SABERES AMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: UM OLHAR SOBRE A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL INDÍGENA E SEUS REFLEXOS NA ABORDAGEM DO TEMA ‘BIODIVERSIDADE’ PELOS LIVROS DIDÁTICOS DIFERENCIADOS

June 22, 2017 | Autor: Marco Tulio Ferreira | Categoria: Interculturalidade, Educaçao bilíngue intercultural
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SABERES AMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL – Marco Túlio da Silva Ferreira & Paulina M. Maia Barbosa

SABERES AMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL: UM OLHAR SOBRE A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL INDÍGENA E SEUS REFLEXOS NA ABORDAGEM DO TEMA ‘BIODIVERSIDADE’ PELOS LIVROS DIDÁTICOS DIFERENCIADOS Marco Túlio da Silva Ferreira*

Paulina M. Maia Barbosa**

Introdução

“As dificuldades que vivemos para construir esta escola diferenciada é que não temos livros diferentes. Os que temos são iguais aos da cidade e não falam de nossos povos indígenas [...] Este problema pode ser superado através da produção de livros nossos [...] Em cursos de formação e capacitação.” (LIMA, in BRASIL 2002a: 80)

De acordo com o artigo 79 da Lei Federal 9394 (LDBEN), a União tem o dever de apoiar técnica e financeiramente a educação intercultural, inclusive através da publicação sistemática de livros didáticos étnico-específicos. Estes materiais foram elaborados progressivamente nos últimos anos, dentro dos cursos de licenciatura intercultural implantados em todo o país. O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), cuja última versão é de 2002, fornece diretrizes para a estruturação curricular das escolas indígenas, e nele está previsto que o ensino de

*

Licenciado em Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais. Núcleo de Pesquisas Transdisciplinares Literaterras, UFMG. E-mail: [email protected] **

Professora do Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: [email protected]

Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 1, nº 2, p. 90 – 113. jul./dez. 2009.

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conteúdos ambientais deve ser transdisciplinar e holístico, de forma a abordar o tema sob o olhar das cosmologias indígenas e suas relações com o meio em seus contextos próprios. O objetivo do presente trabalho foi esclarecer as relações entre a legislação educacional indígena e sua aplicação no ensino de conteúdos ambientais pelos livros didáticos diferenciados. A hipótese testada foi de que a legislação educacional, em especial o RCNEI, não abarcaria completamente as complexas relações simbólico-práticas que os ameríndios constituem com o seu meio, de modo que não preveria adequadamente o ensino destas inter-relações dentro de seus contextos culturais particulares.

Metodologia

O presente estudo se propôs a uma abordagem de cunho qualitativo da problemática estudada, lançando mão de parâmetros quantitativos somente como forma de complementação das informações, com o objetivo de evidenciar a presença de um determinado tema. O que é proposto como metodologia para esta pesquisa é uma análise documental, conforme descrita por Lüdke & André (1986). Estas autoras, baseadas em Holsti (1969), afirmam que há duas unidades de análise neste tipo de estudo: a unidade de registro, onde o pesquisador enfoca aspectos específicos do conteúdo e avalia quantas vezes tal tema ocorre; e a unidade de contexto, onde não é enfocada a quantidade de vezes em que o tema aparece, mas, sim, em qual contexto ele está inserido, objeto de preocupação maior do pesquisador. Portanto, a quantificação de alguns temas aqui utilizada está contida dentro da análise qualitativa, não se constituindo em outra forma de abordagem metodológica. A análise das chamadas unidades de registro, onde se procurou registrar a freqüência de aparição do objeto pesquisado só ocorreu na análise dos livros didáticos, tendo sido a análise da legislação puramente contextual. Para a investigação legislativa foi feita uma análise documental dos mecanismos oficiais que asseguram uma educação diferenciada aos povos nativos do Brasil: art. 22, 210 e 215 da Constituição Federal de 1988 (CF); art. 78 e 79 da Lei Federal 9.394 (LDBEN); Cap. 9 da Lei Federal 10.172 (PNE); e o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), cuja última versão aqui utilizada data de 2002, em seus conteúdos previstos para o ensino de Ciências, Geografia, Temas Transversais ‘Terra e Conservação da Biodiversidade’ e ‘Auto-

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sustentação’.

Complementarmente

aos

documentos

oficiais,

levantou-se

também,

para

enriquecimento da discussão, a literatura científica educacional pertinente. O objeto desta pesquisa foi a área ambiental, em específico o tema ‘biodiversidade’ (seus usos, práticas de manejo, preservação, degradação e relações simbólicas). Embora se possa afirmar, como nos lembra Athayde (2002: 195), que a temática meio ambiente permeia os seis temas transversais do RCNEI – a saber, Terra e Conservação da Biodiversidade; Auto-sustentação; Direitos, Lutas e Movimentos; Ética; Pluralidade Cultural; Saúde e Educação –, somente os dois primeiros abordam de forma direta as questões ecológicas e de manejo da biodiversidade, e por isso, somente estes foram sistematicamente estudados aqui. Os outros temas tratam apenas indiretamente das questões ambientais, e foram consultados somente para investigação de quais possíveis relações com estas eram apresentadas em suas propostas. As disciplinas curriculares do RCNEI são Línguas, Matemática, História, Arte, Educação Física, Geografia e Ciências. Destas, as únicas que tratam diretamente da questão ambiental são as duas últimas, Geografia, pelo seu conteúdo de geografia espacial e estudo do território, e Ciências, particularmente a parte relacionada à biologia e à ecologia. Portanto, apenas estas duas propostas de disciplinas do RCNEI foram analisadas e sistematicamente fichadas. Na tentativa de se investigar como os livros efetivamente lidam com o ensino dos conteúdos ambientais e como se estabelecem as relações entre saberes ambientais tradicionais e científicos dentro desta forma de mídia, sob a luz da legislação pertinente, analisou-se 23 destes livros, de etnias de todas as regiões do país, dentro de cinco parâmetros, tendo como eixo central a biodiversidade: 1) quantificação das espécies apresentadas, divididas por grupos biológicos; 2) usos associados a esta biodiversidade; 3) práticas de manejo e conservação; 4) impactos ambientais e erosão genética; e 5) valores espirituais da biodiversidade. Todos os exemplares utilizados na pesquisa fazem parte do acervo do Núcleo de Pesquisas Transdisciplinares Literaterras, e foram elaborados após 2002, por ser este o ano da última versão do RCNEI, e estar-se buscando investigar os reflexos e influências que este Referencial poderia ter sobre os livros. Os nomes de espécies biológicas procurados nos livros eram nomes populares em português, sendo contabilizados também, em casos onde não havia dúvida, os nomes indígenas de animais e plantas que eram apresentados. Não houve dificuldades para análise dos livros em língua portuguesa, e quando o livro era bilíngüe, foram procuradas as espécies somente nos textos em português. Como alguns livros eram bilíngües, mas não tinham todos os seus textos traduzidos para

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o português, algumas espécies citadas pelos autores podem não ter sido incluídas. Livros totalmente em língua indígena foram mais complexos de analisar. As espécies destes livros foram contabilizadas através da contagem das imagens dos animais e das plantas presentes. Outro recurso utilizado foi o glossário que alguns livros apresentavam na parte final. As espécies traduzidas no glossário foram contadas, o que também pode ter induzido a erros, já que não necessariamente todas as espécies contidas nos textos estavam incluídas nos glossários. Os livros analisados, com seus respectivos autores, etnias, âmbito de elaboração e edição, editora ou órgão fomentador, e ano de lançamento foram os que se seguem: 

Vida e Meio Ambiente – Projeto de Formação de Professores Indígenas: 3º Grau Indígena – UNEMAT – FALE/UFMG MEC/SECAD - 2005



Práticas Pedagógicas e Linguagem – Projeto de Formação de Professores Indígenas: 3º Grau Indígena UNEMAT– FALE/UFMG MEC/SECAD - 2005



Ecologia, Economia e Cultura Livro 1 – Projeto de Formação de Professores Indígenas ISA/ATIX – FALE/UFMG MEC/SECAD - 2005



Irakisu - O Menino Criador – René Kithãulu – Ed. Fundação Peirópolis - 2002



Verá: O contador de histórias – Olívio Jekupe – Ed. Fundação Peirópolis - 2003



Kuaray'i Ywy Rupáre Oiko'i Ágüe: A vida do sol na Terra – Verá Kanguá & Mirï Poty Papa – Ed. Anhembi Morumbi – 2003



Ngongoha Igei Kungatagoho – Kalapalo, Nahukua, Matipu – ISA FALE/UFMG MEC/SECAD – 2007



Kungatagohoha Igei Ngongoi – Kuikuro – ISA FALE/UFMG MEC/SECAD – 2007



Nuku Tsãy Shãwadawa – Associação do Povo Arara do Igarapé Humaitá – CPI-AC FALE/UFMG MEC/SECAD - 2007



Penãhã – Maxakali – FALE/UFMG MEC/SECAD - 2005



Yãmiyxop Xohi Yõg Tappet – Maxakali – FALE/UFMG FUNAI - 2004



Ija mã'e kõ – Wajãpi – IEPÉ FALE/UFMG MEC/SECAD - 2007



Machado a Abelha e o Rio – Kanátyo Pataxó – FALE/UFMG MEC/SECAD Edições Cipó Voador - 2005



Território e Cultura – Pataxó Retirinho – FALE/UFMG MEC/SECAD - 2007



Kene Yositi – Katukina – Secretaria de Educação do Estado do Acre – FNDE/MEC – 2004

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Plantas Medicinais - Doenças e Curas do Povo Huni Kuĩ Edson Ixã Kaxinawá Organização dos Professores Indígenas do Acre - OPIAC CPI-AC - 2006



Nixi Pae – Isaías Sales Ibã Kaxinawá – OPIAC CPI-AC - 2006



Uĩ Bena – Associação do Movimento dos Agentes Agroflorestais Indígenas do Acre AMAAI/AC CPI-AC - 2006



Nuku Mimawa Xarabu – 2a edição OPIAC CPI/AC - 2002



Nuku Kenu Xarabu – Joaquim Maná Huni Kuĩ – OPIAC - 2006



Matsesën Txu Darawakit – Matis – CTI FNDE/MEC - 2005



Yorã Vana Wicha - Ni Pei Rao – Remedios do Mato – Marubo – CTI FNDE/MEC – 2005



Você lembra, pai? – Daniel Munduruku – Global Editora – 2003

Resultados Legislação educacional indígena Através da análise dos documentos oficiais, ficou evidente o papel do Estado em apoiar a produção didática indígena que contemple seus valores culturais, línguas maternas, saberes, e relações simbólicas próprias. De acordo com o artigo 79 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN – Lei 9.394/1996), este apoio governamental à educação intercultural deve darse tanto técnica, quanto financeiramente, sendo que o inciso IV, parágrafo 2º do artigo explicita claramente a necessidade de elaboração e publicação sistemática de materiais didáticos específicos e diferenciados. É unicamente este item da LDBEN que tem assegurado o crescente provimento de materiais voltados para as realidades locais de cada aldeia, elaborados por professores indígenas, na maioria das vezes com o auxílio de universidades e organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIPs), em contextos de cursos interculturais de formação de professores. Além disso, a LDBEN reafirma a necessidade do ensino das línguas indígenas no ambiente escolar, algo nunca antes imaginado no período anterior à Constituição de 1988. O Plano Nacional de Educação (PNE – Lei 10.172/2001) se apresenta como um documento altamente reflexivo sobre as práticas governamentais no que toca a educação escolar indígena. A temática da educação escolar indígena figura em capítulo específico (nº 9), propondo diretrizes, e estabelecendo 21 metas para a educação escolar indígena, tais como a ampliação das escolas e as séries abrangidas pelas mesmas, criação da modalidade escola indígena, capacitação de professores,

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etc. O documento tem uma visão muito positiva sobre a questão, havendo um reconhecimento explícito dos massacres históricos realizados pela ‘sociedade nacional’ sobre a ‘sociedade indígena’, falando-se mesmo em resgatar “a dívida social que o Brasil acumulou em relação aos habitantes originais do território” (BRASIL 2001: 59).

Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas - RCNEI O Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas foi tomado como referência principal em termos das propostas de conteúdo prático a ser repassado em sala de aula, uma vez que é o único documento elaborado com o fim de estruturação curricular das escolas indígenas. Isto significa que ele representa a única proposta oficial do governo para os conteúdos e disciplinas a serem ofertados para os povos indígenas, fazendo dele o principal parâmetro para os conteúdos disciplinares de suas escolas. Sua função é formativa, não normativa: seu conteúdo deve ser visto como sugestão ou referência para a implantação dos currículos próprios e específicos de cada escola, e não como proposta obrigatória. O Referencial assegura o direito de cada escola elaborar sua própria proposta curricular, voltada para a realidade de sua comunidade. Além disso, afirma que o ensino deve dar-se de maneira que os saberes não fiquem restritos a um campo disciplinar específico e possam ser trabalhados através de vários pontos de vista, onde os conteúdos repassados em sala de aula devem refletir os sistemas simbólicos, bem como transmitir os conhecimentos milenares das culturas indígenas, respeitando suas próprias tradições e práxis. No que se refere aos temas aqui estudados, o RCNEI sugere que o planeta Terra, o meio ambiente e os recursos naturais devem ser tratados a partir das relações estabelecidas por estas sociedades com o meio, relações estas de respeito e sacralidade pela floresta e os seres que nela habitam e fornecem o sustento e a forma de vida dos povos ameríndios. As culturas nativas da América possuem profundas relações mítico-simbólicas com os meios onde estão inseridas, e esta dimensão não pode passar despercebida durante os processos de ensino-aprendizagem da escola indígena. O Referencial ressalta a importância que o meio possui para estas sociedades, afirmando que para elas a terra é vista como uma “mãe”, sua provedora e fonte do seu sustento, o que os leva a estabelecer uma relação de sacralidade com o meio ambiente. Portanto, os índios estariam extremamente preocupados com os problemas ambientais, sendo importantes atores em prol da conservação. Segundo o documento, em um momento em que todos os povos estão buscando alternativas para os modelos econômicos, energéticos e sociais, os índios teriam muito a contribuir

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nesta busca, com suas práticas tradicionais de manejo da biodiversidade e da agrobiodiversidade. Inclusive, sugere-se que seja realizado resgate das variedades de sementes e práticas de cultivo tradicionais, já que uma erosão destas variedades de cultígenos e conhecimentos associados a eles vem ocorrendo progressivamente desde a chegada dos europeus ao continente americano. O tema ‘Terra e Conservação da Biodiversidade’ tem como principal objetivo “valorizar e refletir sobre a realidade atual fundiária e ambiental do Brasil e conscientizar a sociedade nacional e as indígenas para a construção do futuro (...)” (BRASIL 2002: 96). Entre alguns dos objetivos a que o RCNEI se refere para a aplicação destes temas, destaca-se aqui, por sua pertinência direta à questão ambiental e da biodiversidade: a valorização da biodiversidade existente em áreas indígenas, valorizando também o meio que se vive; reconhecer a riqueza biológica das terras indígenas; reconhecer os recursos naturais utilizados e importantes para a sua cultura; compreender as noções de recursos renováveis e não-renováveis; criação de alternativas não-predatórias de autosustento. Também são mencionados, tanto no tema ‘Terra e Conservação da Biodiversidade’, quanto em ‘Auto-sustentação’, as questões fundiárias e territoriais do Brasil, como a demarcação e utilização das terras indígenas, e o manejo dos recursos nelas contidos. O avanço do progresso e da sobre-exploração de recursos que adentra as terras indígenas é outro tópico citado no texto como tema a ser estudado pelos índios em suas escolas. Esta seção do documento afirma ainda que as questões da terra e da biodiversidade devem sempre ser atreladas aos mitos e explicações culturais, ao invés de se priorizar as explicações científicas, que tendem a desvalorizar os mesmos. Quando estas forem mencionadas, deverá ser sempre complementarmente às ciências indígenas, ou em situações que estas não possuam explicações para certos fenômenos, (por exemplo, tecnologias nãoindígenas, como os satélites ou a energia elétrica). Apesar do RCNEI explicitar claramente essa priorização das explicações culturais indígenas em detrimento das explicações acadêmicas, como veremos na Discussão, foi observado em vários livros o desejo por parte de algumas etnias de conhecer de perto os trabalho de técnicos e cientistas, principalmente quanto às questões ambientais e territoriais, como técnicas de plantio, recuperação de áreas degradadas, manejo florestal, cartografia e mapeamento, etc. Pode-se concluir que ambos os temas transversais sugeridos pelo RCNEI aqui analisados possuem cunho holístico, não se limitando às ciências ambientais, e incentivando o diálogo com outros campos do conhecimento como a economia, a geografia, a antropologia e os próprios sistemas de saberes autóctones.

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No conteúdo sugerido para as disciplinas de Geografia e Ciência continua regendo a visão de que os povos indígenas possuem íntima relação com seu ambiente, sendo o espaço e o território considerados sagrados e fonte de sustento do povo. É muito enfatizada a necessidade de inclusão dos pontos de vista das ciências indígenas e explicações culturais, quando possível, estabelecendo conexões com as explicações da ciência ocidental moderna. O campo da Geografia no RCNEI é descrito tendo como elementos definidores de seu estudo a cultura, o trabalho, e as formas de apropriação de espaço. Particularmente a geografia econômica nos interessa aqui, pois vai abordar as relações entre recursos, mercado, o que é consumido e o que é comprado na aldeia, formas de comercialização, etc. Nesse ponto de sua abordagem, a disciplina de Geografia está altamente relacionada com o Tema Transversal 2 – AutoSustentação. Também se fala no texto sobre a reflexão em torno do espaço geográfico da aldeia, pensando-se os componentes biológicos e da paisagem, as relações sociais, de território e identitárias, o uso dos recursos naturais, e as relações com a sociedade não-indígena envolvente; do espaço geográfico do Brasil, onde se estudariam as relações ambientais dentro das terras indígenas e com o seu entorno; do espaço geográfico mundial, que pensa a apropriação, utilização e conservação do espaço por povos de todo o planeta, a ordenação mundial, os desequilíbrios ecológicos mundiais, e quais são os outros povos do mundo. Já no tocante ao ensino de Ciências, o RCNEI afirma que pode contribuir para uma melhor compreensão das transformações do mundo trazidas pela cultura ocidental, ao se estudar os riscos e impactos ambientais, e a gestão do território e dos recursos (ponto de convergência com a geografia). É proposto que os temas sejam variados e abertos. Pretende-se formar um pesquisador intercultural capaz de dialogar com os sistemas de saberes não-indígenas, e que investigará os fenômenos bio-físico-químicos a que estamos sujeitos a todo o momento, como o som, a luz, etc. Somente neste ponto do RCNEI as explicações científicas são enfatizadas como conteúdos importantes a serem ministrados nas Escolas Indígenas. Quatro temas são sugeridos como básicos dentro da disciplina de Ciências: Os Seres Humanos e o Meio Ambiente; O Corpo Humano e a Saúde; Atividades Produtivas e Relações Sociais; A Terra no Espaço. O texto alerta para o fato de não serem estes esquemas fechados e moldados, cada professor indígena tendo a liberdade para abordar estas questões à sua própria maneira. Como o próprio nome já diz, o primeiro tema trata das relações ecológicas dos seres humanos, que aborda a diversidade ecológica e biológica conhecida pelas culturas indígenas, indo

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além das relações utilitaristas de conhecimentos e técnicas de manejo, mas passando também pelas relações simbólicas destas culturas e suas categorias próprias de classificação. O ensino deste tema na escola indígena deve ainda, de acordo com o RCNEI, construir conceitos, conhecimentos e atitudes conservacionistas, tendo em vista a preparação dos alunos para, entre outros objetivos, identificar o que são recursos naturais e as práticas tradicionais de sua utilização, conhecer os recursos hídricos de sua região, os impactos trazidos pela sociedade ‘branca’, as relações entre água, solo, substâncias e os seres vivos, e formas e técnicas de aproveitamento equilibrado do ambiente. O segundo tema sugerido trabalha as interações entre corpo, saúde e doença. É sugerido estudar-se a dieta indígena, os alimentos tradicionais responsáveis por uma boa saúde, as formas de extração dos alimentos, etc. Já o tema de atividades produtivas e relações sociais aborda a questão ambiental ao tratar da utilização de recursos e suas relações produtivas, e ao propor a elaboração de calendários ecológico-econômicos de cada etnia, levando-se em consideração as relações temporais que cada uma delas possui. Entre os seus objetivos está formar pessoas capazes de identificar recursos importantes ao bem-estar cultural e econômico, identificar, localizar e dimensionar as práticas de uso e manejo dos recursos, e conhecer e avaliar os diferentes interesses econômicos sobre os recursos. O último tema sugerido para a disciplina de Ciência (A Terra no Espaço) não possui relação direta com a parte ambiental, a não ser no tocante ao estudo dos calendários e formas indígenas de contagem do tempo através dos fenômenos astronômicos. É bem conhecida da literatura etnográfica ameríndia que a periodicidade congruente dos fenômenos celestes e ambientais faz com que se estabeleçam relações simbólicas e ontológicas entre os mesmos (por exemplo, quando uma constelação X surgir no céu, é porque está chegando a época de colheita do fruto Y).

Livros didáticos diferenciados e específicos para as escolas indígenas Dos 23 livros analisados, 11 foram editados pelo Núcleo de Pesquisa Transdisciplinares Literaterras, vinculado à Faculdade de Letras-FALE/UFMG. Destes, 10 foram elaborados com parceria de OSCIPs e Associações Indígenas, viabilizados através de recursos provindos da SECAD/MEC, e um livro através de recursos obtidos diretamente com a FUNAI. Quatro foram editados por editoras privadas: Global (1), Anhembi Morumbi (1) e Fundação Peirópolis (2). Seis Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 1, nº 2, p. 90 – 113. jul./dez. 2009.

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livros foram lançados com recursos de OSCIPs (CPI do Acre – 4; Centro de Trabalho Indigenista – 2), alguns em parceria com associações indígenas e/ou cursos de formação. Além destes, um livro foi lançado pela Secretaria de Educação do Acre, com recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE); e outro através da Comissão Nacional de Apoio à Produção de Material Didático Indígena (CAPEMA/SECAD/MEC). Foi observado que uma maior ênfase foi dada aos saberes indígenas associados à biodiversidade e ao meio, com poucas informações sobre os saberes acadêmico-científicos, a não ser o já mencionado desejo de se trabalhar de perto e conhecer melhor as técnicas usadas por pesquisadores e profissionais não-indígenas. A Tabela 1 sintetiza a quantificação da biodiversidade dos livros didáticos diferenciados indígenas analisados pelo presente estudo. Como podemos observar na Tabela, muitos livros não trazem nenhuma informação sobre alguns grupos biológicos, mas nenhum deles deixa de mencionar qualquer espécie biológica. O grupo mais citado é o dos vegetais, com um total de 812 menções nos 23 livros. A Classe Aves é citada 238 vezes, enquanto mencionaram-se os mamíferos em 180 ocasiões, já os répteis e anfíbios, conjuntamente, apareceram em 60 menções. Espécies de peixes (tanto de peixes ósseos, quanto condrictes – principalmente arraias de água doce amazônicas) foram mencionadas 43 vezes no conjunto de livros analisados. Como esperado, foi contabilizado um grande número de espécies biológicas nos livros. Os três livros com maior biodiversidade foram Plantas Medicinais - Doenças e Curas do Povo Huni Kuĩ, com 211 espécies, das quais 163 espécies diferentes de plantas medicinais são descritas, com mais outros 19 vegetais e 29 animais; Ecologia, Economia e Cultura Livro 1, onde ocorreram um total de 210 espécies, sendo 109 de plantas, e 101 de animais; e Nuku Tsãy Shãwadawa, da etnia Shãwadawa (mais conhecida como Arara), que citou 208 espécies, das quais 54 eram de plantas, e os 154 restantes eram de animais, sendo que mais da metade destes (78) eram aves. Esta última marca atinge um índice não alcançado para nenhum grupo de animais, em nenhum outro livro dentro do universo analisado. Etnia Práticas Pedagógicas e Linguagem

Mamíferos Aves Répteis/Anfíbios Peixes

Invertebrados Vegetais Total

Várias

6

3

1

0

1

2

13

Vida e Meio Ambiente Ecologia, Economia e Cultura Livro 1

Várias

10

8

2

0

3

33

56

Várias

27

31

12

16

15

109

210

Irakisu - O Menino Criador

Nambikwara

13

13

3

0

4

20

53

Verá: O contador de histórias Kuaray'i Ywy Rupáre Oiko'i Ague

Guarani

2

2

1

0

1

9

16

Guarani

2

13

2

1

4

8

30

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Ngongoha Igei Kungatagoho

Kalapalo, Matipu, Nahukua

5

11

1

0

2

85

104

Kungatagohoha Igei Ngongoi

Kuikuro

8

2

1

1

1

100

113

Nuku Tsãy Shãwadawa

Shawãdawá (Arara)

28

78

13

12

23

54

208

Penãhã

Tik’mũun (Maxakali)

20

8

2

0

3

17

50

Yãmiyxop Xohi Yõg Tappet

Tik’mũun (Maxakali)

1

11

0

0

1

0

13

Ija mã'e kõ

Wajãpi

1

13

4

1

1

2

22

O Machado a Abelha e o Rio

Pataxó

0

0

0

0

1

5

6

Território e Cultura

Pataxó Retirinho

11

2

1

0

10

28

52

Kene Yositi Katukina Plantas Medicinais - Doenças e Curas do Povo Huni Kuĩ Hunĩ kuĩ (Kaxinawá)

4

19

1

6

1

21

52

18

7

4

0

0

182

211

Nixi Pae

Hunĩ kuĩ (Kaxinawá)

12

6

3

1

0

19

40

Ui Bena

Hunĩ kuĩ (Kaxinawá)

0

0

3

0

0

0

3

Nuku Mimawa Xarabu

Hunĩ kuĩ (Kaxinawá)

0

0

0

0

0

2

2

Nuku Kenu Xarabu

Hunĩ kuĩ (Kaxinawá)

0

0

1

0

0

4

5

Matsesën Txu Darawakit

Matis

14

5

2

1

7

11

40

Yorã Vana Wicha Ni Pei Rao

Marubo

10

6

3

4

6

99

128

Munduruku 0 0 0 0 1 Tabela 1: Quantificação da biodiversidade, dividida por grupos biológicos, dos livros indígenas analisados

2

3

Você lembra, pai?

Além da quantificação de espécies, puderam ser registrados hábitos de utilização da biota em seus múltiplos aspectos – religioso, simbólico, utilitarista, ou ecológico – pelo menos uma vez em 17 livros (73,9%) do universo analisado. Entre os usos observados estão: confecção de artesanato; alimentação, desde o plantio, passando pela colheita até o preparo para consumo; ornamentações e pinturas corporais; extração de óleos vegetais, como o de pequi (Caryocar brasiliense Camb.), para múltiplos fins; remédios da floresta; esculturas em madeira; hábitos de caçada e pescaria, bem como das caças e pescados; lenha para fogo e construção de casas; plantas para diálogo com o universo não-humano; espíritos protetores da floresta, da biodiversidade como um todo, e “donos” de cada espécie. Também em termos de hábitos conservacionistas, foi registrada uma miríade de práticas em 10 livros (43,5%): o senso de sacralidade diante de certos elementos da biota que impede o abate ou o desperdício destas espécies; o diagnóstico relativo ao nível de abundância dos recursos importantes para a cultura; tabelas fenológicas de árvores frutíferas nativas, que informam também seus nomes em língua indígena, diagnóstico de status de conservação (Figura 2); elaboração de planos de manejo para os recursos dos territórios, etc. Alguns livros falavam da importância de se resgatar as práticas tradicionais de manejo, bem como trazer e experimentar as técnicas nãoindígenas de manejo ambientalmente sustentável. Cadernos do LEME, Campina Grande, vol. 1, nº 2, p. 90 – 113. jul./dez. 2009.

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No tocante à degradação ambiental, poluição, erosão genética e demais conseqüências negativas de ações antrópicas no meio, apenas 6 livros (26,1%) mencionaram esta questão. Pode-se dividir o tema em dois tipos principais de impactos: internos às terras indígenas, seja por invasão de suas terras para expropriação de madeira e outros recursos, seja pelo mau manejo dos próprios indígenas, devido a causas diversas; e impactos no entorno das terras demarcadas, com conseqüências diretas nas aldeias, como por exemplo, a contaminação das cabeceiras do rio Xingu por fazendas do entorno do Parque Indígena do Xingu (PIX), relatada nos livros de povos residentes desta região. Enquanto nestes impactos ‘externos’ o tom dos textos era de denúncia de uma realidade involuntária e opressora, os impactos ‘internos’ eram sempre relatados como reconhecimento dos erros do passado, com um explícito desejo de mudanças em busca de uma melhoria das condições ambientais de seus territórios. Os valores espirituais relacionados à biodiversidade e ao ambiente foram muito observados, tema presente em 20 dos 23 livros analisados (86,95%), ou seja, foi o parâmetro analisado mais presente no universo estudado. Vários protetores da floresta e da biota são retratados em grande parte dos livros, e mencionados em diversos momentos diferentes. Alguns espíritos são ontologicamente ‘maus’, causando doenças e maldições em qualquer pessoa que se aproxime da árvore ou animal que eles protegem; outros são vistos como ‘protetores’ e ‘vingativos’, uma vez que só causam catástrofes aos humanos, caso estes matem animais que não vão comer, derrubem árvores sem propósito, comam alimentos proibidos, causem maldades diversas, etc. Além disto, vários outros aspectos da vida ritual e xamanística das culturas autóctones foram apresentados, como a iniciação e rituais de cura de pajés; histórias cosmogônicas, de surgimento dos seres vivos, espécies agrícolas e utilizáveis, entre outros.

Discussão Anteriormente à Constituição Federal de 1988 (CF), o ensino de línguas indígenas e o uso de métodos próprios de aprendizagem eram proibidos, uma vez que a política era de assimilação destes povos. A CF, graças às lutas do movimento indígena e indigenista nas décadas de 70 e 80, como bem nos lembra Grupioni (1994), assegurou o direito ao ensino nas escolas indígenas de suas línguas maternas e seus saberes tradicionais, o que representou uma enorme conquista. Posteriormente, a LDBEN reafirmou os direitos a métodos próprios de reprodução cultural, e previu

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a elaboração de currículos e materiais didáticos específicos e diferenciados. Portanto, a LDBEN constitui um novo avanço já que se passou de um estágio unicamente permissivo do ensino (concomitantemente ao português) em língua indígena, definido pelo artigo 210 da CF, para um momento histórico de incentivo do ensino em língua indígena, inclusive através da elaboração de materiais de uso didático nestas línguas. Desnecessário seria aqui reafirmar a importância de um sistema lingüístico para a manutenção do complexo cultural em que ele se encontra inserido. Porém, convém sempre lembrar que, apesar da CF ser apenas permissiva, o próprio reconhecimento da existência dessas línguas em território nacional, e assegurar o direito dos povos indígenas em mantê-las vivas, já representa um avanço incomensurável, se comparado à situação anterior de ditadura militar, onde a língua oficial do Brasil era unicamente o português, e qualquer cidadão que afirmasse o contrário poderia ser perseguido ou preso. A concepção política era de erradicação de qualquer língua autóctone existente, através do processo de integração e assimilação das culturas indígenas pela sociedade brasileira. Portanto, apesar de todas as críticas, e de ainda termos muitos pontos a avançar, a CF de 1988 – ou ‘Constituição Cidadã’ – foi uma importante vitória para o movimento indígena brasileiro em vários campos, entre eles o da educação e do tão demorado reconhecimento de uma inegável multiculturalidade nacional. Logo, isto é uma guinada imensa no pensar e no agir sobre as culturas indígenas pela sociedade e governo brasileiros, se lembrarmos que desde o primeiro contato com os europeus até apenas 21 anos atrás, a política em voga no território que hoje constitui o Brasil foi de erradicação das culturas materiais e imateriais, seja pela destruição direta destas manifestações culturais (aniquilação, através de guerras, assassinatos), ou pela destruição indireta (ou em um termo mais brando, ‘assimilação’, onde ocorreria o abandono dos hábitos selvagens, línguas e costumes para uma adesão ao modus vivendi brasileiro). O PNE é o primeiro documento reconhecedor dos erros do Estado ao longo da história no tocante à educação indígena, estabelecendo 21 Metas para reparação destes erros. As propostas são mais bem fundamentadas e esclarecidas no PNE do que as contempladas pelas CF e LDBEN (embora o capítulo dedicado ao tema seja de apenas duas páginas), pois as metas são mais específicas e voltadas para ação prática, não sendo uma norma vaga como as outras duas. Não obstante, as críticas ainda são muitas. Pode-se questionar, por exemplo, o próprio termo ‘educação indígena’, que nas definições dos documentos legais quase sempre se referem à educação escolar indígena, enquanto se sabe que nas sociedades de tradição oral a transmissão de conhecimentos se dá de formas diversas, e que a escola é um instrumento recém-apropriado pelos povos indígenas para sua perpetuação sócio-cultural (SOUZA, 2005).

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O RCNEI consiste na primeira diretriz madura para uma estruturação curricular das escolas indígenas, sendo o único documento a abordar diretamente os conteúdos a serem ministrados, preconizando o ensino da temática ‘Meio ambiente’ dentro das cosmovisões indígenas. A própria concepção de um documento como este já representa um esforço em direção da construção de uma educação intercultural efetiva. Em sua II Parte, 5a Seção, - As Produções de Autoria Indígena, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas propõe que os livros didáticos devem ser transdisciplinares, não sendo dedicados a um só campo do saber, além de constituírem “materiais de alto valor estético e cultural não só para as escolas indígenas” (BRASIL 2002a: 69). De fato, os livros aqui analisados não seguiram nenhuma segmentação disciplinar, sempre tratando os conteúdos e conhecimentos que se deseja passar através daquele material de maneira holística. Quando ocorria a menção a algum campo disciplinar, como ecologia, economia, antropologia, geografia, etc., ela nunca se dava em um contexto em que o conteúdo era relacionado unicamente àquela disciplina, tratando de temas mais amplos e relevantes para a realidade das aldeias, como as cadeias de extração de recursos-produção-trabalho-economia, relação ambiente X território, conteúdos estes sempre permeados pelas simbologias indígenas. Podemos ver claramente nestas propostas uma valorização e estímulo das práticas e processos autóctones dos povos nativos do continente, incentivando a divulgação dos mesmos para as novas gerações em formação nas escolas. Apesar do documento segmentar as disciplinas da mesma forma que elas são estruturadas na nossa escola (o que dificilmente poderia ser descrito como educação diferenciada – cf. Souza, 2005, para uma discussão aprofundada sobre este tema para a disciplina de Geografia), e de dissociar temas tão intrinsecamente relacionados, ele permite uma certa mobilidade para abordagens alternativas por parte dos professores indígenas, e enfatiza inúmeras vezes a importância de se valorizar as categorias e cosmologias indígenas. Porém, esta segmentação pelo Referencial, aliada à impossibilidade de estabelecerem-se limites precisos entre os campos do saber indígena chega até mesmo a levar a uma redundância ou sobreposição de conhecimentos, já que o mesmo assunto (o principal exemplo disto, citado nos dois temas transversais e nas duas disciplinas aqui analisadas, é o da utilização dos recursos naturais) é abordado inúmeras vezes; e quase sempre as propostas para estudo e pesquisa são bastante similares. Muitas vezes essas temáticas são simplesmente indissociáveis, como bem ilustra a professora Nete, da etnia Pataxó, em um dos livros analisados:

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SABERES AMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL – Marco Túlio da Silva Ferreira & Paulina M. Maia Barbosa [...] assim a gente conhecia como sendo “do tempo”, antigamente. E hoje tem essa palavra: os climas – mas eu deixei no meu conhecimento que é “o tempo”. Cada lugar, cada dia está num tempo. E os outros já planejaram na ciência; isto é Ciências, Geografia, tudo. Tudo está incluído, não tem como separar. (NETE, in Território e Cultura 2007: 48)

Quanto ao ensino de Ciências, convém deixar aqui a crítica de que ao tratar o tema ambiental dissociado do tema da saúde e do corpo humano, o RCNEI abertamente ignora o fato de que, para muitos povos ameríndios, a saúde humana e a saúde do ambiente estão diretamente ligadas (BRASIL, 2002b), as doenças acontecendo em casos de desequilíbrio entre as forças humanas e não-humanas, ou entre o mundo natural e o espiritual. Também as explicações culturais ocidentais quanto à etiologia de muitas doenças remetem a desequilíbrios ambientais, como poluição e contaminações, falta de saneamento, desmatamentos e colonização de áreas silvestres, etc. Portanto, ao tratar tais conteúdos (Saúde humana e ambiental) de forma segmentada não se está caminhando em direção uma educação intercultural de caráter complexo e holístico, que considere e valorize os saberes e valores indígenas, tanto por ignorar suas explicações, quanto por não se aproveitar deste paralelo intercultural possível de ser traçado entre as explicações indígenas e nãoindígenas. Já entrando na abordagem dos livros, pode-se observar que os materiais elaborados por etnias que possuem vastos territórios com o ambiente natural minimamente conservado (geralmente da região Norte do país), apresentaram maiores citações relacionadas ao meio ambiente, de espécies biológicas, práticas de manejo, etc., do que as etnias que têm suas terras impactadas e degradadas (como as da região Sudeste). Na análise quantitativa das espécies dos livros, interessantes conteúdos de ensino tratando de meio ambiente e biodiversidade puderam ser observados. No levantamento do número de espécies, observou-se a ênfase em determinado grupo em um livro (como o alto número de espécies vegetais no livro de plantas medicinais Hunĩ kuĩ), mas também muitos livros com altíssima diversidade entre os grupos (o melhor exemplo disto foi o Nuku Tsãy Shãwadawa (78 aves, 28 mamíferos, 54 plantas, 23 invertebrados, 13 peixes e 12 répteis/anfíbios). Alguns livros apresentaram baixo número de espécies, apesar de a questão ambiental ser seu tema principal, como o Uĩ Bena, de 2006, que descreve um projeto de criação de quelônios, implantado em aldeias Hunĩ kuĩ. Somente três espécies são apontadas neste livro (tracajá, tartaruga e jabuti), porém não há dúvida da importância do projeto para as práticas ambientais desse povo, pois a carne de quelônio é muito apreciada pelas populações amazônicas, e por isso mesmo é um recurso cada

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vez mais escasso e precioso nesta região. Sua criação é uma forma de diminuir o impacto da extração predatória nos ambientes naturais. É importante frisar que esta análise quantitativa é somente um parâmetro de avaliação, não sendo o alto índice de espécies uma afirmação de superioridade educacional ou pedagógica do material. O que importa realmente aqui para a pesquisa são as formas de abordagem e a profundidade das discussões com que os temas ambientais são tratados. Convém também lembrar que uma alta representatividade numérica no conteúdo dos livros não pode ser interpretada em termos de uma alta representatividade das importâncias relativas que cada grupo biológico possui para os povos indígenas. Um exemplo disto, é que sendo a ictiofauna a base alimentar e fonte protéica da maior parte dos povos amazônicos, bem como de grande parte dos povos ameríndios, e a pesca uma prática cultural extremamente difundida e importante no continente americano, o fato dos peixes serem menos citados, de forma alguma poderia significar que eles tenham menor valor para a subsistência e simbolismo das culturas indígenas. Além disso, as plantas são seres imóveis e altamente diversos (principalmente nos neotrópicos – o Brasil sozinho abriga cerca de 20% da diversidade vegetal planetária), com os quais estamos em constante contato quando em qualquer ambiente natural e, portanto, o conhecimento sobre elas é inevitavelmente maior do que sobre os animais, sempre em fuga do ser humano, e cujos encontros normalmente ocorrem durante a prática da caça ou da pesca. Era esperado encontrar mais plantas do que animais citados e, portanto, é perfeitamente compreensível que o grupo das plantas apareça quase três vezes mais do que as aves, segundo grupo mais citado. Além disso, as plantas possuem inúmeras funções alimentares, medicinais, espirituais, entre outras, sendo de extrema importância para todas as culturas humanas. Como já afirmado, os livros enfocam prioritariamente os saberes ecológicos tradicionais, quase sem mencionar os conhecimentos acadêmicos. Um dos únicos livros a mencionar conceitos científicos, tentando estabelecer um diálogo entre estes e os conceitos indígenas foi o Ecologia, Economia e Cultura Livro 1, de 2005. Este livro de autoria multi-étnica apresenta uma abordagem efetivamente transdisciplinar ao se propor a estudar – como o próprio título sugere – o ambiente, a economia e os valores culturais sob uma mesma ótica, não dividindo a análise das formas de apropriação do meio dentro destas três categorias como a segmentação disciplinar científica tenderia a fazer (cf. ATHAYDE, 2002). E mais, o livro tenta articular dialogicamente o que a ciência desenvolvida na academia sabe acerca destes campos do saber, com o que é conhecido pelas ciências indígenas. Inúmeros usos possíveis da biodiversidade foram mencionados, e capítulos

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inteiros foram dedicados aos usos tradicionais da biota pelos 14 povos que participaram de sua elaboração. Outros livros, como os dois da série Esta é a terra que nós plantamos, apresentaram diagnósticos ambientais e de manejo de recursos naturais importantes presentes nas terras indígenas, como frutíferas nativas, ou matérias-primas para a construção de casas tradicionais. Avalia-se o estado de conservação de cada espécie, explicando as formas de realização do manejo, qual parte da planta é utilizada, etc. A Figura 1 ilustra a construção de uma oca tradicional Kuikuro, indicando os 11 recursos naturais utilizados para esta tarefa. Também na análise de práticas conservacionistas verificou-se grande abundância e qualidade de informações. A Figura 2 apresenta um diagnóstico da disponibilidade dos mesmos 11 recursos necessários para construção da moradia tradicional Kuikuro, proposta inovadora de sistematização do manejo e do conhecimento acerca da biodiversidade utilizada. Lembremos que esta estratégia, de levantamento de dados acerca da abundância relativa de recursos e da identificação dos seres vivos importantes para as manifestações culturais da etnia está prevista e é preconizada pelo RCNEI.

Figura 1: Arquitetura, e recursos utilizados para a construção de moradia tradicional Kuikuro (Kungatagohoha Igei Ngongoi 2007: 125)

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Figura 2: Status de conservação e formas de manejo dos recursos para construção de casa tradicional Kuikuro (Kungatagohoha Igei Ngongoi 2007: 127)

Já há algum tempo que vêm sendo descritas pela ciência ocidental as profundas relações espirituais-simbólicas que os povos ameríndios desenvolvem com o meio ambiente em que vivem (ver, por exemplo, CASTRO, 1996; DESCOLA, 2000; POSEY, 1986; POSEY, 2002). Enquanto para a cultura eurocêntrica é claro e distinto os limites entre natureza e cultura, tal fato não ocorre nas cosmovisões ameríndias (CASTRO 1996). Portanto, não poderia ser feita uma análise do

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conteúdo de biodiversidade em livros de autoria indígena sem levarem-se em consideração estas relações simbólicas. Através da representação destes valores espirituais da biodiversidade nos livros analisados, pode-se vislumbrar, mesmo que minimamente, a importância do meio ambiente para as culturas nativas do Brasil. Foi marcante nos livros a dialética direta entre valores conservacionistas e espirituais, onde a biodiversidade, ou melhor, a floresta como os ameríndios a enxergam – com todos os seres não-humanos, míticos e orgânicos que lá habitam – é protegida por tabus de exploração de recursos, sob o risco de doenças, maldições e em casos extremos até da morte do infrator e de seus familiares próximos. Qualquer um, inclusive os “brancos”, que quebre o equilíbrio harmônico da floresta ao sobre-explorar recursos por ganância, diversão, ou qualquer outra motivação, será vítima da ação dos espíritos protetores da natureza. Esta intervenção por parte dos seres míticos buscaria o restabelecimento do equilíbrio entre as forças naturais, espirituais e humanas. Xu (2005) descreve, tomando como exemplo o sudoeste da China, a importância do conceito de sacralidade para a conservação efetiva dos recursos naturais. Nesta região, e em muitos outras regiões tropicais e sub-tropicais, como na Índia, América Central, etc., existem florestas consideradas sagradas que constituem verdadeiras reservas, que possuem guardiões que não permitem a caça ou retirada de recursos, infligindo penas a quem se atrever a fazê-lo. Também na Amazônia, e já incorporado nas populações não-indígenas residentes na região, imperam numerosos mitos dos protetores das matas, como o mapinguari, que atormenta os caçadores de má-índole, e o já imortalizado na cultura e literatura nacional, curupira, que faz as pessoas desavisadas e malintencionadas se perderem na floresta e nunca mais serem achadas. Além dessas relações espirituais com a conservação, as interações pajé X plantas de cura X espíritos é enfatizada em muitos livros. Geralmente, quando uma pessoa é acometida por um espírito causador de doença, porque ela quebrou algum tabu, ou cometeu algum mal a um ser vivo, o pajé precisa sonhar e saber o que a pessoa tem sonhado, além de praticar rituais para conseguir vislumbrar qual o espírito causador da doença. Só então ele poderá conversar com os espíritos, utilizar a erva medicinal adequada, e remover o mal da pessoa, curando a doença. O professor Tariwaki Suya Kaiabi descreve melhor esta situação:

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SABERES AMBIENTAIS NA EDUCAÇÃO INTERCULTURAL – Marco Túlio da Silva Ferreira & Paulina M. Maia Barbosa Para um pajé usar uma erva em algum paciente, primeiro deve sonhar com os espíritos donos das ervas. No sonho o pajé chama seus parceiros espíritos e vão buscar a autorização dos donos das ervas que precisam para o seu trabalho. Para isto o pajé tem de saber falar a língua dele, para poder conversar, convencer o espírito a autorizar o uso da erva. Depois que recebeu sua autorização, no dia seguinte, irá procurar a erva no mato. (KAIABI, Tariwaki Suyá, in Ecologia, Economia e Cultura Livro 1 2005: 52)

A Figura 3 é uma representação do processo de cura por um pajé Suiá do Parque Indígena do Xingu.

Figura 3: Pajé chamando espíritos para tratar de um doente. (Ecologia, Economia e Cultura 2005: 52)

Conclusão A escola indígena, segundo as políticas governamentais, deve ter como objetivo a conquista da autonomia socioeconômico-cultural de cada povo, contextualizada na recuperação da memória histórica, na reafirmação da identidade, no estudo e valorização das línguas e dos conhecimentos

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ameríndios, além do acesso às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade majoritária e demais sociedades. Essa nova perspectiva rompe com o padrão educacional guiado por intenções catequizadoras e civilizatórias do passado, fazendo com que a escola indígena atual deixe de ser um instrumento de negação da diferença, dando prioridade às diversidades cultural e lingüística existentes na nação brasileira. A partir dos resultados da pesquisa, fica perceptível que os documentos oficiais que embasam a educação escolar indígena, em particular o RCNEI, prevêem o ensino das relações simbólicas e os saberes etnoecológicos que os povos autóctones estabeleceram com o seu meio, sem priorizar o ensino dos conhecimentos científicos ou hierarquizar um conjunto de saberes ecológicos sobre o outro. Isto teoricamente assegura a liberdade dos professores indígenas de escolher quais conhecimentos sobre o meio são pertinentes, em cada contexto, de serem repassados às crianças indígenas no ambiente escolar. Com isso, verificou-se que, por serem elaborados pelos professores indígenas, os livros diferenciados são eficientes veículos das cosmovisões de cada povo possuindo uma boa inserção nas comunidades em que são feitos e constituindo-se como importante ferramenta de reprodução sócio-cultural de cada etnia. Dentro deste contexto, a escrita alfabética e o livro, invenções não-ameríndias, vêm atuar como instrumentos fundamentais no registro e valorização das sabedorias ancestrais indígenas. Como o papel tem o poder de registrar no tempo os saberes, ele assegura o acesso aos mesmos pelas gerações vindouras. Deve haver, portanto, por parte dos órgãos das esferas federal, estadual e municipal, um estímulo cada vez maior às produções de autoria indígena, para fins didáticos, culturais, literários, registro de mitos, ritos, atividades e pesquisas. Podemos concluir assim que a educação escolar indígena tem avançado nos seus propósitos e diretrizes normativas elaboradas desde a Constituição de 1988, lançando mão, para isto, de materiais didáticos étnico-específicos que estão sendo elaborados em cursos de formação de professores interculturais do país. Podemos observar claramente uma evolução do direito do acesso à escola pelos povos indígenas, cada documento reafirmando mais explicitamente o direito à pluralidade e à identidade indígena. O primeiro passo foi o reconhecimento da validade do ensino na língua materna, mesmo que concomitantemente à língua portuguesa. Uma segunda grande inovação diz respeito ao incentivo às parcerias entre as escolas e órgãos públicos, trazendo esta responsabilidade para os municípios e estados, colocando a escola indígena ao lado das escolas comuns, e assegurando isonomia salarial entre professores indígenas e não-indígenas, etc. Não obstante, vários obstáculos se põem diante das propostas da educação escolar indígena, como o da acefalia na gestão das escolas indígenas, e se as

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lideranças indígenas vão protagonizar os movimentos educacionais de seus povos, criando propostas de projetos e currículos em suas escolas, como também discute Souza (2005). Apesar das criticadas limitações do RCNEI, tais como segmentação de campos do conhecimento, a abrangência almejada, e se ele será adotado ou não pelos professores indígenas de todo o Brasil (Souza, 2005, por exemplo, argumenta que as etnias que não participaram da elaboração do RCNEI provavelmente não o adotarão), os livros didáticos diferenciados refletem de maneira positiva este parâmetro educacional. Os livros mostraram de forma clara, as complexas relações entre meio ambiente, subsistência e trabalho, os recursos naturais sendo abordados em suas relações com o mercado e mítico-simbólicas, e a biodiversidade retratada holisticamente, em seus aspectos utilitários, classificatórios e mágico-espirituais, tal como foi previsto pelo Referencial.

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