Shakespeare no cinema: O fantasma no \"Hamlet\" de Shakespeare e de Almereyda

June 3, 2017 | Autor: Fernanda Moura | Categoria: Theatre Studies, Film Studies, William Shakespeare
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SHAKESPEARE NO CINEMA: O FANTASMA NO HAMLET DE SHAKESPEARE E DE ALMEREYDA Autora: Fernanda Korovsky Moura (UFSC) Orientadora: Profa. Dra. Márcia Regina Becker (UTFPR) RESUMO: De acordo com Robert Stam (2005), adaptações cinematográficas são interpretações do texto literário em uma mídia diferente, o cinema. Portanto, cada diretor oferece novas possibilidades de traduzir o texto escrito para a tela do cinema, proporcionando-lhe uma nova leitura, influenciada pela situação sociocultural do momento em que o filme se insere. As obras de William Shakespeare estão entre as que receberam mais adaptações cinematográficas. Hamlet já teve mais de uma dezena de versões nas últimas décadas, desde filmes mudos a releituras contemporâneas. Um deles foi lançado em 2000, dirigido por Michael Almereyda, e transporta a trama shakespeariana para a cidade de Nova York no século XXI. O presente trabalho se propõe a analisar o personagem do fantasma do pai de Hamlet na peça de 1600 e como ele foi retratado no filme de Almereyda, discutindo as consequências e os efeitos que ela provoca. PALAVRAS-CHAVE: William Shakespeare. Hamlet. Michael Almereyda. Fantasma. Adaptações cinematográficas.

Durante o primeiro semestre de 2013, uma das disciplinas optativas da grade curricular do curso de Letras da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) chamou a atenção dos alunos a tal ponto que a sala de aula não comportou o número de interessados, houve lista de espera. Tal disciplina foi “Shakespeare no Cinema”, ministrada pela Profa. Dra. Márcia Regina Becker. O entusiasmo dos alunos é compreensível, eu mesma acordei cedo no dia do registro da matrícula para não arriscar o meu lugar na turma. William Shakespeare é um dos, senão o, grandes nomes da literatura mundial e todo aluno de Letras, principalmente os apaixonados por literatura, têm

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interesse em conhecer melhor o seu legado. E que maneira mais atraente do que através do cinema? Assim une-se o útil ao agradável. O presente artigo é, portanto, fruto das discussões que ocorreram durante as aulas desta disciplina. As duas peças estudadas neste semestre, além de suas diversas adaptações cinematográficas, foram Hamlet (1600) e Romeu e Julieta (15956). Ater-me-ei aqui, no entanto, a Hamlet, com base no trabalho realizado para a disciplina mencionada em conjunto com a aluna Amanda Arruda Venci. Mais especificamente, focarei na relação entre as representações do personagem do fantasma do Rei na peça de Shakespeare e na adaptação ao cinema feita pelo diretor Michael Almereyda em 2000. Almereyda foi, também, responsável por outros filmes marcantes como Twister (1990), Nadja (1994) e A maldição da múmia (1998). Além de Hamlet (2000), Almereyda adaptou para o cinema a peça Cymbeline de Shakespeare em 2014. O filme aqui em análise foi lançado no Brasil sob o título Hamlet: vingança e tragédia, com Ethan Hawke no papel do príncipe Hamlet, Sam Shepard como o fantasma, Julia Stiles como Ofélia e Bill Murray no papel de Polônio. Fantasmas em Shakespeare Eventos sobrenaturais são ocorrências comuns nas peças shakespearianas. Na realidade, o sobrenatural permeava todo o pensamento popular no período elisabetano, quando Shakespeare escrevia. Em seu livro Ghosts in Shakespeare (2010), L. W. Rogers analisa os episódios sobrenaturais em seis peças de Shakespeare: Hamlet, Macbeth, Ricardo III, Júlio César, Tróilo e Créssida e O conto do inverno. Rogers (2010, p. 4) propõe ao leitor a questão sobre qual seria a intenção de Shakespeare ao inserir fantasmas e fadas em suas peças. Seria um artifício dramático e artístico ou seria uma interpretação válida e condizente com a época das verdades da natureza? ANAIS IV JORNADA DE ESTUDOS IRLANDESES ABEI/UNIANDRADE PR

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Rogers escreveu em 1949. Hoje, no início do século XXI e após a emergência das teorias pós-estruturalistas, sabe-se que a intenção do autor pouco importa. Assim que o texto é publicado ou encenado -, ele se desassocia do autor e passa a ter vida própria. Como Roland Barthes já escrevia no final da década de 1960, “a escritura é a destruição de toda voz, de toda origem” (2004, p. 57). Contudo, os escritos de Rogers ainda são válidos, principalmente no que tange seus estudos sobre a presença do sobrenatural nos textos de Shakespeare, além das questões de intenção e autoria. Em sua análise de Hamlet, Rogers não duvida da consciência do príncipe dinamarquês de que existe uma existência após a morte corporal. Portanto, não seria a dúvida desta existência que o atormenta, mas, sim, as condições desta existência. Como seria a vida após a morte? De fato, se analisarmos a seguinte passagem, parte do célebre solilóquio de Hamlet, o argumento de Rogers se torna plausível: [...] HAMLET Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso Com um simples punhal? Quem agüentaria fardos, Gemendo e suando numa vida servil, Senão porque o terror de alguma coisa após a morte O país não descoberto, de cujos confins Jamais voltou nenhum viajante - nos confunde a vontade, Nos faz preferir e suportar os males que já temos, A fugirmos pra outros que desconhecemos? (SHAKESPEARE, 2005, 3.1.63)

A morte, para Hamlet, é um país não descoberto, é algo desconhecido, por isso temeroso. Se ele já conhecesse as condições do além-vida, se pudesse contar com os relatos de viajantes que de lá regressaram, ele certamente deixaria essa vida para seguir a sua viagem. Hamlet, por conseguinte, vê a vida como uma jornada. Em nenhum momento ele duvida da

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existência de algo além da vida corpórea, por isso a sua rápida aquiescência da história contada por seus três amigos, Marcelo, Bernardo e Horácio, que disseram ter visto o fantasma de seu pai. Ao contrário de Horácio, que é mais relutante em aceitar a narração da aparição do fantasma. Na segunda cena do Ato 1, ao receber de Horácio o relato de que a aparição de fato surgira e que ele reconhecera o seu pai, Hamlet apenas pergunta onde tal evento acontecera e se eles não haviam falado com o fantasma. Hamlet não descrê a história, apenas diz que ela lhe perturba. Na noite seguinte, Hamlet fica de prontidão ao soar da meia-noite e vê com seus próprios olhos o fantasma de seu pai. Rogers argumenta que o fantasma não poderia ser fruto da mente perturbada e criativa de Hamlet, porque ele não foi o primeiro a descobri-lo (2010, p. 12). Além disso, Rogers afirma ser a aparição sobrenatural um retorno literal do pai de Hamlet à terra dos vivos, já que Hamlet não foi o único a vê-lo (mesmo que haja uma ocasião na peça em que o fantasma não é visto por sua mãe, Gertrudes, que será discutida mais adiante neste artigo). Além dele mesmo, Bernardo, Marcelo e o sensato Horácio são testemunhas do evento sobrenatural (2010, p. 15). O fantasma é peça intrínseca da trama de Hamlet. Sem tal personagem, Hamlet não teria desenvolvido a suspeita do assassinato de seu pai por seu tio e, por isso, não elaboraria um plano de vingança. As representações desse personagem-chave na peça de Shakespeare e na adaptação cinematográfica de Michael Almereyda serão analisadas a seguir. O Hamlet de Almereyda Em primeiro lugar, é necessário discutir a adaptação cinematográfica do texto literário ou dramático em um contexto pós-estruturalista. Sob essa perspectiva, o filme não é visto como uma mera transposição do texto literário para as telas do cinema - mesmo porque tal feito seria impossível, já que o texto literário ANAIS IV JORNADA DE ESTUDOS IRLANDESES ABEI/UNIANDRADE PR

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e o filme são mídias diferentes -, mas, sim, como uma interpretação do texto. Tal posicionamento teórico confere mais liberdade ao diretor cinematográfico, que trabalha o texto literário de modo a buscar uma das possíveis formas de adaptá-lo (modificando-o, atualizando-o e adequando-o) para o cinema. Robert Stam (2005) desmistifica a visão preconceituosa da adaptação cinematográfica que, para muitos, ainda é considerada uma agressão ao texto literário, uma violação, uma traição, entre outras palavras pejorativas. Além disso, ele questiona o status de superioridade normalmente atribuído à literatura em relação ao cinema (STAM, 2005, p. 3-4). Na verdade, não se pode atestar que uma mídia é superior à outra; elas são distintas e, por isso, oferecem possibilidades e desafios diferentes. Ao invés da adaptação cinematográfica como infidelidade, Stam sugere o termo intertextualidade. Ele propõe diversas analogias para uma nova perspectiva da adaptação cinematográfica: um modelo Pigmaleão, em que o filme traz o texto literário à vida; um modelo ventríloquo, cujo filme dá voz às personagens mudas dos livros; um modelo alquímico, em que o diretor de cinema transforma as impurezas do romance em puro ouro; ou um modelo possessivo, no qual o corpo da adaptação fílmica é possuído pelo orixá do texto literário (STAM, 2005, p. 24). Analogias à parte, fica claro que a adaptação cinematográfica de um texto literário ou dramático é uma interpretação proposta pelo diretor - uma de várias possíveis, é importante frisar -, que tem a liberdade de transformá-lo de modo a usufruir das possibilidades que o filme oferece e que não é possível na literatura, como efeitos especiais, trilha sonora, atuação, entre outros. Da mesma maneira que o filme deve compensar por elementos só possíveis na literatura, como o fluxo de consciência e a leitura do que se passa dentro da mente de determinado personagem. As peças de Shakespeare já foram adaptadas para o cinema diversas vezes e de diversas maneiras. De uma certa ANAIS IV JORNADA DE ESTUDOS IRLANDESES ABEI/UNIANDRADE PR

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forma, o público já está saturado de produções similares de um mesmo texto; é preciso que haja inovação e renovação. Desta maneira, Michael Almereyda utilizou de sua liberdade para adaptar o texto de Hamlet e trouxe a história para a cidade de Nova York nos anos 2000. Hamlet é um estudante de cinema e seu tio, Cláudio, ao invés de ser Rei da Dinamarca, é o CEO da Denmark Corporations, proprietário de um grande império empresarial. No entanto, apesar de o enredo ser transportado para o início do século XXI, a linguagem original da peça é mantida. Anacrônico? De fato, mas certamente confere ao filme um estilo próprio. A primeira aparição do fantasma acontece de formas similares na peça e no filme, mas através de meios diferentes. Na peça, os primeiros a verem o fantasma do rei são Marcelo e Bernardo, que estavam de guarda no castelo. Os dois contam a história fantástica a Horácio, que hesita em acreditar. Quando ele vê o fantasma por conta própria na noite seguinte, Horácio acaba por ceder. Hamlet é avisado por este sobre a aparição do fantasma do seu pai e resolve confrontá-lo. Na versão de Almereyda, os que vêem o fantasma por primeiro são Horácio e Marcela, sua namorada. Almereyda muda o sexo do personagem shakespeariano Marcelo; talvez uma maneira de compensar a falta de personagens femininos no texto original. Horácio e Marcela estão dentro de um hotel e o curioso é que eles avistam o fantasma através de uma câmera de segurança. Almereyda faz recorrente referência à tecnologia nesta adaptação de Hamlet; um contraponto entre a Inglaterra seiscentista e a moderna Nova York do ano 2000. O guarda em serviço no hotel, que faz o papel de Bernardo, faz uma ligação para o quarto onde Hamlet está dormindo para avisá-lo da aparição no vídeo. No entanto, Hamlet não chega a atender o telefone, ele próprio vê a imagem de seu pai na varanda e lhe diz as mesmas falas encontradas na peça de Shakespeare: ANAIS IV JORNADA DE ESTUDOS IRLANDESES ABEI/UNIANDRADE PR

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HAMLET Anjos e mensageiros de Deus, defendei-nos! Sejas tu um espírito sagrado ou duende maléfico; Circundado de auras celestes ou das chamas do inferno; [...] Tu te apresentas de forma tão estranha Que eu vou te falar (SHAKESPEARE, 2005, 1.4.28)

O fantasma está vestido de terno e gravata, muito sério, e tem a mesma aparência de quando vivo. Tal conexão do mundo espiritual com o mundo físico, segundo Rogers, é uma forma de ilustrar que a morte corporal não altera o homem; ele permanece o mesmo mental e moralmente (2010, p. 19). Hamlet convida o espectro para entrar e têm o mesmo diálogo que se encontra na peça, salvo alguns cortes devido à extensão da cena, no qual seu pai lhe explica que foi assassinado por seu próprio irmão e pede por vingança antes de desaparecer do quarto. A segunda aparição do fantasma na peça de Shakespeare acontece nos aposentos de Gertrudes. Hamlet e sua mãe haviam discutido, pois Hamlet lhe culpava o romance incestuoso tão súbito à morte de seu pai. Gertrudes grita por socorro e Hamlet, em uma crise perturbadora, mata Polônio, que se escondia atrás de uma tapeçaria. Nesta cena, o fantasma retorna para relembrar Hamlet de seu dever: FANTASMA Não esqueça; esta visita É para aguçar tua resolução já quase cega. Mas olha, o espanto domina tua mãe. Coloca-te entre ela e sua alma em conflito; Nos corpos frágeis a imaginação trabalha com mais força. Fala com ela, Hamlet. (SHAKESPEARE, 2005, 3.4.87-88)

O curioso é que neste instante, que Hamlet fica a contemplar a figura do fantasma, sua mãe não o vê. A rainha indaga: “Ai, o que é que você tem, / Fixando assim seus olhos no vazio, / E conversando com o incorpóreo?” (SHAKESPEARE, 2005. ANAIS IV JORNADA DE ESTUDOS IRLANDESES ABEI/UNIANDRADE PR

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3.4.88). Como exposto anteriormente, a veracidade do fantasma é inquestionável já que ele havia sido primeiro visto por Bernardo e Marcelo e, além deles, o racional Horácio e Hamlet o enxergaram com os próprios olhos. Como, então, explicar a “cegueira” da rainha? Rogers afirma que há muitos estudos que consideram esta cena como uma comprovação de que a aparição do fantasma era somente fruto da mente perturbada de Hamlet. Rogers, porém, nega tal asserção, pois as visitas anteriores do fantasma são comprovadamente reais. A possível explicação dada pelo autor é que a rainha, provavelmente, não era sensitiva o bastante para captar a presença sobrenatural (2010, p. 17). Ao meu ver, tal explicação não é suficiente. As primeiras aparições do fantasma, de fato, são comprovadas por quatro testemunhas. No entanto, a aparição do fantasma na cena com Gertrudes pode ser indício do início da loucura que domina Hamlet nas cenas finais da peça, que o levam, inclusive, a matar Polônio. Ao que parece, nesta cena em particular, o fantasma é, realmente, produto da imaginação de Hamlet. Na versão de Almereyda, Gertrudes conversa com Polônio em seu quarto de hotel quando Hamlet chega. Polônio não se esconde atrás de uma tapeçaria, mas dentro do armário. Hamlet e sua mãe têm o mesmo diálogo da peça original e, quando Gertrudes grita por socorro, Hamlet acaba matando Polônio com um tiro de revólver que atravessa a porta do armário e o atinge bem no olho direito. Durante a crise de nervos de Hamlet, o fantasma de seu pai aparece, sentado em uma poltrona perto da cama, com os cotovelos sobre os joelhos e um olhar preocupado. Gertrudes mostra a mesma incredulidade ao observar seu filho fitando e falando ao vazio. Enquanto os dois continuam o diálogo, o fantasma permanece a observá-los até o corte para a cena seguinte. Na peça de Shakespeare não há outras aparições do espectro do pai de Hamlet. O filme de Almereyda, no entanto, traz ANAIS IV JORNADA DE ESTUDOS IRLANDESES ABEI/UNIANDRADE PR

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mais duas participações do fantasma, quase trinta minutos após a cena no quarto de Gertrudes. Hamlet e Horácio voltam do enterro de Ofélia e encontram Marcela dormindo em seu quarto. Ao pé da cama da garota, está o fantasma, sentado em uma poltrona, com uma das mãos no rosto e um semblante preocupado e cansado. Diferentemente de suas outras aparições, desta vez o fantasma está transparente, quase desaparecendo de vista. Assim que Hamlet e Horácio entram no quarto, o fantasma desaparece totalmente antes que os dois pudessem notá-lo. Esta presença do fantasma dissolvendo-se pode ser equivalente ao esquecimento de Hamlet de seu propósito de vingança, tão conturbado estava com a morte de Ofélia. No entanto, logo em seguida, quando Hamlet e Horácio estão conversando sobre a aposta feita por Cláudio sobre o embate entre Hamlet e Laertes, o fantasma volta a aparecer em cores vibrantes, próximo à porta da cozinha. Neste momento, Hamlet lembra-se de seu propósito e vê no combate contra Laertes uma oportunidade para concretizar a sua vingança contra o tio. Horácio quer dissuadi-lo do combate, mas Hamlet rejeita: HAMLET Em absoluto, desafio os augúrios. Existe uma previdência especial até na queda de um pássaro. Se é agora, não vai ser depois; se não for depois, será agora; se não for agora, será a qualquer hora. Estar preparado é tudo. Se ninguém é dono de nada do que deixa, que importa a hora de deixá-lo? Seja lá o que for! (SHAKESPEARE, 2005, 5.2.133)

Ao proferir estas palavras, Hamlet olha para o fantasma do seu pai, como se para confirmar-lhe que aquele seria o momento da vingança. O fantasma parece satisfeito. Assim termina o papel crucial do fantasma na adaptação de Almereyda, que leva Hamlet a cometer os atos da cena final da peça, que resulta em tantas mortes.

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Conclusão Mesmo aparecendo de formas distintas na peça de Shakespeare e na adaptação cinematográfica de Almereyda, o fantasma é papel determinante no desenrolar da trama de Hamlet. É ele que inflama e conduz toda a sede de vingança em Hamlet, que acaba em tragédia. O diretor Michael Almereyda traz a história clássica de Hamlet para o século XXI, momento em que as crenças no sobrenatural já foram sobrepujadas pelo conhecimento científico. Por isso, Almereyda mescla a aparição do fantasma com aparatos tecnológicos, como a câmera de segurança no hotel, mais condizentes com a realidade do contexto em que a trama se insere. O filme de Almereyda é um ótimo exemplo da teoria de Robert Stam sobre adaptação cinematográfica como transformação e intertextualidade. A partir do texto de Shakespeare, Almereyda o traz de volta à vida aproximadamente quatrocentos anos depois, adaptando-o para o cenário do século XXI e oferecendo aos espectadores uma nova leitura da peça shakespeariana. Com relação à indagação de Rogers sobre o propósito de Shakespeare ao inserir eventos sobrenaturais em suas peças, tal mistério não desvendaremos nunca - e tampouco nos importa. Porém, o que é definitivo é que, como Rogers aponta, os elementos do oculto permeiam as obras de Shakespeare de modo a nos relembrar de que há uma grande diferença entre a verdadeira natureza das coisas e o que nossos olhos mundanos imaginam ver (2010, p. 20). Afinal de contas, assim como Hamlet confidencia a Horácio: “Há mais coisas no céu e na terra, Horácio, / Do que sonha a tua filosofia” (SHAKESPEARE, 2005, 1.5.36).

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Referências ALMEREYDA, Michael. Hamlet. [Filme-vídeo]. USA: Double A films, 2000. DVD: 112 min. Son., color. BARTHES, R. A morte do autor. In: O rumor da língua. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 57-64. ROGERS, L. W. Ghosts in Shakespeare. Whitefish: Kessinger Legacy Reprints, 2010. SHAKESPEARE, William. Hamlet. Tradução de Millôr Fernandes. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2005. STAM, Robert. The Theory and Practice of Adaptation. In: Literature and Film: A Guide to the Theory and Practice of Film Adaptation. Oxford: Blackwell Publishing, 2005.

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