Sistema, complexidade e vida nua: sobre as impossibilidades de um Direito Disciplinar

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SISTEMA, COMPLEXIDADE E VIDA NUA: SOBRE AS IMPOSSIBILIDADES DE UM DIREITO DISCIPLINAR1 Maurício Brum Esteves RESUMO Conforme expõe Michel Foucault, “as disciplinas são portadoras de um discurso que não pode ser o do Direito,”2. Entretanto, na história do pensamento jurídico ocidental, mormente com o advento da modernidade e do Positivismo Jurídico, denotase uma estreita vinculação da racionalidade instrumental iluminista às estruturas do Direito, que adquire uma faceta formalista e Disciplinar de modelos codificados. Tratase de uma margem de controle do discurso jurídico. Além do mais, segundo lembra Jacques Derrida, não existe Direito que não possa ser imposto pela força, 3 seja ela “direta ou não, física ou simbólica, exterior ou interior, brutal ou sutil, discursiva – ou hermenêutica -, coercitiva ou reguladora”. 4 Cumpre deixar claro que o tipo de força, in casu, é a força reguladora. Também chamada de força Disciplinar, por Michel Foucault, que sob o influxo da ciência clássica e os auspícios da burguesia republicana dominante, impôs uma estrutura de Direito Disciplinar no Brasil, desde o Código Beviláqua. Em razão disso, a presente investigação parte em busca dos contornos metodológicos que difundiram o pensamento disciplinar no Direito, na mesma medida em que se busca novas bases epistemológicas ao Direito, mais complexas e plurais, condizentes com a posição privilegiada que a Constituição Federal de 1988 erigiu a Dignidade da Pessoa Humana, Fundamento da República. 1

INTRODUÇÃO A partir do Iluminismo o mundo passa a ser explicado pela ciência ocidental, sob

a forma da racionalidade antropocêntrica. O homem e suas relações privadas passam pelo crivo do método científico, tornando-se seu objeto de estudo. Trata-se da gênese das ciências humanas, tais como o Direito, a Economia, a Medicina e a Sociologia, e.g.

                                                                                                                        1

Artigo extraído do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como requisito parcial à obtenção de grau de Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, aprovado, com grau máximo, pela banca examinadora composta pelo orientador Prof. Ricardo Aronne e pelos arguidores Profª. Clarice Beatriz da Costa Söhngen e Prof. Álvaro Severo, em 01 de julho de 2010. 2 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. 189. 3 DERRIDA, Jacques. Força de Lei. p. 9. 4 DERRIDA, Jacques. Força de Lei. p. 9

 

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A progressiva formalização do Direito, que iria culminar com sua especialização como Disciplina, guarda conexão com a estrutura da ciência moderna. Qualquer proposição que não se inscrevesse no horizonte teórico do Direito Moderno, codificado e determinista, bem como não fosse conforme às regras do discurso jurídico, não formulavam senão um erro Disciplinado. Trata-se de uma margem de controle do Direito, imerso nos instrumentos de controle Disciplinar do discurso denunciado por Michel Foucault. O estabelecimento de uma moldura Disciplinar, codificada, faz com que a relevância jurídica da vida concreta dependa de sua coadunação aos conceitos abstratos do Código Civil para auferir relevância jurídica. Caso contrário: Vida Nua! Gize-se que a estrutura Disciplinar do Direito Moderno cria uma dimensão autoritária na epistemologia jurídica, na medida em que é segregada de sua dimensão social, dando conta, apenas, da manutenção da sua estrutura formal, alheia a realidade. Sob a égide do Liberalismo Econômico e Jurídico, a proteção jurídica das relações privadas encontrava-se precisamente insculpidas nas páginas do Código Civil. Entretanto, este mesmo sistema jurídico desconhecia por completo qualquer relação estranha às páginas de sua codificação. Deste modo, a redução do Direito Privado a uma esfera codificada proporciona o desenvolvimento de um monismo jurídico, cuja manifestação autoritária se reflete na marginalização jurídica daquelas pessoas e condutas que não estão disciplinadas no Código Civil: Vidas Nuas. A pauta epistemológica do Direito Disciplinar limita-se a resolver seus problemas formais. Tratando-se de um sistema fechado, não consegue dar cabo das diversas mutações sociais. Na ausência de previsão legal, não existe para o Direito Disciplinar, de matiz positivista. Em que pese existir para a vida real. Por isso, impõe-se uma rigorosa genealogia5 do discurso jurídico, desde sua criação como ciência disciplinar e positiva, embasada no paradigma da modernidade, desconstruindo-a, até seus desdobramentos na contemporaneidade.                                                                                                                         5

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. P.. 15 e 16. “Paul René se engana, como os ingleses, ao descrever gêneses lineares, ao ordenar, por exemplo, toda a história da moral através da preocupação com o útil: como se as palavras tivessem guardado seu sentido, os desejos sua direção, as idéias sua lógica; como se esse mundo de coisas ditas e queridas não tivesse conhecido invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias. Daí, para a genealogia, um indispensável demorar-se: marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de toda finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se os esperava e naquilo que é tido como não possuindo história – os sentimentos, o amor, a consciência, os instintos; apreender seu retorno não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrar as diferentes cenas

 

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O DIREITO MODERNO ENQUANTO PROJETO DO ILUMINISMO Cediço da importância ao Direito, do advento da modernidade, inserido no

contexto do Iluminismo. Este moldou a gênese do conhecimento jurídico ocidental de cunho republicano, identificando-o a um conjunto de leis positivas como “expressão de soberania nacional”. 6 Berço da civilística clássica, a modernidade do Direito,7 sob os influxos da Escola da Exegese,8 cria estreitos vínculos com a concepção de sistema, reduzindo o Direito à lei, em prol de uma concepção legalista de segurança jurídica e segurança econômica que advinham da recente concepção de liberdade. Cumpre lembrar, que a progressiva falência do Antigo Regime deu azo ao desenvolvimento de uma nova organização estatal, “emburguesada”,9 cuja força revolucionária proveio de homens que não se conformavam com os costumes de uma sociedade “antiquada que dividia os homens em castas, em corporações, em classes e tornavam seus direitos ainda mais desiguais que sua condição”. 10 Com ânimo, então, de eliminar o regime Absolutista e seus privilégios de classe, “o liberalismo jurídico consagrou, no século XIX, a completude e unicidade do direito, que passou a ter como fonte única o Estado”,

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cujos novos postulados fundamentais

compreendem: “poder ideologicamente emanado do povo, a neutralidade das normas com relação a seu conteúdo, e a concepção do homem como sujeito abstrato”. 12                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             onde eles desempenharam papéis distintos; e até definir o ponto de sua lacuna, o momento em que eles não aconteceram (Platão em Siracusa não se transformou em Maomé). A genealogia exige, portanto, a minúcia do saber, um grande número de materiais acumulados, exige paciência. Ela deve construir seus ‘monumentos ciclópicos’ não a golpe de ‘grandes erros benfazejos’ mas de ‘pequenas verdades inaparentes estabelecidas por um método severo’. Em suma, uma certa obstinação na erudição. A genealogia não se opõe à história como a visão altiva e profunda do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teologias. Ela se opõe à pesquisa da ‘origem’.” 6 Termo usado por Chaïm PERELMAN, Lógica Jurídica, p. 21. 7 Este grande projeto das Luzes, segundo Jean Marie. DOMENACH, em Abordagem à Modernidade, tem início “com os libertinos do século XVII, se acentua no XVIII para triunfar com a destituição da nobreza e a morte do rei”7. 8 Segundo Chaïm PERELMAN, em Lógica Jurídica, p. 31, a Escola da Exegese “pretendia realizar o objetivo que se propuseram os homens da revolução, reduzir o direito à lei, de modo mais particular, do direito civil ao Código de Napoleão”. 9 LEFEBVRE, Georges. A Revolução Francesa. p. 494. 10 TOCQUEVILLE, Alexis. O Antigo Regime e a Revolução. p. 187. 11 RAMOS, Carmem Lúcia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In. Luiz Edson FACHIN (Coord). Repensando os Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. p. 4. 12 RAMOS, Carmem Lúcia Silveira. A constitucionalização do direito privado e a sociedade sem fronteiras. In. Luiz Edson FACHIN (Coord). Repensando os Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. p. 4.

 

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O paradigma de segurança almejado pela burguesia iluminista, com forte influência do liberalismo econômica da época, “levaram a construção de uma nova ordem jurídica, onde se esvazia a tradição do velho direito e se protege o novo, representado pela dogmática da lei escrita”,13 insculpida no Código Civil, reconhecido como Constituição do Homem Privado. Assim, explica Jussara Meirelles, “o sistema passou a outorgar um título a um sujeito sobre um objeto; e, sob essa ótica, as codificações na concepção clássica (e dentre elas o Código Civil Brasileiro) têm como pessoa o senhor das coisas, o senhor do espaço privado”.14 Este homo economicus,15 inserido no Código Civil, almeja de suas relações jurídicas e econômicas segurança e previsibilidade. Por isso, sob influxo do liberalismo econômico desenvolve-se um Direito que privilegia as ideias de contrato (pacta sunt servanda) e propriedade privada. Neste diapasão, o contexto que marca a emancipação da vontade do sujeito, sob a égide do estatuto de liberdades civis, em especial os direitos políticos, vem consolidar o liberalismo econômico e político no seio do sistema jurídico, privilegiando a livre manifestação da vontade e a livre iniciativa. Em outras palavras: um contrato.16 Almejase, assim, que o Estado se abstenha de intervir nas relações privadas. Limitando-se a garantir o status quo.17 Gize-se que o ânimo de previsibilidade e ordem dialoga com uma concepção de ciência genuinamente moderna. Esta ciência, diga-se de passagem, na mesma medida que passa a explicar o mundo, faz do homem seu objeto. As relações privadas deste homem, liberto dos grilhões do antigo regime por ser dotado de razão, submetessem ao crivo do método da ciência moderna.

                                                                                                                        13

PEREIRA, Luís Fernando Lopes. Razão (Crítica) Moderna e Direito: Por uma mentalidade jurídica emancipatória. Acessado em 10 de março de 2011, às 22h31min. http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/manaus/direito_racion_democ_luis_l_pereira.pdf. 14 MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial. In. Luiz Edson FACHIN (Coord). Repensando os Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. p. 95. 15 ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no Discurso Jurídico. p. 90. 16  ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no Discurso Jurídico. p. 112: Cumpre notar, que “é desse contrato, ápice da expressão moderna da vontade (dit contratuél, c’est dit just, ou ainda, o contrato faz lei entre às partes), ápice da expressão da órbita do Privado, que nasce o Estado Moderno. Já em Rousseau, mas corporificado em Locke, do Contrato Social”. 17 ARONNE, Ricardo. Razão e Caos no Discurso Jurídico. p. 112: “A saúde da nação será garantida pela Lei do Mercado, oferta e procura assegurada pela condição negativa do Estado, conforme a fórmula revelada por Adam Smith. Lex Mercatoria”.  

 

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Este método pode ser ilustrado através da metáfora, “funcionando como um relógio”, do matemático Ian Stewart. Elucida-se, deste modo, a pretensão de confiabilidade e ordem almejadas do conhecimento científico. Afinal, “uma máquina é acima de tudo previsível. Sob condições idênticas fará coisas idênticas”. 18 A produção de um mundo físico, preciso como um relógio19 atinge seu auge na publicação da obra Principia mathematica de Isaac Newton. A revolução no pensamento científico que culminou em Newton conduziu a uma visão do universo como uma gigantesca engrenagem, funcionando 20 “como um relógio”.

Imerso neste paradigma, nascem as Ciências Humanas normalizando as relações do homem. Surgem, assim, as disciplinas hodiernamente conhecidas como “Humanas”, aqui incluídas o Direito, a Medicina, a Economia e a Sociologia, e.g. Em termos epistemológicos, insculpido para enaltecer as noções de segurança e determinação, o Direito moderno, na concepção Disciplinar fornecida pela modernidade, “aliou os métodos da ciência jurídica ao método das ciências da natureza”.

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Primou pela “dedução exata e precisa dos axiomas estabelecidos”,

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de

modo que dispensasse qualquer interpretação estranha ao próprio texto jurídico. Esta concepção de sistema jurídico, como Disciplina, oriundo da modernidade, bem com da Escola da Exegese, está inserido em contexto de Estado de Direito Republicano, dialogando com Montesquieu e mostrando-se fiel ao princípio da separação dos poderes. Este princípio, segundo Montesquieu, diz que não há liberdade quando o poder Legislativo está reunido ao Executivo ou ao Judiciário, uma vez que o poder de fazer as leis, executá-las e cumpri-las estará concentrado. Portanto, para o autor, os juízes da nação são apenas “a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não podem nem moderar a força nem o rigor dessas palavras”. 23                                                                                                                         18

STEWART, Iam. Será que Deus Joga Dados? A matemática do Caos. p. 15. STEWART, Iam. Será que Deus Joga Dados? A matemática do Caos. p. 15. 20 STEWART, Iam. Será que Deus Joga Dados? A matemática do Caos. p. 15. 21 CARDOSO, Simone Tassinari. Modernidade, ambigüidade e direito civil-constitucional :da miragem da segurança à incerteza como imanência [documento eletrônico]. Porto Alegre, 2007. Dados eletrônicos. http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=990 22 CARDOSO, Simone Tassinari. Modernidade, ambigüidade e direito civil-constitucional :da miragem da segurança à incerteza como imanência [documento eletrônico]. Porto Alegre, 2007. Dados eletrônicos. http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=990 23 MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, Do Espírito das Leis. p. 175. 19

 

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Como expõe Norberto Bobbio, “a subordinação dos juízes à lei tende a garantir um valor muito importante: a segurança do direito, de modo que o cidadão saiba com certeza se o próprio comportamento é ou não conforme à lei”. 24 No mesmo diapasão, afirma Chaïm Perelman, “a passividade do juiz satisfaz nossa necessidade de segurança jurídica”.

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Ademais, segundo o autor, “o direito é um

dado que deve poder ser conhecido por todos do mesmo modo”.26 A espelho do conhecimento científico da época, o Direito almejou constituir-se em um instrumento perfeito, completo e coerente. Tanto quanto o paradigma do mundo físico, o conhecimento jurídico havia se transformado em uma Disciplina moderna, ou seja, em um sistema formal.27 A exigência de coerência e completude se impõe no sistema jurídico moderno, de modo fundamental, na medida em que, perante contradições e lacunas, o juiz deveria criar o Direito, no caso concreto, o que vinha de encontro ao princípio da separação dos poderes. Autêntica manifestação do exposto encontra-se no artigo 4º do Código de Napoleão, in verbis: “O juiz que se recusar a julgar sob o pretexto do silêncio, da obscuridade ou da insuficiência da lei, poderá ser processado como culpável de justiça denegada”. 28 Diante disso, resta evidente o trato que deveria guardar o magistrado com o Direito: completo e sem lacunas, imperfeições, antinomias ou contradições que o levassem a interpretação da norma. Mais ainda, acreditava-se que o Código de Napoleão “tivesse sepultado todo o direito precedente e contivesse em si as normas para todos os possíveis casos futuros, e pretendia fundar a resolução de quaisquer questões na intenção do legislador”. 29 Assim, explica Chaïm Perelman, “foi nesta perspectiva que os juristas da escola da exegese se empenharam em seu trabalho, procurando limitar o papel do juiz ao estabelecimento dos fatos e à sua subsunção sob os termos da lei”.

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Mais

                                                                                                                        24

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. p. 40. PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. p. 32. 26 PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. p. 32. 27 PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. p. 384: “Um sistema formal não tolera nenhuma intervenção exterior: porque é fechado, porque os elementos que o constituem são dados de uma vez por todas, porque seus princípios iniciais e suas regras de inferência estão fora de discussão, a intervenção de um terceiro nada de novo lhe pode trazer, a não ser que vise a substituir o sistema por outro”. 28 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. p. 74. 29 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico. p. 77. 30 PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica. p. 35. 25

 

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especificamente, aos termos do Código de Napoleão, cuja descrição presente em John Gilissen, parafraseando René Dekkers, transcreve-se, in verbis: O Code Napoléon constitui uma ode ao bom pai de família, ao indivíduo dotado de razão, tal como o pintam o cartesianismo, a escola jusracionalista e filosofia de Kant. Este homem procede, claro está, de acordo com a sua razão. É previdente e diligente. Faz livremente os seus negócios; e fá-los bem, por definição. Fazendo isto, junta uma fortuna. Esta fortuna é destinada 31 à sua família.

A estrutura do Código de Napoleão, descrita por René Dekkers, representa o “roteiro codificado da vida burguesa”.

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Em outras palavras, a atuação do poder

Disciplinar na vida dos homens. Assim, se é verdade que “a história do direito privado da época moderna ocupa-se dos pressupostos culturais e científicos do direito privado de hoje”,

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conforme ensina

Franz Wieacker, o Direito Civil brasileiro é herdeiro desta concepção moderna 34. Por oportuno, salienta-se que esta concepção de Direito, proveniente da modernidade, resumidamente descrita por Simone Tassinari Cardoso, representa o sustentáculo, no domínio econômico, do modo de produção liberal capitalista, tão caro à burguesia revolucionária. Nas palavras de Luiz Edson Fachin, “conciliando liberdade formal e segurança, a base da teoria geral das relações privadas foi o que sustentou, no domínio econômico, o laissez-faire da Escola Liberal”. 35 Isso porque, na medida em que se limitou a atividade do juiz apenas “a boca que pronuncia as palavras da lei; seres inanimados que não podem nem moderar a força nem

                                                                                                                        31

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 536. ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p. 90. 33 WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. p. 1. 34 CARDOSO, Simone Tassinari. Modernidade, ambigüidade e direito civil-constitucional :da miragem da segurança à incerteza como imanência [documento eletrônico]. Porto Alegre, 2007. Dados eletrônicos. http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=990: "A cisão clara entre Direito Público e o Privado, a concepção de Direito como sistema fechado, a ideia de completude, a distinção entre Estado e sociedade civil, a noção absoluta de propriedade, o contrato como símbolo máximo de igualdade formal, e o standard familiar hierarquizado e essencialmente matrimonializado, são alguns exemplos desta influência da modernidade na normatização civil brasileira. Ao lado disso, as características da busca por certeza, a existência do dogma da completude e a elaboração de normas claras e precisas, dispensando interpretações, também comparecem na origem do Direito Civil brasileiro". 35 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. p. 211. 32

 

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o rigor dessas palavras”,

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delegou-se ao Estado, através do poder Legislativo, a

promulgação e interpretação do ordenamento jurídico. Nesta concepção, cabe ao Estado, por intermédio do poder legiferante, distinguir “o direito do não-direito; por essa via, fica fora do sistema o que a ele não interessa”. 37 Ou seja, o Direito Disciplinar passa a ser a manifestação autêntica da vontade daqueles que se encontram no controle do Estado. Em razão disso, conforme ensinamento de Ricardo Aronne, quando se reduz o sistema jurídico à Lei, como ocorre na Escola da Exegese em relação ao Código de Napoleão, aprisiona-se o homem em um “roteiro codificado da vida burguesa, entrincheirando seus quatro personagens principais: Marido, contratante, proprietário e testador”. 38 Corroborando o exposto, Luiz Edson Fachin, in verbis: O contrato, como expressão mais acabada da suposta autonomia da vontade; a família, como organização social essencial à base do sistema, e os modos de apropriação, nomeadamente a posse e a propriedade, como títulos explicativos da relação entre as pessoas e sobre as coisas.39

Para este doutrinador, tratando-se de um Direito Disciplinar, “tudo ainda se resume a ingressar nesse foro privilegiado do sujeito de Direito: aquele que tem bens, patrimônio sob si, compra, vende, pode testar, e até contrair núpcias. Para esse, o mundo do direito articulado sob as vestes da teoria do Direito Civil; para os demais, o limbo”. 40 Este projeto burguês, de compromisso com a parcela da população detentora dos meios de produção, sob os auspícios do poder Disciplinar, pode-se chamar de patrimonialismo. Trata-se de um axioma que iria acompanhar as construções jurídicas modernas, propagando seus efeitos hodiernamente. A modernidade chega às terras latino-americanas tardiamente. No Brasil, somente em 1889, sob o manto do positivismo que coloca seu sinete na flama nacional. O positivismo científico, nascido na França, no auge na Revolução Industrial, guarda coerência com os ensinamentos da Escola da Exegese, sua compatriota. De                                                                                                                         36

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de, Do Espírito das Leis. p. 175. FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. p. 213. 38 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. P. 90. 39 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. p. 10. 40 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. p. 216. 37

 

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semelhante: as duas possuem enorme influência nas construções jurídicas que viriam a ser concretizadas no Brasil. Sob o olhar do positivismo científico, transviado de positivismo jurídico, a República do Brasil tomou forma no ano de 1889. Os detentores do meio de produção da época dão forma ao novo Estado Republicano. Gize-se, de modo tão marcante que elegeriam os presidentes da República até o ano de 1930. O Código Civil brasileiro, a exemplo do legado francês, “colocou-se, em conjunto, acima da realidade brasileira, incorporando ideais e aspirações da camada mais ilustrada da população”.41 Segundo informações demográficas da época, apenas uma pequena parcela da população, detentora dos meios de produção, foi beneficiada na ocasião de sua promulgação42. O limbo jurídico a que foram submetidos os não detentores dos meios de produção, remete ao mesmo ideal a que o próprio sistema jurídico, Disciplinar, submete algo que lhe é estranho, o considera inexistente: união entre homossexuais, e.g. No mesmo sentido, cumpre lembrar que as relações humanas havidas fora do casamento eram plenamente ignoradas pelo sistema jurídico, que reconhecia como Família apenas as relações havidas no seio do casamento civil. As demais relações jurídicas entre pessoas eram taxadas de sociedade de fato – concubinato. A apreciação jurisdicional dos litígios envolvendo pessoas não casadas, mas em concubinato, ou sociedade de fato, não era recepcionada pelo Direito de Família, cuja competência era declinada para as varas cíveis que apreciavam as relações de concubinato, sua dissolução, bem como aplicava a favor das mulheres indenização43 por serviços prestados ao homem.

                                                                                                                        41

GOMES, Orlando. Raízes históricas e sociológicas do Código Civil brasileiro. p. 45. ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos Direitos Reais Limitados. p. 89/90:"Conforme dados oficiais, ao tempo da edição do Código Civil brasileiro, a população nacional era de nove milhões novecentos e trinta mil quatrocentos e setenta e oito habitantes, dos quais quatrocentas mil integravam famílias detentoras dos meios de produção e para os quais se positivou o Código. As demais pessoas – o proletariado de então – restaram excluídas, considerando se tratar de um milhão de índios, cinco milhões de agregados das fazendas e engenhos, e finalmente o milhão e meio final era de escravos libertos." 43 AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCOMPETENCIA MANIFESTADA "EX OFICIO". DECISAO AGRAVAVEL. ACAO ORDINARIA VISANDO RECONHECIMENTO DE CONCUBINATO E PLEITEANDO INDENIZACAO PELOS SERVICOS PRESTADOS. COMPETENCIA DAS VARAS CIVEIS. A CONSTITUICAO DE 88 NAO REVOGOU NORMAS ESTABELECIDAS NO COJE A RESPEITO DA COMPETENCIA DAS VARAS DA COMARCA DA CAPITAL. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 589040526, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mário Augusto Ferrari, Julgado em 10/08/1989). 42

 

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No que tange à filiação havida fora do casamento, taxados de ilegítimos, espúrios44 ou bastardos, cumpre salientar que não eram estes admitidos no modelo de família codificada, mas relegados ao limbo jurídico estigmatizado da bastardia. Discriminados45 por um modelo de Direito Disciplinar. O paradigma de racionalidade moderna Disciplinar existente no Direito Civil é um dos grandes fatores desta exclusão social. Todo aquele interesse que não consta no restrito disciplinamento do Direito Civil não é abrangido pelo manto protetor do Direito. Nesse sentido, tudo que não está codificado não existe para o Direito, em que pese existir para a vida real. As limitações epistemológicas presentes no discurso jurídico dão cabo de um Direito Privado Clássico, cujo projeto, proveniente de um setor restrito da população, “coerente com a feição dos códigos do século XIX ”, 46 não se coaduna com o hodierno projeto constitucional do Brasil, pois “outro é o horizonte contemporâneo”. 47 No entendimento de Gustavo Tepedino, “isso significa que o indivíduo, elemento subjetivo basilar e neutro do direito civil codificado, deu lugar, no cenário das relações de direito privado, à pessoa humana, para cuja promoção se volta a ordem jurídica como um todo”. 48 Principalmente após a promulgação da Carta Constitucional de 1988, o princípio da dignidade da pessoa humana49 passa a ser o epicentro das construções jurídicas, em detrimento do patrimonialismo burguês, em um processo contínuo de repersonalização50 do Direito.                                                                                                                         44

ALIMENTOS. ACAO PROPOSTA PELO FILHO ESPURIO, CONTRA O PAI. COMPROVADA SATISFATORIAMENTE A FILIACAO, JULGA-SE PROCEDENTE A ACAO. RECURSO PROVIDO. (Apelação Cível Nº 35137, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bonorino Buttelli, Julgado em 10/12/1980). 45 HERANCA. O FILHO ADULTERINO RECONHECIDO RECEBE UMA QUOTA IGUAL A METADE DA DOS FILHOS LEGITIMOS OU LEGITIMADOS, SE COM ESTES CONCORRER. ALCANCE DA LEI 883 DE 21-10-1949, EM VIGOR A DATA DA ABERTURA DA SUCESSAO, NO CASO. APELACAO NAO PROVIDA. (Apelação Cível Nº 36425, Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Bonorino Buttelli, Julgado em 27/05/1981). 46 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. p. 25. 47 FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do Direito Civil. p. 25. 48 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil – Tomo II. p. 340. 49 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil – Tomo II. p. 342: “A dignidade da pessoa humana constitui cláusula geral, reveladora das estruturas e da dogmática do direito civil brasileiro. Opera funcionalização das situações jurídicas patrimoniais às existenciais, realizando assim processo de verdadeira inclusão social, com a ascensão à realidade normativa de interesses coletivos, direitos da personalidade e renovadas situações jurídicas existenciais, desprovidas de titularidades patrimoniais, independentemente destas ou mesmo em detrimento destas". 50 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p. 45: “Migrando o patrimônio para a periferia, deixando ao homem em sua

 

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Entretanto, na contramão, o Direito Civil brasileiro permanece arraigado a um projeto que lhe é estranho, baseado no patrimonialismo, ainda presente na menos arejada doutrina e jurisprudência nacional. 51 Como reflexo disso, dá-se origem a um Direto Civil distante da realidade social, cujos cidadãos jurisdicionados, excluídos deste projeto, sentem-se estrangeiros neste privado âmbito de regulamentação do Direito Civil. Revela-se, deste modo, um horizonte de paradoxos que o Direito Privado, de matriz oitocentista, ainda ignora. Pode-se dizer, por isso, que o hodierno discurso jurídico encontra-se perdido entre os véus de Themis52 e os paradoxos de Janus.53 Entre o Determinismo e a Complexidade. Entre o Homo Sacer desenhado pelo Código Civil e a Dignidade Humana, insculpida na Constituição Federal de 1988. 3

CODIFICAÇÃO E VIDA NUA: DO HOMO SACER AO PROLETÁRIO No rastilho da modernidade e sob o influxo da ciência oitocentista, a

epistemologia do Direito passa a ser submetida a um monismo jurídico. Trata-se do projeto da moderna sociedade burguesa na construção de um Direito capaz de alicerçar as pretensões, políticas e econômicas, oriundas desta nova organização estatal, “emburguesada”. 54 Vislumbra-se, pois, que o Direito moderno cria estreita relação com o Estado Burguês que passa a ter o monopólio de produção das fontes do Direito. Este adquire,                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             antropomórfica dimensão intersubjetiva, o centro dos interesses protetivos do sistema jurídico, a propriedade e suas manifestações passam a guardar um papel instrumental”. 51 CARDOSO, Simone Tassinari. Modernidade, ambigüidade e direito civil-constitucional :da miragem da segurança à incerteza como imanência [documento eletrônico]. Porto Alegre, 2007. Dados eletrônicos. http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=990. : “O Direito Civil brasileiro, classicamente, herdou da modernidade algumas características que permanecem arraigadas nas decisões jurídicas do cotidiano”. 52 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p. 23/24: “No templo moderno de Themis, não há adoração possível para Janus. Como a deificação ocorre pelo discurso, não há signos remissíveis a incerteza e sua simples referencia já é suficiente para marginalização. Quem não crê na divindade da norma ou referencia, como dogma e certeza, portanto fé, “autopetrifica-se”, no altar Iluminista dos Deuses da Razão, que centralizou o olhar cartesiano dos fiéis no templo (sem ídolos?) da Scientia”. 53 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p. 23/24: “Em Roma, Janus era o Senhor das Muitas Portas, das Partidas e das Chegadas. O deus que representava o Alfa do Início. O Começo. Também representa Ómega do Final. Por ser o ponto de junção entre o passado e o futuro, representava também o presente. A contemporaneidade. Não por acaso, em As Metamorfoses, Ovídio (43ac-17dc) o denominava Caos”. 54 LEFEBVRE, Georges. A Revolução Francesa. p. 494: “No fim do Antigo Regime, o Estado, encarnado pelo rei absolutista por direito divino, guardava ainda um caráter pessoal. Todavia, desde o século XVII, uma administração centralizada tendia a fazer prevalecer seus regulamentos burocráticos e emburguesava o Estado, racionalizando-o”.

 

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assim, uma dimensão de poder, na medida em que é conduzido a uma normatização Disciplinar de sua estrutura, nos moldes apresentados por Michel Foucault. 55 No entendimento de Paolo Grossi, esta estrutura Disciplinar do Direito moderno acaba por criar uma dimensão autoritária na epistemologia jurídica, ocasionando uma segregação de sua dimensão social. É o que se denota do trecho transcrito, in verbis: A grande operação que se consolidou na França no final do século XVIII, e que tende desesperadamente a reduzir o direito na lei possui vários significados, mas existe um sobre o qual a apologética liberal sempre sobrevoou e que, ao contrario, convém salientar devido a sua incisividade sobre futuros desenvolvimentos: tinha-se plena consciência da enorme relevância do direito, de todo o direito, obviamente também do direito privado em uma cultura particularmente burguesa atentíssima à esfera patrimonial; consequentemente, tendia-se a sua monopolização por parte do poder; consequentemente, vincula-se intimamente, quase que indissoluvelmente, direito e poder; consequentemente, o direito, que por todo o transcorrer da civilização medieval foi dimensão da sociedade e, por isso, manifestação fundamental de toda uma civilização, torna-se dimensão de poder e por esse fica marcado na sua intimidade. Em outros termos, exasperase a dimensão autoritária do ‘jurídico’, exasperando também a sua alarmante 56 separação do social.

A redução do Direito Privado a uma esfera legal proporciona o desenvolvimento de um monismo jurídico de fontes estatais, cuja manifestação autoritária se reflete na marginalização legislativa daquelas pessoas e condutas que não estão disciplinadas no Código Civil. Além do mais, “se o Código fala a alguém, esse alguém é a burguesia”. 57 Por isso, entende Paolo Grossi que “não está errado o homem do povo, mesmo em nossos dias, que traz em si ainda fresco os cromossomos do proletário da idade burguesa quando desconfia do Direito: o percebe como alguma coisa que lhe é completamente estranha”. 58 Esta desconfiança do “homem do povo”, que carrega os cromossomos do proletário, se dá em um contexto de Vida Nua, cujas condutas e relações o Direito Disciplinar moderno desconhece. Trata-se de uma vida natural desprovida de juridicidade, cuja proteção não interessa ao Direito Privado. Cumpre lembrar que nesta época moderna houve “uma descoberta do corpo como objeto e alvo do poder”. 59 Trata-se da “crescente implicação da vida natural do homem                                                                                                                         55

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. p. 64. 57 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. p. 64. 58 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. p. 129. 59 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. p. 132. 56

 

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nos mecanismos e nos cálculos do poder”,

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o que ficou conhecido, a partir de Michel

Foucault, como biopolítica. Na concepção de Giorgio Agamben,61 a Vida Nua natural é o elemento político que inaugura a biopolítica da modernidade, haja vista que sua figura é segregada da figura do cidadão, portador dos direitos insculpidos na declaração de 1789. Assim, conforme lembra este autor, “os ditos direitos sagrados e inalienáveis do homem mostram-se desprovidos de qualquer tutela e de qualquer realidade no mesmo instante em que não seja possível configurá-los como direitos dos cidadãos de um Estado”. 62 Os mecanismos de poder Disciplinar, inaugurados com a biopolítica, reconhecem, assim, o cidadão como portador de direitos políticos. Apenas em razão dessa qualidade adquire importância para o Estado, passando a ser portador de Direitos Civis. Os demais são relegados a uma Vida Nua! Gize-se que é neste contexto de biopolítica que surge a “objectivação do ser humano, e por conseguinte, o nascimento das ciências humanas”, 63 tais como o Direito, a Medicina, a Economia, e.g., marcando também a criação do Sujeito, sob o influxo dos “mecanismos objetivizantes da normalização”64 que Michel Foucault denomina de Disciplina. Assim, revela-se um horizonte Disciplinar criador de Vidas Nuas. Salienta-se que as ciências humanas libertam o homem medieval dos grilhões da servidão medieval, mas os aprisiona nas estruturas das Disciplinas modernas, para depois serem depositados nas fábricas da Revolução Industrial. Deste modo, a epistemologia jurídica inserida neste paradigma moderno também é criadora de Vidas Nuas. Isso porque, para os detentores dos meios de produção da época a burguesia, o Direito Privado Clássico oferece proteção à propriedade privada e à livre manifestação de vontade. Sob o influxo do liberalismo econômico, a proteção jurídica das relações burguesas encontrava-se precisamente insculpidas nas páginas do Código Civil. Entretanto, este mesmo sistema jurídico desconhecia por completo qualquer relação estranha às páginas de sua codificação.                                                                                                                         60

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. p. 116. AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. 62 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. p. 123. 63 TOURAINE, Alain. Critica da Modernidade p.199. 64 TOURAINE, Alain. Critica da Modernidade p.200. 61

 

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Assim, e.g., no Direito das Coisas, um dos três pilares do Direito Civil Clássico, o princípio da propriedade privada vem dar guarida ao ânimo burguês de não intervenção na propriedade alheia. Todas as demais pessoas, que não são proprietários ou possuidores, não são sujeitos para o Direito das Coisas. Sua relação com o Direito se limita a não intervir no Direito de outrem. São incluídos no Direito como Vida Nua, para serem excluídos. No Direito de Família, tanto as relações pessoas havidas fora do instituto do casamento, denominadas de sociedade de fato ou concubinato,65 quanto os filhos oriundos desta relação, discriminadamente chamados de ilegítimos, espúrios ou bastardos, não eram abrangidos pela disciplina do Direito, mas excluídos como Vida Nua. Sob essa lógica proprietária e privatista, às Vidas Nuas, destinadas ao descarte social, restam apenas os modernos instrumentos de controle social, tão caros ao Direito Penal. É o que se denota do ensinamento de Ricardo Aronne, in verbis: Construído Estado e Direito em torno dessa lógica proprietária e privatista, resta apenas aparelhá-lo com os modernos instrumentos disciplinares eficazes e coerentes ao paradigma jocosamente vitorioso. Importa remeter ao descarte social, àqueles que se distanciem dos padrões a serem consumidos, mantidos 66 e reproduzidos.

O único modo que esta Vida Nua encontra para poder entrar no mundo do Direito é através da porta do Direito Criminal, cujo bem jurídico protegido, com mais ênfase, é o patrimônio. Tanto é que o tipo penal com pena abstrata cominada mais elevada no hodierno Código Penal brasileiro é o latrocínio: roubo seguido de morte, artigo 157, §3º do Decreto Lei 2848/40. Assim, um homicídio tem tipo distinto para o latrocínio, em detrimento de qualquer contexto social em que se produza. Prepondera no tipo penal em

                                                                                                                        65

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETENCIA. ACAO DE INDENIZACAO POR PRESTACAO DE SERVICOS DOMESTICOS, MOVIDA PELA CONCUBINA CONTRA O EX-COMPANHEIRO. CONTITUICAO FEDERAL, ART-226, PAR-3. EFEITOS PROCESSUAIS. O PRECEITO DO PAR3 DO ART-226 DA CARTA MAGNA, DE 1988, APENAS RECONHECEU COMO ENTIDADE FAMILIAR A UNIAO ESTAVEL ENTRE HOMEM E MULHER, MAS LHE NAO OUTORGOU O "STATUS" DE CASAMENTO, E, EM MATERIA PROCESSUAL, NADA INOVOU. SIMPLES ACAO DEINDENIZACAO POR SERVICOS DOMESTICOS PRESTADOS PELA COMPANHEIRA AO COMPANHEIRO NAO PODE SER CONVERTIDA EM ACAO DE FAMILIA PARA SER PROCESSADA EM VARA ESPECIAL. COMPETENCIA DO FORO CIVEL COMUM. (Conflito de Competência Nº 590029716, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Celeste Vicente Rovani, Julgado em 26/06/1990). 66 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p.116.

 

15   análise, o elemento patrimonial em primazia do contexto social em que se desdobre o qualificado crime. Qual o bem penal em tutela, na razão última da 67 jurisdição criminal? A vida ou a propriedade privada??  

Este paradigma de exclusão é reflexo de um Direito Privado imerso no paradigma das Disciplinas. Afinal, na mesma medida em que é o hospício responsável por (re)produzir o louco como doente mental, a partir da instauração de relações Disciplinares de poder, 68 é o Código Civil o (re)produtor de Vidas Nuas proletárias do Direito moderno, desprovidas de qualquer juridicidade. A segregação desta Vida Nua natural daquela outra investida de relevância jurídica é o momento fundamental para o Direito Disciplinar. Assim, explica Jussara Meireles, “na ordem jurídica, a pessoa é um elemento científico, um conceito oriundo da construção abstrata do Direito. Em outras palavras, é a técnica jurídica que define a pessoa, traçando seus limites de atuação”. 69 Investido na qualidade de ator do mundo do Direito, esta Vida Nua ganha relevância jurídica e passa a ser designada como Sujeito de Direito: pólo das relações jurídicas de Direito Privado. Grife-se que somente nesta qualidade é compreendido como pessoa. Fora desta relação, não passa de uma Vida Nua sem relevância jurídica para o Direito. Em um contexto de Vida Nua, como elemento político originário, o Direito passa a ser o poder Disciplinar que investe algumas destas vidas naturais na qualidade de sujeitos de Direito. Estas pessoas, precisamente discriminadas no Código Civil, são os atores principais da relação jurídica, podendo representar o papel de contratante, de pater família, o de testador, o de proprietário, etc. Ou seja, pessoa é um elemento criado na medida em que a lei lhe atribui faculdade e atribuições de agir, cujas relações já estão previamente discriminadas no Código Civil, desde sua concepção até a sucessão de seus bens, através do Direito das Sucessões. Por isso, “o que movimenta juridicamente a pessoa codificada não são seus anseios, seus sonhos, suas necessidades pessoais, mas os interesses patrimoniais que representa”. 70                                                                                                                         67

ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p.116. 68 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. XIX. 69 MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial. In. Luiz Edson FACHIN (Coord). Repensando os Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. p. 90. 70 MEIRELLES, Jussara. O ser e o ter na codificação civil brasileira: do sujeito virtual à clausura patrimonial. In. Luiz Edson FACHIN (Coord). Repensando os Fundamentos do Direito Civil Brasileiro Contemporâneo. p. 92.

 

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Resta cristalino, então, que o próprio Direito alimenta a exclusão de suas Vidas Nuas, desprovidas de patrimônio. São vidas inadequadas à moldura imposta pelo Sistema Disciplinar, cujo reconhecimento pelo Direito remonta exclusivamente à sua condição de Homo Sacer, de não intervenção no Direito de seus sujeitos. Afinal, “o jogo do capital é o jogo do Direito Civil Tradicional”.

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Nos três

pilares do discurso privatista, que marca a sua fundação (propriedade, família e contratos), as relações patrimoniais representam o epicentro de suas construções epistemológicas. Portanto, aquele que não tivesse patrimônio não era sujeito de Direito, mas uma simples Vida Nua. Neste diapasão, transcreve-se ensinamento de Ricardo Aronne, in verbis: Portanto, aquele que não tivesse patrimônio era sujeito do direito das coisas, obrigações e contratos na sua concepção tradicional? Considerando ser o sistema jurídico identificado à lei pelo discurso positivista que alimentava o paradigma da época, a resposta é não. Sequer no direito de família haveria guarida ao menor estigmatizado ilegítimo, no estatuto da bastardia consolidador do aristocracismo argentário burguês, napoleônico ou vitoriano. No Direito brasileiro, somente com a Constituição de 1988, a Jorge-amadeana figura da ‘teúda e manteúda’, caracterizada na companheira ou na concubina, conseguirá adentrar uma vara de família. Sem dúvida àquele que não conseguir ser sujeito do direito das coisas, obrigações ou de família, tampouco o será no direito das sucessões tradicional. Afinal o próprio Código Civil, fossificado na trincheira de sua Teoria Geral, ousará dizer como passa o tempo e o esquecimento, em prol da segurança jurídica, edificando a prescrição. Fará mais!! Dirá quem é pessoa!!! É todo aquele capaz de direitos e obrigações! Todo!! Não todos!! Quem não for capaz, não será pessoa, persona, personagem, máscara!!!! Na burlesca novela da codificação civil, de tons socialmente trágicos e politicamente pastéis. Tudo com segurança. Em nome da segurança! De quem??? Para quem??? O Direito Civil tradicional, corporificado no Código enquanto ‘Constituição do Homem Privado’ (!!!!), perfaz com isso um estatuto de exclusão. Uma navalha econômica. Um fosso social. Não existe direito privado diante do ser. 72 Apenas diante do ter. Não razão do mercado. Neutra... Para quem?  

A imposição de uma moldura jurídica que as pessoas precisam se enquadrar para poder ter relevância no mundo do Direito e, consequentemente, abandonar aquela Vida Nua, é um dos grandes fatores da criação de um saber clínico, criadora de pessoas destinadas ao descarte. Vidas Nuas.

                                                                                                                        71

ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p.115. 72 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p.116.

 

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Em outras palavras, na mesma medida em que é a “psiquiatria que cria o louco”, 73 é o Direito Disciplinar moderno o criador de seus proletários. Por isso, “as disciplinas são portadoras de um discurso que não pode ser o do Direito,”74 conforme Michel Foucault, cujo ensinamento transcreve-se, in verbis: As disciplinas são portadoras de um discurso que não pode ser o do Direito; o discurso da disciplina é alheio ao da lei e da regra enquanto efeito da vontade soberana. As disciplinas veicularão um discurso que será o da regra, não dá regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra ‘natural’, quer dizer, da norma; definirão um código que não será o da lei mas o da normalização; referir-se-ão a um horizonte teórico que não pode ser de maneira alguma o edifício do direito mas o domínio das ciências humanas; a sua jurisprudência 75 será a de um saber clínico.

Por isso, retomando Paolo Grossi, não está errado o homem do povo que desconfia do Direito, mesmo em nossos dias, pois este ainda traz em si os cromossomos do proletário da idade burguesa.

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Na mesma medida, este proletário carrega as chagas

de uma vida desprovida de juridicidade. Uma Vida Nua! Homo Sacer! Em muitos aspectos, também, um Friedlos. 77 Para esta Vida Nua – Homo Sacer ou proletária – desprovida de juridicidade, o que resta é uma perpétua fuga ou tentativa de se enquadrar no seleto mundo do Direito Disciplinar moderno, fonte epistemológica criadora de um saber clínico! Aliás, sendo a gênese do Direito Privado frequentemente atrelada às fontes romanística, como se denota usualmente nos manuais e doutrinas de Direito Civil, eis abaixo transcrito um                                                                                                                         73

FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. 122. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. 189. 75 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. p. 189. 76 GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. p. 129. 77 AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. p. 104: “Jhering foi o primeiro a confrontar, com estas palavras, a figura do homo sacer com o wargus, o homem-lobo, e com o friedlos, o ‘sem paz’ do antigo direito germânico. Ele punha assim a sacratio sobre pano de fundo da doutrina da Friedlosigkeit, elaborada por volta da metade do século XIX pelo germanista Wilda, segundo o qual o antigo direito germânico fundava-se sobre o conceito de paz (Fried) e sobre a correspondente exclusão da comunidade do malfeitor, que tornava-se por isto friedlos, sem paz, e, como tal, podia ser morto por qualquer um sem que se cometesse homicídio. Até mesmo o bando medieval apresenta características análogas: o bandido podia ser morto (bannire idem est quod dicere quilibet possit eum offendere: Cavalca, 1789, p. 42) ou era até mesmo considerado já morto (exbannitus ad mortem de sua civitate debet haberi pro mortuo: Ibidem. p. 50). Fontes germânicas e anglo-saxônicas sublinham esta condição limite do bandido definindo-o como homem-lobo (wargus, werwolf, lat. Garulphus, donde o francês loup garou, lobisomem): assim a lei sálica e a lei ripuária usam a fórmula wargus sit, hoc est expulsus em u sentido que recorda o sacer esto que sancionava a matabilidade do homem sacro, e as leis Eduardo o Confessor (1130-1135) definem o bandido wulfesheud (literalmente: cabeça de lobo) e o assemelham a um lobisomem (lupinum enim gerit caput a die utlagationis suae, quod ab anglis wulfesheud vocatur). Aquilo que deveria permanecer no inconsciente coletivo como um híbrido monstro entre humano e ferino, dividido entre a selva e a cidade – o lobisomem – é, portanto, na origem a figura daquele que foi banido da comunidade”. 74

 

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exemplo proveniente de um genuíno instituto do Direito Romano, hodiernamente presente do Direito Privado pátrio: O Homo Sacer 78. 4

PENSAMENTO

DISCIPLINAR

E

SISTEMA

FECHADO

COMO

IDEOLOGIA Na aurora do século XIX, desenvolve-se um elemento chave para o Capitalismo impor seu darwinismo econômico79 na sociedade liberal, na matriz da doutrina do Positivismo Científico – ordem e progresso. Trata-se da Revolução Industrial. As fábricas e as linhas de montagem surgem no cenário urbano europeu e se desponta um novo ritmo àquela sociedade agrária iluminista. No compasso frenético, agora, da Lex Mercatória, nos moldes revelados por Adam Smith. As forças proletárias que haviam auxiliado na batalha contra o Antigo Regime deram-se conta, progressivamente, que o alcance dos Direitos Civis e Políticos, afetos ao Liberalismo Jurídico, conquistados pela burguesia iluminista, não dialogavam com seus interesses. Muito pelo contrário. Os relegava a uma condição de Vida Nua. É o que se percebe da descrição de Ricardo Aronne, in verbis: Com a febril demarcação e consequente cerceamento de terras imanente ao Estado Mínimo, o êxodo rural difunde um infinito de odores novos, carregados de esperança e miséria, às ruas das principais capitais europeias. Proletários. Os fiéis que chegavam em um mundo edificado em torno de um novo e sedento deus. O Mercado. Logo ele que lhes exigiria seus sacrifícios e tributos. Um novo Leviatã... Talvez um faminto Astaroth, ou uma sensual 80 Lilith, começava a tomar forma.

O Proletário, personificação da Vida Nua, resta excluído do privado âmbito de tutela do Direito Privado Clássico, que se limita a proteger o patrimônio, na medida em que se abstém de qualquer intervenção no domínio econômico. Afinal, “a saúde da

                                                                                                                        78

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: O poder soberano e a vida nua I. p. 178: "Observemos agora a vida do homo sacer, ou aquelas, em muitos aspectos similares, do bandido, do Friedlos, do acquae et igni interdictus. Ele foi excluído da comunidade religiosa e de toda vida política: não pode participar dos ritos de sua gens, nem (se foi declarado infamis et intestabilis) cumprir qualquer ato jurídico válido. Além disto, a sua inteira existência é reduzida a uma vida nua despojada de todo o direito, que ele pode somente salvar em uma perpétua fuga ou evadindo-se em uma país estrangeiro". 79 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p. 115. 80 ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p. 115.

 

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nação será garantida pela Lei do Mercado, oferta e procura assegurada pela condição negativa do Estado”.81 Trata-se de uma exclusão, sob a égide dos instrumentos Disciplinares de poder, de todo aquele que não se encontra no palco regulatório do Código Civil, de cunho patrimonialista, mas no picadeiro: “o diferente, o estranho, o pobre, o estrangeiro, aquele que apenas consome a dor de não ser consumidor”,

82

proprietário, marido,

contratante ou testador, mas Vida Nua. São pessoas sem voz no discurso jurídico. Condutas cuja subsunção não afeta norma jurídica alguma. Um ponto cego no Direito de matiz codificada, cuja racionalidade científica, por si só, vergasta um tom autoritário à epistemologia jurídica. É o que se denotado do ensinamento de Boaventura de Souza Santos, in verbis: Sendo um modelo global, a nova racionalidade científica é também um modelo totalitário, na medida em que nega o caráter racional a todas as formas de conhecimento que se não pautarem pelos seus princípios .83 epistemológicos e pelas suas regras metodológicas.

A racionalidade científica, denunciada por Boaventura de Souza Santos, se impõe na ciência do Direito de modo imanente. O campo do estar “no verdadeiro”84 da moderna racionalidade jurídica cinge-se às formas de conhecimento que se pautam por seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas. Seu autoritarismo desconhece as demais formas de conhecimento estranhas à forma, que não configuram senão um erro disciplinado. É o que se percebe do ensinamento de Michel Foucault, em uma analogia com as ciências biológicas, in verbis: Muitas vezes se perguntou como os botânicos ou os biólogos do século XIX pudera não ver que o que Mendel dizia era verdade. Acontece que Mendel fala de objetos, empregava métodos, situava-se num horizonte estranho à biologia de sua época. (...) Mendel dizia a verdade, mas não estava no ‘verdadeiro do discurso biológico de sua época: não era segundo tais regras que se constituíam objetos e conceitos biológicos; foi preciso toda uma mudança de escala, o desdobramento de todo um novo plano de objetos da biologia para que Mendel entrasse ‘no verdadeiro’ e suas proposições

                                                                                                                        81

ARONNE, Ricardo. Razão & Caos no Discurso Jurídico e outros ensaios de Direito CivilConstitucional. p. 115. 82 PEREIRA, Gustavo Oliveira de Lima ; ARONNE, R.. O direito e a palavra: corpus novarum - O Êufitron de outro autor. In: Ricardo Aronne. (Org.). Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de Direito Civil-Constitucional. p. 142. 83 SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. p. 21. 84 FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. p. 35.

 

20   aparecessem, então, (em boa parte) exatas. Mendel era um monstro verdadeiro, o que fazia com que a ciência não pudesse falar nele; enquanto Schleiden, por exemplo, uns trinta anos antes, negando, em pleno século XIX, a sexualidade vegetal, mas conforme as regras do discurso biológico, 85 não formulava senão um erro disciplinado.

A clausura epistemológica em um determinado sistema, submetido a este modelo de racionalidade científica, passa a exigir, de acordo com o seu próprio conceito, a plenitude.

86

A proteção desta estrutura, pretensamente completa e sem lacunas,

representa o próprio sustentáculo da unidade de sentido do sistema. O estranhamento causado pela diferença, sendo capaz de abalar as estruturas conceituais da Disciplina, biológica ou jurídica, passa a ser plenamente repelido. No exemplo trazido por M. Foucault, vislumbra-se uma ilustração desta exclusão. Segundo o autor, “Mendel fala a verdade, mas não estava no verdadeiro do discurso biológico de sua época”.

87

Por isso, causava um estranhamento na comunidade

biológica. “Mendel era um monstro verdadeiro, o que fazia com que a ciência não pudesse falar nele”. 88 No que tange ao Direito, também não tem voz este elemento capaz de causar estranhamento suficiente a ponto de colocar em xeque os conceitos formalistas da Disciplina jurídica. Sua exclusão, como Vida Nua, é necessária à própria manutenção do sistema jurídico, de cunho Disciplinar e fechado. Assim, e.g., na crítica de Gustavo Pereira, “o sem linguagem é aquele que o código não enxerga, ou melhor, enxerga com lentes repletas de intencionalidade facínora na busca por culpados, pois só encontrando culpados poderemos ser inocentes. O sem linguagem é aquele que não tem voz, mas fala. A infelicidade para quem sistematiza o sistema” .89 Grife-se, que a ideologia

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dominante no sistema jurídico pós Revolução

Francesa, bem como durante todo século XIX, reflete uma busca por um caráter                                                                                                                         85

FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. p. 35. WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. p. 497. 87 FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. p. 35. 88 FOUCAULT, Michel. A ordem do Discurso. p. 35. 89 PEREIRA, Gustavo Oliveira de Lima ; ARONNE, R.. O direito e a palavra: corpus novarum - O Êufitron de outro autor. In: Ricardo Aronne. (Org.). Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de Direito Civil-Constitucional. p. 142. 90 A respeito desta terminologia, BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. p. 223, in verbis: “A ideologia (...) é a expressão do comportamento avaliativo que o homem assume face a uma realidade, consistindo num conjunto de juízo de valores relativos a tal realidade, juízo estes fundamentos no sistema de valores acolhidos por aquele que o formula, e que têm o escopo de influírem sobre tal realidade. A propósito de uma teoria, dizemos ser verdadeira ou falsa (segundo seus enunciados correspondam ou não à realidade). Não faz sentido, ao contrário, apregoar a verdade 86

 

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racionalizante e metodologicamente neutro, previsível e certo ao discurso jurídico, em plena consonância com o Liberalismo Econômico, afeto à ideologia do Positivismo Científico. A este respeito, mister transcrever ilustrativo ensinamento da autoria de John Gilissen, a respeito da doutrina do Gesetzpositivismus, in verbis: O fundamento da nova concepção do estudo do direito era a doutrina legalista: todo o direito está na lei. Só o legislador, agindo em nome da nação soberana, tem o poder de elaborar o direito. Não pode, portanto, existir outra fonte de direito senão a lei. “Não conheço o direito civil; apenas ensino o Code Napoleón” teria dito o professor Bugnet. Todavia, como legislador não pôde prever todas as dificuldades que poderiam surgir, o juiz deve, para pôr fim às questões que lhe forem submetidas, interpretar os textos da lei pela via do raciocínio lógico, de forma racional. A Escola da Exegese leva, assim, à vitória das ideias filosóficas e políticas dos grandes pensadores franceses do séc. XVIII: estatismo e racionalismo. Estatismo: a concepção legalista consagra o culto do EstadoDeus e da soberania da nação; o legislador, sozinho cria o direito. Racionalismo: as leis devem ser interpretadas racionalmente, logicamente; a experimentação, a história, o direito comparado, nada disso tem qualquer interesse para o jurista. Sob influência das ideias filosóficas de Kant da Alemanha, de Saint-Simon e, sobretudo, de Augusto Comte em França, deuse o nome de positivismo legal, ou Gesetzpositivismus, às teorias da Escola 91 da Exegese.

Entretanto, neste ínterim, cumpre salientar que o Positivismo Científico do século XIX que iria dominar a epistemologia jurídica, por pelo menos um século, possui algumas peculiaridades que o distinguem de outras formas de positivismo. É o que se verifica da advertência de Franz Wieacker, in verbis: O positivismo científico do século XIX deve distinguir-se de outras espécies de positivismo: a um lado, do positivismo legalista – a concepção, continuamente combatida, mas apesar de tudo dominante da prática jurídica, de todo o direito é criado pelo legislador estadual e consiste nos seus comandos; a um outro, do positivismo científico em geral, elevado nos meados do século por Comte a uma filosofia geral, ou mesmo a uma religião, positivismo que limita as possibilidades de explicação do mundo à observação e organização científica dos factos físicos, sociais e psicológicos. O positivismo científico – e mesmo este apenas no seu último estádio – só tem de comum com os outros dois a recusa de uma fundamentação metafísica do direito e o reconhecimento da autonomia absoluta da ciência especializada. Contudo não pode ser confundido com eles ou, muito menos, posto ao mesmo nível; uma vez que deriva do formalismo gnosiológico de 92 Kant, ele seria muito mais exatamente designado por formalismo científico.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            ou a falsidade de uma ideologia, dado que isto não descreveria a realidade, mas sobre ela influiria. Diremos, em vez disso, que uma ideologia é do tipo conversador ou do tipo progressista, segundo avalie positivamente a realidade atual e se proponha influir sobre ela, para conservá-la, ou que a avalie negativamente, destarte se proponha a influir sobre ela, para mudá-la”. 91 GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 516. 92 WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. p. 493.

 

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Segundo Norberto Bobbio, a doutrina do Positivismo Jurídico “surge, entre o fim do século XVIII e o início do século XIX, da exigência de dar unidade a um conjunto de normas jurídicas fragmentárias”. 93 Para Franz Wieacker, a ciência jurídica desenvolvida no Século XIX estava baseada na perspectiva do positivismo científico, “o qual deduzia as normas jurídicas e suas aplicações exclusivamente a partir do sistema, dos conceitos e dos princípios doutrinais da ciência jurídica”. 94 Nos bastidores do Positivismo Jurídico, a Jurisprudência dos Conceitos do século XIX, se empenhou em deduzir uma metodologia lógico-formal ao Direito. Trata-se de uma tentativa de ordenar cientificamente o discurso jurídico no caminho de uma unidade epistemológico ao sistema, fechado em seus conceitos e normas. Para Karl Larenz, “foi Puchta que, com inequívoca determinação, conclamou a ciência jurídica do seu tempo a tomar o caminho de um sistema lógico no sentido de uma ‘pirâmide de conceitos’, decidindo assim a sua evolução no sentido de uma ‘Jurisprudência dos conceitos formal”.95 Com efeito, a comunidade jurídica, no contexto do século XIX, acreditava que o formalismo e o positivismo eram fatores fundamentais que militavam em prol da busca por unidade e coerência de sentidos no sistema jurídico. O maior expoente desta Escola (Positivismo Jurídico) é o austríaco Hans Kelsen. Para este autor, o Direito deveria ser purificado e libertado de tudo quanto não fosse objeto da ciência jurídica. Nas palavras de Kelsen, deve-se purificar e “libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos”. 96 Isto parece-nos algo de per si evidente. Porém, um relance de olhos sobre a ciência jurídica tradicional, tal como se desenvolveu no decurso dos sécs. XIX e XX, mostra claramente quão longe ela está de satisfazer à exigência de pureza. De um modo inteiramente acrítico, a jurisprudência tem-se 97 confundido com a psicologia e a sociologia, com a ética e a teoria política.

Segundo John Gilissen, “para o eminente jurista austríaco, Hans Kelsen (18811973), a Ciência do Direito deve permanecer puramente jurídica (Reine Rechtslehre,

                                                                                                                        93

BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. p. 198 WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. p. 492. 95 LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. p. 21. 96 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. p. 1. 97 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. p. 1. 94

 

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1927; 2.ª ed. 1960), depurada da influência sociológica, política ou ética; o Direito é um conjunto de normas estabelecido pelo Estado”. 98 A construção de um Direito puramente jurídico tem como escopo a criação de normas como objeto da epistemologia jurídica. Para Kelsen, “votada uma lei, criou-se o Direito”. 99   Assim, “a ciência jurídica apenas apreende a conduta humana enquanto esta constitui conteúdo de normas jurídicas, isto é, enquanto é determinada por normas jurídicas”. 100 Para o Positivismo Kelseniano, na questão de saber se “as relações inter-humanas são objetos da ciência jurídica, importa dizer que elas só são objeto de um conhecimento jurídico enquanto relações jurídicas, isto é, como relações que são constituídas através de normas jurídicas”. 101   Cumpre salientar que o pensamento Disciplinar, cuja gênese remonta ao século XVIII, resta enaltecido com o advento do Positivismo (Gesetzpositivismus). A esse respeito gize-se que na mesma medida em que Hans Kelsen pretendeu fazer do Direito o criador de próprio objeto, “Marcelin Berthelot dizia que a Química cria seu próprio objeto”. 102 Coincidência? Não. Influência paradigmática! Destarte, de acordo com Claus-Wilhelm Canaris, opõe-se a essa construção do Direito que resultou nos movimentos do Positivismo Jurídico, o óbice de que o Direito sendo fruto de uma construção social não poderia sofrer enclausuramento, sob pena de as abstrações e reduções mostrarem-se insuficientes para resolver casos concretos. Nas palavras deste autor, “num paradoxo aparente em que as humanísticas são pródigas: o formalismo e o positivismo, tantas vezes preconizadas em nome da segurança do Direito acabam por surgir como importantes factores de insegurança”.103 No mesmo sentido é a crítica de Márcio Pugliesi. Segundo este autor, a pretensão de buscar uma pureza teórica, tratando as ciências como se disciplinas isoladas fossem, tem conduzido a epistemologia jurídica a um beco sem saída, “manietando e reduzindo (ou mais equivocadamente, ampliando) seus termos para além do que o corpus teórico construído poderia suportar”. 104                                                                                                                         98

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. p. 518. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. p. 02. 100 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. p. 80. 101 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. p. 79. 102 MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. p. 106. 103 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. p. XXIV 104 PUGLIESI, Márcio. Por uma Teoria do Direito: aspectos Micro-sistêmicos. p. 16. 99

 

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Por isso, algumas ressalvas devem ser feitas a respeito da ideologia positivista no Direito. Assim, cumpre transcrever a crítica de Edgar Morin, a respeito da hiperespecialização Disciplinar do conhecimento científico, in verbis: A instituição disciplinar acarreta, ao mesmo tempo, um perigo de hiperespecialização do pesquisador e um risco de “coisificação” do objeto estudado, do qual se corre o risco de esquecer que é destacado ou construído. O objeto da disciplina será percebido, então, como uma coisa auto-suficiente; as ligações e solidariedades desse objeto com outros objetos estudados por outras disciplinas serão negligenciadas, assim como as ligações e solidariedades com o universo do qual ele faz parte. A fronteira disciplinar, sua linguagem e seus conceitos próprios vão isolar a disciplina em relação às outras e em relação aos problemas que se sobrepõem às disciplinas. A mentalidade hiperdisciplinar vai tornar-se uma mentalidade de proprietário que proíbe qualquer incursão estranha em sua parcela de saber. Sabemos que, originalmente, a palavra “disciplina” designava um pequeno chicote utilizado no autoflagelamento e permitia, portanto, a autocrítica; em seu sentido degradado, a disciplina torna-se um meio de flagelar aquele que se aventura 105 no domínio das ideias que o especialista considera de sua propriedade.

A pauta epistemológica do Direito Disciplinar limita-se a resolver seus problemas formais. Tratando-se de um sistema fechado, não consegue dar cabo das diversas mutações socais. Na ausência de previsão legal, não existe para o Direito Disciplinar, de matiz positivista. Em que pese existir para a vida real. “Portanto, como se resolvem nos tribunais os temas não disciplinados na lei, mas aberto à riqueza e indeterminação da vida”, 106 tais como as relações homoafetivas, e.g. Perde-se a noção do que é o mapa e do que é o território 107 (Baudrillard). Trata-se de uma busca por isolar o sistema em condições ideais, a fim de influenciar na busca por resultados estáticos e neutros para o Direito. Nesse sentido, cumpre transcrever ensinamento de Márcio Pugliesi, in verbis: A ciência clássica estuda, sobretudo, os sistemas fechados que, dentro do possível, isola em condições experimentais. Contudo, tem-se mostrado que os sistemas fechados correspondem a artifícios teóricos e não existem na natureza, onde todos os sistemas estão submetidos a trocas inevitáveis de 108 energia, informações e matérias.

Salienta-se que a própria ideia de Código representa o enaltecimento deste paradigma de sistema fechado no Direito. Almeja-se, com isso, um sistema estático, que                                                                                                                         105

MORIN, Edgar. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. p. 106. ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos: estudos preliminares. p. 28. 107 BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulações. p. 08. 108 PUGLIESI, Márcio. Por uma Teoria do Direito: aspectos Micro-sistêmicos. p. 266. 106

 

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se comporte sempre do mesmo modo, ad perpetuam. Previsibilidade e ordem estão no epicentro. Nas palavras de Ricardo Aronne, “o Código, enquanto sistema fechado, busca imunizar o sistema jurídico do ambiente, ‘trazendo condições ideais’ para aplicação da lei como concebida no seu texto. Busca, entropicamente, constituir-se um subsistema”. 109

Cumpre salientar, que imunizar o objeto do conhecimento de seu meio é uma das principais características dos sistemas fechados, cujas trocas de matéria/energia com o exterior são nulas.110 Por isso, o distanciamento que se percebe do Direito Disciplinar, afeto às teorias de laboratório de Hans Kelsen, e.g., dialogam com este paradigma. A ilustrar, o ensinamento de Edgar Morin, in verbis:

 

Um sistema fechado, como uma pedra, uma mesa, está em equilíbrio, ou seja, as trocas de matéria/energia com o exterior são nulas. Por outro lado, a constância da chama de uma vela e a constância do meio interno de uma célula, ou de um organismo, não estão absolutamente ligados a tal .111 equilíbrio

As simplificações e reduções do paradigma clássico das ciências não conseguem acompanhar as mudanças sociais, pois está calcado em um paradigma Disciplinar que tenta apreender a realidade em um sistema fechado de normas avalorativas. Entretanto, na própria escolha pela neutralidade verifica-se uma carga valorativa que rompe com qualquer pretensão de neutralidade. Além do mais, diga-se de passagem, “não existe nada mais violento do que a pretensão de neutralidade”. 112 Assim, chega-se à inteligência cega113   do conhecimento científico. Para Edgar Morin, trata-se de uma patologia do saber que ainda impera na ciência ocidental e proporciona um absoluto distanciamento de todo o conhecimento científico do Direito e da vida concreta. Afinal, conforme adverte Ricardo Aronne: “o Direito é como a vida. Dificilmente reconhece a linearidade como natural. Ela é mais comum nos ambientes preparados para isolar o meio: laboratórios e codificações”. 114                                                                                                                         109

ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos: estudos preliminares. p. 28. MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. p. 21. 111 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. p. 21. 112 PEREIRA, Gustavo Oliveira de Lima ; ARONNE, R.. O direito e a palavra: corpus novarum - O Êufitron de outro autor. In: Ricardo Aronne. (Org.). Razão e Caos no discurso jurídico e outros ensaios de Direito Civil-Constitucional. p. 141. 113 MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. p. 12. 114 ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e Teoria do Caos: estudos preliminares. p. 33. 110

 

5

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O DISCURSO JURÍDICO E A TEORIA DOS SISTEMAS O ano de 1985 encerrou com mudança de regime político em terras brasileiras -

após 21 anos de ditadura militar. Acompanhando a redemocratização do Brasil, em 1988, é promulgada a Constituição Federal Cidadã, que trouxe em seu seio um novo paradigma ao discurso jurídico pátrio, axiologicamente estruturado a partir do princípio do Estado Social e Democrático de Direito e do princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana. A marcha da repersonalização e da despatrimonialização é uma busca de adequação das categorias fundamentais do Direito Civil à nova arquitetura axiológica insculpida da Constituição de 1988, em que pese ainda permanecerem arraigadas à sua teoria clássica, hodiernamente “presente nos manuais, substanciada por uma Jurisprudência dos Conceitos, fantasiosa e egocêntrica”, 115 bem como em uma rançosa jurisprudência que ainda não reconhece a auto- aplicabilidade dos direitos fundamentais. Em 1° de janeiro de 2003, entra em vigor o “novo” Código Civil da República Federativa do Brasil. Após trinta anos tramitando no Congresso Nacional, entretanto, nasce, paradoxalmente, velho. Não obstante, mantém a mesma matriz epistemológica do distante Direito Civil que promulgou o Código Civilista de 1916, bem como distante dos novos paradigmas que fundaram o Estado Social e Democrático de Direito, em 05 de outubro de 1988. A ruptura material, de compromissos, com relação à proposição tradicional do Direito Civil, almejada pela comunidade jurídica, não fora operada com a nova codificação, que se limitou a introduzir uma tímida abertura do sistema jurídico através da suposta novidade das cláusulas gerais (apontadas como a inovação do “novo” Código Civil). 116 Vislumbra-se, portanto, que o ideário clássico, imerso em uma racionalidade Disciplinar instrumental, não é apto para compreender as possibilidades deste novo horizonte epistemológico que a Constituição Federal introduziu no sistema jurídico, em 1988. Tampouco de operar com a eficácia horizontal dos Direitos Fundamentais, nos mais diversos ramos do Direito, dentre eles no Civil-Constitucional.                                                                                                                         115 116

ARONNE, Ricardo, Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 37. ARONNE, Ricardo, Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 37.

 

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Para Ricardo Aronne, “a falta de identidade do Direito Civil-Constitucional com os paradigmas positivistas tradicionais, traçados pelo racionalismo dos séculos passados, não é uma recusa para com a cientificidade do Direito, e sim uma percepção diferida”. 117 Afinal, conforme alerta Juarez Freitas, “o sistema não se constrói dotado de estreitos e definitivos contornos, máxime porque o dogma da completude não resiste à constatação de que as contradições e lacunas acompanham as normas, à feição de sombra irremovíveis”. 118     Destarte, no rompimento do Direito com o paradigma clássico, surge uma nova concepção de sistema na pauta da epistemologia jurídica, desempenhando o papel de “traduzir e realizar a adequação valorativa e a unidade interior da ordem jurídica”.

119

Trata-se de uma busca pelo sentido, adequação e unidade, do discurso jurídico, sem limitar-se a conceitos codificados. Abandona-se, deste modo, as estáticas estruturas conceituais adeptas à Jurisprudência dos Conceitos em prol de um sistema jurídico dinâmico e aberto de princípios e valores hierarquizados. Neste ínterim, cumpre transcrever ensinamento de Claus. W. Canaris, exarando uma comparação entre princípios e conceitos e suas respectivas capacidades na tarefa de exarar a adequação valorativa e a unidade interior do Direito, in verbis: O sistema deve fazer claramente a adequação valorativa e a unidade interior do Direito e, para isso, os conceitos são muito impróprios. Designadamente, e mesmo quando estejam bem construídos, eles apenas mediantemente contem as valorações, por assim dizer fechadas, enquanto os princípios são abertos; assim a valoração é, por exemplo, essencialmente mais imediata e segura no princípio da autonomia do que no (ordenado) conceito de negócio jurídico, e que só através de considerações relativamente complicadas, é possível determinar a valoração que o conceito de direito subjetivo em si contenha. Pode, portanto, dizer-se: No conceito (bem elaborado) a valoração está implícita; o princípio, pelo contrário explicita-a e por isso ele é mais 120 adequado para extrapolar a unidade valorativa do Direito.

Percebe-se, da leitura do trecho supracitado, que um conjunto de princípios mostra-se mais adequado na missão de buscar uma unidade axiológica do sistema                                                                                                                         117

ARONNE, Ricardo, Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 39. FREITAS, Juarez. Interpretação Sistemática do Direito. p. 39. 119 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. p. 11. 120 CANARIS, Claus Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. p. 83. 118

 

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jurídico. Isso porque, ao contrário dos conceitos, que já possuem uma carga valorativa própria e concreta, os princípios são abstratos, sendo que sua concretização dar-se-á topicamente. Deste modo, nenhum princípio pode ser definido isoladamente, sendo que somente na relação intersubjetiva adquirem conteúdo. Vislumbra-se, portando, que os princípios não são significantes autônomos, por si só, mas dependem da sua apreciação relacional, de modo que se demonstram como significante e significados, ao mesmo tempo. Destarte, ao contrário do que ocorre com um sistema normativo conceitual, não existem antinomias em um sistema baseado em princípios, haja vista que, em abstrato não possuem concretude suficiente para se colidirem. Os paradoxos que emergem das relações intersubjetivas, em um sistema principiológico, não se reveste de contradição, já que incumbe ao interprete, topicamente, hierarquizar os princípios para adequá-los ao caso concreto. Neste sentido, importa transcrever a lição de Ricardo Aronne, in verbis: O sentido diferido para as espécies de normas, princípios e regras, não é somente semântico. Sem prejuízo algum de sua jurisdicidade, regras e princípios possuem incidência normativa diferente. A distinção entre regras e princípios é distinção entre espécies de normas, salientando-se, ainda, que os princípios são superiores às regras. Tal superioridade se explica pelo fato de que os princípios podem permanecer contidos em nosso sistema, mesmo em conflito, cabendo, tão-somente, nestes casos, ao intérprete hierarquizá-los axiologicamente. Mediante abordagem dialógica. As regras, em razão de sua concreticidade, não podem permanecer em conflito, devendo aquela que se oponha ao sistema ser expurgada do ordenamento, sob pena de colocarem-no 121 em contradição. Dialeticamente.

As normas jurídicas, baseadas em conceitos gerais, têm lacunas que precisam ser preenchidas para manter a sociedade regulada. Gize-se, neste sentido, que o Direito é obrigado a dar respostas às questões que lhe são impostas. Por isso, o sistema jurídico tem uma necessidade peculiar de se modificar e adaptar às diversas mutações sociais. Um sistema jurídico baseado em princípios e valores, por conseguinte, concretizase nas relações que definem os valores de cada unidade do sistema, sendo que é no conjunto da rede destas relações que se forma um sistema estável, dotado de unidade e coerência material.

                                                                                                                        121

ARONNE, Ricardo, Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 59.

 

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No entendimento de Jacques Fontanille: “falar em sistema de valores é, portanto, invocar ao mesmo tempo as relações que definem os valores de cada unidade do sistema e as regras que determinam a evolução global desse sistema”. 122   O operador do Direito, portanto, (re)constrói o discurso jurídico por meio de uma hermenêutica constitucional do sistema jurídico, inter-relacionando princípios – “que não são puramente significante e nem puramente significado, mas a união dos dois”123 – para constituir o sistema jurídico em uma rede axiológica e hierarquizada de princípios e valores. Assim sendo, faz-se imperioso transcrever ensinamento de Clarice Sönhgen a respeito da metáfora do jogo de Xadrez (Wittegenstein, 1979), explicando a noção de valor e sua necessária dependência da estrutura de sistema em que está inserido, para poder, assim, lhe fixado, topicamente, um determinado sentido, in verbis: De acordo com essa metáfora, um cavalo, por si só, fora da sua casa e das condições do jogo, não é um elemento do jogo de xadrez. Esse cavalo só se torna um elemento real e concreto quando revestido de seu valor que é obtido através das relações que mantém com os demais elementos do jogo no 124 andamento da referida atividade.

Desde o advento da Constituição Federal, o sistema jurídico perfaz uma malha de valores que ganham sentido e concretude no outro, exatamente como a metáfora do Jogo de Xadrez. É o que se denota das palavras de Ricardo Aronne, in verbis: A malha jurídica perfaz um sistema à medida que todos os seus componentes se comunicam, de modo a que um ganhe sentido no outro – a partir dos valores que o integram –, para que não se vislumbrem como significantes vazios, em face da intersubjetividade que lhes reveste de significado, no que 125. consiste a defendida noção de unidade e seu sentido axiológico

No mesmo sentido, de modo mais tímido, entretanto, entente Juarez Freitas, in verbis: Entende-se apropriado conceituar o sistema jurídico como uma rede axiológica e hierarquizada topicamente de princípios fundamentais, de normas estritas (ou regras) e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando

                                                                                                                        122

FONTANILLE, Jacques. Semiótica do Discurso. p. 37. SÖNHGEN, Clarice da Costa. Hermenêutica e Linguística. In: Ricardo Aronne. (Org.). Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 181. 124 SÖNHGEN, Clarice da Costa. Hermenêutica e Linguística. In: Ricardo Aronne. (Org.). Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 180. 125 ARONNE, Ricardo, Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 39. 123

 

30   ou superando antinomias em sentido lato, dar cumprimento aos objetivos justificadores do Estado Democrático, assim como se encontram 126 consubstanciados, expressa ou implicitamente, na Constituição.

A arquitetura axiológica do discurso jurídico pátrio, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, tem como princípio estruturante, balizador dos valores constitucionalmente garantidos, o Estado Social Democrático de Direito. Neste diapasão, cumpre transcrever o pensamento de Ricardo Aronne, in verbis: O principio estruturante, enfeixador dos valores constitucionalmente garantido, densifica-se, em princípios fundamentais, que se densificam em princípios gerais, passando aos especiais, em seguida aos especialíssimos, que se concretizam em regras, que são ainda concretizadas em normas individuais. O princípio estruturante é a norma de maior abstração do ordenamento, o qual no sistema vigente se constitui do princípio do Estado Social Democrático de Direito, diretamente decorrente dos valores positivados e enfeixador de integridade dos mesmos, que haverão de se especificar no curso da concretização normativa. Em tal medida, o princípio estruturante é o nascedouro normativo da ordem jurídica, e seu sentido concreto somente se revela nas normas de maior densidade; porém, não deve ser perdido de vista na qualidade de alfa do 127 próprio conteúdo normativo do sistema.

A partir deste nascedouro normativo, de grande abstração, os demais princípios fundamentais, gerais, especiais, especialíssimos, regras e normas individuais vão garantindo concretização na relação intersubjetiva e hierárquica. Os princípios fundamentais, tais como a Dignidade da Pessoa Humana e a Legalidade, e.g., são princípios explicitados na matriz do princípio estruturante e são responsáveis por fundar axiologicamente a ordem jurídica. Cumpre salientar, destarte, que o princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, pós 1988, passou a ser o epicentro normativo do sistema jurídico, com eficácia horizontal e vertical em toda a ordem jurídica. Para Ricardo Aronne, in verbis: Os princípios fundamentais são normas fundantes da ordem jurídica explicitadoras da senda constitucional desveladora da ordem jurídica estruturada. Nesta seara, observam-se princípios como dignidade da pessoa humana, acesso a uma ordem jurídica justa, reserva legal, dentre tantos quantos se 128 revelam a partir dos princípios estruturantes.

                                                                                                                        126

FREITAS, Juarez. Interpretação Sistemática do Direito. p. 54. ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 52/53. 128 ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 52/53. 127

 

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Os princípios elencados como gerais e especiais são responsáveis por densificar os princípios anteriores, na medida em que vão perdendo abstração e vão ganhando concretude. Dentre os princípios gerais, encontra-se a liberdade, igualdade e publicidade, e.g. Em outro patamar, os princípios especiais dirigem sua eficácia para áreas mais específicas do Direito, tais como, a nulla poena sine praevia legem – Direito Penal; e a liberdade para contratar – Direito dos Contratos, e.g. Segundo Ricardo Aronne, in verbis: Os princípios gerais densificam os anteriores, decorrendo dos mesmos a fim de concretizá-los, na gradual perda de abstração. Aqui se observam princípios como liberdade, igualdade, publicidade e inafastabilidade. Os princípios especiais, no mesmo sentido, explicitam os anteriores para áreas específicas do direito, como é o caso do princípio da anterioridade, transparência, liberdade para contratar, nulla poena sine praevia legem, função social da propriedade, garantia da propriedade privada, entre tantos.

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Nos especialíssimos, vislumbra-se maior densidade e concretude. Trata-se de cláusulas gerais, quase na concretude de regras, voltadas para áreas específicas do sistema jurídico, tais como: vulnerabilidade do consumidor, igualdade entre os cônjuges, garantia à herança, não-lesividade da execução, elasticidade e fungibilidade dos recursos, e.g. Conforme Ricardo Aronne, in verbis: Os princípios especialíssimos são, juntamente com os especiais, espécies de cláusulas gerais, porém de maior densidade, quase na concretude de regras; também voltados para áreas próprias, porém, alcançando as demais, por sua porosidade, abstração, multifuncionalidade e forma de incidência. Observamse na espécie exemplos como vulnerabilidade do consumidor, igualdade entre os cônjuges, garantia à herança, não-lesividade da execução, elasticidade e 130 fungibilidade dos recursos.

Nas regras, vislumbram-se normas de Direito positivo dotadas de maior concretude e menos abstração. Dirigem sua eficácia para condutas e fatos específicos, tais como: prazos e formas registrais. No mesmo sentido e grau de concretude, as normas individuais representam as disposições jurisprudenciais e contratuais, especificadas em cada caso concreto. Para Ricardo Aronne, in verbis: As regras são as normas de direito positivo (no sentido estrito) de maior concreticidade, regulando condutas, fatos ou atos específicos, de incidência

                                                                                                                        129 130

ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 52/53. ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 52/53.

 

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explícita, como forma registrais, capacidade, prazos, recursos, exemplificativamente. As normas individuais são as disposições jurisprudenciais e contratuais, reguladoras específicas de casos concretos, do que lhe advém a condição de 131 fonte formal e material do direito.

Percebe-se, portanto, a capacidade deste paradigma de sistema jurídico de se adaptar às diversas mutações sociais, haja vista que não se enclausuram em conceitos formais. A unidade e sentido do sistema são desvelados, topicamente, cabendo ao hermeneuta estabelecer as relações intersubjetivas entre os princípios. Resta cristalino que o responsável por sistematizar o sistema é o intérprete. Este rompe com o paradigma da ciência ocidental, extravasando a condição de um mero observador neutro. A atividade hermenêutica, neste novo paradigma de sistema jurídico, passa a ser primordial. Portanto, independentemente de Codificações, “as concepções principiológicas do Direito Civil dá margem à revisão dos estatutos clássicos do Direito Civil, repondo o ser humano, e seu ambiente sustentável, no patamar de entes de máxima relevância ao ordenamento jurídico”. 132   A matriz disciplinar que dominou a epistemologia jurídica, manifestando sua atuação nos Códigos e conceitos normativos, hodiernamente perde sua eficácia em face do flagrante desenvolvimento social e sua incapacidade de acompanhar esta dinâmica, uma vez que permanece enclausurado em conceitos de um sistema jurídico estático. 6

CONCLUSÃO O Direito Disciplinar, inserido na racionalidade positivista, é capaz de estudar

apenas o comportamento regular - ou regulado. Limitado a uma Disciplina, a ciência do Direito cria os conceitos abstratos, que em conjunto ordenado e coordenado, formam seu sistema - Teoria Geral -, e parte em busca de problemáticas a que seus conceitos possam se enquadrar. As limitações deste modelo de Direito, Disciplinar e codificado, restrito aos ditames de sua Disciplina, ignora as exceções à regra. Estas Vidas Nuas, segundo seu próprio conceito, estão à margem do que o Direito Privado - codificado - entendo como pessoa.                                                                                                                         131 132

ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 52/53. ARONNE, Ricardo. Direito Civil-Constitucional e teoria do caos: estudos preliminares. p. 60.

 

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Forçoso reconhecer, diante deste quadro, que o paradigma Disciplinar não satisfaz às necessidades metodológicas de um sistema jurídico que dialogue com as diversas mutações sociais. O paradigma reducionista, afeiçoado às técnicas que fragmentam o mundo em frações simplificadas e pasteurizadas do real, impõe uma simplificação artificial da complexidade a um irrealismo Disciplinar, separando o que deve ser tecido junto – complexus – impossibilitando ao Direito interagir com a realidade plural e sempre virgem de um mundo inesgotável em quantidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. Tradução de Henrique Burigo. 2ª ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. ARONNE, Ricardo. Por uma nova hermenêutica dos direitos reais limitados: (das raízes aos fundamentos contemporâneos). Rio de Janeiro: Renovar, 2001. ________________. Razão & caos no discurso jurídico e outros ensaios de direito civil-constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e Simulações. Tradução de Maria João da Costa Pereira. Relógio d’Água, 1991 BOBBIO, Norberto. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues. – São Paulo: Ícone, 1995. CANARIS, Claus-Wilhelm. Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito. 4 ed. Trad. Antonio Menezes Cordeiro. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2008 CARDOSO, Simone Tassinari. Modernidade, ambigüidade e direito civilconstitucional :da miragem da segurança à incerteza como imanência [documento eletrônico]. Porto Alegre, 2007. Dados eletrônicos. http://tede.pucrs.br/tde_busca/arquivo.php?codArquivo=990 DERRIDA, Jacques. Força de lei: o fundamento místico da autoridade. Tradução de Leyla Perrone-Moisés. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2007. – (Tópicos) FACHIN, Luiz Edson. Teoria Crítica do direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. FONTANILLE, Jacques. Semiótica do discurso. Tradução de Jean Cristtus Portela. São Paulo: Contexto, 2007. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

 

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