Sinais de contradição na Opus Dei

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Sinais de contradição na Opus Dei
Mateus Soares de Azevedo

Revista História Viva
Ano V – No. 47

Com cuidados demasiados sobre sua organização, a elevação espiritual fica
em segundo plano.



Em uma passagem dos Evangelhos, Jesus diz a uma seguidora ultra-atarefada:
"Marta, preocupa-te com muitas coisas, quando uma só é necessária. Tua irmã
Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada." (Lc 10, 38-42)
Este episódio ilustra uma distinção essencial no Cristianismo e, de fato,
em toda grande religião: de um lado, a 'via da contemplação' (personificada
por Maria), de outro, a 'da ação' (Marta). A Opus Dei é uma manifestação
moderna e particularmente exagerada deste segundo caminho – na verdade, ao
comparar a "via de Marta" com a 'Obra de Deus' (Opus Dei em Latim), estou
sendo demasiadamente favorável a esta última, feita que é de "excessivas
preocupações".

Desmedida inquietação com contratos e segredos; com questões quantitativas
e pecuniárias; com a vida pessoal de seus membros em tempo integral,
chegando ao ponto de checar sua correspondência. Preocupação com a completa
docilidade dos adeptos; com a doação de seus salários à organização; com
evitar contato com familiares e mesmo religiosos católicos que não sejam
membros; com recrutar gente bem posicionada socialmente; e com seu
testamento - os bens ficam para a Obra.

Enfim, preocupações de naturezas quantitativa, exterior e mundana. Tantos
cuidados que "a única coisa necessária" é esquecida. E são em tal número as
regras e estipulações contratuais que a Obra foi chamada "seita de
advogados".

A Opus Dei exibe também uma espécie de "espiritualidade" vaisha (burguesa)
para uma classe média cada vez mais materialista. Josémaria Escrivá, seu
fundador, chegou a propugnar uma espécie de "materialismo cristão",
rejeitando a "espiritualização" da religião (Conversações, 115). Sua
concepção é cheia de otimismo e confiança: devemos "amar apaixonadamente o
mundo". Jesus, contudo, ensinou que quem ama o mundo esquece da "única
coisa necessária".

Outro apaixonado pelo "mundo", o finado pontífice João Paulo II, fez da
Opus Dei sua prelazia pessoal e decidiu canonizar Josémaria Escrivá. Foi um
dos processos mais rápidos e controvertidos da história. As autoridades da
"nova igreja" que surgiu do Concílio Vaticano 2º (1962-65) geralmente
favorecem a Obra, vendo nela uma precursora do "moderno espírito"
conciliar.

Mas a organização também têm seus críticos, sendo os primeiros vindos do
interior da Igreja. O padre Ledochowski, superior geral dos jesuítas nos
anos 1940, considerava-a "perigosa", uma "maçonaria cristã". "Santa máfia".
"Nova heresia". Mescla de (muita) ambição e (pouca) religião. Sobram
acusações de secretismo, sectarismo, ambição de poder, uso de métodos
coercitivos, proselitismo agressivo e pressão psicológica.

Segundo o psiquiatra Victor Frankl, Escrivá foi uma "bomba atômica
espiritual", que almejava fazer de simples fiéis, santos. Para o jornalista
John Allen, queria ser uma fábrica de santos, mas se contenta com
"profissionais bem-sucedidos". Muito pouco para os sonhos de Escrivá. Trata-
se, de fato, de um "sinal de contradição", como avaliam teólogos e
estudiosos. A Obra é um arremedo de espiritualidade que não oferece remédio
significativo para os grandes males e desafios de nosso tempo.
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