Sistema penitenciário: Persistência de antigos padrões reitera a urgência de novas soluções

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Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2014

ISSN 1983-7364

ano 8 2014

sumário 4 5 6 8

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Ficha institucional Ficha técnica Infográfico Introdução

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Sistema penitenciário Persistência de antigos padrões reitera a urgência de novas soluções

Fabio de Sá e Silva

A análise dos dados do sistema prisional referentes aos anos de 2012 e 2013 mostra a persistência de padrões que se consagraram ao longo da última década, não obstante as medidas legislativas e as soluções de política pública ensaiadas pelos governos, em especial o governo federal. O crescente encarceramento, com ênfase em jovens, negros e por crimes associados a entorpecentes, o crescimento do déficit de vagas em estabelecimentos penais, e o aumento do número de presos em situação provisória explicam por que o Brasil caminha resoluto para alcançar posições de destaque entre os países que mais encarceram. Atualmente em quarto lugar neste ranking, atrás de Estados Unidos, China e Rússia, o país já supera a China quando se considera a taxa de presos por 100 mil habitantes. Não bastou, para reverter essa tendência, construir presídios federais visando isolar as lideranças de organizações criminosas, aprovar projeto de lei que prevê a adoção de medidas cautelares diversas da prisão, ou buscar investir na geração de vagas, com a destinação de recursos vultosos para a construção de presídios, as principais medidas adotadas a partir de 2003. A publicação destes dados coincide com o início de um novo ciclo governamental, no qual a política prisional terá de ser profundamente repensada. Um primeiro investimento deverá ser feito na retomada do vínculo entre a política prisional e a política criminal, com a avaliação dos efeitos do atual arcabouço jurídico-penal sobre os níveis de encarceramento e uma apreciação crítica dos próximos movimentos a serem adotados.

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Muitos consideram, por exemplo, ter havido avanço na legislação de drogas, na medida em que o tratamento aos usuários foi consideravelmente abrandado, como se isso pudesse resultar no redirecionamento dos esforços do Poder Público para a investigação e a prisão de traficantes. Não é esse, porém, o resultado que os dados parecem sugerir, com a permanente sobrecarga do sistema prisional por delitos relacionados a entorpecentes, incidindo com maior força, mais uma vez, sobre jovens em situação de vulnerabilidade. Haverá disposição para se abrir o necessário diálogo sobre mudanças no tratamento da questão, com o exame de alternativas como a descriminação e o uso de políticas de redução de danos? Qualquer que seja a resposta será necessário resgatar o vínculo entre a política prisional e a política pública de segurança. Reeleita presidente, Dilma Rousseff teve como principal proposta para esta área a articulação das forças de segurança, no âmbito dos Centros Integrados de Comando e Controle utilizados durante a Copa do Mundo. Mas será preciso dar a estes centros uma orientação estratégica que, mais uma vez, volte a repressão para grandes organizações criminosas e ajude a prevenir e a solucionar crimes contra a vida e contra o patrimônio. Deixadas à própria sorte, as forças de segurança tendem a repetir os padrões de atuação com os quais vêm operando e que respondem, em grande medida, pelos resultados observados em relação ao sistema prisional. Será preciso, ainda, que este esforço de coordenação supere os órgãos do executivo e traga junto o Judiciário e o Ministério Público, até

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porque muitas das soluções adotadas anteriormente, como a lei das cautelares, ou que vêm sendo buscadas neste final de governo, como a audiência de custódia, fracassam em realizar plenamente o seu potencial justamente quando da implementação, no cotidiano das Varas Criminais e das manifestações dos promotores de justiça. Órgãos de cúpula, como o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, devem ser parceiros estratégicos na condução e na articulação de uma política judiciária que modifique os padrões de encarceramento, sem implicar, evidentemente, em impunidade. Para tanto, é fundamental que o governo invista na ampliação do repertório punitivo, de modo que a prisão deixe de ser a única ou a principal resposta de que o Poder Público dispõe para dar conta da violência e da criminalidade. A construção de um “Sistema Nacional de Alternativas Penais”, objeto de consideração no Ministério da Justiça e uma das pautas prioritárias movendo organizações da sociedade civil nas áreas de justiça, segurança pública e direitos humanos, ajudaria a responder a esta demanda. Neste sentido, aliás, talvez o maior desafio, mas também a melhor aposta no setor para o próximo ciclo governamental seja abrir o tema a discussões públicas e envolver a sociedade civil, os especialistas e trabalhadores. No recém-pronunciado discurso da vitória, Dilma disse que diálogo será o fio condutor de seu segundo mandato. Que venha o diálogo e que ajude a ampliar o horizonte de alternativas que, na sua forma hegemônica, pouco contribuiu para que avanços alcançados em outras áreas tivessem paralelo no sistema prisional.

Fabio de Sá e Silva é técnico de planejamento e pesquisa do Ipea e pósdoutorando no centro de profissões jurídicas da Harvard University School of Law. Foi dirigente no Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN-MJ) entre os anos de 2004 e 2006 e consultor da Unesco e do PNUD em diversos projetos para a melhoria do sistema penitenciário.

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