitos em luta. A fuga para os países vizinhos e o refúgio em quilombos atraíram um número incerto de escapados. Com o fim do confronto, registram-se várias expedições contra quilombos formados durante o decênio revolucionário. A documentação sobre o período farroupilha foi em parte perdida ou é bastante incompleta.

* Mário Maestri doutorou-se em História pela UCL, Bélgica. É professor de História do Brasil na UFRGS e autor, entre outros livros, de L'Esclavage au Brésil [Paris: Khartala, 1989]; Storia del Brasile [Milano: Xenia, 19991]; Os senhores do litoral. [Porto Alegre: UFRGS, 1994]; O escravismo no Brasil. [São Paulo: Atual, 1995.]

!

!7

! BIBLIOGRAFIA: ! APRGS. Processos crimes n. 81; maço 3, estante 36, ano 1835. Pelotas, Juri. AP !

ASSUMPÇÃO, Euzébio. "Idade, sexo, ocupação e nacionalidade dos escravos charqueadores (1780-1888)". I Simpósio Gaúchos sobre a Escravidão Negra. Estudos Ibero-americanos. vol. XVI, n. 1-2.

!

ASSUMPÇÃO, Euzébio. "Pelotas: escravidão e charqueadas: 1780-1888". Porto Alegre: PUCRS, 1995. [Dissertação de mestrado].

!

CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil. 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília, INL, 1975.

!

GUTIERREZ, Ester J.B. Negros, charqueadas & olarias: um estudo sobre o espaço pelotense. Pelotas: UFPel, 1993.

! MAESTRI, Mário. O escravo gaúcho: resistência e trabalho. Porto Alegre: UFRGS, 1994. ! MAESTRI, Mário. História da África Negra Pré-Colonial. Porto Alegre: Mercado Aberto,1988. ! MAESTRI, Mário. Depoimentos de escravos brasileiros. São Paulo: Ícone, 1988. !

SIMÃO, Ana Regina Falkembach. "Resistência e acomodação: aspectos da vida servil na cidade de Pelotas, na primeira metade do século XIX". Porto Alegre: PUCRS, maio de 1993. [Dissertação de mestrado].

! Abreviaturas: !

APRGS: Arquivo Público do RS. AHRGS: Arquivo Histórico do RS. CMP: Câmara Municipal de Pelotas. BPP: Biblioteca Pública Pelotense. ACMP: Anais da Câmara Municipal de Pelotas.

!

!8

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.