Salomão Rovedo - Fernando Braga - Magma (poesia)

October 7, 2017 | Autor: Salomão Rovedo | Categoria: Poesía, Poesia Brasileira, Poesia Maranhense
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Salomão Rovedo

Magma Poesia de Fernando Braga

Fernando Braga – Magma (poesia) Ed. Kelps (GO) 2014

(I) Chegou MAGMA, de Fernando Braga. Veio escorrendo, líquido e poderoso, desde o planalto central. Fernando Braga é poeta que dorme com as palavras. Mas será verdade que o poeta não gosta de palavras? Que escreve para se ver livre delas? Talvez. Como fica no talvez que a palavra torna o poeta pequeno. No abismo da morte o poeta escreve terra, palavra que ele se apega e suja a página. O poeta sangra, com raiva inicia a escrita. Cada palavra é vidro em que se corta (Couto). Com fúria e raiva o poeta acusa o demagogo, o capitalismo das palavras: é preciso saber que a palavra é sagrada, a ela o poeta deixa a alma confiada. Desde o início o homem soube de si pela palavra e nomeou a pedra, a flor, a água, e tudo emergiu. O homem se promove à sombra da palavra, da palavra faz poder e jogo, transforma palavras em moeda, como se faz com o trigo e a terra (Andersen). Tudo serve para escamotear o vezo censório, a amperagem moralista contra as locuções chulas e o palavrão. Os deliciosos fonemas que nomeiam as

partes pudendas, ignorando que não existe palavra impura

(Barros).

Não

existe

palavra

nobre,

sancionada para a poesia, nem mesmo a proscrita do verso, que deveria ser escorraçada ao inferno da língua (Back). Certas palavras dormem à sombra do livro raro. É a senha da vida, a senha do mundo – buscada a vida inteira. Se tarda o encontro ou não a acho, não desanimo, procuro e a procura será a palavra. Certas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar, em hora qualquer. São restritas, reservadas

para

companheiros

de

confiança,

devem ser sacralmente ditas, em tom especial, onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. São palavras simples: definem partes do corpo, movimentos, atos do viver que a nós é defendido por sentença. Quando tudo é proibido, então falamos (Drummond). Não

importa

a

palavra

corriqueira:

é

esplêndido o caos de onde emerge a sintaxe, os sítios escuros onde nasce o “de”, o “aliás”, o “o”, o “porém” e o “que”, compreensíveis muletas. Quem entende a linguagem entende Deus cujo Filho é o Verbo. A palavra é disfarce da coisa mais grave,

surda-muda,

inventada

para

ser

calada.

Em

momentos de graça se poderá apanhá-la: peixe vivo com a mão. Puro susto e terror (Prado). O que é a palavra descansada? Haverá sempre no mundo as palavras descansadas ou haverá ainda outras, as que não se cansam nunca, as mortas? As palavras morrem ou são esquecidas? As palavras que estão no dicionário, elas estão recuperadas, estão salvas ou apenas prisioneiras: quem terá interesse na prisão das palavras? As palavras simples navegam o mundo complicado com a verve de sempre ou perdem a compostura? Haverá, no meio delas, as tontas, as virgens, as palavras desavergonhadas, as vesgas? Existirá a palavra que tem em si a fuga dos sentidos e as que, resguardada do tédio, pode ministrar no silêncio a dor e a mentira? No sentido figurado, poesia é tudo aquilo que comove, sensibiliza e desperta sentimentos. É qualquer forma de arte: o ritmo, os versos, o som, a cor e as estrofes. Os versos livres têm liberdade para definir o seu próprio ritmo e criar as próprias normas. A poesia é usada como forma de expressar

sentimentos, como o amor, amizade, tristeza, saudade. A poesia é o espelho que torna bonito aquilo que é distorcido (Shelley), é a música da alma, sobretudo

de

almas

grandes

e

sentimentais

(Voltaire), é o eco da melodia do universo no coração humano (Tagore). A humilde canção popular é poesia (Croce), quando a emoção encontra o pensamento e o pensamento

encontra

a palavra (Frost),

é o

sentimento que enche o coração (Conde), é a religião sem esperança (Cocteau), é a arte de materializar sombras e dar existência ao nada (Burke), são pensamentos que respiram, palavras que queimam (Gray), está na alma, como o rouxinol nos ramos (Musset). A poesia genuína pode comunicar-se antes que se seja entendida (Eliot). Se alguém perguntar o que quiseste dizer com o poema, pergunta o que Deus quis dizer com o mundo (Quintana). Só os poetas têm autorização para mentir (Plinio); o poeta nunca vive, morre aos pedaços

(Félix); não há poema em si, mas em mim ou em ti (Paz); a poesia é ao mesmo tempo o esconderijo e o autofalante (Gordimer), é a metralhadora na mão do palhaço (Mattoso), a ilha cercada de palavras por todos os lados (Ricardo), a eterna Tomada da Bastilha, o eterno quebra-quebra, a queimação de Judas (Quintana). O poema está em tudo, tanto no amor como no chinelo, tanto nas coisas lógicas como nas disparatadas (Bandeira). Cadê a poesia? Indaga-se por toda parte. E a poesia vai à esquina comprar jornal (Gullar). Poesia é brincar com as palavras como se brinca com bola, papagaio, pião. Só que bola, papagaio, pião de tanto brincar se gastam. As palavras não (Paes). Eu faço versos como quem chora de desalento, desencanto. Fecha o meu livro, se por agora não tens motivo nenhum de pranto. Meu verso é sangue. Volúpia ardente, tristeza esparsa, remorso vão. Dói-me nas veias. Amargo e quente cai, gota a gota, do coração. E nestes versos de angústia rouca assim dos lábios a vida corre, deixando o acre sabor na boca. – Eu faço versos como quem morre (Bandeira).

O poema deve ser como a nódoa no brim: deixar o leitor tão satisfeito que dá desespero. A poesia é também orvalho. Mas este fica para as menininhas, as estrelas alfas, as virgens cem por cento, as amadas que envelhecem sem maldade (Bandeira). Escrever a água da palavra mar, o voo da palavra ave, o rio da palavra margem, o olho da palavra imagem, o oco da palavra nada (Maciel). Explicar a poesia ninguém consegue explicar. É mais pesada que o chumbo e leve igualmente ao ar. É fina como cabelo, é bela como o luar! Toca na alma da gente fazendo rir ou chorar. Faz a tristeza morrer e o sonho ressuscitar. A poesia é tão santa que, quando o poeta canta, Deus pára para escutar! E para terminar meu hino, a poesia seu menino, como tudo que é divino não dá para gente pegar (Dedé). Quem faz o poema salva o afogado, abre a janela. O poema continua sempre, o poema que não ajuda a viver e não prepara para a morte não tem sentido. Todo livro de poesia deve ter margens largas, páginas em branco, muito espaço para a lágrima, o sorriso, a dor, a alegria e para que as crianças

possam

encher

de

desenhos,

gatos,

homens, aviões, casas, chaminés, árvores, luas, pontes,

automóveis,

cachorros,

cavalos,

bois,

tranças, estrelas – que passarão a fazer parte dos poemas (Quintana). O poema é o mistério cuja chave deve ser procurada pelo leitor (Mallarmé). O poema nunca está acabado, somente abandonado (Valéry). O poema não deve significar, mas ser (McLeish). Os poemas têm direito à liberdade (Virgílio). Poemas não morrem (Ovídio). O que vou dizer da Poesia? O poeta não pode dizer nada da poesia. Nem tu, nem eu, nem poeta algum sabemos o que é a poesia (Lorca). Poeta

Fernando

Braga,

é

assim

que

dou

recebimento de MAGMA, espelhando, com palavras alheias, por toda parte, o teu engenho e arte. Para que gastar saliva? Os poetas que celebraram de outros a fama e a vitória, hoje cantam valor mais alto, que do planalto se alevanta. Nada mais justo, né?

(II)

Magma, o novo livro do poeta maranhense Fernando Braga, desvenda numa leitura mais demorada, uma perspectiva invisível para muitos: nele o poeta se anuncia, reconhece de modo subreptício, nas entrelinhas e entreversos, que se aporta em pleno outono. É sempre uma surpresa, sempre um impacto, quando o ser humano é levado a esse novo modo de ver, uma nova feição – até então mero vulto – de cuja memória agora é mais latente, impetuosa, de força imensurável, incapaz de deter o impulso criador. Será miragem?

À estação, cheguei, afinal! A primavera vai e volta sempre, a mocidade vai e não volta mais... E se foram os tantos ventos de verão, e os estios que de mim restaram...

E tantos invernos já se passaram, a ficar a neve nos meus cabelos... Agora é outono e os ares ressequidos, trazem-me lembranças de tempos idos... Não sou eu o mesmo que aqui chegou depois daquel’outro que se foi de mim... Não posso perder-me neste silêncio, porque se faz tarde e anoiteço-me!...

Em leitura mais acurada da crônica outonal trazida no bojo dos versos de “Magma”, procurei me fixar nessa maturidade, que chega a todos, mas, ao

contrário

do

envelhecer

de

árvores,

não

apodrece seus versos. Tudo passa a ser visto como um arcano, segredo que se desvenda ou converte em enigma. Antes que a violência transforme o momento em conflito, é mister lavrar, semear e fazer a colheita – tornar produtiva a inevitável colisão.

Fastos (...) Há mistérios no profundo de mim, que nem mais conheço suas medidas. Há em tudo, um aceno de partida, e um credo de aflições a dizer-me que o ritmo é necessário no delírio, como a harmonia se faz no conflito.

Como um andamento musical, era de se esperar que a qualquer momento ecloda o impacto com a presença do tempo ido, ocasião que obriga o poeta a incorporar como própria a vestimenta de um novo/velho período a fazer parte dessa quadra da existência. Tudo desvira, tudo se transforma, tudo não mais se compõe, desaltera-se a visão, demuda até mesmo a paisagem.

A cidade vista da quitanda (...) A cidade dorme e todos estavam vivos... Só eu na noite com meu estandarte de poeta, bebia com ternura o leite da mulher amada. Nos albores das minhas madrugadas, tudo inda se guarda nos ralos de minha memória... Muito pelo contrário, alguns momentos de dor que nessas e noutras ocasiões perpassa o poeta, mesmo quando o ato de escrever exige a omissão do sentimento, não traz medo a Fernando Braga. Não é assim, não. Há o prodígio que toma de assalto a escritura, como são mágicos os momentos pós-textos,

em

imprescindível.

que A

íris

a se

inscrição torna

se

fez

fragmentada,

estilhaça-se a paisagem em telas surreais, no entanto tão novas, tão contemporâneas.

Na aurora, os pássaros não dormem (...) Há sombras em mim e um rubi em minh’alma que se liquefaz em vinho. Sou uma despedida sem um adeus definitivo...

Âncora noturna Em meu claro hipocampo de fogo se me abre a porta novamente, para que eu decline a pedra, no paraíso de meu hospício... (...)

O poeta não mais se perde em achar o entendimento, posto que possui em si a largueza da compreensão. A concepção não é mais fractal como na juventude, é tempo de acreditar, ter fé, esquecidas as horas dissipadas em descrenças inúteis. É tempo de cuidar para que a nova estação seja uma temporada profícua, com desnecessidade

de curar ou julgar. Que o tempo exale a idade da atmosfera, clima que exercite o pensar, calmaria que descarte e ignore o supor.

Um credo (...) Não tenho idade e nem passado, tenho história e recordações...

O mar de minha culpa (...) Entre mim e o horizonte, de permeio, pedras e areias e segredos marinhos, a marcarem tenazes os meus caminhos.

O envoltório gasoso que os outonos carregam, consigo

por

plena

natureza

traz

arrestado

fragmento de outras escolas, outras estações que serão quadras a pintar estâncias líricas. O romance não descarta o absurdo, assim como a poética não descarta a lírica – o tempo, sim, xinga a natureza

ao tentar apartar o novelista de sua época e dos ecos do acontecido, ainda que seja um legado transposto por DNA, influído por gerações e gerações.

Teus pés pisarão rosas Teus pés pisarão rosas e rescenderás à canela, enquanto nuvens azuis derramam o maná do céu; (...)

Tempo,

tempo,

tempo.

Tempo

decorrido,

tempo atravessado, tempo herdado e transmitido por

correntes

não

sanguíneas.

Fragmentos

perdidos no espaço como eternos cometas que um dia irão se espatifar sobre qualquer corpo mais sólido, mais forte. E ali injetar nas entranhas algo advindo de locais remotos, longínquos, ancestrais que se renovam em cíclicas emoções.

Balada do nunca mais (...) Ninguém parte, ninguém vai, todos se carregam consigo... É preciso que a tempestade retarde para que os girassóis nasçam do amarelo... Na paisagem desmedida, um silêncio solitário, macera a carne e refrata a alma...

A derradeira noite será o cavalo veloz que passa, a deixar o sinal de seu sentido, é o cavalo veloz que passa para nos dizer que é a perfeição que nos leva à dor... Nunca mais haverá chuva de verão a cair perpendicular no chão, esvaída pelo telhado,

a

adormecer

lentamente

na

coroa

sonolenta da noite... Mas a derradeira não virá – é o cavalo veloz que passa sem deixar o sinal de seu sentido.

Haverá

chuva

de

verão

a

cair

perpendicular no chão, esvaída pelo telhado, e me flagrará

a

adormecer

sonolenta da noite...

lentamente

na

coroa

Poema satânico I Urizen é um demônio, um anjo decaído, que tão me quis mastigar a carne, passar com o arado pelos meus ossos, como se fossem tubos de bronze, e beber cálices do meu sangue a inaugurar-me à morte, quando tanto precisei da vida; Urizen com suas garras de cedros, atirou-me às poças de vômitos, a gargalhar, pensando serem meus restos que desceriam aos vermes, enquanto espalhava ondas de cóleras e espanto com sua couraça de lodo...

Não se sabe como, mas o poeta sempre encontra

pegadas

para

seguir

suportando

e

transfigurando as etapas com que a existência fere, a nos pespegar percalços de destino invisível, obstáculos como tremendos vales, salto em alturas. O poeta desperta das burlas, esquiva-se dos boatos

e das notícias atoardas, transforma o zum-zum em vozes escuras. E na hora de enfrentar os demônios, resiste em forma de fé – a cada nova religião, uma crença nova, a cada provocação uma poesia... Magma é um livro necessário.

Rio de Janeiro, Cachambi, novembro de 2014.

O autor Salomão Rovedo (1942), formação cultural em São Luis (MA), reside no Rio de Janeiro. Poeta, escritor, participou dos movimentos poéticos/políticos nas décadas 60/70/80, tempos do mimeógrafo, das bancas na Cinelândia, das manifestações em teatros, bares, praias e espaços públicos. Textos publicados em: Abertura Poética (Antologia), Walmir Ayala/César de Araújo-1975; Tributo (Poesia)-Ed. do Autor, 1980; 12 Poetas Alternativos (Antologia), Leila Míccolis/Tanussi Cardoso-1981; Chuva Fina (Antologia), Leila Míccolis/Tanussi Cardoso-Trotte-1982; Folguedos, c/Xilogravuras de Marcelo Soares-1983; Erótica, c/Xilogravuras de Marcelo Soares-1984; 7 Canções-1987. e-books (Salomão Rovedo): Novelas: A Ilha, Chiara, Gardênia ; Contos: A apaixonada de Beethoven, A estrela ambulante , Arte de criar periquitos, O breve reinado das donzelas , O sonhador, Sonja Sonrisal; Ensaios: 3 x Gullar, Leituras & escrituras, O cometa e os cantadores / Orígenes Lessa personagem de cordel, Poesia de cordel: o poeta é sua essência, Quilombo, um auto de sangue, Viagem em torno de Cervantes; Poesia Maranhense: a Atenas Renascida; Poesia: 20 Poemas pornos, 4 Quartetos para a amada cidade de São Luis, 6 Rocks matutos, 7 Canções, Amaricanto, Amor a São Luís e Ódio, Anjo pornô, Bluesia, Caderno elementar, Erótica (c/xilogravuras de Marcelo Soares), Espelho de Vênus, Glosas Escabrosas (c/xilogravuras de Marcelo Soares), Mel, Pobres cantares, Porca elegia, Sentimental, Suíte Picassso; Crônicas: Cervantes, Quixote e outras e-crônicas do nosso tempo, Diários do facebook, Escritos mofados; Antologias: Cancioneiro de Upsala (Tradução e notas), Meu caderno de Sylvia Plath (Cortes e recortes), Os sonetos de Abgar Renault (Antologia e ensaios), Stefan Zweig - Pensamentos e perfis (Seleção e ensaio). e-books (Sá de João Pessoa): Antologia de Cordel # 1, Antologia de Cordel # 2, Antologia de Cordel # 3, Antologia de Cordel # 4, Macunaíma em cordel, Por onde andou o cordel? Inéditos: Geleia de rosas para Hitler (Novela), Chiarina (Romance); Stefan Zweig–A vida repartida (Ensaio). Etc.: Folhetos de cordel com o pseudo Sá de João Pessoa; jornalzinho de poesia Poe/r/ta; colaboração esparsa: Poema Convidado(USA), La Bicicleta(Chile), Poetica(Uruguai), Alén(Espanha), Jaque(Espanha), Ajedrez 2000(Espanha), O Imparcial(MA), Jornal do Dia(MA), Jornal do Povo(MA), Jornal Pequeno (MA), A Toca do (Meu) Poeta (PB), Jornal de Debates(RJ), Opinião(RJ), O Galo(RN), Jornal do País(RJ), DO Leitura(SP), Diário de Corumbá(MS) – e outras ovelhas desgarradas. Os e-books estão disponíveis em: www.dominiopublico.gov.br. email: [email protected], [email protected] blog: http://salomaorovedo.blospot.com.br Wikipedia; http://pt.wikipedia.org/wiki/Salom%C3%A3o_Rovedo

Foto: Priscila Rovedo Este trabalho está licenciado sob Licença Creative Commons Atribuição-Compartilhamento pela mesma licença 2.5 Brazil: http://creativecommons.org/licenses/by-sa/2.5/br/ - Creative Commons, 559 Nathan Abbott Way, Stanford, California 94305, USA. Obs: Após a morte do autor os direitos autorais retornam para seus herdeiros naturais.

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