Serafim da Silva Neto 1917 1960 e a Filologia Brasileira

May 27, 2017 | Autor: Olga Coelho | Categoria: Philology, Linguistics, Historiography of Linguistics, Brazilian Portuguese
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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LINGUÍSTICA

Serafim da Silva Neto (1917-1960) e a Filologia Brasileira: Um Ensaio Historiográfico sobre o Papel da Liderança na Articulação de um Paradigma em Ciência da Linguagem

Olga Ferreira Coelho

Dissertação apresentada à área de PósGraduação em Semiótica e Linguística Geral como requisito para a obtenção do Título de Mestre em Linguística

Orientadora: Cristina Altman

São Paulo 1998

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Coelho, Olga Ferreira. 1998. Serafim da Silva Neto (1917-1960) e a Filologia Brasileira. Um Ensaio Historiográfico sobre o Papel da Liderança na Articulação de um Paradigma em Ciência da Linguagem. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo. São Paulo: São Paulo.

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AGRADECIMENTOS As pessoas que listo a seguir estiveram, de um modo ou de outro, envolvidas no processo de elaboração deste trabalho. Entre as diferentes razões que me levam a lhes dizer “muito obrigada”, destaco apenas as mais prosaicas e óbvias, já que, aquelas mais importantes, a gente jamais consegue agradecer suficientemente. Agradeço, então: À Cristina Altman, pela orientação bastante próxima e constante e pelas oportunidades frequentes de aperfeiçoamento que tem proporcionado, a mim e às demais participantes do Grupo de Estudos em Historiografia da Linguística Brasileira da USP, desde a sua criação, em 1993. Ao CNPq e ao Departamento de Linguística desta Universidade. Aos funcionários, Eunides, Carlos e Ana Paula, da Biblioteca Central da FFLCHUSP, e Fátima, Érica e Ben Hur, do Departamento de Linguística, pela paciência e apoio ininterruptos. Ao amigo Marcelo Módolo, ao Prof. Dr. Bruno Fregni Basseto (USP), à Profa. Sandra Bernini da Costa (do SEGRAU, PUC-SP), à Profa. Dra. Rosa Virgínia Mattos e Silva (UFBA), ao Prof. Léo Bárbara Machado (UFRJ), ao Prof. Dr. José Borges Neto (UFPR), à Profa. Dra. Hilma Pereira Ranauro (UFF-RJ), à senhora Carmen de Oliveira (do Setor de Periódicos Antigos da Biblioteca Municipal de São Paulo (Arquivo João Dias)) e à Maria Inez Oliveto (da Bibioteca de Letras da UFRJ), pela indicação, facilitação do acesso e mesmo concessão de obras fundamentais.

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Aos Professores Doutores Carlos Eduardo Falcão Uchôa (UFF—RJ) e Evanildo Bechara (UERJ), pelas conversas que renderam dados essenciais à pesquisa, e ao Prof. Dr. Sílvio Elia, que gentilmente se propôs a fazer o mesmo e, por motivos justificados, não o pôde. Às Professoras Doutoras Ângela Cecília de Souza Rodrigues e Margarida Maria Taddoni Petter (USP), e ao Prof. Dr. Konrad Koerner (Universidade de Otawa), pela atenção com que analisaram (e avaliaram) o projeto e pelas contribuições para o seu desenvolvimento. Aos Professores Doutores Cristina Altman e Carlos Alberto da Fonseca (DL-USP), Carlos Guilherme Mota e Maria Amélia Mascarenhas Dantes (Departamento de História Social da USP), Frederick Newmeyer (Universidade de Washington), Eugenio Coseriu (Universidade de Tübingen) e Konrad Koerner, cujos cursos e indicações tornaram menos árduo o trabalho. Aos amigos, Renato Lagrieca Siqueira, Kátia da Costa Valle Leitão, Maria Eulália Ramicelli, Adriene Zigaib, Luciana Marquez da Cunha e Debra Logston, a ajuda técnica em momentos decisivos. Às companheiras do Grupo de Estudos, Ângela Maria Ribeiro França, Erani Stutz Adamo, Luciana Gimenes Parada dos Santos, Telma Regina Bueno e Vânia Érika Parada, com cuja convivência tenho crescido humana e intelectualmente. O agradecimento é especialíssimo para a Luciana — com quem convivo e divido problemas, pontos de vista, dúvidas, ansiedades e sucessos profissionais e pessoais desde o período da graduação —, a Ângela e o (Prof. Dr.!) José Carlos Barreto de Santana (com os quais convivo há menos tempo, mas divido, com a mesma intensidade, as mesmas “coisas”). Por fim, mas principalmente, agradeço ao meu pai, Sebastião Coelho Vaz, às minhas irmãs, Elza, Zilda, Maria, Neusa e Raquel, e ao meu irmão, Délson, pelo papel de sócios que desempenharam neste trabalho e em todo o resto. Dedico esta dissertação a vocês, lamentando que a Mamãe e o Tó não tenham podido esperar.

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ÍNDICE DAS TABELAS

Tabela I: Levantamento e classificação por ordem cronológica dos livros e opúsculos publicados por Silva Neto (1938-1960)............................................45[46] Tabela II: Levantamento e classificação por ordem cronológica dos artigos e ensaios publicados por Silva Neto (1938-1960)................................................48 Tabela III: Levantamento e classificação por ordem cronológica dos prefácios publicados por Silva Neto (1938-1960)................................................................51 Tabela IV: Levantamento e classificação por ordem cronológica das resenhas e obituários publicados por Silva Neto (1938-1960)...........................................52[51] Tabela V: Relação dos documentos a partir dos quais se estabeleceu o conteúdo paradigmático da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960...................57 Tabela VI: Suportes informacionais para a detecção de variáveis pertinentes aos agentes, aos problemas e ao conteúdo da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960.................................................................................................63[61] Tabela VII: Distribuição temática da produção linguística publicada de Serafim da Silva Neto (1938-1960)..................................................................66[64] Tabela VIII: Distribuição das áreas de trabalho privilegiadas pelo 'paradigma’ da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960.........................................................126[122] Tabela IX: Distribuição dos tipos de orientação privilegiados pelo ‘paradigma ’ da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960.........................................................133[130] Tabela X: Distribuição dos materiais preferenciais do 'paradigma ’ da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960..............................................................130[133] Tabela XI: Distribuição do corpus com dados de LN, por tipos de língua...........................................................................................................................140[138] Tabela XII: Distribuição dos recortes privilegiados pelo 'paradigma' da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960............................................................................................................................143[141]

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ÍNDICE DAS FICHAS, FIGURAS E REPRODUÇÕES Ficha 1: Ficha-modelo do tratamento analítico dado à produção científica de Serafim da Silva Neto (1917-1960)..................................................68[67] Reprodução 1: Reportagens de “Letras e Artes”(1948)................................................82[entre 79/80] Reprodução 2: Quadros de membros e de colaboradores da Academia Brasileira de Filologia..........................................................................96[entre 94/95] Figura 1: Filologia e Ciências Humanas, segundo S. Silva Neto.....................113[entre 111/112] Figura 2: Filologia e Linguística, segundo S. Silva Neto..................................117[entre 114/115] Figura 3: A Filologia no campo dos estudos científicos, segundo Silva Neto...124[entre 120/121] Figura 4: A metalinguagem de Silva Neto: Esquema dos níveis de linguagem da língua portuguesa........................................................................146[entre 143/144]

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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS.......................................................................................................4 ÍNDICE DAS TABELAS..................................................................................................6 ÍNDICE DAS FICHAS, FIGURAS E REPRODUÇÕES...............................................7 INTRODUÇÃO................................................................................................................11

Capítulo 1 Circunscrição do Problema: A Formação de Comunidades Paradigmáticas..............16 1.1 Controvérsias científicas e a concepção de ‘teorias’ como produtos idiossincráticos..........................................................................17 1.2 A controvérsia entre Filologia e Lingüística na Europa: separação e especificação dos campos...............................................................20 1.3 Filologia e Lingüística no Brasil: especificidades........................................25 1.4 Formação de grupos científicos....................................................................29 1.5 O modelo funcional: estágios na formação de um grupo.............................32 1.6 O modelo funcional: outras variáveis...........................................................34 1.7 O modelo de conflito: escolha de retórica....................................................35 1.8 De volta ao caso brasileiro...........................................................................38

Capítulo 2 Método. Procedimentos 2.1 2.2

Escolha

do

adotados....................................................................................40 autor...........................................................................................41

Periodização.................................................................................................42

2.3 Estabelecimento dos corpora................................................................................44 2.3.1 Suportes informacionais do conteúdo paradigmático da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960.........................................................................45 2.3.2 Suportes informacionais para o estabelecimento dos agentes, dos problemas e do conteúdo da Filologia Brasileira

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entre 1940 e 1960.................................................................................61[60]

2.4 Parâmetros de organização e análise dos corpora........................................65[63] 2.4.1 Conteúdo programático: categorias para o delineamento das idéias e das práticas de trabalho científico........................................................65[63] 2.4.2 Informações sócio-relacionais: tratamentos dos materiais..........70[68] Capítulo 3 Cientistas

exemplares...................................................................................................72[70]

3.1 A Geração de 20...........................................................................................74[73] 3.1.1 Representantes.............................................................................74[73] 3.1.2 Formação.....................................................................................75[74] 3.1.3 Atuação profissional....................................................................79[77] 3.1.4 Linhas de trabalho filológico......................................................83[80] 3.1.5 Inícios da profissionalização: a criação das primeiras Faculdades de Filosofia na década de 30.............................................85[83] 3.2 A Geração de 40...........................................................................................87[85] 3.2.1 Representantes.............................................................................87[85] 3.2.2 Formação.....................................................................................88[86] 3.2.3 Atuação profissional....................................................................89[88] 3.2.4 Linhas de trabalho.......................................................................91[89] 3.2.5 Centros de estudo e periódicos especializados............................95[92] 3.3 Um percurso de sucesso...............................................................................97[94] Capítulo 4 As “Boas idéias”...........................................................................................................109[108] 4.1 As ciências da linguagem, segundo Silva Neto..........................................110[109] 4.1.1 Filologia e Linguística: especificidades e afinidades................110 4.1.2 Outras disciplinas e seus papéis no campo: Etnografia, Dialetologia........................................................................................116[114] 4.1.3Gramática...................................................................................121[119] 4.2 O conteúdo paradigmático do programa filológico: áreas, orientações, materiais, recortes e temas...............................................................................123[120] 4.2.1 Áreas preferenciais de trabalho.................................................125[121] A) As tarefas centrais e a macrotarefa de elaboração de uma história da língua portuguesa...................................128[124] B) As tarefas auxiliares e a macrotarefa de elaboração de uma história da língua portuguesa...................................130[127] 4.2.2 Orientações................................................................................132[130] A) Histórica..........................................................................133[131] B) (Meta)teórica...................................................................131[134] C) Uso/variação e Gramatical..............................................135[132]

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4.2.3 Materiais e recortes preferenciais.............................................136[133] A) Posicionamento teórico...................................................136[134] B) Tradição e regionalismos................................................140[137] C) O português como objeto ‘global’..................................142[140] 4.2.4 A metalinguagem: língua, linguagem, falar, dialeto e seus sentidos mais usuais................................................................144[142] 4.2.5 Tema recorrente e teses polêmicas: estudos sobre o português do Brasil............................................................................147[144] A) Crioulo............................................................................147[144] B) Unidade na diversidade, diversidade na unidade............149[147] C) Conservadorismo............................................................151[149] D) Indianismos e africanismos............................................152[150] 4.3 Uma obra ampla para uma ‘macrodisciplina’............................................153[151] Capítulo 5 A Articulação do Paradigma da Filologia Brasileira..................................................157[154] 5.1 O legado da Geração de 20: institucionalização e tradição.......................157[155] 5.1.1 Instituições................................................................................160[158] 5.1.2 A manutenção das tradições .....................................................162[161] 5.2 O legado da Geração de 40........................................................................167[165]

CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................171[170] ÍNDICE DOS NOMES CITADOS...............................................................................176 BIBLIOGRAFIA...........................................................................................................179

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INTRODUÇÃO

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Introdução

Esta dissertação visa ao exame de fatores intelectuais e sociais relacionáveis ao sucesso (e ao fracasso) de um ‘paradigma’ (Kuhn 1987[1962]) numa comunidade científica. Constitui um estudo de caso, no qual focalizo o debate entre Filologia e Linguística no Brasil entre 1940 e 1960, a partir da perspectiva dos filólogos, que, neste período, compunham a elite acadêmica da área de estudos sobre a linguagem no país. Para elaborá-lo, analisei a produção científica publicada de Serafim Pereira da Silva Neto (1917-1960) — um estudioso de grande projeção, cuja obra foi tomada pela comunidade científica a ele contemporânea como ‘exemplar’ (Kuhn 1987[1962]) — e informações relativas à sua atuação no campo institucional. Os dois tipos de análise tiveram o propósito de caracterizar sua função de ‘liderança intelectual’, isto é, de provedor e defensor de ideias, e de ‘liderança organizacional’, ou seja, de criador de meios para a difusão dessas ideias entre os membros da comunidade científica (cf. Murray 1994), e, ainda, de avaliar a contribuição desse seu papel de líder para que o ‘paradigma’ filológico se consolidasse como a forma preferencial de conceber e conduzir os estudos sobre a linguagem naquela época. Como veremos adiante, ‘liderança intelectual’ e ‘liderança organizacional’ são apontadas por Murray como essenciais para que um ‘paradigma’ seja bem-sucedido. Nossa hipótese é a de que o caso em foco oferece fortes indícios para a confirmação dessa proposta.

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Além da produção científica do filólogo e dos elementos que o situariam como uma das ‘lideranças’ de seu grupo, visando à reconstrução do contexto de produção científica entre os anos 1940 e 1960, a dissertação também leva em conta dados referentes ao meio acadêmico-institucional em que a geração de Silva Neto atuou, assim como os tipos de produção científica característicos da época, cotejando, sempre que possível, esses dados com outros, de mesma ordem, referentes à geração imediatamente anterior (ou seja, aquela que, grosso modo, conduziu os estudos sobre a linguagem no país entre os anos 1920 e 1939). Com tais propósitos, este texto constitui-se de cinco capítulos, esta introdução e algumas considerações finais. No Capítulo 1, Circunscrição do Problema: a Formação de Comunidades Paradigmáticas, delimito o quadro teórico em que se insere este texto — com ênfase nos trabalhos de Kuhn (1987[1962]) e Murray (1994 [1983]), que mais fortemente o caracterizam —, assim como o seu ‘problema’ específico. No Capítulo 2, Método. Procedimentos Adotados, explicito as opções metodológicas feitas durante a pesquisa, tais como as que fundamentaram os processos de escolha do autor, de estabelecimento de uma periodização, de seleção e de tratamento dos materiais de análise. O Capítulo 3, Cientistas Exemplares, tem a função de esboçar o contexto viabilizador do programa da Filologia Brasileira (e do seu sucesso) naquele período e a condição de ‘liderança’ de Silva Neto.

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É um capítulo de análise de dados, a partir dos quais busco reconstruir parte do contexto de produção de conhecimento do filólogo, bem como recuperar traços caracterizadores da tradição de pesquisa a que esteve vinculado. No capítulo 4, As “Boas Idéias”, visando à depreensão dos fatores cognitivos que colaboraram para o sucesso do ‘paradigma’ filológico, analiso, de acordo com os parâmetros estabelecidos no capítulo do método, os trabalhos de Silva Neto definidos, também naquele capítulo, como corpus para a detecção do conteúdo paradigmático da Filologia Brasileira naquelas duas décadas. Com esta análise, esboço, em grandes linhas, as práticas e ideias linguísticas do autor, em seus traços mais marcantes e gerais, delineando um quadro indicativo dos tipos de ‘produtos científicos’ prestigiados pela comunidade acadêmica em foco. Como é nosso propósito caracterizar tanto suas ‘ideias’ — ou seja, suas formulações a respeito do que seria a ciência da linguagem e do que ela deveria tratar — quanto aquilo que efetivamente produziu, procuramos partir daquelas para, em seguida, correlacioná-las com as ‘opções’ feitas pelo autor na condução do seu trabalho. Desse modo, na primeira seção desse capítulo, que é o mais extenso deste trabalho, procuro definir o pensamento do autor a respeito do campo de estudos da linguagem, das disciplinas por ele responsáveis e das atribuições de cada uma delas na condução de tais estudos, para, nas seções seguintes, apontar as suas áreas preferenciais de trabalho, as orientações preferencialmente impressas às suas obras, os principais materiais e recortes, a sua metalinguagem e alguns dos temas recorrentes em seus trabalhos, estabelecendo, ao final, um paralelo entre essas suas ‘opções’ e aquelas suas ‘ideias’ apresentadas inicialmente. No capítulo 5, A Articulação do Paradigma da Filologia Brasileira, coordeno as informações apresentadas nesse capítulo 4 e no anterior com o modelo de formação de grupos

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científicos proposto por Murray (1994). Recupero, dessa forma, o conjunto de elementos que, por hipótese, teriam contribuído para a repercussão positiva de estudiosos como Silva Neto e de tipos de produção científica como a sua, exemplarmente representativa do ‘paradigma’ de sucesso no período. O grupo de Silva Neto legitimou-se e ao seu ‘paradigma’ institucionalmente, conferindo ao ambiente acadêmico o papel de principal cenário difusor/concentrador das suas ideias. Daí a nossa ênfase consciente, nos Capítulos 3 e 5, nesta face do contexto que cercava os estudos sobre a linguagem no Brasil do período — a acadêmico-institucional — em detrimento de um tratamento mais pormenorizado de outros possíveis aspectos relevantes: o que fizemos foi recortar, na gama de elementos que talvez pudessem ser associados aos agentes e às práticas que enfatizamos, o que, para os nossos objetivos — fundamentalmente, o de delinear o estado do debate entre Filologia e Linguística no momento a partir da percepção dos filólogos — se configurou como essencial, ou, pelo menos, mais diretamente relacionado ao nosso ‘problema’ central. Em Considerações Finais, avalio brevemente as relações entre Filologia e Linguística no Brasil entre 1940 e 1960 e a contribuição da variável ‘liderança’ para que a primeira dessas disciplinas obtivesse, naquele período, maior sucesso.

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CAPÍTULO 1 Circunscrição do Problema: A Formação de Comunidades Paradigmáticas

“Constitui [...] grave lacuna de nossos estudos a falta de um

esboço histórico. Este assunto é da maior importância, uma vez que, não só os principiantes, como os iniciados, precisam conhecer o que já se fez e o que está ainda por fazer.” (Silva Neto 1988[1957]:15)

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Circunscrição do Problema: a Formação de Comunidades Paradigmáticas

1.1 Controvérsias científicas e a concepção de ‘teorias’ como produtos idiossincráticos

Controvérsias científicas são um instrumento importante para a historiografia das ciências, se o historiógrafo as interpreta como manifestações da ‘não objetividade’ do saber científico: se é possível aos cientistas elaborar teorias e atuar em um campo de investigação de acordo com práticas diferenciadas de outras desse mesmo campo, isso muito provavelmente significa que teorias e métodos científicos, por serem resultantes de elaboração humana, não são objetivos e, por essa razão, não estão livres de contestações, reinterpretações e concorrências. As controvérsias, ou disputas, neste sentido, tornam mais explícito aquilo que a história social das ciências considera um fato: as teorias científicas são elaborações, ou ‘verdades construídas’ pelos cientistas (Pestre 1995) e, como tais, vinculam-se às suas crenças, ideologias, que, por sua vez, são respaldadas por contextos particulares. São modos de pensar, que, como os homens e as sociedades, estão sujeitos a mudanças de tempos em tempos. Nesse sentido, são ‘verdades relativas’.

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Compreendê-las dessa maneira impede que o historiógrafo, ao revisitá-las, julgue-as segundo critérios absolutos. Ao contrário, se s teorias são formas de interpretar o mundo, seu estudo histórico requer uma tentativa de compreender essas visões específicas dos fatos em seus contextos, sempre específicos, de surgimento e desenvolvimento. É deste prisma que Kuhn (1987[1962]:21) considera as ciências e suas mudanças, quando afirma que uma teoria mais antiga, mesmo se descartada, não se torna, a princípio, menos científica, nem menos o produto de idiossincrasias do que a que a sucede na preferência da comunidade. O que se poderia dizer, em tais casos, é que a teoria nova responde melhor às exigências do contexto dado, e isso não significa que esteja mais próxima do real ou da verdade, mas que, em ambiente social e cultural específico, como ‘interpretação’ científica, tonou-se mais ‘convincente’ do que a predecessora na resolução de problemas considerados relevantes pela comunidade. Em suma, o que dividiria os cientistas e propiciaria controvérsias seria aquilo que entende como “a incomensurabilidade de suas maneiras de ver o mundo e nele praticar a ciência” (Kuhn 1987[1962]:23) e o que determinaria o sucesso de uma dessas ‘maneiras’ em uma controvérsia seria o poder de persuasão a ela conferido pelos cientistas que a defendem. Para Kuhn, além desse período de substituição de uma teoria científica antiga por uma outra, que denomina período de ‘revolução científica’, verificam-se pelo menos outros dois na dinâmica de desenvolvimento das ciências. O primeiro deles, o período de ‘ciência normal’, seria marcado pela estabilidade de um ‘paradigma’ — isto é, uma teoria científica largamente reconhecida que, durante algum tempo, fornece problemas e soluções modelares para a comunidade de praticantes de uma ciência (cf. Kuhn 1987[1962]: 13) — de sucesso guiando as pesquisas da área. Os cientistas, nesse estágio, não buscam, e até mesmo repelem, novidades: a comunidade interessa-se

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unicamente pelo quadro de problemas postulados pelo ‘paradigma’ e pelas soluções por ele propostas para tais problemas. Eles têm como parâmetros soluções elegantes — os chamados ‘exemplares’ — encontradas no bojo da tradição paradigmática. Sua principal referência, portanto, são as realizações científicas de sucesso nascidas no interior do paradigma. Quando algo é percebido por estes cientistas como uma anomalia, ou seja, como um problema relevante para o quadro de pesquisa para o qual, reiteradamente, a teoria não consegue apresentar solução adequada, inicia-se um novo período, o de 'crise':

O significado das crises consiste exatamente no fato de que indicam que é chegada a ocasião para renovar os instrumentos. (Kuhn 1987[1962]:105)

No período de crise, portanto, os cientistas sentem-se impelidos a rever as bases em que era conduzida a ‘ciência normal’. É nesse período que pode ser instaurada uma ‘revolução científica’— sempre um episódio desintegrador da tradição à qual a atividade da ‘ciência normal’ está ligada (Kuhn 1987[1962]:25). Uma 'revolução científica' significa uma ruptura com a tradição, o coroamento de uma nova forma de pensar e conduzir a ciência anteriormente guiada por outro ‘paradigma’ e, naturalmente, por outros indivíduos. De fato,

A competição entre segmentos da comunidade científica é o único processo histórico que realmente resulta na rejeição de uma teoria e na adoção de outra. (Kuhn 1987[1962]:27)

Nessa ‘competição’, pois, os agentes são os cientistas. E o recurso à persuasão é fundamental, uma vez que a aceitação de uma teoria como 'paradigmática’ deriva de seu poder de convencimento: ela deve parecer melhor do que suas concorrentes, mostrando-se mais bem equipada do que elas para a resolução de problemas que a comunidade de cientistas reconhece como graves (cf. Kuhn 1987[1962]:38 e 44).

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Uma ‘competição’ ou ‘controvérsia’ científica, assim, mais do que opor boas teorias a outras sem esse qualificativo, expõe a relatividade de tais teorias ou, antes, a sua relação de dependência com os contextos — sociais, políticos, intelectuais etc. — em que se inserem.

1.2 A controvérsia antre Filologia e Linguística na Europa: separação e especificação dos campos

Nas ciências da linguagem, tem sido apontada como uma das principais controvérsias aquela verificada em meados do século XIX europeu ocidental, sobretudo na Alemanha, entre Filologia e Linguística, que polarizou, grosso modo, um ponto de vista marcadamente histórico-cultural, que por vezes incorporava problemáticas literárias, em relação a um outro, mais vinculado às chamadas 'ciências naturais’, que propunha a análise das diferentes línguas ‘internamente’, segundo critérios, na visão dos novos cientistas, mais objetivos do que aqueles estabelecidos pela outra tradição. O debate fortaleceu-se naquele período, no qual a Linguística era estabelecida como disciplina autônoma (Koerner 1997:7-20; Amsterdamska 1987). Para que isso ocorresse, teria sido fundamental o papel desempenhado por August Friedrick Schleicher (1821-1868), que parece ter sido o primeiro scholar europeu a procurar distinguir claramente os dois campos de atuação científica (Koerner 1997:12). Para ele, era essencial diferenciar os dois tipos de estudo, já que, enquanto a Filologia, ciência humana, na sua visão, relacionava a linguagem à cultura e ao pensamento do povo que a utilizava, a Linguística, ciência natural, estudava a linguagem per se, abstraindo aquelas relações. Esse

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modo de conceber (e tratar) a linguagem harmonizava-se com o ‘clima de opinião’ do período (Koerner 1984): para a comunidade em questão, as ciências naturais pareciam, naquele momento, corporificar a verdade e, devido a isso, vincular-se a elas era tornar sua disciplina, por assim dizer, ‘mais científica’:

According to Schleicher, linguistics is a natural science. While philology is concerned with the study of [...] the cultural side of language, linguistics studies language as a natural organism whose development is independent of human will and thought [...] The independence of language from human will and subjectivity make the method of linguistics fall under the auspices of the natural sciences, and not of the historical sciences, which deal with free will and subjectivities, and whose methods must accordingly reflect this situation. (Amsterdamska 1987:45)

Eram tentativas explícitas (Koerner 1997:13) de desvincular as novas práticas das precedentes, de desvincular da tradição histórico-filológica, as novas investigações, ‘naturais’, linguísticas ou glotológicas.1 A geração anterior à de Schleicher, em que se destacaram estudiosos como Franz Bopp (1791-1867), Rasmus Kristian Rask (1787-1832) e Jacob Grimm (1785-1863), embora já distanciasse suas práticas daquelas da Filologia ‘tradicional’ ou ‘clássica’, mais atrelada à literatura e ao tratamento de textos antigos, não se opôs, tão claramente a ela, enquanto representante de uma ‘nova’ tradição (Koerner 1997:10), evitando controvérsias. Schleicher e seu grupo parecem ter inaugurado a tentativa de demarcar campos distintos para duas disciplinas, a partir daí, consideradas independentes — de um lado, a Filologia e, de outro, a

O termo ‘Glotologia’ ou ‘Glótica’, em alemão, Glottik, foi eleito, pelo novo grupo, para nomear as novas práticas, diferenciando-as das desenvolvidas na Filologia (Philologie) — para uma nova ciência, um novo nome. Como é análogo, por exemplo, a Bottanik, a preferência pelo seu uso foi também interpretada por Koerner (1997:12) como uma tentativa de situar os estudos sobre a linguagem nos domínios das ciências da natureza. 1

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Linguística ou Glotologia. Surgiam os primeiros embates entre essas disciplinas no contexto ocidental. Ao que tudo indica, faz parte da dinâmica de sucessão de ‘tradições’ em ciência a negação de vínculos com a tradição precedente por parte daqueles que propõem novos modelos (cf. Kuhn 1987[1962]). Para que uma nova teoria se firme como mais promissora, as precedentes parecem dever ser rotuladas como obsoletas. Embora a tendência nas ciências da linguagem não pareça ser a de ‘substituição’, para usar a terminologia de Kuhn, de um ‘paradigma’ por outro, mas sim a de deslocamento de ênfase sobre um ou outro tipo de estudo ao longo do tempo

— com a

ascendência da Linguística, por exemplo, não deixaram de ser realizados estudos filológicos, mas eles passaram a ter, paulatinamente, menos espaço nos chamados 'debates centrais’, ou seja, a Linguística passou a ser a forma mais praticada e prestigiada pela comunidade de realizar ciência e a Filologia prosseguia como uma tendência ‘marginal’ — no caso do embate entre filólogos e linguistas de meados do século XIX, na Alemanha, essa tendência à ruptura parece ter sido fortemente acentuada, uma vez que Schleicher e aqueles que mais tarde fundariam a Escola dos Neogramáticos em Linguística propuseram não apenas uma nova teoria explicativa dos fatos de linguagem, mas uma nova disciplina, autônoma, sem ligações de dependência com a longa tradição de estudos já estabelecida no campo (Koerner 1997). O vigor na defesa dessa distinção seria posteriormente mantido:

...Schleicher continuou a enfatizar a dicotomia entre ‘filologia’ e ‘linguística’, e a ciência linguística, a partir de então, sempre procurou deixar clara tal distinção. (Koerner 1997:13)

Schleicher não negava valor à Filologia; ao contrário, considerava importante para o linguista usar, esporadicamente, saberes filológicos, na mesma medida em que previa a

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necessidade contrária, ou seja, a de o filólogo valer-se de conhecimentos linguísticos. Contudo, propunha que ambas as disciplinas caminhassem separada e independentemente, como a Biologia e a Química, por exemplo. Curiosamente, a Linguística proposta para se contrapor à Filologia era, como esta, uma disciplina histórica. Entretanto, haveria entre elas uma crucial diferença, uma vez que a Linguística estaria destinada a reconstruir a evolução interna das línguas, com base em ‘leis’2 naturais, invariáveis de contexto para contexto, enquanto a Filologia procuraria um elo entre língua, pensamento, cultura (inclusive literária) de um povo. Assim, a ‘mudança científica’ introduzida por Schleicher e pelos Neogramáticos teve como principal resultante o estabelecimento de duas disciplinas diferenciadas, mantida a ênfase sobre os aspectos históricos, tomados de uma outra perspectiva, isto é, a história a ser reconstruída não seria mais uma história culturalista da língua (filológica), mas uma história naturalista (glotológica ou linguística). A concepção de que as mudanças nas línguas ocorreriam em paralelo com as mudanças culturais e sociais perdia seu lugar de destaque para a de que tais mudanças fariam parte da evolução natural dessas línguas. Mais tarde, na mesma Europa Ocidental, a partir do Cours de linguistique générale (1916), de Ferdinand de Saussure (1857—1913), e do desenvolvimento das chamadas Escolas Estruturalistas, outra bipartição se verificou no campo. Dessa vez, entre uma Linguística chamada ‘tradicional’, identificada com o século XIX, de orientação histórica (ou diacrônica), e uma Linguística chamada ‘moderna’, predominantemente estática (ou sincrônica).

Segundo Koerner, que estudou a obra de Schleicher, este ‘glotólogo’ acreditava que as ‘leis’ fossem válidas principalmente para o nível morfológico, muito raramente para o sintático e de modo quase improvável para o estilístico. Era a morfologia o seu principal foco de interesse, tanto assim que é ele quem introduz o termo nos estudos linguísticos, em 1859, numa clara alusão às ciências naturais nas quais a palavra já era empregada (v. Koerner 1989:237). 2

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A Linguística preferencialmente desenvolvida a partir de então abstraiu o fator tempo, ênfase, sob aspectos diferenciados, das tradições filológica e linguística de estudos da linguagem no século dezenove. Dos dois pontos de vista, diacrônico e sincrônico, em que, segundo Saussure, poderia se colocar o investigador, o último passou a ter um certo primado para a comunidade científica, e a Linguística histórica (como também a Filologia), a ser afastada dos ‘debates centrais’ em ciência da linguagem (Koerner 1997:16). É evidente que não se deixou de praticar Filologia ou Linguística histórica; mas a maioria daqueles que passaram a atuar no campo optaram pela Linguística sincrônica. As produções passaram a constituir, prioritariamente, e cada vez mais, descrições de estados de línguas, com cada vez menores referências aos seus desenvolvimentos históricos. A ruptura que se verificou, portanto, não foi apenas em relação à chamada Linguística histórica ‘natural’— já que se instaurou uma espécie de cisão interna na disciplina entendida como ‘Linguística’, que conquistara autonomia no século XIX, estremando uma modalidade histórica de outra estática, com predomínio desta — mas em relação às tradições, filológica e linguística, do século anterior. Apesar da noção de língua como produto social e cultural, fundamental na longa tradição de estudos filológicos ‘tradicionais’ (v. Ulhôa Cintra 1939; Basseto 1996), ser também basilar para a Linguística inaugurada por Saussure e desenvolvida pelas Escolas Estruturalistas do início deste século, existiria pelo menos uma diferença marcante entre ambas, qual seja, a de que, em oposição à conjunção proposta pela Filologia entre os estudos linguísticos e culturais, os novos cientistas da linguagem aglomeraram-se em torno do consenso de que a língua, embora tomada como elemento social e cultural, devesse ser estudada isoladamente.

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1.3 Filologia e Linguística no Brasil: especificidades

No Brasil, o debate — que também se revela importantíssimo para a história dos estudos sobre a linguagem locais — entre Filologia e Linguística, teve pelo menos duas características peculiares. Primeiramente, a distinção entre as disciplinas não foi aquela proposta por Schleicher entre uma especialidade cultural e outra natural: sendo ponto pacífico tratarse de disciplinas inseridas no campo das ciências humanas, e não no das ciências da natureza, no Brasil a diferenciação entre as duas disciplinas tendeu a ser estabelecida sobretudo em relação ao ‘objeto’ e à ‘orientação’. A Filologia brasileira comportaria estudos de uma língua, ou de um conjunto delas — incluindo, e por vezes destacando, sua(s) modalidade(s) literária(s) — sob perspectiva predominantemente histórica (ou diacrônica); à Linguística caberiam as análises mais teóricas que, mesmo se incorporassem dados de língua, enfatizariam princípios linguísticos ‘gerais’. Ser filólogo, assim, não significava estar restrito ao trabalho tradicional de tratamento dos textos antigos, nem, muito menos, aos pressupostos dos estudos sobre a linguagem do século XIX. Significava ter como tarefa o tratamento total da(s) língua(s) — incluindo-se aí suas fases anteriores, sua expressão literária, suas variações contemporâneas, sobretudo as regionais — com forte apelo à sua história. Em vista disso, por muito tempo, estudos que, de alguma maneira, enfatizaram a história (ou a diacronia) foram tomados como sinônimos de ‘Filologia’ e a expressão ‘Linguística histórica’, entendida como uma espécie de junção de dois termos contraditórios (‘Linguística’ e ‘História’). A natureza da Linguística seria sincrônica e teórica. A da Filologia, diacrônica e voltada para os dados de língua.

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A segunda peculiaridade é cronológica: o debate entre essas formas distintas de trabalho com a linguagem, apenas na década de 60 deste século (Altman 1995) começou a se delinear com maior clareza, em vista do paulatino desenvolvimento de uma tradição linguística brasileira — detonado, entre outros fatores pela institucionalização da Linguística, que passava a ser disciplina obrigatória nos currículos de Letras. Duas décadas antes, Joaquim Mattoso Câmara Júnior (1904-1970) havia publicado seus Princípios de Lingüística Geral (1941) que, não obstante a circulação considerável nos meios acadêmicos, não conseguiu alterar a opção predominante pelo ponto de vista filológico, como esboçado acima, na condução do trabalho científico sobre a linguagem no país (Pinto 1981). A manutenção, por tanto tempo — se considerarmos que o Estruturalismo se expandia em outros países da Europa e da América, disseminando fortemente a opção pela sincronia — da Filologia, com forte apelo histórico, como principal tendência nos estudos sobre a linguagem brasileiros sinaliza um grande poder de persuasão deste 'paradigma’ na tarefa de proposição e resolução de problemas durante toda a primeira metade deste século, já que, mesmo conhecendo, e por vezes utilizando, conceitos e teorias ‘linguísticas’ na condução de suas pesquisas, os estudiosos que dominavam o cenário dos estudos sobre a linguagem no país até meados dos anos 60, reconheceram-se preferencialmente como filólogos e atuaram tendo como parâmetros os pressupostos, as teorias e os métodos produzidos pela tradição de estudos diacrônicos. Haveria, em outros termos, ou no conjunto de ideias filológicas, ou no contexto em que tais ideias disputaram espaço com as linguísticas, ou ainda, em ambos, algo que teria sustentado a predominância do paradigma filológico e a marginalidade do paradigma linguístico em um período em que as lideranças intelectuais pareciam ter notícia do que

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ocorria em termos de tendências nos centros Europeus e Norte Americanos, e, mais do que isso, pareciam nutrir a preocupação de acompanhá-las. Tendo notícias sobre o Estruturalismo, reconheceram na Filologia, associada à diacronia e à prática de tratamento específico das línguas, e não na Linguística, associada à sincronia e à teorização dos aspectos ‘gerais’, a principal responsável pelo conhecimento produzido (e a ser produzido) sobre a linguagem. De fato, durante as décadas de 40 e 50, a Filologia, fortemente estabelecida, dominava os meios acadêmicos brasileiros, e a Linguística era, pela maioria dos cientistas, entendida como uma disciplina de caráter geral, a guiar, auxiliarmente, os trabalhos filológicos:

A Lingüística é uma ciência de princípios gerais, aplicáveis a quaisquer línguas. Nessa conformidade, não julgamos aconselhável falar, por exemplo, em lingüística francesa, ou inglesa, com o fito de referirmos estudos acerca dessas línguas. A lingüística parece-nos sempre geral [...]. (Silva Neto 1988 [1957]:XII) ...é a Filologia Portuguesa árduo estudo, que exige preparação longa e difícil. Em primeiro lugar, tão minucioso e completo quanto possível o conhecimento prático da língua. Depois, os princípios básicos da Lingüística, com que se há de orientar o estudo científico [...]. (Silva Neto in Silva Neto & Chaves de Melo 1951:16)

O filólogo, que trataria das línguas em todas as suas extensões, a partir, sobretudo, de um ponto de vista histórico, necessitaria, como vimos, conhecer a Linguística — ciência de princípios gerais, “aplicáveis a quaisquer línguas” — para ter uma espécie de norte na condução de seu trabalho científico. A Linguística, assim, forneceria um instrumental teórico — básico e geral — para o tratamento adequado das questões da(s) língua(s).

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Na mesma medida que noções de Linguística, seriam também úteis ao filólogo conhecimentos a respeito da Dialetologia, disciplina que, por privilegiar os falares regionais, ofereceria “a possibilidade de reconstruir, em base firme e com dados concretos, a história da língua” (Silva Neto 1957[1955]:35), uma vez que esses falares, mais conservadores, equivaleriam aos estágios mais antigos do português. Operando o ‘milagre’ de ser, a um mesmo tempo, “sincronia e diacronia” (Silva Neto 1957[1955]:35) — pelo fato de, através de material contemporâneo, possibilitar o conhecimento das etapas anteriores da língua — a Dialetologia configurava-se, desse modo, como uma importante aliada da Filologia, amparando-a na tarefa de tratar historicamente as línguas. Com efeito, se admitirmos, ao menos como hipótese inicial de trabalho, que os textos de Serafim Pereira da Silva Neto (1917-1960) citados anteriormente refletiam o ‘clima de opinião’ entre os filólogos de sua geração — justamente aquela em que as duas disciplinas passam a coexistir no contexto brasileiro —, as relações entre as disciplinas que, no Brasil das décadas de 1940 e 1950, tomavam a linguagem e as línguas como objeto poderiam, simplificadamenrte, resumir-se como: a Filologia detendo o status de principal disciplina a tratar dos fatos linguísticos, aliando-se à Dialetologia, encarregada de verificar as hipóteses históricas levantadas a respeito das línguas, e à Linguística, disciplina teórica encarregada de fundamentar a prática filológica. No topo da hierarquia sugerida estaria, evidentemente, a Filologia. A partir dos anos 60, contudo, esse quadro, gradualmente, começou a se inverter no cenário brasileiro, de tal modo que a Linguística passou a ocupar no país o lugar de excelência antes pertencente à Filologia. De fato, desde a ascensão da disciplina Linguística no cenário acadêmico brasileiro dos anos 60, teorias e práticas de análise, prestigiadas nas décadas anteriores, foram relegadas

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ao domínio do ‘ultrapassado’ em nome de outras teorias e práticas entendidas como mais ‘modernas’ em matéria de fazer ciência da linguagem (cf. Altman 1995). Parece razoável admitir que essa troca de valores, assim como a persistência anterior dos valores filológicos, não se devam apenas ao mérito intrínseco das teorias autorizadas, quer pelo ‘paradigma’ da Filologia, quer pelo ‘paradigma’ da Linguística, mas resultem também de fatores de natureza social, correlacionáveis ao sucesso (ou ao fracasso) de um paradigma entre os membros de uma determinada comunidade científica (cf. Kuhn 1987[ 1962]; Murray 1994).

1.4 Formação de grupos científicos

Partindo do pressuposto de que mais do que a genialidade de indivíduos isolados, ou a força ‘interna’ de persuasão de um conjunto promissor de ideias, o que conduz a ciência e suas transformações — por meio de escolhas e negociações —, seja no estágio que Kuhn denominou de ‘ciência normal’, seja no que denominou de ‘ciência revolucionária', são os grupos de cientistas, em Theory groups and the study of language in the North America: a social history (1994), Stephen Murray testou e propôs uma reorganização do modelo de formação e manutenção de grupos científicos organizado, em 1972 por Griffith e Mullins. O teste realizou-se, fundamentalmente, a partir do estudo histórico da Linguística antropológica nos Estados Unidos, e verificou em que condições houve a formação de grupos em torno de um (ou alguns) estudioso(s) e em que outras condições, esforços para a formação e a manutenção de grupos falharam. A premissa básica deste teste, naturalmente, era a de que, como sempre podem existir formas diferentes de conceber e praticar uma ciência, devido ao próprio caráter relativo das ‘verdades’ que ela propõe, para que uma teoria alcance sucesso, é necessário que exista, para

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defendê-la, um grupo bem articulado de cientistas, capaz de convencer a comunidade da maior adequação e, mesmo, da superioridade dessa teoria. Para Murray, um cientista com ideias promissoras, porém incapaz de articular um grupo em torno de si, dificilmente — pelo menos é o que conclui para o caso norte-americano — conseguirá impor à comunidade científica a supremacia de sua visão de mundo. O teste, assim, visou ao delineamento do conjunto de fatores necessários para que um grupo se articule em torno de determinados cientistas — e de suas ideias; fatores estes que, por hipótese, se ausentes, inviabilizariam essa articulação. Em outros termos, Murray procurou estabelecer o que era necessário para que um ‘grupo científico’ se consolidasse enquanto tal, obtivesse respaldo da comunidade de cientistas e, por meio deste, sucesso em sua área. Os estudos de casos realizados levaram-no a confirmar que, em concordância com o que propuseram Griffith e Mullins, é preciso, para formar um 'grupo científico’, ‘boas idéias’, ‘liderança intelectual’ e ‘liderança organizacional’. Apenas em presença desses três fatores, grupos científicos, os verdadeiros condutores da ciência, teriam condições de se constituírem e, eventualmente, obterem sucesso. O primeiro dos três fatores, ‘boas idéias’, foi definido como um conjunto de idéias aceitas como adequadas pelos cientistas para resolver problemas existentes ou para abrir novas áres de investigação. Elas devem ser percebidas pelos cientistas como, pelo menos, formas prováveis de solucionar (novas) questões de pesquisa. A qualidade de ‘boas’, desse modo, seria historicamente relativa e atribuída às ideias pelos próprios pesquisadores e não por filósofos ou epistemólogos. O que prevaleceria seria o poder de persuasão, não apenas das ideias, mas também de quem as defende.

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Porque sempre há ideias que parecem promissoras, um conjunto de ‘boas ideias’ não seria, por si só, garantia de reconhecimento por parte da comunidade científica. Embora necessárias, elas não são suficientes para isso. Sucesso na competição de ideias, para Murray, dependeria mais de formação de um grupo do que da qualidade intrínseca (livre de contexto) das ideias. E formação de grupo dependeria essencialmente de liderança, tanto para produzir ideias e convencer a comunidade de sua pertinência — liderança intelectual — quanto para assegurar àqueles que as propõem, possibilidades de divulgá-las e defendê-las no meio científico — liderança organizacional. Murray define como 'liderança intelectual’ um ou alguns cientistas da área que assentem os fundamentos conceptuais para a linha de trabalho; expliquem as implicações de pesquisa das ‘boas ideias’; aprovem as pesquisas efetuadas por outros como competentes e relevantes para o quadro de trabalho definido. Faz também parte das atribuições da 'liderança intelectual’ produzir um programa, especificando quais pesquisas devem ser feitas e como cada pesquisa se ajusta na teoria básica, ou ainda, produzir trabalho que possa ser tomado como ‘exemplar’, isto é, que mostre como se deve trabalhar. Assim como 'boas ideias’, 'liderança intelectual’, apesar de necessária, não seria suficiente. Um grupo, para ser articulado, não pode prescindir de ‘liderança organizacional', cujas funções consistem em recrutar novos quadros, viabilizar tempo, fundos e facilidades para a pesquisa; disponibilizar veículos para divulgá-la; criar espaços de atuação acadêmica para aqueles que têm a pesquisa validada pelo(s) líder(es) intelectual(is). O líder organizacional não precisa ser um cientista atuante, condição essencial para ser um líder intelectual. Um indivíduo pode desempenhar, sozinho, as funções de liderança intelectual e organizacional, mas pode haver, também, um cientista diferente para cada um dos papéis. É possível, ainda, que haja um conjunto de lideranças intelectuais e outro de lideranças organizacionais. O mais importante é que as tarefas sejam cumpridas.

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Conjuntos de cientistas sem um desses três elementos — recorrentemente, ‘liderança organizacional’, já que os outros dois estão mais ou menos implícitos à atividade de um conjunto de cientistas — acabaram por não constituir grupos e, em função disso, por não desempenhar, em determinados contextos, papel relevante na condução da ciência, e por não obter destaque nem na tarefa de manter e aperfeiçoar antigas tendências — na terminologia de Kuhn, condução da ciência normal —, nem na de introduzir rupturas — na terminologia de Kuhn, implementação de uma ‘revolução científica'.

1.5 O modelo funcional: estágios na formação de um grupo

Haveria, segundo Murray, quatro estágios diferentes na formação efetiva de um grupo científico. Entre estes, dois estágios que podem ser tomados como preliminares e dois outros que de fato autorizam o emprego do termo ‘grupo’. Primeiramente, os indivíduos começariam a se articular no que denomina de ‘estágio normal'. Este primeiro estágio na escala de socialização do conhecimento é caracterizado pela existência de poucas relações entre os pesquisadores, pela elaboração rara de trabalhos em coautoria e pela ausência de ataque sistemático a um problema de pesquisa bem definido. Nesse estágio não haveria nem treinamento específico, nem coordenação de esforços individuais para um objetivo comum.

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O surgimento de lideranças que elaborem um programa de atuação ou um exemplar, associado a algum sucesso intelectual ou social dos cientistas do ‘estágio normal' possibilita a formação rudimentar de uma ‘rede’ de pesquisadores, na qual costuma haver ligação estreita entre professores e alunos. Nesse novo estágio, o recrutamento — de cientistas estabelecidos ou de estudantes — aumenta e, por consequência, o ‘embrião’ de grupo se avoluma. Quando os integrantes de uma ‘rede’ se conscientizam de que formam um grupo, ocorre a transição para o estágio denominado cluster. Neste terceiro estágio, que apresenta altos níveis de coesão entre os membros, grandes quantidades de pesquisa são produzidas. Já existe, de fato, um grupo, que geralmente possui alguns profissionais conceituados e vários estudantes graduados. O tipo de reação da comunidade científica ao novo grupo — especialmente, a aceitação ou rejeição de seu trabalho por editores e referees dos periódicos especializados — determina se ele se tornará uma ‘especialidade de elite’, aceita e assimilada pelas instituições existentes, ou uma ‘especialidade revolucionária’, que, rejeitada, se sentirá forçada a formar suas próprias contra-instituições, a conquistar as existentes, ou sucumbir. Uma 'especialidade’ é um cluster especializado, que tende a se institucionalizar, a constituir uma organização formal. A transição do estágio de cluster para o de especialidade começa com os estudantes conquistando sucesso próprio. É o estágio acadêmico; a partir dele, inicia-se uma fase de ‘ciência normal’. Murray pondera que, evidentemente, esses estágios configuram um modelo de tipo ideal. Na verdade, eles não seriam tão nitidamente limitados. Em decorrência disso, seria necessário evitar o perigo de procurar, cegamente, retratar os estágios, ignorando outros elementos relevantes de uma história científica concreta que não se ajustem ao modelo, assim como o perigo de supor que um estágio irremediavelmente causará o próximo.

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1.6 O modelo funcional: outras variáveis

Fatores apresentados por outros teóricos como decisivos para a coordenação e a longevidade de um grupo, tais como uma ‘base institucional’, o ‘carisma’ do líder, ou a existência de apenas ‘um centro’ articulador das atividades dos membros do grupo, foram relativizados por Murray. Para ele, a existência de uma ‘base institucional’ poderia ser decisiva apenas para o destino das ideias, já que tornaria um conjunto delas mais disponíveis para os receptores, potencializando a concentração de esforços para desenvolvê-las. Seria, em outros termos, um importante instrumento para a sua divulgação e posterior consolidação. Não seria, porém, uma garantia de sucesso na formulação de ideias, pois, como a própria história das ciências comprova, diversas ideias excelentes provieram do trabalho realizado por cientistas afastados de grandes instituições. Em relação aos diferentes estágios, a importância das bases institucionais seria particularmente grande no de ‘especialidade’, no qual é necessária uma comunidade científica trabalhando em tempo integral com os problemas da disciplina: um tipo de comprometimento como esse, que requer encontros regulares, se beneficiaria muito com a disponibilidade de bases institucionais. Nos demais estágios, não seria indispensável. ‘Carisma’, para Murray, poderia ser útil para detonar a formação de grupos, mas não se sustentaria como uma “dieta permanente”. Seria uma ferramenta importante para alcançar uma posição de liderança, mas não uma forma eficiente de administrá-la, posto que, o que

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normalmente se verifica com os grupos é que, com o passar do tempo e com o sucesso, a autoridade carismática tende a ser ‘tradicionalizada’ (isto é, equiparada a outras) e avaliada a partir de critérios mais ‘objetivos’, que levam em conta não tanto o carisma, mas essencialmente a eficiência. Quanto à existência de ‘um único centro’, Murray não encontrou, nos grupos estudados, problemas em relação à multicentralidade: houve casos de grupos multicentrais coerentes que sobreviveram (e têm sobrevivido) através de várias gerações. O que realmente importa é liderança, e a existência de um único centro não garante isso, nem a existência de mais de um o prejudica. Se a dispersão geográfica dos pesquisadores em múltiplos centros não seria exatamente fatal para a formação e manutenção de um grupo, a dispersão disciplinar frequentemente o seria. Um status interdisciplinar, por exemplo, poderia tornar a formação do grupo difícil: grupos interdisciplinares não seriam exclusivamente desenhados por uma disciplina, o que facilitaria a dispersão teórica, metodológica e dos próprios componentes do grupo. Seria, além disso, um fator que poderia desestabilizar até mesmo os grupos já consolidados, pelas mesmas razões. Se, para Murray, os fatores citados acima devem ter sua relevância circunstancializada, caso por caso, ‘boas ideias’ e ‘liderança’ são fundamentais para a formação, a coordenação e a longevidade de grupos.

1.7 O modelo de conflito: escolha de retórica

O modelo funcional proposto refere-se à articulação. Tanto de grupos de ‘elite’, que trabalham no sentido de dar continuidade à tradição existente, quanto de grupos

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‘revolucionários’, que procuram instaurar uma descontinuidade em relação àquela tradição. Para as duas atitudes, a formação de grupo seria imprescindível e, o modelo, portanto, aplicável. Entretanto, algo na constituição desses dois tipos de grupo, inegavelmente, é diferenciado. Se não o fosse, as posturas de seus componentes em face da tradição não seriam opostas. A partir dessa constatação, Griffith e Mullins propuseram a complementação daquele primeiro modelo, ‘funcional’, por um outro, denominado ‘modelo de conflito’, que daria conta dos fatores que propiciariam a opção pela continuidade ou pela ruptura científica. A propósito, Murray propõe a substituição do que Kuhn chamou de ‘ciência continuísta’ e ‘ciência revolucionária’, por ‘retórica de continuidade’ e ‘retórica de ruptura’. Assim, ao invés de considerar certas teorias científicas como revolucionárias e outras como conservadoras, Murray desloca o foco da questão sobre continuidade e descontinuidade em ciência para a percepção dos cientistas de si mesmos e de suas teorias. O que passa a valer não são os feitos científicos revolucionários ou de continuidade, mas a noção de valor (continuísta ou revolucionário) que os cientistas têm de suas atividades e o modo como se posicionam diante da tradição dominante. O deslocamento para o conceito de ‘retórica’, nesta medida, torna pouco relevante a discussão sobre se determinadas ideias são ou não, epistemologicamente, inovadoras em relação às antecedentes: o que se leva em conta é a autopercepção do cientista. Após avaliar o poder explicativo das variáveis propostas por Griffith e Mullins como decisivas para a escolha de retórica de um grupo, quais sejam, a ‘idade profissional’ dos cientistas, sua ‘condição de elite’ — em termos de treinamento recebido durante a formação e localização profissional em instituições centrais — e ‘acesso a reconhecimento’, a partir do cotejo delas com os dados obtidos nos estudos de caso, Murray conclui que a variável ‘elite’ não traria consequências diretas para a escolha de retórica, já que existem rupturas (e continuidades) propostas por grupos de 'elite' ou ‘marginais’; as variáveis realmente decisivas

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para escolha de retórica — de ruptura ou de continuidade — seriam apenas a ‘idade profissional’ e o ‘acesso ao reconhecimento’. ‘Idade profissional’ refere-se, principalmente, à distinção entre estudantes e cientistas já

consagrados.

Retomando

Kuhn,

Murray

entende

que,

quanto

menores

os

comprometimentos — intelectuais e sócio-institucionais — com um ‘paradigma’, menores são as dificuldades de romper com ele. ‘Acesso a reconhecimento’ tem como principal termômetro a possibilidade de publicação: se o principal prêmio para o cientista é o reconhecimento dos pares e se a publicação é pré-requisito para esse reconhecimento, então a possibilidade, ou a impossibilidade, de publicar resultados pode afetar diretamente os cientistas. Para Murray, as duas variáveis estariam estreitamente relacionadas. Ele concluiu, de seu estudo, que um grupo formado predominantemente por cientistas respeitáveis — graduados e empregados e, portanto, com maior tempo de treinamento na área e maiores comprometimentos com ela — que tenha acesso a reconhecimento, tenderá a produzir uma retórica de continuidade. Se o grupo é constituído prioritariamente por estudantes (com menor tempo de treinamento e menores investimentos no paradigma) que percebam receptividade ao seu trabalho pelas autoridades científicas existentes, tenderá, também, a produzir retórica continuísta. Apenas se um grupo tem como base, fundamentalmente, estudantes que percebem uma rejeição não razoável e bloqueio de acesso ao reconhecimento de seu trabalho é que haverá retórica de revolução.

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Considerar a rejeição não-razoável é importantíssimo, pois, se os membros do grupo considerarem a rejeição aceitável, provavelmente não haverá retórica de ruptura. Nesse caso, o trabalho desenvolvido naquelas linhas consideradas improdutivas pelos editores e referees será simplesmente abandonado. Somente quando a rejeição não é considerada justa, o grupo tende a criar suas próprias contra-instituições e periódicos e a eleger suas próprias autoridades para validar o seu trabalho, ignorando a autoridade estabelecida ou contestando sua legitimidade. Em resumo, Murray propõe como elementos necessários à formação de um grupo, ‘boas ideias’, ‘liderança intelectual’ e ‘liderança organizacional’. Para a sua ‘escolha de retórica’, elege como elementos decisivos a ‘idade profissional’ e o ‘acesso a reconhecimento’. Sua proposta deixa implícito que maior prestígio não está relacionado a ‘melhores’ ideias — se é que é possível avaliá-las assim. Outras forças, além das estritamente intelectuais devem ser consideradas para a compreensão de um percurso de sucesso ou de fracasso na competição de ideias. Nesse sentido, essa proposta vem ao encontro da concepção de que as teorias científicas não têm apenas um valor inerente, mas também um valor sóciohistoricamente construído.

1.8 De volta ao caso brasileiro

Determinar as implicações específicas do contexto acadêmico-institucional sobre o tipo de conhecimento preferencialmente produzido e prestigiado entre 1940 e 1960 no âmbito do trabalho com a linguagem no Brasil constitui, provavelmente, um passo importante para a compreensão das relações entre Filologia e Linguística no país.

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Se é nossa premissa a legitimidade das duas formas de conceber e de praticar ciência, o modelo de Murray torna-se bastante útil para interpretarmos aquelas relações, sobretudo a partir da perspectiva filológica, já que, aplicadas todas as restrições do modelo, os filólogos, ao que tudo indica, constituíam o único ‘grupo científico’ (de fato consolidado) dessas duas décadas. Daí, talvez, o seu sucesso. Por outro lado, não nos parece possível falar em ‘grupo’ linguístico e, possivelmente, falhas na articulação de um ‘grupo’ em torno do linguista Mattoso Câmara, no período, são uma das bases explicativas do quadro definido pela supremacia das ideias e do grupo filológicos. Se realmente liderança é fundamental para a articulação de grupo, e se um grupo é imprescindível para o sucesso de um ‘paradigma’, Serafim da Silva Neto parece ter sido um dos responsáveis pelo sucesso da Filologia no período, uma vez que se destacou como uma das principais lideranças intelectuais e organizacionais de sua geração — justamente a que começou a se projetar nos inícios dos anos 40.

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CAPÍTULO 2 Método. Procedimentos Adotados

“Mergulhe, pois, na pesquisa..”. (Silva Neto 1956q:256)

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Método. Procedimentos adotados

2.1 Escolha do autor A releitura do período compreendido entre os anos de 1940 e 1960 da vida acadêmica brasileira, da perspectiva dos valores autorizados pelo ‘paradigma’ da Filologia, reiterou nossa hipótese de que a comunidade cientificamente relevante do período teria reconhecido em Serafim da Silva Neto um de seus ‘exemplares’. O filólogo, que iniciou precocemente sua carreira, em 1936, com 19 anos, desempenhou papel de destaque no contexto dos estudos sobre a linguagem no país, atuando em espaços centrais — como a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, a Universidade de Lisboa e a Universidade Católica do Rio de Janeiro; articulando projetos que contribuíram para a manutenção institucional do grupo — tais como a fundação, em 1955, da Revista Brasileira de Filologia, ou do Centro de Estudos em Dialetologia Brasileira, no Museu Nacional, em 1953 — e, principalmente, compondo uma obra extremamente profusa e variada, fato que sinaliza ampla recepção às suas ideias, ao menos no círculo ao qual ele pertencia. De fato, podemos tomá-lo como um cientista ‘de sucesso’ no meio intelectual brasileiro de então. Em seu curto período de vida, 43 anos, e carreira de rápida ascensão, conquistou alto prestígio, destacando-se como um dos líderes intelectuais e organizacionais da sua geração (Murray 1994), ao propor programas de pesquisa e ao conquistar espaços institucionais para a produção e divulgação de suas ideias. Voltarei à questão da liderança de Silva Neto mais detalhadamente no capítulo 4. O que aqui importa frisar é que, mesmo que curta, a trajetória intelectual de Silva Neto parece ser um modelo dos padrões de

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cientificidade cultivados como ideais no período que definimos como quadro principal (cf. item 2.2 deste capítulo) de trabalho.

2.2 Periodização

Do ponto de vista privilegiado por esta dissertação, o início da década de 1940 seria marcado pelo aparecimento da primeira obra inteiramente dedicada à Linguística geral 3 — escrita por aquele que mais tarde seria considerado o ‘pai’ da Linguística brasileira (Pinto 1981:XL), o professor Mattoso Câmara Júnior — e, ao mesmo tempo, pelo desenvolvimento dos estudos filológicos, já estabelecidos no país, impulsionado, entre outros fatores, pela criação das primeiras Faculdades de Filosofia, onde se iniciou o processo de institucionalização acadêmica da Filologia e o de profissionalização daqueles que a ela se dedicavam4. Com as Faculdades de Filosofia, a formação dos estudiosos, anteriormente caracterizada pelo autodidatismo, passou a ser formalizada em cursos e currículos especificamente desenvolvidos para este fim — o que, na percepção de um dos mais destacados filólogos ‘autodidatas’ da geração anterior, colocava o Brasil, finalmente, na era da ciência:

Com a criação da Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil no corrente ano de 1939, considero inaugurado o quarto período [da história dos estudos filológicos no Brasil], a que chamo científico. [...] Vai cessar o autodidatismo. A mocidade terá a seu dispor mestres experimentados, livros, revistas e outros elementos de estudo. Tudo, por conseguinte, se poderá esperar dela. (Nascentes 1939: 45)

3

Princípios de linguística geral (1941, Rio: Briguiet), de Mattoso Câmara, anteriormente publicada nos volumes da Revista de Cultura (Vozes), a partir de 1938, com o título de Lições de linguística geral (cf. França 1996a). 4 Em São Paulo, fundou-se em 1934 a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP; no Rio, em 1935, a Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Distrito Federal, extinta pelo governo Vargas, que inauguraria em seu lugar, em 1939, a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil.

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O fato de existirem pelo menos duas disciplinas, com status acadêmico diferenciado — uma Linguística incipiente e uma Filologia já consolidada — reivindicando a linguagem como objeto, pode ser tomado como um dos fatores que apontam para o caráter ‘transitório’ do período. Nele começaria a tomar forma a distinção entre dois programas de investigação científica: de um lado, o da Linguística, disciplina emergente, que se dedicaria a um estudo mais internalista da linguagem, concentrado nas descrições linguísticas acrônicas e nos aspectos teórico; de outro, o da disciplina científica mais fortemente estabelecida, a filológica, que procuraria integrar o estudo da língua em um campo mais amplo, o de estudo da ‘cultura’, inclusive em suas manifestações literárias, pendendo mais para uma abordagem histórica do objeto língua. A criação das Faculdades de Filosofia, detonando o iníco do processo de profissionalização daqueles que se dedicavam às questões da linguagem, aliada ao fato de essa década ser consensualmente apontada como a de início da coexistência desses dois programas de investigação, que posteriormente se distinguiriam com maior clareza, levou-nos a fixar os anos 40 como marco cronológico inicial do trabalho. De modo análogo, a década de 1960 foi fixada como marco cronológico limite: ela assinala um aumento do prestígio acadêmico da Linguística — institucionalizada e tornada obrigatória nos currículos dos Cursos Superiores de Letras (1962) de um número já considerável de Faculdades de Filosofia — em detrimento da Filologia, que, a partir deste período, passa a perder a condição de principal disciplina a tratar dos problemas da linguagem. O período compreendido entre 1940 e 1960, portanto, é favorável à observação de dois momentos importantes da história dos estudos sobre a linguagem no Brasil. Embora nossa análise desse período tenha propiciado comentários que ultrapassam o quadro de trabalho assim definido, seja retrospectivamente, em direção às décadas de 20 e 30

44

no Brasil, seja prospectivamente, em direção à década de 70, esta dissertação procurou focalizar, por um lado, o período em que os problemas, as ideias e as práticas filológicos experimentaram notável predomínio no campo de estudos da linguagem no Brasil — processo com seu auge nos anos 40 — e, por outro, o dos inícios de sua paulatina perda de prestígio neste mesmo campo em relação à ascendente Linguística, processo mais claramente configurado a partir dos anos 60.

2.3 Estabelecimento dos corpora

Para delinear o contexto da produção científica brasileira sobre a linguagem no período de 1940 a 1960, em seus traços ‘internos’ — isto é, quanto às formas de concepção e tratamento do objeto linguagem — e em seus traços ‘externos’ — ou seja, quanto aos elementos do contexto acadêmico-intelectual que teriam propiciado o desenvolvimento preponderante de tais concepções e não de outras — utilizamos dois tipos de suportes informacionais. Do primeiro tipo, composto a partir da produção acadêmica publicada de Silva Neto, procuramos depreender elementos que configurariam um trabalho científico padrão para a época, ou, nos termos de Murray (1994), o ‘conteúdo paradigmático’ da Filologia Brasileira. Do segundo, composto de materiais informativos variados sobre o meio intelectual, principalmente o carioca, procuramos levantar variáveis que afetassem os agentes (Silva Neto e o grupo filológico); os problemas (concepções, procedimentos) ou o próprio contexto (valores, ideologias), nos termos de Swiggers (1992).

45

2.3.1 Suportes informacionais do conteúdo paradigmático da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960

Para definir o primeiro elenco de suportes informacionais, partimos da hipótese de que toda a produção acadêmica publicada de Silva Neto — bastante variada e composta por 130 textos — pudesse ser relevante para a depreensão dos modos preferenciais de trabalho científico filológico, entre 1940 e 1960. Em função disso, procuramos, no primeiro momento da análise, classificar toda essa produção por tipos, em quatro grupos. Em um deles (Tl), elencamos os livros e opúsculos, que, por sua própria natureza, foram publicados em volumes independentes e poderiam, em princípio, ser submetidos a análises autônomas, enquanto obras de maior fôlego. Este grupo compôs-se de 27 títulos. A Tabela I os reúne:

Tabela I: Levantamento e classificação por ordem cronológica dos livros e opúsculos publicados por Silva Neto (1938-1960)

Tl: Livros e opúsculos Data de 1. Título edição edição Fontes do latim vulgar. O Appendix Probi 1938 [2. ed. 1946, Rio: Imprensa Nacional; 3. ed., 1956, Rio: Acadêmica]

Local

Casa Editora

Rio de Janeiro

ABC

1940

Miscelânea filológica

Niterói

1941a

Divergência e convergência na evolução fonética

Niterói

1941b

Que é latim vulgar? [Publicado como capítulo das Fontes do latim vulgar, a partir da segunda edição]

Petrópolis

Gráfica Dias Vasconcelos Gráfica Dias Vasconcelos Tipografia do Patronato Cruzeiro

46

1941c

A formação do latim corrente [publicado como capítulo das Fontes do latim vulgar, a partir da segunda edição]

Petrópolis

Manual de gramática histórica portuguesa [posteriormente, daria origem à 1942a Rio de Janeiro Introdução ao estudo da filologia portuguesa (1956)]

Tipografia do Patronato Cruzeiro

Acadêmica

1942b

Post scriptum

Rio de Janeiro

Não localizado

1942c

Rumos filológicos [polêmica]

Rio de Janeiro

Sem indicação

1942d

Rusgas filológicas [polêmica]

Rio de Janeiro

Não Localizado

1943

Crítica serena [polêmica]

Rio de Janeiro

Não Localizado

1945

Pontos de literatura (com antologia lusobrasileira. Para as três séries dos cursos clássico e científico)

Rio de Janeiro

Nacional

1946a

Diferenciação e unificação do português do Brasil [publicado como parte da Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil]

Rio de Janeiro

Dois Mundos

Capítulos de história da língua portuguesa no Brasil, [publicado como parte da 1946b Rio de Janeiro Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil]

1947

1950a

Mestre André de Resende. A santa vida e religiosa conversação de Frei Pedro, porteiro do Mosteiro de São Domingos de Évora [Edição fac-similada do único Rio de Janeiro exemplar conhecido, acompanhada de transcrição, introdução e notas de Silva Neto] Diálogos de São Gregário. Fascículo I [Edição crítica organizada e prefaciada por Silva Neto]

Coimbra

Introdução ao estudo da língua portuguesa 1950b no Brasil. [Nova tiragem em 1951; 2.ed. Rio de Janeiro 1963, Rio de Janeiro:MEC]

Livros de Portugal

Dois Mundos

Atlântida

INL

1951

Conceito e método da filologia [Em coautoria com Gladstone Chaves de Melo]

Rio de Janeiro

Casa de Rui Barbosa

1952

Manual de filologia portuguesa. História, problemas e métodos [2. ed., 1957, Rio de Janeiro: Acadêmica]

Rio de Janeiro

Acadêmica

47

1955

Guia para estudos dialetológicos . [2.ed., 1957, Belém: INP da Amazônia ]

Florianópolis

Faculdade Catarinense de Filosofia

1956a

Ensaios de filologia portuguesa

Rio de Janeiro

Nacional

1956b

Introdução ao estudo da filologia portuguesa

Rio de Janeiro

Nacional

1956c

Textos medievais portugueses e seus problemas

Rio de Janeiro

Casa de Rui Barbosa

1957a

História do latim vulgar

Rio de Janeiro

Acadêmica

1957b

História da língua portuguesa

Rio de Janeiro

Livros de Portugal

1958

Bíblia medieval portuguesa I. Histórias d’abreviado Testamento Velho, segundo o mestre das histórias escolásticas

Rio de Janeiro

INL

1960a

Língua, cultura e civilização

Rio de Janeiro

Acadêmica

A língua portuguesa no Brasil. Problemas [Publicado também na História da língua 1960b portuguesa a partir da segunda edição Rio de Janeiro (1970:581-634) e na Revista Portuguesa de Filologia 25:99-120 (v.T2)]

Acadêmica

Total

27 documentos

Em um segundo grupo (T2), incluímos artigos e ‘"notas" em um total de 58 títulos. O que diferenciou os trabalhos de Tl e T2 foi, meramente, a extensão e a apresentação formal dos trabalhos. A Tabela II os reúne:

48

Tabela II: Levantamento e classificação por ordem cronológica dos artigos e ensaios publicados por Silva Neto (1938-1960)

Ano 1938 1941ª 1941b 1941c 1941 d 1941e

T2: Artigos e Ensaios Título Veículo “Da influência das línguas Anuário Brasileiro de itálicas no latim vulgar” Literatura “Nugas lexicológicas” Revista de Cultura “Que é latim vulgar” Revista de Cultura “A formação do latim corrente” Revista de Cultura “O português quinhentista e o Revista Filológica português do Brasil” Miscelânea de estudos “O ensino da gramática em honra de Antenor histórica” Nascentes

Vol./núm./pp. —: 282-294 173:265-268 178:173-192 179/80:249-260 10:61-65; 11:48 120-133

1941f 1941g 1941h 1941i

“A língua portuguesa no Brasil” “A origem do dialeto brasileiro” “Res et verba” “Filologia e realidade”

Revista Filológica Revista filológica Revista Filológica Revista Filológica

1942ª

“Apontamentos filológicos”

Revista filológica

1942b

“Caracteres gerais da linguagem corrente”

Revista de Cultura

182:77

1942c

“Como pronunciar o latim”

Revista de Cultura

185:270

1942d

“Diferenciação e unificação do português no Brasil”

Revista de Cultura

31:48-60; 188:63; 189:127; 190:185

1942e

“A formação do latim corrente”

Revista de Cultura

181:33

1942f

“A pronúncia do latim”

Revista de Cultura

186:292

1946ª

“Apontamentos lexicográficos”

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro]

II:87-88

1946b

“Estudos lingüísticos na Rússia”

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro]

II:89-95

1946c

“Uma nova crônica de Fernão Lopes”

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro]

IV:219-224

1946d

“Habent sua fata libelli”

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro]

I:31-32

1946e

“Gonçalo Fernandes Trancoso”

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro]

I:23-28

8:14-25 9:45-49 7:61-67 4:67-86 16:278-280 e 19:144-150 [continuação]

49

1946f

“A morte de Damião de Góis”

1946g

“Um problema à margem de Fernão Lopes”

1947ª 1947b 1947c 1947d 1947e 1947f 1948ª 1948b 1948c 1949ª 1949b

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro]

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro] Boletim de Filologia ‘Contato lingüístico” [Rio de Janeiro] ‘Nota sobre a cronologia dos Boletim de Filologia textos medievais” [Rio de Janeiro] Boletim de Filologia “Apontamentos lexicográficos” [Rio de Janeiro] Boletim de Filologia “Apontamentos lexicográficos” [Rio de Janeiro] “Centenário da morte de Boletim de Filologia Francisco Adolfo Coelho” [Rio de Janeiro] Boletim de Filologia “Bíblia medieval portuguesa” [Rio de Janeiro] “Gerações literárias no século Boletim de Filologia XIX” [Rio de Janeiro] “A propósito dos nomes do Boletim de Filologia Profeta” [Rio de Janeiro] Boletim de Filologia “Textos antigos portugueses” [Rio de Janeiro] Boletim de Filologia “Estudos indígenas” [Rio de Janeiro] “A unidade lingüística Boletim de Filologia brasileira” [Rio de Janeiro]

I:29-30 I:33-36 VI:67-81 VI:82-85 VI:86 VII:143-148 VII:149 VII:139-142 VIII:225-229 VIII:231-232 IX:233-248 IX:32-39 IX:.41-45

1949c

“O dialeto crioulo de Surinam”

Cultura

2:57-70

1949d

“A propósito de um manuscrito medieval”

Boletim de Filologia [Rio de Janeiro]

IX:47-51

1949e

“Francisco Adolfo Coelho e a filologia portuguesa”

Separata da Miscelânea Adolfo Coelho I [livro]

? [Não localizado; referência em Silva Neto 1960a]

1949f

“Três inscrições do latim vulgar”

Humanitas

III:67-80

1950ª

“Falares crioulos”

Brasília

V:3-28

1950b

Separata do Suplemento “A língua portuguesa no Brasil Bibliográfico da (1939 - 1948)” Revista Portuguesa de Filologia

342-368

50

1951ª

1951b

1952ª 1952b 1953ª

“Breves notas para o estudo da expansão da língua portuguesa Província de São Pedro em África e Ásia” “Dialetologia Brasileira” Revista da [Aula do curso de extensão Universidade de Minas universitária realizado em Belo Gerais Horizonte, em janeiro de 1951] “O arcaísmo na língua e na Verbum literatura” “A formação da língua Ensaio portuguesa” “Le Portugais dans le Nouveau Orbis Monde”

16:72-86

9:179-191

IX:537-552 2:102-120 II.1:143-156

1953b

“Notas etimológicas”

Verbum

X:240-247

1955ª

“Bíblia medieval portuguesa”

Revista Filológica

2(da II fase):3-10 ? [Não localizado; referência em Língua, cultura e civilização(1960)]

1955b

“A base pirr em português”

Miscelânea Oroz [Santiago do Chile]

1955c

“Regionalismo, arcaísmo e fonética histórica”

1956ª

“Breve nota filológica”

1956b

“Notas sobre o balouço”

Revista Brasileira de Filologia Revista Brasileira de Filologia Revista Brasileira de Filologia

1957ª

“Nugas lexicológicas”

1957b

“Duas preciosidades da Biblioteca Nacional”

I.1:23-26 II.2:202-204 II.1:41-50

Miscelânea de estudos ? [Publicado também em honra do prof. em Língua, cultura e Hernani Cidade civilização:203-227] Revista do Livros

7:191-196

? Etymologica, dedicada [Publicado também em a Walter von Wartburg Língua, cultura e civilização: 175 -191]

1958ª

“História da preposição até”

1958b

“As designações de fígado nas línguas românicas”

Revista de Portugal

23:339-346

1958c

“Um regionalismo lusobrasileiro”

Omagiu Iorgu Iordan (Bucareste)

? [Também publicado em Língua, cultura e civilização: 91-99]

1960ª

“A língua portuguesa no Brasil” [v. item 1960b, T1]

Revista de Portugal

25:99-120

51

1960b Total

“Regra de São Bento”

Revista Brasileira de Filologia 58

V. 1:21-46 documentos

O terceiro (T3) apresentou diferenças mais qualitativas em relação aos dois primeiros — na medida em que o formamos com os textos sobre obras de outros autores (prefácios, em um total de 4) — e aproximou-se, quanto ao mesmo aspecto, do quarto (T4) — em que reunimos resenhas, obituários e os comentários críticos (41 textos), isto é, avaliações sobre autores e obras do período. Nos dois casos, mais do que produzir, o autor julgou conhecimentos linguísticos produzidos. As Tabelas III e IV apresentam estes dois tipos de textos.

Tabela III: Levantamento e classificação por ordem cronológica dos prefácios publicados por Silva Neto (1938-1960)

Ano 1948

T3: Prefácios Obra Prefaciada Prefácio a Agostinho de Campos. Futuro da língua portuguesa .Rio de Janeiro

Páginas 7-23

1952

Prefácio a Antenor Nascentes. Dicionário Etimológico da língua portuguesa II (nomes próprios). Rio de Janeiro: Francisco Alves/Acadêmica/Livros de Portugal/São José

v-vii

1955

Prefácio a Sílvio Elia. Orientações da lingüistica moderna. Rio de Janeiro: Acadêmica

9-16

1957

Prefácio a Rocha Lima. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro:Briguiet & Cia.

5-7

Total

4 documentos

52

Tabela IV: Levantamento e classificação por ordem cronológica das resenhas e obituários publicados por Silva Neto (1938-1960)

Ano 1941a

T4: Resenhas e Obituários Título ou autor e obra resenhada Veículo Resenha a Mário Castanheda. Notas de Raul Revista Soares à gramática de João Ribeiro Filológica

VoL/Núm.:pp 9:89

1941b

Resenha a Sousa da Silveira. Trechos seletos

Revista Filológica

9:89

1941c

Resenha a José Pereira Tavares. Como se devem ler os clássicos

Revista Filológica

9:90

1941d

Resenha a Aires da Mata Machado Filho. Problemas da língua

Revista Filológica

9:90

1941e

Resenha a N. S. Trubetzkoy. Grundzuge der Phonologie

Revista Filológica

10:87

1941f

Resenha a Friedrich Kainz. Psychologie du Sprache

Revista Filológica

10:87-88

1941g

Resenha a Portugale (1940, vol. XIII)

Revista Filológica

11:85-89

1941h

“Francisco Adolfo Coelho”

Revista Filológica

13:1-5

194li

“José Leite de Vasconcelos”

Revista de Cultura

junho:298-

194lj

Resenha a Sousa da Silveira. Obras de Casimiro de Abreu

Revista Filológica

13:93-94

1941k

\ Resenha à Revista Lusitana (1939, vol. 370)

Revista Filológica

14:177-179

1941l

Resenha a Júlio Nogueira. Programa de Português

Revista Filológica

16:343-344

1941m

Resenha a Jonas Correia. Estudos de português Revista (ortografia e pontuação) Filológica

11:85-89

1942a

Resenha a Miscelânea em honra de Antenor Nascentes

Revista de Cultura

março:191

1942b

Resenha a Rodrigo de Sá Nogueira. Tentativa de explicação dos fenómenos fonéticos em português

Revista de Cultura

julho:61

1942c

Resenha a Joaquim Ribeiro. O folklore da Restauração

Revista de Cultura

julho:61

53

1942d

Resenha a Mansur Guérios. Pontos de gramática histórica portuguesa (2.ed.)

Revista Filológica

19:259-260

1942e

Resenha a Daltro Santos. Fundamentação da grafia simplificada

Revista de Cultura

out/nov:200-202

1946a

Resenha a Hernâni Cidade. Luís de Camões. A Boletim de vida e obra lírica Filologia

1946b

Resenha a Silveira Bueno. Antologia arcaica

Boletim de Filologia

II: 110-114

1946c

Resenha a W. von Wartburg. Die Entschung der romanischen Volker

Boletim de Filologia

III:161

1946d

Resenha a José Pedro Machado. Breve história Boletim de da lingüística Filologia

I:33-36

III:162-164

1946e

Resenha a José Pedro Machado. O português do Brasil

Boletim de Filologia

III:164-165

1946f

Resenha à Academia Brasileira de Letras. Arquivo camoniano

Boletim de Filologia

III:165-172

1946g

Resenha a Alfredo Pimenta. Fuero Real de Afonso X, o Sábio

Boletim de Filologia

III:172-179

1946h

Resenha a Silveira Bueno. O auto das regateiras de Lisboa

Boletim de Filologia

III:179-185

1946i

“Júlio Cornu”

Boletim de Filologia

IV:201-218

1946j

Resenha a Silveira Bueno. Estudos de Filologia Boletim de Portuguesa Filologia

IV: 111-113

1947

Resenha a Miguel Nimer. Influências orientais Boletim de na língua portuguesa Filologia

V:41-51

1949a

“Sobre a nova edição do Boosco Deleytoso”

Boletim de Filologia

X:100-107

1949b

“Sobre nova edição de um grande livro”

Boletim de filologia

X:108-l10

1949c

“Sobre a morte de Karl Vossler”

Boletim de Filologia

X: 111-113

1952

“Jakob Jud”

Brasília

VII:209-226

1953

Resenha a Joseph M. Piel. Miscelânea de etimologia portuguesa e galega

Jornal de Filologia.

1:188-189

1955a

“Manuel Said Ali”

Revista Brasileira de Filologia

I.1:109-112

54

1955b

Resenha a Edward Sapir. A linguagem. Revista Introdução ao estudo da fala [Trad. de Mattoso Brasileira de Câmara Jr.] Filologia

I.1:79-81

1955c

Revista Resenha a Ernesto Faria. Fonética histórica do Brasileira de latim Filologia

1.2:249-250

“Rui de Almeida”

1956

Revista Filológica

5(da 11 fase):80

III.1:121-128

1957

“Dr João da Silva Correia”

Revista Brasileira de Filologia

1958

Resenha a Sílvio Elia. O ensino do latim. Doutrina e métodos

Verbum

XV.4:574-576

1959

Resenha a Maria Adelaide do Vale Cintra. Livro de solilóquio de Santo Agostinho

Ibérida

2:157-161

Total

41 documentos

Essa primeira classificação, posteriormente refinada, visou a uma separação das produções propriamente linguísticas das de caráter fundamentalmente crítico, que explicitam duas faces complementares da visão de trabalho com a linguagem do autor, em que se vislumbram, por um lado, suas concepções do que isso devesse ser (T3 e T4) e, por outro, as suas realizações ou fazeres efetivos neste campo (T1 e T2). A distribuição teve como propósito facilitar a análise destes dois níveis complementares, o das concepções e o das práticas — propósito, aliás, mantido (v. capítulo 4) após as redefinições do material a ser efetivamente considerado. Os grupos T1, T2, T3 e T4 que compõem as Tabelas I, II, III e IV, portanto, reúnem, respectivamente, a produção de Silva Neto em forma de livros/opúsculos (27 documentos); ensaios/artigos (58 documentos); prefácios (4 documentos) e resenhas/obituários (41 documentos), perfazendo um total de 130 documentos, organizados cronologicamente, a partir da data de primeira edição.

55

Esta primeira abordagem teve como objetivo levantar e organizar o material disponível, sem que se efetuassem, ainda, quaisquer seleções. As primeiras leituras deste material, contudo, levaram-nos a uma redefinição do corpus; elas permitiram identificar os trabalhos de T1 como o veículo mais representativo da volumosa produção de Silva Neto. Com efeito, o grupo constituído pelos livros e opúsculos fornece uma amostragem expressiva dessa produção, pois, além de sintetizar os principais núcleos de interesse do autor (v. capítulo 4), melhor desenvolvidos nessas obras de maior fôlego, em dois documentos — Ensaios de filologia portuguesa (1956a) e Língua, cultura e civilização (1960a) — estão reunidos ensaios/artigos, comunicações/palestras proferidas e não publicadas, notas e até mesmo resenhas dispersas em periódicos, e consideradas, pelo próprio autor, como as mais relevantes. Esses dois livros fornecem, assim, de acordo com própria visão de Silva Neto, uma amostragem representativa de seus trabalhos ‘avulsos’ (que designamos genericamente por T2). Além disso, as pré-análises que efetuamos do material, possibilitaram a comparação de amostras dos documentos (ou seja, de T1, T2, T3 e T4) também quanto aos conteúdos. Com essa comparação, verificamos que o número de títulos não corresponde exatamente à quantidade de textos diferentes, visto que o autor reaproveitou-os com frequência, refundindo ou republicando-os em coletâneas ou obras de síntese. Como o objetivo central da pesquisa não era a análise exaustiva da produção publicada do autor mas, a partir da utilização de uma amostra representativa desta produção, desenhar, em grandes linhas, o conteúdo paradigmático da Filologia no Brasil entre 1940 e 1960, optamos pela consideração dos textos reunidos em T1, ou seja, livros e opúsculos, como amostra suficientemente representativa da produção linguística de Silva

56

Neto e, por extensão, representativa do conteúdo paradigmático do programa da Filologia Brasileira5. Dado que as obras sofreram várias reedições, algumas delas póstumas, visando preservar a versão ‘mais acabada’ das ‘ideias’ de Silva Neto, optamos pelo trabalho com a última edição, revista pelo autor, de cada um dos livros/opúsculos ou edição a ela equivalente. O mesmo procedimento foi adotado em relação a alguns títulos, pois, por exemplo, Que é latim vulgar? e A formação do latim corrente, publicados como opúsculos em 1941(v. Tabela I, 1941b e 1941c), foram republicados como capítulos das Fontes do latim vulgar (v. Tabela I, 1938), a partir da edição de 1946. Como adotamos o texto da última edição das Fontes, consideramos, por conseguinte, nela, também as últimas edições daqueles dois opúsculos que passaram a ser capítulos desta obra. Em outros termos, ao tomarmos a última edição das Fontes do latim vulgar, nos desobrigamos de considerar também aqueles dois opúsculos, já que a última versão deles apresentada por Silva Neto foi sob a forma de capítulos das Fontes. O mesmo ocorreu com os Capítulos de história da língua portuguesa no Brasil e com Diferenciação e unificação do português no Brasil (v. Tabela I, 1946a e 1946b), em relação à Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil (1963[l.ed. 1950b]). Com o Manual de gramática histórica portuguesa (1942a), o processo foi semelhante, posto que o texto, segundo o próprio autor, muito modificado e acrescido, veio a dar origem, em 1956, à Introdução ao estudo da filologia portuguesa (v. Tabela I, 1956b). Como se tratasse de coletâneas, consideramos, em nossas análises, isoladamente cada um dos trabalhos publicados nos Ensaios de filologia (1956a) e de Língua, Cultura e civilização (1960a). Deles, foram, ainda, desconsideradas as pequenas notas e resenhas em que o autor comentou obras/textos mais brevemente, sem discutir questões linguísticas. O 5

Para uma análise da produção de Silva Neto publicada em periódicos, ver a dissertação de Henriques 1993.

57

livro publicado em 1940 (Tabela I), que também reúne artigos, foi considerado integralmente e como um único texto, dada a grande aproximação entre cada uma das partes que o constituem. O didático Pontos de literatura (com antologia luso-brasileira. Para as três séries dos cursos clássico e científico), Tabela I, 1945, por sua própria natureza, afasta- se do objetivo deste projeto, razão pela qual o excluímos do corpus. O volume 1942c, Rumos filológicos, referente a uma polêmica, dada a quantidade de informações contextuais que apresenta, foi deslocado para o segundo corpus (v. item 2.3.2 deste capítulo). Os opúsculos 1942b, 1942d e 1943 não foram localizados. Em vista desses procedimentos, os documentos que constituem o grupo que denominamos T1, definido como principal suporte informacional dos valores intelectuais do programa da Filologia Brasileira, ficou circunscrito a 17 livros ou opúsculos. Como tomamos unitariamente cada um dos textos ‘avulsos’ reunidos nas antologias Ensaios de Filologia (1956a) e Língua, cultura e civilização (1960a), contabilizamos, entre livros/opúsculos e textos avulsos (destes, sempre considerada a publicação em uma dessas coletâneas (1956a ou 1960a)), 50 documentos. Constituiu, assim, nosso corpus para a detecção do conteúdo paradigmático da Filologia Brasileira, entre 1940 e 1960, o conjunto de textos elencados na Tabela V a seguir:

Tabela V: Relação dos documentos a partir dos quais se estabeleceu o conteúdo paradigmático da Filolosia Brasileira entre 1940 e 1960

Referência

Título

Local e Casa Publicadora

Páginas

número de páginas

58

1940

Miscelânea filológica

Niterói: Gráfica Dias Vasconcelos

1-62

62p

1941

Divergência e convergência na evolução fonética

Niterói:Gráfica Dias Vasconcelos

1-56.

56p

1-217

217p (texto, introdução e notas, sem facsímiles)

1947

Mestre André de Resende. A santa vida e religiosa conversação de Frei Pedro. [Edição Fac-similada do Rio de Janeiro: único exemplar conhecido, Dois Mundos acompanhada de transcrição, introdução e notas de Silva Neto]

1950

Diálogos de São Gregório. Fasc. I. [Edição crítica organizada e prefaciada por Serafim da Silva Neto]

Coimbra: Atlântida

1-67

67p

1951

Conceito e método da filologia. [Com Chaves de Melo]

Rio de Janeiro: Organização Simões

1-92

92p

Fontes do latim vulgar. O appendix Rio de Janeiro: Probi. 3. ed. Acadêmica

1-257

257p

1956a

1956b

“O arcaísmo na língua e na literatura”. Ensaios de filologia portuguesa.

Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional

13-38

26p

1956c

“Le Portugais dans le Nouveau Monde” e “Apêndice”. Idem

Idem

39-77

37p

1956d

“Mudança cultural”. Idem

Idem

78-91

14p

Idem

92-100

9p

Idem

101-130

30p

1956e 1956f

“Três inscrições do latim vulgar”. Idem “Jakob Jud”. Idem

1956g

“Estudos Lingüísticos na Rússia”. Idem

Idem

131-145

15p

1956h

“Nova edição de um grande livro”. Idem

Idem

146-150

5p

1956i

“Karl Vossler”. Idem

Idem

151-155

5p

l956j

“Apontamentos lexicográficos” Idem “Um problema à margem de Fernão Lopes”. Idem

Idem

156-192

37p

Idem

193-199

7p

l956k

59

l956l

“Uma nova crônica de Fernão Lopes”. Idem

Idem

200-209

8p

1956m

“Nova edição do Boosco Deleytoso”. Idem

Idem

210-222

13p

1956n

“Habent sua fata libelli”. Idem

Idem

223-224

2p

1956o

“Gonçalo Fernandes Trancoso”. Idem

Idem

225-232

8p

1956p

“A morte de Damião de Góis”. Idem

Idem

233-235

3p

1956q

“Etimologia e ortografia”. Idem

Idem

236-280

45p

1-182

183p

l-220p

221 p

1-75

76

1-420

421 p

1956r

1956s

Textos medievais portugueses e seus Rio de Janeiro: Casa de Rui problemas Barbosa Introdução ao estudo da filologia Rio de Janeiro: Livros de portuguesa Portugal

1957

Guia para estudos dialetológicos. 2.ed.

Belém: INP da Amazónia

1958

Bíblia medieval portuguesa I. Histórias d'abreviado Testamento Rio de Janeiro: Velho segundo o mestre das INL histórias escolásticas

1960a

“Ferdinand de Saussure e seu tempo”. Língua, cultura e civilização

Rio de Janeiro: Acadêmica

19-38

20p

1960b

“A renovação da filologia românica no século XX”. Idem

Idem

39-49

10p

1960c

“As designações para ‘fígado’ nas línguas românicas”. Idem

Idem

51-66

16p

1960d

“Um traço de pronúncia caipira”. Idem

Idem

67-90

24p

1960e

“Um regionalismo lusobrasileiro”. Idem

Idem

91-99

9p

1960f

“Notas sobre o balouço”. Idem

Idem

101-118

18p

1960g

“Pandorgas”. Idem

Idem

119-126

8p

1960h

“O crioulo de Surinam”. Idem

Idem

127-153

27p

1960i

“Regionalismo, arcaísmo e fonética histórica”. Idem

Idem

155-163

9p

60

1960k

“Um novo incunábulo em português”. Idem “História da preposição ‘até’”. Idem

1960l

“A propósito da Vita Christi”. Idem

Idem

193-202

10p

1960m

“Apontamentos lexicográficos”. Idem

Idem

203-227

24p

1960n

“Notas sobre as onomatopéias”. Idem

Idem

229-246

18p

1960o

“Problemas do português da América”. Idem

Idem

247-274

37p

1960p

“A batata”. Idem

Idem

275-278

4p

1960q

“André de Resende”. Idem

Idem

279-283

5p

1960r

“A propósito de poetas”. Idem

Idem

285-289

5p

1960s

“A propósito de um manuscrito medieval”. Idem

Idem

292-300

9p

1960t

A língua portuguesa no Brasil. Problemas

Rio de Janeiro: Acadêmica

1-50

51 p

1963

Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. 2. ed.

Rio de Janeiro: INL

1-273

274p

História da língua portuguesa. 2.ed.[desconsidero, aqui, A língua Rio de Janeiro: 1970[1957] portuguesa no Brasil tomado Livros de como obra independente (v. Portugal 1960t)]

l-579p

580p

Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico

l-255p

256p

Rio/Brasília: Presença/INL

1-279

280p

1960j

1977[1957]

História do latim vulgar. 2.ed.

Manual de filologia portuguesa. 1988[1957] História, problemas e métodos. 4. ed. Total

50 documentos

Idem

165-174

9p

Idem

175-191

17p

3647páginas

Na Tabela V, a coluna Referência organiza-se com base na data da edição considerada na análise (última revista pelo autor ou equivalente). Foram acrescentadas

61

informações sobre o número de páginas de cada um dos 50 textos que, somadas, totalizaram 3647. Como se nota, as coletâneas que apareciam na Tabela I com as referências 1956a e 1960a, passaram a corresponder às referências de 1956b a 1956q (indicativas de textos avulsos publicados em Ensaios de filologia portuguesa) e de 1960a a 1960s (indicativas de textos reunidos em Língua, cultura e civilização). Sendo o critério organizacional básico tomar cada obra em sua última versão revista pelo autor, para a quantificação de nossos dados, analisamos em separado o opúsculo A língua portuguesa no Brasil (1960t), apesar de o mesmo ter sido acrescentado, postumamente, à História da língua portuguesa, a partir de sua segunda edição (1970[1957]), que, por sua vez, foi aqui considerada sem esse acrescento. Todas as referências às obras de Silva Neto encontradas nos demais capítulos deste trabalho, a partir desta reorganização, passaram a seguir exclusivamente as indicações da coluna Referência da Tabela V.

2.3.2 Suportes informacionais para o estabelecimento dos agentes, dos problemas e do contexto da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960

Para traçar a rede de relações socioculturais do período de atuação acadêmica de Serafim da Silva Neto, utilizamos materiais variados publicados em periódicos da época (tais como noticiários, apresentações/prefácios a revistas, bibliografias indicadas por elas); prefácios e apresentações a obras de Silva Neto, bem como os escritos pelo autor para obras de outros cientistas do período. Além desses, consideramos um opúsculo e dois textos avulsos de Silva Neto referentes a polêmicas, e as respectivas réplicas dos polemistas José de Sá Nunes e Almir da Câmara de

62

Matos Peixoto. Foram, ainda, considerados documentos inéditos, constituídos por 8 fitas com entrevistas de estudiosos da linguagem (dois contemporâneos de Silva Neto e dois pertencentes à chamada primeira geração de linguistas), que fazem parte do acervo do Projeto Historiografia da Lingüística Brasileira (Altman 1994). O opúsculo Rumos filológicos (v. Tabela I, 1942c), referente à polêmica mantida pelo autor com Matos Peixoto, foi utilizado exclusivamente neste segundo corpus, do qual procuramos extrair dados contextuais, diferenciando-se do artigo “Etimologia e ortografia”, referente à polêmica com Sá Nunes (v. Tabela V, 1956q), que integra os dois corpora, ou seja, este relativo ao contexto e aquele primeiro, relativo aos conteúdos intelectuais do programa da Filologia Brasileira. Os motivos para considerar o primeiro texto apenas para a detecção das ‘redes’ de relações foram dois: 1) diferentemente do que ocorre com o segundo texto, “Etimologia e ortografia”, os argumentos linguísticos nele apresentados pelo autor encontram-se também naqueles textos selecionados para a análise dos aspectos cognitivos, tornando redundante sua reavaliação nesta obra; 2) este texto, assim como “Etimologia e ortografia”, contém uma certa quantidade de informações sobre as relações pessoais e acadêmicas estabelecidas pelo e no grupo de filólogos do qual Silva Neto fazia parte, interessando-nos, portanto, mais em relação a esse aspecto. A Tabela VI resume os dados sobre este segundo material informacional.

63

Tabela VI: Suportes informacionais para a detecção de variáveis pertinentes aos agentes, aos problemas e ao contexto da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960 Suporte informacional “Noticiário” e “Bibliografia”

Referências Boletim de Filologia (Rio de Janeiro). 1946: I (l):67-72; I (2): 127-135; I (3):194-198; 1947: II (4):247-251; II(5):61-64; II(6): 125-128; II(7): 191-192.

“Vida do Centro”

Boletim de Filologia (Lisboa). 1956, XVI (2): 408-412

“Academia Brasileira de Filologia”: Quadro Acadêmico”

Revista Filológica. 1955(2): página não enumerada

“Notícias e comentários”

Revista Brasileira de Filologia. 1955 1(1):8385; 1956 l(2):281-284; 1956 2(1): 137-140; 1956 2(2):307-312; 1957 3(1): 164-168; 1957 3(2):271-289

“Notas bibliográficas”

Revista Brasileira de Filologia. 1956 2(1): 131132

“Primeiro Congresso de’ Dialetologia e Etnografia”

Jornal de Filologia 1958 IV (3-4): 103-110

Silva Neto. “À guisa de prefácio”

Revista Brasileira de Filologia 1955 (1):10

“Apresentação”

Boletim de Filologia (Rio de Janeiro). 1946, I(1)

Silveira Bueno. “Apresentação”

Jornal de Filologia. 1953(1)

Almeida Azevedo. “Um mestre português Letras e Artes . 3/10/1948:13 (com continuação da filologia em trânsito para o congresso à p.15) de Florianópolis” Chaves de Melo. “Um novo manual de ortografia e a questão ortográfica no Brasil” Mansur Guérios. “Prof. Dr. Aryon Dall’Igna Rodrigues”

Euclydes 1940 2(2):37-39. Letras 1959 (10):162-163

Pinto de Almeida. “Um livro muito nocivo”

Revista Filológica 1941 II(2):42-47

Jaime Cortesão. “Prefácio a A santa vida e religiosa conversação de frei Pedro”

Silva Neto. 1947. A santa vida e religiosa conversação de frei Pedro. Porteiro do mosteiro de S. Domingos de Évora. Rio de Janeiro: Dois Mundos, XIII-XXXIII

Ismael de Lima Coutinho. “Prefácio a Bíblia medieval portuguesa”

Silva Neto. 1958. Bíblia medieval portuguesa I. Rio de Janeiro: MEC-INL, 5-9

64

Magne. “Prefácio a Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil”

Silva Neto. 1950. Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil.3-4

Almir da Câmara de Matos Peixoto

1942. Novos Rumos em Filologia: a Imprestabilidade dos Velhos Quadros. Rio de Janeiro: Z. Valverde

Artur de Almeida Torres

1943. Questões filológicas. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores.

Silva Neto. 1956. Textos medievais portugueses Thiers Martins Moreira. “Prefácio a Textos e seus problemas. Rio de Janeiro: MEC- Casa medievais portugueses e seus problemas” de Rui Barbosa, 9 Chaves de Melo & Silva Neto. 1951. Conceito e método da filologia. Rio de Janeiro: Organização Simões, 7-8 Silva Neto. 1956. Introdução ao estudo da Silva Neto. “Prefácio a Introdução ao filologia portuguesa. São Paulo: Companhia estudo da filologia portuguesa” Editora Nacional, 7-8 Silva Neto. “Prefácio a Futuro da língua Agostinho de Campos. 1948. Futuro da língua portuguesa” portuguesa. Rio, 7-23 Sousa da Silveira. 1951. “Prefácio a Conceito e método da filologia”.

Silva Neto. “Prefácio a Dicionário etimológico da língua portuguesa II”

Antenor Nascentes. 1952. Dicionário etimológico da língua portuguesa II (nomes próprios). Rio de Janeiro: Francisco Alves/Acadêmica/Livros de Portugal/São José, vii-viii

Silva Neto. “Prefácio a Orientações da lingüística moderna”

Silvio Elia. 1955. Orientações da lingüística moderna. Rio de Janeiro: Acadêmica, 9-16

Silva Neto. “Prefácio a Gramática normativa da língua portuguesa''

Rocha Lima. 1957. Gramática normativa da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Briguiet & Cia, 5-7

Silva Neto. Rumos filológicos (polêmica)

1942. Rio de Janeiro: sem indicação de casa publicadora.

Depoimento pessoal 1 (Carlos Eduardo Falcão Uchôa)

2 fitas a serem incorporadas ao arquivo do CEDOCH-DL-USP após a defesa da dissertação

Depoimento pessoal 2 (Sílvio Elia)

Fitas 7 e 8. Arquivo do CEDOCH- DL-USP

Depoimento pessoal 3 (Eugênio Coseriu)

Fitas 5 e 6 do Arquivo do CEDOCH-DL-USP

Depoimento pessoal 4 (Aryon Rodrigues)

Fitas 1 a 4 . Arquivo do CEDOCH-DL-USP

Total

30 documentos

65

2.4. Parâmetros de organização e análise dos corpora 2.4.1 Conteúdo programático: categorias para o delineamento das ideias e das práticas de trabalho científico

Considerando o principal objetivo definido no capítulo introdutório em relação aos aspectos cognitivos do paradigma filológico, isto é, o de examinar os elementos que o caracterizariam internamente entre os anos 40 e 60 no Brasil, definimos, a partir de Altman (1995), o seguinte conjunto de parâmetros para a análise do corpus distribuído na Tabela V: a) O tema ou a área principal de que tratam as obras. Como nossa primeira forma de aproximação das obras, com o propósito de delinear as principais áreas de interesse do autor, associamos os textos selecionados como corpus dessa dissertação em grupos-tema. Estes grupos temáticos levaram em conta o(s) principal(is) aspecto(s) focalizados pelo autor em cada trabalho. Assim, por exemplo, a História da língua portuguesa (1970[1957]) contém um longo trecho dedicado à história do latim, mas, como esta é inserida na obra para contextualizar aquela — sua principal ênfase —, o livro entrou no grupo-tema 5, referente à história da nossa língua (v. Tabela VII a seguir). A mesma linha de raciocínio nos levou a inserir as Fontes do latim vulgar. O Appendix Probi (1956a[l938]) entre os textos relativos ao latim vulgar, não obstante a detalhada edição crítica do Appendix que compõe a obra. O mesmo critério foi adotado para as categorias material, recorte, orientação (v. itens b, c e d a seguir), ou seja, apenas foi destacado o que era central na organização dos trabalhos. Em vista disso, os grupos-tema foram:

66

Tabela VII: Distribuição temática da produção linguística publicada de Serafim da Silva Neto (1917-1960)

Grupos-Tema

Textos considerados

Número de páginas

1: História e problemas do latim vulgar

1956a, 1956e, 1977[1957]

522

2: O português arcaico e a questão das edições de textos antigos

1947, 1950, 1956k, 1956l, 1956m, 1956n, 1956o, 1956p, 1956r, 1958, 1960j, 1960l,1960q, 1960r

959

3: Ideias/autores autorizados pelo paradigma (discussão e difusão)

1951,1956f, 1956g, 1956h, 1956i, 1956s, 1960a, 1960b, 1988[1957]

690

4: Variação linguística, 1956b, 1956c, 1956d, 1957a, 1960d, 1960e, língua portuguesa no Brasil 1960h, 1960i, 1960o, 1960r, 1960t, 1963 e Dialetologia 5: História da língua portuguesa

1940, 1941, 1970[1957]

6: Questões vocabulares e/ou 1956j, 1956q, 1960c, 1960f, 1960g, 1960k, etimológicas 1960m, 1960n, 1960p 6 grupos-tema

50 textos

616

698 162 3647 páginas

Dito de outra maneira, organizamos, tal como representa a Tabela VII, os 50 textos que compõem o nosso corpus em seis grupos temáticos (G1, História e problemas do latim vulgar; G2, Português arcaico e edições de textos antigos; G3, Ideias/autores autorizados pelo paradigma, G4, Variação linguística, língua portuguesa no Brasil e Dialetologia; G5, História da língua portuguesa; G6, Questões vocabulares/etimológicas), que cercam os principais campos explorados pela produção acadêmica de Silva Neto. Este quadro discrimina, ainda, o número de páginas dedicadas a cada um dos grupos. b) O objeto material analisado na obra, cujas subcategorias foram teoria (T), quando o texto teve como ênfase a discussão/elaboração de teorias ou aspectos delas, ou língua natural (LN), quando o texto enfatizou o tratamento de dados de língua(s);

67

c) A orientação dada ao trabalho, que pode ser gramatical, se o objetivo do texto for a análise da gramática ou de parte da gramática de uma língua; uso/variação, se for o estudo de uso e/ou variação de formas linguísticas; (meta)teórica, se o trabalho discutir teorias ou aspectos delas; histórica, se realizar um estudo diacrônico de formas de uma língua natural ou reflexões teóricas acerca da história linguística. Incluíram-se sob esta última categoria todos os trabalhos que trataram de história, mesmo que externa, das línguas (como, por exemplo, a Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil (1963)) d) O recorte ou nível de análise privilegiado pela obra, que poder ser fonéticofonológico, morfológico, semântico, sintático ou textual. Em qualquer uma dessas categorias, exceto Tema/área, quando os textos exigiram, foram consideradas as ‘combinações’, isto é, os casos em que mais de uma delas apareciam como ênfases dos trabalhos. Assim, por exemplo, em relação à categoria recorte, algumas obras tiveram suas análises resultando na indicação morfo/fono/lex, já que os três níveis foram igualmente importantes para a análise do fenômeno/reflexão do autor. Contudo, excluídos esses casos especiais, nossa postura foi a procurar destacar o principal foco, desconsiderando, para efeitos de análise, os aspectos secundários do estudo levado a cabo pelo autor. Identificar objeto material, orientação e recorte foi relevante para o delineamento dos modos de trabalho com a linguagem do autor. A análise dos documentos por essas categorias permitiram presumir, como, na prática, as pesquisas linguísticas foram conduzidas. Como tínhamos também a intenção de delinear o nível das ideias, além das categorias acima, foi pertinente analisar o estatuto atribuído pelo autor às disciplinas Filologia e Linguística e, paralelamente, à Dialetologia, Etnografia, Gramática — também inseridas no debate que nos interessa mais de perto. De fato, as relações entre estas disciplinas e suas práticas aparecem, em Silva Neto, relacionadas a questões de cientificidade e acientificidade,

68

de modo que seu estudo nos forneceu alguns indícios de como os filólogos — aqui representados por um ‘exemplar’ — entenderam e formularam o debate entre a sua disciplina e a disciplina concorrente. Complementarmente, outras reflexões importantes para a compreensão das concepções do autor e da atualidade destas no período — como as relativas a ‘língua’, ‘língua portuguesa no Brasil’, ‘crioulos’, ‘dialetos’, ‘história da língua’ — entraram nas fichas de análise como outras reflexões/conceitos. Estes dados nos forneceram as ideias do filólogo sobre o objeto linguagem, completando a caracterização do seu pensamento científico. Os fichamentos, portanto, focalizaram esses aspectos da produção de Serafim da Silva Neto, como exemplifica a ficha-modelo seguinte:

Ficha I: Ficha-modelo do tratamento analítico dado à produção científica de Serafim da Silva Neto (1917-1960) Título: Conceito e método da filologia* Tema: G3 Tipo: I (opúsculo) ed. 1. data: 1951 n. p. 92p local e editora: Rio de Janeiro: Organização Simões material: T recorte: (há exemplificações que incluem desde vocábulos e expressões, até considerações genéricas sobre a evolução da LP no Brasil). orientação: Histórica/metateórica estatutos/conceitos de F: “Por mais nobre que seja a defesa das formas vernáculas, a Filologia é outra coisa. Para ela a língua é uma expressão da cultura e, como tal, a estuda. Interessam-lhe, assim, os falares das sociedades não alfabetizadas tanto quanto a expressão artística dos grandes escritores.”(p. 15) “Como se vê, é bem larga e extensa a seara da Filologia Portuguesa: abarca todos os falares regionais de Portugal, Brasil e Colônias, abrange toda a vasta literatura em língua portuguesa - dos Cancioneiros ao século XX -, compreende todos os vastíssimos problemas culturais e ergológícos relativos ao léxico. Cumpre-nos, ainda, encarar como intimamente relacionadas a história da língua e a história da literatura...”(pp. 16-17) F/L (por Chaves de Melo): “Rigorosamente, há que distinguir entre Lingüística Portuguesa e Filologia Portuguesa. Numa discriminação apurada, teremos de afirmar que o objeto formal da

69

Filologia é estabelecer, explicar e comentar textos, tarefa à primeira vista fácil e pobre, mas que, na verdade, exige larga soma de conhecimentos e grande acuidade mental. A fixação dos textos e sua exegese reclamam conhecimentos lingüísticos, paleográficos, históricos, mitológicos, numismáticos, heráldicos, religiosos, de Poética, e outros mais. Então, propriamente, Filologia Portuguesa seria o estudo largo e profundo dos textos de nossa língua para atingir em cheio a mensagem intelectual ou artística nele contida. Já a Lingüística Portuguesa seria o estudo da língua portuguesa como tal, como produto histórico-social realizado de mil maneiras através do tempo e do espaço, sendo que todas essas mil facetas constituem objeto de interesse igual para o lingüista.” (p.55). Outros conceitos/reflexões [língua e fala]: “A ‘langue’é um sistema, é um fato social exterior ao indivíduo e que se lhe impõe; a ‘parole’ é a educação da ‘langue’ pelo indivíduo: tem, pois, caráter psicológico.”(p.29) [LP no Brasil]: “Sois [Chaves de Melo] também de opinião que o português do Brasil apresenta ‘notável unidade relativa, apreciável uniformidade’... e que o ‘conservadorismo’ é um dos seus caracteres mais frisantes...” (p. 25) * Em co-autoria com Gladstone Chaves de Melo

Reunidos os dados a partir desses critérios e categorias em fichas como a reproduzida na página anterior, contabilizamos os passíveis de análises mais objetivas (tema, material, recorte, orientação) e os consideramos sobretudo quantitativamente, com vistas a identificar as principais opções de Silva Neto na elaboração dos seus trabalhos. A intenção foi a de identificar, numericamente, como o filólogo, na prática, preferiu trabalhar. Com as reflexões, conceitos, o procedimento foi o oposto, isto é, desse material selecionamos tudo o que, qualitativamente, teria dado forma às reflexões do autor; em outros termos, os conceitos centrais na constituição de sua obra, tomada ‘globalmente’; os que foram mais reiteradamente defendidos pelo autor; os que mereceram, mais insistentemente, sua atenção, vindo a ser, assim, no nosso entender, suas principais ‘ideias’. A seleção, neste caso, foi até certo ponto subjetiva — o que talvez tenha acarretado ausências ou excessos — mas não aleatória, já que baseada no exame minucioso das obras e consistente com o quadro de trabalho construído.

70

2.4.2 Informações sócio-relacionais: tratamento dos materiais

Os parâmetros para a análise do segundo tipo de material, mais heterogêneo, foram menos rigidamente fixados do que aqueles estabelecidos para a análise da obra de Silva Neto visando à depreensão dos padrões de trabalho científico com a linguagem no período. Basicamente, a ele aplicamos o princípio da ‘triangulação’ (Murray 1994), que vem a ser o confronto da mesma informação em pelo menos três fontes diferentes, que, não apresentando grandes discrepâncias, autorizam o pesquisador a presumir que a informação seja válida. As informações colhidas por meio deste procedimento foram utilizadas para contextualizações e para informações biográficas que permitissem situar o autor como um dos lideres intelectuais e organizacionais da comunidade científica considerada e aparecem, neste trabalho, sobretudo nos capítulos 3 e 5, como índices comprobatórios dessa condição de Silva Neto neste grupo. Três últimas notas em relação aos procedimentos adotados para a elaboração deste estudo: Em todas as citações de textos do período focalizado atualizamos a ortografia, que, principalmente nos textos da primeira década (1940) ou a ela anteriores, apresentava diferenças consideráveis. Muitas das obras citadas nesta dissertação apresentam, ao lado da data da edição que utilizamos, a data da primeira edição entre colchetes, para facilitar eventuais contextualizações por parte do leitor. Sempre que nos foi possível dispor das informações, fizemos acompanhar a primeira citação de cada antropônimo — quando esta se referia à pessoa e não às suas obras— as datas de nascimento, ou de nascimento e morte. Algumas dessas datas foram reiteradas diversas

71

vezes, para efeitos de fixação, como, por exemplo, em ‘'Serafim Pereira da Silva Neto (19171960)”.

72

CAPÍTULO 3 Cientistas Exemplares

“Todo investigador, por mais original que seja a sua obra, está preso ao seu tempo e às idéias em voga na época de sua formação universitária. Os eruditos, mais ainda que os artistas, estão indissoluvelmente ligados aos mestres, cujos métodos por vezes renovam, mas cujas idéias absorvem, desenvolvem ou submetem a uma crítica rigorosa e fecunda. Enfim, é certo que todo estudioso está muito dependente das doutrinas que aprendeu na sua mocidade.” (Silva Neto 1960a:19)

73

Cientistas Exemplares As concepções sobre o objeto linguagem, sobre as disciplinas por ele responsáveis, bem como sobre as formas de condução do trabalho científico com esse objeto que tomamos como representativas do conceber e do fazer ciência da linguagem ‘legítimos’ no período compreendido entre as décadas de 1940 e 1960, já faziam, nesta época, parte de uma tradição luso-brasileira de estudos filológico-diatelógicos. Essa tradição, em nosso país, desenvolvia-se, até os inícios dos anos 40, fora dos domínios universitários, guiada por interesses espontâneos de estudiosos no sentido de tratar as questões da língua. Para esta condição inicial, era decisiva a inexistência de cursos superiores de Letras, que sinalizava, por um lado, um não reconhecimento oficial da especificidade dos problemas com que lidavam tais estudiosos e, por outro, a constituição mais ou menos aleatória, posto que fruto de autodidatismo, de sua competência para lidar com tais problemas. Os laços de articulação de grupo entre os estudiosos da linguagem dos anos 20 e 30 deste século no Brasil apresentavam-se apenas tenuamente configurados, de tal forma que parece ter cabido à geração do autor o papel de transformadora desse conjunto de estudiosos autodidatas em um ‘grupo’ (Murray 1994) profissionalizado de cientistas da linguagem: a geração de Silva Neto, cujos representantes, assim como os predecessores, não provieram de cursos de Letras, começou a produzir conhecimento ao mesmo tempo em que surgiam, com as Faculdades de Filosofia, as primeiras oportunidades de atuação em Universidades — “os púlpitos onde precisamente se devem debater os grandes temas da Ciência e os centros onde se deve fomentar a pesquisa” (Silva Neto 1956s:7-8) — e, associando-se à anterior, trabalhou muito claramente no sentido de definir sua especialidade, seja através de produções intelectuais na área, seja pela criação de associações específicas da classe (como a Academia

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Brasileira de Filologia ou os centros de filologia e dialetologia em universidades e outras instituições). Neste capítulo pretendemos, a partir de um conjunto de traços referentes às condições/preferências de formação, atuação profissional e produção, esboçar os desenvolvimentos dessa tradição filológico-dialetológica no Brasil, partindo dos filólogos que, nas décadas anteriores à de fundação das Faculdades de Filosofia, desenvolveram trabalhos em nosso campo de estudos, contribuindo diretamente para a formação da geração de filólogos dos anos 40 no Brasil (seção 1, A Geração de 20), passando pelo próprio grupo de Silva Neto, que desenvolveria maior consciência de sua posição e tarefas no contexto dos estudos sobre a linguagem no país e definiria, mais claramente, seus ‘pares’ científicos (seção 2, Os filólogos de 40), para, finalmente, em face dessas duas primeiras caracterizações, delinearmos o perfil acadêmico ‘exemplar’ de Silva Neto, procurando pôr em relevo traços pessoais e profissionais que o teriam alçado à condição de liderança intelectual e organizacional neste contexto (seção 3, Um percurso de sucesso).

3.1 A Geração de 20 3.1.1 Representantes

É possível recuperar parte do contexto que precede a geração de Silva Neto a partir do rastreamento das condições/opções de atuação de certos estudiosos, posteriormente tomados como “mestres”, que, nas primeiras décadas deste século, trabalhando isoladamente, acabaram por lançar bases para a constituição de uma tradição de trabalho com a linguagem no Brasil.

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Estudiosos como João Batista Ribeiro de Andrade Fernandes (1860-1934); Manuel Said Ali Ida (1861-1953); Amadeu Amaral (1875-1929); Otoniel Mota (1878-1951); José Rodrigues Leite de Oiticica (1882-1957); Álvaro Ferdinando de Sousa da Silveira (18831967); Antenor Veras Nascentes (1886-1966); Augusto Magne S.J. (1887-1966); Ismael de Lima Coutinho (?-1965), Clóvis do Rego Monteiro (1898-?)6, ainda que individualmente, contribuíram — seja com a inauguração/desenvolvimento de linhas de pesquisa no país, seja com o fato concreto de terem sido, em alguns casos, professores dos representantes da geração seguinte — para a articulação posterior de um grupo (do qual alguns deles ainda participariam ativamente, por décadas) que, tomando-os como “mestres” ou referenciais no ofício de tratar a linguagem, nos parece ter consolidado, profissionalmente, a atividade. Em outras palavras, já nos anos 20, eram lançadas, por estes estudiosos que isoladamente empreendiam trabalhos científicos com a linguagem, bases para a configuração do grupo que, nas décadas posteriores, conferiria ares profissionais à tarefa de tratar das línguas, principalmente a portuguesa, em todas as suas facetas internas, bem como em suas interfaces com outros elementos culturais.

3.1.2 Formação

Parece existir algum consenso entre as crônicas sobre a produção linguística brasileira em tomo da caracterização desses estudiosos da linguagem pré-Faculdades de Filosofia como

6

A rigor, cronologicamente, esses autores poderiam compor duas ou até três gerações. O fato de tomá- los como uma única liga-se ao de terem sido referências diretas da geração seguinte, a de Silva Neto, que mais de perto nos interessa. Parece ser uma característica da ciência no século XX, a velocidade com que surgem novas gerações, sem que as anteriores se afastem dos processos de condução da ciência e da vida académica. Em vista disso é que, por exemplo, um estudioso como Said Ali, nascido em 1861, continua a ter um papel relevante no contexto científico-acadêmico dos estudos da linguagem no Brasil quando outros, como Sousa da Silveira (22 anos mais jovem), obtêm grande prestígio. O mesmo pode ser dito em relação aos anos 40, em que esses dois grupos-gerações e mais o de Silva Neto encontram-se atuantes no mesmo contexto, não obstante os 56 anos a separar, por exemplo, Silva Neto e Chaves de Melo de Ali, ou os 34 a separá-los de Silveira.

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essencialmente autodidatas7. Inexistindo cursos superiores de Letras no Brasil, de fato, restava àqueles que, sem sair do seu país, pretendessem se dedicar às questões linguísticas, construir por si próprios sua competência científica nesta área. Por conta disso, nossos primeiros gramáticos-filólogos-linguistas provieram, quando os realizaram, de cursos superiores como os de Direito (ou “Ciências Jurídicas e Sociais”), Medicina e mesmo Engenharia — já existentes desde o século XIX. Foi somente naquele século que, com a fuga de Dom João VI para o Brasil (1808), foram criados os primeiros cursos superiores. Cronologicamente, (cf. Fávero 1977:19-30; Santos 1997:19-59), tivemos no século passado o surgimento dos seguintes cursos e escolas oficiais: 1808 — Academia Real Militar, Curso de Cirurgia e Curso de Economia, na Bahia, e Curso de Cirurgia e Anatomia no Rio de Janeiro; 1809 — foram acrescentados Cursos de Medicina aos Cursos de Cirurgia da Bahia e do Rio, e criado o de Matemática Superior em Pernambuco; 1810 — Academia Real Militar, que formaria, além de oficiais, engenheiros civis e militares; 1812 — Curso de Arquitetura na Bahia; 1814 — Agricultura, no Rio de Janeiro; 1816 — Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios, transformada, em 1820, na Real Academia de Pintura, Escultura e Arquitetura Civil; 1817 — Química na Bahia, Desenho e História, Retórica e Filosofia em Minas Gerais; 1827 — Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de São Paulo (a partir de 1854, Faculdade de Direito de São Paulo); Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda (a partir de 1854, transferido para Recife como Faculdade de Direito de Recife); 1832 — os Cursos de Medicina e Farmácia (recém criado) do Rio agrupam-se na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, o mesmo acontecendo com os da Bahia, que passam a se concentrar na Faculdade de Medicina daquele Estado; 1874 — Escola politécnica do Rio de Janeiro (originada na Academia Militar (1810), transformada em Escola Militar (1842), Escola Central (1858) e, finalmente, Escola 7

Ver, entre outros, Nascentes 1939; Elia 1975[1967?]; Mattoso Câmara 1972; Coscriu 1972; Naro 1972; Altman 1995; França 1998a.

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Politécnica); 1875 — Escola de Minas de Ouro Preto (MG); 1893 — Escola Politécnica de São Paulo. Em vista das possibilidades de formação superior oferecidas, que pouco foram alteradas ou expandidas durante o início deste século, não deve causar estranhamento o fato, por exemplo, de João Ribeiro ter cursado alguns anos de Medicina e ter se formado em Direito; de Sousa da Silveira ter sido um engenheiro, e Antenor Nascentes e Clóvis Monteiro, advogados. A formação, diversificada, do ‘homem de Letras’ não estava nem mesmo restrita aos cursos superiores da área de ‘humanidades’ — aqui entendida em seu sentido lato, incluindo, por exemplo, a formação em Direito ou Artes, mais distanciadas das de caráter ‘natural’ e ‘exato’ — o que pode sinalizar tanto a inexistência de um conjunto definido de habilidades para se efetuar o trabalho de tratar a linguagem, estando, portanto, todo o indivíduo ‘culto’, a princípio, apto a efetuá-lo, quanto a existência de um ensino superior que, mesmo quando dirigido a áreas mais técnicas, como a de Engenharia, teria uma acentuada característica ‘filosófica’ ou humanista, favorecendo a manifestação de tais vocações. Parece-nos que as duas hipóteses, somadas a inclinações pessoais, sejam importantes subsídios para entender a constituição da competência para o estudo linguístico no período pré-Faculdades de Filosofia, ao que tudo indica, marcado por uma despreocupação oficial com o desenvolvimento das ‘ciências desinteressadas’ e com o seu ensino. Os interesses, de fato, pareciam ser mais utilitários, pragmáticos, atrelados a necessidades mais práticas:

...o primeiro curso federal de Letras é de 1940 [sic] e foi fundado com a Faculdade Nacional de Filosofia, nem era de Letras. Aí é que começou a formação de professores de um modo geral, porque até então era a formação de médicos, advogados; não havia cursos para professores [...]. (Elia, em depoimento pessoal inédito)

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Ao lado dessas possibilidades de formação, havia ainda, como sempre houve, a oferecida por instituições religiosas: Otoniel Mota, por exemplo, além de ter frequentado a Faculdade de Direito de São Paulo, concluiu o curso de Teologia oferecido pela Igreja Presbiteriana deste Estado (1900), recebendo ordens sacras no ano seguinte (cf. Silveira Bueno 1951)8. A formação em Letras só passaria a ser oferecida em meados da década de 30, com a fundação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (1934) e da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Distrito Federal (1935). Assim, sobretudo nos períodos mais afastados dos anos 30, os estudiosos da linguagem destacavamse em função de esforços individuais, formando-se e atualizando-se por conta própria em nossa área de estudos. Existiram alguns paliativos para esta situação. No Rio de Janeiro, por exemplo, o Colégio Pedro II, modelo de instituição de ensino no país e de onde sairiam alguns nomes representativos da história da nossa disciplina, terminado o tempo exigido para a formação secundária regular de seus alunos (ou seja, 5 anos), fornecia, aos que lá permanecessem por mais um ano, um curso que hoje chamaríamos de “técnico” em Letras, que os tomava ‘bacharéis’ nesta área (Ranauro 1997). A este, normalmente, seguia-se um dos cursos de terceiro grau existentes, como o de Direito ou o de Medicina, dada a ausência do de Letras. Silveira Bueno (1951) dá, ainda, notícia de uma Faculdade Paulista de Letras, que funcionou nesta capital entre 1931 e 1934 e na qual Otoniel Mota teria atuado como professor de língua e literatura gregas. Era, no entanto, uma instituição livre de ensino — uma faculdade oficial só surgiria em 1934. É possível que também em outros Estados hajam existido faculdades como a Paulista, contudo, nosso levantamento, até o momento, não nos permite afirmá-lo. 8

Augusto Magne,francês, era padre jesuíta, mas formou-se na Itália, vindo para o Brasil posteriormente (cf. Elia 1975).

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3.1.3 Atuação profissional

Porque não existiam cursos de terceiro grau em Letras, aqueles que atuaram como professores o fizeram em instituições de ensino médio. Os colégios e as chamadas “Escolas Normais”, que formavam os professores do curso primário, sobretudo da rede oficial, tinham suas cadeiras de português, de latim, literatura, disputadas em rigorosos concursos para os quais frequentemente se exigiam teses, além da realização de provas. Portanto, lecionar em uma dessas instituições e, ainda mais, ser o catedrático de uma disciplina, significava reconhecimento ao saber constituído. Nas décadas de 20 e 30, assim, eram os Colégios e as Escolas Normais que faziam as vezes das nossas atuais Faculdades e entre eles destacava-se o já tradicionalíssimo Colégio Pedro II, na Capital da República:

Até aí [a fundação das Faculdades de Filosofia], os melhores professores de Letras do Rio de Janeiro, e naquela ocasião se pode dizer do Brasil, estavam no Colégio Pedro II. (Elia, em depoimento pessoal)

Praticamente todos os filólogos dessa Geração de 20, bem como os da seguinte, participariam de concursos e lecionariam no que hoje chamamos de cursos de segundo grau. Até onde investigamos, Said Ali teria lecionado no Colégio Militar; Otoniel Mota, no Ginásio Estadual de Campinas e no de Ribeirão Preto; Lima Coutinho e Sousa da Silveira, na Escola Normal do Distrito Federal; Said Ali (História do Brasil), João Ribeiro (História Geral), Nascentes, Oiticica e Monteiro, no Pedro II. Em alguns casos, a essa atividade docente somavam-se outras de prestígio equivalente, como a manutenção de colunas gramaticais ou de vulgarização de questões filológicolinguísticas em jornais. Said Ali, que colaborou em vários números do Jornal do Comércio,

80

assim como Otoniel Mota em O Estado de S. Paulo e Folha da Manhã, ou ainda João Ribeiro em Correio da Manhã e Jornal do Brasil, exemplificam esse tipo de atuação. A propósito, folheando jornais de grande circulação durante a primeira metade deste século no Brasil, fica-se com a impressão de que as questões filológicas e mesmo gramaticais despertavam maior interesse do público em geral do que atualmente. O jornal A Manhã, por exemplo, mantinha um caderno semanal dedicado aos problemas da língua, da literatura e de áreas afins, o “Letras e Artes”. Este mesmo periódico, inclusive, deu lugar à polémica, espalhada também pelos diários A Noite e Jornal do Comércio, e pela Rádio Nacional, estabelecida entre Silva Neto e Sá Nunes, em torno da questão ortográfica em 1948. Isso sugere que as questões sobre a língua eram uma preocupação do homem culto ‘comum’ e, mais do que isso, que os problemas e a metalinguagem utilizada para abordá-los, dado o menor grau de especialização da(s) disciplina(s) neste momento, eram mais acessíveis a este homem —- o que não ocorre atualmente, não apenas quando levamos em conta esse ‘homem culto comum’, como também quando consideramos grupos diferentes de estudiosos da linguagem: o grau de especialização é tão alto que por vezes se toma impraticável, por exemplo, a um sociolinguista ler e compreender a metalinguagem de um gerativista e viceversa, ficando, na maior parte das vezes, os problemas e os códigos restritos aos ‘iniciados’, que escrevem para seus pares. Veja, na página seguinte, reproduções, a título de ilustração, de algumas das reportagens publicadas no “Letras e Artes” em 1948. Esses filólogos autodidatas dos anos 20 foram, sem dúvida, autoridades linguísticas do período, condição reiterada pelas atividades citadas acima, assim como, por exemplo, por episódios como convocações para fazerem parte de comissões oficiais de ortografia9, como

9

A questão ortográfica foi um tema relevante para os estudiosos da época, que debatiam a pertinência de simplificá-la, assim como a de uniformizá-la ou não em relação a Portugal (discussão que persiste). Até meados dos anos 40, é possível encontrar variações ortográficas expressivas entre textos e autores diferentes. O tema ‘reforma’, em vista disso, acendia grandes polêmicas e motivava alguns filólogos a publicar manuais

81

foi o caso de Magne, Nascentes e Sousa da Silveira em 1936 (cf. Chaves de Melo 1940:37), ou para ocuparem cargos políticos, como Ismael de Lima Coutinho, que em 1946 assumiu o cargo de Secretário da Educação do Rio de Janeiro (Boletim de Filologia 1946(IV):249, ‘‘Noticiário”), função também exercida por Clóvis Monteiro. A conquista desse status de especialista não era feita a partir de instrução superior específica; construía-se a partir da atividade direta de um erudito com a língua e seus problemas.

dirigidos à população em geral, mergulhada na confusão ortográfica, como A ortografia simplificada ao alcance de todos (1940), de Antenor Nascentes.

82

83

3.1.4 Linhas de trabalho filológico

Entre as principais linhas de trabalho desenvolvidas por estes filólogos autodidatas, a Geração de 20, contam-se a edição de textos antigos (Said Ali, Sousa da Silveira, Magne, por exemplo); a gramática (histórica ou normativa) da língua ou de partes dela (João Ribeiro; Said Ali;

Otoniel

Mota;

Oiticica;

Lima

Coutinho;

Monteiro,

Sousa

da

Silveira);

dialetologia/estudos da variação brasileira do português (João Ribeiro; Amaral; Nascentes; Monteiro); etimologia, lexicografia/terminografia (João Ribeiro; Nascentes; Magne); estilística (Said Ali; Souza de Silveira; Oiticica); crítica/história da literatura (João Ribeiro; Monteiro). Embora autodidata, essa geração de 20 não desconhecia tendências internacionais em voga à época. O conhecimento, mesmo que não uniforme, existia: alguns estudiosos, por iniciativa própria, entraram, desde muito cedo, em contato com trabalhos de ‘mestres’ europeus, sintonizando-se com estudos científicos contemporâneos realizados no exterior. Um exemplo já bastante tradicional disso é o fato de Said Ali, já em 1919, data de publicação da 2. edição de suas Dificuldades da língua portuguesa, ter feito menção ao Curso de lingüística geral (1916), de Ferdinand Saussure (v. Elia 1975:130-131). Entre

as

mais

constantes

referências

estrangeiras

desse

grupo-geração

estiveram autores portugueses, franceses, italianos e alemães. Alemanha, França e Itália eram grandes centros dos quais se irradiavam as principais tendências em Filologia a esta época. Portugal, por sua vez, além de uma fonte em si, constituía também um elo entre o que se produzia em outros países europeus, sobretudo na Alemanha, e os estudiosos brasileiros. Acima de tudo isso, tinha uma tradição bastante sólida (e natural) na

84

área

de

maior

interesse

para

os

estudiosos

brasileiros:

a

língua

portuguesa. Interesse que, aliás, parece manter-se até os nossos dias.10 Em função disso, tanto essa Geração de 20 quanto a Geração de 40 de filólogos brasileiros, de uma forma geral, procuram manter-se em constante interação intelectual e também sócio-relacional com os lusitanos, tomados como modelos. Entre os autores da tradição portuguesa de maior aceitação — tanto pela geração de 20 quanto pela posterior — e usados para abalizamento de opiniões em discussões sobre a língua portuguesa, estiveram Francisco Adolfo Coelho (1847-1919), Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1926, nascida na Alemanha) e José Leite de Vasconcelos (1858-1941). Talvez essa recorrência se devesse ao fato de terem sido dos mais versáteis filólogos de Portugal. Adolfo Coelho, por exemplo, considerado o primeiro filólogo ‘moderno’ daquele país, atuou em áreas diversas, que se estenderam de questões teóricas (filológicas ou glotológicas) até estudos sobre história da língua, passando pelo português do Brasil, por estudos dialetológicos; pela lexicografia/etimologia, e pelos estudos/formulações de teorias sobre crioulos11. Leite de Vasconcelos12, por sua vez, foi dialetólogo, filólogo-linguista geral, filólogogramático da língua portuguesa, etimologista e, apesar de tê-lo feito apenas em textos avulsos,

10

Veja, por exemplo, os resultados da pesquisa de Altman et al. 1995, que confirmam esta tendência entre aqueles que apresentaram comunicações de pesquisa nos Seminários do Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo (GEL): no período de 1978(74) a 1992, os estudos que focalizaram a língua portuguesa corresponderam a 83,1% do total de trabalhos que trataram de línguas naturais. 11 Publicou, entre outros, A língua portuguesa: noções de glotologia geral e especial portuguesa (1868), Teoria da conjugação (1871), Questões da língua portuguesa (1874), Dicionário etimológico (1895), Os ciganos em Portugal (1892). (cf. Silva Neto 1988[1957]) 12 Publicou, entre outros, Estudos de filologia mirandesa (1900), Esquisse d’une dialectologie portugaise (1901), Lições de filologia (1911), Antroponímia portuguesa (1928). (cf. Silva Neto 1988[1957])

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historiador da língua. Dona Carolina Michaëlis dedicou-se principalmente aos problemas da literatura medieval/edição de textos, a estudos sobre Camões e Gil Vicente e à etimologia13. Em função dessa amplitude de interesses e de realizações científicas, funcionaram como referências básicas, praticamente obrigatórias, nas áreas de estudo, filológico ou dialetológicos, em que produziram os representantes dessa geração14.

3.1.5 Inícios da profissionalização: a criação das primeiras Faculdades de Filosofia na década de 30

Em 1920 foi criada a primeira universidade brasileira, a Universidade do Rio de Janeiro, resultante da junção, apenas no nível burocrático, de faculdades já existentes na Capital, a saber, a Faculdade de Medicina, a de Direito e a Escola Politécnica. Esta existência apenas burocrática se confirma, entre outros fatores, pelo motivo de sua criação: possibilitar a concessão do título de Doclor Honor is Causa ao rei da Bélgica, Alberto I, que visitava o país naquela ocasião (sem uma universidade, isso não seria possível). A Universidade do Rio de Janeiro teria, assim, existido “apenas no papel” (cf. Fávero 1977; Ranieri 1991, Witter 1984). Em 1937, como resultado de intensas reformulações no projeto que criara esta universidade do Rio de Janeiro, fundou-se a Universidade do Brasil, que, por sua vez, passou a se chamar Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1963 (Fávero 1977).

13

Teve publicados, entre outros, Fonética e notas gramaticais a respeito da redação espanhola da lenda de Crescência (1867), Poesias de Francisco de Sá de Miranda (1885), edição de Os Lusíadas (1908), Cancioneiro da Ajuda (1904) , A infanta dona Maria de Portugal (1921), Estudos camonianos I (1922) e II (1924), Notas vicentinas (1922), Der portugiesiste Infinitiv (1891), Romances velhos em Portugal (1936), Lições de filologia portuguesa (1946). (cf. Silva Neto 1988f 1957]). 14 Também com notável prestígio, aproximadamente do mesmo período, podem-se citar os portugueses Aniceto dos Reis Gonçalves Viana (1840-1914); Augusto Epifânio da Silva Dias (1841-1916); José Joaquim Nunes (1859-1932); Antônio Augusto Cortesão (1854-1927). Para um estudo biobibliográfico detalhado, v. Silva Neto (1988[1957]: “História”).

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Nos inícios dos anos 30, portanto, ainda inexistiam as chamadas Faculdades de Filosofia oficiais e, por conseguinte, também os cursos de Letras. Esta situação apenas foi alterada em 1934, quando, juntamente com a Universidade de São Paulo, foi fundada a sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. No ano seguinte, por iniciativa de Anísio Spínola Teixeira (1900-1971), organizou-se a Universidade do Distrito Federal, que fundia uma Faculdade de Filosofia e Letras, uma de Educação, uma de Ciências, outra de Economia e um Instituto de Artes. Esta Universidade, devido ao seu caráter julgado progressista em excesso para o período (v. Fávero 1977) e ao choque inevitável deste caráter com a política repressora de Getúlio Dorneles Vargas (1883-1954) durante o Estado Novo, manteve-se apenas até 1938, quando foi dissolvida. Já em 1937, o Governo Federal havia criado a Universidade do Brasil, que incluía a Faculdade Nacional de Filosofia. Desse modo, no segundo semestre de 1939, quando se iniciaram as atividades nesta Faculdade, professores e alunos da Faculdade de Filosofia e Letras, bem como os da de Educação da Universidade do Distrito Federal transferiram-se para o novo espaço acadêmico, que, para os governantes, deveria ser tomado como modelo (Fávero id. ibid.; Ranieri 1991). Dos estudiosos de que tratamos nesta seção, atuou na Universidade de São Paulo, Otoniel Mota; na Universidade do Distrito Federal, Sousa da Silveira; na Universidade do Brasil, Sousa da Silveira e Augusto Magne. Em período posterior, Coutinho atuaria na Faculdade Fluminense de Filosofia; Nascentes, na Universidade do Estado da Guanabara, e Monteiro nas Universidade Católicas do Rio de Janeiro e do Estado da Guanabara (cf. Elia 1975). Começava a ser institucionalizada a profissão de professor-cientista da área de Letras no Brasil e os atores designados para detonar este processo no campo compreendido pelos estudos filológicos foram os autodidatas dos 20, aos quais se juntariam professores

87

estrangeiros, como o francês Georges Millardet (1876-1953), na Universidade do Distrito Federal, e Francisco da Luz Rebelo Gonçalves (1907-?), na Universidade de São Paulo, e ainda alguns dos jovens representantes da geração seguinte.

3.2 A Geração se 40 3.2.1 Representantes

Identificando a Geração de 20 como uma geração de



mestres”, uma nova

geração de estudiosos da linguagem começou a produzir ciência entre os finais da década de 30 e os inícios da de 40. Entre os representantes dessa geração, que chamaremos Geração de 40, estiveram estudiosos como Joaquim Mattoso Câmara Júnior

(1904-1970);

Ernesto

de

Faria

Júnior

(1906-1962);

Teodoro

Henrique

Maurer Júnior (1906-1979); Rosário Farani Mansur Guérios (1907-1987); Francisco da Silveira Bueno (1898-1989); Celso Ferreira da Cunha (1917-1989); Serafim Pereira da Silva Neto (1917-1960); Sílvio Edmundo Elia (n.1913); e Gladstone Chaves de Melo (n.1917). Esta nova geração pôde contar, apenas parcialmente, com as Faculdades de Filosofia: embora tais estudiosos ainda tivessem formação superior nos cursos existentes antes da criação dessas Faculdades, já que chegariam à idade de frequentálos ou nos últimos anos da década de 20 ou nos primeiros anos da década de 30, lecionariam nesses estabelecimentos de ensino. Dessa forma, se os cursos oferecidos pelas Faculdades ainda não serviriam para que se bacharelassem em Letras, constituiriam espaços novos para a atuação profissional e possibilitariam uma especialização posterior, que em muitos casos resultaria em doutoramentos em Letras. Com efeito,

88

A fundação das Faculdades de Filosofia proporcionou o aproveitamento de vocações para o ensino superior, as quais, sem essas escolas superiores, ficariam limitadas e como que estagnadas no ensino secundário. De fato, o ensinar numa Faculdade impõe ao professor a obrigação de aperfeiçoar-se continuamente, adquirindo livros, pondo-se a par do que se faz nos grandes centros universitários da Europa e dos Estados Unidos, alargando, enfim, o âmbito de seus interesses intelectuais. (Silva Neto in prefácio a Elia 1955:9)

O grau de especialização na área de Letras, portanto, tendeu a aumentar. Sílvio Elia (1975), em função disso, definiu sua geração como ‘"transitória” nos estudos da linguagem no país: quase toda ela lecionou em cursos de Letras, sem têlos cursado. A criação das Faculdades de Filosofia teria, de fato, alcançado essa geração quando ela já lidava com o ensino no nível secundário. No Rio de Janeiro, por exemplo: Eles criaram a Faculdade de Filosofia, [...] não tinham professores, os professores já estavam todos trabalhando, ou no Pedro II, ou... eles tiraram os professores do curso secundário, do Instituto de Educação, ou do Colégio Militar, que eram os principais estabelecimentos [...] (Elia, em depoimento pessoal inédito)

A Geração de 40, portanto, ainda não estaria totalmente isenta do autodidatismo, localizado tanto na formação quanto nos primeiros passos dados no exercício do magistério no nível superior. Mas encontraria um contexto mais favorável à especialização e ao aperfeiçoamento, sistemático e oficial, na área.

3.2.2 Formação

As formações de origem dos representantes desta geração foram tão diversificadas quanto as da geração anterior. Entre os cursos procurados pelos filólogos de 40 estiveram o de Direito, cursado por Silva Neto, Sílvio Elia, Mattoso Câmara (cf. Guérios 1970), e Celso

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Cunha, por exemplo; Teologia, cursado por Silveira Bueno. Houve ainda formações mais técnicas, como a de Mattoso Câmara em Arquitetura. Ao que tudo indica, além de Mattoso, desta geração, e Sousa da Silveira (engenheiro), da anterior, poucos outros filólogos teriam formação superior básica em cursos mais afastados da área de humanidades. Cursos como o de Direito, e mesmo de Teologia, embora não tenham sido exclusividade (v. seção 3.1.2), foram mais procurados pelos filólogos que se bacharelaram anteriormente à fundação das Faculdades de Filosofia, talvez por que, manifestada uma propensão para os estudos linguísticos, estas fossem algumas das melhores alternativas para deles se aproximar, dadas as exigências de trato contínuo e de manipulação da linguagem nas duas carreiras. Ainda que não fossem seguidas, a própria formação nessas áreas pressupunha, como ainda hoje parecem pressupor, um bom domínio de conteúdos humanísticos e linguísticos. Interferindo mais diretamente, contudo, havia razões práticas, muito mais palpáveis:

Eu fiz um curso superior. Mas [...] não havia Faculdades de Letras, isso só foi criado em 1940 [sic]. Então eu fiz um curso de Direito e terminei em 1936. (Elia, em depoimento pessoal inédito)

A situação em relação à formação, portanto, ainda para esta geração não se alterara, ao contrário da situação profissional, que, mesmo que parcialmente, começava a se modificar.

3.2.3 A atuação profissional

Os representantes desta geração ainda encontraram nos estabelecimentos de ensino secundário um espaço privilegiado para a atuação profissional. Desse modo, seguindo os passos da geração anterior, lecionaram nesses estabelecimentos, entre os quais, os públicos continuavam a deter maior status.

90

Temos informações exatas a respeito de estabelecimentos específicos em que trabalharam Ernesto Faria (Pedro II); Silva Neto (Liceu Nilo Pessanha (Niterói) e Instituto de Educação de Campos); Celso Cunha (Pedro II) e Sílvio Elia (Instituto de Educação do Distrito Federal e Pedro II), embora, nas crônicas que se referem à biografia de praticamente todos os autores citados como representantes desta geração haja referências à atuação no segundo grau. Este, portanto, era ainda um importante campo de atuação profissional:

...Naturalmente, então, eu fiz concurso para escolas secundárias, porque não havia faculdades no Distrito Federal. E foi de língua portuguesa que eu fiz. Foi aí que eu comecei a minha carreira no magistério, como professor de ensino secundário de escolas da antiga Prefeitura do Distrito Federal do Rio de Janeiro. (Elia, em depoimento pessoal inédito)

Vinculadados ao ensino secundário, os filólogos de 40, ao mesmo tempo, iniciavam suas atividades nas Faculdades de Filosofia, alguns como assistentes, outros como responsáveis por cadeiras. Ernesto Faria, por exemplo, foi, a partir de 1946 (cf. Boletim de Filologia 1946(III):135), o responsável pela cadeira de Língua e Literatura Latinas na Faculdade Nacional de Filosofia. Silva Neto, por sua vez, assim como Sílvio Elia, comporia, a partir de 1943, o corpo de professores-fundadores da Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde lecionou Filologia Românica. Mais tarde, a partir de 1957, ocuparia ainda a catedra de Filologia Românica na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil. Elia, além da cátedra de Didática do Latim na Universidade Católica, foi o assistente, já a partir de 1940, de Sousa da Silveira em Língua Portuguesa na Faculdade Nacional, sendo sucedido por Chaves de Melo e Celso Cunha. Este último, a partir de 1956, assumiria a cátedra, substituindo a Sousa da Silveira.

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Maurer, a partir de 1947, sucedendo ao Rebelo Gonçalves, foi catedrático de Filologia Românica na Universidade de São Paulo, enquanto Silveira Bueno, a partir de 1939, ocuparia a cátedra de Filologia Portuguesa na mesma universidade, sucedendo a Otoniel Mota. As perspectivas de atuação profissional expandiam-se e tenderiam, com o tempo, a restringir-se apenas ao ensino superior, mais estreitamente vinculado às atividades científicas. Na mesma medida, começavam a se diversificar as linhas de pesquisa e a procedência dos autores tomados como referenciais.

3.2.4 Linhas de pesquisa

A Geração de 40 trabalhou em algumas das áreas em que a geração anterior trabalhara. Afinal, esta teria exercido influência direta sobre os novos filólogos. Deste modo, fizeram parte dos temas tratados pela geração de Silva Neto, a edição de textos (Cunha, Silva Neto), os estudos sobre a língua portuguesa no Brasil (Chaves de Melo, Elia, Silva Neto), os estudos dialetológicos (Silva Neto, Celso Cunha), a lexicografia (Faria), a lexicografia científica (Mattoso Câmara), os estudos sobre o latim (Faria, Elia, Maurer, Silva Neto), sobre Filologia românica (Maurer, Silva Neto). Nestas linhas, há importantes contribuições teóricas e metodológicas, como, por exemplo, no caso da dialetologia, com a incorporação do método geográfico. A maior novidade a ser introduzida por esta geração, contudo, coube a Mattoso Câmara Jr., com o seu manual (1941) de linguística sincrônica estruturalista. Seria esta a primeira tentativa no sentido de somar à Filologia, à Dialetologia, que “naturalmente” fariam parte dos currículos dos cursos superiores de Letras, uma outra disciplina que lhes conferiria a “boa orientação necessária às investigações” (Boletim de Filologia 1946 (I): “Apresentação” (não assinada)).

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A posição da disciplina e de seu introdutor no contexto acadêmico-institucional em que surgiram seria, no entanto, ‘periférica’: embora participasse das agremiações, contribuísse constantemente nos periódicos filológicos, e atuasse também como um dos ‘organizadores’ do grupo, Mattoso Câmara, que lecionaria na Universidade do Distrito Federal (1938), na Universidade Católica de Petrópolis e na Faculdade Nacional de Filosofia (a partir de 1950), não conquistaria, nem para si, nem para a sua disciplina uma cátedra nas universidades oficiais: a Linguística permaneceria como disciplina optativa na Faculdade Nacional e o linguista, pleiteando a cátedra de Língua Portuguesa nesta mesma faculdade, seria preterido, em favor de Celso Cunha:

Sua [de Mattoso Câmara] Linguística não estava institucionalizada e ele ficava fora do grupo. Também não tinha uma cadeira na Universidade. Ele tinha assim uns cursos. (Coseriu, em depoimento pessoal inédito)

Se a Linguística de fato foi encarada pelo grupo carioca como uma disciplina que se somava à Filologia, auxiliando-a (v. capítulo 4), provavelmente questões pessoais, mais do que as acadêmicas e mesmo científicas, determinaram esse quadro, que dá conta de que a Linguística não encontrou, institucionalmente, o mesmo destaque conferido aos estudos filológicos, à época ‘centrais’ no contexto dos estudos da linguagem no país. Ainda em relação às linhas e modos de trabalho com a linguagem característicos da Geração de 40 de estudiosos da linguagem no Brasil, destaca-se a execução de manuais introdutórios às ciências da linguagem, destinados aos estudos de nível superior: nos anos 40 e, principalmente, 50, foi elaborada uma quantidade considerável de manuais introdutórios à Linguística (Mattoso (1941); Elia (1955)); à Filologia (Silveira Bueno (1946); Chaves de Melo (1951); Silva Neto (1956s, 1988[1957]); Cunha (1954)), à Dialetologia (Silva Neto (1957)).

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Esta geração, portanto, acrescentou uma tentativa de sistematizar, ainda que com fins didáticos ou de divulgação, a história, as teorias, os métodos das disciplinas linguísticas, ou seja, às produções que visavam à divulgação dos ‘produtos' do fazer ciência, ou dos modos de se utilizar o idioma, procurou acrescentar produções que orientassem, teórica e metodologicamente, o caminho a ser percorrido para se chegar a tais ‘produtos’. Parecia ser aquele um momento de definir e explicitar as próprias práticas e convicções, o que pode, em um nível mais geral, isto é, do contexto acadêmico- científico brasileiro, sinalizar um amadurecimento da especialidade ‘cientista da linguagem’, que passava a ser percebida como tal e levava os ‘especialistas’ a separarem-se mais claramente de outros — também claramente percebidos como diferentes — delimitando o seu campo específico. Em um nível mais particular, interno ao próprio campo das ciências da linguagem, poderia sinalizar uma necessidade de estabelecer os primeiros limites entre ‘especialidades’ que começavam a se diferenciar e que não estariam, para os próprios estudiosos, tão claramente compartimentadas, separadas: não sendo muito evidente a distinção, por exemplo, entre Filologia e Linguística, seria essencial refletir sobre o que, a rigor, as diferenciaria, tão aproximadas estariam as práticas do filólogo e do linguista. De fato, quase todos os manuais do período, e ainda o Dicionário... de Mattoso, procuraram definir, uma em oposição à outra, Filologia e Linguística (v. Coelho 1996). Se a diferenciação fosse evidente, qual a necessidade de formalizá-la deste modo? De toda forma, parecia estar clara a percepção de que a prática de tratamento da linguagem passava a conquistar um novo estatuto, próprio, e a ter um caráter específico. O novo ‘homem de Letras’ teria a possibilidade de especializar-se e profissionalizar-se, formal e oficialmente, e os manuais, neste novo contexto, tornariam explícito o que viria a ser esta nova ‘especialidade’ oficial, difundindo-a para uma potencial ‘nova geração’, a de estudantes universitários. Funcionariam, enfim, como instrumentos de iniciação metodológica e teórica

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até bem pouco tempo raros no país. O momento parecia ser de ‘organização’ e busca de autodefinição dos grupos de cientistas da linguagem, que começavam a dar demostrações mais explícitas de estarem procurando marcar a existência da(s) especialidade(s).

3.2.5 Centros de estudo e periódicos especializados

Esta geração, associando-se à anterior, ainda plenamente ativa, preocupou-se também com a criação e a manutenção de periódicos especializados, voltados principalmente para os estudos de Filologia, sobretudo portuguesa. Foram alguns dos periódicos especializados criados

neste

período,

no

Rio

de

Janeiro,

a

Revista

Filológica. Arquivo de estudos de Filologia, História, Etnografia, Folclore e Crítica Literária (1940-1956), fundada pelo professor do Colégio Militar, tenente-coronel e deputado Rui de Almeida (?-1956), e transformada, em 1944, em “órgão oficial” da Academia Brasileira de Filologia, da qual o professor fazia parte; o Boletim de Filologia (1946-1949), organizado por Antenor Nascentes, Ernesto Faria, Mattoso Câmara, Silva Neto e Sílvio Elia, com o intuito de tratar de filologia portuguesa, dialetologia e linguística; e a Revista Brasileira de Filologia (1955—1961), criada por Serafim da Silva Neto, nos moldes da Revista Portuguesa de Filologia, seguindo os mesmos propósitos do Boletim. Em São Paulo, foi criado por Silveira Bueno o Jornal de Filologia (1953-1961). Em Curitiba, Letras: Revista dos cursos de Letras (1953-hoje), por Mansur Guérios. Outra atitude foi a de organizar centros especializados de estudos. Em 1953, por exemplo, foi criado, por Silva Neto o Centro de Estudos de Dialectologia Brasileira no Museu Nacional. O mesmo Museu, a partir de 1958, abrigaria um Centro de Estudos Linguísticos,

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organizado por Mattoso Câmara. Nas próprias faculdades de Letras começavam a surgir centros, sobretudo filológicos. Dentro desse espírito de ‘agremiação’ entre os intelectuais dedicados às ciências da linguagem — que gradualmente atingiam níveis mais elevados de profissionalização e buscavam reconhecimento de sua especialidade — os filólogos cariocas ainda organizariam, em 1944, a Academia Brasileira de Filologia. Segundo Torres (1971:76-83), apesar de existir a Academia Brasileira de Letras, para os ‘cientistas da linguagem’ era necessário criar uma agremiação mais específica, direcionada às preocupações “técnicas” com a linguagem e não às de cunho “artístico”, isto é, literário, atribuídas à Academia já existente. Assim, foi fundada a Academia Brasileira de Filologia, com 40 membros efetivos, entre estudiosos já com grande prestígio em 1944 e representantes da nova geração que começavam a se destacar. Reunindo, acima de tudo, o próprio grupo carioca, a Academia contou ainda com um corpo de sócios-correespondentes, de diferentes partes do Brasil, de Portugal e de outros países, como mostram os quadros, à página seguinte, reproduzidos da Revista Filológica (1955(1): 1, à esquerda) e de Littera (1974(2):81, à direita). Em vista dessas realizações, podemos afirmar que as décadas de 40 e 50, nas quais emergia a geração de Silva Neto, ficaram marcadas por um impulso ‘organizador’: os filólogos daquele período, a partir do caminho aberto pelos predecessores e em conjunto com eles, que ainda exerciam papéis centrais, firmaram os estudos sobre a linguagem como uma especialidade oficialmente reconhecida e, naquele momento, sinônima de Filologia, disciplina que agregava o maior número de adeptos na comunidade que, ao organizar periódicos, associações, se denominou, preferencialmente, “filológica”.

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3.3 Um percurso de sucesso

Seguindo uma trajetória comum aos ‘Homens de Letras’ de sua época, Serafim da Silva Neto concluiu em 1934 o curso colegial (no Colégio Batista do Rio de Janeiro) e ingressou na Faculdade de Direito. Bacharel, em 1939 prestou concurso — com a tese Divergência e convergência na evolução fonética — para a cadeira de língua portuguesa no Liceu Nilo Pessanha, de Niterói (v. Silva Neto 1942: “Prefácio”). Professor secundário e autodidata egresso de uma das carreiras mais procuradas por aqueles que se dedicavam aos estudos da linguagem, a partir da criação das Faculdades de Filosofia, lecionaria também em cursos superiores de Letras. Sua trajetória reuniu, portanto, traços característicos do perfil padrão do ‘filólogo-linguista’ de sua geração. Tendo o perfil padrão dos representantes de seu grupo, o que chama a atenção em seu percurso é a precocidade com que se introduziu e destacou no meio científico: nascido na Capital da República em 06 de junho de 1917, já em 1935, quando tinha 18 anos, escreveu os textos que comporiam o seu livro Fontes do latim vulgar: o Appendix Probi, publicando-os no ano seguinte, semanalmente, no jornal Voz de Portugal (Rio). Em 1937, esta obra foi contemplada, em 3º lugar, com o prémio “Francisco Alves” da Academia Brasileira de Letras (Silva Neto 1946[1938]). No ano seguinte, apresentada ao público no formato de livro, despertou interesse de filólogos renomados, brasileiros e estrangeiros, tais como Antenor Nascentes, Leite de Vasconcelos, Georges Millardet, Maria Rosa Lida e Amado Alonso (cf Silva Neto 1942; Matos Peixoto 1942). O início era, assim, promissor:

A estréia o elevou de chofre ao primeiro plano da Filologia Brasileira e ensejou a um outro professor, também jovem e em plena ascensão, o atualmente consagrado latinista Ernesto Faria, a oportunidade de

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convidá-lo para assistente de sua cadeira na Faculdade Nacional de Filosofia. (Elia 1960:10)

Segundo Silva Neto (Prefácio a Ensaios de Filologia portuguesa), na verdade a estréia foi anterior à publicação desta obra que o projetou: já entre dezembro de 1934 e janeiro de 1935, ou seja, quando tinha 17 anos, publicara alguns textos, que tratavam do português do Brasil, na revista Vitória (Rio), sem que tivessem o mesmo impacto que as Fontes. De todo modo, quando as publicou pela primeira vez em forma de livro, em 1938, ainda tinha 20 anos e, não obstante a pouca idade, passou imediatamente a ser reverenciado como uma autoridade no meio:

O professor Serafim Silva Neto é hoje bastante conhecido em nossos meios filológicos. A despeito de sua pouca idade, pois, segundo suponho, ainda não entrou na casa dos trinta anos, conseguiu firmar a sua reputação de conhecedor da nossa língua com o muito interessante trabalho intitulado Fontes do latim vulgar, trabalho que a Academia Brasileira de Letras teve o bom senso de premiar recentemente. (Torres 1943:27)

De acordo com Murray (1994), a variável “precocidade” pode levar ao desenvolvimeto, pelo jovem cientista, tanto a uma trajetória de ruptura quanto de continuidade em relação ao ‘paradigma’ em que se insere: se ele tem suas contribuições rejeitadas pela elite acadêmica, tende a romper com ela e com o seu corpo de “boas ideias”; se aprovadas, tende a desenvolver uma postura intelectual continuísta. A posição de Murray, portanto, relativiza a de Kuhn (1987[1962]), segundo a qual cientistas mais ‘jovens’, em termos etários ou em termos profissionais (isto é, com menos experiência na área), estariam, por este fator, mais suscetíveis a rupturas com o ‘paradigma’, já que os modos de ver propostos por este estariam neles menos entranhados do que em cientistas mais experientes e mais comprometidos.

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Cientista precoce e, desde o princípio, aceito pela ‘elite’, mesmo sendo conhecedor da literatura ‘linguística’ de sua época, que citava em suas obras, Silva Neto sempre vinculou sua produção ao paradigma ‘filológico’, encarando essa literatura como instrumento para otimizar seu trabalho de filólogo, na sua concepção, o cientista responsável pelo estudo da língua em toda a sua amplitude. Aprovadíssimo, foi incorporado ao grupo e incorporou os projetos da elite acadêmica. Para Matos Peixoto (1942) — autor que manteve com ele uma polêmica em torno da tese apresentada para o concurso de 1939 no Liceu Nilo Pessanha (v. Coelho 1997) — cada vez mais, posicionar-se contrariamente ao jovem filólogo, mesmo que em questões “técnicas”, significava atrair a ira dos “velhos quadros” da Filologia no Brasil. No extenso trecho que citamos a seguir, Matos Peixoto descreve as sanções recebidas devido “à ousadia de criticar” a tese na Revista Filológica, e acaba por testemunhar a experiência de quem esteve do “outro lado”, isto é, a do jovem estudioso à margem do grupo de elite:

Na redação da ‘Revista’ — informou-me o próprio diretor, o Sr. Rui de Almeida — choveram, daqui e dos Estados, reclamações repetidas: cartas, telefonemas, ameaças de suspensão das assinaturas, etc. Foi um pandemônio. O Sr. diretor [...] viu-se azucrinado e maldisse a hora em que deu à estampa ‘aquela’ minha crítica e, ó terror!, ‘aquela’ minha classificação15. Até imposições lhe fizeram [...]. E, logo no n. 3 da ‘Revista’, saiu, contra mim, uma nota desinfamante, assinada pela redação, onde se fala na ‘ingenuidade do jovem prof. Almir de Matos Peixoto’, na sua ‘irreverência’: a nota dá mesmo a entender ser o cúmulo do desaforo haver eu tido a ousadia de expender ‘aqueles’ conceitos em artigo ‘acolhido’ nas próprias páginas confiantes da ‘Revista’[...] Pois os ‘consagrados’ ainda não estavam satisfeitos! No n.4, veio a resposta à minha crítica [...] do punho do próprio criticado. Foi um arrasamento em regra: não tenho "ética’, nem ‘espirito’, nem ‘cultura’[...] sou confuso, não ‘percebo’ as cousas, não ‘entendo’, 15

Em sua crítica à tese Divergência e convergência na evolução fonética, Matos Peixoto classifica os “especialistas” em linguagem brasileiros em gramáticos-puristas, que, sem preparo científico, buscam nos clássicos as boas formas de dizer, e filólogos-linguistas, que, sem conhecer a língua, “se intoxicam das novidades, novas... e antigas..., dos tratadistas estrangeiros,[...] constróem no vácuo ou se espraiam [...] em campos propícios a aplicações teóricas de conhecimentos teóricos". Há ainda os “especialistas não diferenciados”, que são uma e outra coisa, e os “ curiosos”, “que não são ‘gramáticos’ e ‘puristas’, nem ‘filólogos’ e ‘lingüistas’, embora se presumam uma e outra cousa",(cf. Matos Peixoto 1942:XIII).

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etc, etc, num carrilhão badalante pelas 20 páginas da ‘resposta’; depois, eu tivera o topete de criticar o criticado, jovem já ‘consagrado’ até por vários ‘consagrados’ estrangeiros!

Isso ainda não bastava. Ficou logo assentado que eu não teria direito a tréplica. De fato, a ‘Revista’ a recusou.[...] O diretor bem que merecia, agora, plácido repouso. Puro engano. Rodavam as máquinas na impressão do n.5 da ‘Revista’ quando outra imposição lhe adveio. Um dos colaboradores exigia, sob a sanção de retirar o seu artigo já impresso, entrasse o nome do meu criticado para a colaboração efetiva da ‘Revista’: lá está ele na página 4 desse n. 5. O meu ‘castigo’ era ‘tremendo’, e a ‘Revista’ e os velhos quadros ficariam impunes. Tinha era, mesmo, de calar-me [...] E o ‘castigo’ foi bem calculado: a ‘Revista Filológica’ é, no género, a única publicação existente atualmente no Brasil. Cerceamento, e em assuntos técnicos, da mais elementar liberdade de exame e de idéias! (Matos Peixoto 1942: XV- XVII, grifos meus)

Para Matos Peixoto, fazer parte do restrito grupo de “consagrados”, supunha conduzir seus trabalhos ou como “gramático-purista” ou como “filólogo-linguista” (v. rodapé da página anterior), o que, pelo que deixa implícita a sua classificação dos "especialistas em linguagem” no Brasil, não fazia. De fato, em sua resposta, Silva Neto toma-o como não-especialista, afirmando que sua crítica não tinha valor e que a ele (Silva Neto) só interessavam “as vistas dos filólogos”, isto é, dos pares, que já o tinham aprovado. Talvez por não ter encontrado a mesma receptividade a suas obras, que Silva Neto classifica de “filosóficas”, Peixoto não restringiu sua crítica à tese (e à pessoa) do novo ‘eleito’ pelos “velhos quadros”, mas a ampliou para esse grupo dominante e sua política seletiva. A essa postura oposicionista, os “consagrados” teriam respondido com as sanções descritas no trecho citado acima. O trecho e a obra em que se insere (Novos rumos em filologia: a imprestabilidade dos velhos quadros (destaque meu)), assim, mesmo que tomemos em conta as reduzidas proporções do episódio, procuraram denunciar um círculo: trabalho em desacordo com o que seria esperado receberia julgamento negativo, que geraria um sentimento de não-pertinência e levaria a uma postura de clara crítica ou ruptura, que, por sua vez, relegariam o cientistarebelde a uma situação de marginalidade.

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Na época da polêmica (1940 a 1942), Matos Peixoto, como Silva Neto, formado em Direito, era professor de português, “por concurso, do Departamento de Educação Técnico Profissional” do Rio de Janeiro (cf. Matos Peixoto 1942). Apesar disso,

Segundo me referiram, um professor oficial ajuizou, assim, da contenda: ‘Não! O Matos Peixoto não tem competência moral para criticar o Serafim’!! (Matos Peixoto 1942:24, rodapé(1). O grifo é do autor)

Segundo a lista apresentada em seu livro O elemento-primeiro em linguística (1952), além deste e dos textos que integraram a polêmica, o marxista Matos Peixoto foi autor, na nossa área, de Dicionário geográfico, gramatical e biográfico ilustrado (1943); Sistema fonético árabe para a filologia arábico-portuguesa (1949) e “Relações sintagmáticas (sintagmas) e associativas na linguagem” (s.d.) — textos dos quais, assim como o que se verifica com o autor, a maioria dos representantes das novas e novíssimas gerações de cientistas da linguagem não teríamos sequer notícias. Diferentemente, o linguista Mattoso Camara Jr. que a princípio estaria introduzindo neste mesmo período (1941) uma ruptura em relação aos “velhos quadros” a que se refere Peixoto — parece ter sido incorporado à estrutura organizacional existente: os Princípios de Mattoso foram apresentados, em sua primeira edição, por um prefácio elogioso de um dos ícones da Geração de 20, Sousa da Silveira, e o linguista, se não obteve em sua carreira académica uma cátedra na Faculdade Nacional, fez parte do corpo docente da mesma, assim como do corpo de membros efetivos da Academia Brasileira de Filologia e, ainda, do corpo de diretores-editores do Boletim de Filologia e da Revista Brasileira de Filologia; além disso, seus textos eram acolhidos em todos os periódicos em que também publicavam os filólogos. Portanto, se a sua posição no grupo não foi das mais destacadas, não foi também o que se pode chamar com exatidão de ‘marginal’, como parece ter sido, naquele momento, a de Matos Peixoto.

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Essa comparação entre duas trajetórias mais ‘periféricas’ pode nos levar a considerar como válida a proposta de Murray (1994) de ‘acesso a reconhecimento’ como um dos fatores decisivos para a ‘escolha de retórica’. A ‘retórica’ de Mattoso, neste momento, não era de ruptura; o que talvez se credite ao reconhecimento, pelo menos parcial, a que teve acesso. Voltando ao percurso de sucesso de Silva Neto, ainda precocemente e, como outros representantes de sua geração, formado em uma das especialidades possíveis antes da existência das Faculdades de Letras, ingressou em 1942, com 26 anos, na Universidade Católica do Rio de Janeiro, como catedrático fundador da cadeira de Filologia Românica. Em 1957, com 39 anos, assumiu também a cátedra de Filologia Românica da Universidade do Brasil, na época a mais prestigiada do Rio de Janeiro e, por ser esta a capital política e cultural do país, das de maior prestígio no Brasil e em Portugal. A ascensão a esta cátedra resultou de um concurso realizado no ano anterior, no qual concorreram Silva Neto e o interino, Augusto Magne, filólogo da Geração de 20 respeitadíssimo no meio e então com 69 anos. De acordo com depoimentos, ambos obtiveram os conceitos máximos em todas as provas e Magne, por ser o interino e o mais velho, assumiu a cátedra, para aposentar-se no ano seguinte, quando completou 70 anos. Aposentando-se, Silva Neto assumiu. Esse episódio leva-nos a supor que, em 1957, Silva Neto já teria, pelo menos, o mesmo nível de aprovação pela comunidade do “mestre” que o antecedia. Aos 39 anos, portanto, teria o status de um dos principais especialistas da área no país:

Em 56 ele já era a figura dominante. Ele já tinha começado a publicar a História da língua portuguesa, ele já tinha publicado muitas coisas e era também o homem que tinha a maior biblioteca de Linguística. Tinha uma coisa enorme de biblioteca. [...] Era a biblioteca melhor de toda a América Latina e não só de Linguística românica ou Linguística portuguesa. Ele tinha muitíssimo de Linguística geral e, coisas que ninguém tinha, ele tinha pessoalmente, porque comprava na Europa, nas viagens. E tinha manuscritos... ele tinha uma coisa incrível! (Coseriu, em depoimento pessoal inédito)

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Condições pessoais favoráveis, como a citada acima em relação a viagens internacionais e aquisições de livros, periódicos, manuscritos, para a sua “incrível” biblioteca, posteriormente doada para a UFRJ, talvez tenham facilitado o afloramento precoce e a manutenção de seus talentos, que nos finais dos anos 50 pareciam ser indiscutíveis, tanto para seus contemporâneos, quanto para os representantes da Geração de 20:

[Quando fui aluno da Faculdade Nacional de Filosofia], sempre tinha algum outro professor assistindo às aulas dele. Ele era tremendamente reverenciado, diria até paparicado, pelos filólogos. (Uchôa, em depoimento pessoal inédito)

Complementando o aumento de seu prestígio com a conquista da cáteara na Faculdade Nacional, foi também em 1957 que apresentou a primeira publicação completa da sua História da língua portuguesa, por muitos considerada sua principal obra. Este ano, deste modo, figura como pico de sua ascensão acadêmica e fixação como um dos principais expoentes da sua geração nos meios acadêmicos brasileiro e lusitano. Em decorrência desse seu destaque, entre 1958 e 1960, lecionou, como professor convidado, Filologia Portuguesa na Universidade de Lisboa, que, ainda em 1960, lhe conferiu o título de doutor Honoris Causa. Foi, a propósito, durante toda a sua carreira, notória a sua proximidade dos meios filológicos portugueses, que se traduziam em viagens de estudos patrocinadas pelas “associações da Colônia Portuguesa”, em os convites para proferir palestras e conferências, em contatos estreitos com estudiosos como Manuel de Paiva Boléo (1904-?) e José Pedro Machado (1914), por exemplo, ou na referência e reverência constantes a José Leite de Vasconcelos, a quem dedica a sua História e sua primeira aula na Universidade de Lisboa. Nas revistas do período, há, por exemplo, os seguintes registros:

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Partiu para Lisboa no dia 19 de abril pelo avião Bandeirante, da frota da Panair do Brasil, nosso redator, prof. Serafim Silva Neto, que foi a Portugal em viagem de estudos subvencionada pelas associações da colônia portuguesa do Rio de Janeiro e com apoio do Governo Português. (“Noticiário”, Boletim de Filologia 1947 11(5): 19 (grifos do original)) 16

ou,

Em outubro de 1957, o professor Serafim da Silva Neto, da Universidade do Brasil e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, deu, na Faculdade de Letras de Lisboa, uma série de lições sobre ‘O português do Brasil: conceito, história e expansão literária’. (Boletim de Filologia (Lisboa) 1958 (2):412).

A ‘boa’ Filologia, ainda para esta geração de filólogos e, muito explicitamente, para Silva Neto, encontraria nos autores portugueses uma referência de grande peso. O prestígio intelectual obtido já a partir de 1938 e crescente até 1960, ano em que faleceu, permitia-lhe apontar caminhos para a sua disciplina — o que, como identificamos na análise de sua obra (v. capítulo 4), se manifestou no tom programático de muitos de seus textos. Paralelamente a esta condição que, no modelo de Murray (1994), identificaríamos como de ‘liderança intelectual’, ao mesmo tempo o autor ascendia como um dos ‘líderes organizacionais’, executando e propondo realizações que beneficiariam seu grupo. Essa atuação organizacional concentrou-se sobretudo nos anos 50, embora já durante a década anterior o autor estivesse envolvido nos projetos do grupo, como se constata pela sua participação na direção do Boletim de Filologia (1946-1949), ou, como um dos fundadores da Academia Brasileira de Filologia em 1944. O interesse em criar meios para agregar os filólogos, principalmente os do Rio, e encontrar instrumentos institucionais para que este grupo manifestasse suas ‘boas ideias’ parecia recorrente.

16

Refere-se à primeira viagem de estudos do autor a Portugal, naquele ano de 1947.

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E foi com vistas ao desenvolvimento de uma das principais novas frentes de trabalho desse grupo, isto é, o desenvolvimento dos estudos dialetológicos com base nos métodos da Geografia Linguística que,

No dia 14 de novembro de 1953, na 1ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada no Museu Nacional, fundou-se, por proposta de Serafim da Silva Neto (votada unanimemente), o Centro de Estudos de Dialetologia Brasileira.[...] (Revista Brasileira de Filologia 1955(1 ):83, “Noticiário”)

Seu escopo era criar “mentalidade dialetológica, fomentando pesquisas, sobretudo as de campo”, que proporcionassem um melhor conhecimento dos falares brasileiros. A criação desse Centro, que acabaria por não se desenvolver efetivamente (v. Mattoso in Naro 1972:57), foi apenas uma das atitudes do autor no sentido de divulgar os métodos linguísticogeográficos e a necessidade de se incentivar os estudos dialetológicos. Coordenou-se, assim, à verdadeira cruzada por ele empreendida pelas faculdades do país. Sua ideia era a de que, criando-se a “mentalidade dialetológica” entre os que começavam a constituir uma novíssima geração, isto é, os estudantes de Letras das 44 Faculdades de Filosofia existentes no Brasil em 1955 (cf. Silva Neto 1957[1955]), em 20 ou 25 anos seria possível elaborar o Atlas Linguístico Nacional. Este Atlas deveria ser composto a partir da elaboração anterior de Atlas Regionais, daí derivando a necessidade de espalhar pelo país o interesse pelos falares locais. O próprio autor testemunhou o seu percurso com vistas à execução desta tarefa:

Desde 1943 dedicamos grande atenção à Dialetologia, seus problemas e métodos, nos nossos cursos da Universidade Católica. Em 1950, em breve comunicação oral apresentada em Washington, no I Colloquium internacional de Estudos Lusobrasileiros, tivemos oportunidade de frisar a importância e, mais do que isso, a urgência, de se organizar o Atlas LinguísticoEtnográfico de Portugal e Ilhas, bem como de se desenvolverem no Brasil as pesquisas de campo. Em 1951, a convite da Universidade de Minas Gerais, demos, em Belo horizonte, um Curso de Extensão Universitária que teve a Dialetologia por assunto. Em 1954, como professor visitante da Universidade do

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Rio Grande do Sul, tivemos ocasião de dar ênfase ao problema, ao mesmo tempo em que aproveitávamos para fazer algumas sondagens acerca da fala gaúcha. Em janeiro de 1955 demos, na Faculdade Nacional de Filosofia, um Curso de Extensão sobre a técnica de monografias dialetais; em fevereiro do mesmo ano fizemos, em Belo Horizonte, uma conferência sobre o mesmo assunto. Em 1953, ao ensejo da Primeira Reunião de Antropologia, fundamos no Museu Nacional, o Centro de Estudos de Dialetologia Brasileira. No ano seguinte, no II Colloquium de Estudos Luso-brasileiros, realizado em São Paulo, assim terminávamos a nossa comunicação, aprovada unanimemente: ‘Desejo aproveitar o feliz ensejo da reunião deste Colloquium, que congrega a maior parte das Universidades Brasileiras, para acentuar a necessidade e a urgência de se estudarem os nossos falares [...]. (Silva Neto 1957[1955]:5)

Ainda em outra ocasião, no III Colloquium de Estudos Luso-brasileiros (Lisboa, setembro de 1957), o autor insistiria no tema, apresentando, com Celso Cunha, outro entusiasta dos estudos dialetológicos no Brasil — que posteriormente se engajaria no Projeto NURC (de descrição da norma urbana culta) — a comunicação “Atlas linguístico-etnográfico do Brasil (por regiões): o problema das áreas culturais”. Os lugares aos quais o autor não compareceu pessoalmente não foram excluídos de seus planos: paralelamente, uma parcela da sua produção intelectual perseguia também essa meta. Exemplo muito explícito disso, o Guia para estudos dialetológicos (1957[1955]) procurou indicar como proceder em pesquisas, explicando e exemplificando, como selecionar a comunidade a ser estudada, como selecionar os informantes, como elaborar um questionário, conduzir um inquérito, e tratar os materiais colhidos de acordo com o método geográfico-linguístico. O ‘clima de opinião’ no país, já desde os anos 20, era favorável aos estudos ‘brasileiros’. Desde a literatura, tanto dos anos 20, com os primeiros modernistas, quanto com os de segunda geração, até as esferas mais ‘científicas’, já desde os anos 30, com Gilberto Freyre (1900-1982), Caio Prado Jr. (1907-1987) e Sérgio Buarque de Holanda

107

(1902-1982), por exemplo, investigavam-se raízes de questões nacionais, muitas vezes de um ponto de vista sócio-histórico que privilegiava o ‘regional’. No campo dos estudos sobre a linguagem, os inícios do século também foram frutíferos no que diz respeito às discussões sobre a existência ou não de uma língua brasileira —

haja vista a profusão de obras sobre o tema entre os anos 20, 30 e mesmo 40



e aos

estudos dialetológicos, nos moldes inaugurados por Amadeu Amaral (1920). Daí que procurar as razões para a configuração do elemento cultural ‘língua’ em suas raízes históricas e ao mesmo tempo procurar conhecer a cultura por meio dele, como apregoavam as teorias das “Palavras e Coisas”, que empolgavam Silva Neto, era um projeto mais do que bem situado no período, despertando realmente interesse, como se deduz, por exemplo, do número de convites recebidos pelo filólogo para discorrer sobre o assunto em diferentes pontos do país e em Portugal, ou do curto período entre as duas edições do Guia (1955 e 1957). Um outro empreendimento do autor foi a Revista Brasileira de Filologia, que dirigiu de 1955, quando a fundou, a 1958, quando iniciou suas aulas em Lisboa. A revista, publicada pela Acadêmica (Rio de Janeiro), editora na qual se publicaram muitas das obras filológicas no período, inclusive de Silva Neto, teve como molde a Revista Portuguesa de Filologia, dirigida por Manuel de Paiva Boléo, da Universidade de Coimbra. Entre os objetivos da RBF estavam o desenvolvimento dos estudos de Filologia e, evidentemente, dos estudos sobre o português (leia-se, dos seus ‘falares rurais brasileiros). Das mais regulares e destacadas no país, teve 6 volumes de 1955 a 1961, dos quais os dois últimos foram dirigidos pela comissão formada por Antenor Nascentes, Ismael de Lima Coutinho, Sílvio Elia e Mattoso Câmara. Elia (1975), Coseriu (1967) e Boléo (1960) consideraram-na o melhor periódico da especialidade produzido no Brasil nesta época.

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Além da produção intelectual influente e do espírito empreendedor, um outro atrativo para a admiração de seus pares parecia existir em Silva Neto: o carisma pessoal. Extremamente comunicativo, teria, segundo depoimentos, conversa agradável e um humor aguçado (“um piadista exímio”). Somava-se, dessa forma, ao respeito -— pela sua obra e atuação organizacional — a simpatia de filólogos brasileiros e estrangeiros. Quando faleceu, em 23 de setembro de 1960 (prematuramente, aos 43 anos), bem sucedido e muito carismático, já há mais de uma década, havia se tornado

...de fato um guia de sua geração, que o respeitava, admirava e seguia. (Sílvio Elia 1992:1)

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CAPÍTULO 4 As “Boas Ideias”

“Desta ou daquela maneira, num ou noutro campo, o que importa é trabalhar. O que importa é trabalhar pela dignidade de nossa Ciência e firmar-lhe a posição no grupo das Ciências do Homem. É coisa evidente que devemos conjugar os métodos, fazendo-os convergir para o esclarecimento dos problemas. Há que lançar mão de todos os recursos, para poder interpretar os fatos da língua. Todos os meios são bons, desde que concorram para a reconstituição de um fenômeno lingüístico — fenômeno de natureza complexa, que tem suas raízes no cérebro dos falantes e está intimamente entrelaçado com a objetologia e com a vida social.” (Silva Neto 1988[1957]]:259)

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As “Boas Ideias” 4.1 As ciências da linguagem, segundo Silva Neto

Em diversos trechos de suas obras, Silva Neto procurou conceituar as disciplinas que, segundo ele, comporiam o campo de estudos da linguagem, na maior parte das vezes, aproximando-as em torno do objetivo comum de explicar os fatos linguísticos. Embora, em certos momentos, parecesse estabelecer hierarquias, foram raríssimos aqueles em que se posicionou contrariamente a alguma das formas de se tratar a linguagem. Quando isso aconteceu, a crítica dirigiu-se ao “naturalismo” — de Schleicher e dos Neogramáticos, que identificou como tendência fossilizada e ao “purismo”, ou à “gramatiquice”, modo que o autor considerou não científico e, portanto, oposto aos tratamentos filológico, linguístico, etnográfico, dialetológico e mesmo gramatical da linguagem. A visão do autor a respeito das ciências linguísticas, ou, mais genericamente, das ciências humanas, tendeu para uma busca de coordenar e integrar as diferentes disciplinas e seus métodos. Essa visão conciliatória redundou em um entendimento abrangente da sua própria disciplina, a Filologia, que, tendo múltiplas tarefas, desempenharia um papel de destaque entre as ciências humanas e sociais.

4.1.1 Linguística e Filologia: especificidades e afinidades

Silva Neto conceitua a Filologia como a ciência responsável pelo estudo completo de uma língua — ou um conjunto delas — e de sua(s) literatura(s). Por estudo completo de uma língua, o autor entende o estudo de todas as suas variações e modalidades, quer em

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perspectiva histórica (ou diacrônica), quer em perspectiva estática (ou sincrônica). Entre as principais tarefas da Filologia, portanto, ao lado da descrição histórica da língua, figuraria, segundo ele, o estudo da ‘linguagem corrente’, ou “para usar uma nomenclatura hoje consagrada, a preeminência dos estudos sincrônicos” (Silva Neto 1988[1957]:223). Sendo a literatura “a expressão artística da língua” (Silva Neto 1963[1950]: 16), ela e sua história seriam objetos para o filólogo, que deveria conhecer a língua “em toda a sua amplitude”. Pelo mesmo motivo, importaria também o estudo dos ‘falares’, com especial interesse pelos rurais. Além de estudar amplamente as línguas, aos estudos filológicos não poderia estar ausente o enfoque cultural, pois

...com o progresso das Ciências do Homem, já não se justifica a pesquisa restrita aos fatos puramente lingüísticos. E que estes encontram a sua razão de ser nos próprios seres que compõem as várias comunidades, o que exige uma sondagem mais ampla, que englobe as variadas manifestações do espírito, a fim de que desse harmonioso conjunto mais nitidamente possam ressaltar os fatos da linguagem. (Silva Neto 1963[1950]:226)

As línguas não deveriam, portanto, ser estudadas isoladamente, mas inseridas em seus contextos. Em consequência, os estudos filológicos estariam entre aqueles que comporiam as “Ciências do Homem” — formando um todo com os de natureza sociológica, psicológica, etnológica etc. e tornando-se, para eles, “ora um fim, ora um meio” (cf. Silva Neto 1988[1957]:66) — e apartados de outros, como os pertencentes ao conjunto das “Ciências da Natureza”. Esquematicamente, teríamos algo como o ilustrado com a Figura 1, à página seguinte. À Filologia, dentro do vasto campo do estudo pleno da língua em suas relações com a sociedade/cultura, só não caberiam, de acordo com o autor, a “defesa das formas vernáculas” ou a preocupação “com a míope fiscalização dos galicismos, dos barbarismos ou solecismos”,

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tarefas pertinentes aos “puristas” e “gramatiqueiros”, atores equivocados do elenco de estudiosos da linguagem. Eles, sim, veriam a língua separadamente dos fatores que a cercam, tomando-a como algo imutável, sobre o qual os indivíduos e as sociedades não poderiam, nem deveriam, atuar. No que se refere ao tipo de ‘prática’ de trabalho com as línguas, ao moderno filólogo caberia tanto o estudo tradicional, “de gabinete”, com os textos antigos, quanto o trabalho “de campo” com os falares contemporâneos:

Nas atividades filológicas, há Marta e há Maria 17. Há a atividade fremente e ansiosa dos estudos de campo, daqueles que exigem longas peregrinações e estreito contato com a vida. São os modernos estudos dialetológicos. Há, por outro lado, a meditação sossegada dos trabalhos de gabinete, em que o estudioso concentra o pensamento e a análise num antigo texto da língua, ou nas várias fases evolutivas dela.

17

Segundo a Bíblia, Jesus visitou uma aldeia, na qual moravam as irmãs Marta e Maria, hospedando-se em sua casa. Durante o período de “visita”, enquanto a primeira se ocupava com diferentes serviços domésticos, a segunda permanecia sentada junto a Ele, ouvindo-Lhe as palavras. Queixando-se dessa situação, Marta ouviu de Cristo que Maria havia escolhido a “boa parte” e que esta não lhe seria tirada, (cf. Lucas 10, versículos 38-42)

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No século XIX, como é sabido, houve exagerada preponderância dos estudos históricos, a qual chegou a ficar corporificada na célebre frase de Hermann Paul18: ‘não há outro estudo científico da língua senão o histórico’. [...] Em sua erudita síntese de história dos estudos lingüísticos e filológicos, Iorgu Iordam19 caracteriza, como tendência moderna, o estudo da língua viva, dos falares. Pensamos, todavia, que são igualmente perniciosos os extremos. Não deve haver predomínio de Marta, nem de Maria. (Silva Neto 1988[1957]:17)

Esta Filologia ampla, que estudaria, histórica e estaticamente, em trabalhos “de campo” ou “de gabinete”, línguas inseridas em seus contextos sociais e tomadas como elementos de cultura, manteria relações estreitas com a Linguística, ciência geral da linguagem, que, tendo caráter eminentemente teórico, forneceria aos filólogos a preparação básica para efetuar, em padrões científicos, o seu trabalho de tratamento direto e exaustivo dos problemas das línguas, tomadas amplamente:

[O filólogo] Há que empreender excursões de estudos, há que pesquisar os objetos da cultura material, há que estudar as mais variadas profissões para lhes poder penetrar a essência dos termos técnicos. Assim, podemos dizer que a Filologia Portuguesa — na definição que reputamos aceitável de D. CAROLINA MICHAËL1S 20 — é o estudo científico, histórico e comparado da língua nacional em toda a sua amplitude, não só quanto à gramática (fonética, morfologia, sintaxe) e quanto à etimologia, semasiologia, etc., mas também como órgão da literatura e como manifestação do espírito nacional. Nos tempos greco-romanos a Filologia era apenas o estudo dos textos, já que ainda não se havia descoberto a importância capital do estudo das falas populares. Hoje, entretanto, com o desenvolvimento científico iniciado por Bopp 21 e outros sábios, a Filologia abrange, além da perspectiva histórica da língua, até os assuntos puramente sincrônicos, isto é, as descrições de estados de língua. [...] Para terminar, diremos que há duas disciplinas intimamente relacionadas com a Filologia Portuguesa. Trata-se da Filologia Latina, que estuda cientificamente o latim (baseando estudos das línguas românicas) e da Lingüística Geral, ciência de princípios 18

Hermann Paul (1846-1921) Iorgu Iordam (1988-?) 20 Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1926) 21 Franz Bopp (1791-1867) 19

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gerais, aplicáveis a quaisquer línguas, que serve de preparação inicial. (Silva Neto 1956s: 16)

O linguista produziria as ‘sínteses’, os saberes a que todo o estudioso da linguagem deveria recorrer para conduzir seu trabalho; entretanto, para elaborar esse saber ‘geral’, e mesmo genérico, teria de se valer do conhecimento produzido no nível ‘particular’, pelas Filologias portuguesa, românica, latina etc. Desse modo, assim como ao filólogo seriam necessários os ‘princípios gerais’ — e mais ‘abstratos’ — ao linguista seriam imprescindíveis os conhecimentos específicos — e mais ‘concretos’ — produzidos, a partir de línguas ou conjuntos delas, nos domínios da Filologia:

A Lingüística parece-nos sempre geral. A Filologia, sim, encerra todos os estudos possíveis acerca de uma língua ou grupo de línguas; Filologia Portuguesa, Filologia Indo- européia... [...] Cumpre-nos, ainda, deixar claro que, para a resolução dos problemas filológicos, é necessária e, até, indispensável a base geral lingüística. [...] Por sua vez, porém, o lingüista tem de conhecer a história de várias línguas, para poder alcançar os princípios gerais. É com orgulho que os romanistas, por exemplo, salientam a contribuição que, nestes últimos cinqüenta anos, a sua ciência tem prestado à Lingüística Geral. (Silva Neto 1988[1957]:16)

À Linguística (disciplina geral) caberia fornecer bases — mais ‘teóricas’ — sobre a linguagem, que auxiliariam a Filologia (disciplina específica) no tratamento — mais ‘aplicado’ — das línguas, e nenhuma delas poderia prescindir da outra. No campo da Filologia, sugere o trecho citado acima, não se produziriam resultados gerais, mas os válidos, no máximo, para grupos determinados de línguas, enquanto no campo da Linguística não seriam produzidos resultados especificamente voltados para fatos verificados em uma língua ou em um grupo delas: seus resultados tenderiam para o geral, para o que fosse verificável em todas as línguas.

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Essa parece ser a fronteira mais rígida estabelecida por Silva Neto entre as duas disciplinas, já que, para ele existiriam tanto Linguística quanto Filologia sincrônica e diacrônica. Na Figura 2 (página seguinte), procuramos esquematizar essas reflexões do autor sobre as relações entre as duas disciplinas. Reconhecidas como modos legítimos e, em certo sentido, complementares de se estudar as problemáticas linguísticas, Filologia e Linguística seriam, claramente, distintas e autónomas, na medida em que ambas teriam interesses — pelas línguas ou pela linguagem — propósitos — mais práticos ou mais teóricos — e tarefas — tratar amplamente línguas ou sintetizar fatos comuns a todas elas — diferenciados.

4.1.2 Outras disciplinas e seus papéis no campo: Etnografia e Dialetologia

Etnografia e Dialetologia foram outras duas disciplinas científicas a serem tomadas pelo autor como fundamentais para os estudos da linguagem e como estreitamente ligadas à Filologia, assim como entre si.

117

118

A primeira — ciência da cultura, à qual afirmou pertencer a sua Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil (1963 [1950]) — seria extremamente útil para a realização dos estudos de ‘história externa’22, respondendo pelo delineamento dos traços socioculturais de um grupo de falantes de uma língua. A Dialetologia, disciplina mais restrita aos fatos ‘próprios’ de língua, responderia por traços da história interna23. Esta última disciplina, particularmente interessante para o propósito do autor de estudar o português do Brasil (v. o item “Temas” adiante), seria — sobretudo quando conduzida pelo método da Geografia Linguística — uma das correntes de estudos da linguagem que mais o entusiasmariam e estaria inserida, em sua visão, no projeto geral da Filologia — tradicionalmente guiada pelo método comparatista como uma complementação, mais ou menos natural. Assim,

Ao contrário, pois, do que a princípio julgavam alguns romanistas da escola ‘clássica’ e alguns jovens dialetólogos — a lingüística geográfica não é algo fundamentalmente diferente do comparatismo, mas, ao contrário, representa um aperfeiçoamento do velho método. Não se trata de um método independente, mas de um progresso do comparatismo. Além da comparação pura e simples de uma língua literária, empreendeu-se a comparação, no tempo e no espaço, de grandes massas lingüísticas. Trata-se de uma ampliação e não de uma limitação [...]. (Silva Neto 1988[1957]:174)

Dito de outro modo, a Dialetologia e o seu produtivo método linguístico- geográfico complementariam o quadro ‘clássico’ de estudos filológicos, centrados na língua literária,

Para Silva Neto, “história externa” é uma história da língua fundamentada nos elementos políticos, econômicos, sociais, etnológicos que envolvem esta língua e contribuem para os seus desenvolvimentos; “história interna”, por sua vez, é uma história da língua que enfatiza as transformações por que passaram as suas formas. Com efeito, na terminologia do autor, “interno” refere-se às coerções internas ao sistema linguístico, enquanto que “externo” refere-se aos fatores que podem nele interfer, como, por exemplo, os fatores políticos e econômicos. Neste trabalho, sempre que nos reportamos às expressões “externo” e “interno”, com vistas à presevação da metalinguagem do autor, mantivemos essa distinção, ainda que, atualmente, ela não seja objeto de um amplo consenso. 23 “É preciso distinguir dois ramos nos estudos brasileiros: a história externa, de cunho etnográfico-social, e a história interna, que é propriamente a dialetologia, de cunho filológico-lingüístico”. (Silva Neto 1963[1950]:6) 22

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responsabilizando-se por uma das principais tarefas modernas de tais estudos, que seria o tratamento dos falares contemporâneos, sobretudo os rurais. Estes falares preservariam traços dos mais antigos, devido ao afastamento dos grandes centros — inovadores — e poderiam, em função disso, ser úteis para a constituição das histórias das línguas. Daí a inexistência, para o filólogo, de um conflito entre a ‘clássica’ tradição histórico-comparatista em Filologia e os ‘modernos’ métodos geográficos oferecidos pela Dialetologia:

No primeiro quartel deste século a Filologia Românica foi sacudida por uma pendência tão descabida quanto estéril. De um lado, um grupo de jovens romanistas, justamente embevecidos com os surpreendentes resultados da Lingüística Geográfica, afetava desprezar os textos literários, tendo-os como inúteis. De outro, os velhos romanistas (não todos, é certo) reagiram violentamente contra os dialetólogos, considerando de menor importância os materiais recolhidos nos falares. [...] Ora, a disputa é estéril. O que se deve é conjugar os métodos e os materiais, e não dissociá-los. [...] Em nossa época é tempo de sobrepujarmos esta querela entre os adeptos da sincronia e os ferrenhos defensores da diacronia [...]. (Silva Neto 1988[1957]:258)

Ambos os métodos, geográfico e comparativo, e, consequentemente, as disciplinas diretamente relacionadas a cada um deles — Dialetologia e Filologia — comporiam um só quadro de trabalho e conciliariam as geralmente dissociadas sincronia e diacronia. Como em sua definição a Filologia lidaria com uma determinada fase da língua ou com o conjunto de todas as suas fases — “traçando-lhe a história, desde o início até a fase atual”, ou seja, tanto com a sincronia quanto com a diacronia — não haveria sentido em um conflito: a Dialetologia e, principalmente, a sua tendência metodológica denominada Geografia Linguística, encaixavam-se com perfeição no que era previsto como estudo legitimamente filológico.

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Disso, talvez, o entusiasmo do autor pelo método, que, no estudo das variações dialetais, propunha a elaboração dos chamados atlas linguísticos, conjuntos de mapas com a distribuição geográfica das formas de uma língua em um determinado território. Estes atlas, de acordo com Silva Neto, permitiriam tanto o comparatismo sincrônico — porque representariam ‘cortes’ linguísticos contemporâneos justapostos quanto a reconstituição de antigas fases, pois a distribuição geográfica atual das palavras e das formas poderia possibilitar situá-las cronologicamente, relacioná-las, determinarlhes a gênese: a Geografia e os seus atlas, portanto, operariam o “milagre” de oferecer, simultaneamente, uma visão “sincrônica e diacrônica” (Silva Neto 1957[1955]) indispensável aos “modernos estudos filológicos”. Para alcançar tal milagre, seria necessário ao filólogo/dialetólogo realizar trabalho de campo. Este se iniciaria com a elaboração de questionários que tentariam delinear os conjuntos de palavras através dos quais seriam verbalizados os principais traços de organização (sócio-etnoculturais) do grupo de falantes considerado24. Feitos os questionários, deveriam ser aplicados, ou por correspondência — possibilidade que o autor admitiu precária, por necessitar da atuação de não especialistas na pesquisa — ou in loco, pelo próprio pesquisador que, “ao vivo”, poderia fazer adaptações à versão inicial do questionário, caso percebesse essa necessidade ao confrontá-lo como a ‘realidade linguística’, assim como recolher um material mais adequadamente transcrito em termos fonéticos, posto que deveria registrar, por escrito, tentando aproximar-se da realização fonética, o que fosse ouvindo. Recolhido, este material, composto essencialmente por palavras, poderia servir de base para a elaboração de vocabulários, estudos onomasiológicos, monografias etnográficolinguísticas, cartas ou mapas linguísticos, e estes, por sua vez, poderiam constituir um atlas

24

Por isso a necessidade de interação com os etnógrafos e antropólogos: língua e cultura aparecem novamente entrelaçadas.

121

regional ou, ampliado, nacional. Neste último caso, num trabalho que demandaria algo em torno de vinte ou vinte cinco anos (v. Silva Neto 1957[1955]). Dessa demanda de tempo derivaria a necessidade de treinar as gerações seguintes para a nova frente de trabalho. Com efeito, a difusão do método geográfico, a descrição dos falares rurais e o plano de uma ulterior composição de um Atlas Linguistico Nacional (v. capítulo 3) levaram o filólogo a percorrer algumas das Faculdades de Filosofia existentes no país à época e converteram-se em preocupações de primeira ordem para ele, sobretudo a partir dos anos 50, quando elaborou as duas edições do Guia para estudos dialeíológicos (1955 e 1957) — resultantes dessa peregrinação — e criou, no Museu Nacional (Rio de Janeiro), o Centro de Estudos em Dialetologia Brasileira (1953). A Dialetologia passava, assim, a constituir claramente uma das ramificações daquela Filologia ampla, que se propunha o estudo completo das línguas, responsabilizando-se pelos ‘falares’, principalmente regionais. O autor, no entanto, não chegou a realizar trabalhos práticos — excetuando-se, talvez, breves estudos, como aqueles sobre o balouço (Silva Neto 1960f) e a pandorga (Silva Neto 1960g) — sendo a tarefa realizada por ele principalmente esta de difundir a ‘nova frente’, à qual precisariam ser engajados os mais jovens.

4.1.3 Gramática

A Gramática, no sentido estrito de tratamento e descrição da linguagem culta, com base nos clássicos da literatura, teria um papel também importante no contexto dos estudos da linguagem, na medida em que contribuiria fortemente para a preservação das “boas” formas linguísticas, desacelerando o processo evolutivo — um conservadorismo que, neste sentido,

122

seria produtivo, mas que paradoxalmente poderia ser um obstáculo a se opor, de modo intransigente, às inovações naturais da linguagem (Silva Neto 1956s:12). Caberia, assim, a busca de um equilíbrio, de tal modo que a Gramática não se afastasse demasiadamente dos “fatos da língua”. Desse modo, ao gramático, e à Gramática, da língua portuguesa, por exemplo, caberia o bom senso de cultivar a “boa” linguagem e, ao mesmo tempo, prestigiar “os brasileirismos respeitáveis” (Silva Neto 1963[1950]:266). O gramático deveria evitar portar-se como “linguagista”, “gramatiqueiro”, atendo-se muito detidamente a questões de menor relevancia; teria de descrever e interpretar fatos da língua ao invés de procurar moldá-los às suas noções, por vezes equivocadas, de boa linguagem. Em vista disso, sua opinião a respeito do ensino gramatical no Brasil de seu tempo, segundo ele, dominado pela “gramatiquice” e afastado dos preceitos científicos da Filologia, não poderia ser outra a não ser a de que:

[...] Já estamos em tempo de reformar o ensino, apresentando aos estudantes não as opiniões dos gramáticos, mas os fatos da língua. Estes hão de ser julgados e interpretados com raciocínio filológico e não sob o deformante prisma da gramatiquice (Silva Neto 1963 [1950]:265)

A Gramática, portanto, necessitaria ser subsidiada pela Filologia, que lhe forneceria interpretações verdadeiramente científicas dos fatos de língua, permitindo-lhe, assim, situar-se também entre as práticas científicas com a linguagem e não mais entre as especulações puristas ou gramatiqueiras. Também neste caso, a concepção do autor nos parece estar sustentada pelo intuito de integração. A Figura 3 (página seguinte) procura esquematizar as relações entre disciplinas científicas abordadas em toda esta seção.

123

4.2 O conteúdo paradigmático do programa filológico: áreas, orientações, materiais, recortes, tema

De acordo a seção anterior, podemos afirmar, resumidamente, que a Filologia, ciência do Homem, que incorpora a Dialetologia e se relaciona intimamente com a Linguística, com a Etnografia e com todas as outras ciências humanas, deveria, para Silva Neto, ocupar-se com o estudo da(s) língua(s) em todas as suas dimensões, níveis e modalidades, seja em perspectiva histórica, seja em perspectiva estática. Esse entendimento amplo da disciplina, assim como a definição dos seus variados objetos de estudo, contribuiu para que o autor, provavelmente visando cobrir uma parcela considerável das possibilidades de produção científica previstas pelo paradigma, elaborasse obra bastante variada e abrangente. A ampla gama de temas tratados pelo filólogo, assim como as diferentes orientações impressas às suas produções parecem confirmar esta hipótese.

124

125

4.2.1 Áreas preferenciais de trabalho

Silva Neto elaborou obras cujos temas se referem, se não a todas, pelo menos à maioria das áreas aceitas pelo seu grupo como filológicas. Encontramos em sua produção desde trabalhos filológicos stricto sensu — isto é, edições de textos antigos — até dialetológicos, com passagens pela etimologia, história da língua portuguesa e do latim vulgar. Como sugerimos, o largo espectro de interesses de Silva Neto provavelmente está relacionado com o seu entendimento amplo da disciplina e de suas tarefas; parece-nos, também, estar associado a uma característica pessoal — a ‘‘bibliolatria” (Elia 1967:255) — já assinalada por outros autores, que o levava a manter, em várias áreas do campo de investigações sobre a linguagem, leituras e estudos atualizados 25. Nem todas as áreas a que se dedicou foram desenvolvidas com a mesma ênfase ou constância. Mas a abrangência temática foi um dos fatores que permitiram tomar sua obra como exemplar, já que representativa de várias das possibilidades de atuação autorizadas nas pesquisas da área. Tomando sua produção — ‘múltipla’ e ‘heterogênea’, no sentido de estar direcionada a vários focos e de desenvolver-se de modo não uniforme em cada uma das suas direções — se levássemos em conta apenas dados quantitativos, teríamos uma distribuição temática como a esboçada no Tabela VIII a seguir:

25

Um testemunho recorrente entre aqueles que com ele conviveram dá conta dessa sua compulsão pe la aquisição e leitura de livros, que o teria levado a formar uma das mais completas bibliotecas filol ógicas do país, hoje incorporada ao acervo da Faculdade de Letras da UFRJ. Também em função desse hábito, seus trabalhos concentram muitas referências e citações, de tal modo que, a julgar por elas, Silva Neto estaria largamente familiarizado com a bibliografia filológica, mais antiga ou contemporânea, bem como com textos dos chamados primeiros linguistas ‘modernos’. Nas Fontes do latim vulgar...(Silva Neto 1938), por exemplo, o autor citou, ao lado de Francisco Adolfo Coelho, José Leite de Vasconcelos, Wilhelm Meyer-Lübke (1861-1936), Hugo Schuchardt (1842-1927), Jules Gilliéron (1854-1926), entre outros, Ferdinand de Saussure, Antoine Meillet (1866-1936), Nikolaj Trubetzkoy (1890-1938), Joseph Vendryes (1875-1936) e Roman Jakobson (1896-1982).

126

Tabela VIII: Distribuição das áreas de trabalho privilegiadas pelo ‘paradigma’ da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960

TEMA/ÁREA26

NÚMERO DE PÁGINAS

%

História/problemas do latim vulgar

522

14,3

959

26,3

690

18,9

616

16,8

História da língua portuguesa

698

19,2

Questões vocabulares/etimológicas

162

4,5

TOTAIS

3647

100

Português arcaico/edições de textos antigos Ideias/autores autorizados pelo paradigma Variação linguística, língua portuguesa no Brasil e Dialetologia

Ou seja, levando em conta apenas os dados quantitativos, teríamos como temas preferenciais do autor, na produção selecionada como nosso corpus, sequencialmente. 1) o português arcaico e as edições de textos antigos em português (26,3% ou 959pp.); 2) a história da língua portuguesa (19,2% ou 698pp.); 3) a discussão/difusão de ideias ou de autores autorizados pelo ‘paradigma’ (18,9% ou 690pp.); 4) o português do Brasil e/ou estudos dialetológicos (16,8% ou 616pp.); 5) a história e os problemas do latim vulgar (14,3% ou 522pp.), e 6) questões vocabulares/etimológicas (4,5% ou 162pp.). Para termos uma melhor avaliação das preferências temáticas do autor, entretanto, a esse levantamento quantitativo da sua produção foi preciso contrapor elementos como ‘recorrência do tema’, ‘detalhamento’ e ‘importância a ele atribuída pelo autor’. De fato, se

26

De acordo com Tabela VII, com a distribuição temática da produção publicad a de Silva Neto, capítulo 2 desta dissertação.

127

alguns desses temas, sob esse enfoque quantitativo, se destacaram (por exemplo, ‘português arcaico e edição de textos’), outros se firmaram como centrais, ou pela constância com que foram tratados, ou pelo tratamento mais detalhado que receberam, ou ainda pelo destaque a ele conferido pelo filólogo em seu programa de pesquisa. Um exemplo deste último caso é a ‘história da língua portuguesa’. Tratar desse tema, na própria percepção do autor, era uma das tarefas de primeira ordem nos estudos de Filologia portuguesa, como declarou no prefácio à sua História:

No estado atual da Filologia Portuguesa impõem-se três tarefas indispensáveis: o Dicionário Museu, o Atlas Lingüístico e a História da Lingua. Para o primeiro — que deve abranger toda a língua no espaço e no tempo — temos bons materiais avulsos e uma rigorosa síntese no Dicionário Etimológico de Antenor Nascentes. O Atlas Linguístico de Portugal e Ilhas já começou a ser organizado pelo Prof. da Universidade de Coimbra, Manuel de Paiva Boléo [...] A História da língua portuguesa, para a qual existem, é verdade, numerosos materiais esparsos, esperava ainda quem se abalançasse à primeira síntese. (Silva Neto 1970[1957]:9)

Em vista dessas mudanças, combinamos aqueles dados quantitativos com os qualitativos, ‘recorrência do tema’; ‘detalhamento’ e ‘importância a ele atribuída pelo autor’. Combinadas essas duas instâncias, configurou-se-nos como uma distribuição temática mais adequada, uma que contivesse, em um primeiro bloco, de temas-áreas mais centrais, 1) ‘história da língua’; 2) ‘dialetologia/estudos sobre o português do Brasil’; 3) ‘divulgação/elaboração de teorias/autores’ e a 4) ‘história/problemas do latim vulgar’, e em um segundo, de temas auxiliares, a 5) ‘edição de textos antigos’ e 6) ‘questões vocabulares/etimológicas’. Esta distribuição visou sobretudo ao estabelecimento de uma hierarquia entre as áreas, que destacasse suas preocupações mais fundamentais, embora nos fosse óbvio que, se autor se

128

dedicou a todos esses temas-áreas, tomou-os, a todos, como objetos legítimos, dignos de tratamento, no quadro de trabalho em que atuou.

A) As tarefas centrais e a macrotarefa de elaboração de uma história da língua portuguesa

O principal trabalho de Silva Neto a tratar de história da língua, o livro História da língua portuguesa (Silva Neto 1970[1957]), além de longos anos de preparação, concentrou grande parte das preocupações do autor. Ele foi publicado primeiramente em fascículos, pela editora Livros de Portugal, entre 1952 e 1957 e, neste ano, em primeira edição no formato de livro (cf. Cunha 1970:I-II; Elia 1992:1). É bastante provável que estes cinco anos transcorridos para que a obra se publicasse integralmente correspondam a apenas uma parte do tempo real de preparação, uma vez que o autor, já no início dos anos 40 (v., por exemplo, Rumos filológicos 1942:19), declarava estar desenvolvendo seu projeto de elaboração de uma história para a nossa língua. Para este longo período de elaboração do estudo, além das dificuldades que o mesmo deveria oferecer, concorreram, nos anos 50, questões de ordem pessoal, como o falecimento do filho do filólogo em 25 de janeiro de 1954, e o subsequente agravamento de seus problemas de saúde, que o levariam à morte em 23 de setembro de 1960. Considerado todo esse percurso de produção e o seu resultado — a primeira e, até hoje, uma das principais sínteses sobre o assunto — reconhecemos neste tema-área um dos ‘problemas’ mais constante e detalhadamente tratados em sua obra. O estudo da ‘história da língua’ caminhou lado a lado com o das questões relativas à ‘língua portuguesa no Brasil’ e, em ambos os casos, com especial interesse pelos fatores ‘externos’ ao do sistema linguístico (v. nota de rodapé 6), tais como os sociais e etnográficos.

129

Com este segundo tema, destaca-se a Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil (Silva Neto 1963 [1950]), obra que o autor classificou como etnográfica, por ater-se principalmente à história “sócio-etnográfica” dos desenvolvimentos da língua portuguesa no Brasil (Silva Neto 1963 [1950]: 11-15). Dessa modalidade de estudo sairia também beneficiado o projeto de história do português, como um todo, já que a variação brasileira, sobretudo aquela preservada nas áreas mais isoladas, seria mais conservadora do que a lusitana, fornecendo, assim, subsídios importantes para a compreensão histórica da língua. Os dois temas, portanto, pareciam ter uma direção comum: a de composição de uma história abrangente da língua portuguesa, em paralelo com as das sociedades que a utilizam. Também o estudo do latim vulgar mereceu tratamento pormenorizado, como atestam as Fontes (Silva Neto 1956a[1938]) e mesmo a História do latim vulgar (Silva Neto 1977[1957]). Ele também convergiu para a preocupação com o estudo da história da língua portuguesa, já que o conhecimento desta língua, em suas variações, e de sua história implicaria o domínio das questões que envolvem o latim 'corrente’ — como o autor preferia nomear o chamado latim “vulgar”27. Para Silva Neto, a principal motivação para os estudos sobre o latim corrente parecia ser justamente essa de subsidiar estudos sobre a história da língua portuguesa, a julgar pelo que declara no prefácio à segunda edição das Fontes:

Este livro é o primeiro de uma vasta série que idealizo, destinada a construir minha História da língua portuguesa. (Silva Neto 1946[193 8]: 14)

O tratamento do latim vulgar, portanto, como o da variação brasileira do português, desembocaria na história deste idioma, sendo mais uma das chaves para a sua compreensão.

27

"Como se sabe, a expressão latim vulgar é imprópria e até mesmo incorreta, pois além de poder exprimir ‘ordinário, ‘reles’(o que de nenhum modo é o caso), engloba num bloco uma série de matizes e de formas de língua. E depois sempre se apresentou um ‘latim vulgar’ atópico e acrônico, isto é, com abstração de lugar e de tempo. Assim considerado, ele, afinal de contas, ficava sendo um fantasma, uma língua artificial. Era um manequim a serviço dos romanistas que, com ele (feito à sua vontade e de acordo com as suas necessidades) explicavam os fatos românicos... "(Silva Neto 1977[1957J:39)

130

A ‘difusão das bases teóricas, históricas e metodológicas’ em que se firmava a sua ciência foi também tema constante em Silva Neto, que elaborou dois manuais de introdução à Filologia (Silva Neto 1988[1957] e 1956s), além de dois outros, aqui considerados nos grupos relativos ao trabalho dialetológico (Silva Neto 1957[1955]) e ao trabalho com edições de textos (Silva Neto 1956r). Além disso, em diversos textos avulsos, resenhou autores e suas teorias, demonstrando interesse em divulgar ideias filológicas e introduzir os mais jovens à disciplina. Desta introdução aos métodos, problemas e bases teóricas fazia parte uma incursão pela história da disciplina. Com efeito, além de ter escrito biobibliografias (geralmente, pequenos obituários) de autores brasileiros, portugueses e de outros países, elaborou panoramas sobre momentos da história da Filologia e da Linguística. Nenhuma obra foi inteiramente dedicada a isso, mas há boas amostras na primeira seção do Manual de filologia portuguesa (Silva Neto 1988[1957]), em vários textos publicados em periódicos (cf. Tabela II, capítulo 2) e trechos dispersos em muitas de suas outras produções. Para o autor, seria importante conhecer a história da disciplina para se saber o que foi feito e o que resta fazer, aprender com os erros e acertos dos “antepassados” científicos e espelhar-se em seu exemplo de trabalho e dedicação à língua (cf. Silva Neto 1988[1957]:15).

B) As tarefas auxiliares e a macrotarefa da elaboração de uma história da língua portuguesa

As ‘edições de textos’28 foram igualmente conceituadas pelo autor como uma das principais tarefas da Filologia:

28

No capítulo metodológico, justificamos o fato de termos considerado as Fontes (1956a[1938]), juntamente com a História do latim vulgar (1977[1957]), em um grupo-tema específico, sobre o latim, apesar da edição cuidadosa do Appendix Probi na primeira obra.

131

Estou certo de que uma das tarefas mais urgentes e frutuosas da Filologia Portuguesa é a publicação de textos comentados. Esse é o passo inicial, indispensável aos futuros estudos lexicográficos, gramaticais ou estilísticos. (Silva Neto 1988[ 1957]: 18)

A importância atribuída a essa tarefa o levou, inclusive, a adquirir para seu acervo particular manuscritos dos mais raros (v. capítulo 3). No entanto, comparando o trecho citado acima àquele em que o autor se refere à ‘história da língua’, notamos que ele parece ter estabelecido uma hierarquia entre os temas: a ‘edição de textos’, trabalho fundamentalíssimo, serviria de base para outros estudos, gramaticais, lexicográficos, estilísticos, enquanto a elaboração de uma ‘história da língua portuguesa’ requereria, também, a soma, a coordenação de outros trabalhos, mesmo que, a princípio, dedicados a outras questões, como a ‘história e os problemas do latim vulgar’ ou a ‘formação da língua portuguesa no Brasil’. Há, com este tema, um documento, Textos medievais portugueses e seus problemas (Silva Neto 1956r), no qual o filólogo procurou exemplificar procedimentos para o trabalho filológico desta natureza. Esse volume pretendia explicitar a metodologia para a elaboração de edições de textos antigos, estabelecendo e demonstrando o que e como fazer neste campo, de tal modo que também indicia sua propensão a (meta)teorizar ou, ao menos, ‘discutir/difundir teorias e métodos’. As questões vocabulares/etimológicas foram o único entre os grupos-tema de que tratamos nesta seção ao qual o autor não dedicou livros inteiros. Afirmava o filólogo que pretendia, com seus textos, avulsos, apenas fornecer algumas contribuições para que se organizasse um grande dicionário etimológico da língua portuguesa (v. Silva Neto 1956j:157 e 192), diferentemente do que ocorreu com o projeto de elaboração de uma história da língua — igualmente complexo — que se propôs executar. Para ele, todos os que pudessem deveriam, como ele, publicar suas contribuições para um futuro dicionário-museu da língua, que tomaria as palavras e sua história em conexão com a história cultural e material.

132

Resumidamente, em relação à categoria tema-área, diríamos que sua produção teve como referência primordial o português e seu desenvolvimento histórico: foi a partir desse foco, parece-nos, que se configuram seus estudos acerca do latim “corrente” — berço das línguas românicas e, sintomaticamente, não sobre o clássico; dos falares rurais brasileiros, que conservariam traços dos mais antigos da língua; da caracterização do português do Brasil, mais conservador do que o lusitano; da edição de textos em português arcaico, que serviria de base para outros estudos (históricos) sobre a língua; ou da difusão/estabelecimento de princípios teórico-metodológicos, úteis para conduzir os estudos de Filologia (diacrônica) portuguesa. Mesmo quando tratando destes outros temas, o autor não perdeu de vista a língua portuguesa, elaborando trabalhos nos quais as múltiplas preocupações e áreas de interesse convergiram para a preocupação e interesse centrais de descrever e interpretar as diferentes fases da formação e desenvolvimento da língua portuguesa. Desta forma, se há um fio a perpassar a variada e ampla rede temática da produção de Silva Neto e a destacar-se como um núcleo central, em nossa interpretação é a língua portuguesa, ou antes, a preocupação histórica com ela. Preocupação esta que perpassa as faces social e cultural da língua e leva o filólogo a realizar trabalhos que denominou filológicos, dialetológicos e até etnográfico, como vimos.

4.2.2 Orientações

Entre as orientações predominantemente adotadas nos trabalhos de Silva Neto, de acordo com o nosso corpus, estiveram a histórica (40%) e a combinação histórico-

133

metateórica (20%). A orientação apenas metateórica apareceu em 16%; a orientação para uso/variação em 14% e a gramatical, em 10%, como resume a Tabela IX, a seguir:

Tabela IX: Distribuição dos tipos de orientação privilegiados pelo ‘paradigma’ da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960

ORIENTAÇÃO

NUMERO DE TEXTOS

%

Histórica

20

40

Histórica-metateórica

10

20

Metateórica

8

16

Uso/variação

7

14

Gramatical

5

10

TOTAIS

50

100

Ter as orientações histórica e metateórica como predominantes em sua obra sugere que ela esteve voltada, preferencialmente, por um lado, para a consideração dos problemas de língua no tempo e, por outro, à discussão e ao estabelecimento tanto de conceitos quanto de teorias e métodos no campo.

A) Histórica

No grupo de textos com orientação histórica, notamos a inclusão de fatores “mais externos” às línguas, tais como a constituição e distribuição étnica, a localização geográfica

134

mais central ou periférica, a estruturação política (principalmente quando tratou do latim), a estrutura educacional etc. “dos povos” que as falam. De fato, em relação a este aspecto, aquilo que afirmava ser um preceito elementar a ser seguido por aqueles que se dispusessem a estudar a história das línguas, qual seja, o de que a história de uma língua deveria ser a “história dos homens que a falam” (Silva Neto 1970[1957]:54), aparece, no que aqui consideramos como seus ‘produtos’ científicos, isto é, nas suas obras, como um esforço recorrente. Em outros termos, a tentativa de relacionar a língua com elementos concernentes à constituição das comunidades que as utilizam (ou utilizavam) foi um traço caracterizador de seus trabalhos, sobretudo quando a perspectiva foi histórica. Desse modo, sua história não teve como ênfase a demonstração, passo a passo, das mudanças linguísticas, mas a consideração dessas e das diferentes fases da língua em perspectiva sociocultural.

B) (Meta)teórica

Quanto à adoção do ponto de vista metateórico, observamos estar relacionada à prática do autor de — além de difundir teorias e métodos desenvolvidos no campo linguístico ou apresentar/discutir um número elevado de trabalhos relacionados a cada um dos temas de que tratou em seus estudos, posicionando-se em relação a variadas tendências em voga em um ou outro momento da história da disciplina — ter ele mesmo o hábito de formular hipóteses explicativas dos fatos/teorias estudados, assim como de tentar sistematizar o que seriam as tarefas de sua disciplina, elaborando, neste caso, trechos e mesmo textos inteiros, com caráter

135

programático, isto é, estabelecendo como proceder na área29. Para este último aspecto, em alguns casos, contribuiu o fato de os trechos estarem em obras destinadas à iniciação, em nível de terceiro grau, à disciplina30. Nestas obras, a tendência a definir o que vinha a ser, quais os objetos e as tarefas das disciplinas foi acentuada, dado o caráter “didático” dos textos.

C) Uso/ variação e gramatical

Os documentos que procuraram destacar a variação linguística tiveram como material de análise central a língua portuguesa, neste aspecto igualando-se àqueles destinados ao tratamento gramatical. Com esta última orientação, foram tratados aspectos como homonímia, polissemia, ortografia, por exemplo. Nos textos com orientação para uso/variação foram investigados pelo filólogo tanto usos literários (25%) quanto — e principalmente — regionais (75%). A multiplicidade de orientações impressas às obras indicaria um esforço do filólogo no sentido de cobrir, sob diferenciados pontos de vista, o objeto língua. Por sua vez, a preponderância da orientação histórica, que do modo como concebida pelo autor, reivindica incursões pela área das humanidades, possibilitaria a realização de estudos filológicos de espectro mais amplo. Complementarmente, a orientação metateórica, o poria em face de uma de suas principais questões: situar a disciplina filológica entre as Ciências do Homem,

29

É o caso, por exemplo, do Guia para estudos dialetológicos e dos diversos trechos, de vários de seus textos, nos quais o filólogo opina sobre quais seriam os atributos e tarefas da Filologia, da Dialetologia (e da Geografia Linguística, método dialetológico que parecia melhor satisfazer suas expectativas), da Linguística. 30 Caso dos manuais (Silva Neto 1956s; 1988[1957]); do Guia para estudos dialetológicos (Silva Neto 1957[1955]).

136

compreendendo e sistematizando as suas relações com as demais — algo extremamente necessário quando as fronteiras entre disciplinas científicas não parecem tão rígidas.

4.2.3 Materiais e recortes preferenciais

Do ponto de vista do material, entre os documentos selecionados para análise, houve preponderância do tratamento de línguas naturais em oposição à proposição/discussão de teorias: na maioria dos estudos foram tratados dados de língua, como ilustra a Tabela X:

Tabela X: Distribuição dos materiais preferenciais do ‘paradigma’ da Filologia Brasileira, entre 1940 e 1960, quanto à natureza

MATERIAL

NUMERO DE TEXTOS

%

Teoria (T)

9

18

Línguas naturais (LN)

41

82

TOTAIS

50

100

A) Posicionamento teórico

Os textos que, em nossa tipologia, denominamos teóricos, isto é, aqueles em que o autor enfatizou a discussão/elaboração de teorias ou aspectos delas, representam apenas 18% do total. Neles, ou o autor apresentou/discutiu teorias linguísticas, ou elaborou crônicas históricas a respeito das disciplinas/personalidades das ciências da linguagem. Esses textos ‘teóricos’

estão

concentrados,

principalmente,

no

grupo

‘divulgação/discussão de ideias/autores autorizados pelo paradigma’.

temático

referente

à

137

As suas posturas teóricas gerais, contudo, se depreendem não apenas dessa modalidade de textos mas de toda a sua obra, e são muito acentuadamente marcadas pelo socioculturalismo. É assim, por exemplo, que, esclarecendo que foi seu “escopo encontrar apoio na história do Brasil, na formação e crescimento da sociedade brasileira para colocar a língua no seu verdadeiro lugar: expressão da sociedade, inseparável da história da civilização” (Silva Neto 1963[1950]:11), Silva Neto iniciou a sua Introdução ao estudo da língua portuguesa no Brasil. Este entendimento de língua como um elemento imbricado à estrutura da sociedade apareceria, diretamente enunciado ou subentendido, reiteradamente em suas obras e o levaria a nelas usar, com frequência, dados que convencionamos chamar “extralinguísticos” (v. nota 6), além de permitir-lhe um bom trânsito por teorias e conceitos “da Linguística” ou “da Filologia” nos quais esta noção é pressuposta. A língua teria sentido enquanto forma de expressão de um grupo e seu estudo requereria a consideração dessa sua dimensão sociológico-etnográfica. Em função disso, estiveram excluídos de seus referenciais teóricos preferenciais, por exemplo, os pressupostos e métodos ‘naturalistas’ de Schleicher e dos Neogramaticos, que, não obstante os progressos técnicos que teriam propiciado à área, na sua visão, tomaram as línguas isoladamente, ao concebê-las como organismos naturais:

Os começos da Lingüística Geral estão, como se sabe, ligados ao grande desenvolvimento das Ciências Naturais. Não surpreende, por isso, que Schleicher e outros de seu tempo considerassem a língua como um organismo vivo que nascia, crescia e morria. Só pouco a pouco é que se foi reagindo contra essa visão naturalista de um fenômeno que é, na realidade, uma instituição social. As línguas são o que delas fazem as sociedades que as empregam [...]. Assim a história de uma língua corre parelhas com a história política e social dos homens que a falam. (Silva Neto 1960a: 19)

138

Seu posicionamento em relação a essa tendência linguística era o de que deveriam ser utilizadas as ‘leis’ ou ‘correspondências’ fonéticas, em sua maior parte formuladas por Neogramáticos, como um dos instrumentos a garantir a segurança das hipóteses históricas que, contudo, deveriam estar abalizadas pelos contextos:

... as ‘leis fonéticas’, melhormente designadas por ‘correspondências fonéticas’, representam apenas um meio prático para investigações. [...] e o filólogo não pode prescindir delas. (Silva Neto 1970[1957]:51)

Mas,

[A língua] Não está obrigada a prosseguir sua trajetória, de acordo com leis determinadas, porque as línguas seguem o destino dos que a falam, são o que delas fazem as sociedades que as empregam. (Silva Neto 1963:17-18)

Essa sua visão sobre a Linguística de Schleicher e dos Neogramáticos, sobre seu conceito naturalista de língua e sobre as leis fonéticas, parecia comum a praticamente toda a comunidade cientificamente relevante. De Sousa de Silveira a Mattoso Câmara, todos reconheciam naquela tendência algo superado no campo de estudos da linguagem, no momento já mais vinculados às ciências sociológicas, humanas, e, portanto, tomavam a linguagem como instituição social. Para Silva Neto, conceber as línguas como “organismos naturais” e as ciências da linguagem como “Ciências da Natureza”, tratava- se de uma tendência “fossilizada”. No pólo oposto de sua preferência estiveram as teorias, conceitos e métodos daqueles que, em alguma instância, correlacionaram língua e sociedade/cultura. Assim é que se utilizou das saussurianas langue e parole, da ‘deriva’ de Sapir31, coordenando-as aos conceitos, de

31

Edward Sapir (1884-1939)

139

caráter etnográfico, da escola alemã das Palavras e das Coisas (Wörter und Sachen)32, dos estudos dialetológicos de Schuchardt e do método geográfico- linguístico33 de Gilliéron, por exemplo, bem como com os da Filologia em um de seus mais amplos conceitos, qual seja, o de disciplina responsável pelo estudo da língua e de todos os diferentes fatores a ela relacionados34. Também era assim que os textos antigos, em sua perspectiva, testemunhavam uma época da língua e da cultura portuguesas35; que a história da língua tinha de ser estudada em paralelo com a história social, política e cultural dos povos; que os estudos dialetológicos, preferencialmente conduzidos pelo método da Geografia Linguística, deveriam dar conta de particularidades histórico-culturais que geraram especificidades (variações) no tecido linguístico; que o português do Brasil e suas peculiaridades se explicariam, também, por fatores etno-geográfico-históricos do país, do mesmo modo que as palavras seriam explicadas, em sua gênese e posteriores desenvolvimentos, de acordo com o uso dos homens, ao longo do tempo e em face de fatores como sua localização e distribuição geográfica, grau de ‘civilização’ daqueles que as utilizam(vam) etc. Pareceu-nos, enfim, ter sido esta noção de língua como produto sociocultural um dos principais nortes para a formulação dos seus demais conceitos e de aspectos dos produtos

Segundo esta corrente, também chamada de Objetologia, o estudo das ‘coisas’ (Sachen) seria um instrumento fundamental para a compreensão das palavras (Wörter). A cultura material dos povos (isto é, as ‘coisas’) poderia explicar a cultura espiritual (as palavras), já que ambas comporiam um todo intimamente relacionado — a ‘cultura’, de um modo geral.(v. Silva Neto 1988[1957], entre outros) 33 A Geografia Linguística, método de estudo das variações linguísticas criado por Jules Gilliéron, organizador do Atlas Linguistique de la France (publicado entre 1902 e 1910), “... pressupõe o registro em mapas especiais de um número relativamente elevado de formas ling üísticas (fônicas, lexicais ou gramaticais) comprovadas mediante pesquisa direta e unitária numa rede de pontos de determinado território, ou que, pelo menos, tem em conta a distribuição das formas no espaço geográfico correspondente à língua, às línguas, aos dialetos ou os falares estudados". (Coseriu 1982:79) 34 v. Ulhôa Cintra 1939. 35 N’A Santa vida e religiosa conversação..., por exemplo, reforçando este traço, soma-se ao prefácio- estudo de Jaime Cortesão (1884-1960) — que, filho do filólogo português Antônio Augusto Cortesão (1854- 1927), e historiador de grande prestígio em Portugal e no Brasil em sua época, apresenta Silva Neto aos leitores portugueses — uma detalhada análise do próprio filólogo (Introdução, pp. 37-89) sobre André de Resende, sua época e seu papel na sociedade/cultura portuguesas, de modo a contextualizar o livro em relação ao período e em relação à obra do humanista. 32

140

científicos (obras) elaborados a partir deles. Entendida a língua em perspectiva sociocultural, os demais conceitos passam a ser daí derivados.

B) Tradição e regionalismos

Se o material foi Teoria em 18% dos textos analisados, nos 82% restantes a ênfase recaiu sobre dados de língua. Entre estes, contamos 58,8% com dados de língua portuguesa (LP); 31,7% com dados de língua portuguesa e latim (LP + L)ou língua portuguesa e latim e outras línguas/dialetos românicos (LP + L + R) e 9,8% privilegiando o latim (L), como expõe o Tabela XI. Por ela, é possível notar a ocorrência predominante da língua portuguesa e, em seguida, do latim — com as línguas românicas ou isoladamente — como materiais mais tratados nas obras de Silva Neto. Esta ocorrência, provavelmente, relaciona-se à sua opção predominante pelo ponto de vista histórico: o recurso ao latim e às outras línguas românicas parece vincular-se estreitamente à opção pela história, sobretudo do português, que requer o estabelecimento de relações entre estes domínios linguísticos. Tabela XI: Distribuição do corpus com dados do LN, por tipo de língua

LINGUA(S)

NUMERO DE TEXTOS

%

Língua portuguesa

24

58,5

Língua portuguesa + latim ou língua portuguesa + latim + outras línguas/dialetos românicos

13

31,7

141

Latim

4

9,8

TOTAIS

41

100

Frisamos, novamente, termos levado em conta no nosso processo de análise os materiais privilegiados em cada obra (cf. capítulo 2), o que não significa que outros nelas não aparecessem em um plano secundário. Neste plano, além de outras línguas românicas, apareceram nas obras do filólogo exemplos do grego e mesmo de línguas como o basco. Todavia, como nos interessavam as ênfases, destacamos as ocorrências mais significativas em cada texto basicamente nos três grupos que compõem a Tabela XI. Quanto às modalidades de língua, o autor afirmou em diversas passagens que todas36 elas, desde a linguagem literária até o falar regional, seriam objetos da Filologia e igualmente importantes para a constituição de uma história da língua. A respeito desta última, o filólogo declarou que: Ao contrário do que se poderia pensar, é grande a importância dos regionalismos para a história da língua e para a pesquisa etimológica. Geograficamente confinados e socialmente desprestigiados — se vistos à luz do presente — ganham imenso valor, se encarados sob a perspectiva histórica. É que antes da constituição da língua comum não há senão regionalismos, e o vocabulário daquela é constituído, precisamente, de regionalismos de todas as partes do país. Logo, sob o prisma histórico, o regionalismo hoje relegado — precede o vocabulário da língua comum. Uma correta interpretação deste só se pode fazer, por isso, à luz dos regionalismos. (Silva Neto 1970[1957]:307)

Os regionalismos, em seu processo de produção acad^êmica, de fato, fizeram parte do material com o qual trabalhou. No entanto, em alguns momentos, o filólogo utilizou-os filtrados pela criação literária (v., por exemplo, os trechos de Gil Vicente utilizados em Silva

36

"Por mais nobre que seja a defesa inteligente das formas vernáculas, a Filologia é outra coisa. Para ela a língua é uma expressão da cultura e, como tal, a estuda. Interessam-lhe, assim, os falares das sociedades não alfabetizadas tanto quanto a expressão artística dos grandes escritores. "(Silva Neto 1951:15)

142

Neto 1963[1950] e 1970[1957]). Embora reconhecidas pelo filólogo como literárias, as representações foram acolhidas como exemplos daquela linguagem e da popular. Curiosamente, também em sua História da língua portuguesa (Silva Neto 1970[1957]), sobretudo nos últimos capítulos, o autor acabou por restringir-se à consideração da linguagem literária, tomando-a como representação de todo o estágio da língua em cada uma das diferentes épocas (neste caso, dos diferentes séculos). Os fatores para a explicação do longo período de elaboração desta obra, como o falecimento de seu filho, provavelmente também contribuíram para isso, já que é nítida a defazagem entre o início da obra e seu final. Talvez, ainda, devessem ser consideradas as maiores facilidades oferecidas pelo trabalho “de gabinete” com textos literários (já compendiados) do que pelo trabalho “de campo”, com os falares que ainda necessitavam ser colhidos e descritos. Como os trabalhos “de gabinete” e os “de campo” seriam, para o autor, igualmente lícitos, não haveria demérito em optar pelo primeiro e esta, portanto, não seria uma questão pertinente. Todavia, importa notar que, considerando a hipótese de ter sido necessária uma opção, ela, na prática, independentemente dos fatores que a justifiquem, foi feita em favor da linguagem literária, quando, segundo as próprias palavras (ou idéias formalizadas) do autor, as outras teriam a mesma relevância para a constituição da história da língua. Para usar termos do filólogo, no trabalho prático de constituição da história da língua predominou “Maria”.

C) O português como ‘objeto global’

Do ponto de vista dos recortes a partir dos quais, preferencialmente, os dados de língua foram apresentados nos textos, verificou-se uma maior fluidez em comparação com as demais categorias até o momento analisadas — o que talvez reflita uma tendência a tomar a

143

língua de um modo globalizante — no que se refere à combinação: na maioria de seus trabalhos, o filólogo considerou mais de um nível de análise linguística. Foram poucos os textos em que apenas um dos níveis foi levado em conta: entre os textos, apenas 4% tratam exclusivamente de fonética; 18%, do nível do texto; 12%, do nível lexical. Em contrapartida, 32% combinam a análise dos níveis morfológico/lexical; 26% fonético/morfológico; 8% os níveis fonético/ morfológico/lexical/sintático/textual.

Tabela XII: Distribuição dos recortes privilegiados pelo ‘paradigma’ da Filologia Brasileira entre 1940 e 1960

RECORTE

NÚMERO DE TEXTOS

%

Fonético/fonológico

2

4

Lexical

6

12

Textual

9

18

Morfo/lex

16

32

Fon/morfo

13

26

Fon/morfo/lex/sin/tex

4

8

TOTAIS

50

100

O limite principal parece ter sido o da palavra: a fonética, a morfologia e a lexicologia, ao lado da etimologia (que efetivamente combina a origem mórfica e semântica dos termos e o estudo de sua evolução — fonética, morfológica, semântica) foram as análises mais constantes. Nos casos em que o objeto foram textos editados — este estudo das palavras frequentemente foi acrescentado.

144

4.2.4 A metalinguagem: língua, linguagem, falar, dialeto e seus sentidos mais usuais

Há um acatamento, por parte do autor, da distinção saussuriana entre ‘língua’ — sistema — e ‘fala’ — realização do sistema. No entanto, na prática da escrita, por vezes o conceito de língua equivale ao de ‘linguagem’ e este, por outro lado, às vezes equivale ao de ‘uso’, ‘falar’. Dificilmente o autor se refere à ‘linguagem’ tomando-a como uma instância mais geral, ou abstrata, reportando-se a ela como faculdade comunicativa humana. Ela tem, preferencialmente, o sentido de ‘estilo’, ou ‘linguajar’, isto é, de variação, em nível de uso individual de um sistema. Assim; o termo mais geral, em oposição ao mais específico ‘falares’, foi, frequentemente, ‘língua’ — línguas portuguesa, latina, como expressões dessas culturas. À parte essas especificidades no ‘uso’ (ou na ‘linguagem’) do autor que talvez refletiriam uma maior inclinação de seu trabalho para o tratamento de dados de língua do que para a consideração abstrata, teórica, de problemas linguísticos —, a distinção de pelo menos dois níveis, o da ‘língua’, sistema a fornecer as regras para a comunicação em sociedade, e o de seus diferentes matizes (isto é, os ‘falares’, ‘usos’,‘linguagens’) configurou-se como importante para a compreensão, sobretudo, de suas teorias a respeito do português no Brasil e de sua “unidade na diversidade e diversidade na unidade”. Para Silva Neto, toda língua, expressão da cultura humana, conteria pelo menos os seguintes níveis: 1)

O da ‘linguagem padrão’ — que seria a norma, utilizada em situações mais

tensas, pelas pessoas cultas; 2) menos tensas;

O da ‘linguagem familiar’ — utilizada pelas mesmas pessoas, em situações

145

3)

O da ‘linguagem popular’, em que se incorporam as gírias, utilizada por

pessoas menos instruídas, e 4)

O da ‘linguagem regional’ — que, diferentemente dos três primeiros níveis,

seria utilizada por pessoas que vivem na zona rural e marcada por especificidades locais. Esta classificação resultaria de uma primeira tripartição entre: 1)

‘Linguagem literária’, representada pelas produções artísticas;

2)

‘Linguagem corrente’ ou ‘comum’ — uma espécie de média linguística que

engloba os níveis 1, 2, 3 e 4 acima, e 3)

‘Linguagens regionais’ — que, apresentando diferenciações ou particularidades

locais, tenderiam a tê-las aplainadas, sobretudo por intermédio da educação escolar, pela‘linguagem corrente’ ou ‘comum’. Ilustrativamente, reproduzimos o esquema geral do autor para o caso da língua portuguesa (Silva Neto 1963[1950]:30) à página seguinte (Figura 4). As linguagens regionais foram ainda chamadas de ‘falares’ (regionais ou rurais), e foi com esse termo que o autor se referiu ao que teria sido, em sua visão, a primeira fase da formação do português do Brasil — um ‘falar crioulo’. O termo ‘dialeto’, para o autor, não seria muito preciso. Segundo ele, 'dialeto’ seria um termo especificamente criado para referir uma situação da língua grega, que não se reproduziria nas demais. O termo foi, assim, poucas vezes empregado e em quase todas, com a ressalva de que um termo melhor seria falar/falares, para dar conta das variações de uma língua.

146

147

4.2.5 Tema recorrente e teses polêmicas: estudos sobre o português do Brasil

A) Crioulo

Uma das mais discutidas teses incorporadas por Silva Neto é a relativa à formação de um ‘crioulo’ português nos inícios da expansão da língua pelo Brasil. Encontrando apoio em Adolfo Coelho que teria sido o primeiro a propor princípios gerais para o crioulo português (Silva Neto 1970[1957]:437; Petter 1998:779) e em acordo com o conceito deste fenômeno linguístico elaborado por Hugo Schuchardt (1842-1927), julgou que, no princípio da colonização portuguesa, passada a fase de predomínio das comunicações na chamada Língua Geral, teria sido estruturada uma linguagem portuguesa bastante tosca — e coexistente com o português, de padrão europeu, falado pelos brancos — que serviria de meio de comunicação para negros, índios e mestiços. Tratar-se-ia de uma adaptação da língua européia, sendo caracterizada por acentuada simplificação das formas, sobretudo das conjugações. Modo de expressão daqueles povos “de civilização inferior” (Silva Neto 1963[1950]; 1970[1957]), o crioulo formara-se a partir de uma confluência de fatores, sobretudo de natureza ‘externa’: Para o filólogo, o colonizador, ao transmitir sua língua, simplificou-a ao máximo para se fazer entender pelos aloglotas e pelos seus compatriotas vindos de outras regiões. Os aloglotas, por sua vez, obrigados a aprender (e rapidamente) a língua devido à situação de submissão, deturparam-na ainda mais. De fato, para ele,

Os crioulos são falares de emergência, com caracteres definidos e vida própria, que consistem na deturpação e simplificação de uma língua, quando imperfeitamente transmitida e aprendida por gente de civilização inferior. (Silva Neto 1970[1957]:436).

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No caso brasileiro, esse falar deturpado concorreria com o dos brancos. Como estes proviriam das mais diferentes regiões de Portugal e como, na visão do autor, a linguagem variaria conforme o local e os grupos que delas se utilizam, comumcavam-se de acordo com normas distintas. Reunidos no novo território, para facilitar o contato e a interação, teriam eliminado de suas falas os traços mais regionais, dando origem a uma ‘língua comum’ — média dos diferentes ‘falares’ portugueses — que inicialmente ficou concentrada nas regiões costeiras, espalhando-se depois pelo interior do país. Com o passar do tempo e a “elevação do nível das massas”, principalmente por meio da educação escolar, o crioulo teria sido, pelo menos parcialmente, encoberto pela língua européia, gerando, neste caso, o que se poderia chamar ‘semicrioulo’:

Nos crioulos há vários graus de aprendizagem, pois, segundo as circunstâncias, o primitivo falar xacoca mantém-se ou é aos poucos renovado pelo sangue novo da língua européia. De geração em geração, graças sobretudo à escola, vai-se aperfeiçoando e enriquecendo a primitiva fala de emergência [...] Daí o admitir-se a existência do semicrioulo, ou seja, um estágio mais aperfeiçoado da primitiva aprendizagem. Ele exemplificanos o choque entre o falar europeu e o crioulo. Este vai sendo, pouco a pouco, invadido por palavras e giros da fala das pessoas mais bem dotadas. O semicrioulo encerra, pois, formas e torneios semicultos. (Silva Neto 1970[1957]:437)

No Brasil, passada também esta segunda fase, “semiculta”, resquícios dos falares crioulos teriam permanecido apenas nas áreas rurais — nos chamados ‘falares regionais’ — dada a maior força da língua européia — símbolo de uma “civilização superior” que teria sobrepujado aqueles falares “xacocas”, relegando-os, em alguns de seus traços, às áreas mais isoladas do país:

Pouco a pouco, no contato com os brancos e ao sopro das luzes das escolas, negros, índios e mestiços de toda a espécie foram aperfeiçoando a sua linguagem. (Silva Neto 1963[1950]:122)

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O autor sintetiza sua hipótese sobre a formação do português do Brasil do seguinte modo:

O português do Brasil não é um todo, um bloco uniforme. É preciso distinguir-lhe os vários matizes, de acordo com as ocasiões, as regiões e as classes sociais. Assim, temos: 1) uso literário, culto; 2)uso corrente (familiar, popular, gíria); 3) uso regional. [...] 2) Os colonizadores vinham de todas as partes de Portugal, de modo que, em contato e interação, se fundiram num denominador comum, de notável unidade. 3) Acompanhando o destino dos homens, o português primeiro se fincou no litoral. Aí se constituiu, nos dois primeiros séculos da colonização, um falar de marcante unidade, uma koiné, em suma. E foi essa koiné falada na costa, que invadiu o interior com as bandeiras e as entradas. Daí, evidentemente, as raízes das características do português brasileiro: a unidade e o conservadorismo. 4) É indispensável distinguir, desde os tempos mais antigos, os estratos sociais da língua portuguesa usada no Brasil. Por isso estabelecemos que os portugueses da Europa e seus filhos falariam um português de notável unidade, enquanto os aborígenes, os negros e os mestiços se entendiam num crioulo ou semicrioulo. A proporção que se ia afirmando a civilização, o português, graças ao seu prestígio de língua dos colonizadores e de língua literária, foi se irradiando. (Silva Neto 1963[1950]:1415) 1)

A ‘linguagem’ portuguesa que aqui se desenvolveu, a partir daí, teria traços de superfície que a distinguiriam da européia, tratando-se, porém, da mesma língua, em essência.

B) Unidade na diversidade, diversidade na unidade

O português do Brasil teria unidade, proporcionada, já nos princípios de sua formação, pelo estabelecimento de uma média linguística das diferentes variações lusitanas, e teria também diversidade, uma vez que esta média, a língua comum, resultaria de diferentes tons, que um atlas linguístico nacional, se executado, demonstraria.

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É preciso ter na devida conta que unidade não é igualdade; no tecido linguístico brasileiro há, decerto, gradações de cores. Minucioso estudo de campo determinaria, com segurança, várias áreas. O que é certo, porém, é que o conjunto dos falares brasileiros se coaduna com o princípio da unidade na diversidade e da diversidade na unidade. (Silva Neto 1963[1950]:271)

Haveria, em suma, variações locais, que, contudo, não comprometeriam a unidade linguística nacional. Além disso, a mesma língua seria utilizada em Portugal, onde, por sua vez, também apresentaria variações internas, específicas deste território. Se para Silva Neto uma língua é o que dela fazem os diferentes grupos humanos, inseridos em diferentes contextos, é uma decorrência lógica ter assumido que a língua portuguesa varia, já que, considerados Brasil, Portugal e as demais (ex)colônias portuguesas ou cada um isoladamente, os grupos e os contextos também o fazem. Não obstante esse reconhecimento das diferenças entre as linguagens ou falares brasileiros em relação aos portugueses, a hipótese de existência de uma língua brasileira é totalmente inaceitável para ele:

Em resumo: a língua portuguesa é falada em Portugal e no Brasil. Tanto de um lado como de outro há diferença de lugar e de classe social para classe social. Temos os falares do português de Portugal e os falares do português do Brasil. (Silva Neto 1963[1950]:117)

Esta a síntese de sua proposição de “unidade na diversidade e diversidade na unidade”: aqui e lá, a mesma língua com diferentes gradações num ponto e no outro. As diferenciações, entretanto, seriam manifestadas em superfície, como na pronúncia, no vocabulário, em torneios sintáticos. A ‘linguagem literária’, por exemplo, teria, no Brasil, independência 37, já que o estilo, “jóia da criação pessoal”, naturalmente varia; a essência da ‘língua’ estaria,

“Esse espírito brasileiro não se caracteriza pelo anseio de independência l ingüística, mas realiza o ideal de independência literária. "(Silva Neto 1963[1950]:268) 37

151

contudo, preservada nos “irmãos”, Portugal e Brasil, que por isso utilizariam, indiscutivelmente, a mesma e única língua portuguesa.

Língua brasileira é, assim, desculpa de insuficiência e bandeira de cômodo nacionalismo. (Silva Neto 1963[1950]:263)

Nada, para ele, justificaria admitir-se uma língua nacional. Algo a ser notado em relação a esse posicionamento sobre a existência de uma língua brasileira é que o autor, apesar de afirmar em mais de uma passagem que esta “querela” da “língua nacional” estaria superada, insista em discutir o assunto e em negar a validade dessa tese, nisso também representando exemplarmente a sua geração (v., por exemplo, Elia (1940) ou Chaves de Melo (1946)). O assunto assim, dada a recorrência, pareceu-nos, mais do que superado, ter sido objeto de um certo consenso entre os membros da comunidade científica. O ponto da discussão não era o de ignorá-lo — atitude mais comum em face de problemas irrelevantes — mas acentuar o “acordo” existente em relação a ele.

C) Conservadorismo

A língua portuguesa, nas suas variações usadas no Brasil, além de unitária, era para Silva Neto, conservadora, sobretudo nos seus falares regionais. Esse conservadorismo, que como a unidade, seria uma característica comum às línguas ‘transplantadas’ para áreas diferentes daquelas em que se originaram, também teria explicações ‘externas’ (v. novamente nota 6). Uma delas seria o fato de a língua ter se desenvolvido em localidades e comunidades, por vezes isoladas, que, não estando em contato com outras, tenderiam à conservação de suas próprias tradições, entre as quais, as linguísticas. Essas comunidades seriam, geralmente,

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reduzidas, havendo, em função disso, reiterados contatos entre os mesmos indivíduos — uma outra razão para serem menores os “germens” de evolução e de transformação. Estabelecendo-se a língua portuguesa primeiramente no litoral e só depois se estendendo para o interior do país, neste ela seria mais arcaizante, posto que as províncias, colonizadas posteriormente, “são áreas conservadoras” (Silva Neto 1963[1950]:271). Além disso, durante a Colonização, teria sido “reiterado e constante o esforço do poder público” para a difusão e o estudo escolar da língua escrita, mais conservadora do que a oral. Complementando essa atuação dos colonizadores, a elite colonial brasileira teria, desde os primórdios, manifestado a vontade falar e escrever português, imitando os cânones gramaticais da Metrópole (v. Silva Neto 1963[1950]), por razões de prestígio ou ascensão social. Assim confirmado o seu conservadorismo, o estudo do português do Brasil, principalmente de seus falares de caráter rural, seria extremamente importante para a compreensão da história da língua, uma vez que, preservando alguns traços mais arcaicos, poderia ser útil para a confirmação de hipóteses sobre as transformações por que passou ao longo do tempo a língua. Atestaria, no presente, tendências linguísticas do passado.

D) Indianismo e africanismo

Quanto ao peso das influências negra ou indígena na nossa modalidade do português, o autor afirmava ser muito menor do que o estimado até a sua época:

Durante muito tempo foi moda multiplicar exemplos de influência indígena em nossa linguagem. Fez parte do indianismo filológico... Mais tarde entrou em cena o negro. E logo se lhe transferiram muitas responsabilidades... A verdade, porém, é que a maior parte dos fatos alegados não passava de interpretações sem base, fantasiosas ou precipitadas. Além da falta de conhecimentos de línguas americanas e africanas, a muitas das pessoas que advogavam teses indiófilas e

153

negrófilas faltava a indispensável base da cultura lingüística e românica. (Silva Neto 1956s:121)

Para Silva Neto, o exagero poderia, em parte, ser explicado também por “razões psicológicas”: haveria, nos indiófilos e negrófilos, um desejo de exaltar nossa riqueza vocabular ou de demonstrar uma extrema diferença entre o nosso e o português usado em Portugal, o que levaria ao reconhecimento de uma língua brasileira. Somadas essas razões à ignorância linguístico-filológica, estariam equacionados os excessos na consideração das influências indígenas e africanas (Silva Neto 1963[1950].128). O que outros chamariam de influências, seriam, para Silva Neto, “cicatrizes” daquela aprendizagem tosca da língua portuguesa nos inícios de sua expansão pelo Brasil (daquele ‘falar crioulo’) e situar-se-iam apenas em seus níveis mais superficiais (prosódico, vocabular e sintático).

4.3 Uma obra ampla para uma ‘macrodisciplina’

A visão sobre as ciências da linguagem e seus objetos, de Silva Neto, pareceu-nos estar fundamentalmente marcada pela compreensão dos fatos em um nível global, amplo, que pode tê-lo levado a essa tentativa de síntese, de conciliação, entre vários elementos — mesmo que por ele percebidos como diferenciados —, unindo-os em outros maiores, observada neste capítulo. Assim, em relação aos temas tratados, pareceu-nos ter havido o objetivo essencial de, multifacetando e subdividindo os estudos, estar com eles contribuindo para o estabelecimento de uma adequada história da língua; quanto aos recortes, a tentativa pareceu-nos também ser a de, estudando combinadamente diferentes níveis, tratar da língua amplamente, em variados aspectos; do mesmo modo as orientações, mais pendentes para o historiar e o metateorizar,

154

procurando

dar

conta

de

grandes

problemas

da Filologia (portuguesa) — como o da elaboração de uma história (necessariamente complexa) para a língua e o do desenvolvimento de seus níveis teórico e metodológico — de modo a fixá-la no campo das disciplinas científicas a tratarem da linguagem. Os materiais, amplos e heterogéneos, obedeceriam ao mesmo princípio verificado na articulação do nível temático — fechando um ciclo coerente de opções de condução do trabalho com a linguagem. As suas ‘noções’ sobre os objetos e os estudos possíveis nos domínios da linguagem, na mesma medida nos reportariam a um macroentendimento de Filologia, disciplina responsável por um campo muitíssimo amplo, o da línguas em relação com a cultura e com as sociedades, que, por conta disso, auxiliaria e seria auxiliada por outras disciplinas, não havendo, portanto, também neste nível, fronteiras muito rígidas a apartarem componentes de um todo indissociável — os estudos do Homem. O seu trabalho, enfim, pareceu-nos tender para o todo e isso se coadunaria com a concepção de uma Filologia que respondesse amplamente pelo estudo das línguas (e dos homens que as falam). Uma Filologia com objetos e tarefas, desse ponto de vista, ilimitados. Como já ressaltamos em outro momento, de acordo com Murray (1994), um conjunto de ideias é reconhecido como promissor não por seus traços intrínsecos, livres de contexto, mas pelo fato de um grupo relevante de cientistas assim o conceber, tornando-o, posteriormente, o mais convincente para a maioria dos indivíduos que atuam no campo. As ideias que rastreamos nas obras de Silva Neto, desta forma, não eram necessariamente ‘melhores’, mas se configuravam como boas no contexto em que surgiam e se opunham a outras que não recebiam, contextualmente, o mesmo qualificativo. É desta

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perspectiva que tomamos como ‘boas’ as ‘ideias’ e as ‘opções’ de trabalho do filólogo, que, em sua época, tiveram o status de adequadas ao campo das ciências da linguagem, do qual a Filologia parecia ser o sinônimo mais próximo.

156

CAPÍTULO 5 A Articulação do Paradigma da Filologia Brasileira

“...Hoje a Filologia tem novos aspectos e, em certa medida, novos anseios.” (Silva Neto 1988[1957]:66)

157

A Articulação do Paradigma da Filologia Brasileira 5.1 O legado da Geração de 20: institucionalização e tradição

Por diferentes motivos, é possível considerar o período compreendido entre os anos 1940 e 1960 como decisivo para a história dos estudos sobre a linguagem no Brasil. O principal deles talvez seja o papel ‘organizador’ que, visto em retrospecto, eles parecem ter desempenhado nesta história: durante esses anos, os cursos de Letras formaram suas primeiras turmas; criou-se um número considerável de associações e periódicos especializados; a profissão de estudioso da linguagem, em função desses processos, adquiriu status próprio e, principalmente, os estudiosos começaram a organizar o quadro das suas tarefas, seja elegendo um elenco próprio de atribuições, seja procurando estabelecer fronteiras entre áreas diferentes de investigação — procedimento que, mais tarde, se converteria em separação de disciplinas e de grupos de estudiosos. Foi, em síntese, um momento de realizações que, por um lado, redundaram na profissionalização do homem de Letras e, por outro lado, ensejaram importantes reflexões sobre a prática de tratamento de questões linguísticas e sobre as disciplinas que começavam a se individualizar no campo. Como agentes, nesse processo de especialização, estiveram tanto os representantes da Geração de 20 quanto os da Geração de 40. De fato, como vimos, a Geração de 20 continuou atuante durante o período que enfocamos, isto é de 1940 a 1960, e teve papel crucial na configuração do novo quadro em que se inseriam os estudos da linguagem no Brasil, seja pela participação ativa e, pelo menos

158

até os anos 1940, de muito maior peso do que o da Geração de 40 na criação de ‘instituições’, seja, como foi o caso, por exemplo, de Sousa da Silveira, pela aglutinação em torno de si daqueles que seriam os representantes da geração seguinte, contribuindo para o aumento da coesão do grupo e para a continuidade das tradições de pesquisa. Coube à Geração de 20 firmar certas linhas de trabalho que, simplesmente mantidas, ampliadas ou revistas, ajudaram a compor o programa de investigação proposto pela geração de Silva Neto. Além disso, os estudiosos dos anos 1920 legariam aos filólogos brasileiros da geração seguinte os valores das escolas alemã, italiana, francesa e portuguesa no domínio teórico e nos modos de conduzir os trabalhos. Segundo Koerner (1997:16),

Muitos países, especialmente aqueles com longa tradição de estudos em lingüística histórico-comparativa indo-européia, como aqueles de língua alemã ou a Itália (mas também a França e outros), não aceitaram com entusiasmo a ‘lingüística sincrônica’ antes de meados da década de sessenta [...]

Talvez pelo vínculo com tais tradições, os filólogos, apesar de conhecerem a ‘nova’ Linguística sincrônica, permaneceram, durante o período do qual tratamos, dentro do quadro de trabalho das tradições linguísticas históricas ou diacrônicas, que, no Brasil, foram durante um longo tempo reunidas sob o rótulo de ‘Filologia’. Assim como nos centros aos quais se vinculavam, a Geração de 40 resistiu à prática da Linguística sincrônica, acompanhando, basicamente,

as

pesquisas

que

se

desenvolviam

na

linha

de

estudos históricos. Durante os anos 1940 e 1950, a Filologia era um ‘paradigma’ estável no Brasil e, de acordo com Kuhn (1987[1962]), nesse estágio, que denominou de ‘ciência normal’, os cientistas não buscam novidades. O interesse está dirigido ao quadro de problemas e

159

às soluções propostas pelo ‘paradigma’. Talvez por isso, as referências continuaram a ser aquelas provenientes das tradições diacrônicas. Ainda com respeito a esses vínculos intelectuais, é importante observar que a Geração de 40 talvez tenha sido a última, pelo menos até o momento atual, a ter laços intelectuais mais estreitos com Portugal. Esses laços que, num primeiro momento, resumiamse em acatar as tendências que lá estivessem em voga, posteriormente, sobretudo a partir dos anos

40/50,

se

converteriam

em

diálogos

de

igual

para

igual

entre

as duas partes. De fato, foi extremamente grande o prestígio, entre os membros da comunidade científica portuguesa deste período, de brasileiros como Celso Cunha, Mattoso Câmara, Sílvio Elia e Serafim da Silva Neto, por exemplo — o que, pelo menos em parte, deve estar relacionado à nova configuração que os estudos linguísticos assumiam no Brasil em face da especialização cada vez maior de seus estudiosos e de suas instituições. Depois da Geração de 40, a maioria dos estudos da linguagem no Brasil passariam à esfera de influência da nova Linguística, sincrônica, europeia e, posteriormente, também da norte-americana — o que talvez esteja relacionado com uma importante mudança de ênfase: enquanto o trabalho das Gerações de 20 e 40 dirigiu-se prioritariamente ao tratamento histórico dos dados de língua e, entre eles, privilegiaram os de língua portuguesa (o que tornava, até certo ponto, inevitável um maior contato com pesquisadores que se dedicassem às mesmas questões — os lusitanos), por razões semelhantes, mudada a ênfase para questões sincrônicas e mais teóricas, gerais — mesmo quando aplicadas ao tratamento de dados de língua — com o desenvolvimento da Linguística sincrônica no país, a ligação passa a ser mais estreita com os centros supridores de ‘novidades’ teóricas do novo paradigma. Os passos dados pela Geração de 20, portanto, na esfera institucional ou na intelectual, foram em essência continuados pela Geração de 40.

160

5.1.1 Instituições

No campo institucional, como demonstraram nossos dados, verificou-se que, criados alguns dos primeiros núcleos a partir do prestígio dos veteranos representantes da Geração de 20 — como foi o caso da Academia Brasileira de Filologia, ou da Revista Filológica — a nova geração procuraria contribuir para a criação de outras, tomando nestes casos a dianteira, como, por exemplo, na criação do Boletim de Filologia, da Revista Brasileira de Filologia, ou do Centro de Estudos Linguísticos, no Museu Nacional. Realmente, no que se refere aos processos de profissionalização do cientista e institucionalização da área, nota-se que, à coincidência feliz de ter começado a atuar no campo ao mesmo tempo em que as autoridades governamentais começavam a investir nas chamadas “ciências desinteressadas” por meio da criação das Faculdades de Filosofia, a Geração de 40 juntou seu próprio empenho — e facilidades até então indisponíveis — em criar associações, centro de estudos, periódicos etc., os quais, em conjunto com as instituições universitárias, viriam a favorecer o desenvolvimento da Filologia, que, por estar em posição privilegiada, teria ainda melhores condições de expansão e recrutamento de novos quadros. A Geração de 40, portanto, encontrou situação favorável que aumentou tanto as suas perspectivas profissionais na área, anteriormente restritas ao ensino formal de língua no nível médio, quanto as possibilidades de aperfeiçoamento de suas habilidades, até então totalmente dependentes dos resultados do esforço autodidático. Um outro benefício desse novo contexto de produção foi a maior possibilidade de contatos pessoais e de um paulatino estreitamento de laços proporcionado pela existência de centros universitários, associações e publicações específicas, que, direta ou indiretamente, congregavam os estudiosos.

161

As atividades reconhecidas como filológicas, desse modo, se já constituíam o paradigma preferencial para a comunidade atuante durante os anos 20, neste período em que também o contexto adquiria nova compleição, encontraram-se beneficiadas, uma vez que, evidentemente, foram os filólogos, estudiosos de maior prestígio, aqueles que nestas instituições e associações ocuparam postos centrais e, por conta disso, conferiram à sua disciplina esta mesma posição de destaque no campo de estudos sobre a linguagem. Para Murray (1994), como vimos, a condição de ‘elite’ acadêmica, como era o caso do ‘grupo’ da Filologia Brasileira, não é exatamente uma garantia de sucesso na formulação de ‘boas ideias’, que podem surgir em ambientes menos privilegiados. Contudo, o fato de existir uma ‘base institucional’ poderia, segundo o autor, influenciar o destino dessas ideias pois, para a sua divulgação e posterior consolidação, estariam disponibilizados importantes instrumentos. Para um grupo que, como o filológico neste período, tem a estrutura de uma ‘elite de especialidade’, isto é, de um grupo institucionalizado, formalmente reconhecido como tal, é extremamente produtiva a existência de “bases institucionais”, porque elas, à medida em que podem disponibilizar toda uma estrutura de meios físicos e humanos, beneficiam o desenvolvimento e a consolidação de um ‘paradigma’. Ainda com relação aos aspectos institucionais, cabe ressaltar o fato de as instituições de ensino terem tido, como ainda hoje têm, uma função relevante para o desenvolvimento dos estudos da linguagem no período. A área de conhecimento esteve frequentemente associada ao ensino e, devido a isso, encontrou nos meios educacionais uma de suas mais privilegiadas esferas de legitimação e desenvolvimento: o estudioso da linguagem teve nesses meios um espaço constante para a atuação profissional e, por vezes, enfatizou em sua produção aspectos linguístico-pedagógicos. Em função disso, resoluções como a de 1962 que institucionalizou a Linguística como disciplina obrigatória no currículo mínimo de Letras ou a retirada do latim do currículo

162

obrigatório dos cursos de nível intermediário, tiveram, como não poderiam deixar de ter, impacto sobre o contexto de estudos da linguagem, notadamente, sobre a hegemonia da Filologia. No primeiro caso porque a disciplina passou, progressivamente, a dividir o status de principal ciência no campo de estudos sobre a linguagem com a Linguística e, como sabemos, as posições dessas duas disciplinas se inverteram relativamente pouco tempo depois desse incentivo oficial ao desenvolvimento dos estudos de Linguística. No segundo caso, porque tal medida privou as novas gerações do domínio de uma das ferramentas básicas do trabalho filológico, especialmente latino, românico e português, ênfases dos estudiosos brasileiros no período: sendo uma das tarefas primordiais do ‘paradigma’ da Filologia Brasileira a reconstrução histórica da língua portuguesa, a menor familiaridade dos novos estudiosos com o latim atingiria o desenvolvimento da disciplina. É certo que os cursos universitários de Letras continuaram (e continuam) a oferecer latim. Contudo, em períodos anteriores, era possível ao futuro filólogo, desde os estudos secundários, ir adquirindo essa competência para posteriormente apenas aperfeiçoá-la. Os dois eventos, que primeiramente se situaram no ambito do ensino-educação, combinados, tiveram, dada face pedagógica do fazer ciência da linguagem, impacto decisivo e direto nos desdobramentos do debate; mais precisamente com relação ao enfraquecimento da tradição filológica enquanto principal linha de trabalho na área de estudos sobre a linguagem até então no Brasil.

5.1.2 A manutenção das tradições

No campo intelectual, além da questão de ter delineado um diálogo com tradições estrangeiras que seria mantido pela Geração de 40, em certa medida, a Geração de 20 também

163

delineou as linhas segundo as quais seria dirigida a produção dos representantes da nova geração. Dessa forma, a postura geral em relação a tais predecessores pode ser caracterizada como ‘continuísta’, tal como propôs Murray (1994): não houve, por parte da Geração de 40, incluindo-se nela o futuro linguista Mattoso Câmara, uma postura conflituosa em relação aos estudos e estudiosos dos anos 20. Com acesso às publicações, a postos de trabalho e a aprovação por parte daqueles que, nos inícios dos anos 40, ainda constituíam o corpo de autoridades reconhecidas no campo, os jovens estudiosos da nova geração tenderam a adotar a postura de continuadores da tradição da qual já faziam parte os predecessores. Essa nova geração, talvez justamente em função de sua ‘retórica de continuidade’ (Murray 1994), foi incluída nos projetos da comunidade científica relevante e, mesmo quando introduziu questões que mais tarde seriam interpretadas como ‘novidades’, foi incentivada por ela (como se verifica, por exemplo, com o caso do prefácio de Silveira aos Princípios... de Mattoso). Não houve, de fato, elementos que opusessem o que produziu a Geração de 20 ao que produziam seus sucessores. Existiram, é certo, alguns traços que singularizaram as produções de ambos os grupos, muito provavelmente em função dos contextos em que elas surgiam. Em relação às similaridades, é suficiente reiterar que, como demonstramos no capítulo 3, as principais linhas de trabalho da Geração de 20 foram mantidas pela de 40. Foi assim, por exemplo, com o desenvolvimento de pesquisas dialetológicas que, inauguradas no país com o Dialeto Caipira (1920) de Amadeu Amaral38 — ao qual se seguiu

38

"Segundo o prof, Nascentes, coube a Antônio Pereira Coruja inaugurar a nossa Dialetologia. Refere- se o ilustre filólogo à Coleção de Vocábulos e Frases usados na Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul, publicado no tomo XV, 1852, na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 2.ed. Londres, 1856..." (Elia 1975:123). É comum uma autofiliação desses estudiosos a linhas de trabalho com a linguagem que remontam ao século XIX brasileiro. Esse é um dos elementos que nos fazem considerar, embora desconhecendo a produção de gerações anteriores, que, mesmo sem aparato institucional, uma tradição de pesquisa filológica luso-brasileira se constituía no país desde, pelo menos, o século passado.

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um considerável número de monografias de mesma linhagem 39 — seria mantida como uma das principais frentes de trabalho da Geração de 40. A Dialetologia seria, aliás, um dos principais pilares de todo o programa dos estudiosos da primeira metade deste século e teria em um representante da Geração de 20, Antenor Nascentes, um de seus mais destacados pesquisadores. Observações similares poderiam ser feitas em relação ao trabalho de edição de textos avulsos etc. Um diferencial entre os dois tipos de produção talvez possa ser estabelecido por meio da comparação entre a maior ou menor ênfase conferida por cada uma das duas gerações às produções ‘linguístico-pedagógicas’ e às produções ‘programáticas’. Há, realmente, no amplo quadro de estudos da Geração de 20, uma quantidade considerável de trabalhos ‘linguístico-pedagógicos’. Certamente o fato de a principal atividade na área desses estudiosos ter sido o trabalho com o ensino de nível médio contribuiu para isso: a questão de ensino linguístico era um problema com o qual lidavam no dia-a-dia. E assim que praticamente todos os estudiosos, neste primeiro período, elaboram gramaticas, pedagógicas ou não, manuais ortográficos ou de análise gramatical, livros destinados ao ensino de línguas e literaturas, ou seja, obras cuja função primordial seria a de tornar acessível a um público não especializado questões de uso da linguagem e/ou de história literária. Como exemplos, podem ser citados os textos de Said Ali (1905; 1919[1908]; 1930; 1937); Mota (1935[1915]; 1937[1915]); Sousa da Silveira (1952[1923]); Magne (1919; 1927; 1935; 1941); Nascentes (1929; 1940). Para esta geração, portanto, existiram dois tipos paralelos de publicação sobre a linguagem: um destinado aos pares (as edições de textos, os trabalhos etimológicos, os dialetológicos, os estudos de língua portuguesa etc.) e outro destinado àquele público não 39

v. a respeito Silva Neto (1963 [1950]), onde essa produção é revista.

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especializado (a produção ‘linguístico-pedagógica’), e este segundo tipo foi tão relevante quanto o primeiro em função das condições de exercício da profissão nesse período préFaculdades de Filosofia. Os representantes da Geração de 40, de sua parte, escreveram também diversos textos ‘linguístico-pedagógicos’ que, contudo, parecem ter tido menor destaque entre os outros tipos de produção: se em relação aos anos 20 por vezes a principal obra de um autor pode ser uma produção dessa natureza, raramente a principal obra de um representante da geração de 40 tem esse cunho. Por outro lado, como enfatizamos no capítulo 3, um outro género de produção mereceu bastante destaque nesse período pós-Faculdades de Filosofia: os manuais introdutórios às ciências da linguagem, destinados aos estudantes de nível superior. Tais manuais não deixavam de ser ‘didáticos’ no sentido de também se prestarem à instrução. Entretanto, as informações agora enfatizadas passavam a ser as de como agir no campo, com base em quê, isto é, passou a haver uma preocupação mais dirigida à formação científica das novas gerações. O destaque conferido à elaboração de manuais introdutórios às disciplinas linguísticas pode sinalizar o início de uma separação entre as funções de professor de língua e as de especialista em língua/linguagem. Como ao público especializado ‘autodidata’, juntava-se um público em especialização — o dos Cursos de Letras — os filólogos dos anos 1940, e posteriormente também os linguistas, passaram a escrever cada vez mais para os ‘pares’, e a produção ‘linguístico-pedagógica’, em função disso, começou a ser deslocada do eixo central de interesses. Se com isso ocorreu uma redução do público para quem se produzia, por outro lado, ocorreu também uma sofisticação paulatina da produção mais específica, já que, com a confecção dos manuais, foram acrescentadas ao tratamento das questões propriamente

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linguísticas — que, como vimos, já se desenvolvia em períodos anteriores — o tratamento de questões relativas às próprias disciplinas linguísticas, aos seus métodos, às teorias autorizadas para o trabalho na área. Essas novas questões passavam a constituir, muito nitidamente, uma das ênfases do trabalho científico com a linguagem de então e a mudança de status por que passou a carreira de especialista em linguagem a partir dos anos 1940, novamente, parece estar relacionada a isso: assim como o contexto acadêmico-institucional passava, durante esses anos, por um rearranjo que, grosso modo, se traduzia em profissionalização do especialista em linguagem, ao mesmo tempo esses especialistas tentavam organizar o campo de estudos, seja por meio da sistematização das relações entre as disciplinas linguísticas, seja pela determinação das tarefas a serem cumpridas por elas, seja, ainda, pela proposição mais explícita e direta de critérios teórico-metodológicos para a atuação na área — tentativas que encontraram nos manuais introdutórios os seus principais veículos. Dessa forma, é um aspecto a ser necessariamente considerado nesta interface profissionalização/produção científica, que, ampliado seu espectro de atuação, antes restrita apenas ao ensino médio, a Geração de 40 ampliou também o feixe de problemas com os quais passou a lidar. Ela passou a enfocar questões até então menos relevantes, como as metateóricas. No caso brasileiro, portanto, maior especialização teria ocasionado complexificação das tarefas e atividades. Ao mesmo tempo, teria também propiciado reflexões sobre o papel do cientista e da sua disciplina em relação às novas questões, notadamente, as de natureza teórica e metodológica. Começou, com muita clareza, a existir preocupação com a formação das novas gerações de acordo com certas linhas — e não outras — autorizadas pela tradição.

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5.2 O legado da Geração de 40

Em vista desses processos de organização do campo em níveis institucionais e intelectuais, não é de se estranhar que neste período se concentrem também os inícios do debate entre Filologia e Linguística no país: no instante em que se construía entre os cientistas e perante a sociedade uma identidade oficial para a atividade de tratar a linguagem, tornava-se “natural” o surgimento de preocupações com a determinação do papel e do lugar de disciplinas que afloravam no campo como distintas. O impulso ‘organizador’ deste período estendeu-se, pois, à determinação do que seriam Linguística, Filologia, Dialetologia. Com preocupações dessa ordem, em 1951, Chaves de Melo notava, referindo-se às disciplinas Linguística e Filologia, que:

... não é fácil ainda nesta altura dos acontecimentos apurar melhor os conceitos e separar as duas disciplinas. Nossa luta ainda não chegou nessa frente. Fere-se ainda numa outra bem mais próxima, em que forcejamos por distinguir os estudos linguísticos de orientação científica das enganosas e fátuas especulações dos gramatiqueiros e forjicadores de regrinhas gratuitas (Chaves de Melo in Silva Neto e Chaves de Melo 1951:57)

No momento, parecia ser mais importante, antes de mais nada, determinar o que era ciência e o que não era, uma vez que a nova geração se constituía por indivíduos com status de estudiosos especializados ou, em outros termos, cientistas. Apenas se começava a perceber diferenças e a tentar equacioná-las. Mas, apesar de estarem — como, de resto, permaneceriam — indefinidos os limites entre as duas disciplinas, já era possível aos cientistas compreender que havia dois modos complementares e, ao menos parcialmente, distintos, de tomar o mesmo objeto linguagem e que, portanto, as atividades e responsabilidades de um linguista e de um filólogo no campo deveriam, em alguma medida, se diferenciar.

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Os manuais traduziram essa percepção da Geração de 40 definindo uma disciplina em função da outra (cf. capítulo 3). Ou seja, para conceituar, tornava-se imprescindível separar disciplinas que ainda pareciam emaranhadas. Em vista deste quadro, compreende-se o tom programático de Silva Neto em suas obras — verificável, aliás, também em outros autores contemporâneos — que o levava a propor tarefas para a sua disciplina e limites entre ela e as demais. Pareceu necessário à sua geração tornar mais evidente, até para ela mesma, do que tratava, que propósitos tinha a sua disciplina e em que campo ela se inseria. Há, na obra do autor, uma tendência associativa em relação às outras disciplinas da área — define-se Filologia, Linguística, Dialetologia tendo em vista um todo em que elas se complementariam (uma responsabilizando-se pela teoria, outra pela prática, outra por um dos aspectos dessa prática) — como também em relação às demais ciências humanas — a Filologia necessariamente complementaria e seria completada pela Etnografia, História, Sociologia, Psicologia etc., já que, afinal, todas tratariam do Homem e de sua cultura, na qual a linguagem tem papel destacado. A visão da disciplina é já por este traço bastante ampla: os conceitos de Silva Neto, difundidos e aceitos entre a comunidade de estudiosos brasileira do período, apontam para uma Filologia com uma certa feição interdisciplinar, útil a diferentes esferas do pensamento ‘humano’ sobre o homem e, na mesma medida, utilizadora daquelas diferentes esferas. Em função disso, a postura em relação ao debate sobre o qual nos debruçamos assume ares conciliatórios, apesar do papel central conferido à Filologia: não se discute a legitimidade dos estudos linguísticos, nem a sua utilidade e nem, muito menos, se enxergam estes estudos como opostos ou contraditórios aos filológicos; eles seriam, sim, complementares, auxiliares, e esta compreensão das relações entre as duas disciplinas deriva da própria concepção de

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Filologia que, de tão ampla, não sustentaria uma relação em mesmo nível com as demais da área de estudos sobre a linguagem. De fato, nossa análise demonstrou que, em síntese, para Silva Neto (e por extensão, também para o grupo que liderava), a Filologia seria a disciplina, inserida no campo das ciências humanas, responsável pelo estudo completo de uma língua, ou conjunto delas, e da(s) sua(s) literatura(s). Nesse estudo, não se poderia perder de vista as relações dessa língua com a cultura e a sociedade em que ela está inserida, daí advindo as inevitáveis interpenetrações entre esse estudo e outros de natureza humana. O estudo completo de uma língua seria entendido como o tratamento de todos os seus níveis — dos falares populares até a linguagem literária; dos textos antigos até a linguagem corrente contemporânea — em abordagens sincrônica ou diacrônica. Existiria, ainda, uma “Filologia de gabinete”, concentrada nos textos antigos e no estudo das diferentes fases da língua, e uma “Filologia de campo”, responsável pelo tratamento dos seus falares rurais. A Dialetologia, assim, como já frisamos, estaria subordinada à Filologia, encarregando-se de uma das suas principais tarefas: a coleta e descrição dos falares rurais. E a Linguística seria concebida como uma disciplina de caráter unicamente teórico e geral — e, em função disso, o linguista não lidaria com línguas específicas, mas com questões gerais, válidas para todas as línguas. Ela teria fundamentalmente, a função de orientar, em termos teóricos, o tratamento completo das línguas, cuja natureza seria filológica. Dada a sua concepção de Filologia, o papel atribuído por Silva Neto e, supomos, também pelo seu ‘grupo’ às outras disciplinas da área com as quais ela se relacionasse não poderia deixar de ser relativamente secundário: se a Filologia seria a responsável pelo estudo de praticamente todos os assuntos linguísticos, diacrônicos e sincrônicos (ainda que na pratica os primeiros fossem privilegiados), restaria pouco a ser feito pela Linguística.

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A visão do debate era, pois, conciliatória, mas, ao mesmo tempo, era também hierárquica. À Filologia, ‘paradigma’ mais amplamente aceito, caberia o centro no quadro interdisciplinar composto pelos conceitos de Silva Neto. É possível relacionar o seu conceito abrangente de Filologia ao direcionamento impresso aos seus trabalhos, do modo como esboçamos no capítulo 4: os dados da pesquisa apontam que, tanto em relação aos temas tratados, quanto aos materiais, aos recortes, às orientações, houve uma diversificação dos estudos que, no entanto, tomados em conjunto, poderiam delinear o escopo daquela disciplina abrangente que idealizara. Como seu conceito de Filologia comporta estudos de natureza variada, sua obra dispersa-se por diferentes áreas, sem que, com isso, seja perdida a finalidade central de reconstruir a ‘história da língua portuguesa’. Com efeito, para Silva Neto, esse tema seria o mais amplo entre todos pelos quais a Filologia se responsabilizaria, requerendo incursões por diferentes áreas, já que ‘língua’ e ‘história’ cobririam uma gama vastíssima de subtemas ‘humanos’. Por ser um tema central, exigiria da disciplina a mesma amplitude, o mesmo nível de interrelações com outras disciplinas e outras áreas. Difícil, mas também inútil, é determinar o início do círculo; todavia, na configuração do programa da Filologia Brasileira no período de 1940 a 1960, de acordo com a análise da obra de Silva Neto que realizamos, o pluralismo da produção; a tarefa de recompor a história da língua portuguesa e o conceito amplo e abrangente de Filologia estiveram estreitamente relacionados. Apenas uma disciplina amplíssima daria conta de tamanha tarefa (ou se proporia uma tarefa assim), que, por sua vez, dependeria da execução de outras tantas.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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Considerações Finais A concepção de Silva Neto de Filologia e das relações entre ela e a Linguística eram hegemônicas entre os membros da comunidade científica considerada. Não eram, porém, únicas, nem, necessariamente, melhores. O seu conceito de Filologia, por exemplo, é parcialmente equivalente ao de Linguística de Mattoso Câmara, para quem esta disciplina trataria de todos os assuntos teóricos e práticos das línguas e da linguagem e a Filologia trataria apenas de textos literários (cf. Mattoso Câmara 1981, verbetes “Linguística” e “Filologia”, respectivamente). Contudo, as ‘ideias’ de Silva Neto foram interpretadas como ‘boas’ neste contexto e o mesmo não ocorreu com as de Mattoso. Silva Neto, desde o princípio de sua carreira, foi aceito e estimulado pela ‘elite’ filológica então contemporânea, entre outros motivos, porque sempre se identificou como filólogo e como continuador do trabalho das gerações precedentes na Filologia Brasileira e Portuguesa. Foi assim que, mesmo sendo conhecedor da Linguística sincrônica europeia e americana de sua época, que citava circunstancialmente em suas obras, sempre vinculou sua produção ao paradigma filológico e sempre, como convinha à sua tradição, atribuiu àquela literatura a função de instrumento otimizador de seu trabalho de filólogo. A sua função de ‘liderança’ nessa comunidade foi exercida, como vimos, tanto no nível intelectual — por meio de uma produção que, ampla e heterogênea, foi tomada como

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‘exemplar’, e de uma postura programática em várias de suas obras — quanto no organizacional — entre outros feitos, através da criação daquela que seria tomada pelas crônicas históricas como a principal revista do gênero no período. Esse perfil, em que sobressaem tanto traços de ‘liderança intelectual’ como de ‘liderança organizacional’, parece ter contribuído para o sucesso das suas ‘ideias’ tanto filológicas quanto sobre a Filologia e sobre as suas relações com a Linguística. Se, de fato, Filologia e Linguística foram reconhecidas como formas legítimas de conceber e de praticar ciência da linguagem no período e se realmente ‘liderança’ é fundamental para o sucesso de um paradigma, Silva Neto foi um dos responsáveis pelo sucesso da Filologia no período de 1940 a 1960 no Brasil, uma vez que se destacou como uma das principais ‘lideranças’ de sua geração em um período em que a Filologia desfrutou de maior sucesso. Por outro lado, o insucesso da Linguística poderia estar relacionado à ausência, neste período, de uma figura com perfil semelhante a guiá-la como ‘paradigma’: nesse momento, Mattoso Câmara, com ideias que posteriormente foram reconhecidas como ‘boas’, adequadas, não alcançou o mesmo destaque, talvez por não ter marcado tão claramente uma postura continuísta em relação à tradição filológica luso-brasileira, como o fez Silva Neto. Tradição que, afinal, era aquela cujos representantes estiveram à frente dos processos de ‘organização’— da área de estudos e das instituições — que tão acentuadamente caracterizaram o período na história dos estudos sobre a linguagem no Brasil. A valorização dos processos de profissionalização do ‘Homem de Letras’ neste texto, nesta medida, não pretendeu ter a conotação de que, antes deles, o desenvolvimento dos estudos linguísticos não tivesse sido relevante — contra este não-argumento, pesa, pelo menos, toda a produção dos estudiosos pré-Faculdades de Filosofia.

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O papel destacado conferido às instituições e principalmente às Faculdades de Filosofia deveu-se à importância que tiveram para o grupo específico do qual tratamos — os filólogos de sucesso no período de 1940 a 1960. Foi a partir e dentro desses novos espaços que esses estudiosos puderam exercer com maior força o seu prestígio. O fato, por exemplo, de ocupar ou não uma cátedra nas universidades mais centrais foi tomado como um diferencial entre os cientistas desta geração, o que nos levou a considerar a criação dos cursos, para este caso, como essencial: além de terem propiciado o aperfeiçoamento e a profissionalização do especialista em estudos sobre a linguagem, foi um dos símbolos essenciais do status científico à época — fato que se mantém. É assim que, quando se observa, por exemplo, a trajetória de Mattoso Câmara durante as duas décadas de que tratamos, percebe-se, como procuramos explicitar no capítilo 3, que ele esteve inserido neste grupo de sucesso à medida em que compôs, com os demais, o corpo de redatores da Revista Filológica, de diretores do Boletim de Filologia e, depois da morte de Silva Neto, também da Revista Brasileira de Filologia, e de colaboradores dos demais periódicos ‘filológicos’; esteve entre os membros fundadores da Academia Brasileira de Filologia; manteve, no campo intelectual, relações cordiais com os membros do grupo de elite (cf. França 1998b). Contudo, faltou-lhe (e à Linguística) a cátedra em uma das faculdades de primeira linha — ponto em que parece estar a raiz da sua consideração, pelas crônicas sobre a história da Linguística deste período, como cientista marginalizado à sua época. Por isso a necessidade de termos, no capítulo 3, recorrido à figura de Matos Peixoto e à sua situação (específica para o caso) no conflito com Silva Neto em torno da tese Divergência e convergência na evolução fonética (1940): era nossa intenção, nuançar, ou relativizar, o grau de ostracismo a que esteve submetido Mattoso Câmara, pois, se é fato incontestável que a Linguística sincrônica não foi, para esse grupo, a forma preferencial de

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conduzir estudos sobre língua/linguagem, por outro lado, é necessário reconhecer que a alegada não-integração de Mattoso Câmara ao grupo de elite parece ter sido apenas parcial, ou ainda, para sermos mais claros, “catedrática”. E mesmo em relação à disciplina, é necessário salientar que os filólogos, como bem exemplifica a obra de Silva Neto, conheceram e utilizaram — desde, pelo menos, Said Ali (1919[1908]) — a literatura chamada “linguística”. Não houve aversão ou repulsa à outra disciplina, que, aliás, ainda nem era claramente percebida por eles como uma concorrente, segundo o que nos relata Chaves de Melo (1951), assim como parece não ter havido também ao seu principal defensor. Houve, sim, a opção pela Filologia, que no momento satisfazia melhor às necessidades da maioria da comunidade científica que se dedicava ao tratamento das questões de língua/linguagem. Não se conferia a mesma relevância à Linguística, dado o megapapel atribuído à Filologia no campo, o que não implicava desconhecer a Linguística ou ignorar seus benefícios, mas enxergar na Filologia uma disciplina capaz de tratar completamente das questões linguísticas e utilizar, apenas para complementações, a Linguística como ciência instrumental. Essa concepção se estendeu também aos currículos universitários: na disposição das disciplinas dos cursos superiores de Letras, até 1962, a Linguística seria um acrescento, uma complementação aos estudos linguísticos centrais — os de natureza filológica.

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ÍNDICE DOS NOMES CITADOS A

E

Alberto I. p. 83 Ali Ida, Manuel Said. (v. Said Ali) Almeida, Rui de (-1956). p.93 ; 97 Alonso, Amado . p. 95 Altman, Maria Cristina Fernandes Salles. p. 26; 29; 60; 63; 74 Amaral, Amadeu (1875 -1929). p.73; 80; 105; 162 Amsterdamska, Olga. p. 20; 21

Elia, Sílvio Edmundo (n. 1913). p.74; 76; 78; 81; 85; 86; 87; 88; 89; 90; 91; 93; 95; 106; 107;121;124;149;157; 162

B Basseto, Bruno Fregni. p. 24 Boléo, Manuel de Paiva. (v. Paiva Boléo) Bopp, Franz (1791-1867).p.21; 112

F Faria Júnior, Ernesto de (1906-1962). p. 85; 88; 90; 93 Fávero, Maria de Lourdes de Albuquerque. p 74; 83;84 Fernandes, João Batista Ribeiro de Andrade, (v. Ribeiro, João) França, Angela Maria Ribeiro, p. 42; 74; 173 Freyre, Gilberto (1900-1987). p. 105 G

C Câmara Júnior, Joaquim Mattoso (v. Mattoso Câmara) Camões, Luís Vaz de. p. 82 Chaves de Melo, Gladstone (n.1917). p. 27; 67; 73; 80; 85; 89; 91;149; 166;174 Coelho, Francisco Adolfo (1847-1919). p.81; 82;121; 144 Coelho, Olga Ferreira, p. 92; 97 Cortesão, António Augusto (1854— 1927). p.82; 137. Cortesão, Jaime (1884-1960). p.137 Coruja, António Pereira, p. 162 Coseriu, Eugênio, p. 74; 90; 101; 106; 136. Coutinho, Ismael de Lima (1965).p.73;78; 80; 106 Cunha, Celso Ferreira da (1917-1989). p.85; 86; 88; 89; 91; 105; 124; 157

Gilliéron, Jules (1854-1926). p. 121; 136 Grimm, (Ludwig Karl) Jakob (1785— 1863). p.21 Griffith. p. 29; 30; 36 Guérios, Rosário Farani Mansur. (v. Mansur Guérios) H Holanda, Sérgio Buarque de (19021982). p. 105 Henriques, Fernanda Maria de Souza. p.55 I Iordam, Iorgu (1888-). p.l 12 J

D Jakobson, Roman (1896-1982). p. 121. Dias, Augusto Epifânio da Silva Dias (1841-1914). p.82 Dom João VI. p.74

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K Koerner, Ernst Friedrick Konrad. p.20; 21; 22; 23; 24; 56 Kuhn, Thomas Samuel (1922-1996). p. 12; 13; 18; 19; 22; 29; 32; 36; 37; 96; 157 L Lida, Maria Rosa . p 95 M Machado, José Pedro (n.1914). p.102 Magne, Augusto (1887-1966). p.73; 80; 84;100;163 Mansur Guérios, Rosário Farani (1907-1987). p. 85; 86; 93; 121 Matos Peixoto, Almir da Câmara de. p. 60; 61; 95; 97; 98; 99; 100; 174 Mattoso Câmara Jr., Joaquim (19041970). p.26; 39; 42; 74; 85; 86; 87; 89; 90; 91; 92; 93; 99; 100; 104; 106; 136; 157; 161; 162; 171; 172; 173;174 Maurer Júnior, Theodoro Henrique (1906-1979). p. 85; 90; Meillet, Antoine (1866-1936). p. 121 Meyer-Lübke, Wilhelm (1861-1936). p. 121 Millardet, Georges (1876—1953). p. 84; 95 Monteiro, Clóvis do Rego (1898-). p. 73; 75; 78; 80; Mota, Otoniel de Campos (1857-1951). p. 73; 76; 77; 78; 80; 84; 89; 163 Mullins. p. 29; 30; 36 Murray, Stephen p. 12; 13; 15; 29; 30; 31; 32; 33; 34; 35; 36; 37; 38; 39; 41; 45; 68; 71; 96; 100; 103; 152; 159; 161. N Nascentes, Antenor Veras (1886-1966). p. 43; 73; 74; 75; 78; 80; 93; 95; 106; 123; 162;163 Naro, Anthony Julius. p. 74; 104

Nunes, Francisco de Sá. (v. Sá Nunes). p.60; 61; 79. Nunes, José Joaquim (1859-1932). p. 82. O Oiticica, José Rodrigues Leite e (18821957). p. 73; 78; 80 P Prado Jr., Caio (1907-1990). p.105 Paiva Boléo, Manuel de (1904-). p. 102; 106; 123 Paul, Hermann (1846-1921). p. 111 Pestre, Dominique. p. 17 Petter, Margarida Maria Taddoni. p. 144 Pinto, Edith Pimentel. p. 26; 42 R Ranauro, Hilma Pereira, p.77 Raniere, Nina. p. 83; 84 Rask, Rasmus Kristian (1787-1832). p.21 Rebelo Gonçalves, Francisco da Luz (1907-). p. 84 Resende, André de. p. 137 Ribeiro, João Batista (1860-1934). p. 73; 75; 78; 80. S Sá Nunes, Francisco de. p.60; 61; 79 Said Ali, Manuel. (1860-1953). p. 73; 78; 80; 81; 163; 174 Santos, Maria Cecília Loschiavo dos. p. 74 Sapir, Edward (1884-1939). p. 136 Saussure, Ferdinand Mongin de (1857— 1913). p.23; 24; 81; 121 Schleicher, August Friedrick (18211868). p. 20; 21; 22; 23; 109; 135; 136 Schuchardt, Hugo (1842-1927). p. 121; 144

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Silva Neto, Serafim Pereira da (19171960). p. 12; 13; 14; 15; 16; 27; 28; 39; 40; 41; 42; 45; 46; 48; 49; 54; 55; 60; 61; 64; 65; 66; 67; 68; 69; 70; 71; 73; 79; 82; 86; 88; 89; 90; 91; 93; 94; 95; 96; 98; 99; 100; 111; 112; 113; 114; 115; 116; 117; 118; 119; 120; 121; 122; 124; 124; 125; 126; 127; 128; 129; 130; 131; 132; 133; 135; 136; 137; 138; 139; 140; 143; 144; 145; 146; 147; 148; 149; 150; 151; 153; 154; 156; 157; 162; 166; 167; 168; 169; 171; 172; 173; 174 Silveira Bueno, Francisco da (18981989). p 76; 77; 86; 87; 91; 93 Sousa da Silveira, Álvaro Ferdinando de (1883-1967). p. 73; 75; 78; 80; 84; 87; 89; 99; 136; 156; 162;163. Swiggers, Pierre. p. 31 T Teixeira, Anísio Spínola (1900-1971). p. 81 Trubetzkoy, Nikolay (1890-1938). p. 121 Torres, Artur de Almeida, p. 93; 96 U Uchôa, Carlos Eduardo Falcão, p. 101 Ulhôa Cintra, Geraldo, p. 24; 136 V Vargas, Getúlio Domeles (1883-1954). p.83-84 Vasconcelos, D. Carolina Michaëlis de (1851-1926). p. 81; 82; 112 Vasconcelos, José Leite de (18611941). p. 81; 82; 95; 102; 121 Vendryes, Joseph (1875-1936). p. 121 Viana, Aniceto dos Reis Gonçalves (1840-1914). p.82 Vicente, Gil. p. 95; 112

W Witter, José Sebastião. p. 83

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