Sarah Beirão - um exemplo de vida

June 20, 2017 | Autor: F. Pais | Categoria: Estudos Feministas, Portuguese Republican Women
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Fátima Pais, Designer da Biblioteca Pública Municipal João Brandão, Tábua

Sarah Beirão - um exemplo de vida e para a vida (na modernidade) …

Numa sociedade organizada conforme a natureza das coisas, a mulher será educada desde a infância com o mesmo objetivo que o homem: Viver do seu trabalho. É a lei universal da biologia; querer permanecer ocioso, é querer ir contra essa lei. A mulher deve pois, tornar-se uma unidade económica independente, para ficar ao abrigo das incertezas do destino que tantas vezes se compraz em atirar com ela, ao mar, sem fim, da desfortuna. Ricos e pobres devem dar às filhas uma profissão. As que não querem ou não podem tirar um curso superior, sejam encadernadoras, luveiras, modistas, rendeiras, seja o que for, que honestamente as preserve da fome e dos caprichos do acaso. (…) A felicidade é uma necessidade orgânica como a alimentação e a respiração. Ser feliz é uma arte. Sarah Beirão in Conferência A Mulher na actual civilização, Ateneu Comercial do Porto

Sarah Beirão, nasce em Tábua às onze horas da noite do dia trinta de Julho de 1880, filha do médico Francisco de Vasconcellos Carvalho Beirão, natural de Casas Novas, freguesia de S. João de Areias e de Maria José da Costa Mathias, natural de Sevilha, freguesia de Tábua. É batizada aos vinte e um dias do mês de Novembro do mesmo ano, na igreja paroquial de Santa Maria Maior em Tábua. São seus padrinhos o Reverendo Pároco e Arcipreste da freguesia de S. João de Areias, Francisco Antunes de Carvalho e sua madrinha Maria Clara, viúva, sendo os dois seus tios. O celebrante foi o pároco Francisco Ignácio de Abreu Mesquita. Casa (aos trinta anos) com António da Costa Carvalho Júnior, a quinze de Setembro de 1910, na mesma igreja onde foi batizada. Faleceu a vinte e um de Maio de 1974, em Tábua. Estuda no Porto, onde lhe é proporcionado uma educação escolar que poucas mulheres conseguem obter nessa época. Escreve artigos para vários jornais e revistas: O Tabuense, Humanidade, Eva, Diário de Noticias, Jornal da Mulher, Portugal Feminino, Modas e Bordados, Ilustração, O Século, Século Ilustrado, Diário de Lisboa, Comércio do Porto, Jornal de Noticias, Dário de Coimbra, Figueirense, Diário Português, Vida Carioca, O Primeiro de Janeiro e Alma Feminina. Escreve dezasseis livros, sendo dois de contos: Serões da Beira (1929) e Cenas Portuguesas (1930); dois para crianças: O Raul (1934) e, Manuel Vai Correr Mundo (década de 50) e os restantes são romances: O Solar da Boa-Vista (1930/31), Amores no Campo (1931), Os Fidalgos da Torre (1936), Clara (1939), Sozinha (1940), Surpresa Bendita (1941), Alvorada (1943), Prometida (1944), Triunfo (década de 50), Um Divórcio (1950), Destinos (1955), A Luta (1972), sendo este último livro, considerado 1

como uma das melhores obras da autora, talvez porque já é escrita em pleno século XX com uma escrita mais fluída e por isso mais facilmente compreendida e aceite. Como escritora de artigos e conferências, foi tão ou mais reconhecida do que como escritora de livros; foi homenageada pelo Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas; em Setembro de 1938, foi “alvo de calorosas homenagens” na sua ida ao Brasil, pelas “intelectuais brasileiras e outras senhoras da melhor sociedade carioca” e pela deputada brasileira Berta Luiz; escreveu sobre o Património português na Revista Municipal de Lisboa, sobre vários monumentos, como por exemplo, o Mosteiro dos Jerónimos e a Sé de Lisboa; descreve também Portugal como tendo “cenários únicos” (a caminho do Estoril), refere “muito mais bela que a Côte d’Azur”. Pode-se considerar uma das escritoras portuguesas com sucesso e mais lidas durante o século XX, sendo que a sua obra é também um testemunho histórico, relatando cenas do passado do quotidiano português e de lugares no estrangeiro, notando-se não só a cultura geral da escritora, como o conhecimento sobre países por onde viajava. Temas românticos ou mais campestres, luta por causas de mulheres, como por exemplo o que escreveu sobre o “Casamento das Telefonistas” (1939), ou conferenciou no Ateneu do Porto, com o título “A Mulher na actual civilização”. Apesar da sua literatura ser muito influenciada por clássicos do século XIX, deve-se valorizá-la, reconhecendo o meio e a época em que viveu Sarah Beirão, e até em relação à forma escrita que foi tão alterada, com o “acordo ortográfico” da altura a que para muitos naquele período, também seria possivelmente, alvo de divergência. A sua obra permite descobrir e engrandecer a história da Cultura e das mentalidades em Portugal, dado que passa por temas ligados ao ser feminino, infantil e ao animal. Sendo que no infantil, os livros editados, surpreendem com uma colaboração na ilustração de dois distintos ilustradores, Carlos Carneiro e Irene Maríares de Vasconcelos. Integra em 1928, o Grupo das Treze, que surgiu em 1911 e que pretendia combater a ignorância e as superstições, o obscurantismo, o autoritarismo religioso e o conservadorismo que perturbavam a sociedade portuguesa e impediam a emancipação das mulheres. Para além da literatura, Sarah Beirão dedicou-se também a outras causas, pertencendo à Liga Portuguesa Feminina para a Paz. Foi eleita, a 17 de Abril de 1938, Presidente da Direção da Liga Nacional da Defesa dos Animais. A 2 de Agosto de 1945, tomou posse, por unanimidade, do cargo de vice-presidente da direção do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas para o ano de 1945/46 e foi presidente de mesa da assembleia, dirigindo a revista Alma Feminina. Também participa e associa-se ao Grupo Cultural “Tábua Rasa”, onde são proferidas e escutadas leituras de trabalhos seus, como por exemplo, “O rapto de D. Mecia”. Este grupo organiza momentos culturais, onde além do jantar, se presenteiam serões Literários com personalidades da cultura portuguesa e estrangeira, e se reatam amizades e culturas diferentes. No final dos anos 60 começa a preparar a criação da Fundação com o seu nome e de seu marido, na Quinta dos Freixos, com a intenção de ser uma casa de repouso e assistência para Artistas e Intelectuais, mas só nos anos 70 esta é inaugurada. Nos dias de hoje, funciona como Instituição de Solidariedade Social para acolhimento de idosos. Embora pertencendo a famílias com propriedades e bens, com estatuto e dinheiro, Sarah Beirão revelou-se como uma pessoa humilde e generosa, sabendo impor a sua presença. Era uma pessoa também criativa, organizou serões culturais em sua 2

casa, com artistas de diversas áreas, usando esses encontros para angariar fundos e proveitos para pessoas pobres e carenciadas na época. Sarah Beirão era uma mulher corajosa, para a época, de caracter forte, ativista de grandes causas como atrás foi referido. Em crítica à sua escrita aparecem registos de alta apreciação, como exemplo em 1945, João Maria Ferreira no jornal Estrela do Minho de Vila Nova de Famalicão, regista que “em D. Sarah Beirão há que admirar a factura elegante de quanto escreve e a persistência no trabalho, que é grande: Quási todos os anos o mercado livresco é enriquecido com uma obra desta ilustre escritora e esta publicação pendular dos seus trabalhos é o índice indicador do grande número dos seus leitores.” Em 1947, esteve também representada na importante “Exposição de Livros Escritos por Mulheres” organizada pela Sociedade Nacional de Belas Artes, presença justa à sua constante publicação de obras. A 28 de Outubro de 2010, pelas 18h, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Lisboa foram recordadas as mulheres republicanas que se destacaram na luta pelo fim da monarquia e pela multiplicação dos valores da liberdade, igualdade e fraternidade, com o celebrar dos 100 anos da Implantação da República. Sarah Beirão está entre a lista dessas mulheres e foi na realidade uma dessas grandes mulheres, dinamizadora e fervorosa republicana.

Foto inserida na Agenda Feminista 2010, As Mulheres e a República, ed. Faces de Eva/UMAR, Lisboa, 2009

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