Será que dois cérebros iguais podem ter pensamentos diferentes?

September 30, 2017 | Autor: David Ruah | Categoria: Philosophy of Mind
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Será que dois cérebros iguais podem ter pensamentos diferentes? Introdução O Mundo do Homem é uma anarquia. Não sabemos quem somos, nem o que somos. E, ainda que saibamos alguma coisa, a consciência desse conhecimento nada é, leva-nos à douta ignorância. O Mundo da Ciência não deve ser encarado como antitético ao Mundo da Filosofia, são diferentes áreas do conhecimento que se complementam mutuamente. Todavia, quando a Ciência entra em confronto com a condição humana, despertando questões bioéticas, é necessário defender as posições que protejam essa mesma condição humana. O estudo da Filosofia da Mente e, inclusivamente, a chamada Neurofilosofia, fundada pelos Churchland, são exemplos de que a Filosofia é, por natureza, a disciplina que deve questionar não só o caráter misterioso da Mente, mas aliá-lo às Neurociências. O meu ensaio defenderá que um cérebro exatamente igual ao meu pode, de facto, ter pensamentos diferentes a partir de conceitos da Filosofia da Mente e de teorias de outros filósofos.

Mente ou Cérebro!? Vergílio Ferreira, figura paradigmática do existencialismo na Literatura Portuguesa, questiona-se a meio de uma das suas obras literárias – Aparição –: Que é que te habita, que é que está em ti e és tu!? Por outro lado, Goethe questiona-se também em Werther: Que é o homem, esse semideus tão enaltecido!? Estas duas questões, que são a essência da problemática filosófica desde a Filosofia Antiga – desde Platão que acredita na existência de uma alma tal como argumenta no Fédon, passando por Descartes com a sua res cogita –, culminam no movimento existencialista do século XX1. Mas porquê!? Porquê a necessidade de o homem querer saber o que é!? Porquê a inconformidade existencial do homem que o leva a questionar-se tanto acerca de ser o que é e a sua perplexidade ao não ser antes nada2!?

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Com exceção de Kierkegaard que é do século XIX. Formulação a partir da famosa questão de Leibniz: “Porque há ser e não antes nada!?”

É daqui que advém a natureza imperfeita da Filosofia, do questionamento angustioso, da noção desta tão ténue efemeridade, e da procura tão absurda de um Eu que existe apenas em nós, mas que se encontra manifestado no Mundo onde a morte está presente e onde o tempo é3, mas deixa de ser ao pronunciarmo-nos sobre a sua transitoriedade. A filosofia é, portanto, um círculo que poderia adotar a forma do Mundo ou apenas da nossa mente (ou, direi, do nosso cérebro?). Um círculo de questões infinitas e respostas inconstantes, um círculo infinito que é limitado pela sua própria existência – como ver o círculo dentro do círculo!?. Isto é, a Filosofia vai para além de questões interiores de caráter existencial ou metafísico, mas é ainda a partir desse questionamento que nasce a ética4, a estética, a filosofia da linguagem ou a própria filosofia da mente. Como separar, então, o nosso Eu da Filosofia, se o nosso Eu é a própria filosofia e a filosofia somos nós!? Deste modo, ainda que aborde como problemática principal a dicotomia mente/cérebro inserida na filosofia da mente como disciplina filosófica principal, acabarei por fazer uma ligação com a filosofia existencialista do século XX, fundamentada nas atuais investigações da Neurociência e Neurologia. No meio deste mesmo círculo estará provavelmente a filosofia da mente. O que é o Eu!? O que faz de mim o que eu sou hoje!? Será que sou um mero “resultado consciente da minha própria experiência”?5 Como é que o meu Eu é o que é hoje!? Ou indo ao encontro da problemática epistemológica: quais os limites do conhecimento!? O que é o conhecimento!? Ou saltando para a ética: o que faz de mim um ser eticamente correto!? Será que a minha atitude ético-moral poderá modificar-se de um dia para outro!? E se agora eu afirmar que todas estas questões poderão deixar de ser parte da Filosofia, mas farão parte do campo da Neurociência? Absurdo? Ridículo!? Não irá a Neurociência desenvolver-se de tal modo a ponto de descobrir que, de facto, todas as nossas ações e talvez conceitos estejam condicionados pelo nosso cérebro!? Se eu afirmar que a zona x do meu cérebro, que foi desenvolvida durante a infância, condiciona toda a minha ação ética!? Pior ainda: se eu durante um acidente for afetado cerebralmente e não sofrer quaisquer lesões de teor físico, mas o meu comportamento ético for modificado!? Esta é a tese que António Damásio tenta provar na obra, O Erro de Descartes, a partir do exemplo de Phineas Gadge que eu analisarei mais à frente.

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Santo Agostinho argumentava que, ao invés de passado, presente e futuro, os dois tempos, à excepção do presente, eram condicionados pelo próprio presente. Assim acreditava na existência de um presente passado, um presente presente e um presente futuro. 4 Schopenhauer foi provavelmente dos únicos filosóficos a criar uma teoria de metafísica aplicada a partir da Teoria Kantiana. 5 Citação de Almada Negreiros

Com esta introdução ao estudo da filosofia da mente, poderemos encarar que, de facto, a mente (ou o cérebro?) desempenha um papel fundamental no ser humano e, por conseguinte, na Filosofia.

Tentemos agora centrar-nos na definição do conceito de mente e de cérebro, podendo-se encarar o cérebro como responsável por todo o processo mental, e a mente como o processo físico-químico desempenhado pelo cérebro. Mas será que esta definição entre cérebro e mente chegará!? Penso que o ponto de diferença entre mente e cérebro é que a mente não dispõe de localização espácio-temporal, enquanto o cérebro é toda uma massa física devidamente composta. Todavia, é chocante verificar-se que provavelmente conhecemos melhor o próprio universo que o cérebro humano. Como é possível que não conheçamos aquilo que nos compõe, aquilo que, nas palavras de Vergílio Ferreira, nos habita, está em nós e o somos!? Todavia, daqui surge uma outra problemática: será que todas as problemáticas filosóficas podem ser relativizadas a problemáticas neurocientíficas!? Sendo assim, somos apenas… cérebro!? Não é o desconhecimento da grandeza do projeto humano que faz a beleza da existência e a grandeza do homem? Damásio afirma-nos que este não deve ser argumento para evitar as propostas dadas pela Neurociência. Afirma ainda em O erro de Descartes que esta beleza tão inquietante e ao mesmo tempo sublime a que me refiro não deverá ser quebrada pelos conhecimentos neurocientíficos, mas conciliada. O problema entre mente e cérebro poderá ser ainda definido entre mente e corpo, tal como as teorias da filosofia da mente o identificam, dividindo-se

em teorias

dualistas6 e teorias fisicistas7. Provavelmente a teoria mais famosa a nível do dualismo é a de René Descartes que abordarei na parte seguinte deste ensaio. A questão essencial da filosofia da mente é a seguinte: poderá o processo mental ser resumido a processos físicos!? Ou poderá a mente existir sem o físico!? É evidente que na contemporaneidade da filosofia da mente a teoria dualista exemplificada por Descartes não é aceite. Assim sendo, temos na filosofia da mente teorias fisicistas que são uma afirmação do naturalismo, que defende que tudo pode ser explicado através das ciências naturais, dividindo-se estas teorias em teorias reducionistas8 e teorias não reducionistas. 6

Afirmam a existência do corpo e da mente separados. Afirmam que tudo no homem é físico. 8 O reducionismo pretende reduzir a ciência a leis-base. 7

Das primeiras, salientam-se o behaviourismo e o eliminativismo, das segundas, o funcionalismo e o epifenomenalismo. O behavourismo afirma que o estudo da mente humana pode ser reduzido ao simples estudo do comportamento humano, enquanto o eliminitavismo afirma a eliminação de conceitos mentais. Ambas estas teorias não me parecem aceitáveis, pelo que as teorias não reducionistas são mais tolerantes. O funcionalismo computacional faz uma analogia entre um computador e o homem, afirmando que, tal como um software existe com base num hardware, a mente deve existir com base nos processos do cérebro. Será que podemos estudar assim a mente!? Com base nos processos cerebrais? John Searle refuta o funcionalismo computacional com base no exemplo do Quarto Chinês. Imaginemos um homem inglês fechado num quarto onde só tem um manual de carateres chineses e onde estão guardas chineses do lado de fora. Estuda o manual e comunica com eles em chinês, sem ter consciência do que está a dizer. Os chineses ficam bastante impressionados com o facto de o inglês dominar a língua chinesa, todavia a verdade é que o inglês não sabe chinês. Daqui podemos levantar uma questão: será que, por sabermos os processos pelos quais os nossos cérebros passam, teremos acesso ao conteúdo da sua mente!? Isto é, por saber a “simbologia” cerebral de cada um, conheceremos a nossa mente!? Searle advoga que não.

Damásio e o dualismo cartesiano Descartes, a partir do seu cogito9, adota uma teoria de caráter dualista, afirmando que o corpo, a que chama res extensa é uma extensão do res cogito. Isto porque Descartes adota a sua dúvida cartesiana que culminará no cogito, ergo sum10. Podemos duvidar dos sentidos, podemos pôr em causa a existência do nosso próprio corpo, podemos colocar a possibilidade de estar a viver num sonho e de toda a realidade ser, na verdade, intrinsecamente irreal, podemos inclusivamente duvidar da Matemática acaso a existência de algum génio maligno decida enganar-nos, todavia ao pensar tomo consciência de que, para o fazer, para ter a capacidade de questionar o meu próprio conhecimento, tenho de pensar enquanto indivíduo e só posso pensar, existindo. Como seria possível para mim pensar na possibilidade de viver um sonho, ou colocar em causa a Matemática, se não penso!? Assim, apenas existindo é que posso pensar!

Para Descartes, a existência do próprio corpo está separada da mente. O corpo, tal como a realidade, é uma mera extensão do auge da racionalidade humana, o cogito,

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Penso, logo existo.

sendo importante referir que para Descartes as emoções não faziam parte deste auge, mas apenas a razão. Há uma evidente superação do dualismo cartesiano em António Damásio, patente na sua obra: O Erro de Descartes. Descartes dá o exemplo de Phineas Gadge que, certa vez, no seu trabalho, sofre um acidente, sendo o seu crânio perfurado. Qualquer outra pessoa morreria por ter um objeto trespassado no cérebro, todavia isto não aconteceu a Gadge. Na realidade, Gadge sobreviveu ainda que com alguns problemas a nível de um dos olhos. Poderemos pensar que o acidente se deveu ao facto de o corpo existir separadamente da mente!? Não. Na verdade, tempos depois Gadge mudou de comportamento ético-moral, tornando-se uma pessoa com um caráter bastante diferente. Um dos exemplos que Damásio dá é que Gadge não dizia asneiras anteriormente e agora dizia-as por qualquer ato, tornando-se alguém mais hostil. Deste modo, Damásio recorreu à Neurociência para concluir que a perfuração no cérebro tinha afectado a parte do cérebro correspondente ao comportamento ético. Deduzindo daqui que a mudança de um comportamento ético pressupõe a mudança a nível emocional, Damásio prova-nos, ao longo do seu livro, que ao Penso, logo existo de Descartes deve ser acrescentado o Sinto, logo existo, ideia que não abordarei com muita profundidade, pois o mais relevante é a questão de o comportamento ético poder estar estruturado a nível cerebral. O exemplo dado por Descartes poderia ser utilizado para defender a tese de que um cérebro exatamente igual ao meu pode ter pensamentos iguais, todavia, por contraponto, obtemos a informação de que o caráter emocional é muito mais complexo do que aquilo que nos parece. Não somos um Eu racional e linear, mas um Eu predisposto a emoções que, ainda que possam ser explicadas pela Neurociência, serão sempre desencadeadas por um mundo exterior ao sujeito emocional.

O problema da consciência O estudo acerca da consciência apresenta um problema mais complexo. Podemos dividir o problema da consciência em problema fácil e problema difícil11. O problema fácil é o estudo da memória ou, por exemplo, da cognição, enquanto o problema difícil é a consciência fenoménica e os qualia12. Nesta parte do ensaio poderei 11 12

Não é uma questão de juízos de valor, mas é vulgarmente assim conhecido na Filosofia da Mente. Qualidades subjetivas da mente.

responder de forma mais apropriada à questão proposta. Um cérebro pode ter características intrínsecas que definam a minha experiência, o meu raciocínio e a expressão do Eu, tal como o caráter ou a personalidade. Todavia, deparamo-nos com um problema imenso ao problematizar a consciência, por esta ser um estado mental privado.

Há um exemplo comum a nível desta problemática, nomeadamente o exemplo do morcego. Nós podemos estudar a estrutura cerebral do morcego e até deduzir como será a sua experiência consciente, todavia jamais saberemos como é para o morcego ser morcego. Um cérebro exatamente igual ao meu pode, evidentemente, ter pensamentos diferentes do meu, porque há uma questão a ter em consideração: a consciência. O sermos conscientes da nossa realidade e da nossa própria existência leva-nos a ter um caráter único que jamais poderá repetir-se. Podemos até, num cenário hipotético, colocar a possibilidade de uma pessoa ter um cérebro igual ao meu, ter as mesmas capacidades cognitivas, os mesmos gostos, mas, independentemente disto, apenas eu terei consciência do fenómeno do que é estar e ser consciente. E, a partir deste estado privilegiado, terei a capacidade para produzir os meus próprios pensamentos. O processo mental é, por natureza, – devido ao seu caráter pessoal da experiência de consciente – singular e irrepetível. A questão da identificação pessoal tem sido questionada em Locke no seu Ensaio sobre o entendimento humano. Para Locke, a memória desempenha um papel essencial na questão da identificação do Eu13.

Tomando como ponto fulcral a

questão da memória na problemática da consciência, imaginemos que A e B têm o mesmo cérebro e, por conseguinte, os mesmos gostos, as mesmas capacidades e a mesma memória. Todavia, ao terem o mesmo cérebro haverá um problema evidente que é patenteado pela questão da consciência: ao ganharmos um novo cérebro, ganhamos uma nova consciência e, portanto, uma nova memória. Podemos ter o mesmo comportamento ético, a mesma abordagem de caráter, todavia a nossa memória, que se baseará no processo da nossa experiência consciente, produzirá novos pensamentos com base nessa mesma experiência. A experiência do Self é uma experiência extremamente íntima baseada na nossa experiência externa acerca do mundo, que acabará por ser manifestada na nossa própria consciência de memória. Ainda que as qualidades subjetivas da mente – os qualia – possam ser caracterizadas em função da atividade 13

Em linhas gerais, para Locke, se um senhor idoso se lembrar dos tempos enquanto professor, mas não enquanto criança, então este senhor é um professor e não uma criança.

cerebral e, portanto, iguais em A e B, a experiência acabará por as moldar em conformidade com o mundo externo, tal como detalharei na parte seguinte.

A experiência externa A questão da experiência externa constituirá provavelmente a parte que responderá de modo mais direto ao tópico. Para tal, utilizarei parte do exemplo dado por Hillary Putnam14. Consideremos a Terra e uma Terra-Gémea. Ambas as Terras são exatamente iguais, todavia a água na Terra chama-se H20 e, na Terra-Gémea, chama-se XYX. O sujeito A e o sujeito B têm o mesmo cérebro, todavia vivem em Terras diferentes, mas que, ao mesmo tempo, são iguais. Quando o sujeito A bebe água, bebe H20, enquanto o sujeito B bebe XYX. Apesar de beberem eles a mesma coisa, terão a mesma ideia de água!? Não. Estará o significado de água na sua mente ou no mundo exterior!? Neste caso, só poderá estar no mundo exterior. Para Locke, existem qualidades primárias e qualidades secundárias. Ao olhar para um elefante, a sua qualidade primária é a sua forma e a sua qualidade secundária é a sua cor. Isto porque a sua forma é extremamente objetiva, mas a sua cor é influenciada pela luz. Certo dia, A e B – ambos com o mesmo cérebro – vêem dois elefantes. O sujeito A acha que do elefante provém um cheiro nauseabundo – qualidade secundária. O sujeito B considera o mesmo, pois ambos estão programados a considerá-lo. Do mesmo modo, quando o sujeito A olha para o elefante considera que este é cinzento – qualidade secundária. Todavia, a luz incide de forma diferente no elefante e este parece branco ao sujeito B. Aqui está a prova de que, apesar de ambos terem o mesmo cérebro e terem ambos as mesmas qualias, ao estarem condicionados pela experiência externa do Mundo, as suas ideias podem diferir. Há uma obra interessante do Surrealismo de Magritte, em que este pinta um cachimbo e afirma: “Ceci n’est pas une pipe”15. A nossa questão deve ser: será que aquilo é um cachimbo!? Ou será um tubo contornado de cor castanha!? O exemplo é levado ao extremo, todavia a significação da realidade é muito mais complexa do que aparenta e não me parece que possa ser explicada pura e simplesmente com base num processo cerebral.

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O livro, Meaning and Reference exemplifica esta questão com mais profundidade. Isto não é um cachimbo.

Para finalizar esta questão, façamos de novo um cenário hipotético: se A e B têm o mesmo cérebro, então A e B têm pensamentos iguais. A tecnologia e a Neurociência evoluem de modo a A e B e C conseguirem ter o mesmo cérebro, duplicando-o em muitos outros. A Neurociência e Bioética consideram que o melhor é todos terem o mesmo cérebro devido, por exemplo, à instalação de um regime totalitarista a nível mundial. O motivo que leva este regime a adotar este sistema de “igualdade cerebral” não é um motivo de cariz imoral, o regime apenas acredita que, ao fazer com que todos tenham o mesmo cérebro – baseando-se num cérebro programado a priori, -, pode leválos a considerar verdadeiros certos juízos morais, tais como: “Não se deve roubar; não se deve assassinar; não se deve enganar”. Deparamo-nos com o fim da liberdade e do pensamento, pois um pensamento apenas é pensamento por ser genuíno e por ser um resultado de introspeção consciente individual. Porém, certo dia a vida da nossa família é ameaçada e o único modo de a salvar é enganando o assassino de modo a fugir. Apesar de estarmos programados cerebralmente para não o fazer, será que não o faríamos!? Penso que salvaríamos a nossa família e neste caso, a nossa programação cerebral racional seria superada por uma emoção que é criada com base no mundo exterior, ainda que tenha as devidas consequências neurobiológicas a nível interno. Para além disto, evidencio aqui que esta questão tem consequências éticas devastadoras.

A profundidade da experiência de ser A evolução da Neurociência coloca um problema assustador ao mundo: será que somos livres ou seremos condicionados pelos processos físico-químicos que acontecem no nosso cérebro!? Poderemos ser verdadeiramente livres em relação às nossas ações ou estaremos condenados a pensar viver eticamente, quando, na realidade, determinada área cerebral nos leva a agir segundo condutas previamente delineadas!? É evidente que isto traz problemas muito mais sérios do que aparenta. Contudo, há alguns aspetos que devem ser salientados. Não questionemos apenas. Olhemos para o mar e contemplemos a nossa condição. Somos mais que meros robots programados de modo cerebral a pensar em x ou y. A nossa existência precede a nossa essência, afirma Sartre, assim como, estamos condenados a ser livres. O Homem não nasce Homem, o Homem torna-se Homem. E é ao refletir sobre o caráter inexorável do tempo, a beleza agoniante da finitude, a natureza imperfeita do amor, a complexidade da mente humana, que o Homem sabe que

não é uma mera incógnita programada. O Homem é o Mundo e o Mundo é o Homem. Penso que, se algum dia a Neurociência for apta a explicar tudo o que somos e tudo o que é, então tornar-nos-emos Sísifos16 que vivem pensando viver, quando, na realidade, estão condenados a empurrar a pedra da igualdade mental e da perda do Eu individual. Para Heidegger, o Dasein é “ser-aí”, isto é, o ser que, enquanto ser, indaga sobre a sua condição de ser que é, por conseguinte, a condição de todos os seres. Portanto o Dasein é o ser que se indaga sobre o seu ser e sobre os outros. De um modo menos elaborado, podemos traduzir o Dasein por Ser. Para Heidegger, o Homem é sempre e já ser-no-Mundo e a essência do Dasein é a sua própria existência. Mas, acima de tudo, o Dasein deve ser autêntico. O Dasein não deve levar uma vida banal e ser levado a fazer o que os outros fazem, mas sim a viver a sua própria vida, dando significado à sua existência. Afirmo, na frágil qualidade de Dasein, que não acredito num Mundo onde a condição humana seja relativizada à homogeneidade abrupta que fará até que o significado da palavra heterogeneidade deixe de existir. A tarefa mais difícil do Homem não é entender a sua existência, mas dar-lhe significado. David Ruah

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Sísifo é uma personagem mitológica condenada pelos Deuses para empurrar uma pedra até a um monte, onde a pedra voltaria a cair e teria de ser empurrada de novo ad infinitum. A personagem é retomada por Camus para retratar o seu absurdo em, Mito de Sísifo: um ensaio sobre o Absurdo.

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