Senzalas na Floresta? Notas sobre a estrutura da posse de escravos no Grão-Pará oitocentista

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SENZALAS NA FLORESTA? NOTAS SOBRE A ESTRUTURA DA POSSE DE ESCRAVOS NO GRÃO-PARÁ OITOCENTISTA

Daniel Souza Barroso

Este artigo tem como objetivo analisar a estrutura da posse de escravos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina – duas das mais importantes regiões escravistas do Grão-Pará sete-oitocentista –, entre 1851 e 1888, através de uma série documental constituída por 86 inventários post-mortem.1 As considerações aqui apresentadas, de caráter ainda inicial, são parte integrante de um projeto de doutoramento que vimos desenvolvendo na Universidade de São Paulo, e vêm a complementar, em certa medida, reflexões anteriormente apresentadas, também em caráter inicial, sobre a posse de escravos no Baixo Tocantins na primeira metade do Oitocentos.2 Para tal, o texto encontra-se estruturado em três seções. Na primeira, traçamos um breve panorama do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina. Na segunda delas, examinamos a estrutura da posse em si. Na terceira e última seção, analisamos as características dos escravos.

Uma contextualização: o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina na segunda metade do Oitocentos O Baixo Tocantins e a Zona Guajarina eram, em termos demográficos e econômicos, o principal reduto escravista do Grão-Pará oitocentista, compondo algo como um “cinturão agroextrativis

Texto apresentado no 7º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil Meridional, Curitiba (UFPR), de 13 a 16 de maio de 2015. Anais completos do 7º E&L disponíveis em: http://www.escravidaoeliberdade.com.br/. O autor agradece a Helen Osório, José Flávio Motta e Luiz Carlos Laurindo pelos comentários feitos na ocasião, assim como a Maísa Cunha e Antônia Mota pelos comentários feitos a uma versão preliminar do texto.  Doutorando em História Econômica na Universidade de São Paulo (USP). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, Processo nº. 2012/21188-5). Integra o Núcleo de Apoio à Pesquisa Brasil-África e o HERMES & CLIO – Grupo de Estudos e Pesquisa em História Econômica, ambos da USP, e o Grupo de Pesquisa População, Família e Migração na Amazônia, da Universidade Federal do Pará (UFPA). E-mail: [email protected] 1 Foram computados todos os inventários post-mortem disponíveis no acervo do Centro de Memória da Amazônia – instituição responsável pela guarda da documentação cartorial proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Pará –, que arrolavam a posse de terras e de escravos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, entre 1810 e 1888. 2 BARROSO, Daniel Souza. Coletando o cacau “bravo”, plantando o cacau “manso” e outros gêneros: um estudo sobre a estrutura da posse de cativos no Baixo Tocantins (Grão-Pará, 1810-1850). Encontro Nacional de Estudos Populacionais, XIX, 2014. São Pedro. Anais... Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2014, 20 p.

1

ta” no entorno de Belém (ver: FIGURA 01). Não obstante as heterogeneidades internas do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina, a economia desse cinturão voltava-se, de um lado e em menor medida, a uma produção do cacau e das drogas do sertão destinada, sobretudo, ao mercado externo; e, do outro lado e em maior medida, a uma produção de açúcar (e de derivados da cana) e gêneros diversificados de subsistência (mandioca, arroz, milho etc.) que visava a atender, respectiva e principalmente, as demandas de um mercado inter-regional na Amazônia e o abastecimento, ainda que parcial, de Belém.3 Paralelamente às regiões produtoras de borracha,4 esse cinturão constituiu um dos mais importantes núcleos produtivos da economia agroextrativista do Pará na segunda metade do século 19. FIGURA 01 REGIÕES POVOADAS DA PROVÍNCIA DO GRÃO-PARÁ NA PRIMEIRA METADE DO SÉCULO 19

BAIXO TOCANTINS

ZONA GUAJARINA

FONTE: ANDERSON, Robin L. Colonization as Exploitation in the Amazon Rain Forest, 1758-1911. Gainesville: Florida University Press, 1999, p. 147. Com alterações do autor. 3

Sobre o abastecimento de Belém, cf. especialmente: MACEDO, Sidiana da Consolação Ferreira de. Daquilo que se come: uma história do abastecimento e da alimentação em Belém (1850-1900). 2009. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) - Universidade Federal do Pará, Belém. Sobre o comércio interno no Grão-Pará, cf. dentre outros: LOPES, Siméia de Nazaré. O comércio no Pará oitocentista: atos,sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. 2002. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Universidade Federal do Pará, Belém. 4 A principal área produtora de borracha no Pará era a chamada “Região das Ilhas”, localizada entre o Marajó e a foz do rio Xingu. Também se produzia borracha, contudo em menor quantidade, nas regiões próximas aos rios Amazonas, Tocantins e Guamá. A partir da década de 1870, novas áreas de extração se estabeleceram na província do Amazonas. Ver: WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: HUCITEC, 1993 [1983], pp. 53-88.

2

O Baixo Tocantins e a Zona Guajarina eram, também, regiões bastante importantes do ponto de vista demográfico. Como podemos observar a partir dos dados do Recenseamento de 1872, compilados na TABELA 01, essas regiões concentravam, juntas, 26,6% da população livre, 43,2% da população escrava e 28,3% de toda a população do Grão-Pará, no limiar da década de 1870. A população do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina era constituída, na altura, por 77.916 habitantes, sendo 66.043 (84,8%) livres e 11.873 (15,2%) escravos. O peso relativo dos escravos na população variou de localidade para localidade. Igarapé-Miri e Abaeté apresentaram os maiores pesos relativos de cativos na população (24,7% e 23,5%, respectivamente). Já Bujaru, que em maior medida se dedicava à produção de gêneros de subsistência e abastecimento, apresentou o menor peso relativo de cativos em sua população (8,6%). TABELA 01 POPULAÇÃO LIVRE E ESCRAVA DO BAIXO TOCANTINS E DA ZONA GUAJARINA EM 1872 LOCALIDADE(S)

LIVRES

ESCRAVOS

TOTAL

N

%

N

%

Abaeté

6.080

76,5

1.865

23,5

7.945 (100,0%)

Acará

5.125

86,6

792

13,4

5.917 (100,0%)

Barcarena

3.754

85,3

645

14,7

4.399 (100,0%)

Bujaru

3.890

91,4

364

8,6

4.254 (100,0%)

Cametá

18.413

88,3

2.436

11,7

20.849 (100,0%)

Igarapé-Miri

6.383

75,3

2.099

24,7

8.482 (100,0%)

Inhangapi

1.515

83,2

307

16,8

1.822 (100,0%)

Mocajuba

2.847

88,0

387

12,0

3.234 (100,0%)

Moju

5.062

89,6

589

10,4

5.651 (100,0%)

Ourém

4.407

86,8

670

13,2

5.077 (100,0%)

São Domingos do Capim

6.463

82,9

1.333

17,1

4.938 (100,0%)

São Miguel do Guamá

2.104

84,5

386

15,5

2.490 (100,0%)

TOTAL DO BAIXO TOCANTINS E DA ZONA GUAJARINA

66.043

84,8

11.873

15,2

77.916 (100,0%)

TOTAL DA PROVÍNCIA DO GRÃO-PARÁ

247.770

90,0

27.458

10,0

275.228 (100,0%)

OBS: Em relação a todas as localidades elencadas, foram utilizados somente os dados referentes às freguesias homônimas, salvo no caso das localidades de Cametá, onde também foram considerados os dados da paróquia de Nossa Senhora do Carmo do Tocantins; de Moju, onde também foram considerados os dados da paróquia de Nossa Senhora da Soledade do Cairari; de Ourém, onde também foram considerados os dados da paróquia de Nossa Senhora da Piedade de Irituia; e, por último, de São Domingos do Capim, onde também foram considerados os dados da paróquia de São Domingos da Boa Vista. FONTE: BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento Geral do Império de 1872. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger/Tip. Commercial, 1876, v. 01, pp. 211-212.

Mais da metade (53,9%) da população cativa dessas regiões encontrava-se reunida três localidades: Cametá e as outrora referidas Abaeté e Igarapé-Miri. Tratava-se de três das localidades com

3

maior dinamismo econômico do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina. Cametá, além de constituir o principal núcleo urbano dessas regiões, destacava-se por sua proeminente produção de cacau. Abaeté e Igarapé-Miri, por suas vezes, eram dois dos principais núcleos da tradicional lavoura canavieira do Baixo Tocantins e na Zona Guajarina,5 e onde estavam estabelecidas algumas das principais famílias produtoras de derivados da cana-de-açúcar do Grão-Pará, a exemplo dos Corrêa de Miranda.6 As demais localidades, embora não deixassem de se dedicar, em alguma medida, à produção açucareira, do cacau e das drogas do sertão, em geral se voltavam à produção de gêneros de subsistência e abastecimento. Tanto a produção em larga escala de um ou mais gêneros realizada nas maiores propriedades, quanto essas pequenas e médias produções de subsistência e abastecimento, empregavam mão de obra escrava. Mas, afinal, em que termos se estruturava a posse de cativos naquelas regiões?

A estrutura da posse de cativos Nesta seção, nossa atenção repousa na análise da estrutura da posse de cativos no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, entre 1851 e 1888. Interessa-nos, acima de tudo, analisar a distribuição dos cativos computados em relação às diferentes faixas de tamanho de plantel e às distintas atividades econômicas levadas a cabo nessas regiões, assim como verificar o grau de concentração da posse de escravos entre os proprietários examinados, atentando para possíveis variações sucedidas nesses aspectos, no decurso de todo o período em tela. A nossa amostra é constituída por 86 escravistas e 1.408 cativos, distribuídos da seguinte forma: 50 escravistas e 735 cativos para o primeiro período de observação (1851-1871), e mais 36 escravistas e 673 cativos para o segundo período de observação (1872 a 1888). Cumpre-nos advertir, de antemão, que no segundo período não foram considerados os “ingênuos” – filhos livres nascidos do ventre de mulheres cativas após a Lei do Ventre Livre. Para a melhor caracterização das propriedades analisadas, classificamo-las de início em cinco faixas de tamanho: pequenos (de um a nove escravos); médios (de 10 a 19); grandes (de 20 a 49), muito grandes (de 50 a 99) e megaplantéis (com 100 ou mais escravos). Essa classificação levou em

5

BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão Negra no Grão-Pará (Séculos XVII-XIX). Belém: Paka-Tatu, 2001, pp. 55-56. Sobre a família Corrêa de Miranda e as suas atividades econômicas no Baixo Tocantins oitocentista, ver: ÂNGELO, Helder Bruno Palheta. O longo caminho dos Corrêa de Miranda no século XIX: um estudo sobre família, poder e economia. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) - Universidade Federal do Pará, Belém. 6

4

consideração não apenas alguns dos parâmetros existentes na historiografia,7 de estudos que examinaram a estrutura da posse de cativos a partir de inventários post-mortem, mas também e principalmente, as especificidades da realidade analisada, demarcada por uma elevada média de escravos por proprietário (16,4), e as características da documentação compulsada. Seguindo tal critério, apresentamos, na TABELA 02, a distribuição dos escravistas e dos escravos, conforme as diferentes faixas de tamanho de plantel, e considerando duas coortes, que respeitam às rearticulações levadas a efeito no escravismo brasileiro como implicação da legislação emancipacionista baixada no período em tela.8 TABELA 02 ESTRUTURA DA POSSE DE CATIVOS (BAIXO TOCANTINS E NA ZONA GUAJARINA, 1851-1888)

1872-1888

1851-1871

FTP

PROPRIETÁRIOS

ESCRAVOS

N

%

% Ac.

N

%

% Ac.

01-09

30

60,0

60,0

154

21,0

21,0

10-19

11

22,0

82,0

159

21,6

42,6

20-49

07

14,0

96,0

222

30,2

72,8

50-99

01

2,0

98,0

58

7,9

80,7

100/+

01

2,0

100,0

142

19,3

100,0

TOTAL

50

100,0

100,0

735

100,0

100,0

01-09

21

58,3

58,3

105

15,6

15,6

10-19

09

25,0

83,3

124

18,4

34,0

20-49

04

11,1

94,4

163

24,2

58,2

50-99

01

2,8

97,2

96

14,3

72,5

100/+

01

2,8

100,0

185

27,5

100,0

TOTAL

36

100,0

100,0

673

100,0

100,0

FONTE: Inventários post-mortem do Centro de Memória da Amazônia

Os informes apresentados na TABELA 02 evidenciam que, enquanto a grande maioria dos escravistas era detentora de pequenas ou médias propriedades, a maior parte dos escravos integrava os plantéis grandes, muito grandes ou os megaplantéis, em ambos os períodos examinados. Muito embora essa distribuição destoasse, parcialmente, do padrão geral da estrutura da posse de escravos em

7

Ver dentre muitos outros: SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo. Vassouras, Século XIX. Senhores e escravos no Coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. 8 Referimo-nos, especificamente, à Lei Eusébio de Queirós, de 04 de setembro de 1850, que proibiu em caráter definitivo o tráfico atlântico de cativos, e à Lei do Ventre Livre, de 28 de setembro de 1871, que tornou “ingênuos” – e, portanto, livres – os filhos das mulheres escravas nascidos a partir de então. Sobre a legislação emancipacionista no Brasil, ver dentre alguns outros: MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a Lei de 1885 e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2008 [1999].

5

outras regiões brasileiras – marcado pela concentração dos cativos nos pequenos e médios plantéis,9 aparentemente se tratava de uma característica particular do escravismo paraense, pelo menos desde o fim do século 18.10 No primeiro período, 82% dos escravistas figuravam entre os pequenos e médios proprietários, já os escravos das maiores propriedades perfaziam 57,4% dos cativos. No segundo período examinado, os percentuais correlatos para escravistas e cativos foram de, respectivamente, 83,3% e 66% – assinalando um ligeiro crescimento do peso relativo dos pequenos e médios proprietários de escravos, acompanhado de um crescimento, agora, um pouco mais expressivo, do peso relativo dos cativos pertencentes aos maiores plantéis. Esse duplo movimento levou a um incremento na concentração da posse do primeiro para o segundo período em tela. O índice de Gini calculado para o primeiro período foi de 0,55, evidenciando uma concentração mediana, e, para o segundo período observado, foi de 0,63, evidenciando, dessa vez, uma forte concentração da posse de cativos.11

9

cf.: MOTTA, José Flávio; NOZOE, Nelson Hideiki & COSTA, Iraci del Nero da. Às vésperas da Abolição: um estudo sobre a estrutura da posse de escravos em São Cristóvão (RJ), 1870. Estudos Econômicos, São Paulo, vol. 34, n. 01, jan.mar./2004, pp. 157-213. 10 cf.: KELLY-NORMAND, Arlene. Africanos na Amazônia: cem anos antes da Abolição. Cadernos do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Belém, n. 18, out.-dez./1988, pp. 01-21. 11 Para a classificação dos coeficientes de Gini encontrados, adotamos os critérios disponíveis em: LUNA, Francisco Vidal e COSTA,Iraci del Nero da. Sobre a estrutura da posse de escravos em São Paulo e Minas Gerais nos albores do século XIX. Estudios Históricos, Montevideo, Noviembre/2010, n. 05, s/n.

6

TABELA 03 ÍNDICES DE GINI RELACIONADOS À POSSE DE ESCRAVOS EM DIFERENTES LOCALIDADES E REGIÕES BRASILEIRAS NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO 19 LOCALIDADE(S) Baixo Tocantins e Zona Guajarina (Grão-Pará) (a) Baixo Tocantins e Zona Guajarina (Grão-Pará) (a) Mariana (Minas Gerais) (b) (b)

ANOS(S)

PRINCIPAL ATIVIDADE ECONÔMICA

ÍNDICE DE GINI

1851-1871

Agroextrativismo (Açúcar, cacau e outros)

0,55

1872-1888

Agroextrativismo (Açúcar, cacau e outros)

0,63

1860-1869

Agricultura (Subsistência e abastecimento)

0,61

1870-1879

0,56 0,587

Batatais (São Paulo) (c)

1851-1887

Lorena (São Paulo) (d)

1851-1879

Agricultura (Subsistência e abastecimento) Agricultura (Subsistência e abastecimento) e Pecuária Agricultura (Café)

Ribeirão Preto (São Paulo) (e)

1870-1879

Agricultura (Café)

0,61

1875

Pecuária

0,53

1870

Escravidão urbana

0,46

Mariana (Minas Gerais)

Oeiras (Piauí)

(f)

São Cristóvão (Rio de Janeiro)

(g)

0,60

FONTE: (a) Inventários post-mortem do Centro de Memória da Amazônia; (b) TEIXEIRA, Heloísa Maria. Reprodução e famílias escravas em Mariana, 1850-1888. 2002. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo; (c) GARAVAZO, Juliana. Riqueza e escravidão no nordeste paulista: Batatais, 1851-1887. 2006. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo; (d) MARCONDES, Renato Leite. A Arte de Acumular Na Economia Cafeeira: Vale do Paraíba (Século XIX). Lorena: Stiliano, 1998; (e) LOPES, Luciana Suarez. Sob os olhos de São Sebastião. A cafeicultura e as mutações da riqueza em Ribeirão Preto, 1849-1900. 2005. Tese (Doutorado em História Econômica) -Universidade de São Paulo, São Paulo; (f) MARCONDES, Renato Leite; FALCI, Miridan Britto Knox. Escravidão e reprodução no Piauí: Oeiras e Teresina (1875). Texto para Discussão. Série Economia (TD-E/26). São Paulo: FEA/USP-Ribeirão Preto, 2001 (Mimeografado); (g) MOTTA, José Flávio; NOZOE, Nelson Hideiki & COSTA, Iraci del Nero da. Às vésperas da Abolição, op. cit.

O índice de Gini calculado sobre a nossa amostra para o primeiro período analisado, se mostrou superior ao encontrado para a paróquia urbana de São Cristóvão, em 1870; bastante próximo ao encontrado para a antiga capital do Piauí, Oeiras, que em 1875 se dedicava à pecuária; e inferior aos indicadores encontrados para a localidade mineira de Mariana nos anos de 1860, então dedicada para a subsistência e o abastecimento de Minas Gerais, e, para as localidades paulistas de Batatais, entre 1851 e 1887, e Lorena, entre 1851 e 1879 – que se votavam, respectivamente, à produção de gêneros de subsistência e à pecuária, e à lavoura cafeeira. O índice de Gini calculado em torno do nosso segundo período observado se mostrou superior ao encontrando para o Baixo Tocantins e a Zona Guajarina no período anterior e também superior aos encontrados para Mariana, na década de 1870, e para a localidade paulista de Ribeirão Preto, igualmente nos anos de 1870, que, assim como Lorena, se dedicava ao cultivo do café. No caso da realidade analisada, em que não havia um gênero específico, cuja produção sobrepujasse às demais, qual(is) atividade(s) concentrava(m) o maior número de cativos?

7

TABELA 04 DISTRIBUIÇÃO DOS PLANTÉIS SEGUNDO FAIXAS DE TAMANHO E AS ATIVIDADES CARACTERÍSTICAS DOS INVENTÁRIOS POST-MORTEM (BAIXO TOCANTINS E ZONA GUAJARINA, 1851-1871) ATIVIDADE(S)

FTP

ESCRAVOS

01-09 10-19 20-49 50-99 100/+ TOTAL

N

MÉDIA

%

Derivados da cana-de-açúcar

04

-

01

01

-

06

132

22,0

18,0

Derivados da cana-de-açúcar e Arroz

-

-

-

-

01

01

142

142,0

19,3

Derivados da cana-de-açúcar e Cacau

01

-

01

-

-

02

36

18,0

4,9

Cacau

02

02

-

-

-

04

42

10,5

5,7

Cacau e Café

-

-

01

-

-

01

24

24,0

3,3

Cacau e Algodão

01

-

-

-

-

01

04

4,0

0,5

Algodão

-

-

02

-

-

02

59

29,5

8,0

Subsistência ou Abastecimento

20

08

02

-

-

30

282

9,4

38,4

Agricultura e/ou Extrativismo

02

01

-

-

-

03

14

4,7

1,9

TOTAL

30

11

07

01

01

50

735

14,7

100,0

FONTE: Inventários post-mortem do Centro de Memória da Amazônia

No primeiro período examinado, as propriedades votadas à produção dos derivados da canade-açúcar – que em alguns casos, conjugavam esta atividade com a produção do cacau ou do arroz – eram as que mais concentravam escravos entre 1851 e 1871, acumulando 42,2% de todos os cativos computados no período. A segunda atividade que mais concentrava escravos era a produção de subsistência e abastecimento, que englobava 38,4% dos cativos coligidos. A terceira atividade que mais aglutinava cativos era a produção do cacau – que quando realizada exclusivamente ou em combinação com a produção do café ou do algodão – era responsável por 9,5% dos escravos de nossa amostra, para os anos de 1851 a 1871. No primeiro período de observação, sobressaíram-se, também, duas propriedades produtoras de algodão, uma pertencente a Antônio Luís Pires Borralho, que empregava 21 escravos,12 e a outra pertencente a d. Mariana de Andrade Muniz, que empregava 38 escravos;13 juntas, estas propriedades reuniram cerca de 8% de todos os cativos analisados naqueles anos.

12

Centro de Memória da Amazônia (UFPA). Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível). Inventários post-mortem, Cx. 15 (1851). Inventário de Antônio Luís Pires Borralho, 1851. 13 Centro de Memória da Amazônia (UFPA). Cartório Fabiliano Lobato (11ª Vara Cível). Inventários post-mortem, Cx. 08 (1863-1869). Inventário de Mariana da Soledade de Andrade Muniz, 1869.

8

TABELA 05 DISTRIBUIÇÃO DOS PLANTÉIS SEGUNDO FAIXAS DE TAMANHO E AS ATIVIDADES CARACTERÍSTICAS DOS INVENTÁRIOS POST-MORTEM (BAIXO TOCANTINS E ZONA GUAJARINA, 1872-1888) ATIVIDADE(S)

FTP

ESCRAVOS

01-09 10-19 20-49 50-99 100/+ TOTAL

N

MÉDIA

%

Derivados da cana-de-açúcar

-

01

02

01

-

04

188

47,0

27,9

Derivados da cana-de-açúcar e Madeira

-

-

-

-

01

01

185

185,0

27,5

Derivados da cana-de-açúcar e Cacau

-

-

01

-

-

01

47

47,0

7,0

Cacau

03

01

-

-

-

04

25

6,3

3,7

Café

01

-

-

-

-

01

08

8,0

1,2

Borracha

-

01

-

-

-

01

12

12,0

1,8

Subsistência ou Abastecimento

14

06

01

-

-

21

204

9,7

30,3

Agricultura e/ou Extrativismo

02

-

-

-

-

02

02

1,0

0,3

Serviços domésticos

01

-

-

-

-

01

02

2,0

0,3

TOTAL

21

09

04

01

01

36

673

18,7

100,0

FONTE: Inventários post-mortem do Centro de Memória da Amazônia

No segundo período analisado, cujos informes podem ser visualizados na TABELA 05, verificamos a continuidade da produção de derivados da cana-de-açúcar (com um elevado número médio de cativos por unidade produtora) e da produção de subsistência e abastecimento como as atividades que mais concentravam cativos e uma diminuição do peso relativo da produção do cacau como uma atividade que concentrava importante um número de escravos. Por outro lado, constatamos uma tímida diversificação nas atividades econômicas dos escravos. Essa diversificação concerne à propriedade de Antônio José Henriques de Lima, no Acará, dedicada à produção da goma elástica,14 e aos escravos responsáveis pelos afazeres domésticos, na residência de d. Elíbia Eufrosina Corrêa de Miranda, localizada na vila de Abaeté – um traço relevador de certos níveis de urbanização que germinavam no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina, regiões que, até então, eram emoldadas sob o signo de uma paisagem marcadamente rural, como podemos perceber, a propósito, pelo conjunto de atividades descritas nas TABELAS 04 e 05.15 A variedade de atividades desenvolvidas pelos escravistas que compõem nossa amostra evidencia uma economia que não contava com um produto específico que lhe adjudicasse maior dinamismo, como a borracha chegou a representar para outras regiões do Grão-Pará. Posto que não pos14

Centro de Memória da Amazônia (UFPA). Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível). Inventários post-mortem, Cx. 30 (1874). Inventário de Antônio José Henriques de Lima, 1874. 15 Centro de Memória da Amazônia (UFPA). Cartório Odon Rhossard (2ª Vara Cível). Inventários post-mortem, Cx. 28 (1872). Inventário de Elíbia Eufrosina Corrêa de Miranda, 1872.

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samos desconsiderar a importância relativa dos derivados da cana e do cacau enquanto produtos que conferiam algum dinamismo econômico ao Baixo Tocantins e à Zona Guajarina, a maioria dos proprietários em tela, como já destacamos, voltava-se à produção de gêneros de subsistência ou abastecimento, atividade que, mesmo mantendo vínculos regulares com o mercado era incapaz de conferir grande dinamismo ao Baixo Tocantins e à Zona Guajarina. Porém, cabe-nos ainda questionar: quais eram as características dos escravos dessas regiões? A legislação emancipacionista implicou variações nessas características?

As características dos escravos Nesta seção, analisamos as características demográficas dos cativos do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina, entre 1851 e 1888. O nosso interesse recai em examinar a distribuição dos escravos no que concerne ao sexo e à idade,16 em relação às diferentes faixas de tamanho de plantel e às diferentes atividades econômicas nas quais os cativos estavam empregados, observando possíveis variações nessas distribuições ao longo do período em tela. Ao todo, é considerado um universo amostral constituído por 1.408 escravos, assim distribuídos: 735 cativos para o primeiro período (1851-1871) e 673 cativos para o segundo período de observação (1872 a 1888). Cumpre-nos reiterar, no diz que respeito ao segundo período de observação, que não são considerados para fins de análise, os “ingênuos” – os filhos das mulheres escravas nascidos após a Lei do Ventre Livre –, nem mesmo os cativos libertados pela Lei dos Sexagenários. Os informes da TABELA 06 apontam para um relativo equilíbrio na distribuição dos escravos do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina entre os sexos, com pequenas variações entre os dois períodos observados: no primeiro período, a razão de masculinidade geral foi de 86,6, e, no segundo período, de 105,8. Não obstante as variações na razão de masculinidade consoante as diferentes faixas de tamanho de plantel – aleatórias, no caso do primeiro período,17 e interdependentes no caso do segundo período analisado18 –, o incremento na razão de sexo do primeiro para o segundo período em tela se mostrou estatisticamente significativo nos termos de nossa amostra.19 Sem desconsiderarmos 16

Não nos debruçamos sobre a origem crioula ou africana dos cativos, já que os africanos perfizeram somente 1,6% dos escravos computados tanto no primeiro, quanto no segundo período de observação. 17 Resultados do teste chi-quadrado: X²(8, N = 735) = 5,44, p = 0,71. 18 Resultados do teste chi-quadrado: X²(8, N = 673) = 20,68, p = 0,01. 19 Resultados do teste t-student: t(1405) = 1,86, p = 0,15.

10

os limites impostos pela documentação compulsada, somos levados a crer que com o avançar da segunda metade do século 19, o peso relativo dos cativos apresentou tendência ao crescimento em detrimento ao peso relativo das cativas na população escrava do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina. TABELA 06 DISTRIBUIÇÃO DOS ESCRAVOS EM FUNÇÃO DO SEXO (BAIXO TOCANTINS E ZONA GUAJARINA, 1851-1888) SEXO

1872-1888

1851-1871

FTP

HOMENS

MULHERES

RAZÃO DE SEXO

TOTAL

01-09

N 70

% 45,5

N 84

% 54,5

83,3

154 (100,0%)

10-19

80

50,6

78

49,4

102,6

158 (100,0%)

20-49

102

45,9

120

54,1

85,0

222 (100,0%)

50-99

24

41,4

34

58,6

70,6

58 (100,0%)

100/+

65

45,8

77

54,2

84,4

142 (100,0%)

TOTAL

341

46,5

393

53,5

86,8

734 (100,0%)

01-09

58

55,2

47

44,8

123,4

105 (100,0%)

10-19

57

46,0

67

54,0

85,1

124 (100,0%)

20-49

101

62,0

62

38,0

162,9

163 (100,0%)

50-99

51

53,1

45

46,9

113,3

96 (100,0%)

100/+

79

42,7

106

57,3

74,5

185 (100,0%)

TOTAL

346

51,4

327

48,6

105,8

673 (100,0%)

FONTE: Inventários post-mortem do Centro de Memória da Amazônia

Caso aferíssemos a razão de masculinidade dos cativos de nossa amostra para a segunda metade do século 19 como um todo, agrupando os dados do primeiro aos dados do segundo período de observação, encontraríamos a razão de sexo de 95,4. Trata-se, com efeito, de um valor praticamente idêntico à taxa de 95,7 – calculada a partir dos dados do Recenseamento de 1872, referentes às localidades examinadas no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina.20 A comparação feita com o Recenseamento, para além de patentear a qualidade do nosso universo amostral no que concerne à distribuição dos escravos dessas regiões conforme o sexo, coloca-nos diante de duas questões: se por um la20

Consideramos os dados condizentes às seguintes paróquias: São Vicente de Inhangapi, Santana do Bujaru, São Domingos da Boa Vista, Santana do Capim e São Francisco Xavier de Barcarena, no município de Belém; Divino Espírito Santo, São José do Acará e Nossa Senhora da Soledade do Cairari no município de Moju; Santana de Igarapé-Miri e Nossa Senhora da Conceição de Abaeté, em Igarapé Miri; Divino Espírito Santo de Ourém e São Miguel de Guamá, no município de Ourém; São João Batista de Cametá, Nossa Senhora do Carmo de Tocantins e Nossa Senhora da Conceição de Mocajuba, em Cametá. A população cativa dessas freguesias era composta por 6.030 homens e 6.303 mulheres, perfazendo a razão de sexo de 95,7. Ver: BRASIL. Diretoria Geral de Estatística. Recenseamento Geral do Império de 1872. Rio de Janeiro: Typ. Leuzinger/Tip. Commercial, 1876, v. 01, p. 212.

11

do, a variação nessa distribuição entre os períodos analisados pode ter sido aleatória, por outro lado, é possível que os inventários post-mortem arrolados tenham sido mais “sensíveis” às eventuais variações ocorridas naquela distribuição, entre o primeiro e o segundo período examinado. Interessa-nos agora, analisar a distribuição dos cativos que compõem nossa amostra segundo a idade. Para fins de análise, consideramos como cativos jovens, os menores de 15 anos; como adultos, aqueles entre 15 e 49 anos e como velhos, aqueles com 50 ou mais anos de idade.21 A partir dos dados da TABELA 07, podemos observar que o grupo etário dos adultos, foi o que concentrou o maior número relativo de escravos nos dois períodos examinados, tendo, inclusive, concentrado a maioria absoluta dos cativos no segundo período. No primeiro período em tela, os jovens, os adultos e os velhos representaram, respectivamente, 40,6%, 44,8% e 14,6%. Os percentuais correlatos para o segundo período de observação foram de, respectivamente, 19,7%, 63,9% e 16,4%. Entre o primeiro e o segundo período observado, verificamos uma diminuição expressiva do peso relativo dos jovens – em grande medida, decorrente da Lei do Ventre Livre –, a manutenção do peso relativo dos velhos e um consequente aumento expressivo do peso relativo dos adultos – observado, igualmente, em termos absolutos. As idades médias dos cativos foram, no primeiro período em tela, de 24,3 anos (DP=19,7), e no segundo período em tela, de 30,5 anos (DP=17,2). Ao passo que no segundo período examinado, as idades médias dos escravos não oscilaram significativamente segundo as diferentes faixas de tamanho dos plantéis,22 no primeiro período examinado, o mesmo não ocorreu;23 muito provavelmente, em decorrência das características particulares do único megaplantel analisado para este período, cujos cativos apresentaram uma idade média de 32,1 anos – superior, portanto, às idades médias encontradas para os escravos das demais faixas de tamanho de plantel, no primeiro período observado. Caso incluamos, na análise, a variável sexo, observaremos que no primeiro período de observação a idade média dos escravos (25,6 anos, DP=20,9) se mostrou superior à idade média das cativas (23,0

21

A classificação dos cativos acima dos 50 anos como velhos foi proposta por José Flávio Motta para o caso da Província de São Paulo. ver: MOTTA, José Flávio. O tráfico de escravos velhos (Província de São Paulo, 1861-1887). História: Questões & Debates, Curitiba, n. 52, jan.-jun./2010, pp. 41-73. 22 Resultados do teste One-Way Anova: F(4, 659) = 2,11, p. = 0,78. 23 Resultados do teste One-Way Anova: F(4, 722) = 7,81, p. < 0,001.

12

anos, DP=18,6).24 No segundo período observado, a idade média dos escravos (30,4 anos, DP=17,6) não apresentou diferença significativa em relação à idade média das cativas (30,7 anos, DP=17,3).25 TABELA 07 DISTRIBUIÇÃO DOS ESCRAVOS EM FUNÇÃO DOS GRUPOS ETÁRIOS (BAIXO TOCANTINS E ZONA GUAJARINA, 1851-1888) IDADE MÉDIA E DESVIO PADRÃO (EM ANOS)

GRUPOS ETÁRIOS (EM ANOS) FTP

1872-1888

1851-1871

0-14

15-49

50/+

TOTAL

IMÉD.

DP

12,5

23,0

18,3

152 (100,0%)

18

11,5

23,5

17,9

157 (100,0%)

45,2

19

8,7

20,7

16,9

219 (100,0%)

34

58,6

05

8,6

24,6

17,8

58 (100,0%)

34,0

48

34,0

45

32,0

32,1

25,5

141 (100,0%)

295

40,6

326

44,8

106

14,6

24,3

19,7

727 (100,0%)

01-09

22

21,4

71

68,9

10

9,7

27,4

15,6

103 (100,0%)

10-19

22

17,7

76

61,3

26

21,0

32,0

19,1

124 (100,0%)

20-49

32

20,1

106

66,7

21

13,2

30,4

16,5

159 (100,0%)

50-99

26

27,4

54

56,8

15

15,8

28,2

18,0

95 (100,0%)

100/+

29

15,8

117

63,9

37

20,3

32,5

16,7

183 (100,0%)

TOTAL

131

19,7

424

63,9

109

16,4

30,5

17,2

664 (100,0%)

N

%

N

%

N

%

01-09

65

42,8

68

44,7

19

10-19

62

39,5

77

49,0

20-49

101

46,1

99

50-99

19

32,8

100/+

48

TOTAL

FONTE: Inventários post-mortem do Centro de Memória da Amazônia

Como podemos notar, o aumento nas idades médias dos cativos, do primeiro para o segundo período examinado,26 foi um movimento geral, que abarcou tanto os homens cativos, quanto as mulheres cativas. No entanto, não fosse a promulgação da Lei do Ventre Livre, não teríamos encontrado a expressiva diminuição do peso relativo dos jovens e, por conseguinte, o expressivo aumento do peso relativo dos adultos entre o primeiro e o segundo período analisado. Se agregássemos ao grupo etário dos jovens, os 126 ingênuos, nascidos entre 1872 e 1888, que compõem nossa amostra, a população escrava do Baixo Tocantins e na Zona Guajarina no segundo período em tela, seria formada por 32,5% de jovens, 53,7% de adultos e 13,8% de velhos. Sem perdermos de vista, aqui, o impacto das manumissões e da Lei dos Sexagenários e, também, o fato de os cativos viverem sob um regime

24

Resultados do teste t-student: t(725) = 1,66, p = 0,01. Resultados do teste t-student: t(673) = 0,37, p = 0,99. 26 Resultados do teste t-student: t(1400) = 5,85, p = 0,003. 25

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demográfico restrito,27 somos levados a crer que, com a interrupção do fornecimento de novos cativos pelo tráfico externo e a incapacidade das elites paraenses em promover a uma renovação efetiva da escravaria regional a partir do tráfico interno, a população escrava do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina começou a se enformar como uma clássica população pré-Industrial, que dependia de sua reprodução endógena e não era afetada pela emigração ou por crises de mortalidade, sendo constituída, assim, pelo elevado número de jovens, uma maioria de adultos e o pequeno número de velhos.28

Considerações finais À guisa de concluirmos, gostaríamos de destacar que, não obstante a todas as variações existentes na estrutura da posse de escravos do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina ao longo do século 19, um aspecto se manteve constante: a importância da mão de obra cativa no complexo econômico agroextrativista estabelecido naquelas regiões. Posto que o mundo do trabalho no Baixo Tocantins e na Zona Guajarina não fosse circunscrito, somente, à mão de obra escrava, resta patenteada a manutenção dessa importância, ao longo de todo o Oitocentos, inclusive, no segundo período de observação, quando o caráter de transitoriedade do escravismo brasileiro já era mais do que evidente. Entretanto, para que tal manutenção se efetuasse um fator, ao que tudo indica, foi determinante: a capacidade da escravaria do Baixo Tocantins e da Zona Guajarina em reproduzir-se endogenamente, tendo vista a pouca interação dessas regiões com os tráficos externo e interno. É justamente sobre essa capacidade de reprodução endógena, que nos debruçaremos em nossos próximos trabalhos, a partir da análise da família escrava.

Bibliografia ÂNGELO, Helder Bruno Palheta. O longo caminho dos Corrêa de Miranda no século XIX: um estudo sobre família, poder e economia. 2012. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) - Universidade Federal do Pará, Belém. 27

A respeito do conceito de regime demográfico restrito da população cativa, ver: CUNHA, Maísa Faleiros da. Demografia e Família Escrava: Franca, século XIX. 2009. Tese (Doutorado em Demografia) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas. 28 As Sociedades Pré-Industriais eram, em geral, caracterizadas por elevadas taxas de natalidade e de mortalidade, o que as levava a apresentar um grande número de “jovens” (sobreviventes, a uma também elevada mortalidade infantil) e um pequeno número de “velhos”. cf. dentre outros: WOOD, James W. A Theory of Preindustrial Population Dynamics. Demography, Economy, and Well-Being in Malthusian Systems. Current Anthropology, Chicago, vol. 39, n. 01, Feb./1998, pp. 99-135.

14

BARROSO, Daniel Souza. Coletando o cacau “bravo”, plantando o cacau “manso” e outros gêneros: um estudo sobre a estrutura da posse de cativos no Baixo Tocantins (Grão-Pará, 1810-1850). Encontro Nacional de Estudos Populacionais, XIX, 2014. São Pedro. Anais... Campinas: Associação Brasileira de Estudos Populacionais, 2014, 20 p. BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão Negra no Grão-Pará (Séculos XVII-XIX). Belém: PakaTatu, 2001. CUNHA, Maísa Faleiros da. Demografia e família escrava: Franca, século XIX. 2009. Tese (Doutorado em Demografia) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas. GARAVAZO, Juliana. Riqueza e escravidão no nordeste paulista: Batatais, 1851-1887. 2006. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo. KELLY-NORMAND, Arlene. Africanos na Amazônia: cem anos antes da Abolição. Cadernos do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Belém, n. 18, out.-dez./1988, pp. 01-21. LOPES, Luciana Suarez. Sob os olhos de São Sebastião. A cafeicultura e as mutações da riqueza em Ribeirão Preto, 1849-1900. 2005. Tese (Doutorado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo. LOPES, Siméia de Nazaré. O comércio no Pará oitocentista: atos, sujeitos sociais e controle entre 1840-1855. 2002. Dissertação (Mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) - Universidade Federal do Pará, Belém. LUNA, Francisco Vidal e COSTA, Iraci del Nero da. Sobre a estrutura da posse de escravos em São Paulo e Minas Gerais nos albores do século XIX. Estudios Históricos, Montevideo, Noviembre/2010, n. 05, s/n. MACEDO, Sidiana da Consolação Ferreira de. Daquilo que se come: uma história do abastecimento e da alimentação em Belém (1850-1900). 2009. Dissertação (Mestrado em História Social da Amazônia) - Universidade Federal do Pará, Belém. MARCONDES, Renato Leite. A Arte de Acumular Na Economia Cafeeira: Vale do Paraíba (Século XIX). Lorena: Stiliano, 1998. MARCONDES, Renato Leite; FALCI, Miridan Britto Knox. Escravidão e reprodução no Piauí: Oeiras e Teresina (1875). Texto para Discussão. Série Economia (TD-E/26). São Paulo: FEA/USPRibeirão Preto, 2001 (Mimeografado). MENDONÇA, Joseli Maria Nunes. Entre a mão e os anéis: a Lei de 1885 e os caminhos da abolição no Brasil. Campinas: Editora da UNICAMP, 2008 [1999]. MOTTA, José Flávio. O tráfico de escravos velhos (Província de São Paulo, 1861-1887). História: Questões & Debates, Curitiba, n. 52, jan.-jun./2010, pp. 41-73. MOTTA, José Flávio; NOZOE, Nelson Hideiki & COSTA, Iraci del Nero da. Às vésperas da Abolição: um estudo sobre a estrutura da posse de escravos em São Cristóvão (RJ), 1870. Estudos Econômicos, São Paulo, vol. 34, n. 01, jan.-mar./2004, pp. 157-213. SALLES, Ricardo. E o Vale era o escravo. Vassouras, Século XIX. Senhores e escravos no Coração do Império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. TEIXEIRA, Heloísa Maria. Reprodução e famílias escravas em Mariana, 1850-1888. 2002. Dissertação (Mestrado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo. WEINSTEIN, Barbara. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: HUCITEC, 1993 [1983]. WOOD, James W. A Theory of Preindustrial Population Dynamics. Demography, Economy, and Well-Being in Malthusian Systems. Current Anthropology, Chicago, vol. 39, n. 01, February/1998, pp. 99-135.

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