Semiótica - Recensão Número Zero, Umberto Eco

May 23, 2017 | Autor: Rita R. | Categoria: Semiotics, Social Semiotics, Semiology, Semiótica, Semiotica
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Semiótica 2015/16 – Aluna: Rita Rosa, nº 48527

O Número Zero é o romance mais recente de Umberto Eco, autor de grandes livros como O Nome da Rosa e distintas obras em diversas áreas, nomeadamente no âmbito da semiótica. O título do livro refere-se, na linguagem do campo jornalístico, à edição teste efetuada pelo jornal, porém na obra o autor pretende evidenciar a sua perspetiva do jornalismo moderno, refletindo sobre os seus rumos e criticando as suas convenções. O romance pode ser estudado de vários pontos de vista, nomeadamente histórico, fictício, entre outros, podendo relacionar-se também com a semiótica, como será explícito posteriormente. No decorrer do trabalho irei apresentar um ligeiro resumo do romance; o ponto de vista do autor acerca do assunto fundamental da obra, contrapondo com outros autores que, ao longo do seu trabalho, também criticam o jornalismo sensacionalista e a corrupção italiana; a relação que a obra tem com a semiótica e, por conseguinte, a semiótica de Umberto Eco, comparando com outros autores estudados; e, por fim, farei uma observação opinativa sobre o tema. A ação principal da história passa-se em Milão, em 1992, ano marcado pelos escândalos de corrupção e pela investigação "Mani Pulite" – em português “Mãos Limpas” – que devastou grande parte da classe política da época. Parece tratar-se somente da história de um grupo de redatores que se reunem para fazer um jornal, todavia não é meramente isso. O personagem principal, Colonna, é contratado por Simei – o diretor do jornal – para ser editor-chefe de um jornal que não existe, nem nunca irá existir. No entanto, os outros membros da equipa são levados a acreditar que estão a preparar-se para o lançamento desse mesmo jornal, o “Amanhã”. O jornal é corrupto, manipulador, com objetivos de difamar e chantagear, trazendo o choque e o sensacional para a população, sendo o seu público alvo os indivíduos pouco letrados. O diretor do jornal, tem como missão publicar textos que se assemelham a presságios e que deixem no leitor a sensação de que os jornalistas são videntes, que conseguem prever o futuro, sendo que só conseguem informações para essas notícias de formas imorais. O escritor aproveita para recontar factos históricos de forma distorcida e paranoica, uma vez que por trás deste enredo surge a história de Bragadoccio, um editor obsessivo. Bragadoccio complementa algumas lacunas deixadas em relatos de eventos históricos com teorias da conspiração que, em alguns momentos, parecem fazer sentido para o leitor. Entre as averiguações do editor encontram-se: o suposto cadáver de Mussolini (ou de um falso Mussolini), a Gladio, a loja maçónica P2, o assassinato do papa Luciani, o golpe de Estado de Junio Valerio Borghese, os envolvimentos da CIA, os terroristas vermelhos manobrados pelos serviços secretos, vinte anos de massacres que os governantes pareciam esconder. Aos olhos de Colonna era apenas um conjunto de ocorrências inexplicáveis, até que esses acontecimentos passaram a ser explicados por um documentário da BBC, onde tudo é revelado, isto é, nada passe impune, nem a corrupção italiana. Entre as duas grandes narrativas sobressai uma história de amor entre Colonna e Maia, a única rapariga na equipa que, apesar do seu suposto autismo, percebia o carácter

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corrupto do jornal e não concordava com o sucedido, apenas trabalhava por necessidade. Constatamos assim que, para além da história sobre o fracasso do lançamento do novo jornal “Amanhã”, o autor critica, de forma cínica e cética, não apenas a imprensa infame e sensacionalista, mas também o Estado italiano ladrão e ineficiente e, ainda, o empobrecimento moral da sociedade, que assiste de forma passiva à “naturalização” dos escândalos de corrupção e ao crescente sensacionalismo nas notícias. O autor demonstra os passos para construirmos um mau jornalismo, para chantagear e induzir as pessoas a algo. Não se trata apenas de uma crítica aos vícios do jornalismo sensacionalista e manipulador: Umberto Eco alerta-nos para os vícios que cultivamos dentro de nós, e que permitiram que a sociedade chegasse ao ponto relatado. No que diz respeito ao jornalismo, o sensacionalismo e a decadência é um tema tratado por vários autores, incluindo Ignacio Ramonet no seu livro A Explosão do Jornalismo, onde explica que atualmente os jornais preferem “fascinar o povo”, frequentando a área das celebridades e autoridades e ficando o mais perto possível de homens e mulheres da política – especialmente de escândalos difamantes, diversas vezes associados ao escândalo sexual – o que não contribui para a democracia prosseguir. Também Peter Oborne, ex-colunista do “The Telegraph”, justifica a sua demissão do jornal devido à decadência do jornalismo. Oborne explica que com os despedimentos ocorridos devido à crise, com a mudança de direção no jornal, mudou o pensamento, consciência e normas morais em vigor – ou evidenciou-se aquilo que já ocorria na sociedade britânica – passando a importar meramente o número de visualizações de uma notícia e não o seu conteúdo, mudando os assuntos, previamente com realce político, para sensacionalistas. Relativamente à corrupção italiana, vários artigos de jornais demonstram que é um obstáculo ainda vigente e não unicamente da época retratada pela obra. O romance de Eco foi lançado em 2015, ou seja, escrito também recentemente o que comprova que a representação da sociedade dos anos noventa é apenas uma passagem para a atualidade, onde ainda existem grandes casos, como nos é demonstrado pelos artigos dos jornais “Independent” e “Telegraph”. Para além dos casos italianos, são-nos transmitidos casos de corrupção, portugueses ou não, quase todos os dias. Podemos associar esta obra à semiótica, não só por o autor ser um nome importante no que diz respeito ao ramo, mas também pelo seu conteúdo que sentimos necessidade em decifrar. A semiótica é, muito resumidamente, a ciência dos signos. Umberto Eco foi um dos autores que tentou resumir mais as definições anteriores de semiótica. Para o escritor, a semiótica ajuda a perceber os processos que estão inerentes à comunicação humana, olhando assim para os sinais no seu panorama social. O autor introduz novos conceitos relativamente aos tipos de signos que considera existir: diagramas, signos que representam relações abstratas; emblemas, figuras a que associamos conceitos; desenhos, correspondentes aos ícones e às inferências naturais, os índices ou indícios de Peirce; equivalências arbitrárias, símbolos em Peirce; e, por fim, os sinais.

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De que modo é que a obra nos transmite uma mensagem? Através de vários contextos e sinais. O primeiro são os sinais elementares, aquilo que vemos logo: as letras, a história aparentemente principal – construção e falha do jornal e corrupção evidenciada por Bragadoccio. O segundo são os sinais invisíveis, que processamos inconscientemente: a postura, o que está por trás da história – a crítica ao jornalismo, à sociedade, à corrupção italiana. De acordo com os vários autores estudados em aula podemos abordar a obra de maneiras diferentes. Conforme Peirce constituímos um signo atribuindo significação a algo, é por isso que consideramos a obra de Eco uma critica ao jornalismo, porque sabemos que é um mau jornalismo, logo atribuímos-lhe esse significado. A semiótica social dá-nos uma das razões para construirmos um significado: o contexto histórico e social. Assim, na nossa sociedade atribuímos o significado de critica ao jornalismo retratado na obra, contudo pode haver quem não considere dessa maneira. Ao olhar para os estudos de Saussure, percebemos que não conseguimos pensar em nada sem pensarmos na sua designação, daí a expressão frequentemente usada de “uma mesa é uma mesa”, ou seja pensamos no seu conceito. Os conceitos podem ter diversas imagens acústicas, por exemplo “árvore” em português ou “tree” em inglês, o conceito mantémse, a imagem acústica muda. Podemos transpor isto para o romance, ao olharmos para os vários eventos de corrupção, não importa para que língua o livro foi traduzido, o conceito de corrupção está sempre inerente. Podemos também examinar a obra através dos mitos consoante Roland Barthes. Para Barthes “o mito é uma fala”, pode-se conceber que haja mitos antiquíssimos, mas não eternos, pois é a história que transforma o real em discurso, é ela e só ela que comanda a vida e a morte da linguagem mítica, isto é, o mito é uma fala escolhida pela história. Ao analisarmos a obra Mitologias, dos anos cinquenta, do autor, constatamos que diversos mitos se mantêm atuais, contudo outros não. Umberto Eco trata o tema da corrupção e do jornalismo sensacionalista como se fosse um mito, conquanto é um mito bastante atual como já verificámos, dado que o tema da corrupção continua presente no mundo.

Número Zero é um romance sobre a morte do novo jornal “Amanhã”. É um retrato da Itália contemporânea, pintado sem esperança, como se algo estivesse em falha quer no poder, quer na sociedade. Independentemente de representar a sociedade italiana, na minha opinião, o romance pode retratar similarmente várias sociedades contemporâneas, como é o caso da portuguesa. A obra tem a capacidade de exceder a Itália, porque a decadência a que se assiste é visível por todo o mundo, com especial ênfase para as sociedades desenvolvidas. É interessante olhar para o romance na perspetiva da semiótica e percebermos o porquê da crítica, o porquê de darmos significados negativos às ações demonstradas no romance. Em síntese, o romance de Umberto Eco é um grito pela Itália e pelo mundo. Um romance que esconde significados que cabem somente ao leitor interpretar. Por intermédio das peripécias históricas a que presenciamos na obra, o autor conduz-nos a uma investigação mais profunda dos acontecimentos, leva-nos a um pensamento extra – a encontrar um significado. Devido à sociedade em que vivemos podemos dizer que o romance de Eco é uma crítica, porque fomos educados assim, para distinguirmos o bom Página | 3

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do mau, categorizando assim a corrupção e outros conceitos presentes no texto como negativos.

Referências Bibliográficas Day, M. (2015, março 20) “Corruption in Italy 'worse than ever' as minister quits over links with gang accused of bribery”. Independent. Acedido a janeiro 4, 2016 em http://www.independent.co.uk/news/world/europe/corruption-in-italy-worse-thanever-as-minister-quits-over-links-with-gang-accused-of-bribery-10124024.html Eco, U. (2015) Número Zero. Traduzido por Jorge Vaz de Carvalho. Lisboa: Gradiva Nöth, W. (1995) Handbook of Semiotics. Versão inglesa: Indiana, USA Oborne, P. (2015, fevereiro 17) “Why I have resigned from the Telegraph”. Acedido a janeiro 4, 2016 em https://www.opendemocracy.net/ourkingdom/peteroborne/why-i-have-resigned-from-telegraph Philipson, A. (2015, outubro 29) “Rome corruption leaves Milan as 'moral capital', says Italian official”. The Telegraph. Acedido a janeiro 4, 2016 em http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/italy/11963419/Romecorruption-leaves-Milan-as-moral-capital-says-Italian-official.html Ramonet, I. (2012) A Explosão do Jornalismo. Brasil: Publisher Brasil

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