Serviço Social e Reabilitação

July 13, 2017 | Autor: F. De Souza Dias | Categoria: Reabilitação, Serviço Social, Inclusão social, Terceirização
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1 SERVIÇO SOCIAL E REABILITAÇÃO

Francine de Souza Dias 1 [email protected] XIII ENPESS/2012 2

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar o exercício profissional do Assistente Social no setor de Reabilitação, realizando uma interface com os direitos das pessoas com deficiência, com os desafios do trabalho interdisciplinar e com a lógica neoliberal de terceirização. Discutir-se-á o surgimento das instituições de atendimento à pessoa com deficiência, o conceito de reabilitação e a apropriação do Serviço Social sobre este conhecimento, partindo da premissa de que um sujeito que passa por todas as etapas da reabilitação físico-motora, sensorial e psicológica e continua excluído dos grupos sociais, não teve acesso ao serviço de reabilitação na sua plenitude. Palavras-Chave: Serviço Social, Reabilitação, Terceirização, Inclusão Social. Abstract: This work aims to examine the professional sector of Social Rehabilitation, interfacing with the rights of persons with disabilities, the challenges of interdisciplinary work and the neoliberal logic of outsourcing. Will discuss the emergence of institutions that care for people with disability, the concept of rehabilitation and empowerment of Social Work on this knowledge, on the premise that a guy who goes through all the stages of physical rehabilitation and motor, sensory and psychological and remains excluded from social groups, had no access to rehabilitation services in its fullness. Keywords: Social Services, Rehabilitation, Outsourcing, Social Inclusion.

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Assistente Social na Associação Fluminense de Amparo aos Cegos – AFAC. Especialista em Gestão Pública e em Gestão de Recursos Humanos. 2

Este trabalho foi publicado nos Anais do XIII Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social, edição 2012, realizado em Juiz de Fora, Minas Gerais.

2 INTRODUÇÃO

As possibilidades de intervenção profissional do Assistente Social têm sido cada vez mais abrangentes, lhe motivando a renovar constantemente a maneira de exercer suas atividades nos diferentes contextos e organizações sociais, além de criar novas ferramentas e estratégias para viabilizar a criação e execução do seu projeto ético-político. Por outro lado, os desafios são ainda maiores quando se trata da renovação da intervenção profissional frente a uma política cuja bagagem cultural de segregação, superproteção e incapacidade ainda permeia seus espaços de atuação na atualidade. Esta é uma das características do setor de reabilitação no país, que urge da necessidade do reconhecimento das pessoas com deficiência como seres humanos de direito, o que inclui, neste caso, a criação de mecanismos no âmbito do terceiro setor, para seu tratamento e habilitação/reabilitação. Importante ressaltar a emergência do movimento das pessoas com deficiência na década de 70, quando as primeiras instituições de reabilitação surgem no país. Antes disso, a preocupação com o que fazer com as pessoas com deficiência, surgiu nos períodos do pós-guerra, com o retorno de soldados mutilados após as batalhas. É possível encontrar estudos que afirmam a postura de Napoleão Bonaparte ao exigir de seus generais a reabilitação de tais guerrilheiros para que pudessem retornar às atividades militares em outros serviços. Tais iniciativas foram fundamentais na conquista dos direitos desfrutados na atualidade por este segmento, mas a discriminação e o preconceito ainda se mostram presentes, apesar de tantos aparatos legais e ações afirmativas nas iniciativas pública e privada. O setor de Reabilitação, responsável por habilitar e/ou reabilitar pessoas com deficiência, embora tenha papel primordial no processo de inclusão social desses sujeitos, muitas vezes é protagonista de situações de segregação ou marginalização do usuário e sua família. É justamente neste ponto onde está situado um dos maiores desafios do Assistente Social atuante neste serviço. Assim como qualquer outro setor de atuação profissional, a Reabilitação deve ser considerada um espaço de conflitos e de interesses muitas vezes divergentes, onde o trabalho interdisciplinar surge como um grande desafio para toda a equipe. Este trabalho tem como objetivo refletir sobre este serviço, referenciado no Sistema Único de Assistência Social – SUAS e no Sistema Único de Saúde – SUS, bem como os desafios do Serviço Social na garantia desse direito, desafios estes, que devem levar em consideração o sistema neoliberal e a emergência do terceiro setor, o histórico cultural e social das relações das pessoas com deficiência com o mundo e a mediação de conflitos numa equipe interdisciplinar. Discutir-se-á, inicialmente, o conceito de Reabilitação, os desafios da categoria neste campo de atuação frente aos objetivos e posicionamentos institucionais e quanto à equipe interdisciplinar, bem como seu papel no exercício do controle social. Ao final, será realizado um estudo sobre as atividades no terceiro setor e as modificações propostas no Plano Viver Sem Limites, concluindo com uma abordagem geral dos aspectos apreciados ao longo da pesquisa.

3 I CONSIDERAÇÕES SOBRE O CONCEITO DE REABILITAÇÃO

1 – Reflexos do conceito superficial de reabilitação na prática cotidiana do assistente social

A emergência do neoliberalismo e das instituições do terceiro setor trouxe uma nova roupagem para a categoria pensar suas ações profissionais. Foram criadas instituições de atendimento a diversos segmentos marginalizados pela sociedade e sem amparo legal para garantia de seus direitos, sendo o movimento das pessoas com deficiência um exemplo. Culturalmente, a formação das instituições de atendimento à pessoa com deficiência surgiu da união de esforços dessas pessoas, seus pais, amigos, profissionais e poucos cidadãos envolvidos na causa, na luta pelo acesso ao tratamento e garantia dos direitos humanos em geral. Com o passar do tempo o movimento ganhou força e suas reivindicações passaram a ser atendidas, ao menos no que tange a criação de leis, e é indiscutível o quanto se tem a conquistar, sobretudo no que concerne à implementação das políticas e o respeito às leis que tratam do tema. Na antiguidade, pessoas com deficiência eram consideradas aberrações, criaturas amaldiçoadas. Era comum o sacrifício de crianças nessas condições. Quando sobreviviam, se tornavam parte de animação em circos ou cobaias para sacerdotes, quando não vítimas de charlatães que se aproveitavam de tal situação para esmolar pelas cidades. Somente com o surgimento do Cristianismo essa visão foi modificada e finalmente, esses sujeitos passaram a ter o direito à vida. Ao longo deste período e com o surgimento do Cristianismo, foi possível ampliar a visão de cuidado e direito da pessoa com deficiência, tornando possível seu acesso a espaços religiosos, atendimento médico, dentre outros. Em suma, o direito a viver em sociedade assim como os demais. O Serviço Social vem se aprofundando cada vez mais nesses estudos, já que em grande parte das instituições de reabilitação, é responsável pela porta de entrada, acolhimento, acompanhamento do usuário e da família, elaboração de projetos, coordenação de equipes, mediação de grupos e conflitos. Este é um espaço de muitas possibilidades para o profissional, que tem a oportunidade de materializar muitos de seus projetos profissionais e ver de perto a efetivação na garantia de direitos. Mas, assim como as possibilidades são reais, os desafios também o são, e começam desde a bagagem cultural de preconceito e discriminação que o movimento transporta ao longo de seu crescimento e a falta de acessibilidade arquitetônica e atitudinal tanto no espaço urbano e rural, até a mediação de conflitos numa equipe interdisciplinar que nem sempre tem o mesmo entendimento do real significado dos termos habilitar, reabilitar e direito, não assimilando, muitas vezes, os laços que os unem os tornando uma coisa só. O Ministério da Saúde de Portugal traz o seguinte conceito de reabilitação: “É um processo global e dinâmico orientado para a recuperação física e psicológica da pessoa portadora de deficiência, tendo em vista a sua reintegração social. Está associada a um conceito mais amplo de saúde, incorporando o bem -estar físico,

4 psíquico e social a que todos os indivíduos têm direito. Para uma plena realização, as acções de reabilitação devem abranger campos complementares, como a saúde, a educação, a formação, o emprego, a segurança social, o controlo ambiental, o lazer, entre outros.” (Portal da Saúde – Portugal: 2005)

Conforme sinalizado, a reabilitação diz respeito à inclusão social, bem estar físico e psicológico, além da consideração das demais políticas sociais e do meio ambiente, sendo este último, fundamental no grau de limitação da pessoa com deficiência, já que o impedimento maior não está na incapacidade que este sujeito tem, mas nos subsídios que o meio lhe fornece para que possa exercer com a maior autonomia possível as suas atividades. Conforme a ideia do Código Internacional de Funcionalidade – CIF, o meio ambiente é quem determina o grau de incapacidade de cada sujeito. Esse conceito é, muitas vezes, desconsiderado por instituições de reabilitação que defendem apenas a bandeira do tratamento médico e das ações em saúde, se limitando ao real significado de reabilitar. Neste momento, o Serviço Social encontra sua segunda grande dificuldade, que desta vez está ligada ao posicionamento dos gestores sobre o conceito estritamente biológico de habilitação/reabilitação. Desta forma, já temos dois grandes desafios sinalizados: o histórico de segregação, preconceito e discriminação da pessoa com deficiência nas diversas conjunturas sociais e o entendimento superficial do conceito de reabilitação que orienta as equipes e direções de instituições com esse fim. Quando o profissional se depara com uma organização onde o único interesse está no atendimento médico e multiprofissional clínico, ou seja, trabalhar as limitações do usuário no que tange o funcionamento do seu corpo, à saúde físico-motora e sensorial, simplesmente, a reabilitação perde seu sentido, já que é considerada apenas em parte. Se a reabilitação não tem o objetivo de inclusão da pessoa com deficiência na vida em sociedade, o seu protagonismo como cidadãos de direito com acesso aos serviços de lazer, educação, trabalho, dentre outros, ela não é considerada na sua plenitude. A rede de reabilitação no Brasil é formada, basicamente, pelas instituições do terceiro setor, pois são poucas, em muitos estados inexistentes, instituições de atendimento às pessoas com deficiência no âmbito do governo. Isso presume, pela própria lógica do sistema neoliberal de produção, a precarização do trabalho. Termo este que pode ser facilmente controvertido se considerarmos que a precarização do trabalho também é evidente em muitos setores da máquina pública. Portanto, tem-se muito a discutir sobre os desafios do Serviço Social no setor de reabilitação, inclusive no terceiro setor, conforme apresentação a seguir.

2- Exercício Profissional versus Limitações Institucionais A habilitação/reabilitação de pessoas com deficiência está garantida legalmente em diversos documentos. Para ilustrar este direito, podem-se destacar os seguintes: Constituição da República Federativa do Brasil – Título VIII – Da Ordem Social /seção IV – Da Assistência Social: “Art. 203 A assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independente de contribuição à seguridade social e tem por objetivos:”

5 “IV A habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;”

Lei 8.742 de 07 de Dezembro de 2003 – LOAS - CAPÍTULO I - Das Definições e dos Objetivos “Art. 2º A assistência social tem por objetivos:” “IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;”

Portaria nº 793, de 24 de Abril de 2012 - Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde - CAPÍTULO I Das Disposições Gerais. “Art. 1º Esta Portaria institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência, por meio da criação, am pliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com deficiência temporária ou permanente; progressiva, regressiva, ou estável; intermitente ou contínua, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).”

As ações e serviços de reabilitação são financiados, em suma, através de convênios e/ou contratos entre os órgãos responsáveis pela gestão das políticas de saúde e assistência social nas três esferas de governo e as instituições da sociedade civil. Esta verba tem por objetivo o pagamento e manutenção de equipamentos, confecção e fornecimento de órteses e próteses, além do salário dos profissionais envolvidos. Sabemos que o exercício profissional busca abranger não só o acompanhamento social dos pacientes e seus familiares que estão recebendo o serviço, mas a criação de novas ferramentas que possam contribuir com a plenitude do serviço de reabilitação, ou seja, estreitar o percurso entre o atendimento médico e terapêutico até a garantia do outros serviços e direitos sociais. A dificuldade se inicia quando a gestão das organizações – ou mesmo os próprios profissionais que compõem a equipe multiprofissional, que não possuem a visão ampla do serviço de reabilitação, impedem a execução determinadas ações, por não entendê-las como parte do exercício profissional ou interdisciplinar, ou ainda como algo desvinculado à atividade fim de reabilitar, ou seja, quando entende que ações complementares não devem ser executadas por gerar algum tipo de ônus para a organização, já que acredita que sua atividade fim se limita à faculdade de reabilitar clinicamente os usuários do serviço, não havendo preocupação com sua real finalidade, qual seja, a inclusão social. Este estudo parte da premissa de que um sujeito que passa por todas as etapas da reabilitação físico-motora, sensorial e psicológica e continua excluído dos grupos sociais, não teve acesso ao serviço de reabilitação na sua plenitude. O Serviço Social através da realização de grupos com usuários e famílias para discussão dessas temáticas, da comunicação e formação de redes e parcerias com demais instituições associadas às diversas políticas sociais, inclusive com o próprio poder público, tem total condições de ampliar o acesso dos usuários atendidos na reabilitação com o seu exercício profissional diário. Cumpre ressaltar a necessidade de desconstrução da ideia de rivalidade, oposição entre sociedade civil e governo. É comum a crítica da sociedade à forma como o governo

6 está organizado e subsidiando os serviços para a população, mas a crítica sem a busca por novas alternativas, parcerias e soluções, não é, por si só, capaz de tornar realidade aquilo que se deseja como mudança. Portanto, a articulação com os diversos setores que compõem a rede de serviços ligados à garantia dos direitos sociais, deve ser construída em conjunto, afinal, o Serviço Social está tão presente na sociedade civil organizada, quanto nos equipamentos públicos, e esta interlocução não deve ser preterida em virtude de rivalidades corriqueiras entre as partes. É preciso se reinventar, deixar, por determinadas vezes, as paredes institucionais e buscar novas soluções para os embates do cotidiano que impedem o acesso desta grande parcela da população aos serviços públicos em geral, ao trabalho, à participação e controle social. Mas este não é um trabalho exclusivo do Serviço Social. Assim, os meios e as condições em que se realiza o trabalho – como, por exemplo, as diretrizes ditadas pelas políticas sociais públicas ou empresariais, as relações de poder institucional, as prioridades políticas estabelecidas pelas instituições, os recursos humanos e financeiros que se possa mobilizar, as pressões sociais etc. – não se afiguram como “condicionantes externos” ao trabalho profissional. (Iamamoto, 2007: 99)

Conquistar isso dentro do seu espaço de atuação é um desafio constante para cada Assistente Social, mas é possível, além de garantir muitas vitórias nesse processo de luta, vitórias essas, que dependem muitas vezes, da forma como cada profissional vai encarar as dificuldades diárias e se relacionar com os demais membros de uma equipe.

II O

PAPEL DO SERVIÇO SOCIAL NO PROCESSO DE CONTROLE SOCIAL

1 - Reflexos das ações de controle social no serviço de reabilitação

O controle social se apresenta como um dos principais mecanismos de cidadania ativa da população, na fiscalização e acompanhamento das atividades desenvolvidas pelo governo. O Serviço Social, setor intrinsecamente ligado às camadas populares e movimentos sociais, tem fundamental participação no estímulo, valorização e capacitação dos grupos sociais nesse processo de democratização dos serviços e informações oferecidos pelo poder público. No setor de Reabilitação da pessoa com deficiência, isto se mostra de forma ainda mais intensa e complexa, já que trata da luta pela garantia e qualidade de distintas políticas sociais: Assistência Social e Saúde, que tem como ponto de encontro a reabilitação desse segmento, e deve garantir o acesso às políticas de educação, trabalho e emprego, lazer, dentre outras. Conhecer as políticas que envolvem os temas em questão e buscar refletir junto aos usuários o seu papel na qualidade dos serviços prestados, buscando fortalecer a organização política desses sujeitos, deve se materializar como um esforço diário do profissional nas suas atividades e relações com o público atendido. Certamente, a origem de

7 parte da força que o movimento de pessoas com deficiência tem hoje, no país, é fruto da mobilização dos Assistentes Sociais junto com outros especialistas, além de profissionais e usuários, então, não se pode pensar o exercício profissional sem considerar seu papel nesse contexto. Conforme sinaliza BRAVO (2010): “Compreende-se que o Serviço Social muito já contribuiu para a organização dos movimentos sociais. Mas, cabe na atualidade, fazer e registrar essa contribuição como parte das suas competências profissionais, conforme está expresso na lei de regulamentação da profissão.(Lei N. 8.622/93)” (BRAVO,2010: 147) Este trabalho é exemplo da tentativa de materializar essas ações na forma de estudo, já que representa um campo de ação profissional vivenciado diariamente por quem vos escreve e participa ativamente do processo de mobilização e construção social. O tempo mostra claramente as mudanças ocorridas nas distintas formas de mobilização social. A participação através de espaços de controle social também vem sendo constituída de diferentes maneiras dentro deste processo. As mais tradicionais (e oficiais, posto que garantidas na Constituição) são os conselhos e conferências, neste caso, conselhos e conferências (nas três esferas de governo) dos direitos das pessoas com deficiência – saúde, assistência social, etc. A luta mais discutida na atualidade no que se refere ao controle social, diz respeito à participação dos usuários como protagonistas desses espaços de discussão e construção de novos saberes e reivindicações sobre o que está sendo realizado. No movimento das pessoas com deficiência isto não é diferente, e as instituições de reabilitação têm papel fundamental na mobilização deste grupo. Ainda assim, não deve falar pelos mesmos, mas viabilizar e estimular sua participação de forma a promover a autonomia do sujeito neste debate. Não basta que profissionais entrem em cena para defesa desses direitos, é necessário e urgente que os usuários de tais serviços ocupem o espaço público e discutam com as instituições e autoridades presentes sobre aquilo que consideram negativo nesse sistema, buscando junto aos órgãos envolvidos, a proposição de mudança, de renovação do quadro que se tem hoje. É preciso que o Serviço Social se utilize desse espaço privilegiado de contato direto com o público que atende e participe ativamente do processo de renovação e transformação social. Importante ressaltar que é na efervescência desses debates no âmbito das conferências e conselhos de direitos, que surgem as possibilidades de mudança, sobretudo, através da construção dos planos de ação em cada nível de governo. Além dos Planos e Políticas de Saúde e de Assistência Social, o segmento do qual trata este trabalho conta com aqueles referentes à Saúde e aos Direitos da pessoa com deficiência, podendo citar como mais conhecido popularmente o Plano “Viver sem Limites”, documento nacional em vigor, que trata dos objetivos e metas a serem efetivados nos próximos anos pela gestão pública e tem como objetivo a articulação entre as ações e serviços oferecidos à pessoa com deficiência e sua promoção em todo o país. Hoje o plano supracitado traz consigo uma série de modificações na forma de manutenção e formação dos serviços em reabilitação no país, buscando maior integração e articulação entre as políticas sociais que permeiam esse universo, além da ampliação do atendimento a outros tipos de deficiência, além daquele que a instituição tem se dedicado até o presente momento como atividade fim. Se apropriar destes aparatos legais e renovar o serviço oferecido dentro dos novos parâmetros estabelecidos é fundamental tanto para os

8 gestores, quanto para os profissionais de reabilitação que pretendem evoluir junto aos avanços conquistados no documento. Se antes foi sinalizada a relação entre a cultura de segregação da pessoa com deficiência e o modelo biológico de reabilitação, o Plano Viver sem Limites traz uma tentativa de romper definitivamente com esse formato, justamente por reforçar ao longo de toda sua redação o objetivo de integralidade do sistema de reabilitação, a articulação e interlocução entre as políticas públicas. Este é um desafio para todas as instituições nacionais, independente de ter como público alvo o segmento, pois a idéia inclui a promoção da acessibilidade e inclusão a todos os serviços acessados por pessoas ditas sem deficiência. Um dos mecanismos para efetivação destes objetivos é a criação de aparatos legais que buscam definir diferentes formas de incentivo a criação e ampliação do acesso à pessoa com deficiência aos serviços em geral, articulando, inclusive, as políticas econômica e social. Cumpre ressaltar que tais planos são materializados através de portarias diversas que vão nortear a forma como os recursos serão repassados e os trabalhos desenvolvidos em todo o país. Daí a importância da participação popular nestes espaços. Estes são, atualmente, os principais mecanismos de acesso da população aos caminhos que levam ao real exercício de sua cidadania, qual seja a participação na construção coletiva de um país que a sociedade quer ter, onde o respeito aos direitos de cada um se torne realidade para todos, sem distinção. 2- Serviço social versus terceiro setor Neste processo de imediata mudança que os serviços de reabilitação vêm sofrendo (involuntariamente ou não), com o Plano Viver sem Limites, são reais os desafios para profissionais e gestores, assim como as possibilidades de mudança e apreensão de uma resignificação do atual modelo de reabilitar (criticado ao longo do texto), equivocadamente assumidos por grandes instituições de reabilitação do país. Vencer os preconceitos existentes em cada sujeito-profissional já não cabe discutir, se considerarmos que estes são justamente os responsáveis por eliminar cotidianamente tal comportamento social. “Importa ressaltar que o assistente social não realiza seu trabalho isoladamente, mas como parte de um trabalho combinado ou de um trabalhador coletivo que forma uma grande equipe de trabalho.“ (Iamamoto, 2007: 63) Pensar maneiras de transformar ações complementares (e inclusivas) dentro do processo de trabalho profissional como algo rentável institucionalmente (ainda que nos casos de instituições sem fins lucrativos) deve ser o próximo ponto de discussão. É urgente que o Assistente Social vislumbre novos conhecimentos no ramo de orçamento, captação de recursos e sustentabilidade. Isto porque se é de interesse da instituição ver o retorno financeiro do tempo utilizado pelo profissional (ainda que isso faça parte de seu plano de intervenção) no planejamento e execução dessas tarefas, também é de interesse do Assistente Social materializar o conceito pleno da terminologia “reabilitar”, que objetiva, finalmente, a amplitude no processo de reabilitação e direito da pessoa com deficiência. É um desafio simultâneo garantir que esta concepção seja adotada organizacionalmente. Este desafio pode suscitar desvantagens para uma das partes, “ora, ao vender sua força de trabalho em troca de salário (valor de troca dessa mercadoria), o profissional

9 entrega ao seu empregador o seu valor de uso ou o direito de consumi-la durante a jornada estabelecida.” (Iamamoto, 2007: 97) Pode-se ilustrar, portanto, a necessidade de interlocução e organização política do profissional, pois trata-se de um conflito de interesses em que muitas vezes ele pode estar em desvantagem, mas em totais condições de mediá-la ao favor da população, posto que não acarreta nenhum ônus financeiro para a organização e pode trazer, dentre outras coisas, a visibilidade positiva do trabalho realizado pelo gestor e o financiamento de suas ações, se organizado com esse objetivo. Trabalhar essas possibilidades dentro de cada organização é primordial para a equipe de reabilitação e, especialmente (por ser o foco deste trabalho) para o Assistente Social.

10 CONCLUSÃO

Muitos são os desafios do trabalho em Reabilitação, sobretudo no que se refere às atividades do terceiro setor, cuja parcela majoritária dos serviços está sob sua prestação. Refletir sobre o exercício profissional nesse contexto requer, ao menos, uma profunda análise sobre o histórico da pessoa com deficiência na humanidade, o atual sistema de economia adotado no país e no mundo, bem como a respeito da história do próprio Serviço Social, suas propostas e renovações contemporâneas, os objetivos e metas do SUS e do SUAS e o processo de controle social em construção no Brasil. Não é possível esgotar o debate em tão pouco tempo de discussão, nem ao menos se teve essa pretensão nesta apresentação. Mas é de suma importância que a categoria profissional se aprofunde na sistematização e reflexão de suas ações e não perca de vista a reprodução desse conhecimento como tarefa primordial para a evolução do trabalho do Serviço Social neste setor. Ao contrário das políticas e serviços de assistência social, saúde mental, do trabalhador, políticas de educação, etc., o setor de reabilitação conta com pouquíssimas reflexões teórico-científicas a cerca de suas ações, independente da área de conhecimento que se propõe a fazê-lo. No caso do Serviço Social isto se dá de forma ainda mais escassa, mesmo sendo um espaço de atuação de longa data. Essa realidade levanta diversos questionamentos sobre o papel do Serviço Social no setor. Não somente sobre as ações já mencionadas acima, mas, principalmente, sobre o que o próprio profissional pensa a respeito daquilo que faz. Não raras são as vezes que o Assistente Social é questionado pela sociedade sobre o real papel de sua intervenção, isso também acontece dentro dos espaços de atuação. Diferente de outras áreas de conhecimento, a categoria tem uma grandiosa produção teórica sobre seu fazer e formação profissional, trabalho, instrumentos utilizados no cotidiano e referencial ético-político e teórico. Algo muito julgado, por pressupor uma necessidade constante de autoafirmação e valorização. Porém, também se faz necessário considerando a forma como a profissão surgiu e se estabeleceu na sociedade, e são justamente essas articulações entre teoria e prática as responsáveis pela renovação da categoria dentro de um sistema em constantes mudanças. E, sendo o Serviço Social uma profissão estritamente ligada à questão social e às mudanças o âmago social, faz-se necessário sua constante renovação e apropriação do todo do qual faz parte. Espera-se que estes esforços sejam capazes de amparar o Assistente Social no seu cotidiano e auxiliá-lo à medida que tais desafios apareçam no seu dia a dia. Refletir sobre suas ações, produzir conhecimentos sobre as mesmas e, finalmente, questionar o seu próprio exercício, é parte dessa árdua tarefa em prol da efetivação dos princípios fundamentais e dispositivos legais defendidos no código de ética profissional.

11 REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS

BRAVO, M.I.S.; MATOS, M. C. de. Assessoria, Consultoria & Serviço Social. 2° Ed. São Paulo: Cortez, 2010. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. São Paulo: 5°ed., atualizada e ampliada. Saraiva, 2011. BRASIL. Lei N° 8.742 de 07 de Dezembro de 2003. Brasília, DF. BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria Nº 793, de 24 de Abril de 2012. Brasília, DF. FALEIROS, V. P. Saber profissional e poder institucional. São Paulo: Cortez, 1987. IAMAMOTO, M. V. O Serviço Social na Contemporaneidade: Trabalho e Formação Profissional. São Paulo: Cortez, 1998. IAMAMOTO, M. V.; CARVALHO, R. Relações Sociis e Serviço Social no Brasil. São Paulo: Cortez/Celats, 1982. Portal da Saúde. Ministério da Saúde de Portugal. O que é a Reabilitação? Portugal: 2005. Disponível em: http://www.minsaude.pt/portal/conteudos/informacoes+uteis/reabilitacao/reabilitacao.htm Acesso em: 15 Jun. 2012. SILVA. M. L. L. Um novo fazer profissional. In: CEAD/UnB, Capacitação em Serviço Social e Política Social. Módulo IV: O trabalho do assistente social e as políticas sociais. Brasília: CEAD/UnB, 2000. VASCONCELOS,A.M A prática do Serviço Social. Cotidiano, formação e alternativas na área de saúde. São Paulo: Cortez, 2002.

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