Sergio Buarque de Holanda e a dinâmica das instituições culturais no Brasil 1930-1960

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Thiago Lima Nicodemo

Sérgio Buarque de Holanda e a Dinâmica das Instituições Culturais no Brasil 1930–19601 O texto a seguir propõe um balanço da contribuição de Sérgio Buarque de Holanda no desenvolvimento e na consolidação das instituições culturais brasileiras no século XX. Acreditando que uma biografia intelectual pode agregar muito à reflexão sobre seu pensamento crítico, esta análise se propõe a investigar a constituição de suas redes de sociabilidade, bem como a compreender a dinâmica dos projetos institucionais em que esteve envolvido ao longo do seu período mais produtivo. De um modo geral, o intelectual dedicou-se ao desenvolvimento de um campo especializado de produção de conhecimento acadêmico, aliado a uma política de constituição de acervos, preservação de patrimônio histórico, artístico, arqueológico e etnológico, bem como à sistematização de museus, periódicos e circulação nacional e internacional de intelectuais. Suas maiores preocupações foram certamente a continuidade dos projetos, dado o quadro político instável do Brasil no período, e a integração das instituições de maneira coordenada. Ao longo do texto poderemos observar que sua atuação não pode ser vista isoladamente, mas articulada em redes de intelectuais que participaram, em grande medida, de seus círculos sociais desde a juventude.

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Este texto teve como base o argumento desenvolvido na exposição “Atualidade de Sérgio Buarque de Holanda”, promovida pelo Instituto de Estudos Brasileiros da USP no segundo semestre de 2011. Sua elaboração dependeu da estreita cooperação dos setores técnicos do IEB, especialmente Arquivo, Coleção de Artes Visuais, Biblioteca, Conservação e Restauro, e Educativo. Devo mencionar a colaboração de Paulo Iumatti, Marcos Antonio de Moraes, e agradecer pelo empenho de Tathianni Cristini da Silva tanto na pesquisa quanto em discussões acadêmicas. Agradeço também às sugestões de Cristina Bruno e à leitura de Vivian Krauss.

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rio de janeiro: a sociabilidade e a “rotinização” do modernismo

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Ao procurar caracterizar a dinâmica cultural dos anos 1930 no Brasil, Antonio Candido fala em uma “normatização” e “generalização” dos ideais modernistas que na década anterior ainda circulavam em caráter reduzido, “excepcional, restrito e contundente próprio das vanguardas”2 . Logo em seguida, cita como exemplo deste processo uma obra arquitetônica: o projeto do Ministério da Educação e Saúde, encomendado pelo então ministro Gustavo Capanema a Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, e decorado com murais de Portinari na entrada. A construção do edifício cumpre um papel metonímico no argumento de Candido, representando uma espécie de transposição para o concreto de algo discutido no plano das ideias. Concreta também foi a incorporação no serviço público de muitos dos intelectuais modernistas nos anos 1920, subordinados, em sua maioria, ao mesmo ministério de Capanema. A trajetória de Sérgio Buarque no Rio de Janeiro segue essas mesmas linhas gerais – modernista na juventude, o autor migrou para o serviço público na década de 1930. Para compreender esse processo, retrocederemos rapidamente, esclarecendo a seguir o papel que teve nos anos 1920. Desde que chegou ao Rio de Janeiro, em 1921, aos dezenove anos, Sérgio Buarque de Holanda operou como elo entre o círculo de intelectuais modernistas do Rio de Janeiro e de São Paulo3 . É certo que ajudou muito na aproximação entre Mário de Andrade e intelectuais como Graça Aranha (que fez a conferência de abertura da Semana de Arte Moderna), Ribeiro Couto e Ronald de Carvalho4 . Mesmo as primeiras correspondên2 3

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Antonio Candido, “A Revolução de 30 e a Cultura”, in A Educação pela Noite e Outros Ensaios, São Paulo, Editora Ática, 1987, p. 185. Mário de Andrade, em carta de 8 de maio de 1922 enviada a Sérgio, por ocasião do lançamento do primeiro número da revista Klaxon, é expresso sobre isso: “é preciso que não te esqueça que fazes parte dela. Trabalhas pela nossa Ideia, que é uma causa universal e bela, muito alta”. Isso é reforçado na mesma carta quando se comunica com Manuel Bandeira por meio de Sérgio Buarque, em suas palavras, “é preciso que digas ao Manuel Bandeira que me lembro sempre e muito dele”. Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Cp 20 p 5. Mário de Andrade chegou a realizar uma seção de leitura de seu novo livro, Pauliceia Desvairada, na casa de Ronald de Carvalho, em 1921, com a presença de todo o grupo, inclusive Sérgio Buarque. Foi nessa ocasião que Mário de Andrade conheceu Bandeira. Cf. Ângela de Castro Gomes, “Essa Gente do Rio... Os Intelectuais Cariocas e o Modernismo”, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 6, n. 11, 1993, p. 67; Marcos Antonio de Moraes, Orgulho de jamais Aconselhar. A Epistolografia de Mário de Andrade, São Paulo, Edusp/Fapesp, 2007, p. 86. Também sintomático disso é o fato de que a primeira carta de Ronald de Carvalho a Mário de Andrade, de junho de 1922, pertencente ao acervo do IEB-USP, também é assinada por Sérgio Buarque e contém a

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caligrafia de ambos. Acervo Mário de Andrade, IEB-USP, MA-C-CPL3656. Outro testemunho das atividades de Sérgio Buarque como representante do modernismo paulista no Rio de Janeiro é a sua tentativa de “trazer o homem para a Klaxon” em um encontro com Lima Barreto descrito por Antonio Arnoni Prado, Trincheira, Palco e Letras, São Paulo, Cosac Naify, 2004, p. 259-260. Coisa que aparece logo na primeira carta trocada entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira. Cf. Marcos Antonio de Moraes, Correspondência Mário de Andrade & Manuel Bandeira, São Paulo, Edusp/IEB, 2000, p. 59-61. Como exemplo, podemos citar o episódio em que Gilberto Freyre foi ao Rio de Janeiro pela primeira vez e, tendo conhecido Prudente e Sérgio graças a Estética, foi por eles conduzido a uma noitada de teatro, na Companhia Negra de Revista, e de samba, com os Oito Batutas, de Donga e Pixinguinha. Cf. Hermano Vianna, O Mistério do Samba, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor/ UFRJ, 1995, p. 19-26. Sérgio foi formalmente contratado em maio de 1936 e começou a lecionar no início de 1937. Cf. Marcus Vinicius Corrêa Carvalho, Outros Lados: Sérgio Buarque de Holanda, Critica Literária, História e Política, tese de Doutorado, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp, Campinas, 2003, p. 184-185. Sérgio Buarque foi professor assistente nas cátedras de História Moderna e Econômica e de Literatura Comparada, cujos responsáveis foram os professores franceses Henri Hauser e Henri Tronchon. Cf. Marcus Vinicius Corrêa Carvalho, op. cit., p. 181-182. “Estudos que havia apurado depois no Rio de Janeiro, durante estreito convívio que ali mantive com Henri Hauser, um dos mais notáveis historiadores de seu tempo, vindo da Sorbonne na leva dos 16 professores convidados a ir lecionar na efêmera Universidade do Distrito Federal por iniciativa de Anísio Teixeira, organizador e primeiro reitor do estabelecimento. Esse convívio, somado às obrigações que me competiam, de assistente na cadeira de História Moderna e Econômica, sob a responsabilidade de Hauser, me haviam forçado a melhor arrumar, ampliando-os consideravelmente,

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cias trocadas entre Mário de Andrade e Manuel Bandeira evidenciam uma aproximação mediada pela presença de Sérgio5 . Essa atuação fundamental o habilitou a organizar sua própria revista, cujo título foi Estética, em 1924, coeditada com seu colega de Faculdade Nacional de Direito, Prudente de Moraes, neto. Com a atuação na revista, os dois amigos puderam ampliar consideravelmente seus canais de sociabilidade, entrando em contato com jovens escritores de Minas Gerais, como Pedro Nava e Carlos Drummond de Andrade; do Recife, como o recém-chegado dos Estados Unidos, Gilberto Freyre; e de Alagoas, como Câmara Cascudo6. No mesmo momento em que Capanema começava a executar o plano do edifício de seu ministério, a trajetória de Sérgio Buarque de Holanda passava por uma verdadeira inflexão: no ano em publicou Raízes do Brasil, como número um da Coleção Documentos Brasileiros, dirigida por Gilberto Freyre, também foi contratado para lecionar na recém-fundada Universidade do Distrito Federal, idealizada por Anísio Teixeira7. O convite foi concretizado pelo então diretor da Escola de Filosofia e Letras, Prudente de Moraes, neto, que meses depois também seria seu padrinho de casamento, ao lado de Rodrigo Mello Franco8. Esse último, meses depois, em 1937, assumiu

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a direção do recém-criado Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), concebido por Mário de Andrade. Além dos mencionados, também foram seus companheiros de docência Afonso Arinos de Melo Franco, amigo e ex-colega de Faculdade de Direito, Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Gilberto Freyre, entre outros. Com o fim da universidade em 19399, Sérgio Buarque começou a trabalhar no Instituto Nacional do Livro, cuja direção era de Augusto Meyer, e onde Mário de Andrade havia se estabelecido no ano anterior10. No Instituto, Sérgio se ocupou da concepção de séries de catálogos biográficos críticos sobre temas variados. Foi nesse contexto que estreitou sua colaboração com o já conhecido de tempos modernistas Rubens Borba de Moraes, então diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo11 . Dois assuntos principais permeiam a troca de correspondência entre os autores no período (1939-1941). Primeiro, a tradução que realizou Sérgio das Memórias de um Colono no Brasil, de Thomas Davatz, para a coleção dirigida por Rubens Borba e intitulada Biblioteca Histórica Brasileira, da Livraria Martins 12 . Segundo, a elaboração do Handbook of Brazilian Studies, obra que seria realizada em coautoria entre Moraes e o professor norte-americano William Berrien.

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meus conhecimentos nesse setor, e a tentar aplicar os critérios aprendidos ao campo dos estudos brasileiros, a que sempre me havia devotado, ainda que com uma curiosidade dispersiva e mal educada”. Sérgio Buarque de Holanda, Tentativas de Mitologia, São Paulo, Perspectiva, 1979, p. 14. 9 A extinção da Universidade do Distrito Federal se insere no contexto de centralização política do Estado Novo. A instituição, conduzida pela prefeitura da cidade desde 1935, destoava do projeto educativo consolidado no plano federal nos anos posteriores, do qual fazia parte a Universidade do Brasil. Uma campanha pública de denúncias de comunismo por parte de professores da instituição, capitaneada por Alceu Amoroso Lima, contribuiu decisivamente para o descrédito do projeto. Cf. Simon Schwartzman, Helena M. B. Bomeny e Vanda M. R. Costa, Tempos de Capanema, São Paulo, Paz e Terra/Edusp, p. 210-214. 10 Originalmente tanto Sérgio Buarque quanto Mário de Andrade foram convidados para um departamento de teatro, ligado ao Ministério da Educação, e que seria dirigido pelo último. Cf. Idem, p. 81; Maria Amélia Buarque Holanda, “Apontamentos para a Cronologia de Sérgio Buarque de Holanda” in Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, São Paulo, Companhia das Letras, 2006, p. 434. 11 Também trabalharam no Instituto Eneida de Moraes, esposa de Rubens Borba, Francisco de Assis Barbosa e José Honório Rodrigues. Foi nesse contexto que estreitou sua amizade com Otávio Tarquínio de Souza e com Lúcia Miguel-Pereira. Cf. Richard Graham, “An Interview with Sérgio Buarque de Holanda”, Hispanic American Historical Review (HAHR), Austin, vol. 62, n. 1, fev. 1982, p. 6-7; Maria Amélia Buarque Holanda, op. cit., p. 435. 12 Thomas Davatz, Memórias de um Colono no Brasil (1850); Tradução, Prefácio e Notas de Sérgio Buarque de Holanda, São Paulo, Martins, 1941.

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Mário de Andrade não só foi convidado para ir aos Estados Unidos, mas também recebeu Berrien quando este esteve em São Paulo, em 1941, como se pode observar pela foto do encontro disponível em seu acervo. Também participaram do encontro Edgar Carvalheiro, Gilda Rocha (futura Gilda de Mello e Souza), Luis Saia, Rubem Braga e o próprio Rubens Borba. Acervo Mário de Andrade, IEB-USP, MA-F-2093. Em carta a Sérgio Buarque, de março do mesmo ano, Mário de Andrade indaga sobre os preparativos da viagem aos Estados Unidos, e confessa seu desejo de não ir. Em suas palavras, “eu, cada vez mais desistindo de ir e talvez desistindo de tudo, não sei, ando com mofo de tudo que não é minha vidinha de deserto-mãe”. Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Cp 52 P6. Robert Wegner, A Conquista do Oeste: a Fronteira na Obra de Sérgio Buarque de Holanda, Belo Horizonte, Editora UFMG, 2000, p. 76-77. Enquanto esteve em Nova York, horas antes de embarcar para o Brasil em 18 de julho de 1941, Sérgio Buarque entrou em contato com Paulo Duarte e lhe passou informações sobre como deveria proceder para obter cópias de manuscritos do século XVIII e XIX para a Biblioteca Municipal de São Paulo, e sugerindo que entrasse em contato com Berrien e Hanke. Cf. Carta de Sérgio Buarque de Holanda a Paulo Duarte, Nova York, 18 de jul. 1941. Arquivo Paulo Duarte/Cedae/IEL/Unicamp, vol. 8. Sobre o impacto da viagem aos Estados Unidos, ver o capítulo “Considerações sobre o Americanismo”, publicado em sua obra Cobra de Vidro, de 1945, mas originado de artigo suscitado pela viagem, publicado no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, em 28 de setembro de 1941. Monções foi planejado pelo menos desde 1942 e destinado a um concurso promovido por instituição norte-americana. O “tal concurso nos States” entra em pauta na carta de Mário de Andrade a Sérgio Buarque, de 15 de setembro de 1942. Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Cp 57 p 6. A questão já foi observada por Robert Wegner, na obra A Conquista do Oeste, op. cit., p. 92. O tema ainda deve ser aprofundado, mostrando as prováveis relações entre a instituição promotora do concurso e a rede de intelectuais estabelecida por conta de sua viagem de 1941. Marcus Vinicius Corrêa Carvalho, op. cit., 2003, p. 221-222. Idem, p. 225-226. Idem, p. 223.

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Além de ter sido incluso como autor na elaboração da obra, Sérgio se aproximou de Lewis Hanke, diretor da Hispanic Foundation e ligada à Library of Congress13 . Foi através dessa ligação que viajou aos Estados Unidos em 1941 em nome do próprio Instituto, conferindo palestras no Wyoming, e participando de um debate na Universidade de Chicago. Também realizou pesquisa na Library of Congress e ainda passou por Nova Iorque14 . Não seria exagerado afirmar que a colaboração com o contexto intelectual norteamericano contribuiu para despertar o interesse na pesquisa que produziu as obras Monções (1945) e, posteriormente, Caminhos e Fronteiras (1957)15 . Sérgio Buarque e Rubens Borba se transferiram juntos para a Biblioteca Nacional em 1944, assumindo, o primeiro, a Divisão de Consultas e, o segundo, a Divisão de Preparação. Borba havia se transferido a convite de Capanema e do Ministro do Trabalho, Marcondes Filho16 com a promessa de que, com a iminente aposentadoria de Rodolfo Garcia, ele assumiria a diretoria da instituição17. Ao que tudo indica, foi Borba o responsável pela ida de Sérgio Buarque18. Dado o estado crítico em que se encontrava a biblio-

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teca em termos de organização e conservação, suas atividades entre 1944 e 1946 parecem ter se concentrado em uma reforma e reestruturação especialmente de obras raras, periódicos e manuscritos, seções sob sua responsabilidade19. Gozando de estabilidade e aproveitando o acesso fácil ao material, já que mesmo o Instituto Nacional do Livro também localizava-se no edifício da Biblioteca Nacional, Sérgio intensificou o estudo e a pesquisa. O elemento chave para compreensão de sua trajetória intelectual no Rio de Janeiro foi a ascensão, sua e de muitos de seus amigos, a cargos públicos diretivos em instituições culturais em meados dos anos 1930. Não é exagerado afirmar que seu lugar social como intelectual é plasmado em função de seu papel como mediador de círculos de sociabilidade entre Rio de Janeiro e São Paulo.

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os anos no museu paulista

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A nomeação de Sérgio Buarque de Holanda como diretor do Museu Paulista em 1946 se insere no contexto de rearticulação da rede de intelectuais paulistas ligados ao Departamento de Cultura nos anos 1930, possibilitada pelo fim do Estado Novo em 1945. Fora justamente a desarticulação do projeto, com o golpe de estado no final de 1937 e a ascensão de Prestes Maia à prefeitura de São Paulo em maio de 1938, que havia levado ao exílio carioca de Mário de Andrade, e alguns anos depois, de Rubens Borba de Moraes. Além dos dois, não se pode deixar de mencionar o nome de Paulo Duarte como um dos principais articuladores da política cultural em São Paulo. Duarte circulava muito bem entre a elite dirigente paulista e teve um papel definitivo desde a realização da Universidade de São Paulo e da Escola Livre de Sociologia e Política, antes de ter sido exilado com o golpe de 193720. Ainda no Rio de Janeiro, Sérgio Buarque vinha tendo um papel importante na resistência ao Estado Novo, especialmente em meados dos anos 19 Idem, p. 224-225 20 Ao lado de Armando Salles de Oliveira, Júlio de Mesquita e Fernando de Azevedo, pode-se afirmar que Paulo Duarte foi um dos realizadores da Universidade de São Paulo. Cf. Simon Schwartzman, A Formação da Comunidade Científica no Brasil, São Paulo, Cia. Editora Nacional/ Rio de Janeiro, Finep, 1979, p. 202-203. Sobre a relação entre o projeto político paulista e a fundação das instituições de conhecimento, ver Fernando Limongi, “Mentores e Clientelas da Universidade de São Paulo” in Sérgio Miceli, História das Ciências Sociais no Brasil, vol. 1, São Paulo, Sumaré, 2001, p. 135-221.

21 No mesmo contexto, participou da fundação da Esquerda Democrática, embrião do Partido Socialista. Cf. Antonio Candido, “A Visão Política de Sérgio Buarque de Holanda”, Sérgio Buarque de Holanda e o Brasil, São Paulo, Fundação Perseu Abramo, 1998, p. 82; Marcos Antonio Silva Costa, Biografia Histórica: a Trajetória do Intelectual Sérgio Buarque de Holanda entre os Anos de 1930 e 1980, Tese de Doutorado, Faculdade de Ciências e Letras, Unesp, Assis, p. 75, 2007. 22 Sobre o evento, ver Felipe Victor Lima, O Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores: Movimento Intelectual contra o Estado Novo (1945), dissertação de Mestrado, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2010. 23 Como disse em carta de 10 de fevereiro de 1945 a Rodrigo Melo Franco de Andrade, “Na verdade, Rodrigo, você não pode imaginar como vivi com uma prodigiosa intensidade, com uma monstruosa seriedade, o Congresso dos ‘Intelectuais’. É certo que jamais me senti mais dentro da minha gente! Teve um instante, foi quando qualquer falador falou uma besteira, teve esse instante que explodiu dentro da minha consciência a noção que aquele Congresso era um coroamento da ’minha carreira’, da minha vida... Fiquei até com vergonha da imodéstia. Mas depois aceitei a ideia com toda a modéstia”. Mário de Andrade, Cartas de Trabalho. Correspondência com Rodrigo Melo Franco de Andrade (1936-1945), Brasília, Ministério da Educação e Cultura, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional/Fundação Pró-Memória, 1981, p. 186-187. 24 Gisele Laguardia Valente, As Missões Culturais de Sérgio Buarque de Holanda, Tese de Doutorado em Memória Social, Unirio, Rio de Janeiro, 2009, p. 114-115.

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1940, sua fase final, quando colaborou ativamente na organização do Primeiro Congresso Brasileiro de Escritores21, promovido pela Associação Brasileira de Escritores. No final do congresso a organização tornou público um manifesto contra o regime ditatorial 22 . Mário de Andrade, que morreria cerca de quinze dias depois, foi o idealizador do evento, cujo objetivo, além do manifesto político, era reivindicar condições mínimas para a especialização e autonomização do campo intelectual, como a normatização da legislação sobre direitos autorais 23 . Não surpreende que tenha sido Paulo Duarte o responsável pela sua indicação a José Carlos de Macedo Soares, seu conhecido desde a Revolução de 1924 e então interventor federal no Estado de São Paulo24 . No ano seguinte, em 1947, Sérgio Buarque foi incorporado como professor de História Econômica da Escola Livre de Sociologia e Política (ELSP), que, a propósito, havia sido um “refúgio” de companheiros de Departamento de Cultura, como o próprio Rubens Borba e Sérgio Milliet durante os anos de ditadura. É coerente que Sérgio Buarque tenha se empenhado na integração do Museu Paulista com as instituições de produção e difusão do conhecimento, especialmente as ligadas aos projetos culturais nos anos 1930 – a Escola Livre de Sociologia e Política em 1933 e a Universidade de São Paulo. De modo geral, sua gestão no Museu Paulista procurou criar condições para a consolidação do campo intelectual caracterizado pela especialização acadêmica nas suas áreas de atuação; o que fez por meio da criação e circulação de periódicos acadêmicos, com a constituição de acervos, com

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a realização de viagens e expedições, e com intercâmbio no plano nacional e internacional. Para isso, promoveu uma reforma estrutural na instituição assim que a assumiu. Até então, a orientação do museu havia oscilado entre um modelo de museu de história natural típico do século XIX e um museu de história nacional, ligado à atuação de Affonso Taunay desde 191625 . O Museu Paulista passou a contar com quatro seções “técnico-científicas” de História do Brasil (que incluía o Museu Republicano de Itu); de Etnologia; de Numismática e Medalhística; de Documentação Linguística, além de uma seção de biblioteca, arquivo e publicações. Com a ampliação e consolidação das áreas, a instituição também contratou os professores da ELSP, tendo Herbert Baldus como responsável e Harald Schultz como assistente do então criado setor de etnologia 26. Sérgio Buarque também retomou a publicação da Revista do Museu Paulista, que havia sido extinta em 1938 27 e que passou a se concentrar nas áreas de etnologia e antropologia; enquanto os Anais do Museu Paulista se concentravam na área de história. A Revista teve um papel muito importante na consolidação dos estudos etnográficos, sendo, em alguma medida, continuadora do trabalho da Revista do Arquivo Municipal, publicação incorporada no projeto do já mencionado Departamento de Cultura da prefeitura de São Paulo e que contava com a colaboração frequente do grupo de professores da ELSP – dentre eles, o próprio Baldus 28 . Essa reestruturação se completou com a incorporação de acervos na área de história, numismática e etnologia, sendo que muitas aquisições nesta última foram resultantes de várias expedições e viagens realizadas por Baldus e Schultz pelo Brasil ao longo da segunda metade da década de 1940 e a primeira metade da seguinte29. Talvez seja exagerado, pelo menos sem um estudo aprofundado, afirmar que Sérgio Buarque deixa uma 25 Ulpiano T. Bezerra de Meneses, “O Museu Paulista”, Estudos Avançados, vol. 8, n. 22, set.-dez. 1994, p. 573-575. Sobre a gestão de Taunay no museu e seu empenho na construção da memória paulista, ver Ana Paula Fonseca Brefe, O Museu Paulista: Affonso de Taunay e a Memória Nacional 1917-1945, São Paulo, Museu Paulista/Unesp, 2005. 26 Ofício de Sérgio Buarque de Holanda ao secretário da Educação do Estado de São Paulo, Plinio Caiado de Castro, de 26 de setembro de 1946, AMP/P200; Ofício de Sérgio Buarque de Holanda ao Secretário da Educação do Estado de São Paulo, Plinio Caiado de Castro, 27 set. 1946. AMP/P200. 27 Mariana Françozo, “O Museu Paulista e a História da Antropologia no Brasil”, Revista de Antropologia, vol. 48, n. 2, São Paulo, jul.-dez., 2005, p. 592. 28 Silvana Rubino, “Clube de Pesquisadores. A Sociedade de Etnologia e Folclore e a Sociedade de Sociologia”, in Sérgio Miceli, História das Ciências Sociais no Brasil, vol. 2, São Paulo, Editora Sumaré/Fapesp, 1995, p. 496-498. 29 Gisele Laguardia Valente, op. cit., p. 133-135.

a internacionalização dos estudos brasileiros O período de gestão do Museu Paulista coincidiu com uma conjuntura de ampliação do intercâmbio internacional de intelectuais brasileiros, impulsionada pelo fim da Segunda Guerra Mundial e principalmente pelo início das operações da Unesco. Por isso, a partir de finais dos anos 1940, a rede de colaboração intelectual de Sérgio Buarque de Holanda se tornou mais complexa e dinâmica. Em 1949, viajou duas vezes para Europa para participar de comitês organizados pela Unesco e para uma conferência na Sorbonne, a convite de

30 Sérgio Buarque chegou a ir pessoalmente a Cuiabá conhecer as peças. Ofício de Sérgio Buarque de Holanda ao Secretário da Educação do Estado de São Paulo, Plinio Caiado de Castro, Arquivo Museu Paulista, AMP/P200. 31 Aureli Alves Alcântara, Paulo Duarte entre Sítios e Trincheiras em Defesa da Sua Dama – a Pré-história, dissertação de Mestrado em Arqueologia, Museu de Arqueologia e Etnologia, USP, 2007, p. 64, 179 e 245-47. Segundo a autora, tal divisão chegou a ser oficialmente proposta por Baldus em 1953. 32 Idem, p. 64-65. 33 Relatório Anual do ano de 1955 apresentado ao Secretário de Estado dos Negócios da Educação, Vicente de Paula Lima, 14 jan. 1956. APMP/FMPL39, p. 26; Gisele Laguardia Valente, op. cit., p.161-162.

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marca pessoal na política de aquisições do museu. Entretanto, não se pode deixar de mencionar o caso emblemático da compra, logo que assumiu a direção, do acervo do Museu Dom José, de Cuiabá, composto de objetos da cultura material produzidos no tempo de colonização do local como tear e instrumentos de fiação e tecelagem doméstica, lampadário, peças sacras do século XVIII etc. Esse interesse em certos aspectos da cultura material coincide com discussões suscitadas pelas obras Monções, publicada no mesmo ano de 1946, e da elaboração dos textos correspondentes a Caminhos e Fronteiras, como Índios e Mamelucos na Expansão Paulista, publicado em 1949, em separata dos Anais do Museu Paulista30. Mário de Andrade e Paulo Duarte já haviam aventado nos tempos de Departamento de Cultura uma reestruturação no Museu Paulista 31. A ideia era que ocorresse uma espécie de divisão entre um museu histórico e um museu arqueológico e etnológico32 . No seu último relatório à frente do museu, Sérgio Buarque defende que seria uma evolução no cárter científico do museu se houvesse justamente uma divisão em termos semelhantes, entre museu histórico e museu arqueológico e etnológico33.

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Fernand Braudel 34 e Lucien Febvre35. No ano seguinte, viajou aos Estados Unidos para participar do I Colóquio Internacional de Estudos Brasileiros, em Washington, a convite de Lewis Hanke, da Hispanic Foundation, que fora responsável por sua viagem em 1941. Da conferência na Sorbonne resultou a publicação na revista dos Annales do artigo intitulado “Au Brésil colonial: les civilisations du miel”, que aparece reescrito como o capítulo 3: “A Cera e o Mel”, em Caminhos e Fronteiras36 . Já o texto produzido para o Colóquio em Washington, que trata das técnicas rurais no Brasil colonial, corresponde à segunda parte de Caminhos e Fronteiras37. Pouco se sabe sobre o papel de Sérgio Buarque nas comissões da Unesco de que participou no período. Seria necessária uma pesquisa nos arquivos do Itamaraty e da própria Unesco, já que a documentação presente em seu arquivo pessoal na Unicamp permite localizar apenas poucas cartas e alguns convites institucionais. De qualquer maneira, os indícios existentes levam a crer que a aproximação ocorreu com a intermediação do Itamaraty, tanto que partiram de Mário Guimarães, chefe da Divisão Cultural, os convites tanto para uma comissão da Unesco encarregada de elaborar uma história científica e cultural da humanidade em 1951, quanto para ser professor da recém-fundada Cátedra de Estudos Brasileiros na Universidade de Roma, no ano seguinte 38 . Durante o governo democrático de Getúlio Vargas (1951-1954) houve um amplo incentivo à difusão da cultura brasileira no exterior. Com a crise das nações europeias ocasionada pela Segunda Guerra Mundial, o governo investiu na possibilidade de conferir um status de potência ao Brasil 39. A 34 Carta manuscrita de Fernand Braudel, Paris, 25 jul. 1948, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, SiarqUnicamp, Cp 95 P7. 35 Carta em papel timbrado da IV Seção da Escola de Altos Estudos da Universidade de Paris, assinada por Lucien Febvre, Paris, 15 dez. 1948, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Cp 94 P7. 36 Sérgio Buarque de Holanda, Caminhos e Fronteiras, 3. ed., São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 43-54. 37 Sérgio Buarque de Holanda, idem, p. 11; “As Técnicas Rurais no Brasil durante o Século XVIII”, in Colóquio Internacional de Estudos Luso-brasileiros, s/n., out. , Washington D.C., Anais... Nashville, The Vanderbilt, 1950; University Press, 1953, p. 260-266, jul. 1951. Texto que origina a série de artigos “Algumas Técnicas Rurais no Brasil Colonial I, II, II”, revista Anhembi, I, vol. IV, n. 10, p. 16-25, set. 1951; ano I, vol. IV, n. 10, p. 16-25, set. 1951; ano II. vol. V, n. 14, p. 266-285, jan. 1952. 38 Oficio de Mário Guimarães, Chefe da Divisão Cultural do Itamaraty, Rio de Janeiro, 31 jul.1951. SiarqUnicamp; Oficio de Mário Guimarães, Chefe da Divisão Cultural do Itamaraty, Rio de Janeiro, 20 dez. 1952, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Cp 114 P7. 39 Para uma análise da política externa brasileira à luz da retomada do projeto de transformar o Brasil em potencia nos anos 1950, ver Luiz Alberto Moniz Bandeira, Brasil – Estados Unidos. A

Rivalidade Emergente 1950-1988, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2011, p. 61-84. 40 Thiago Lima Nicodemo, Alegoria Moderna. Consciência Histórica e Figuração do Passado na Crítica Literária de Sérgio Buarque de Holanda, Doutorado em História Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, USP, São Paulo, 2010, p. 100-130. 41 Marcos Chor Maio, “A Unesco e a Agenda das Ciências Sociais no Brasil nos Anos 40 e 50”, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 14, n. 41, out. 1999. 42 O projeto editorial da “História Científica e Cultural da Humanidade” a que Sérgio foi convidado (também com a mediação da Divisão Cultural do Itamaraty) pode ser perfeitamente enquadrado nesse contexto, pois se apresentava como uma tentativa de formulação de uma história não (ou menos) eurocêntrica. Cf. Robert C. Angell, “Unesco and Social Science Research”, American Sociological Review, vol. 15. n. 2, abr. 1950, p. 282-287. O projeto seria apenas publicado entre 19631976, com a colaboração definitiva de Joseph Needham. 43 Maria Arminda do Nascimento Arruda, Metrópole e Cultura: São Paulo no Meio Século XX, Bauru/ São Paulo, Editora da Universidade do Sagrado Coração, 2001, p. 51-133.

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própria viagem de Sérgio Buarque de Holanda à Itália é um exemplo de iniciativas dessa natureza no plano da cultura. Sua ida se enquadrava em um projeto de criação de mais de quinze cátedras de “estudos brasileiros” em universidades de renome na América Latina e na Europa 40. Não é adequado, portanto, pensar no Brasil como receptáculo meramente passivo de projetos de intercâmbio e produção de conhecimento propostos por instituições como a Unesco. O sucesso dessas inciativas foi condicionado à sua conveniência no desenvolvimento de nossa política internacional, reforçando ou forjando um discurso ideológico próprio. Afinal, uma das principais ideias que nortearam a gestão da Unesco, pelo menos em seus primeiros anos, foi a de se promover condições à paz e ao entendimento entre as culturas por meio da crítica e problematização do eurocentrismo e de categorias a ele subjacentes como as de raça e nação41. Isso incluía dar voz a nações até então periféricas e desenvolvidas, como o Brasil 42 . A inserção do Brasil como potência internacional dependia em muito do desenvolvimento e da industrialização capitaneados por São Paulo. Nos anos 1950, a cidade viveu um surto industrial e de crescimento populacional. Nos termos propostos por Maria Arminda do Nascimento Arruda, podemos falar em um redimensionamento do campo da cultura à nova burguesia resultante do crescimento43 . Não se deve falar apenas na necessidade de multiplicação de canais de acesso aos bens culturais, como imprensa, cinema, teatro, literatura, artes plásticas e até a universidade. A cultura deveria também se modificar na sua essência, passando a representar e estimular a nova dinâmica social e os novos padrões de consumo. As comemorações do IV Centenário de São Paulo encarnaram o desejo de demonstrar a pujança econômica e a capacidade de organização

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da cidade e de seus cidadãos. Em certa medida, falamos em um momento que projetos culturais idealizados nos anos 1920 e 1930 são encampados por uma nova agenda ideológica de promoção da hegemonia paulista, que foi viabilizada através de alianças entre poder público e a indústria emergente. O melhor exemplo disso é a figura do industrial Francisco Matarazzo Sobrinho (Cicillo), presidente da comissão organizadora do evento desde 1951, como mecenas cultural 44 . Mesmo na Itália em boa parte do período, Sérgio Buarque colaborou com a exposição histórica 45, além de ter sido consultor da comissão organizadora do IV Centenário desde o início de 1952 46. Sua colaboração talvez tenha sido pouco efetiva 47, mas foi significativa no sentido de solidificar suas redes sociais de colaboração intelectual ligadas ao novo contexto. Tanto que, na Itália, recebe visita de Yolanda Penteado e Paulo Mendes de Almeida, que viajavam a serviço da comissão48. O principal resultado dessa aproximação foi que, logo que voltou da Itália, Sérgio foi nomeado vicediretor do Museu de Arte Moderna (MAM), criado por Cicillo em 1948 e responsável pela organização das Bienais até o início dos anos 1960. No que toca à cooperação acadêmica no período, merece destaque a realização da edição dos Rencontres Internationales de Genève49, do XXXI

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44 O evento foi preparado oficialmente desde 1951 por comissão presidida pelo industrial, e teve como principal palco o Parque Ibirapuera, construído segundo projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer. Cf. Silvio Luiz Lofego, IV Centenário da Cidade de São Paulo. Uma Cidade entre Passado e Futuro, São Paulo, Annablume, 2004, p. 42-43 e 79-103. 45 Ofício de Francisco Matarazzo Sobrinho, Presidente da Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo a Sérgio Buarque de Holanda, convidando-o para participar da Consultoria Técnica Exposição Histórica de São Paulo dentro do Quadro da História do Brasil, São Paulo, 14 ago. 1953, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 53 P2. 46 Ofício de Francisco Matarazzo Sobrinho, Presidente da Comissão do IV Centenário da Cidade de São Paulo a Sérgio Buarque de Holanda, convidando-o para participar da Consultoria Técnica do Serviço de Comemorações Culturais desta Comissão, São Paulo, 2 fev. 1952, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 48 P2. 47 Da Itália, Sérgio Buarque enviou sistematicamente documentação histórica encontrada em arquivos italianos sobre a história de São Paulo. Sobre o tema ver Thiago Lima Nicodemo, op. cit., p. 112-113. 48 Sérgio Buarque de Holanda, “Tudo em Cor de Rosa”, in Livro dos Prefácios, São Paulo, Companhia das Letras, 1996. p. 423. Não há registro da provável presença de Cicillo nas mesmas viagens. 49 Os encontros de 1954 foram organizados e idealizados por uma comissão ligada à Conferência Geral da Unesco de 1952 e ocorreram paralelamente em Genebra e São Paulo. Sérgio Buarque participou da edição europeia, pois ainda lecionava na Itália. Ver a publicação El Viejo y el Nuevo Mundo. Sus Relaciones Culturales y Espirituales. Reuniones Intelectuales de São Paulo y Rencontres Internationales de Genève, 1954, Paris, Unesco, 1956.

50 Cuja organização foi levada a cabo por Antonio Candido, Paulo Mendes de Almeida e Mário Neme. 51 Aureli Alves Alcântara, op. cit., p. 218-220. 52 Uma carta de Paulo Duarte enviada a Sérgio Buarque de Holanda na Itália evidencia o comprometimento dos dois intelectuais na realização dos três congressos. Preocupado, Duarte diz a Sérgio que o Congresso de Escritores andava “congelado”, o Reencontres (Sérgio havia sugerido nomes de participantes, aproveitando seus contatos italianos) “vai indo num avacalhamento que faz dó”, mas “os americanistas, firmíssimo”. Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Cp 374 P11. 53 Aureli Alves Alcântara, op. cit., p. 178-179 e 204-205. 54 Idem, p. 178. 55 Idem, p. 183. 56 A comissão se comporia de membros representantes justamente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, do Museu Paulista, do Instituto Geográfico e Geológico e um da Assessoria Técnico Legislativa do Estado. Idem, p. 200. 57 Rivet já vinha colaborando com o desenvolvimento acadêmico em São Paulo desde os anos 1930 por intermédio de Duarte. O intelectual francês também pode ter sido um dos canais dos intelectuais brasileiros com a Unesco (além de Paulo Carneiro, então embaixador do Brasil na Unesco).

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Congresso dos Americanistas e do Congresso Internacional de Escritores50 em São Paulo, em 1954, que fizeram parte do IV Centenário da cidade51. Ambos os eventos foram organizados sob circunstâncias político-institucionais excepcionalmente favoráveis que possibilitaram a articulação entre instituições como a ELSP, a USP, o MP, bem como entre instituições originadas na resistência contra a ditadura do Estado Novo, como a Sociedade Brasileira de Escritores. Sérgio Buarque, ex-presidente da “Seção Paulista” da instituição (nomeado em 1947), colaborou com os eventos a distância52 . O desenvolvimento da área de arqueologia e pré-história, tanto no que diz respeito ao ensino quanto à preservação do patrimônio no Brasil, já figurava entre as pretensões de Paulo Duarte e Mário de Andrade no Departamento de Cultura de São Paulo nos anos 193053 . Duarte volta do exílio em 1947 com o firme propósito de fundar um museu nos mesmos moldes do então Musée De L’Homme de Paris, instituição com a qual havia colaborado durante seu período na Europa (e que mantinha contato desde os anos 1930)54 . Favorecido pela conjuntura política, Duarte criou em 1952 a Comissão de Pré-história, que deveria ser o embrião do museu 55, articulando os trabalhos de pesquisa, os projetos de preservação do patrimônio arqueológico, e procurando promover o ensino na área 56. A realização do XXXI Congresso dos Americanistas no Brasil foi um dos resultados da colaboração entre Paul Rivet, diretor do Musée de l’Homme57, Duarte

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e Baldus, e foi seguido de uma missão franco-brasileira de pesquisa nos sambaquis de São Paulo58 . Em 1959, a Comissão de Pré-História se converteu no Instituto de Pré-História e Etnologia, dando mais um passo na criação do museu. No mesmo ano, Duarte assume a direção do Museu Paulista e retoma o velho projeto de divisão da instituição duas partes: museu histórico e museu arqueológico e etnológico59 . Seu desejo era a fusão do acervo etnológico e arqueológico do MP com a recém-criada instituição, formando finalmente o Museu do Homem, que deveria ser localizado nos pavilhões do Parque Ibirapuera construídos para o IV Centenário 60 . Cogitou-se como localização para o museu ou o Palácio das Indústrias, atual sede da Bienal de São Paulo, ou o Palácio da Agricultura, onde se localizava o Detran, recentemente ocupado pelo Museu de Arte Contemporânea (MAC-USP)61 .

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sérgio buarque de holanda na universidade de são paulo

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Sérgio Buarque retorna da Itália em 1955, retomando suas atividades no Museu Paulista e na ELSP62 . Logo no final do ano seguinte transferiu seu cargo para a Universidade de São Paulo, para lecionar História do Brasil no lugar de Alfredo Ellis, que havia se aposentado. A aproximação de Sérgio Buarque com a USP não é fortuita. Como diretor do MP, considerado “instituição complementar”, o intelectual havia estreitado a colaboração com a instituição. Em 1948, inclusive, teve assento no Conselho Universitário como representante da categoria 63 . Além disso, participou das bancas examinadoras de concurso de cátedra de Astrogildo Rodrigues 58 O conhecimento da pré-história do Brasil também não deixava de se apresentar como uma possibilidade de crítica ao eurocentrismo, pois demonstrava as condições de existência de civilizações complexas no passado, assim rompendo a ideia de uma linearidade evolutiva nas civilizações. Cf. Aureli Alves Alcântara, op. cit., p. 218-221. 59 Idem, p. 245-246. 60 Idem, p. 246-247. 61 Idem, p. 247. 62 Em 1956, Sérgio Buarque lecionou também a disciplina de História do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Sorocaba. Termo de nomeação de Sérgio Buarque de Holanda como professor contratado para ministrar curso de História do Brasil na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de Sorocaba, Sorocaba, 15 mar. 1956, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 80 P. 63 Ofício de Lineu Prestes Reitor da Universidade de São Paulo a Sérgio Buarque de Holanda, São Paulo, 16 nov. 1948, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 43 P1.

64 Maria Regina C. R. Simões de Paula, “Teses Defendidas no Departamento de História da Universidade de São Paulo (1939-1974)”, Revista de História, Número Jubilar, t. 2, vol. 3, 1975, p. 825. 65 Idem, p. 828. 66 Comprovante de aprovação do exame oral para o grau de Mestre em Ciências Sociais – Divisão de Postgrado da Escola de Sociologia e Política, São Paulo, 30 jul. 1958, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 83 P2; Comprovante de aprovação do exame ‘comprehensive’ para o grau de Mestre em Ciências Sociais – Divisão de Post-grado da Escola de Sociologia e Política, São Paulo, 30 jul. 1958, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 84 P2. Para uma comparação entre os dois trabalhos, ver Thiago Lima Nicodemo, Urdidura do Vivido. Visão do Paraíso e a Obra de Sérgio Buarque de Holanda nos Anos 1950, São Paulo, Edusp, 2008, p. 162-173.

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de Mello, em 1946, e de Eduardo d’Oliveira França, em 195164, e das bancas de concurso de livre-docência de Alice P. Canabrava e de Odilon Araújo Grellet, ambas em 194665 . Para se habilitar ao concurso que promoveria sua efetivação como titular da cadeira de História da Civilização Brasileira, Sérgio teve que obter às pressas um título acadêmico. Foi por isso que se matriculou na pós-graduação da mesma instituição que, contando as interrupções, havia lecionado por mais de dez anos, a ELSC, sob a orientação de Baldus. Seu mestrado, intitulado Elementos Formadores da Sociedade Portuguesa na Época dos Descobrimentos, foi apresentado no final de julho, meses antes da defesa de Visão do Paraíso, tese apresentada no concurso de professor titular na USP66 . Suas duas atividades mais importantes enquanto professor da USP foram a coordenação do projeto editorial da História Geral da Civilização Brasileira, criado nos mesmos moldes da coleção História Geral das Civilizações (1960-1972), e a criação do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP), em 1962. De um modo geral, pode-se dizer que Sérgio Buarque trabalhou seriamente para implantação de um modelo avançado de produção de conhecimento diretamente ligado à manutenção de acervos e o acesso a eles. O IEB foi criado em 1962 tendo como marco zero a compra da “brasiliana”, biblioteca de cerca de dez mil volumes do modernista Yan de Almeida Prado. Em torno do acervo foi delineado um conselho de administração composto por representantes das áreas de História da Civilização Brasileira (FFCL), Geografia do Brasil (FFCL), Literatura Brasileira (FFCL), Antropologia e Etnologia do Brasil (FFCL), História Econômica e do Brasil e Formação Econômica e Social do Brasil (FCEA), Geografia Econômica Geral do Brasil (FCEA), Economia IV (FCEA), História da

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Arquitetura do Brasil (FAU)67. Pouco mais tarde também se acrescentou a cadeira de Línguas Indígenas do Brasil (FFCL)68 . Como sugere João Ricardo C. Caldeira, o IEB foi idealizado nos moldes de um area studies center69, no sentido da busca pela integração de disciplinas em torno do mesmo objeto, a saber, a realidade brasileira. Isso remete para o contexto de cooperação internacional de que participava seu idealizador desde o início da década de 1940. Por outro lado, a composição do IEB não estava distante de experiências recentes, como a do Instituto de Pré-História, que funcionava justamente em torno de um colegiado de instituições e áreas, do qual o próprio Sérgio Buarque fazia parte. A criação do IEB se insere em um amplo projeto político-institucional de estreitamento da coesão entre as unidades que compunham a universidade70. Entendia-se que a USP só reuniria condições de realizar um plano científico coordenado se possuísse um espaço físico comum. Sendo assim, o campus universitário, que era um projeto desde a fundação da universidade nos anos 1930, teve sua construção acelerada71. O aparecimento do IEB foi altamente oportuno nessas circunstâncias, já que se baseava em uma estrutura colegiada interdisciplinar destinada a oferecer condições para a pesquisa avançada nas ciências humanas. A conjuntura política do aparelhamento do campus universitário deu-se com a união de forças entre o Governador Carvalho Pinto, o reitor Ulhoa Cintra, catedrático da Faculdade de Medicina, e com seu amigo particular, Cicillo Matarazzo. Além da formação do IEB 72 , Cicillo doou à universidade, em 1963, o acervo do Museu de Arte Moderna reunido

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67 João Ricardo de Castro Caldeira, IEB: Origem e Significados, São Paulo, Oficina do Livro Rubens Borba de Morais/Imprensa Oficial do Estado, 2002. p. 64. As siglas correspondem a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL); Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (FCEA); Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU). 68 Processo RUSP, no 15537/62, folha 44. 69 João Ricardo de Castro Caldeira, op. cit., p. 21-23. 70 Que, por sua vez, se insere no conjunto de reformas universitárias implantadas na esfera federal a partir de 1968, pautado pela sistematização dos programas de pós-graduação. Cf. Simon Schwartzman, op. cit., p. 291-301. 71 João Ricardo de Castro Caldeira. op. cit., p. 34-35. 72 São poucos, mas não desconsideráveis, os vestígios da colaboração de Cicillo na fundação do IEB. Dentre eles destaca-se uma carta de 15 de janeiro de 1963 ao governador Carvalho Pinto, solicitando o financiamento do estado na compra para o IEB da coleção de documentos de Dom Luís Antônio de Souza Botelho Mourão, Morgado de Mateus. Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, D 2/1 P 79

73 É nesse contexto que Cicillo Matarazzo cria a Fundação Bienal para administrar o evento homônimo antes promovido pelo próprio MAM. Juridicamente Cicillo extingue a sociedade que mantém o museu, o que desengatilha um conf lito com conselheiros e beneméritos descontentes. Estes refundam o Museu. Sobre o MAM, ver Maria Cecilia França Lourenço, Museus Acolhem o Moderno, São Paulo, Edusp, 1999, p. 122-125. 74 Teresa Cristina Toledo de Paula, “Tecidos no Museu: Argumentos para uma História das Práticas Curatoriais no Brasil”, Anais do Museu Paulista, vol.14, n.2, 2006, p. 259; Maria Isabel D'Agostino Fleming e Maria Beatriz Borba Florenzano, “Trajetória e Perspectivas do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (1964-2011)”, Estudos Avançados, vol. 25, n.73, 2011, p. 217. 75 Em ofício de 17 de julho de 1963, o novo reitor, Luiz Antônio da Gama e Silva, pede a Sérgio Buarque que continuasse como membro do conselho designado por Ulhoa Cintra “para programar as atividades relativas ao acervo proveniente do Museu de Arte Moderna”, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 102 P2. 76 Convocatória da reunião da Comissão do Museu Arqueológico em 19 de outubro de 1963, Fundo Sérgio Buarque de Holanda, Siarq-Unicamp, Vp 107, anexo 2. 77 Associação também sugerida por João Ricardo de Castro Caldeira, op. cit., p. 46-48.

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ao longo da década anterior73 . No ano seguinte articulou a criação do Museu de Arte e Arqueologia, a partir de um acervo constituído de artefatos arqueológicos mediterrâneos de museus italianos (principalmente o Museo Pigorini) e uma coleção remanescente do então dissolvido MAM 74 . Nesse mesmo contexto reemerge a figura de Paulo Duarte, que realiza a transferência do acervo do Instituto de Pré-História para a USP ainda em 1962. Sérgio Buarque, que havia sido diretor do MAM por quase seis anos entre 1954 e 1959, é um dos membros do conselho consultivo dedicado à incorporação desse acervo na universidade 75 . As primeiras reuniões do conselho do museu ocorreram em sua casa, na Rua Buri, 35. No registro da primeira ata consta que o nome “Museu de Arte Contemporânea” foi sugestão dele. Ele também participa do conselho de fundação do Museu de Arte e Arqueologia, composto também pelos professores Eurípedes Simões de Paula e Paulo Duarte. Seu arquivo guarda inclusive uma convocação de uma primeira reunião que organizaria o museu também na Rua Buri, 35, na qual seriam discutidos estatutos e a retirada do “material Italiano” na alfândega76 . Quanto ao projeto da História Geral da Civilização Brasileira (HGCB), pode-se afirmar que talvez tenha sido a última grande de síntese da história do Brasil. Extrapolaria os limites desse texto demonstrar de forma cuidadosa como a coleção contribuiu para a consolidação da pesquisa histórica no Brasil, seja na forma com que a obra se estrutura, no espectro amplo e diversificado dos colaboradores, seja no conteúdo dessas próprias contribuições77. O fato é que o lançamento dos volumes, ocorrido ao longo dos

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anos 1960 e no início da década seguinte, ocorreu em consonância com o surgimento dos programas de pós-graduação, com a proliferação de novas universidades públicas e com a atuação sistemática de instituições de fomento à pesquisa na área de humanidades78 . Em consonância com a elaboração do HGCB, empenhou-se na constituição de um campo dedicado ao estudo dos desdobramentos do processo de emancipação e formação do estado nacional brasileiro, continuado pelo trabalho de um grupo de pesquisadores que orientou 79. Nos anos 1960, o intelectual ainda teve a oportunidade de colaborar na fundação da Revista do IEB, lecionar ou realizar conferências nas Universidades de Columbia, em Harvard, da Califórnia, de Indiana, do Estado de Nova York (Stony Brook) e do Chile.

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considerações finais

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O grande mérito de Sérgio Buarque de Holanda como gestor das instituições culturais brasileiras foi o de ter trabalhado para a integração entre as instituições produtoras de conhecimento e pela difusão do trabalho intelectual. Nessa medida, ele nunca deixou de ser, como sugeriu Antonio Candido, um homem entre duas cidades, Rio de Janeiro e São Paulo80. Consciente da precariedade da esfera pública e das instituições democráticas no Brasil, trabalhou como mediador entre projetos federais, estaduais, patronos, mecenas e interesses internacionais, pela continuidade dos projetos culturais. O fato de ter se dedicado inteiramente à universidade no final dos anos 1950 deve ser encarado sem triunfalismos. Sérgio, assim como alguns de seus colegas, viu na universidade uma instituição suficientemente autônoma, menos suscetível a instabilidades políticas e, por isso, capaz de dar continuidade aos projetos culturais esboçados desde os anos 1930. A visão sobre o processo de constituição dos acervos da universidade no 78 Maria Odila Leite da Silva Dias, “Sergio Buarque de Holanda na USP”, Estudos Avançados, 1994, vol. 8, n. 22, p. 273. 79 Sobre a atuação de Sérgio Buarque como professor e orientador, ver os ensaios José Sebastião Witter, “Sérgio Buarque de Holanda – Professor” e de Suely Robles Reis de Queiroz, “Ao Mestre com Carinho”, ambos publicado em Arlinda Rocha Nogueira et. al., Sérgio Buarque de Holanda: Vida e Obra, São Paulo, Secretaria de Estado da Cultura/Universidade de São Paulo, 1988. 80 Antonio Candido, “Conto de Duas Cidades”, in João Ricardo Caldeira (org.), Perfis Buarqueanos, São Paulo, Imprensa Oficial/Memorial da América Latina, 2005, p. 11-16.

81 Segundo Miceli, o projeto da USP possui um grau mais elevado de autonomia universitária, pois foi constituído antes do projeto federal de educação universitária, cf. Sergio Miceli, Intelectuais à Brasileira, São Paulo, Companhia das Letras, 2001, p. 319-322. 82 No mesmo sentido, podemos destacar a formação do atual Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, em 1989, a partir da fusão do Instituto de Pré-História, do Museu de Arqueologia (antigo Museu de Arte e Arqueologia), do acervo do setor de etnologia e arqueologia do Museu Paulista e do Acervo Plínio Ayrosa, que assim como a Coleção Alberto Lamego havia sido adquirida pelo Departamento de Cultura nos anos 1930 e doado à USP. 83 Sérgio Buarque de Holanda e Paulo Duarte, “Entrevista de Sérgio Buarque de Holanda e Paulo Duarte a Tarso de Castro”, Folha de S. Paulo, Folhetim, 26 jun. 1977.

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início dos anos 1960 leva justamente a essa conclusão. Como vimos, boa parte deles remetia diretamente aos projetos de Paulo Duarte e Mário de Andrade no Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo nos anos 1930. Ambos, inclusive, idealizaram um órgão centralizador de todas as iniciativas culturais que haviam criado, o Instituto Paulista e o Instituto Brasileiro de Cultura, dotados justamente de relativa autonomia sobre a esfera governamental. Inconscientemente ou não, Sérgio Buarque e Paulo Duarte acreditaram que a universidade pudesse cumprir esse papel, dadas suas prerrogativas de autonomia 81 e com base nas experiências frustradas que tiveram ao longo do tempo. Um olhar sobre o próprio modo com os acervos foram adquiridos e dispostos na universidade atesta a construção dessa visão – ainda antes da aposentadoria de Sérgio Buarque, o IEB adquiriu o acervo completo de Mário de Andrade, cujas cartas, minuciosamente guardadas pelo autor, testemunhavam a história das tentativas de institucionalização da cultura no Brasil, muitas destas, duramente frustrantes para ele. No mesmo ano, 1967, é transferida para o IEB a Coleção Alberto Lamego, adquirida por Mário de Andrade para USP, quando dirigiu o Departamento de Cultura 82 . A trajetória de Sérgio Buarque de Holanda nas instituições culturais termina oficialmente em 1969, quando se aposenta a contragosto em solidariedade aos professores aposentados compulsoriamente pelo AI-5, dentre estes, Paulo Duarte. Em entrevista concedida ao jornalista Tarso de Castro, em 1977, os dois amigos demonstravam uma profunda indignação com os rumos recentes da USP, e Duarte chega a usar o termo “ressentimento profundo” 83 . Sérgio Buarque falava em um “desastre irremediável”, e não criticava apenas a repressão política a professores e alunos, mas denunciava um quadro de “desagregação” que só tendia a piorar. O motivo dessa decepção era evidentemente a supressão do projeto integrador que

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os dois procuram realizar na USP durante a década de 1960, baseado na autonomia da universidade. O fato de que seus arquivos pessoais, que contam os capítulos da mesma história de institucionalização da cultura no Brasil, não terem sido incorporados pela USP é, ao menos simbolicamente, emblemático dessa decepção.

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Thiago Lima Nicodemo é pesquisador de pósdoutorado do IEB-USP e Professor visitante do Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

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SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E A DINÂMICA DAS INSTITUIÇÕES CULTURAIS NO BRASIL 1930–1960

Carta de Paulo Duarte a Sérgio Buarque de Holanda. São Paulo, 1954, Cp 374 P11.

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Arquivo Museu Paulista – Museu Paulista-USP Ofício de Sérgio Buarque de Holanda ao secretário da Educação do estado de São Paulo, Plinio Caiado de Castro. São Paulo, 30 ago. 1946. AMP/P200. Ofício de Sérgio Buarque de Holanda ao secretário da Educação do estado de São Paulo, Plinio Caiado de Castro, de 26 set. 1946. AMP/P200. Ofício de Sérgio Buarque de Holanda ao secretário da Educação do estado de São Paulo, Plinio Caiado de Castro, São Paulo, 27 set. 1946. AMP/P200

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