Sérgio Buarque de Holanda entre o modernismo carioca e paulista

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Anais do III Encontro de Pesquisa em História

Sérgio Buarque de Holanda, entre o modernismo carioca e paulista André Augusto Abreu Villela Graduando pelo Centro Universitário UNI-BH [email protected] RESUMO: Este presente artigo tem como pretensão identificar as influências sofridas por Sérgio Buarque de Holanda, tanto do modernismo carioca, quanto do modernismo paulista. Percebe-se que Sérgio flutua muito bem entre as duas formas de modernismo. Do Rio ele traz a base afetiva, familiar, as rodas de choro e a boemia. Já de São Paulo, ele traz esse modernismo mais radical e menos parnasiano, como ele próprio costumava chama-los: “modernistas academizantes”. PALAVRAS-CHAVE: Modernismo; Sérgio Buarque de Holanda; São Paulo e Rio de Janeiro. ABSTRACT: This present article intends to identify the influences suffered by Sérgio Buarque de Holanda, both of Rio modernism, as the Paulista modernism. It is noticed that Sergio floats very well between the two forms of modernism. From Rio, he brings emotional, familial basis, samba and bohemia. Now of São Paulo, he brings this most radical and least Parnassian modernism, as he himself used to call them: "academizantes modernists." KEYWORDS: Modernism; Sérgio Buarque de Holanda; São Paulo and Rio de Janeiro. “Modernismo não é Escola, é um estado de espírito”. Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Moraes, neto. (JORNAL CORREIO DA MANHÃ, 19/06/1925).

Introdução Como bem colocou em seu livro, A Identidade Cultural na Pós-Modernidade, Stuart Hall, faz um paralelo entre a sociedade contemporânea e as sociedades mais antigas, onde o conceito de identidade e relações irá mudar drasticamente na pós-modernidade. Segundo Hall, as relações na sociedade contemporânea são relações superficiais, efêmeras, fluidas, onde o sujeito moderno se torna fragmentado, sem uma identidade fixa. A assim, chamada “crise de identidade”, é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. (HALL, 2014). Hall coloca que as identidades modernas estão sendo “descentradas”, isto é, deslocadas ou fragmentadas, o sujeito já não tem uma identidade fixa, ele flutua no meio do jogo das identidades, tornando-se assim mais político em suas relações pessoais e Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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profissionais. Analisando Sérgio Buarque, percebe-se a flutuação do intelectual em vários meios, seja no meio acadêmico, seja nas relações de amizade, não tendo ele uma identidade fixa, percebe-se um sujeito fragmentado, que mantém relações em todas as esferas publicas e intelectuais. Sérgio representa muito bem o conceito de homem pós-moderno proposto por Hall (2014), onde se desloca com muita facilidade entre suas redes de sociabilidade, seja como modernista carioca, seja como modernista paulista, trazendo de cada escola um misto de influências, para se tornar o intelectual que foi. Sérgio, modernista carioca ou paulista? Quando vocês dizem que o modernismo é um estado de espírito e não uma escola, uma orientação estética, acho que descobriram a pólvora. Está certo. E agora que a gente pode perceber bem porque muito modernismo é passadista e muito passadismo é moderno. Hei-me de aproveitar da frase de vocês quando puder. (VELLOSO, 2010, p. 66).

A citação acima relata uma carta datada de 1925, em que Mário de Andrade parabeniza Sérgio e Prudente pela entrevista de ambos ao Jornal Correio da Manhã, de 1925, em que os jovens modernistas declaram que Modernismo não é escola, é um estado de espírito. Segundo afirma Antonio Candido (2011), pode se dizer que Sérgio foi um homem de duas cidades, tanto com traços paulista como carioca. Nasce em São Paulo em 1902, mas vai para o Rio em 1921, onde permanece por 25 anos. Nesse período passa 2 anos na Alemanha, depois volta para São Paulo como diretor do museu paulista, em 1946, e fica até morrer em 1982. Teve a vida muito dividida entre essas duas cidades, pois não era de família paulista, sendo o pai pernambucano e a mãe carioca. Como bem cantou Chico Buarque em uma de suas músicas, fazendo referências ao nascimento de seus ancestrais: “o meu pai era paulista, meu avô pernambucano, o bisavô mineiro, meu tataravô baiano...”. (BUARQUE, 1993). Sérgio porém, era extremamente paulista, seja no pensamento, seja culturalmente, ou também pela sua identificação com São Paulo, tanto que foi preso no Rio, em 1932, defendendo a Revolução Constitucionalista, como bem cita Eduardo Guimarães (2008) acerca de sua prisão no Rio de Janeiro, onde Sérgio inclusive reivindicava uma nova constituição para a nação brasileira. A ligação existencial e afetiva de Sérgio Buarque com São Paulo também ai se manifesta: foi preso com um pequeno grupo que, em pleno mangue do Rio de Janeiro, após alguns goles, bradava vivas a São Paulo, e reivindicava uma nova constituição. O episodio logo se resolveu, com todos sendo liberados no dia seguinte ao ocorrido e sem maiores consequências posteriores. (GUIMARÃES, 2008, p. 45). Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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Interessante notar que, mesmo morando no Rio, nutria dentro dele esse espírito paulista, de “separação”, como forma de protesto das elites paulistas. Tanto que nesse período Manuel Bandeira escreve o poema “O anticafajeste”, explorando o lado paulista de Sérgio. Cabe notar que existia um forte apelo entre os intelectuais paulistas na construção de uma identidade nacional voltada para São Paulo, num contexto no qual o modernismo de São Paulo se afirmou como modelo de uma vanguarda nacional (ARCANJO, 2013), segundo escreveu um dos principais nomes do modernismo paulista, Menotti Del Picchia: São Paulo, mundo do pensamento, como em todos os ramos da atividade humana é ainda o Estado que da a nota e dita o figurino do país. É na sua terra miraculosa e fecunda que todas as tentativas, as mais audazes, encontram apoio e florescem. Esse gesto de aliança entre o escol social paulista e seu escol mental é o gesto mais belo para a afirmação de sua alta cultura e segurança absoluta do seu predomínio espiritual em todo país. (JORNAL O CORREIO PAULISTANO, 7 de fevereiro de 1959).

Nos aspectos pessoais, segundo Candido (2011), o Rio desenvolve algo de muita importância na vida de Sérgio, como por exemplo, o casamento com Maria Amélia Cesário Alvim, mulher absolutamente extraordinária, no qual foi a base para Sérgio desenvolver trabalhos de extrema importância como Raízes do Brasil e Visão do Paraíso, sendo que Maria Amélia foi sua grande incentivadora, colaboradora e o esteio para formação de sua família. (CANDIDO, 2011).

Figura 1 - No jardim da casa da rua Buri, Sérgio Buarque de Holanda com os filhos e a esposa em 1972. Fonte: Livro Para uma Nova História, Textos de Sérgio Buarque de Holanda, 1996.

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Outro fato importante foi a constelação de amigos que se fez no Rio, formando assim sua base de sociabilidade e marcando sua maneira de ser; fez amigos como: Rodrigo Mello de Andrade, Manuel Bandeira, Afonso Arinos, Francisco de Assis Barbosa, Otávio Tarquino de Souza e Lúcio Miguel Pereira. Cabe colocar que no Rio ele encontra a sua maior amizade de toda a vida, que foi Prudente de Moraes Neto. Sempre quando se referia ao amigo, era impossível para Sérgio não se emocionar, formando assim, no Rio, a base afetiva de suas amizades. (CANDIDO, 2011). “Mais de uma vez amanhecemos, bebendo chope, em bares tradicionalmente cariocas, ouvindo os para nós brasileiríssimos e como que mestres, além de amigos, da cultura brasileira, Donga, Patrício e Pixinguinha”, disse Gilberto Freyre numa entrevista (VELLOSO, 2010, p. 60).

Porém nem todos enxergavam essa boemia de Sérgio com bons olhos, alguns achavam que Sérgio poderia ter sido mais produtivo e ter realizados mais obras se não fosse o seu gosto pela boemia e a noite carioca. O historiador José Murilo de Carvalho, relatou o seguinte a respeito: Apesar de haver sido um dos historiadores mais capazes para redigir uma história geral do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda não chegou a realizar um projeto dessa envergadura, e isso se deveria provavelmente ao fato de ser meio boêmio e um tanto preguiçoso. (CARVALHO, 1998, p. 388).

Segundo Monica Velloso, a vida boêmia aparecia como uma espécie de antídoto, garantindo o equilíbrio de energias psíquicas. Para se forjar a moderna sensibilidade literária seria preciso enfrentar esse desafio: buscar uma relação de equilíbrio entre as atividades intelectivas e a expressão das emoções de sentimentos. (VELLOSO, 2010). A respeito desse acontecimento, datado em 1926, quem nos melhor relata essa história é o Antropólogo Hermano Vianna, em seu livro intitulado O Mistério do Samba. O autor discorre sobre como se deu esse encontro entre Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes neto, Donga, Pixinguinha, Villa-Lobos, Luciano Gallet entre outros no Rio de Janeiro, no ano de 1926, encontro esse articulado por Manuel Bandeira. Sendo que era a primeira vez que Freyre conhecia a capital do Brasil. Fato interessante, é que naquele momento, dois dos mais importantes intérpretes do Brasil, se encontravam no Rio de Janeiro, tendo o samba e a boêmia carioca como plano de fundo, para anos mais tarde formularem cada qual sua tese sobre como se deu a construção do Brasil, Freyre em 1933 com Casa Grande e Senzala e Sérgio em 1936 com Raízes do Brasil. Dois livros que se tornariam clássicos desde seu nascimento. Para Freyre, Sérgio Buarque, Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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seu amigo, “não seria apenas um erudito de gabinete, mas permaneceria sensível ao que lhe chegasse aos ouvidos pela música popular brasileira ou pela memória de infância”. (VELLOSO, 2010). Antes de tudo é importante salientar como o samba, até então um ritmo musical discriminado pela sociedade, visto como música de morro acabou se tornando um símbolo de grande identificação nacional. O samba passou por vários anos de interação, ou até mesmo pode-se dizer uma "miscigenação" entre diversas etnias e grupos sociais opostos. O contexto em que se deu esse encontro é importante de ser analisado, pois foi nas décadas de 20 e 30 que começou a florescer de forma mais intensa na sociedade brasileira esse sentimento de brasilidade, até então o samba e o sambista eram discriminados, hoje pode-se afirmar que se tornou sentimento de orgulho por grande parte da população, e assim como o futebol é de mais brasileiro que podemos exportar para outras culturas. Escreve Freyre em seu diário sobre o encontro: Sérgio e Prudente conhecem de fato a literatura inglesa moderna, além da francesa. Ótimos. Com eles saí de noite boemiamente. Também com VillaLobos e Gallet. Fomos juntos a uma noitada de violão, com alguma cachaça e com os brasileiríssimos Pixinguinha, Patrício e Donga. (VIANNA, 1995, p.19).

Esse encontro acaba por sugerir uma alegoria do que seria o Brasil pensado por eles, “a invenção de uma tradição” do Brasil mestiço onde a música samba ocupa lugar de destaque como elemento definidor da nacionalidade brasileira. Assim descreve Pedro Dantas, pseudônimo de Prudente de Moraes Neto: O encontro juntava, portanto dois grupos bastante distintos da sociedade brasileira da época. De um lado, representantes da intelectualidade e da arte erudita, todos provenientes de “boas famílias brancas” (incluindo Prudente de Moraes Neto, que tinha um avô presidente da república). Do outro lado, músicos negros ou mestiços, saídos das camadas mais pobres do Rio de Janeiro. De um lado dois jovens escritores Freyre e Sérgio, que iniciavam suas pesquisas que resultaram nos livros Casa Grande e Senzala e Raízes do Brasil, obras fundamentais na definição do que seria o brasileiro no Brasil. A frente deles os músicos Pixinguinha, Donga e Patrício Teixeira, definiam a música que seria, também a partir dos anos 30, considerada como o que no Brasil existe de mais brasileiro. (VIANNA, 1995, p.20).

Durante aqueles anos, o Rio de Janeiro vivia uma espécie de ressaca das reformas urbanísticas implementadas por Pereira Passos, durante o seu governo que foi de 1902 a 1906, trouxe ele para o Rio uma cultura nova, conhecido como Belle Époque, cultura essa trazida principalmente da França, seja através da música, da língua, dos projetos arquitetônicos e das Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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artes. Analisando o diário de Freyre, percebe-se que ele olha para todas essas transformações com a estranha nostalgia de um Rio que ele não conheceu, fazendo duras criticas as reformas urbanísticas na capital carioca. Diante dos edifícios como o do Elixir, tem se a impressão de pilhérias de arquitetos a zombarem dos novos ricos que lhes encomendavam as novidades. Um horror”. E ainda: “A nova câmara dos deputados chega a ser ridícula, aquele Deodoro a romana é de fazer rir um frade de pedra”. Condenava a Avenida Central, elogiando as ruas estreitas como a do Ouvidor, cheias de sombras, e portanto mais adequadas ao calor tropical. E fazia apologia do morro da favela como um exemplo de “restos do rio de antes de Passos, pendurados por cima do Rio novo”. (VIANNA, 1995, p. 23).

Já durante esse período percebe-se no Rio de Janeiro uma crescente valorização da figura do negro, tanto na música como no teatro, como o espetáculo Tudo Preto, realizado só por artistas negros, apresentado pela Companhia Negra de Revista. Ou então o grupo musical Oito Batutas, tendo como músicos artistas negros como Pixinguinha, Donga entre outros. Ressaltando que Freyre acompanhou esses espetáculos na capital carioca, levado por Sérgio Buarque de Holanda e Prudente de Morais Neto. Talvez esses aspectos tenham influenciado sobre modo a visão de Freyre acerca do Rio, para sete anos depois compor sua obra de maior reconhecimento mundial. Escreveu ele no Diário de Pernambuco em 19/09/1926, um artigo intitulado “A cerca da valorização do preto”. O regionalista Gilberto Freyre, estava sendo seduzido pela cultura popular carioca, não só ele, como todo o Brasil naquele momento se rendia a cultura do samba. Ontem com alguns amigos – Prudente e Sérgio – passei uma noite que quase ficou de manhã a ouvir Pixinguinha, um mulato tocar em flauta coisas suas de carnaval, com Donga, outro mulato, no violão, e o preto bem preto Patrício a cantar. Grande noite cariocamente brasileira. Ouvindo os três sentimentos o grande Brasil que cresce meio tapado pelo Brasil oficial e postiço e ridículo de mulatos a quererem ser helenos(...) e de caboclos interessados(...) em parecer europeus e norte americanos; e todos bestamente a ver coisas do Brasil(...) através do Pince-Nez de bacharéis afrancesados. (VIANNA, 1995, p.27).

Já no aspecto intelectual, o Rio também oferece a Sérgio uma sólida formação. O futuro historiador Sérgio Buarque de Holanda, se forma intelectualmente no Rio de Janeiro, além do mais se forma no curso de Direito e também aprende o oficio de Jornalista, que o leva a permanecer dois anos na Europa como escritor de uma revista. No período do Rio passa 2 anos na Alemanha.

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Durante o período que morou no Rio, foi assistente da Universidade do Distrito Federal, diga-se de passagem, como analisa Antônio Cândido: “foi o mais belo plano de Universidade já criado no Brasil, porém o projeto foi massacrado pela direita católica e pela direta política, no qual eram bastante conservadores”. (CANDIDO, 2011). A Universidade do Distrito Federal propunha chamar jovens talentos para lecionar, como Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre, Mário de Andrade entre outros, além de professores Franceses. O convite a Sérgio foi feito pelo amigo, Prudente de Moraes Neto, então diretor da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade do Distrito Federal, Sérgio então torna-se assistente de Henri Hauser, na cadeira de História moderna e econômica, e de Henri Trouchon, na cadeira de literatura comparada. A respeito da convivência com Hauser, Sérgio afirma: “Aprendi a estudar com Henri Hauser, desde fazer ficha, a temas mais complexos”. Como cita o site da UFRJ, temos registros da presença e atuação de professores franceses, na UDF, em 1936, lecionando nas Escolas de Economia e Direito e de Filosofia e Letras. São eles: Émile Bréhier, Eugène Albertini, Henri Hauser, Henri Tronchon, Gaston Leduc, Etiene Souriou, Jean Bourciez, Jacques Perret, Pierre Deffontaines e Robert Garric na Escola de Ciências, registra-se a presença, em 1935 e 1936, de outros estangeiros, como: Viktor Lenz e Bernhard Gross. Entre os brasileiros, destacamos: além de Anísio, Afrânio Peixoto, Roberto de Azevedo, Hermes Lima, Lélio Gama, Josué de Castro, Gilberto Freyre, Lauro Travassos, Lúcio Costa, Heitor Villa-Lobos, Sérgio Buarque de Holanda, Abgar Renault, Antenor Nascente, Cândido Portinari, Heloisa Alberto Torres, Joaquim Costa Ribeiro, Lourenço Filho e Carneiro Leão.

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Figura 2 - Contrato da Universidade Federal, contratando Sérgio Buarque de Holanda como professor de Literatura Comparada da Escola de Filosofia e Letras da Universidade. Distrito Federal, 1936. Fonte: HOLANDA, 2008. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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Percebe-se novamente a presença da “missão” francesa presente agora no Distrito Federal, onde a maioria dos professores, são de nacionalidade francesa. Pode-se dizer, que naquele momento, havia uma disputa bem acirrada, sobre os rumos da educação. Educação essa que era capitaneada por Gustavo Capanema, durante o governo Vargas. O Rio de Janeiro naquele período era a capital cultural do Brasil, cosmopolita, além de civilizada em todos os níveis, todos que quisessem ter reconhecimento intelectual tinham que passar pelo Rio, foi lá que Sérgio aprende um pouco dessa vida boêmia e cosmopolita presente na atmosfera carioca. Assim descreve Freyre a sua impressão acerca do Rio de Janeiro: Meu amigo Assis Chateaubriand iniciou-me em vários brasileiríssimos cariocas, Estácio Coimbra, noutros, até que com, Prudente de Moraes neto, Sérgio Buarque de Holanda e Jaime Ovalle me iniciei noutra espécie desses brasileiríssimos: No Rio por assim dizer Afro-carioca e noturno. O Rio de Pixinguinha e Patrício. O Rio ainda de violões e serenatas de mulatas quase coloniais que a autenticidade brasileira acrescentavam como as iaiás brancas de botafogo e as sinhás de Santa Teresa, uma graça que eu não vira nunca nem nas mulatas nem nas iaiás brancas do norte. Era a graça carioca. Era o Rio de Villa-Lobos (VIANNA, 1995, p. 26).

Nos dias de hoje podemos perceber que o polo cultural se deslocou do Rio para São Paulo. Podemos descrever dois fatores de suma importância desse deslocamento cultural, o primeiro, a fundação da Universidade de São Paulo em 1934, que foi algo grandioso e que transformou a forma de se fazer conhecimento no Brasil, e outro fato também de grande importância, foi a Semana de Arte Moderna Paulista de 1922. Aqui cabe uma citação interessante de José Murilo de Carvalho, onde ele analisa a importância da USP para São Paulo. São Paulo graças a USP, passou a disputar vantajosamente com a então capital federal a escrita e a interpretação do Brasil(...). A década de 1950 foi a da ascensão da USP a posição de destaque no cenário intelectual do país, fazendo sombra a Universidade do Brasil. Evidencia essa relevância a autossuficiência da universidade. (CARVALHO, 2013, p. 288-289).

Segundo Candido (2011), é significativo notar como os estereótipos eram percebidos pelas pessoas da época. O povo paulista era visto como gente trabalhadora, séria, que sabia aplicar e economizar suas finanças, enquanto os cariocas eram vistos como boêmios, carnavalescos, que gostavam de festas, danças, e eram menos preocupados com o trabalho do que os paulistas. Apesar do Rio de Janeiro ser o grande polo cultural do Brasil naquele momento, a Semana de Arte Moderna ocorre em São Paulo, e foi em São Paulo que ocorreu Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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as formas mais radicais de Modernismo, sendo que o Modernismo Carioca foi muito mais sensato, disciplinado e conservador em sua maneira de ser. Cabe aqui descrever quem são os modernistas cariocas, que entre eles se encontra, Ronald de Carvalho, Renato Almeida, Cecília Meireles, Tasso da Silveira, Murilo Araújo, e talvez o mais importante deles, Augusto Frederico Schmidt. Pode-se dizer que o Modernismo Carioca tinha uma posição contra os exageros do Modernismo Paulista. As revistas modernistas do Rio nós temos Terra de Sol, Festa, entre outras, enquanto em São Paulo temos a Klaxon, Estética (mesmo sendo lançada no Rio, Estética era praticamente uma continuidade da Klaxon paulista), revistas mais radicais em sua forma de pensar do que as publicações cariocas, que eram mais moderadas e conservadoras. Pode se dizer que no Rio devido ao seu grande lastro cultural e literário houve uma certa resistência a inovação, enquanto em São Paulo houve maior aceitação a renovação, já que lá não existia um peso artístico e cultural como havia no Rio. (CANDIDO, 2011). Sérgio leva para o Rio a radicalidade do Modernismo de São Paulo. Junto com seu amigo Prudente de Moraes, neto, lança a Revista Estética, onde Sérgio com apenas 22 anos e Prudente com seus 19 anos, são muito duros nas criticas lançadas aos mestres modernistas do Rio, principalmente a Ronald de Carvalho e a Graça Aranha. E por outro lado, embora escrevendo do Rio, eles manifestavam total apoio a Mário e Oswald de Andrade, modernistas paulistas. Mas foi do Rio, onde se formou em Direito, que despachou artigos para a revista Klaxon, a convite de Mário e Oswald de Andrade. Era um tempo de confronto com os tradicionalistas - e Sérgio se esbaldou. Chamou o escritor Tristão de Athayde de católico enrustido, jogou Graça Aranha e Ronald de Carvalho na vala dos falsos modernistas, ganhou fama de encrenqueiro. "Falar dele é relembrar uma geração de jovens inquietos, cultos e com particular senso de humor", comenta Nelson Motta. Segundo ainda Antônio Cândido, pode-se dizer que sua formação cultural sólida ele a fez no Rio, trazendo na bagagem em sua volta a São Paulo os livros Raízes do Brasil e Monções. Pode-se também afirmar que em São Paulo, ele se estabelece culturamente, escrevendo mais tarde uma belíssima obra prima, Visão do Paraíso, onde o texto originou-se da tese elaborada pelo autor em 1958 no contexto do concurso que o conduzira à cátedra de História da Civilização Brasileira da Universidade de São Paulo, podendo-se dizer que essa bagagem histórico intelectual ele trouxe da sua formação carioca. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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Sugerindo o “paradoxo” de que São Paulo, a cidade provinciana, tenha gerado o movimento mais radical, enquanto no Rio de Janeiro os modernistas ou encontraram maior resistência as suas ideias, ou foram modernistas menos radicais. Há um fascínio, no caso, pelo espaço paulista, em que a ausência de uma tradição literária longeva e forte teria permitido soltura e experimentação maiores. Ao habitar as duas cidades, Sérgio Buarque teria em certo sentido vivido nas fronteiras do próprio modernismo. A brilhante provocação lançada por Antonio Candido suscita porventura uma questão também provocativa: como conceber a universidade de São Paulo fora dos quadros dessa aventura “bandeirante” (segundo os termos de Menotti Del Picchia e Rubens Borba de Moraes, como se viu atrás) o que foi o modernismo? Mas como pensar o movimento, com todo o seu vigor de renovação, no momento em que ele se institucionaliza? Não há ai um paradoxo, que aponta para o que aqui se propõe como questão: que fazer do momento em que a inovação passa a normalizar-se, quando o informe enfrenta o momento de sua cristalização? (MONTEIRO, 2012, p. 337).

Algo muito peculiar na obra de Sérgio e que nos diz muito a respeito de sua identidade como paulista, é sempre as referências, às vezes explicita, ou implícita, ao mito do bandeirante. Principalmente em suas obras Caminhos e Fronteiras e Monções, onde Sérgio explica como se deu a ocupação e a formação do território brasileiro promovido pelas bandeiras. Aqui cabe uma citação, feita provavelmente por Ronald de Carvalho, um modernista carioca, exaltando a figura do bandeirante paulista na construção do Brasil. Depoimento esse registrado em algum jornal no ano de 1922, mostrando que os independentes paulistas são apresentados como uma frente civilizadora. O papel histórico de São Paulo é o de produzir bandeirantes. Aos bandeirantes da terra, os Leme e os Raposo, seguiram-se os do ar, os Bartolomeu Lourenço e os Santos Dumont. Com eles, vieram os homens do ouro, os criadores da fortuna, os “self-made”, os desbravadores do solo, os agricultores, os pastores, os fazendeiros, os industriais, toda essa família de gente forte e destemerosa que trouxe as nossas arcas a moeda valorizada dos destinos econômicos do Brasil. Enquanto os outros estados, na sua maioria, exportam gramáticos e bacharéis, críticos e doutores para a capital, São Paulo prepara indivíduos práticos, de gênio claro e positivo, que, apesar dos políticos e da política, sabem conquistar desassombradamente o seu lugar ao sol. (...) Mas o paulista não se satisfez com os saldos materiais da sua opulência. Acima dela, vai desenhando, agora, uma bela imagem de idealismo, do são idealismo nascido da força e da confiança no próprio destino. Depois do agricultor, aparece o artista, segundo o ritmo de todas as verdadeiras civilizações, em que o rapsodo é precedido pelo pastor. (MONTEIRO, 2012, p. 175).

Sérgio também os coloca como responsável e pedra fundamental na construção da identidade paulista, o imaginário acerca do mito bandeirante é um dos responsáveis, inclusive por sua perenidade, pela demarcação de uma pretensa singularidade. A noção, dotada de uma Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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veracidade histórica, atribui às bandeiras paulistas o protagonismo da conquista e formação do território, bem como, de sua ocupação e povoamento. O espírito aventureiro, a oposição ao poder estatal da metrópole, formaria aquilo que conjugaria o acaso e a disciplina na abertura de caminhos virgens. Assim, para alguns estudiosos e intérpretes, como no caso clássico de Cassiano Ricardo, o movimento das bandeiras foi capaz de fazer nascer, em terras brasileiras, um espírito americano em contraposição aos maléficos aspectos que formam o arcabouço cultural ibérico. (ABREU, 2011). Paulo Prado também escreve acerca do assunto em uma nota publicada no Jornal o Estado de São Paulo em 1922, intitulada “O caminho do mar”, que mostra como o isolamento de São Paulo a preservou do contágio com a metrópole, incidindo definitivamente sobre o caráter insubmisso da cidade. A mescla entre o branco e o índio forjou uma “raça nova” que aproveitara a qualidade das duas. Filhos de cunhãs, os bandeirantes falavam a língua geral o que explicaria o predomínio da geografia paulista na toponímia indígena, diferentemente do Nordeste, mais próximo de Portugal. O “tipo paulista” estaria assim aberto à miscigenação, que no futuro iria se acentuar. “Paulistas embrenhados são mais destros que os bichos”. Menotti Del Picchia escrevendo acerca do livro Visão do Paraíso para o jornal A Gazeta, em 17 de setembro de 1960, descreve Sérgio como ele próprio um bandeirante a serviço de São Paulo, assim relata: “Sérgio Buarque de Holanda, paulista nato, é dos que mais honram a cultura bandeirante, com uma série de estudos, alguns já clássicos”. Contudo em 1946, Sérgio se muda para São Paulo e passa a dirigir o Museu Paulista, a partir daquele momento adquiri de uma vez por todas uma identidade paulistana, como cita José Murilo de Carvalho. É importante que a modificação seja reconhecida, pois ela faz parte da própria biografia intelectual do autor e, mais ainda, tem a ver com distintas tradições de pensamento, a que se formou no Rio de Janeiro e a que, a partir dos anos 1930, e se consolidou em São Paulo. Sérgio Buarque, após 1946, se paulistalizou. (CARVALHO, 2013, p. 298).

Em uma entrevista concedida ao jornal Folha da Manhã em 1992, Chico Buarque relata como era a relação de seu pai com as cidades do Rio e São Paulo, e Chico nos declara que seu pai era um paulista não apenas de nascimento, mas de convicção. Por essa declaração de Chico, podemos ver a consolidação das redes de sociabilidade de Sérgio, tanto na cidade carioca quanto na cidade paulista. O papai morou muito tempo no Rio, onde deixou grandes amigos. Então, quando eles iam a São Paulo, iam também lá em casa: o Otávio Tarquínio, Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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Rubem Braga, o Vinicius... E tinha a turma de São Paulo: Arnaldo Pedroso D'Horta, Antônio Candido, Luiz Martins, Paulinho Vanzolini, João Leite, Luiz Lopes Coelho, Caio Prado Júnior, Paulo Mendes de Almeida.. Papai adorava São Paulo, era um paulista convicto, não apenas de nascimento. (JORNAL FOLHA DA MANHÃ, 5 de julho de1992).

Conclusão Conclui-se que Sérgio era tanto paulista, quanto carioca, e que ele levou de São Paulo para o Rio essa ousadia dos Modernistas paulistas, e levou do Rio para São Paulo, esse academicismo literário, essa bagagem dos pesquisadores europeus presentes no Rio. Afinal esse peso cultural estava mais presente na cidade carioca, do que na paulista. Segundo afirma Antônio Cândido, esse paradoxo de que São Paulo, a cidade provinciana, tenha gerado o movimento mais radical, enquanto no Rio de Janeiro os modernistas ou encontraram maior resistência a suas ideias ou foram modernistas menos radicais. (MONTEIRO, 2012). Referências A UDF um breve histórico. . Acesso em: 28 de abril de 2014. ABREU, Rafael. O Mito Bandeirante e a escalada da intransigência do mundo virtual. Breviário de Filosofia Pública, n. 18, jul. 2011. (Artigo Cientifico). ARCANJO, Loque. Os Sons de uma Nação Imaginada: As Identidades Musicais de Heitor Villa-Lobos. Tese (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2013. CANDIDO, Antonio. Um Homem, duas Cidades. Seminário "Atualidade de Sérgio Buarque de Holanda". Debate promovido pelo IEB/USP. São Paulo, 2011. CARVALHO, José Murilo. A Formação das Almas. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. CARVALHO, José Murilo. Posfácio. In: CARDOSO, Fernando Henrique. Pensadores que Inventaram o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. GUIMARÃES, Eduardo Henrique de Lima. Sérgio Buarque de Holanda, Perspectivas. MONTEIRO, Pedro Meira; EUGÊNIO, João Kennedy (Org.). São Paulo: Editora Unicamp, 2008. HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Lamparina, 2014. HOLANDA, Sérgio Buarque. Chico Buarque fala sobre seu Pai. Jornal Folha da Manhã, São Paulo, 5 de julho de 1992. . O Senso do Passado. Jornal Correio Paulistano, São Paulo, 7 de fevereiro de 1952. Temporalidades – Revista Discente do Programa de Pós-Graduação em História da UFMG. v. 6 (Suplemento, 2014) – Belo Horizonte: Departamento de História, FAFICH/UFMG, 2014. ISSN: 1984-6150 - www.fafich.ufmg.br/temporalidades

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