Síndrome Metabólica em Diabéticos tipo 2 em Insulinoterapia: Fatores associados e Qualidade de Vida

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Lira et al., 2016

Submitted: 26-07-16 Corrected version: 18-08-16 Accepted in: 08-09-16

Síndrome Metabólica em Diabéticos tipo 2 em Insulinoterapia: Fatores associados e Qualidade de Vida Angélica Marchesi Lira1, Brena Ramos Athaydes1, Gina Provedel2, Nadmy Arrivabene Zavaris Gonçalves3, Carolina Maia Martins Sales4, Daniela Amorim Melgaço Guimarães do Bem1, Rita de Cassia Ribeiro Gonçalves*1 1 - Programa de pós-graduação em Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil. 2 - Departamento de Estatística, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil. 3 - Secretaria Municipal de Saúde, Prefeitura Municipal Vitória, ES, Brasil. 4 - Departamento de Enfermagem, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil. *Autor Correspondente: [email protected] __________________________________________________________________________________ Resumo: O diabetes mellitus é um problema de saúde pública mundial de crescimento exponencial, cuja evolução culmina com a insulinização. Sabendo que a presença concomitante da síndrome metabólica aumenta o risco de desenvolvimento de doenças cardiovasculares nestes indivíduos, o objetivo do presente estudo foi analisar as variáveis demográficas, socioeconômicas, a qualidade de vida e a presença da síndrome metabólica na população diabética em insulinoterapia de uma Unidade de Saúde da Família de Vitória, ES. Foram utilizados o inventário de qualidade de vida WHOQOL–BREF e a definição clínica da síndrome metabólica baseada na I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica como referência. Participaram do estudo 56 pessoas, de maioria do sexo feminino (67,9%) e com idade igual ou maior que 60 anos (55,4%). A síndrome foi diagnosticada em 51,8% dos diabéticos, os quais possuíram uma maior frequência de exames clínicos alterados. A avaliação da qualidade de vida mostrou valores baixos de pontuação média para o domínio físico, sendo este o único domínio com diferença estatística entre os indivíduos com e sem a síndrome. Sendo assim, conclui-se que é marcante a presença da síndrome metabólica nos pacientes do estudo, com alterações importantes de triglicerídeos, circunferência abdominal e pressão arterial. No entanto, a hipótese de menores pontuações na qualidade de vida desses indivíduos não foi confirmada devido à influência apenas sobre o domínio físico. Palavras-chave: Diabetes Mellitus Tipo 2, Síndrome Metabólica, Qualidade de Vida. Abstract (Metabolic Syndrome in type 2 diabetics on insulin’s therapy: associated factors and quality of life): Diabetes mellitus is a worldwide public health problem of exponential growth, which evolution culminates in the insulinization. Knowing that the concomitant presence of metabolic syndrome increases the risk of developing cardiovascular disease in these individuals, the aim of this study was to analyze the demographic and socioeconomic variables, quality of life and the presence of metabolic syndrome in the diabetic population in insulin from a Family Health Center in Vitória, ES. We used the WHOQOL-BREF quality of life inventory and the clinical definition of metabolic syndrome based on the First Brazilian Guidelines for Diagnosis and Treatment of Metabolic Syndrome as reference. The study included 56 people, the majority of women (67.9%) and aged above 60 years (55.4%). The syndrome was diagnosed in 51.8% of diabetic patients, which presented a higher frequency of altered clinical examinations. The assessment of quality of life presented a low average score for the physical domain, which was the only domain with statistical difference amidst individuals with and without the syndrome. Therefore, we concluded that the presence of metabolic syndrome in the patients is remarkable, with significant changes in triglycerides, waist circumference and blood pressure. However, the hypothesis of lower scores on quality of life of these individuals was not confirmed due to the influence only on the physical domain. Keywords: Type 2 Diabetes, Metabolic Syndrome, Quality of Life.

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Journal of Applied Pharmaceutical Sciences – JAPHAC, 2016; 3(3): 15-22.

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Introdução A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o diabetes mellitus (DM) como uma síndrome de etiologia múltipla, decorrente de defeitos na secreção de insulina pela célula β-pancreática e/ou da incapacidade deste hormônio exercer adequadamente suas ações. É caracterizada pela hiperglicemia crônica e por alterações do metabolismo dos carboidratos, lipídeos e proteínas1. A incidência do diabetes tipo 2 (DM2) resulta da interação entre predisposição genética e fatores de risco ambientais e comportamentais, onde ocorre a resistência insulínica (RI) e/ou secreção reduzida de insulina1. Mesmo que sua base genética ainda não esteja bem definida, foram identificados alguns genes relacionados com a RI que podem desencadear o diabetes, como o polimorfismo P12A no gene PPARɣ, dois polimorfismos genéticos do fator de transcrição 7-like 2 (gene TCF7L2), além de mutações no genoma mitocondrial2. Estima-se que a população mundial de diabéticos seja da ordem de 387 milhões, sendo 24,8 milhões na América Latina e 11,6 milhões no Brasil3. Em 2012, aproximadamente 1,5 milhão de pessoas no mundo morreram em consequência direta do diabetes onde os níveis hiperglicêmicos estavam associados a outros 2,2 milhões de mortes por aumentar o risco de doenças cardiovasculares e outras doenças4. As principais complicações envolvidas no DM2 podem ser classificadas em agudas e crônicas. Entre as complicações agudas estão a hipoglicemia, a cetoacidose e o coma hiperosmolar. As complicações crônicas podem ser microvasculares, referidas como específicas do DM e representadas pela retinopatia, nefropatia e neuropatia diabética, e macrovasculares (doença cardíaca coronariana, doença vascular periférica e doença cerebrovascular), consideradas mais graves, sendo a principal causa da morbimortalidade associada ao diabetes5. Journal of Applied Pharmaceutical Sciences – JAPHAC, 2016; 3(3): 15-22.

O tratamento e controle do DM2 exigem alterações de dieta, mudanças no estilo de vida e terapia medicamentosa, os quais comprometem economicamente o paciente e a sociedade, pois a maior parte dos custos diretos de seu tratamento são relacionados às suas complicações6. A evolução da doença, ocasionada pelo descontrole metabólico ou mesmo pelo fator temporal, leva ao declínio progressivo e acelerado da função das células β, podendo gerar complicações resultantes dessa doença e assim, comprometer a qualidade de vida7. É nessa etapa de impossibilidade de controle da situação metabólica que a insulinoterapia é estabelecida. Na DM2, a presença da síndrome metabólica (SM) é altamente prevalente e muitas vezes precede o aparecimento de hiperglicemia8. Conforme expõem Rodrigues et al.9, a prevalência de SM na população em geral é de aproximadamente 24%, chegando a mais de 80% entre os pacientes com DM2. Pouco se sabe sobre a origem da síndrome, porém já foi comprovado que a predisposição genética, a alimentação inadequada e o sedentarismo são as principais causas contribuintes para o seu desencadeamento10, podendo ser controlada com modificação do estilo de vida e adoção de hábitos saudáveis. A SM é caracterizada pela deposição central de gordura e pela resistência insulínica (RI), considerada um dos principais possíveis antecedentes da síndrome. Foi observado que a reunião de vários fatores de risco para a SM relacionados à RI em um mesmo indivíduo, como a dislipidemia, hipertensão arterial e a hiperglicemia, são associados a um aumento da ocorrência de doença cardiovascular e ao desenvolvimento do DM211, visto que a mortalidade geral é elevada em cerca de 1,5 vezes e a cardiovascular em cerca de 2,5 vezes4. Ainda, segundo Bonadonna et al.8, a RI e a síndrome metabólica pressupõem aterosclerose em pacientes diabéticos tipo 2.

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Ainda não há um consenso sobre a definição clínica para a SM, entretanto, uma das definições mais utilizadas na literatura científica é a estabelecida pelo National Cholesterol Education Program’s Adult Treatment Panel III (NCEP-ATP III), que não exige a comprovação de RI, sendo o critério diagnóstico recomendado pela I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica12. Este critério inclui avaliação da glicemia de jejum (≥110 mg/dL) ou diagnóstico de DM2, pressão arterial (≥130/85 mmHg), circunferência abdominal (homem >102 cm e mulher >88 cm), triglicerídeos (≥150 mg/dL) e fração HDL colesterol (homem < 40 mg/dL e mulher >50 mg/dL), sendo que a combinação de pelo menos três destes parâmetros permite o diagnóstico da SM13. Associada à SM, as consequências cardiovasculares do DM são intensificadas e, de forma proporcional, suas complicações. Diante do fato de que vários pacientes com DM2 apresentam a SM, torna-se importante avaliar a qualidade de vida nestes pacientes para otimização do tratamento e diminuição do risco de desenvolvimento de tais complicações. O termo Qualidade de Vida (QV) é definido pela OMS como sendo a percepção do indivíduo de sua posição na vida, em seu contexto cultural e do sistema de valores em que vive, em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações14. Estudos envolvendo a QV contribuem não somente para esclarecimentos conceituais, decisão sobre novas ações pelos cuidadores em relação ao paciente, mas também para uma avaliação genérica do impacto da doença no paciente, utilizando suas percepções em domínios da saúde para traçar o perfil da QV do indivíduo15. Dentre os vários instrumentos disponíveis para mensuração da QV, o questionário abreviado World Health Organization Quality of Life (WHOQOLBREF), desenvolvido pela OMS, tem sido Journal of Applied Pharmaceutical Sciences – JAPHAC, 2016; 3(3): 15-22.

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comumente utilizado em pacientes com doenças crônicas. Em um estudo utilizando o WHOQOL-BREF, observou-se que diabéticos apresentaram QV inferior ao de pacientes não diabéticos, principalmente no domínio físico16, demonstrando que o controle dos níveis glicêmicos influencia positivamente a QV. Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo caracterizar uma população de pacientes acometidos por DM2 em insulinoterapia, analisando os fatores relacionados à presença dessa doença crônica, de acordo com as variáveis demográficas, socioeconômicas e condições de saúde, além de avaliar quantitativamente a presença da síndrome metabólica, seus fatores de risco, e a influência sobre a qualidade de vida desses indivíduos.

Materiais e Métodos Cenário O presente estudo acompanhou rigorosamente o que consta a Resolução N° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, sob o número 85600/2012. Os participantes deste estudo foram atendidos pela equipe de ESF da Unidade de Saúde da Família de Consolação, pertencente ao território de Consolação, na região de saúde de Maruípe. As doenças cardiovasculares são a principal causa de mortalidade neste território, representando 32,6% das mortes no local, sendo maior que a média nacional de 31,9%17. Em relação aos demais territórios da região de Maruípe, Consolação é o território do município com o maior número de famílias cadastradas no programa bolsa família do governo nacional, sendo que sua população apresenta alto índice de analfabetismo, baixa escolaridade e baixa renda familiar. O território possui ainda um alto índice de violência, comparado a outros territórios de Vitória, sendo classificado como de alto risco socioeconômico. É composto por morros,

Lira et al., 2016 becos e escadarias, fruto de sua ocupação desordenada, o que pode prejudicar o acesso dos usuários aos serviços oferecidos pela Unidade de Saúde da Família de Consolação bem como influenciar na qualidade de vida e acesso às necessidades básicas17. Seleção de Pacientes Trata-se de um estudo descritivo de caráter quantitativo. Para realização do estudo foram selecionados inicialmente 130 pacientes diabéticos em insulinoterapia, atendidos na Unidade de Saúde da Família (USF) de Consolação. Os critérios de inclusão foram: sujeitos de ambos os sexos cadastrados na unidade, inclusive na farmácia, participando regularmente em atividades oferecidas na unidade (consultas médicas e de enfermagem), estar vinculados às equipes de saúde da família e concordar em participar do estudo. Do total de 130 pacientes cadastrados, 56 participaram da pesquisa. Os 74 pacientes restantes não foram incluídos por diferentes motivos: mudança de território, não foram encontrados em seus domicílios por visitas consecutivas e realização parcial ou não comparecimento para realização da pesquisa. Obtenção e Análise dos Dados Clínicos Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2013 e no segundo semestre de 2014, a partir da aplicação dos questionários Ficha de Acompanhamento Multiprofissional de Usuários de Insulina – USF Consolação, do WHOQOL-BREF18 e pela avaliação clínica. O primeiro instrumento contém 24 questões referentes a fatores socioeconômicos, diagnóstico da própria diabetes, uso de medicamentos relacionados a problemas cardiovasculares, presença de depressão e outras doenças crônicas. Para a realização da coleta, os aplicadores foram orientados à padronização da linguagem na aplicação dos questionários, objetivando a uniformidade das aplicações. O questionário WHOQOL-BREF utilizado para mensuração da QV é autoaplicável e autoexplicativo, composto por 26 questões divididas entre domínios físico, Journal of Applied Pharmaceutical Sciences – JAPHAC, 2016; 3(3): 15-22.

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psicológico, das relações sociais e meio ambiente19. A versão em português deste instrumento foi desenvolvida e validada no Centro WHOQOL para o Brasil18. Possui respostas que seguem uma escala de Likert (de 1 a 5, quanto maior a pontuação melhor a qualidade de vida). Os participantes foram orientados a analisar suas vidas nas duas últimas semanas, ler pausadamente e assinalar a resposta. Quando não souberam ler ou manifestaram alguma dificuldade, a pergunta foi repetida pelo examinador, evitando a influência na resposta. A avaliação clínica foi composta por exames físicos, realizados por profissionais da própria USF e exames laboratoriais, realizados pelo Laboratório Central da Prefeitura Municipal de Vitória. Os exames físicos avaliados foram a medição da circunferência abdominal e pressão arterial conforme indica a I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica12, e as VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão20, respectivamente. Dentre os exames laboratoriais, foram realizadas as dosagens de hemoglobina glicada, perfil lipídico, ureia, microalbuminúria e microalbuminúria de 24 h, creatinina plasmática e urinária de 24 h e proteína C reativa (PCR). Estes resultados foram disponibilizados nos prontuários dos pacientes e organizados a seguir, na tabela 3. Análises Estatísticas Para o diagnóstico da SM foi adotado o critério estabelecido pelo NCEP-ATP III. Os dados foram armazenados e analisados no software SPSS–data entry (Statistical Pacckage for the Social Sciences) versão 20.0. Para o pvalor entre a associação das variáveis com a síndrome metabólica foram utilizados o teste Qui-quadrado, Exato de Fisher e o teste da Razão de Verossimilhança, conforme melhor adequação para cada variável, considerando diferença estatística quando p
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