SOARES, R. (2009) – Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida (Setúbal, Palmela e Sesimbra). Seminário de Licenciatura apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

December 8, 2017 | Autor: Ricardo Soares | Categoria: Neolithic & Chalcolithic Archaeology, Calcolithic, Calcolítico, NEOLÏTICO FINAL - CALCOLÏTICO
Share Embed


Descrição do Produto

Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

3.º Ano de Arqueologia – 2008/2009 Docente – Professor Doutor Victor S. Gonçalves Aluno – Ricardo Miguel Simão Soares (N.º 35052)

RELATÓRIO DE SEMINÁRIO Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida Resumo

Abstract

Relatório de Seminário onde é esboçado um levantamento da informação disponível referente aos melhor documentados povoados calcolíticos identificados na região da Arrábida, promovendo uma base de dados enquanto ponto de partida para ulteriores trabalhos de 2.º ciclo de estudos em Arqueologia. É aferida e cruzada a informação coligida a partir da pertinente consulta bibliográfica, com a informação prática reunida em visitas realizadas aos sítios alvo de estudo. Além do registo fotográfico e cartográfico (georreferenciação com GPS), e da observação de materiais de superfície e vestígios estruturais, foi dada particular atenção à observação das realidades paisagísticas, no terreno, nomeadamente topográficas e geoestratégicas, que determinaram a implantação dos povoados em causa. É ainda dado um especial enfoque à componente de imagem, no sentido de uma melhor visualização e compreensão das realidades tratadas. A informação descritiva dos dez povoados apresentados é assim complementada com um enquadramento cartográfico (extractos das Folhas 454 e 464 da CMP esc. 1:25000), topográfico (imagens de relevo do Google Earth) e fotográfico (fotos do autor), além de oportunas estampas de materiais de referência. Em conclusão, o trabalho equaciona os dados e os contextos, além de deixar algumas questões em aberto sobre as estratégias de povoamento Calcolítico, nomeadamente na sua relação com o território e as diferenças observadas na cultura material.

Seminar report where a survey regarding all the available data is sketched. This data being gathered from the most well documented chalcolitic settlements know in the Arrábida region. Through the same means promoting a starting point data base for further second term studies in Archaeology. It is taken into account and, after it, mixed all the gathered information obtained through a thorough bibliographic research, with data collected directly from field investigation from the pertinent sites. Beyond the photographic and cartographic records (GPS geocoding), surface materials study and structural remains, it was given a special emphasis to the observation of the surrounding landscape reality ‘in loco’, namely topographic and geostrategically, which determine the concerned settlements. It is, as well, specially focused the image component, as in providing a better picture and understanding of the realities at hand. The descriptive information of the ten named settlements is, in this way, enhanced with a cartographic (Sheet Maps extracts 454 and 464 of CMP sc. 1:25000), topographic (orographic images from Google Earth), and photographic (author photos) framework, along with opportune prints of referenced materials. As for conclusion, this study equates both data and context, in addition to leaving some questions on the open about the settlement strategies during the Chalcolithic, particularly in its’ connexion with the territory and the variations observed in the material culture.

Palavras-chave:

Key words:

• • •

Neolítico final/Calcolítico Arrábida Povoados

• • •

Late Neolithic/Chalcolithic Arrábida Settlements

Índice

Resumo/Abstract 1. Palavra prévia

3

2. Arrábida – enquadramento fisiográfico

4

3. História da investigação regional – breve nota

7

4. Povoados calcolíticos da região da Arrábida

9

4.1. Introdução ao tema

4.2. Setúbal – Arrábida Oriental/Serra de São Luís (pré-Arrábida) 4.2.1. Pedrão/Pedrógão (Serra de São Luís/Setúbal) 4.2.2. Rotura (Serra de São Luís/Setúbal) 4.2.3. Pai Mouro (Serra de São Luís/Setúbal) 4.3. Palmela – Arrábida Oriental (pré-Arrábida) 4.3.1. 4.3.2. 4.3.3. 4.3.4. 4.3.5.

Chibanes (Serra do Louro/Palmela) Malhadas (Cabeço das Torres/Quinta do Anjo/Palmela) Moinho da Fonte do Sol (Serra do Louro/Quinta do Anjo/Palmela) Moinho do Cuco (Serra da Portela/São Simão/Setúbal) Cabeço dos Caracóis (São Lourenço/Setúbal)

4.4. Sesimbra – Arrábida Ocidental 4.4.1. Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra (Sesimbra) 4.4.2. Zambujal (Sesimbra)

9

18 18 25 33 35 35 41 45 48 51 55 55 61

5. Considerações finais

64

6. Referências bibliográficas

68

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

2

«Alta serra deserta, donde vejo As agoas do Oceano duma banda, E doutra já salgadas as do Tejo Verdes bosques da Serra Por antre penedias Por mãos da natureza repartidos.» Frei Agostinho da Cruz

1. Palavra prévia Povoados Calcolíticos da região da Arrábida – a escolha do tema do presente Relatório de Seminário, no que se prende com a problemática e âmbito regional, foi relativamente fácil. Primeiro porque, com a conclusão do 1.º ciclo de estudos em Arqueologia, já me é possível circunscrever cronologicamente as áreas de estudo que melhor correspondem aos meus interesses individuais – Pré e Proto-história. Segundo, a escolha da região alvo de estudo também é fácil de explicar: sendo eu natural de Setúbal, o Sado e a Arrábida sempre se impuseram enquanto fortes referências na paisagem, determinando um natural apelo ao contacto e usufruto de todo o seu diversificado potencial. Desde muito cedo ligado à vela tradicional do Sado (praticante e fundador da Associação “Laitau”), e mais recentemente federado espeleólogo, a acompanhar actividades “arqueoespeleológicas” no maciço da Arrábida, a Arqueologia da Arrábida surgiu, assim, com naturalidade, tanto mais que, no âmbito da disciplina de Trabalhos de Campo e Laboratório, tive oportunidade de participar activamente, desde Abril de 2007, no projecto da Nova Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra, recentemente publicada. A experiência adquirida aguçou a empatia com o complexo geológico da Arrábida, constituindo este trabalho uma oportunidade de incrementar o meu conhecimento acerca das suas realidades paisagísticas, culturais e, claro, arqueológicas. Entendo que, antes de alargar os horizontes físicos, devemos conhecer o nosso contexto de origem – “vá para fora cá dentro”. Importa referir que, pela natural limitação de espaço e tempo definida para um Relatório de Seminário, ficam por hora excluídas outras realidades de âmbito calcolítico, como por exemplo as necrópoles, em particular as grutas naturais e artificiais, só por si merecedoras de um trabalho exclusivo. Pretendo, então, desenvolver uma “base de dados” para o Calcolítico da região da Arrábida, enquanto ponto de partida para ulteriores trabalhos de 2.º ciclo de estudos em Arqueologia. O levantamento e análise dos dados até hoje produzidos é essencial para uma abordagem a jusante, fundamentando uma eventual actualização da investigação à luz de novos conceitos, métodos e técnicas. Assumo, desde já, a intenção de testar um modelo de implantação macroestratégico para o Calcolítico da região da Arrábida, em particular para o grupo de povoados da Arrábida Oriental ou “pré-Arrábida”. Afigura-se-me razoável admitir uma relação(s) estratégica(s) comum(s) a estes povoados, que, para além de demonstrarem um directo contacto visual entre eles, parecem partilhar um hinterland agro-pecuário comum, numa perspectiva diacrónica. Esta partilha estratégica poderá ter potenciado um efectivo domínio e controlo de uma vasta área de recursos, enquanto “zona demarcada” reservada a estas populações – os vales do Alcube e Barris. Para isso, torna-se necessário coligir toda a informação disponível, incrementá-la e unir possíveis linhas comuns entre os povoados identificados, testando as suas prováveis relações e, paralelamente, contrastar a informação coligida com as áreas limítrofes.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

3

2. Arrábida – enquadramento fisiográfico «A serra tem o ar de uma onda que avança impetuosa e subitamente estaca e se esculpe no ar; é uma onda de Pedra e mato, é o fóssil de uma onda.» Sebastião da Gama

A península de Setúbal, também conhecida por península da Arrábida, define-se numa região correspondente à extremidade Sul da Bacia Lusitaniana, separando as bacias estuarinas dos rios Tejo e Sado e penetrando dominante no Atlântico sob a égide do Cabo Espichel (o cabo Barbarium dos romanos, segundo Estrabão). O recorte costeiro da orla meridional desta península é majestosamente dominado pela Serra da Arrábida, cadeia montanhosa de carsos essencialmente jurássicos e miocénicos, singularmente variada do ponto de vista geológico.

Fig. 1 – Modelo tectónico da cadeia da Arrábida (© Nuno Farinha | 2006).

Partilhada pelos concelhos de Setúbal, Palmela e Sesimbra, a Serra da Arrábida constitui uma das mais importantes e diferenciadas estruturas da tectónica de inversão de idade miocénica da Bacia Lusitaniana, documentada pela primeira vez na região por Paul Choffat, em 1908. A cordilheira tem o seu ponto mais elevado no alto do Formosinho, com 499 metros de altura, e define-se genericamente na paisagem por uma série de elevações dispostas de Este-Nordeste para Oeste-Sudoeste, paralelas à Cordilheira Bética, com cerca de 35 km de comprimento e 6 km de largura média. A Sul e Oeste é limitada pelo Oceano, onde cai bruscamente, com arribas imponentes, prolongando-se na plataforma continental por cerca de 5 km. A Norte, é confinada pelo sinclinal de Albufeira e a Leste pela falha Setúbal-Pinhal Novo, quadrantes de terras

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

4

baixas e arenosas que caracterizam grande parte da península. No sentido Este-Oeste estende-se por uma cortina de elevações desde Palmela até Sesimbra. Na verdade, a Arrábida constitui a principal peça montanhosa da cordilheira a que dá nome, dominando, dos altos do Formosinho e Picoto, um complexo de relevos associados – «pequena unidade natural perfeitamente individualizada» (Ribeiro, 2004). Ainda submersa há cerca de 180 milhões de anos, ganhou contornos com as deformações produzidas durante o Miocénico, em dois momentos distintos: as primeiras verificadas há 17,5-15 Ma; e as segundas há 7-6 Ma. Em consequência, foram produzidos dois sistemas de falhas, esboçados durante as fases distensivas mesozóicas, de orientação aproximada Norte-Sul e Este-Oeste, e que promoveram a compartimentação da região, influenciando significativamente os principais acidentes tectónicos e o seu estilo particular. Do ponto de vista da Geomorfologia, este longo processo resultou num conjunto de elevações agrupadas naturalmente em duas linhas separadas por vales. A primeira linha, mais vigorosa e característica, é composta por alguns pequenos cerros que partem de Sesimbra, serras do Risco (Píncaro - 380 metros) e Arrábida (Formosinho - 499 metros), e pelas colinas que se desenvolvem do Outão até Setúbal. Entre a Serra do Risco e a Ribeira da Comenda, os picos dominantes do Formosinho e do Picoto e respectivas falésias abruptas, constituem uma inexpugnável barreira natural sobre os territórios de planura que se espraiam nas baixas estuarinas. Por outro lado, esta “linha defensiva” proporciona um extenso domínio visual: sobre o vale do Tejo, avistando-se no horizonte Norte a Serra de Sintra; a Sudeste, sobre o vale do Sado, até à região de Alcácer-do-Sal; e a Sul sobre a costa atlântica, da foz do Sado, península de Tróia até ao cabo de Sines.

Fig. 2 - Modelo digital de terreno da Arrábida (Graça Brito/CIGA in NECA, 2000, p. 11).

Uma segunda linha orográfica, denominada por Orlando Ribeiro de “PréArrábida” (Ribeiro, 2004), desenvolve-se a Norte e Leste da primeira, integrando as serras da Comenda, de São Luís (392 metros), dominante sobre Setúbal, de São Paulo, dos Gaiteiros (ou dos Barris) e de São Francisco/Louro (Alto da Queimada - 256 metros), monoclinal que parte de Palmela em direcção a Sesimbra. Entre a Serra de São Francisco e o Cabo Espichel, desenvolve-se uma sucessão de planaltos de altitude média entre os 150 e os 250 metros, alguns dos quais dominam as imponentes escarpas

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

5

atlânticas entre o Risco e Sesimbra. A “Pré-Arrábida” termina com uma série de relevos sobranceiros à planície arenosa, que se vão esbatendo até Ocidente de Coina-a-Velha, configurando uma espécie de baluarte avançado da cordilheira (ob. cit.). As encostas e vales abrigados da Arrábida, temperados por um clima mediterrâneo, potenciam uma excepcional vocação arbórea, agrícola e cinegética conservando, ainda, algumas manchas de vegetação espontânea endémica original. O seu relevo acidentado permite uma diferenciação de microclimas potenciadores de uma singular diversidade de espécies que atingem um porte exemplar em determinados vales mais favoráveis, por exemplo: o folhado, a murta, a aroeira, o medronheiro, o zambujeiro, o aderno, o lentisco e o carrasco. No que respeita à composição litológica dos seus solos, predominam as rochas calcárias e dolomíticas ou detríticas, compactas e relativamente resistentes. Uma série de sequências sedimentares carbonatadas, margosas e detríticas de idade Mesozóica, sobre as quais se sobrepõem outras, predominantemente detríticas e por vezes carbonatadas de ambientes marinhos restritos, de idade cenozóica, associadas ao processo evolutivo da Bacia do Tejo. À superfície, o carso é relativamente incipiente, embora apresente uma grande diversidade de formas geomorfológicas características: lapiás, dolinas, algares, sumidouros, vales fluvio-cársiscos e o polje das Terras do Risco. A intensa exploração espeleológica desenvolvida nos últimos anos (NECA – Núcleo de Espeleologia da Costa Azul e LPN-CEAE – Centro de Estudos e Actividades Especiais da Liga para a Protecção da Natureza), tem vindo a revelar um carso subterrâneo relativamente desenvolvido e de incomparável beleza, aflorando em várias lapas, grutas, abrigos e sumidouros, cavidades que têm vindo a registar importante potencial arqueológico. As condições de excelência desta costa, em particular de algumas praias e baías, ideais enquanto portos naturais (Rasca, Comenda, Creiro e Portinho, por exemplo), proporcionaram, desde sempre, um forte apelo à sedentarização de grupos humanos nesta região. Dos cursos de águas torrenciais produzidas na serra, apenas a Ribeira da Comenda, partindo da Ribeira da Ajuda, apresenta um regime permanente, desaguando no Sado-Atlântico. A sua foz, na praia da Comenda, desenha uma pequena baía que não passou indiferente em época romana. No entanto, outros cursos de água com fraca expressão actual, devido sobretudo a fenómenos de assoreamento, podem ter constituído, outrora, importantes cursos fluviais, alguns dos quais com provável potencial para a navegação; falamos, por exemplo, das ribeiras do Livramento, de Corva, de Alcube, de Santo António, da Ferraria, da Mareta, do Cavalo, da Apostiça, de Aiana e de Coina, antiga Vala Real, que se assume como a principal linha hidrográfica de toda a cordilheira. Em suma, a geografia da península da Arrábida, enclavada e definida pelo Oceano e pelos estuários do Tejo e Sado, sobranceira às planuras adjacentes, desenvolveu características determinantes para a fixação de grupos humanos e confluência de rotas comerciais (terrestres, fluviais e marítimas), com evidentes consequências geoestratégicas – o traçado viário romano assim o demonstra na perfeição (de Almada a Salacia, Ebora e Pax Iulia). As excelentes condições de defesa e acessibilidade, aliadas à abundante disponibilidade dos recursos hídricos e marinhos, além da singular fertilidade dos solos, proporcionaram um edénico quadro de contínua fixação e habitabilidade ao longo da história.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

6

3. História da investigação regional – breve nota A obra “Descripção do terreno quaternário das bacias hidrographycas do Tejo e do Sado”, de Carlos Ribeiro (1866), marcou a alvorada do “sistemático” reconhecimento científico, geológico e arqueológico, da região da Arrábida. Pioneiro da Geologia e da Pré-história portuguesas, Carlos Ribeiro avançou, na década de 60 do século XIX, com as primeiras campanhas arqueológicas nos hipogeus da Quinta do Anjo (Palmela). É desta altura a descoberta do povoado pré-histórico da Rotura, em Setúbal (1865/66), documentada por uma série de litografias coloridas, da autoria de F. Pereira da Costa (Cardoso, 2000). Em 1878, Carlos Ribeiro coordenou novos trabalhos nas grutas artificiais, desta feita desenvolvidos pelos colectores António Mendes e Agostinho José da Silva. O meritório contributo científico de Carlos Ribeiro teve um digno prossecutor em António Ignácio Marques da Costa, o arqueólogo pioneiro que melhor prospectou a região de Setúbal (Gonçalves, 1971). Militar de carreira (oficial-médico), professor e arqueólogo, Marques da Costa foi ainda um activo militante na vida política local, ao integrar um dos elencos da Comissão Administrativa Municipal de Setúbal, durante o período da I.ª República. No entanto, foi o seu incontornável contributo, no âmbito da embrionária Arqueologia portuguesa, que importa aqui destacar. Aliás, de entre a diversidade das suas actividades, foi mesmo o legado para a Arqueologia que melhor o notabilizou e que constitui, ainda hoje, uma reconhecida referência do panorama intelectual da região de Setúbal, Sado e Arrábida. Nascido em Leiria em 1857, António Ignácio Marques da Costa chegou a Setúbal por via do serviço militar. O Tenente-Coronel do Exército cedo foi “adoptado” pela sua nova cidade, retribuindo, por seu turno, com uma inestimável contribuição enquanto pioneiro da Arqueologia e Geologia locais. Numa época em que estas constituíam ciências intimamente associadas, Marques da Costa foi o primeiro investigador a estudar o monumento geológico da “Pedra Furada” (Setúbal). Por outro lado, empreendeu uma ambiciosa campanha de reconhecimento, escavação e investigação de estações pré-históricas, proto-históricas e romanas na região da Arrábida, na busca de uma identidade etno-histórica regional, de acordo com as tendências genéricas da Arqueologia da 1.ª metade do século XX. Das suas pioneiras campanhas importa destacar, por exemplo, Tróia (Grândola) e Chibanes (Palmela), além de trabalhos de reescavação no povoado da Rotura e nos hipogeus da Quinta do Anjo. Os resultados das suas iniciativas foram regularmente publicados entre 1902 e 1910, nas páginas de “O Arqueólogo Português” (Costa, 1902, 1903, 1904, 1905, 1906, 1907, 1908 e 1910), e os materiais exumados fielmente depositados no Museu Nacional de Arqueologia (Cardoso, 2000). Segundo V. S. Gonçalves, «dezenas de estações pré, proto-históricas e romanas foram marcadas na carta. Centenas de objectos foram descritos ou referenciados» (Gonçalves, 1971, p. 57). Só a partir de 1956, com Eduardo da Cunha Serrão, foi retomada a regularidade dos trabalhos arqueológicos na região da Arrábida. Cunha Serrão, juntamente com Rafael Monteiro e Gustavo Marques, motivou um grupo de jovens estudantes da Faculdade de Letras de Lisboa (José Morais Arnaud, Vitore Susana Oliveira Jorge, F. Sande Lemos e J. Pinho Monteiro) a desenvolver trabalhos na região, em particular no Concelho de Sesimbra. Do vasto contributo científico legado por Cunha Serrão impõe-se destacar um documento: a “Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (desde o Paleolítico antigo até 1200 d.C.)”, resultado final de um sistemático trabalho de reconhecimento arqueológico do Concelho (Serrão, 1973).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

7

Postumamente, este trabalho foi ampliado e publicado pela Câmara Municipal de Sesimbra – “Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (do Vilafranquiano Médio até 1200 d.C.)” (Serrão, 1994). De acrescentar, ainda, os inovadores trabalhos de escavação nas necrópoles da Lapa do Fumo (Serra dos Pinheirinhos/Sesimbra) e na Lapa do Bugio (Serra da Azóia/Sesimbra), cujos importantes resultados foram publicados nacional e internacionalmente em 1958/59 (Cardoso, 2000). Por estas alturas, foi elaborada a Folha geológica de Setúbal (Folha 38-B), cuja notícia explicativa, da autoria de Georges Zbyszewski, foi publicada em 1959 (Zbyszewski et al., 1965). As prospecções e sondagens realizadas para o efeito proporcionaram novas descobertas que acabam por motivar O. da Veiga Ferreira e Rafael Monteiro a retomar as escavações na Lapa do Bugio (1966/67), além da organização de um empreendedor trabalho monográfico acerca dos hipogeus da Quinta do Anjo, publicado em 1961 pelo primeiro daqueles autores em parceria com V. Leisner e G. Zbyszewski (Cardoso, 2000). A década de 1960 vê nascer em Setúbal uma nova geração de arqueólogos: Victor dos Santos Gonçalves e Carlos Tavares da Silva. O primeiro trabalho científico de Carlos Tavares da Silva, publicado em 1963, foi dedicado à fauna malacológica do castro da Rotura (Silva, 1963), estação onde viria a desenvolver outras campanhas arqueológicas (Silva, 1971; Ferreira e Silva, 1971). Victor dos Santos Gonçalves, por seu turno, também desenvolveu trabalhos na estação arqueológica da Rotura: trabalhos preliminares de prospecção e sondagem (Gonçalves, 1966), seguidos de campanhas de escavação em 1967 e 1968, que resultaram na sua dissertação de licenciatura em História, publicada em 1971 (Gonçalves, 1971). Ambos os autores têm, desde então, vindo a incrementar significativamente o conhecimento arqueológico da região da Arrábida. De destacar, também, o contributo de Joaquina Soares, que a partir da década de 1970 inicia trabalhos de arqueologia em colaboração com Carlos Tavares da Silva. Estes autores têm vindo a desenvolver, nas últimas décadas, numerosos trabalhos de prospecção e escavação, direccionados essencialmente para a Pré-história, Proto-história e época romana, e traduzidos na identificação e caracterização de vários sítios arqueológicos, descritos em diversas publicações; impõe-se destacar o levantamento arqueológico do Parque Natural da Arrábida, que resultou numa “quase” carta arqueológica da Arrábida – “Arqueologia da Arrábida” (Silva e Soares, 1986). Com a criação do Museu de Arqueologia e Etnografia da Assembleia Distrital de Setúbal (MAEDS), dirigido por Joaquina Soares desde a sua fundação em 1974, os trabalhos de investigação arqueológica do Distrito ganharam um novo enquadramento científico institucional que tem potenciado a sua regularidade, financiamento e divulgação, destacando-se, por exemplo, as diversas publicações promovidas no seio do MAEDS (Setúbal Arqueológica, MUSA, entre outras). Por fim, há que referir o contributo de João Luís Cardoso, investigador que na década de 1990 dirigiu trabalhos na Lapa da Furada (Serra da Azóia/Sesimbra), reapreciou antigos espólios da Lapa do Bugio (Serra da Azóia/Sesimbra) e publicou sínteses regionais (Cardoso, 1998). Após um estudo de espólio em 2004, o autor promoveu trabalhos de escavação no povoado pré-histórico do Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra, entre 2005 e 2008 (Cardoso, 2009).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

8

4.

Povoados calcolíticos da Arrábida

4.1. Introdução ao tema Tradicionalmente, o Calcolítico representou o advento das sociedades metalurgistas do cobre, conservadoras de um remoto conglomerado de traços culturais, herdados do Neolítico. Hoje, sabemos que as mudanças estruturais e culturais verificadas nas sociedades calcolíticas não se esgotam exclusivamente no fenómeno metalúrgico, integrando este um complexo pacote tecnológico a que Sherratt apelidou de “Revolução dos Produtos Secundários” – uma «autêntica Segunda Revolução Neolítica» (Gonçalves, 1993a, p. 183). A par da metalurgia, intensificaram-se e generalizaram-se as práticas agrícolas e transformadoras (farinação, fiação e tecelagem), verificando-se a acumulação de excedentes, capazes de alimentar as presumíveis redes de troca. A partir do Neolítico final, na transição do IV milénio para o III milénio a.C, se não antes, sentiram-se os primeiros impulsos de uma relativamente rápida transformação tecno-económica, manifestada nas estratégias de povoamento e exploração dos recursos na generalidade do Sul do território português, alterações também verificadas, pelo menos em parte, na região da Arrábida. A estrutura económica assistiu à «emergência de sociedades estabilizadas baseadas na agricultura intensiva; com a Revolução dos Produtos Secundários, aquisição da metalurgia do cobre, alargamento dos territórios, práticas económicas diversificadas e enxameamento das populações excedentárias; papel reforçado do comércio interregional, suprindo as dificuldades específicas dos sítios integrados em redes de povoamento» (Gonçalves, 1989, p. 467). No que respeita ao modelo de povoamento, a opção pelas áreas abertas, de fácil acesso e solos arenosos, deram lugar a ocupações de sítios altos, opções estratégicas determinadas por boas condições naturais de defesa e domínio da paisagem – na Arrábida, o povoado do alto de São Francisco (Quinta do Anjo/Palmela) revelou-se como um exemplo paradigmático da referida mudança (finais do IV milénio a.C.). «O habitat adquire maior estabilidade e, mesmo com eventuais sacrifícios de salubridade (implantação em substratos argilosos) e de acessibilidade a um recurso crítico como a água, tende a abandonar as terras baixas e arenosas e a procurar cumeadas, com boa visibilidade e domínio sobre a áreas envolvente» (Soares, 2003, p. 152); «o povoamento tendeu a eriçar-se com sistemas defensivos e alcandorar-se em pontos com elevada defensabilidade natural» (Calado et al., 2009, p. 9). Estes povoados de altura, próximos de áreas agrícolas favoráveis, constituíram os imediatos antecedentes do povoamento calcolítico da região, em alguns casos reforçados por estruturas defensivas reveladoras da instabilidade social que caracterizou todo o III milénio a.C. (Cardoso, 2004). Contudo, «este padrão topográfico de implantação dos povoados não se desenvolve uniformemente em toda a Estremadura. O povoado da Parede instalou-se durante o Neolítico final, em uma encosta de fraco declive e manteve-se em funcionamento, sem aparentes soluções de continuidade, adentro do Calcolítico inicial» (Soares, 2003, p. 253). O litoral, e em particular os ecossistemas estuarinos, parecem manifestar alguma resistência às transformações já descritas, com sociedades conservadoras de equilibradas economias «predadoras, assentes na recolecção de marisco, pesca e exploração de sal», evidência arqueológica que «configura, muito provavelmente, a primeira divisão sócio-territorial do trabalho da nossa Pré-história» (Silva e Soares, 2006, p. 36); «uma divisão socioterritorial do trabalho, baseada sobretudo na oposição

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

9

litora/interior, ou seja, em factores eco-culturais» (Soares, 2003, p. 152). O interior, beneficiando de um maior desenvolvimento agro-pastoril enquanto actividade impulsionadora de uma complexificação social, antecipa-se no processo de mudança.

Fig. 3 – A Península da Arrábida e os seus povoados calcolíticos (Google Earth).

Em contrapartida, os reflexos das mudanças socioculturais e mentais, de difícil percepção no registo arqueológico, foram-se manifestando ao longo de um período de tempo mais dilatado, concretizando-se plenamente durante o Calcolítico (III milénio a.C.). As sociedades do Neolítico médio, produtoras de escassos excedentes, reinvestidos essencialmente nos rituais funerários enquanto estrutura de coesão social, deram lugar, nos finais do Neolítico/inícios do Calcolítico, a sociedades produtoras de excedentes, acumulando um «sobreproduto económico, que armazenam em silos, que defendem atrás de muralhas» (Silva e Soares, 2006, p. 35). A própria estrutura social segmentária neolítica, sistematizada por protocolos de parentesco, vai evoluir no sentido de uma solidariedade residencial; agora cada povoado teria de assegurar a sua própria defesa e do respectivo território, uma vez que «surge uma nova relação que poderíamos chamar de “protocidadania”, resultante da partilha de um mesmo povoado estável, de um mesmo hinterland produtivo, de um destino comum» (Silva e Soares, 2006, p. 35); estão em causa, nomeadamente, «mecanismos de trocas comerciais e genéticas» que «asseguram uma real uniformidade artefactual dos conjuntos, independentemente dos regionalismos: trocas de sílex/ pedra polida/ cobre e prováveis trocas “matrimoniais”» (Gonçalves, 1989, p. 470). Na transição do IV para o III milénios a.C. verifica-se, então, um “boom” produtivo, manifestado num excepcional aumento dos excedentes, inicialmente canalizados para investimentos de âmbito ritual funerário e representações do poder e do simbólico. Segundo alguns autores, «o apogeu do megalitismo é o “canto do cisne” da sociedade tribal extensa» (Silva e Soares, 2006, p 35). Victor S. Gonçalves sugere «tensões prováveis entre pastores “megalíticos” e agricultores sedentarizados» e estabilizados, usufrutuários das novas técnicas arqueometalúrgicas (Gonçalves, 1989, p. 467). Os seus trabalhos no Alto Algarve Oriental denunciam um fenómeno de “enxameamento” e colonização interna de territórios com potencial deficitário, Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

10

investimento sustentado pelos novos recursos tecnológicos. Gradualmente, os excedentes, o investimento produtivo e o esforço construtivo vão ser transferidos dos cultos funerários para o próprio povoado, facto claramente documentado nas novas arquitecturas funerárias de tipo tholos, menos exigentes em recursos e mão-de-obra que os empreendimentos megalíticos do Neolítico final, «na sequência de uma provável entrada de influências mediterrânicas, planificação dos espaços defendidos com arquitecturas “militares” elaboradas: torres e portas protegidas» (Gonçalves, 1989, p. 470).

Fig. 4 – Quadro das modalidades de apropriação e de reinvestimento dos excedentes nas sociedades do Neolítico final, Calcolítico e Bronze antigo (Soares, 2003, p. 207).

Assim, no decorrer do Calcolítico pleno da Estremadura, vão ser edificadas as grandes muralhas e bastiões do Zambujal (Torres Vedras), Vila Nova de São Pedro (Azambuja), Monte da Tumba (Torrão), Chibanes (Serra do Louro/Palmela) e do Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra (Sesimbra), entre outros, respostas tecnoestratégicas às necessidades de defesa de um sobreproduto económico resultante dos processos evolutivos das sociedades calcolíticas do Sul peninsular, processos iniciados e em desenvolvimento desde o Neolítico. O hinterland de cada grupo é agora organizado em função do seu povoado que se assume como epicentro de poder e cuja localização fundacional vai ser determinada, entre outros aspectos, pelo cruzamento de três factores essenciais: topografia defensiva, domínio sobre solos férteis (classes A/B) e aquíferos acessíveis. A primária agricultura de corte e queimada, limitada à tecnologia disponível e aos solos arenosos e areno-argilosos de baixa fertilidade, rápido esgotamento e longos pousios, era uma actividade altamente consumidora de espaço, determinando os

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

11

pequenos e dispersos núcleos familiares (Soares, 2003). A partir do Neolítico final, regista-se uma intensificação da produção agrícola, potenciada pela incorporação de meios técnicos como o arado e o carro, permitindo, então, a exploração de solos mais espessos e de maior fertilidade (A/B). A par da consolidação da produção agrícola, constata-se um significativo incremento da produção de gado, em particular bovino (além de ovicaprídeo), que para além da carne e subprodutos como o leite e as peles, proporcionou, certamente, força de tracção potenciadora das tarefas agrárias. As dietas também parecem documentar mudanças e a própria cerâmica indicia a importância dos conteúdos a que se destinava: os motivos foliolares “cerealíferos”, como as “folhas de acácia” e “crucíferas”, além de novas formas cerâmicas abertas e pouco profundas, apontam para o consumo de alimentos sólidos, de base cerealífera (papas e “biscoitos”). Também surgem grandes vasos de provisões, prováveis indicadores da produção de excedentes. O Sul peninsular apresenta, comparando com a Estremadura, uma maior densidade demográfica e uma sociedade mais complexa e hierarquizada (chefaturas complexas?), diferenças denunciadas, sobretudo, pela existência de grandes povoados, com áreas na ordem das dezenas ou, segundo os cálculos mais optimistas, das centenas (por exemplo: Alcalar, Perdigões, Porto Torrão, San Blas, Pijotilla e Valencina de la Concepción); equipados com complexos sistemas defensivos que combinam linhas de muralhas e fossos. Estes dados contrastam com a informação disponível para a Estremadura (e Arrábida), com áreas médias rondando 1 hectare, seguindo as mesmas técnicas construtivas e arquitectónicas do Sudoeste e onde ainda não foram documentados fossos defensivos (Silva e Soares, 2006). As novas estratégias de povoamento e a redução dos territórios de captação de recursos tiveram um reflexo imediato na forte sedentarização dos grupos, a par de uma evidente sobrevalorização do hinterland agro-pecuário, consequentemente manifestada na acentuação das fronteiras. Este quadro terá sido naturalmente propício a um clima de instabilidade e conflito inter-grupal, decorrente de uma desigual acumulação de riqueza e «competição pelos recursos críticos face a um cenário de crescimento demográfico» (Silva e Soares, 2006, p. 36). As desigualdades sociais e a ausência de elites e sistemas de poder centralizado poderão ter lançado as sociedades calcolíticas num cenário de “guerra total” e consequente crise epidémica. «Os conflitos existiram e as suas marcas foram observadas, claramente» (Soares, 2003, p. 169), nomeadamente em Leceia e na destruição do pano Sul da segunda linha de muralhas da fortificação central do Monte da Tumba, onde também foram recolhidos restos ósseos de possíveis vítimas de confrontos bélicos, associados a derrubes do pano leste da mesma linha de muralhas. Também em Leceia, Pijotilla e Valencina de la Concepción foram registados restos humanos misturados em fossos com lixos domésticos – «e o que dizer da barbacã do Zambujal, com suas seteiras e “arsenal” de pontas de seta?» (ob. cit., p. 169). No plano mágico-religioso, generalizam-se os enterramentos individuais, mesmo em casos de reutilização de antigas sepulturas colectivas. Ocorrem as primeiras sepulturas de guerreiros e chefes militares, acompanhados de artefactos votivos de elevado prestígio (peças de cobre, ouro e marfim) e que, segundo alguns, denunciam uma acumulação e centralização de poder e riqueza que estaria na génese das sociedades densamente hierarquizadas e estratificadas do Bronze final (Silva e Soares, 2006). Por outro lado, vai sentir-se uma evolução do substrato simbólico indígena, «alterações na iconografia do “princípio feminino”, com novas representações da Deusa Mãe», além da generalização da iconografia solar que vai associar o “disco radiante” à “Deusa Mãe” (Gonçalves, 1989, p. 191). Transformações de carácter

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

12

regional que na Estremadura se materializam na generalização dos tholoi e na opção das grutas artificiais. Os indícios da metalurgia do cobre multiplicam-se ao longo do III milénio a.C., contudo a sua aferição estratigráfica pode ser falaciosa; estamos perante «escórias, pingos ou artefactos que, pelo seu peso ou densidade e pela natureza dos solos, migram a partir de níveis superiores», promovendo enganadores fenómenos pós-deposicionais (Gonçalves, 1993a, p. 187). «A metalurgia constituiria, pois, o sector produtivo da sociedade calcolítica com maiores potencialidades de indução de uma efectiva divisão social do trabalho» (Soares, 2003, p. 189), para além de melhorar a eficiência de equipamentos agrícolas e de pesca (machados planos, punções, serras, facas e anzóis). Por seu turno, a indústria lítica denota alguma continuidade cultural desde o Neolítico – «o modo de vida camponês está patente na associação artefactual machado-enxó em pedra polida»; enquanto os «elementos de projéctil, de conteúdo semântico bem diverso: liberdade individual, mobilidade, comunhão com a natureza» (Soares, 2003, p. 155). Além das matérias-primas importadas, a Arrábida proporcionou, certamente, jazidas de sílex às suas populações pré-históricas. A carência de uma investigação arqueo-geológica dirigida para a identificação de jazidas e pontos de mineração do sílex, aliada a uma contínua destruição pela exploração de pedreiras e cimenteiras, não nos permitem considerandos satisfatórios. Contudo, alguns trabalhos preliminares confirmaram um potencial geológico que não passou indiferente às comunidades “neo-calcolíticas” da Arrábida. Carlos Tavares da Silva, Joaquina Soares e Luciano Costa identificaram, em trabalhos de prospecção, «formações conglomeráticas do Neo-jurássico» nas imediações da Casa Abrigo do Monte do Cabrito, entre a Comenda e Albarquel (Silva e Soares, 1986, p. 106). Nas encostas daquelas elevações foi possível recolher numerosos nódulos de sílex, inteiros ou fragmentados, além de subprodutos de talhe e artefactos do Neolítico e do Calcolítico, nomeadamente instrumentos de pedra polida. O Calcolítico legou-nos diversos artefactos que denunciam uma natureza exógena reveladora da extraordinária dilatação do espaço de trocas e estreitamento dos contactos comerciais com o mundo mediterrâneo. O vaso campaniforme constitui o fóssil director por excelência para este período, o chamado “Horizonte Campaniforme” (segunda metade do III milénio e inícios do II milénio a.C.), enquanto a sua difusão e evolução tipológica e decorativa (técnicas e motivos) acompanha claramente as transformações e adaptações das sociedades calcolíticas, atingindo o apogeu da sua representação regional por meados do III milénio a.C. (Soares e Silva, 1974/77; Bübner, 1979). Os dados cronométricos têm vindo a revelar uma insuspeita antiguidade no surgimento do fenómeno campaniforme, nos estuários do Tejo e Sado, apontando cronologias que remetem para a primeira metade do III milénio a.C., a par do verificado na Meseta e Sudeste peninsular – Grupo de Ciempozuelos (Cardoso, 2000). Esta aferição cronométrica é coincidente com as cronologias campaniformes propostas para o Porto Torrão (Ferreira do Alentejo) e Zambujal (Torres Vedras), também confirmadas além-Pirinéus (Cardoso, 2000 Apud. Salanova, 1998). Grupo campaniforme marítimo ou internacional (estilo AOO) – o vaso campaniforme internacional é tido como a tipologia cerâmica campaniforme mais antiga e de maior dispersão e expansão europeia. Trata-se de «um recipiente de pasta geralmente muito depurada, em forma de campânula invertida, decorado por bandas horizontais preenchidas por traços oblíquos executados segundo a técnica do pontilhado» (Silva e Soares, 1986, p. 91). Estilo cerâmico que vai marcar uma ruptura com a olaria calcolítica precedente, que «inaugura um fenómeno de dispersão a uma escala sem precedentes, rompendo decididamente com os padrões de territorialidade

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

13

que propomos para o Calcolítico pré-campaniforme» (Silva e Soares, 2006, p. 38). O estilo AOO também se faz sentir em caçoilas com decoração geométrica ponteada (Cardoso, 2000). Grupo campaniforme tipo “Palmela” – a cultura material campaniforme, em particular as gramáticas decorativas, transbordaram para formas cerâmicas tradicionais explicando-se, desta forma, a emergência de um novo grupo cerâmico designado de “campaniforme de Palmela”. A técnica do “pontilhado” e os esquemas decorativos campaniformes são agora aplicados em formas clássicas no Calcolítico regional, em particular nas largas taças de bordo espessado internamente e de lábio aplanado (por vezes também decorado), modelo aparentemente já conhecido desde o Neolítico final. Estas taças decoradas vão ficar conhecidas como “taças tipo Palmela”, pelo facto de os primeiros exemplares terem sido identificados nas grutas artificiais da Quinta do Anjo. No que se refere a contextos habitacionais, foi no cabeço das Malhadas (Palmela) que pela primeira vez se isolou, no nosso país, o grupo campaniforme de Palmela (Silva e Soares, 1986). A emergência e regionalização do grupo campaniforme de Palmela coincidiu com um período de marcada instabilidade e transformações nas sociedades calcolíticas estremenhas, verificando-se, em alguns casos, o abandono parcial ou total dos grandes povoados (abandono bem documentado nas destruições da fase 4c do Castro do Zambujal/Torres Vedras). Por outro lado, surgem novos estabelecimentos habitacionais, desta feita optando por cotas mais elevadas e com melhores condições naturais de defesa. Na Arrábida, em particular, correspondem a esta fase os povoados do Pedrão (agora reocupado), do Moinho da Fonte do Sol e das Malhadas, a par da continuidade de ocupação dos povoados da Rotura e de Chibanes (Silva e Soares, 1986). Gradualmente, as estratégias de povoamento aglomerado/concentrado do Calcolítico pleno acabaram por dar lugar a povoamentos dispersos, como consequência de uma aparente quebra demográfica, numa fase em que, de acordo com os modelos tradicionais, se esperaria uma emergência das estruturas sociais tendencialmente hierarquizadas da Idade do Bronze. Mas essa é outra história... Grupo campaniforme inciso – a cultura campaniforme de Palmela, num momento correspondente ao Calcolítico final, passou a expressar as suas gramáticas decorativas, agora com arranjos mais barrocos, através da técnica da incisão, reflexo das trocas e influências oriundas da Meseta espanhola, em particular do grupo campaniforme de Ciempozuelos – a génese do “grupo Inciso” do Horizonte Campaniforme português. No que respeita à região da Arrábida, esta evolução cultural manifestou-se, de forma clara, nas grutas naturais: Lapa do Fumo (Serra dos Pinheirinhos/Sesimbra), Lapa do Bugio (Serra Azóia/Sesimbra) e Lapa do Outão (Morcegos ou Feiticeiras/Setúbal), cavidade cársica entre o Outão e a Figueirinha onde Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares realizaram sondagens – «gruta natural com cerâmica campaniforme incisa» (Ferreira et al., 1993, p. 277). Importa neste ponto referir que as últimas inumações das grutas artificiais da Quinta do Anjo (Palmela) correspondem a este momento, representadas materialmente pelas caçoilas de carena acentuada; pelas taças tipo Palmela; pelas taças de bordo não espessado, exuberantemente decoradas pela técnica de incisão; pelas pontas de seta de cobre tipo Palmela, com a forma “folha de loureiro”; e pelos botões em osso com perfurações em “V” (Silva e Soares, 1986). O povoado da Rotura, por exemplo, ainda era ocupado nesta fase, registando alguma cerâmica campaniforme incisa, «designadamente um fragmento de taça tipo Palmela, que se afigura muito tardio, possuindo o bordo com acentuado espessamento interno e

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

14

decoração incisa associada a impressões de círculos» (Silva e Soares, 1986, p. 104106). Os derradeiros tempos do Horizonte Campaniforme ficam assim marcados pela emergência do Grupo Inciso, associado a um pacote de artefactos metálicos, de ampla distribuição geográfica e do qual se destacam as pontas tipo Palmela e os punhais de lingueta. «Porém, apesar de se admitirem coexistências no espaço e no tempo destes diversos grupos, a verdade é que até agora não foi encontrado um único sítio, à escala regional, onde o horizonte mais antigo (supostamente representado pelo Grupo Internacional) se encontrasse isolado» (Cardoso, 2000, p. 60), sendo muito difícil definir claras fronteiras entre os grupos campaniformes, pois estes ocorrem em contextos fechados e de “vida curta”, em recipientes de tipologia variada com a coexistência das duas técnicas (pontilhada e incisa). «Que o Grupo Inciso é mais moderno que o de Palmela não restam dúvidas, conclusão confirmada pela data obtida para a Cabana EN de Leceia, associada a cerâmicas campaniformes incisas, estatisticamente mais moderna, para um intervalo de confiança de cerca de 95%, que a obtida para a Cabana FN da mesma estação, com materiais cerâmicos do Grupo Palmela» (Cardoso, 2000, p. 60, Apud Cardoso e Soares, 1990/92). O colapso das sociedades calcolíticas poderá ser explicado pelo próprio colapso do respectivo modelo de produção, isto é, a escala localista de centralização em torno do povoado e respectivo hinterland e a conflitualidade inter-grupal, compartimentaram e enfraqueceram o próprio sistema económico-social calcolítico, castrando as forças produtivas, muito em particular a metalurgia enquanto actividade motora por excelência. «A falência deste modelo, ditada por razões endógenas é, pois, independente da presença campaniforme, embora tenha coincidido no tempo com ela, desde um pouco antes de meados do III milénio a.C. até ao final do milénio» (Cardoso, 2000, p. 61). O “retrocesso” verificado na Arrábida, em finais do calcolítico, a um modelo de povoamento em muito semelhante ao verificado no Neolítico final, não pode, segundo João Luís Cardoso, ser visto como consequência de uma eventual regressão económico-social, pois o registo arqueológico atesta um significativo aumento dos produtos exógenos como o cobre (cadinhos com decorações campaniformes do Pedrão e do Moinho da Fonte do Sol), transportado pelo Sado desde os filões do Alentejo (ob. cit.). De referir, ainda, que as taças Palmela encontram-se bem circunscritas geograficamente, ocorrendo com gradual raridade a Norte do Tejo, até ao seu total desaparecimento. A mais setentrional ocorrência conhecida foi registada enquanto único exemplar isolado nas grutas de Eira Pedrinha, a par de um exemplar da mamoa de Chã de Carvalhal, em Amarante – «a tal escassez não se deve atribuir expressão cronológica, mas apenas geográfica» (ob. cit., p. 60). Por fim, importa acrescentar uma sumaria caracterização antropológica do homem que povoou a Arrábida durante o Calcolítico – «para além dos artefactos, há, naturalmente, homens, organizados de forma específica, vivendo num dado espaço, seguindo padrões de comportamento mutuamente reconhecíveis, portadores de signos de identificação no complexo comportamento social das sociedades humanas» (Gonçalves, 1993a, p. 188). Antes de mais, refira-se a escassez de estudos paleoantropológicos para a região em causa, destacando-se os trabalhos desenvolvidos a partir dos vestígios osteológicos da Lapa do Bugio (Serra da Azóia/Sesimbra) e das grutas artificiais da Quinta do Anjo (Palmela).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

15

Agostinho Isidoro promoveu, em 1964, um primeiro estudo a partir de alguns restos ósseos provenientes das tumulações da Lapa do Bugio (Isidoro, 1964). Os dados aferidos revelaram uma estatura média provável dos indivíduos de sexo masculino da ordem dos 169,9 cm, e de 161,4 cm para os indivíduos do sexo feminino. O índice cefálico médio (78,9 cm) corresponde a uma mesaticefalia característica nos Portugueses actualmente nascidos no Sul de Portugal. Quanto à patologia dentária, apenas foram detectados três casos de cárie em 100 molares, indício de um saudável equilíbrio alimentar. Por seu turno, Thomas Bübner, com base nos restos ósseos exumados nos hipogeus da Quinta do Anjo (uma amostra de cerca de 51 indivíduos sepultados na “gruta 4”), propõe uma altura média dos indivíduos masculinos de 1,64 m, para 1,57 m no caso das mulheres – uma estatura geralmente baixa. A esperança média de vida fixar-se-ia nos 26,2 anos tendo, no entanto, sido identificados indivíduos de idade avançada, com mais de 60 anos. Em suma, falamos de um «tipo humano grácil, de proporções pequenas e bem equilibradas e de estatura média reduzida» (Bübner, 1979). De referir, ainda, os recentes estudos antropológicos para a região em causa, conduzidos por Ana Maria Silva e Rui Marques, e recentemente publicados na nova carta arqueológica de Sesimbra – “Lapa do Bugio: Os dados antropológicos” (Silva e Marques, 2009) e “Espólio Antropológico do Concelho de Sesimbra” (Marques e Silva, 2009). Os resultados apresentados foram coligidos a partir do espólio osteológico e odontológico humano, proveniente de oito espaços funerários localizados no Concelho de Sesimbra. No contexto do presente estudo, apenas importa referir as exumações da Lapa do Bugio (Neolítico final/Calcolítico); da Lapa da Furada (Calcolítico); da Lapa do Sono (Neolítico final/Calcolítico?) e da Lapa do Fumo (Neolítico médio/época islâmica). No que respeita ao espólio antropológico da Lapa do Bugio, os autores reportam-se a 105 peças ósseas e odontológicas, representativas de um total de 16 indivíduos: 6 do sexo masculino, 1 do sexo feminino e 1 não adulto. Quanto à Lapa da Furada, foram exumados restos osteológicos referentes a 130 indivíduos: 32 do sexo masculino, 34 do sexo feminino e 64 imaturos. A recém-identificada Lapa do Sono revelou restos osteológicos e odontológicos associados a fragmentos cerâmicos, alguns dos quais decorados, correspondentes a cronologias do Neolítico antigo (Calado et al., 2009). A recolha no local de um crânio humano incompleto, permitiu reconhecer «um indivíduo adulto do sexo feminino com uma idade à morte superior a 45-50 anos» (Marques e Silva, 2009, p. 151). Por fim, a Lapa do Fumo permitiu identificar uma contínua presença humana ao longo de cerca de cinco milénios, desde o Neolítico médio/final até finais da ocupação islâmica (século XII d.C.). Os materiais osteo-odontológicos exumados, no decorrer das campanhas de escavação conduzidas por Eduardo da Cunha Serrão e Gustavo Marques (1964), ainda aguardam estudos antropológico-laboratoriais (Marques e Silva, 2009).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

16

Capacidade dos solos – relação povoados/solos de classes A e B

Legenda: 1 - povoado da Rotura; 2 - povoado do Pedrão; 3 - povoado do Pai Mouro; 4 - necrópole dos Capuchos/Quinta de São Paulo; 5 - povoado da Serra dos Gaiteiros; 6 - povoado de Chibanes; 7 - necrópole da Quinta do Anjo; 8 - povoado das Malhadas; 9 - povoado do Moinho da Fonte do Sol; 10 - povoado do Alto de S. Francisco; 11 - povoado do Moinho do Cuco; 12 - povoado do Cabeço dos Caracóis; 13 - povoado do Casal do Bispo.

Fig. 5 e 6 – Localização das jazidas, do sector oriental da Arrábida, do Neolítico final/Calcolítico, sobre o mapa de uso e capacidade de solos do SROA (seg. Soares, 2003, p. 180-181).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

17

4.2. Setúbal – Arrábida Oriental/Serra de São Luís (pré-Arrábida) 4.2.1. Pedrão/Pedrógão (Serra de São Luís/Setúbal) x = 506 909 y = 426 5610 Altitude (GPS) = 180 metros Fig. 7 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000



Fig. 8 – Topografia do Pedrão (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

18

Ainda hoje, o sítio do Pedrão (ou Pedrógão) conserva uma aura de misticismo na memória residual das gentes mais velhas de Setúbal, antigas e repetidas histórias de potes de ouro ou desgraça e de musas encantadas de língua bífida. Um feliz exemplo de um local em que as lendas e a toponímia conduziram o arqueólogo a um sítio arqueológico. A descoberta do povoado do Pedrão parece ser da autoria de Ignácio Marques da Costa, pois este referese à estação do “Pedrógão” nas suas Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. Carlos Tavares da Silva e Mateus Gonçalves Cabrita visitaram o Pedrão pela primeira vez em Outubro de 1963. Os mesmos investigadores promoveram, no ano seguinte (1964), uma campanha de prospecção de reconhecimento e sondagem na zona ocidental da estação. Em 1970 a jazida voltou a ser intervencionada, desta feita por Octávio da Veiga Ferreira e Carlos Tavares da Silva, sendo definidas algumas estruturas do povoado, além da recolha de cerâmicas, enquadradas no Horizonte Campaniforme (Grupo Palmela). Trata-se de um patamar rochoso sobre altas escarpas, «bancos de calcário duro talhados pela erosão» (Ribeiro, 2004, p. 4748), na cota dos 180 metros (GPS), perfeitamente destacada na encosta nascente da Serra de São Luís, bem visível de toda a cidade de Setúbal, de que dista cerca de 3 km, a poente. Uma autêntica fortaleza natural limitada a Norte, a Sul e a Este pela escarpa, e a Oeste pela própria vertente da Serra. Dominante sobre o estuário do Sado, baixa de Palmela e Setúbal, proporcionou um excelente suporte de implantação para um representativo povoado da alvorada calcolítica da Estremadura.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

Fig. 9 – Indústria lítica do Pedrão (seg. Silva e Soares, 1986, p. 77).

Fig. 10 – Cerâmicas do Pedrão (seg. Silva e Soares, 1986, p. 98).

19

Os seus primeiros vestígios de ocupação humana remontam ao Calcolítico inicial, momento marcado pela alteração nas estratégias de povoamento – estas povoações vão abandonar, decisivamente, os amplos núcleos habitacionais, implantados em solos arenosos de cota baixa, concentrando-se agora em áreas elevadas e muito mais contidas, com potencial de defesa natural e domínio paisagístico. As actividades agrícolas foram indirectamente comprovadas pela ocorrência de mós manuais e instrumentos de pedra polida. Os vestígios zoo-arqueológicos (ossos de animais domésticos e selvagens, vértebras de peixes e restos malacológicos) indiciam, por outro lado, a exploração de outros recursos disponíveis, revelando uma economia em grande parte sustentada pela criação de gado, além da caça, pesca e recolecção de marisco, essencialmente amêijoa (Venerupis decussata) e navalha (Solen marginatus). Também a tecelagem foi indirectamente documentada pelo registo de placas paralelepipédicas de barro, com um ou dois furos em cada extremidade, e interpretadas, mais consensualmente, como pesos de tear (Silva e Soares, 1986). As campanhas de escavação dirigidas por Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, ofereceram abundantes materiais indiciadores, por um lado, de uma «possível tradição neolítica regional», concretizada em «raspadeiras, raspadores, furadores, buris, lâminas com retoque semiabrupto, denticulados, micrólito geométrico, recipientes cerâmicos de bordo extrovertido mas já sem decoração denteada, placa de xisto gravada», por outro lado, de «hipotéticas influências mediterrânicas» latentes nas «pontas de setas mitriformes com retoque cobridor, recipientes cerâmicos decorados por ténues caneluras e de superfícies frequentemente cobertas por aguada acastanhada, cujas formas mais comuns são o copo subcilíndrico e a taça em calote, e “ídolos de cornos” de cerâmica» (Silva e Soares, 1986, p. 73-74). Além destes materiais, foram identificados instrumentos de osso, nomeadamente furadores e cinzéis. No que respeita às práticas metalúrgicas, os autores começam por dizer que «da prática da metalurgia não há indícios seguros» (ob. cit., p. 80), contudo, mais à frente no mesmo texto, referem que «o Pedrão e o Moinho da Fonte do Sol ofereceram fragmentos de cadinhos de fundição decorados exteriormente segundo a técnica campaniforme linear- Fig. 11 – Materiais do Calcolítico inicial do Pedrão (seg. Silva e pontilhada» (ob. cit., p. 101), Soares, 1986, p. 79). acrescentando que tal facto,

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

20

além de documentar práticas metalúrgicas, denuncia que a técnica decorativa campaniforme terá sido aplicada a uma grande diversidade tipológica e funcional de artefactos cerâmicos. O registo material também testemunhou aspectos rituais, nomeadamente a ocorrência de uma intacta placa de xisto gravada, um ídolo cilíndrico em calcário, um ídolo antropomórfico de osso e um “ídolo de cornos”. Tais vestígios remetem para uma continuidade das práticas religiosas do Neolítico final, acentuando-se as prováveis influências mediterrâneas, bem vincadas, em particular, nas duas singulares peças calcárias exumadas na Lapa do Bugio e actualmente em exposição no Museu Municipal de Sesimbra (no Castelo).

Fig. 12 – “Ídolo alcachofra” da Lapa do Bugio – Museu Municipal de Sesimbra (foto de R. Soares).

Fig. 14 – Ídolos da Lapa do Bugio (seg. Serrão, 1994, p. 74; Silva e Soares, 1986, p. 93).

Fig. 13 – “Ídolo pinha” da Lapa do Bugio – Museu Municipal de Sesimbra (foto de R. Soares).

Estes artefactos têm sido interpretados enquanto representação de um “bolbo da flor de lótus”, uma “pinha” ou uma “flor de palmeira” (Cardoso, 2000). Também são conhecidos por “ídolos pinha” e “ídolos alcachofra”, por um deles se assemelhar morfologicamente ao capítulo da alcachofra de São João (Cynara cardunculus), antes de desabrochar, o que poderá associar-se a remotas práticas queijeiras, enquanto coagulante do leite (Serrão 1973; Silva e Soares, 1986). É de admitir uma correspondência com simbólicas orientais relacionadas com a purificação e a renovação da vida, muito comuns em contextos funerários. Esta hipótese é reforçada pelo próprio Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

21

suporte material calcário, muito apreciado no Mediterrâneo Oriental na produção de artefactos de funcionalidade ritual e sagrada (Cardoso, 2000). Esta sugestiva relação mediterrânea no plano mágico-religioso, decorrente, eventualmente, dos processos de difusão osmótica “em mosaico” iniciados, pelo menos, durante o Neolítico final (ob. cit.), vai materializar-se singularmente em duas placas de xisto provenientes da Lapa do Bugio (Serra da Azóia/Sesimbra), referenciadas por Victor S. Gonçalves: a primeira é célebre por conter uma representação antropomórfica no seu interior; enquanto «a segunda traz em si quatro representações do mesmo tipo da anterior». As duas «placas representam a Deusa-Mãe e a figura desenhada em ambas o Jovem Deus, eis uma hipótese de trabalho arriscada mas extremamente sugestiva» (Gonçalves, 1970, p. 421). A referida figura do “Jovem Deus” corresponde à simbólica dos conhecidos “ídolos almerienses” (Cardoso, 2000). O povoado do Pedrão testemunha duas fases de ocupação: uma primeira fase, situada cronologicamente por volta de meados do III milénio, correspondendo ao Calcolítico pleno, também representada no Outeiro Redondo; Moinho do Cuco; Cabeço dos Caracóis e no Zambujal (Sesimbra). Cronologia atestada pela presença de copos com decoração canelada (Soares e Silva, 1975). Admite-se, deste modo, que o abandono do povoado do Pedrão tenha coincidido com a fundação da Rotura, a cerca de 500 m de distância. A segunda fase, descontínua, remete-nos para cronologias da Idade do Ferro. Actualmente, ainda são facilmente identificáveis restos de estruturas na área intervencionada do Pedrão, pois o sítio aparenta ter recebido pontuais acções de desmatação. Na visita que realizei, em Abril de 2009, tive oportunidade de observar alguns materiais cerâmicos de superfície, correspondentes a cronologias calcolíticas e da Idade do Ferro, predominando os mais tardios. Também ocorrem algumas evidências de indústrias líticas em sílex. No sopé da escarpa Norte é possível observar alguns cortes “frescos” nos cones de dejecção produzidos a partir do patamar de ocupação, permitindo a identificação de bolsas de terra negra com restos malacológicos, em particular de amêijoa (Venerupis pullastra?), lapa (Patella vulgata?) e mexilhão (Mytilus Fig. 15 – Corte do cone de detritos da escarpa virada a Norte (seg. Silva e Cabrita, 1964, p. 7). edulis).

Fig. 16 – Vestígios estruturais (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

22

Fig. 18 – A mesma placa, agora desenhada – Museu Municipal de Sesimbra (seg. Cardoso, 2000, p. 59 Apud Cardoso, 1992, Est. 46, n.º 8). Fig. 17 – Placa de xisto da Lapa do Bugio, com a representação da “Deusa dos Olhos de Sol” e quatro antropomórficos “almerienses” – Museu Municipal de Sesimbra (foto de R. Soares).

Fig. 19 (à esquerda) – Ídolo de osso antropomórfico “almeriense” da Lapa do Fumo (seg. Serrão, 1994, p. 82).

Fig. 20 (à direita) – Ídolo de osso antropomórfico “almeriense” da Lapa do Fumo – Museu Municipal de Sesimbra (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

23

Fig. 21 – Domínio visual sobre a baía de Setúbal (foto de R. Soares).

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Topónimo: Div. Administrativa: Descrição:

Espólio: Ref. Bibliográficas:

Pedrão Povoado Idade do Ferro; Calcolítico 4090 Pedrão Setúbal/Setúbal/Setúbal (Nossa Senhora da Anunciada) Povoado calcolítico intervencionado por Octávio da Veiga Ferreira e Carlos Tavares da Silva em 1970. O material recolhido insere-se no Horizonte Campaniforme (grupo de Palmela). Detectaram-se estruturas no povoado. Moedas hispânicas, machados, cerâmica campaniforme. O grupo de Palmela no quadro da cerâmica campaniforme em Portugal/O Arqueólogo Português/1977 A ocupação pré-histórica do Pedrão e o calcolítico da região de Setúbal/Setúbal Arqueológica/1975 Os copos no povoado calcolítico de vila Nova de São Pedro/Revista Portuguesa de Arqueologia/2003 Na Arrábida, do Neolítico Antigo ao Bronze Final/Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida/2000

Ficha de sítio do Pedrão (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

24

4.2.2. Rotura (Serra de São Luís/Setúbal) x = 507 105 y = 426 5197 Altitude (GPS) = 100 metros Fig. 22 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000

▼◄

Fig. 23 – Topografia da Rotura (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

25

O povoado da Rotura situa-se apenas a cerca de 500 metros do Pedrão, numa cota mais baixa, na vertente ocidental da Serra de São Luís, a Oeste-Noroeste de Setúbal. Ocupa uma bem definida crista miocénica, de calcários muito brandos e desagregáveis, com boas condições naturais de defesa e de domínio visual sobre um vale de solos férteis e portelas abertas para o mar (“caminho do peixe”), que à época deveria espraiar-se na actual baixa de Setúbal – «ficou assim uma reduzida faixa, em declive pronunciado, bastante arborizada, e de difícil acesso»; «o Castro, em si, é oculto por uma vegetação rasteira e forte, cheio de pequenas barreiras, naturais ou artificiais, e quase completamente coberto por inúmeros restos de animais marinhos» (Gonçalves, 1966, p. 9).

Fig. 24 – Planta topográfica da Rotura (seg. Gonçalves, 1971, p. 66).

No que diz respeito à história da investigação do sítio da Rotura, «talvez se não exagere ao afirmar que o Castro da Rotura foi a estação arqueológica portuguesa que registou maior número de escavadores no seu activo» (Gonçalves, 1971, p. 53), sendo «um dos primeiros, senão mesmo o primeiro povoado pré-histórico a ser identificado como tal no nosso território» (Cardoso, 2004, p. 21). A sua identificação remonta a 1863, devendo-se a Carlos Ribeiro no âmbito dos trabalhos de reconhecimento geológico da região, desenvolvidos pela então Comissão Geológica de Portugal. As mais significativas peças identificadas foram reproduzidas numa colecção de litografias coloridas destinadas a um álbum coordenado por F. Pereira da Costa a apresentar na Exposição Universal de Paris, de 1867, mas que entretanto nunca chegou a ser publicado. De entre as estampas conservadas, destacam-se alguns artefactos de cobre, como facas curvas, serras e anzóis, diversos fragmentos cerâmicos decorados com o padrão de “folha de acácia” (o padrão clássico do Calcolítico pleno da Estremadura), além de fragmentos de vasos campaniformes de “tipo marítimo”, tidos como das mais antigas produções deste tipo de recipientes identificadas em Portugal (Cardoso, 2004).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

26

Seguindo orientações de José Leite de Vasconcelos, Maximiano Apolinário dirigiu uma breve campanha de sondagens em 1896 (Gonçalves, 1971; base de dados “Endovélico”), seguida, pouco tempo depois (em data incerta), de trabalhos de prospecção conduzidos por Arronches Junqueiro (Costa, 1903; Gonçalves, 1971). Quando António Ignácio Marques da Costa fotografou o povoado da Rotura, em 1904, este já se encontrava parcialmente destruído em cerca de 3/4 da sua área primitiva, pela actividade de exploração de uma pedreira (Cardoso, 2004). Nas palavras de Marques da Costa, «actualmente a extracção da pedra na collina da Rotura é feita com auxílio da pólvora e com tal incremento que dentro em pouco desaparecerão todos os restos da antiga fortificação» (Costa, 1903). A base de dados “Endovélico” regista, também, uma escavação em 1968, da responsabilidade de Fernando de Almeida, sem relatório anexo dos trabalhos arqueológicos desenvolvidos. No final dos anos 60 e inícios dos anos 70, do século passado, a Rotura foi objecto de duas escavações desenvolvidas por equipas independentes: Carlos Tavares da Silva, que produziu o seu primeiro trabalho científico, dedicado à fauna malacológica do castro da Rotura (Silva, 1963), estação onde viria a desenvolver outras campanhas arqueológicas (Silva, 1971; Ferreira e Silva, 1971); e Victor S. Gonçalves, que desenvolveu trabalhos preliminares de prospecção e sondagem, entre 1960 e 1963 (Gonçalves, 1966), seguidos de campanhas de escavação em 1967 e 1968, que resultaram na sua dissertação de licenciatura em História, publicada em 1971 (Gonçalves, 1971). Victor S. Gonçalves, a partir das suas abordagens exploratórias, registou a seguinte descrição: «na sua quase total extensão o castro está praticamente descascado, isto é, reduzido a uma pequena camada de terras que raro ultrapassa os 70 cm» (Gonçalves, 1966, p. 11). Tal observação deve-se naturalmente a fenómenos pós-deposicionais, nomeadamente a uma acentuada erosão causada pela acção das raízes que, para além de acelerarem a fragmentação do substrato rochoso, misturam dramaticamente as ténues camadas. As chuvas de Inverno, por seu turno, produzem enxurradas que acabam por arrastar as terras soltas provocando um caos no registo arqueológico. A segunda etapa dos trabalhos, que o autor promoveu entre 1967-68, revelou uma sequência estratigráfica de continuidade entre «um neolítico arcaico, pré-cardial» e o «horizonte campaniforme» (Ib/Ia) (Gonçalves, 1971, p. 163). Fig. 25 – Estratigrafia da zona 4-10 P-R da Rotura (seg. Gonçalves, 1971, p. 75).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

27

Apesar do mau estado de conservação do sítio, alguns anos depois Carlos Tavares da Silva teve oportunidade de descrever uma excelente sequência estratigráfica, na qual foi possível definir três fases culturais sucessivas (Silva, 1970; Ferreira e Silva, 1970): Rotura I (nível de base – C.6): uma ocupação possivelmente atribuível «a um momento tardio do Calcolítico antigo da Estremadura» (Silva e Soares, 1986, p. 83) / inícios do Calcolítico pleno (Cardoso, 2000). Neste nível inferior, e ao contrário do verificado no povoado do Pedrão, foram registados abundantes indícios de práticas metalúrgicas de fundição do cobre, nomeadamente a ocorrência de cadinhos ainda com resquícios de cobre aderente, além de vários anzóis (Gonçalves, 1971); contudo, foram os níveis médios a proporcionar um maior número de instrumentos de cobre, em particular um machado plano, uma faca espatulada, uma serra e um anzol (Silva e Soares, 1986). Os anzóis, em particular, atestam «a importância da pesca estuarina (corvinas, atuns ou toninhas, atendendo às dimensões, excessivas para pargos ou douradas)» (Cardoso, 2000, p. 57). Rotura II (níveis médios – C.4/C.3): níveis correspondentes ao Calcolítico pleno da Estremadura, que se encontram bem documentados na Arrábida, em particular em Chibanes (Serra do Louro/Palmela) e no Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra, ocupações contemporâneas da fase construtiva das muralhas e bastiões do Zambujal (Torres Vedras) e de Vila Nova de São Pedro (Azambuja). Esta segunda fase de ocupação calcolítica da Rotura surge, aparentemente, em continuidade evolutiva com a fase anterior (Rotura I), não obstante o registo arqueológico revelar a natural ocorrência de novos elementos (decorações com “folha de acácia” em grandes vasos de provisões, por exemplo), e o desaparecimento de outros (cerâmica canelada). No que respeita à tipologia das pontas de seta, cerâmica lisa, alguma cerâmica decorada (potes com fundas caneluras) e hábitos alimentares (as mesmas quantidades e variedades de conchas de moluscos), verifica-se uma concordância em relação ao observado em Rotura I. É oportuno referir, ainda, a possível evolução do copo canelado, da primeira fase do Calcolítico da Estremadura, para uma forma igualmente cilíndrica, de superfícies polidas, tratadas com aguadas avermelhadas e decoradas com “folha de acácia” (Silva e Soares, 1986). Rotura III (níveis superiores): estratos correspondentes ao Calcolítico recente da Estremadura, que se caracterizam pelo advento da cerâmica campaniforme: vasos campaniformes internacionais e caçoilas acampanadas e de bojo 26 – Perfil estratigráfico da Rotura (seg. Silva e arredondado. É de registar, mais uma Fig. Soares, 1986, p. 86). vez, uma evidente continuidade nos restantes elementos do espólio, em relação à fase precedente.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

28

Neste momento o povoado da Rotura já tinha atingido um grau de desenvolvimento económico que lhe permitia associar-se às vias comerciais e adquirir e incorporar culturalmente a cerâmica campaniforme internacional, fenómeno que se repete nos povoados de Vila Nova de S. Pedro (Azambuja) e Zambujal (Torres Vedras). Assim sendo, torna-se possível admitir que «a ocorrência deste tipo de loiça pode não corresponder à chegada de um povo estrangeiro que se tenha estabelecido sobre as ruínas dos antigos e prósperos povoados do Cobre pleno» (Silva e Soares, 1986, p. 91). As investigações promovidas na Rotura permitiram a «identificação de uma estratigrafia que demonstrou pela primeira vez a existência de um horizonte em que as chamadas cerâmicas caneladas da Estremadura do Calcolítico Inicial da Estremadura se encontravam claramente por baixo das cerâmicas com decorações do tipo “folha de acácia”, particularmente bem representadas na estação. O facto de, na camada basal, correspondente à primeira ocupação, não se encontrarem presentes os clássicos “copos canelados”, mas apenas as “taças caneladas” indica uma etapa claramente tardia do Calcolítico Inicial, na transição ou já dos primórdios do Calcolítico Pleno» (Cardoso, 2004, p. 22). Segundo Carlos Tavares da Silva, as populações calcolíticas da Rotura contactaram, Fig. 27 – Materiais de osso (n.º 1), cobre (n.º 2-5) e cerâmicos (n.º 6-15) certamente, “grupos alentejanos” provenientes da Rotura (seg. Silva e contemporâneos, em particular do povoado Soares, 1986, p. 87). fortificado do Monte da Tumba (Torrão do Alentejo). Esta conjectura manifesta-se, desde logo, na evidente semelhança morfológica e tipológica das pontas de seta, em que até o material se repete (xisto jaspóide). No que respeita à cerâmica, a Rotura I não regista o copo canelado, apenas a taça canelada, além de fragmentos de recipientes apresentando decorações caneladas horizontais e oblíquas e incisões em xadrez. De notar a diversidade formal manifestada em pratos de bordo simples e almendrado, estes últimos bem representados nas estações calcolíticas do Alentejo; taças rasas com bordo espessado; taças semiesféricas (a forma que mais se repete); esféricos altos (também expressivos numericamente), «por vezes de parede quase vertical e de bordo extrovertido como no Pedrão»; esféricos de colo estrangulado (forma comum no Alentejo); e potes de armazenamento (Silva e Soares, 1986, p. 85). No que respeita a vestígios estruturais da Rotura, Ignácio Marques da Costa fez referência a construções defensivas (Costa, 1903), que mais tarde Victor S. Gonçalves vai interpretou como prováveis arquitecturas habitacionais (Gonçalves, 1971). De destacar a excelente situação do povoado da Rotura em relação aos recursos explorados. Implanta-se privilegiadamente sobranceiro à Fonte da Rotura, nascente que em época pré-histórica já deveria proporcionar abundância de água às populações ali sedentarizadas. As terras baixas que domina são de excelente fertilidade, de solos A/B, contudo as actividades agrícolas surgem residualmente documentadas, o que não deverá significar uma deficitária exploração destes recursos.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

29

Em contra-partida, o registo arqueológico revelou uma intensa actividade piscatória e de recolecção de recursos marinhos, documentando uma considerável quantidade de conchas de moluscos, na sua grande maioria de amêijoa (Venerupis decussata), além de diversas vértebras e osteólitos de peixes. No entanto, também as actividades venatórias e a criação de gado constituíram actividades bem documentadas pela presença de uma significativa quantidade de ossos de mamíferos, demonstrativa da sua importância na dieta alimentar daqueles grupos humanos – «o texugo, o urso, a raposa, o javali, a cabra, a ovelha, o veado, o boi e o cavalo fizeram parte integrante da ementa dos habitantes do Castro da Rotura. Ementa enriquecida, aliás, por uma abundante fauna marinha: dourada, pargo, lagosta, santola, amêijoas, mexilhões, “navalhas” (solen)...» (Gonçalves, 1971, p. 39-40); «algumas hastes de cervídeos e a fauna identificada prova-nos que parte da ementa dos homens que habitaram em IIIa era constituída por caça grossa (veado, urso) e por moluscos (patelas)» (ob. cit., p. 164). «Entre a fauna, há ainda a citar vértebras de Teleostomidae (Ia, Ib, Iib e IIIa), restos de cetáceos não identificados (IIa) e ossos de cervus elaphus com vestígios de serragem (IIc, IIIa) e grosseiramente polidos (IIIa)» (ob. cit., p. 79). Os vestígios funerários da região, correspondentes à fase média do Calcolítico da Rotura (Rotura II), são escassos e ténues, sem estratigrafia associada. Como já foi referido, estes provêem, no essencial, das jazidas sepulcrais das grutas artificiais da Quinta do Anjo (Palmela), Lapa do Bugio (Serra da Azóia/Sesimbra) e Lapa do Fumo (Serra dos Pinheirinhos/Sesimbra). Nesta fase intermédia, ou na imediatamente anterior (Rotura I), integram-se as requintadas peças de calcário recorrentes nestas tumulações: os ídolos cilíndricos (de carácter antropomórfico) e os ídolos “alcachofra”. O povoado da Rotura «terá sepultado os seus mortos nas grutas naturais de Rotura e São Luís e provavelmente em outros espaços desconhecidos ou pouco conhecidos (hipogeus dos Capuchos, por hipótese)» (Soares, 2003, p. 175). Quanto à Lapa da Rotura, já destruída pelas pedreiras, ainda recebeu uma escavação de emergência por António Ignácio Marques da Costa, revelando uma sepultura violada, «a cerâmica apresenta notável riqueza de forma e é, na sua grande maioria associável à Rotura IIa» (Gonçalves, 1971, p. 47). Por seu turno, a Lapa de São Luís, foi igualmente destruída pela actividade extractiva de uma pedreira – «A. I. Marques da Costa acorreu imediatamente ao local e conseguiu ainda recolher esqueletos humanos, cerâmica, carvão, cinzas e ossos calcinados. Uma “clava” (ou phalus?) apareceu perto de uma placa de xisto decorada geométricamente» (ob. cit., p. 47). Hoje, o povoado da Rotura encontra-se completamente embrenhado na densa vegetação que entretanto foi reconquistando toda a crista miocénica, sendo difícil de progredir mesmo pelo antigo caminho empedrado que liga o Casal da Rotura ao Casal da Pena. Ainda assim, é possível observar alguns cortes com janelas estratigráficas e materiais in situ, nomeadamente fragmentos cerâmicos pré-históricos e diversos vestígios faunísticos e malacológicos, predominando a amêijoa (Venerupis pullastra), além de pé-de-burro (Venus verrucosa), lapa (Patella vulgata) e búzio (Cassidaria echinophora?).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

30

Fig. 28 – A crista miocénica da Rotura (foto de R. Soares).

Fig. 29 – Fertilidade das terras subjacentes (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

31

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Topónimo: Div. Administrativa: Descrição:

Espólio: Ref. Bibliográficas:

Trabalhos:

Rotura Povoado Fortificado Calcolítico 1450 Rotura Setúbal/Setúbal/Setúbal (Nossa Senhora da Anunciada) Povoado fortificado cujas escavações revelam uma estratigrafia contendo os três principais horizontes calcolíticos. As escavações não revelaram indícios da Idade do Ferro. Foi escavado em 1896 por Maximiano Apolinario. Cerâmica canelada, "folha de acácia" e campaniforme, industria lítica. Leite de Vasconcelos e a Tróia de Setúbal/Arqueologia e História/1958 Um instrumento pré-histórico encontrado em Setúbal/Revista de Guimarães/1951 Estação arqueológica do Outeiro da Assenta (Óbidos)/O Arqueólogo Português/1915 O grupo de Palmela no quadro da cerâmica campaniforme em Portugal/O Arqueólogo Português/1977 Estudos sobre a Época do Bronze em Portugal/O Arqueólogo Português/1929 Aquisições do Museu Ethnographico Português/O Arqueólogo Português/1898 Estudo radiográfico de "Calaítes" portuguesas/Revista de Guimarães/1973 Apontamentos de diversas localidades onde foram encontrados objectos préhistóricos/O Arqueólogo Português/1968 Arqueologia da Arrábida/Parques naturais/1986 Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal/O Arqueólogo Português/1906 Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal/O Arqueólogo Português/1907 A ocupação pré-histórica do Pedrão e o calcolítico da região de Setúbal/Setúbal Arqueológica/1975 Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal/O Arqueólogo Português/1903 A estratigrafia do povoado pré-histórico da Rotura (Setúbal): nota preliminar/Actas das 1ªs Jornadas Arqueológicas, Lisboa, 1969/1970 O castro pré-histórico da Rotura: novos elementos para o seu estudo/Lucerna/1966 O Castro da Rotura e o vaso campaniforme/1971 Escavações no castro pré-histórico da Rotura/O Arqueólogo Português/1868 Fauna malacológica do Castro da Rotura/1963 O povoado pré-histórico da Rotura (nova contribuição para o seu estudo)/Arquivo de Beja/1967 O povoado pré-histórico da Rotura (Setúbal). Vestígios de Estratigrafia/Arquivo de Beja/1970 O povoado pré-histórico da Rotura. Notas sobre a cerâmica/Actas do 2º Congresso Nacional de Arqueologia, Coimbra 1970/1971 Os copos no povoado calcolítico de vila Nova de São Pedro/Revista Portuguesa de Arqueologia/2003 Na Arrábida, do Neolítico Antigo ao Bronze Final/Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida/2000 O "fenómeno" Campaniforme na Estremadura Portuguesa/Actas do 3º Congresso de Arqueologia Peninsular. Pré-História recente da Península Ibérica. Vila Real 1999/2000 Mecanismes de diffusion des vases campaniformes: les liens franco-portugais/Actas do 3º Congresso de Arqueologia Peninsular. Pré-História recente da Península Ibérica. Vila Real 1999/2000 Escavação/1968

Ficha de sítio da Rotura (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

32

4.2.3. Pai Mouro (Serra de São Luís/Setúbal) x= y= Altitude (GPS) = Fig. 30 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000



Fig. 31 – Topografia do sítio do Pai Mouro (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

33

Seguindo o caminho que passa ao morro do Pedrão, contornando a vertente nascente da Serra de São Luís, numa cota 50 metros mais acima, seria suposto encontrar o povoado do Pai Mouro. Contudo, nas duas vezes que tentei relocalizar o sítio arqueológico, com base em marcações cartográficos publicadas (Silva e Soares, 1986, p. 73; Ferreira et. al., 1993, p. 265; Soares, 2003, p. 180), não consegui identificar materiais nem uma topografia claramente indiciadora do povoado. A densa vegetação arbustiva e a caruma dos pinheiros mansos que por ali pontuam são suficientes para impedir qualquer reconhecimento arqueológico de superfície. Refiro-me a um «habitat sobre elevação em esporão da encosta E. da Serra de São Luís com materiais cerâmicos, designadamente campaniformes, recolhidos à superfície» (Ferreira et al., 1993, p. 279). Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Div. Administrativa: Ref. Bibliográficas:

Pai Mouro Habitat Calcolítico 8155 Setúbal/Setúbal/Setúbal (Nossa Senhora da Anunciada) Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica/1993 Ficha de sítio do Pai Mouro (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

34

4.3.

Palmela – Arrábida Oriental (pré-Arrábida)

4.3.1. Chibanes (Serra do Louro/Palmela) x = 507 297 y = 426 8642 Altitude (GPS) = 216 metros Fig. 32 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000



Fig. 33 – Topografia de Chibanes (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

35

Povoado com cerca de 300 metros de comprimento (1 ha), implantado na crista da Serra do Louro (Palmela), monoclinal miocénico que se estende entre Palmela e São Simão (Vila Fresca de Azeitão), no sentido Sudoeste-Nordeste. Chibanes desenvolve-se ao longo de uma lomba, imediatamente abaixo do Alto da Queimada, o ponto mais elevado da Serra do Louro (224 metros). A Sul encontra-se defendido naturalmente pela escarpa sobranceira ao Vale dos/de Barris, enquanto a Norte a defesa é proporcionada por um declive acentuado da encosta, embora sem escarpa. A sua situação oferece um excepcional domínio visual sobre as férteis terras do Vale dos Barris a Sul, e sobre a vasta planície aluvial a Norte, que se espraia nas águas do Tejo. De sublinhar um fácil acesso aos recursos marinhos do Sado, encurtado à época pelas baixas aluviais de Setúbal e de Palmela, então alagadas e entretanto assoreadas. Neste ponto importa referir que o domínio territorial de Chibanes “confrontaria” com o território da Rotura, separando-se deste pela fronteira natural da Serra dos Gaiteiros. As primeiras intervenções arqueológicas devem-se a António Ignácio Marques da Costa (1857-1933), que escavou o sítio nos inícios do século XX. Entre 1996 e 2004 o local voltou a ser objecto de escavações arqueológicas da responsabilidade do Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal (MAEDS), sob a direcção de Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares. Chibanes «possui uma das sequências estratigráficas mais completas para o calcolítico e II-III Idades do Ferro da região da Arrábida» (base de dados “Endovélico”). As sequências estratigráficas recuperadas, no decorrer das últimas campanhas (1996-2004), permitiram definir as seguintes fases de ocupação (Silva e Soares, 2006; Silva e Soares, 2008): fase I (Calcolítico e Bronze antigo); fase IIA (Idade do Ferro – século III a.C.); fase IIB (Período Romano Republicano – último quartel do século II/primeiro quartel do século I a.C.); e Fase IIC (Período Romano Republicano – segundo quartel e meados do século I a.C.). No âmbito do presente trabalho apenas importa descrever a 1.ª fase. Fase I – Calcolítico e Bronze antigo – no decorrer do Calcolítico inicial/pleno, foi edificada uma muralha guarnecida com bastiões semi-circulares, estrutura defensiva virada às planuras a Norte, descrevendo um arco com cerca de 300 metros. Esta muralha aparenta ter sido, em parte, destruída durante o Calcolítico médio. De registar uma série de estruturas de combustão datadas do Calcolítico pleno/final, algumas delas associadas a processos de metalurgia do cobre. No que respeita à cultura material, Chibanes enquadra-se no Calcolítico da Estremadura, evidenciando os horizontes cerâmicos da “folha de acácia” e do campaniforme, destacando-se os grupos estilísticos de Palmela e inciso.

Fig. 34 e 35 – Estruturas de combustão (fotos de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

36

Provavelmente, as gentes calcolíticas de Chibanes depositavam os seus mortos na necrópole da Quinta do Anjo. Em 2009, o sítio em vias de classificação foi alvo de uma intervenção de limpeza, consolidação e reconstrução das estruturas escavadas, encontrando-se hoje com melhores condições de preservação e visita. Contudo, ainda se sente a falta dos adequados painéis informativos/interpretativos e de um percurso definido de visita. A via de pé-posto existente na crista da serra passa precisamente sobre o povoado, acarretando uma elevada pressão humana que consequentemente se manifesta na irremediável afectação do mais complexo povoado fortificado calcolítico da região da Arrábida. Acrescente-se que a crista da Serra do Louro reúne excelentes condições para a promoção do património natural, etnográfico e arqueológico, com um circuito que acompanha os vários moinhos de vento, passando pelo povoado pré e protohistórico de Chibanes e pela alcaria do Alto da Queimada. Em toda a área do povoado abundam os fragmentos Fig. 36 – Indústria lítica cerâmicos, na sua maioria de pastas pouco depuradas, em sílex (seg. Silva e desengorduradas com quartzo. As tonalidades das cerâmicas Soares, 2008, p. 32). calcolíticas e da Idade do Bronze tendem frequentemente a apresentar tonalidades castanhas-escuras e negras. Por seu turno, as cerâmicas da Idade do Ferro apresentam tonalidades mais claras e pastas mais depuradas e compactas. É fácil identificar bordos simples e espessados de lábio plano, arranques de asa, perfurações de suspensão, fragmentos cerâmicos com decoração campaniforme pontilhada e incisa, além de materiais em sílex. Restos ósseos de fauna ovicaprídea remetem para actividades de pastoreio. A fauna malacológica também se encontra bem representada, um pouco por toda a área, em particular em bolsas de lixeira no exterior das muralhas, destacando-se a amêijoa (Venerupis pullastra). De acrescentar, ainda, que em vários pontos da Serra do Louro, entre Chibanes e o Moinho da Fonte do Sol, é possível observar vestígios de cerâmica pré-histórica com formas e pastas que remetem para o Calcolítico, além de outras cronologias. Trata-se de fragmentos tendencialmente rolados nas encostas Norte e Sul. Por outro lado, a escarpa Sul desenvolve uma série de abrigos no brando calcário miocénico, alguns dos quais a merecer trabalhos de Fig. 37 – Cerâmica campaniforme, pontilhada e incisa , sondagem pois também apresentam de Chibanes (seg. Silva e Soares, 2008, p. 33). materiais de superfície.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

37

Fig. 39 – Carlos Tavares da Silva em Chibanes (foto de R. Soares).

Fig. 38 – Planta e perfil de Chibanes (seg. Costa, 1910, p. 82).

Fig. 40 – Planta da área escavada na extremidade Oeste do Castro de Chibanes (seg. Silva e Soares, 2006, p. 170).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

38

Fig. 41 – Estruturas defensivas de Chibanes (foto de R. Soares).

Fig. 42 – Bastião semi-circular de Chibanes (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

39

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Topónimo: Div. Administrativa: Classificação: Descrição:

Espólio:

Ref. Bibliográficas:

Trabalhos:

Castro de Chibanes Povoado Fortificado Calcolítico; Idade do Bronze – Inicial; Romano; Idade do Ferro 635 Serra do Louro Setúbal/Palmela/Palmela Em Vias de Classificação O Castro de Chibanes, localizado na crista da Serra do Louro, possui uma das sequências estratigráficas mais completas para o calcolítico e II-III Idades do Ferro da região da Arrábida. Ao seu grande interesse científico soma-se um elevado potencial patrimonial. O sítio abrange uma área aproximadamente de 1 Ha, ocupando uma estreita rechã do relevo monoclinal da pré-Arrábida, francamente exposta a norte. Do povoado domina-se toda a planície aluvial do Tejo e Vale dos Barris, de grande fertilidade agrícola. O sítio de Chibanes foi ocupado em duas fases marcadas por intensa conflitualidade inter-grupal. Assim, as suas boas condições naturais de defesa foram reforçadas pela construção de fortificações quer durante a ocupação préhistórica, quer durante o período sidérico. Da 1ª fortificação, calcolítica, foram já postos a descoberto troços de dois panos de muralha; do Ferro II e III (sécs. IV/III - I a.C.), uma fortificação complexa, com muralhas, torres e baluartes, que integra três grandes fases construtivas às quais correspondem diferentes formas de organizar o espaço edificado intra-muros. Cerâmica calcolítica, cerâmica campaniforme incisa, ânforas e cerâmica pintada em bandas (Ferro II), cerâmica do Ferro III e do período romano republicano. Abundantes ecofactos: ossos, conchas, carvões. Arqueologia da Arrábida/Parques naturais/1986 Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal/O Arqueólogo Português/1906 Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal/O Arqueólogo Português/1910 Ânforas romanas provenientes do castro de Chibanes/Al-madan/1998 A Idade do Ferro na região do baixo Sado. Contribuições recentes/Arqueologia e História Regional da Península de Setúbal/2001 Escavação/1996 Escavação/1997 Escavação/1998 Escavação/1999 Escavação/2001 Escavação/2002 Ficha de sítio de Chibanes (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

40

4.3.2. Malhadas (Serra das Malhadas/Cabeço das Torres/Quinta do Anjo/Palmela) x = 503 673 y = 426 7511 Altitude (GPS) = 225 metros Fig. 43 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000



Fig. 44 – Topografia das Malhadas (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

41

Imponente e bem definida colina, com 228 metros de altitude no seu ponto mais elevado (CMP), entre a excepcional fertilidade dos vales da Serra de São Luís e a planície plistocénica do Tejo. De referir que os topónimos “Cabeço das Malhadas/Serra das Malhadas” não surgem assinalados na mais recente Carta Militar 1:25000, nem são reconhecidos pelos habitantes locais que tive oportunidade de abordar. A elevação e povoação surgem cartografadas como “Cabeço das Torres” e “Torres”, respectivamente, e é assim que são conhecidas localmente. Foi no cabeço das Malhadas que pela primeira vez se isolou, no nosso país e em contexto habitacional, o grupo campaniforme de Palmela (Silva e Soares, 1986). O estrato investigado registou uma significativa quantidade de restos de moluscos marinhos, em particular de amêijoa (Venerupis decussata), espécie abundante no estuário do Sado, indiciando uma actividade de recolecção marisqueira bem documentada na região desde o Mesolítico. Vestígios osteológicos de coelho e veado também atestam práticas venatórias, enquanto a criação de gado é comprovada pela ocorrência de restos ósseos de ovi-caprídeos. As práticas agrícolas são tenuemente testemunhadas por «escassos elementos de foice (denticulados de sílex)» (Silva e Soares, 1986, p. 96). Já a produção metalúrgica é registada pela presença de numerosos cadinhos e escórias de fundição do cobre (ob. cit.). As cerâmicas constituem os mais representativos vestígios materiais legados pelas gentes que habitaram o povoado das Malhadas. De entre a diversidade formal registada, a taça em calote de esfera é a mais comum das formas lisas, funcionalmente associada ao consumo de alimentos. O vaso globular, recipiente supostamente vocacionado para o armazenamento de bens alimentares, também se encontra entre as formas que mais se repetem. Importa referir que estas formas já se verificavam no Calcolítico pré-campaniforme. As pastas apresentam-se geralmente pouco depuradas, desengorduradas por uma grande quantidade de grãos de quartzo. As tonalidades rondam o castanho-amarelado, com zonas escuras indiciadoras de ambientes redutores em cova de “soenga”ou em fogueira aberta. A cerâmica campaniforme decorada das Malhadas apresenta formas análogas às da cerâmica lisa, à excepção das abundantes caçoilas e de escassos fragmentos de vasos campaniformes, evidência que «reforça a hipótese de o grupo campaniforme de Palmela se ter formado pela aplicação a formas cerâmicas pré-existentes, autóctones, da Fig. 45 – Cerâmica campaniforme Palmela do povoado das técnica e temática decorativas Malhadas (seg. Silva e Soares, 1986, p. 97). campaniformes recém-chegadas»

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

42

(Silva e Soares, 1986, p. 96). A taça tipo Palmela, de bordo geralmente espessado internamente, assume-se como o recipiente cerâmico de estilo decorativo campaniforme mais característico, a par da taça em calote de esfera de lábio convexo não decorado. Os pratos de bordo largo, espessado internamente (forma frequente no Calcolítico précampaniforme), e os grandes vasos globulares também apresentam soluções decorativas campaniformes. Estas tramas decorativas são obtidas, quase exclusivamente, pela técnica linear-pontilhada, produzindo-se «pequenas impressões quadrangulares ou rectangulares resultantes da impressão profunda de pente de dentes curtos», em ziguezagues associados a linhas horizontais (Silva e Soares, 1986, p. 99). A técnica incisa é praticamente ausente, surgindo muito raramente e sempre associada à linear-pontilhada. Mais uma vez, a indústria lítica encontra-se escassamente documentada, «foram recolhidos apenas alguns elementos de foice, denticulados, e poucos resíduos de talhe» (ob. cit., p. 101). A relocalização do sítio das Malhadas não foi fácil, sendo conseguida por comparação visual com uma foto do Moinho da Fonte do Sol, tirada por Carlos Tavares da Silva a partir da estação em causa, aferindo o alinhamento do referido Moinho com a Serra da Arrábida, a Sul (Silva e Soares, 1986, p. 99, fig. 70). A vegetação do cabeço apresenta-se hoje Fig. 46 – Relocalização do sítio das Malhadas (foto de R. Soares). muito diferente da verificada pelo autor nos anos 70/80 do século passado: o pastoreio deixou de controlar a vegetação rasteira e um pinhal manso preenche agora a cumeada, forrando o solo com uma espessa camada de caruma e húmus, reduzindo a prospectabilidade a algumas janelas na encosta. Mesmo assim, ainda foi possível vislumbrar escassos fragmentos de amêijoa (Venerupis pullastra) e alguns fragmentos cerâmicos, entre eles um bordo espessado de lábio plano, de taça, de pastas compatíveis com a descrição de Tavares da Silva. De referir uma série de estruturas em aparelho calcário de reduzida dimensão, que afloram no topo do cabeço. Esses vestígios não aparentam ter materiais associados, não sendo possível aferir cronologias. De acrescentar, uma grande quantidade de vestígios malacológicos fósseis, em particular de ostras (Crassostrea angulata) de grande dimensão, verificados em toda a região do vale miocénico do Alcube, resultado da erosão e desprendimento do conglomerado geológico.

Fig. 47 – Vestígios estruturais (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

43

Fig. 48 – Serra das Malhadas/Cabeço das Torres (foto de R. Soares).

Fig. 49 – Portela das Malhadas – “Fonte do Sol” (foto de R. Soares).

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Topónimo: Div. Administrativa: Espólio: Trabalhos:

Malhadas Povoado Calcolítico 3018 Serra das Malhadas Setúbal/Palmela/Quinta do Anjo Fragmentos cerâmicos lisos e decorados (campaniforme), materiais líticos, resíduos de fundição de cobre, fragmentos de conchas de moluscos. Levantamento/1971 Ficha de sítio das Malhadas (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

44

4.3.3. Moinho da Fonte do Sol (Serra do Louro/Quinta do Anjo/Palmela) x = 503 757 y = 426 7186 Altitude (GPS) = 229 metros Fig. 50 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000



Fig. 51 – Topografia do Moinho da Fonte do Sol (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

45

Povoado implantado numa crista miocénica que liga Palmela a Azeitão, na extremidade Oeste da Serra das Torres Altas (Cabanas/Palmela), que prolonga a Serra do Louro, junto ao Moinho da Fonte do Sol. O sítio separa-se do Cabeço das Malhadas por um vale, ainda hoje agricultável, onde se define uma linha de água. Provavelmente ocupado desde o Neolítico final, este povoado ofereceu, além de abundante cerâmica campaniforme do grupo Palmela, um fragmento de bordo denteado (grupo da Parede segundo K. Spindler) (Silva e Soares, 1986). Tal como no Pedrão, este povoado registou uma série de fragmentos de cadinhos de fundição, com decoração exterior produzida pela técnica campaniforme linear-pontilhada. Tal facto, além de documentar práticas metalúrgicas, denuncia que a técnica decorativa campaniforme terá sido aplicada a uma grande diversidade tipológica e funcional de artefactos cerâmicos (Silva e Soares, 1986). Ainda é possível distinguir vestígios estruturais em pedra e terra (base de dados “Endovélico”).

Fig. 52 – Cerâmica com decoração campaniforme pontilhada do povoado do Moinho da Fonte do Sol. De destacar o n.º 8: um fragmento de cadinho com a mesma decoração (seg. Silva e Soares, 1986, p. 100).

Fig. 53 – Fragmento cerâmico com decoração impressa e arranque de mamilo – Neolítico antigo (?) (desenho de R. Soares). Fig. 54 – Fragmento cerâmico com decoração impressa e arranque de mamilo – Neolítico antigo (?) (foto de R. Soares).

Na visita que realizei ao local, não identifiquei vestígios estruturais, apenas uma significativa fracturação de calcários miocénicos, produzida a partir da erosão do afloramento em crista. Numa rápida observação de superfície, numa área de fraca prospectabilidade pela vegetação densa e manta-morta, tive oportunidade de registar meia dúzia de fragmentos cerâmicos, sendo que três deles apresentaram decoração. Refiro-me a um grande fragmento de parede espessa, conservando três linhas

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

46

horizontais incisas junto ao bordo, de pasta bem depurada com elementos não plásticos de dimensão reduzida e homogénea; um pequeno fragmento de parede fina, com seis linhas incisas paralelas; e um pequeno fragmento com impressões organizadas em volta de um arranque de mamilo sobre o lábio, sugerindo uma cronologia correspondente ao Neolítico antigo (?) – «os dados disponíveis são, porém, muito escassos e provêm de recolhas de superfície, não permitindo afirmações peremptórias. Referimo-nos ao povoado do Moinho da Fonte do Sol, que forneceu alguma cerâmica tipologicamente enquadrável no Neolítico final» (Soares, 2003, p. 152).

Fig. 55 – Moinho da Fonte do Sol, observado do cabeço das Malhadas (foto de R. Soares).

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Topónimo: Div. Administrativa: Descrição: Espólio: Ref. Bibliográficas:

Moinho da Fonte do Sol Povoado Calcolítico 4465 Moinho Fonte do Sol Setúbal/Palmela/Quinta do Anjo Povoado onde ainda se conservam restos de estruturas em pedra e terra. Material representativo do Horizonte campaniforme do grupo Palmela. O grupo de Palmela no quadro da cerâmica campaniforme em Portugal/O Arqueólogo Português/1977 Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal/O Arqueólogo Português/1907 Povoado calcolítico do Moinho da Fonte do Sol (Quinta do Anjo - Palmela)/Arqueologia e História/1972 Na Arrábida, do Neolítico Antigo ao Bronze Final/Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida/2000

Ficha de sítio das Malhadas (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

47

4.3.4. Moinho do Cuco (Serra da Portela/São Simão/Setúbal) x = 501 284 y = 426 3661 Altitude (GPS) = 220 metros Fig. 56 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000



Fig. 57 – Topografia do Moinho do Cuco (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

48

Povoado implantado num esporão da Serra da Portela, na extremidade ocidental da Serra de São Francisco, sobranceiro ao vale do Alcube, a cerca de 1 km a Sudoeste do alto das Necessidades. Trata-se de uma crista miocénica de calcários brandos e margosos, orientada de Norte para Sul. A Este, o sítio encontra-se bem protegido pelas elevadas escarpas, bem visíveis da Fig. 58 – Cerâmica do povoado do Moinho do Cuco. De destacar o n.º estrada que sobe ao alto das 12: fragmento de queijeira (seg. Silva e Soares, 1986, p. 81). Necessidades, vinda de Setúbal; dominando a poente uma suave encosta de comprovada fertilidade, com práticas agrícolas documentadas até há poucos anos. No que diz respeito ao registo artefactual: «materiais cerâmicos (designadamente cerâmica canelada e campaniforme) e líticos recolhidos à superfície» (Ferreira et al., 1993, p. 277). Na visita que realizei ao sítio, em Agosto de 2009, verifiquei escassos exemplares cerâmicos, muito rolados e fragmentados pela intensa actividade agrícola, destacando alguns bordos espessados de lábio plano e dois bordos extrovertidos (!). De registar, ainda, um fragmento de machado de secção arredondada em basalto, que poderá indiciar cronologias mais remotas (Neolítico antigo?). De referir, na encosta nascente, imediatamente subjacente ao próprio moinho, uma pequena cavidade em calcários margosos, entulhada por um cone de dejecção que, atendendo à localização imediatamente abaixo do povoado, merecerá uma intervenção de sondagem arqueológica. Pela geomorfologia da crista miocénica, a pequena cavidade aparenta ser resultante de um abatimento de estratos.

Fig. 59 – Moinho do Cuco - domínio da paisagem e defensibilidade (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

49

Fig. 60 – Potencial agrícola do Moinho do Cuco (foto de R. Soares).

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Div. Administrativa: Descrição: Ref. Bibliográficas:

Moinho do Cuco Habitat Calcolítico 8144 Setúbal/Setúbal/São Simão Habitat sobre elevação em esporão. Materiais cerâmicos (designadamente cerâmica canelada e campaniforme) e líticos recolhidos à superfície. Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica/1993 Setúbal/Informação Arqueológica/1979

Ficha de sítio do Moinho do Cuco (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

50

4.3.5. Cabeço dos Caracóis (São Lourenço/Setúbal) x = 497 465 y = 426 1813 Altitude (GPS) = 150 metros Fig. 61 - Extracto da Folha 454 da CMP esc. 1:25000



Fig. 62 – Topografia do Cabeço dos Caracóis (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

51

A estrada Aldeia de Irmãos-Portinho da Arrábida separa o cabeço de Coina-aVelha (Casal do Bispo) do cabeço dos Caracóis, um pronunciado esporão rochoso, com excelentes condições de defesa e domínio da paisagem, que serviu de base de implantação para um “clássico” povoado calcolítico. A ocupação pré-histórica concentra-se na rechã aplanada, subjacente ao ponto mais elevado do cabeço, numa área de cota média rondando os 150 metros. A sua implantação não foge à “regra” de uma preferência calcolítica pelas meias encostas, situação também verificada, por exemplo, nos povoados de Chibanes, Rotura, Moinho da Fonte do Sol e Outeiro Redondo. O cabeço é contornado a Norte-Noroeste por uma linha de água que nasce no rasgado vale adjacente, e a Oeste-Sul pela Ribeira do Alambre (?). A Sul estende-se uma planície aluvial senil, que ainda oferece excelentes condições agrícolas. De sublinhar o topónimo local “Porto de Cambas”, sugerindo uma antiga navegabilidade das ribeiras de Coina e do Alambre. O povoado do Cabeço dos Caracóis é contemporâneo da primeira fase de ocupação do povoado do Pedrão (Serra de São Luís/Setúbal), encontrando-se também representada no Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra, no Moinho do Cuco e no Zambujal (Sesimbra) (Silva e Soares, 1986). As recolhas de superfície documentadas proporcionaram «materiais arqueológicos à superfície: utensilagem de pedra polida; cerâmica, designadamente copo canelado» (Ferreira et al., 1993, p. 269; base de dados “Endovélico”). Na visita que realizei ao sítio, em Junho de 2009, tive oportunidade de observar uma significativa quantidade de cerâmica dispersa por toda a área do povoado destacando-se: alguns bordos simples; bordos espessados de lábio plano; um bordo extrovertido (!), ocorrência também registada do Moinho do Cuco; algumas carenas; e um pequeno mamilo. No que respeita aos artefactos líticos, não parecem abundar, no entanto identifiquei um pequeno fragmento distal com gume de machado de pedra bem polida, de secção Fig. 63 – Materiais do Cabeço dos Caracóis (seg. Silva e Soares, 1986, poligonal, em anfibolito; p. 83). quartzos leitosos com aspectos de talhe; alguns fragmentos de sílex e lascas de cherte. De sublinhar o facto de, ao contrário do observado na maioria dos povoados descritos no presente trabalho, não serem aparentes significativos vestígios malacológicos de superfície, apenas registei, na minha breve observação, dois fragmentos de concha de grandes dimensões, um deles de vieira (Pecten maximus), e que pela sua escassez e dimensão podem ter tido um carácter funcional ou votivo. O sítio ainda não foi alvo de escavações arqueológicas, não se vislumbrando, à superfície, evidências de muralhas ou de outras estruturas defensivas, destacando-se a própria geomorfologia do local que constitui uma fortaleza natural per si. No entanto, é possível observar várias manchas de fracturação calcária sugerindo vestígios de

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

52

derrubes de antigas estruturas, além de alguns alinhamentos rochosos contrários à natural orientação dos afloramentos locais e que podem indiciar restos estruturais de base. No que respeita ao cabeço do Casal do Bispo/Coina-a-Velha, não me foi possível concretizar a visita que intentei ao local em meados de Maio de 2009. Visto o sítio se encontrar no interior de uma propriedade privada, procurei o proprietário que rudemente me expulsou sem qualquer abertura ao diálogo. Ainda assim, consegui identificar os restos de uma estrutura murada e alguns fragmentos de cerâmica de construção, ambos de aspecto antigo, vestígios provavelmente associados ao hisn de Coina-a-Velha. A partir da imagem Google Earth ainda é possível observar os contornos da planta do “Castelo de Coina-a-Velha”, estrutura medieval em parte coberta por uma densa vegetação e praticamente destruída sob o edificado habitacional em expansão e remodelação desde o século XVI. Refiro-me a uma grande casa “acastelada”, com mirantes e alpendres, bem visível da estrada Aldeia-deIrmãos/Portinho da Arrábida. Naturalmente, mais difícil ainda seria descortinar os eventuais vestígios de uma ocupação calcolítica – «habitat sobre elevação em esporão; materiais recolhidos à superfície, do Calcolítico; construções romanas/medievais» (Ferreira et al., 1993, p. 269).

Fig. 64 – Domínio da paisagem (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

53

Fig. 65 – Muralhas naturais (foto de R. Soares).

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Div. Administrativa: Descrição: Ref. Bibliográficas:

Cabeço dos Caracóis / Porto de Cambas Habitat Calcolítico 2489 Setúbal/Setúbal/São Lourenço Habitat sobre elevação em esporão. Materiais arqueológicos recolhidos à superfície: utensilagem de pedra polida; cerâmica, designadamente copo canelado. Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica/1993 Património. Prospecção arqueológica. Povoado do Porto de Cambas (Setúbal)/Movimento Cultural/1985 Ficha de sítio do Cabeço dos Caracóis (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

54

4.4.

Sesimbra – Arrábida Ocidental

4.4.1. Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra (Sesimbra) x = 491 117 y = 425 6605 Altitude (GPS) = 210 metros Fig. 66 - Extracto da Folha 464 da CMP esc. 1:25000



Fig. 67 – Topografia do Outeiro Redondo (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

55

Povoado fortificado de altura, implantado na mais baixa elevação de uma linha de três cabeços orientados de Nordeste para Sudoeste, coroada pelo castelo de Sesimbra. As óptimas condições naturais de defesa do Outeiro Redondo são bem visíveis quando circulamos na estrada que desce à vila de Sesimbra e que contorna a elevação e as suas imponentes escarpas de calcários jurássicos, brancos e duros (213 metros, no ponto mais alto - CMP). Domina todo o vale diapírico e baía de Sesimbra, entre a praia da Califórnia e o Forte do Cavalo, contactado visualmente o povoado do Zambujal, seu contemporâneo (a Noroeste). A Norte e Este é praticamente inexpugnável, dispensando estruturas defensivas, sendo o acesso ao sítio apenas possível pelo recorte orográfico entre o cabeço contíguo (o cabeço do Moinho da Forca, a Sudoeste), por seu turno contíguo ao morro do castelo. É neste ponto que se definem os derrubes de muralha e algumas estruturas habitacionais, entretanto alvo de intervenções arqueológicas de escavação sob a direcção de João Luís Cardoso (2005-2008). Entre 5 de Agosto e 24 de Setembro de 1966, o sítio foi alvo de algumas sondagens, trabalhos dirigidos pelo arquitecto Gustavo Marques e cujos resultados, segundo João Luís Cardoso, nunca terão sido publicados pelo autor (Cardoso, 2009). Contudo, Eduardo da Cunha Serrão descreve-nos, na sua Carta Arqueológica do Concelho de Fig. 68 – Cerâmicas do Outeiro Redondo (seg. Serrão, 1994, p. 63, Sesimbra, um elenco de Apud Marques, 1967). materiais provenientes do Outeiro Redondo (Serrão, 1994). Cunha Serrão remete-nos para um texto de Gustavo Marques (Serrão, 1994, p. 62-63, Apud Marques, 1967), o qual não tive oportunidade de consultar directamente. Do referido elenco de materiais destacam-se: «polidores incompletos e um grande fragmento de mó manuária» de granito; «fragmentos de machados polidos» de diorito; «lascas atípicas» de quartzito; «duas pontas de seta mitriformes e uma tipo Torre Eiffel, bem como fragmentos de outras» de sílex; «fragmentos de lâminas prismáticas; uma lâmina ovóide fragmentada e um raspador buril», também em sílex. Cerâmica «não decorada, alguns fragmentos com perfurações para suspensão» e pratos; copos com decoração tipo “folha de acácia”, canelados, «em xadrez e campaniforme». De acrescentar, ainda, «fragmentos de peso de tear» e «ossos de animais e conchas de moluscos». Segundo Cunha Serrão, Gustavo Marques «propõe três épocas de ocupação: 1.ª – Eneolítica Pré-campaniforme; 2.ª Campaniforme; 3.ª Horizonte “folha de acácia”» (ob. cit., p. 62-63). Segundo Carlos Tavares da Silva, o registo material do Outeiro Redondo sugere um inaugural período de ocupação situado cronologicamente por volta de 2500/2400 a.C. (contemporâneo da 1.ª fase do Pedrão), cronologia fixado pela ocorrência de alguns fragmentos de copos canelados e de uma seta mitriforme (Silva e Soares, 1986). Nos últimos anos a jazida voltou a ser objecto de investigação arqueológica, desta feita em trabalhos de prospecção e escavação conduzidos por João Luís Cardoso, cujos resultados ainda aguardam publicação, importando referir, contudo, a breve cartela publicada pelo autor na nova Carta Arqueológica de Sesimbra – “Outeiro Redondo” (Cardoso, 2009). O investigador promoveu um estudo de espólio em 2004 e analisou a informação contida num extracto de caderno de campo de O. da Veiga

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

56

Ferreira, datado de 22 de Dezembro de 1967, onde são descritos «bastiões adossados a muralha curvilínea» (Cardoso, 2000, p. 57). Em 2005 iniciou um «vasto programa anual de escavações» que têm decorrido até à actualidade (Cardoso, 2009, p. 154). João Luís Cardoso adianta, pela primeira vez, alguns resultados das suas recentes investigações: uma potência estratigráfica máxima de cerca de 1,20 metros, que evidencia uma «permanência de ocupação humana durante quase todo o III milénio a.C.», entre o Calcolítico inicial da Estremadura (primeiros séculos do III milénio a.C.) e o Calcolítico pleno (Campaniforme Internacional) – entre cerca de 2800 e 2200 a.C. (cronologia aferida com base em datações radiocarbónicas). Os níveis inferiores registam «numerosos fragmentos de taças com decoração de finas caneluras paralelas, constituindo bandas simples abaixo do bordo, acompanhadas, entre outros, por recipientes de paredes direitas e fundos planos ou ligeiramente convexos (“copos”, na nomenclatura arqueológica)». Nos níveis superiores estas produções cerâmicas vão ser substituídas por recipientes de paredes direitas e recipientes esféricos (vasos de provisões), decorados com motivos em “folha de acácia” e “crucíferos”. A estratigrafia calcolítica é encerrada por «escassos fragmentos de vasos campaniformes do grupo Internacional» – Calcolítico pleno (ob. cit., p. 154). No que respeita à metalurgia do Outeiro Redondo, esta encontra-se bem documentada desde o Calcolítico inicial, sendo a produção local aparentemente confirmada pela ocorrência de um pequeno lingote que depois de analisado nos remete para uma provável origem no Alto-Alentejo.

Fig. 69 – Pontas de seta em sílex, provenientes da Lapa do Bugio e Outeiro Redondo, em exposição no Museu Municipal de Sesimbra (foto de R. Soares).

Por seu turno, a cultura lítica é atestada pela presença de machados e enxós de pedra polida em anfibolitos (também originários daquele quadrante alentejano), além de «um belo conjunto de pontas de seta, raspadores, de lâminas e de elementos de talhe bifacial, cujo brilho, conservado ao longo do gume, indica a sua utilização como elementos de foices» (ob. cit., p. 154). Pelo seu aspecto, o sílex aparenta ter origem, na sua maior porção, «nos afloramentos cretácicos situados a norte do Tejo». Além dos referidos elementos de foice, as práticas agrícolas encontram-se bem documentadas pela recolha de diversos elementos de mós manuais (dormentes e moventes) que, segundo o autor, também poderiam ter servido para «farinar bolotas». A tecelagem também surge comprovada pela ocorrência de «numerosas placas de barro perfuradas», interpretadas como pesos de primitivos teares (ob. cit., p. 154-155).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

57

Fig. 70 – Vestígios estruturais (foto de R. Soares).

João Luís Cardoso também descreve os vestígios estruturais que identificou, referindo-se a duas ordens de muralhas: a primeira a Sul, contornando o topo da elevação, e um segundo pano de muralha arqueado, a Este, «avançado relativamente à muralha, que lhe passa por detrás, que defenderia uma entrada no recinto, constituindo deste modo uma espécie de barbacã» (ob. cit., p. 155). A muralha que se associa a esta “barbacã” desenvolve-se na direcção Este-Oeste, atingindo, na extremidade Ocidental, a sua máxima expressão. Nesta localização, para fazer face ao acentuado declive, foi edificado, com grandes blocos deslocados do próprio cabeço, «um dispositivo de muros adossados longitudinalmente, que garantiam estabilidade à estrutura» (ob. cit., p. 155). A fase mais antiga do complexo defensivo remonta ao Calcolítico inicial, sendo que a fase construtiva mais recente reporta-se aos finais do Calcolítico pleno. As estruturas habitacionais são mais discretas, destacando-se uma estrutura de combustão («lareira estruturada»), utilizada durante o Calcolítico inicial. De referir, ainda, uma série de muros radiais em relação à muralha, perpendiculares ao seu lado interno, que Fig. 71 – “Lareira estruturada” (foto de R. compartimentaram as estruturas domésticas durante Soares). o Calcolítico pleno (ob. cit., p. 155). Segundo Manuel Calado, «a área delimitada pelo potente sistema defensivo é muito escassa, pelo que estamos perante aquilo que se poderia

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

58

designar, com alguma liberdade analógica, como “casal fortificado”» (Calado et. al., 2009, p. 26).

Fig. 72 – Excelente situação defensiva (foto de R. Soares).

Nas visitas que realizei ao local verifiquei, em toda a área do povoado, sobretudo na área intervencionada, numerosos fragmentos de cerâmica manual, em particular alguns bordos de taça espessados, de lábio plano; fragmentos de cerâmica canelada; um fragmento cerâmico com perfuração de suspensão; artefactos de sílex e chert; e dormentes de mós manuais em arenito, integrando os vestígios estruturais. Por outro lado, actividades como a criação de gado e a recolecção marisqueira são fáceis de constatar na observação de superfície: diversos restos osteológicos (ovi-caprídeos) e abundantes e singularmente diversificados restos malacológicos: lapa (Patella vulgata e Patella aspera?), mexilhão (Mytilus edulis), ostra (Crassostrea angulata), búzio, e outros fragmentos de conchas de bivalves, de grande porte e espessura, que não me arrisco a identificar.

Fig. 73 – Outeiro Redondo visto do Castelo (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

59

Fig. 74 – Domínio visual sobre a baía de Sesimbra (foto de R. Soares).

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Div. Administrativa: Descrição: Ref. Bibliográficas:

Trabalhos:

Povoado Pré-Histórico de Sesimbra / Castro de Sesimbra / Outeiro Redondo Povoado Fortificado Calcolítico 2934 Setúbal/Sesimbra/Sesimbra (Castelo) Povoado de altura, com boas condições naturais de defesa. Abundante espólio lítico e cerâmico encontrado à superfície ou proveniente de pequenas sondagens. Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica/1993 Carta arqueológica do Concelho de Sesimbra (desde o Paleolítico antigo até 1200 d.C.)/1973 Castro eneolítico de Sesimbra/Boletim do Centro de Estudos do Museu Arqueológico de Sesimbra/1967 Estudo de Espólio/2004 Escavação/2005 Escavação/2006 Escavação/2007 Ficha de sítio do Outeiro Redondo (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

60

4.4.2. Zambujal (Sesimbra) x = 489 534 y = 425 6607 Altitude (GPS) = 190 metros Fig. 75 - Extracto da Folha 464 da CMP esc. 1:25000



Fig. 76 – Topografia do Zambujal (Google Earth).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

61

Povoado calcolítico localizado nas imediações de Sesimbra, na sítio do Zambujal de Baixo, implantado numa discreta elevação em crista calcária, de cota na ordem dos 190 metros, no entanto com um assinalável domínio sobre as paisagens arenosas a Norte e em directo contacto visual com o Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra, a Este. A topografia do sítio encontra-se visivelmente conturbada pela exploração das pedreiras e pela pressão urbanística, sendo hoje difícil definir a sua dimensão e contornos originais, não sendo evidentes restos estruturais defensivos ou habitacionais. O povoado define-se sobranceiro a uma linha de água, a Sul, e a terrenos que terão proporcionado boas condições para as práticas agrícolas e pastoris. O mar encontrase relativamente próximo sendo o “caminho do peixe” definido pelo vale de Sesimbra. Alguns cortes estratigráficos a descoberto revelam diversos vestígios artefactuais in situ, nomeadamente cerâmica Fig. 77 – Corte estratigráfico (foto de R. Soares). manual, em particular alguns bordos espessados, de lábio plano; materiais em sílex; um grande machado de pedra polida, de secção poligonal, em anfibolito (Neolítico final/Calcolítico); fragmentos de dormentes de mó em basalto, além de restos faunísticos (ovi-caprídeos) e malacológicos (bem menos representativos que no Outeiro Redondo). A jazida foi identificada em 1969 pelo arquitecto Gustavo Marques, em grande parte já destruída pelas pedreiras. Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, a partir da recolha de materiais de superfície, definem três horizontes culturais: Neolítico final, Calcolítico inicial e Calcolítico recente (Silva e Soares, 1986). De referir alguma «cerâmica recolhida à superfície (bordos denteados, decoração canelada e de “folha de acácia”» (Ferreira et. al., 1993, p. 261). Manuel Calado refere que: «não deixa de ser curioso que, tanto o Outeiro Redondo, como o Zambujal (este, aparentemente, de fundação mais antiga) ocupem, no território sesimbrense, uma posição muito próxima da Sesimbra medieval e moderna, sugerindo uma lógica territorial relativamente semelhante» Fig. 78 – Cerâmica do povoado do Zambujal (seg. Silva e (Calado et al., 2009, p. 9). Soares, 1986, p. 85)

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

62

Fig. 79 – Povoado do Zambujal (foto de R. Soares).

Fig. 80 – Machado de pedra polida (anfibolito) in situ (foto de R. Soares).

Designação: Tipo de Sítio: Período/Notas: CNS: Topónimo: Div. Administrativa: Descrição: Ref. Bibliográficas:

Zambujal Habitat Calcolítico; Neolítico Final 401 Zambujal de Baixo Setúbal/Sesimbra/Sesimbra (Castelo) Habitat sobre elevação em crista. Cerâmica recolhida à superfície (bordos denteados, decoração canelada e de "folha de acácia") Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica/1993 Carta arqueológica do Concelho de Sesimbra (desde o Paleolítico antigo até 1200 d.C.)/1973

Ficha de sítio do Zambujal (base de dados “Endovélico”).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

63

5. Considerações finais Findo o presente trabalho, um primeiro considerando: os macro-modelos de investigação, aplicados ao Calcolítico do Sudoeste peninsular, devem ser traduzidos para a escala regional da Arrábida, à primeira vista periférica enquanto “finisterra” geográfica plena de singularidades e, presume-se, alguns determinismos específicos. Por outro lado, enquanto região “exposta”, poderá ter beneficiando do contacto marítimo e de acessos fluviais de primeira grandeza. Enclavada entre os estuários dos rios Tejo e Sado, a península da Arrábida testemunhou, ao longo da história, «apreciáveis ritmos de transformação» em momentos de mudança e grande dinamismo social (Gonçalves, 1993a, p. 198). Trata-se obviamente de averiguar até que ponto, no Calcolítico, esta vantagem estratégica teve efectivamente impacto no desenvolvimento social e económico das sociedades do Sudoeste peninsular. Partindo do actual estado da investigação é possível, desde logo, distinguir duas áreas de ocupação calcolítica diferenciadas, com base na distribuição geográfica dos sítios e nas próprias diferenças paisagísticas: o “grupo” da Arrábida Ocidental, na área de Sesimbra (Outeiro Redondo/Castro de Sesimbra e Zambujal), e o “grupo” da Arrábida Oriental ou “pré-Arrábida”, entre Setúbal e Palmela (Pedrão, Rotura, Pai Mouro, Chibanes, Moinho da Fonte do Sol, Cabeço das Malhadas, Moinho do Cuco, Cabeço dos Caracóis/Casal do Bispo). Muitos mais sítios encontram-se referenciados, por exemplo no “Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica” (Ferreira et al., 1993), contudo, apenas foram descritos, no presente trabalho, os sítios revistos por Carlos Tavares da Silva e Joaquina Soares, no contexto do trabalho intitulado de “Arqueologia da Arrábida” (Silva e Soares, 1986), uma vez que os restantes foram apenas objecto de breves referências, eventualmente pouco seguras. Segundo os autores, com quem tive oportunidade de trocar algumas impressões, «os dados disponíveis são, porém, muito escassos e provêm de recolhas de superfície, não permitindo afirmações peremptórias» (Soares, 2003, p. 152). Por exemplo: na relocalização que efectuei ao povoado da Serra da Cela, no Portinho da Arrábida, referenciado como Neolítico/Calcolítico (Ferreira et. al., 1993), constatei que corresponde, na verdade, a um povoado da Idade do Bronze. Genericamente, os diversos povoados referenciados implicam, quase sem excepção, um modelo de implantação em pontos elevados e intermédios, com boas condições naturais de defesa e domínio visual sobre as paisagens adjacentes. A esta elevada defensibilidade, acresce o fácil acesso aos recursos naturais: povoados sobranceiros a linhas de água, férteis terrenos agrícolas (A/B), boas pastagens e bons acessos ao estuário do Sado e Oceano (“caminho do peixe”). O registo arqueológico, documentado na região da Arrábida, é revelador de uma forte sedentarização, focada numa intensa exploração agro-pecuária, em actividades de tecelagem, venatórias e de recolecção, sobretudo de moluscos marinhos, além de práticas metalúrgicas. Apenas em Chibanes e no Outeiro Redondo foram documentadas, com certeza, verdadeiras estruturas defensivas, encontrando-se estes povoados fortificados com muralhas, e no caso específico de Chibanes, com bastiões semi-circulares, com alguma semelhança com o verificado no Monte da Tumba (Torrão), a propósito dos quais se afirmou que «no esforço investido nas fortificações calcolíticas é possível ler a riqueza do grupo, mas também estimar a ameaça real ou potencial que trazia inseguro o povoado» (Soares, 2003, p. 168), mesmo admitindo, como alguns autores, a ideia pouco razoável de que as fortificações tinham função essencialmente simbólica.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

64

A própria geomorfologia dos sítios estudados pode ter dispensado, em alguns casos, a construção de dispositivos arquitectónicos de defesa; em alternativa, estas ausências podem corresponder apenas a lacunas da investigação ou, ainda, corresponderem a épocas em que ainda não se construíam muralhas (Neolítico antigo) ou em que já não se construíam muralhas (Campaniforme). Ao contrário do modelo proposto para o povoamento do Sudoeste peninsular (sobretudo o Alentejo e Andaluzia ocidental), de maior complexidade e hierarquização social, os dados disponíveis para a Estremadura parecem justificar «uma rede de povoamento pouco hierarquizada, com pequenos territórios polarizados por fortificações que raramente ultrapassam 1 ha, em geral localizadas na dependência de solos de elevada fertilidade e de linhas de água de alguma importância». Por seu turno, «os povoados de pequenas dimensões podem corresponder à constituição de novos grupos destacados de outros excessivamente grandes, ou a conjunturas transitórias» (ob. cit., p. 171). Também parece constituir regra o facto de os povoados que seguramente não possuem estruturas defensivas corresponderem a ocupações do Neolítico final, que sobreviveram nos primeiros momentos do Calcolítico inicial, ou, em alternativa, ocupações das fases avançadas do Horizonte Campaniforme (Grupos de Palmela e Inciso). Por outro lado, temos povoados economicamente “especializados”, de elevada densidade populacional, fundados no Neolítico final/Calcolítico inicial, que vão receber um investimento defensivo no Calcolítico inicial, prolongando uma ocupação durante o Calcolítico pleno e Horizonte Campaniforme, mesmo com prováveis hiatos de abandono. Estes povoados parecem denotar, por vezes, relações de dependência ou de subsidiariedade, relativamente bem documentadas na península de Lisboa (por exemplo: Barotas/Leceia ou Fórnea/Zambujal) (ob. cit.).

Fig. 81 – Vale do Alcube (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

65

Na região da Arrábida, em particular, a partir dos dados produzidos, sobretudo em trabalhos de prospecção, é possível distinguir diferentes momentos de ocupação calcolítica: temos povoados fundados durante o Neolítico final, como o Alto de S. Francisco e o Moinho da Fonte do Sol (este último a merecer agora uma revisão dos dados – Neolítico antigo?); outros fundados durante o Calcolítico inicial, como o Pedrão, Moinho do Cuco (em utilização do Calcolítico inicial até ao Calcolítico pleno e final) e o Cabeço dos Caracóis (abandonado antes do Calcolítico pleno, provavelmente em favor do Casal do Bispo), alguns dos quais cedo abandonados e substituídos por outros, como parece ter sido o caso do precoce abandono do Pedrão, em favor da Rotura; e outros, ainda, fundados em fases tardias do Calcolítico inicial, como são exemplo Chibanes e a Rotura, e que vão vingar durante o Calcolítico pleno e final. Durante momentos intermédios/finais do Horizonte Campaniforme (Palmela e Inciso), a “Pré-Arrábida” vai denotar uma «inequívoca vitalidade», «mas também “desarrumação” ou quase desconexão com o registo precedente» (ob. cit., p. 176). A Rotura e Chibanes manifestam uma continuidade de ocupação; o Pedrão e o Moinho da Fonte do Sol são reocupados após um longo período de abandono; e são fundados exnihilo os habitats das Malhadas e de Pai Mouro. À imagem de grande parte do Sudoeste peninsular, também na região da Arrábida se vai sentir uma clara retracção do povoamento calcolítico, sendo raros os povoados que vão persistir além-campaniforme. Mesmo excluindo mapas arqueológicos que não correspondem a esquemas diacrónicos entre os sítios representados, é possível constatar um directo contacto visual entre muitos dos povoados descritos, sugerindo que a implantação destes poderá ter sido determinada por critérios macroestratégicos, isto é, pela necessidade de definir uma cintura defensiva circunscrevendo um hinterland comum, centrado nos férteis vales dos Barris e do Alcube, uma estratégia territorial em muito semelhante a momentos históricos ulteriores.

Fig. 82 – Vale dos Barris (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

66

Seguramente sincrónicos, além de uma cultura material comum, os povoados fortificados de Chibanes e Rotura (?), distando entre si escassos 4 km, parecem admitir relações de cooperação «e/ou de conflito, conforme as conjunturas de tão prolongada vizinhança» (Soares, 2003, p. 175), contudo, à luz dos dados disponíveis, ainda não é possível confirmar claras hierarquias entre as redes de povoamento da região. Esta estratégia de ocupação colectiva também poderá, em parte, explicar a ausência de arquitecturas defensivas na maior parte dos povoados identificados na região, curiosamente, os dois povoados que revelaram maiores preocupações desta natureza encontram-se, precisamente, nas extremidades do complexo geológico da Arrábida (Chibanes e Outeiro Redondo). A península de Lisboa, pelo contrário, tem revelado povoados bem defendidos por fortificações amuralhadas, com bastiões, torres e barbacãs (Zambujal, Vila Nova de S. Pedro ou Leceia). Mais uma vez, a explicação para tais diferenças poderá residir nas particularidades e permeabilidades regionais, nas influências externas, nos diferentes ritmos de absorção e integração de novos impulsos tecno-culturais e nos processos de colonização e difusão interna. Numa abordagem de alcance mais amplo, pode questionar-se se «teriam existido na região dois grandes grupos, coetâneos e vizinhos, socioculturais distintos, ocupando um a cordilheira da Arrábida, em sentido lato, e outro, as planícies aluvionares do Tejo e Sado? Ou pelo contrário, os povoados ribeirinhos terão correspondido a especialização funcional de segmentos dos grupos de economia agro-pecuária?» (Soares, 2003, p. 153). No que respeita à cultura material, é possível elencar um útil esquema de fósseis directores cerâmicos, salvaguardando o facto de estes materiais coexistirem no tempo e no espaço antes da sua total substituição. Assim, do mais antigo para o mais recente: taças carenadas; copos e taças canelados; cerâmica decorada com “folha de acácia” e “crucífera”; cerâmica campaniforme internacional, decorada com a técnica do pontilhado; cerâmica campaniforme “Palmela” com decoração pontilhada; cerâmica campaniforme do Grupo Inciso. No plano mágico-religioso, ao povoamento disperso do Neolítico vai opor-se uma evidente concentração funerária; no Calcolítico o povoamento vai concentrar-se em povoados protegidos, por vezes por estruturas defensivas, enquanto as necrópoles se afastam para a periferia. «Na Estremadura, a informação disponível é inconcludente no que se concerne a este aspecto» (Silva, 2003, p. 167). Tendo em conta os espólios antropológicos e arqueológicos, registados nas necrópoles das grutas naturais de Sesimbra (Lapa do Fumo, Lapa do Bugio e Lapa da Furada), estes aparentam ter justificado um maior empreendimento populacional para além daquele que é hoje conhecido na área. No “grupo” populacional da Arrábida Oriental (ou pré-Arrábida), o que se verifica, na relação povoados/necrópoles, é precisamente o oposto – “muita gente poucas grutas/necrópoles”. Apenas se conhecem as necrópoles dos hipogeus da Quinta do Anjo (Palmela) e as mal conhecidas “grutas artificiais” (lapas afeiçoadas?) dos Capuchos, na Quinta de São Paulo (Palmela). Este desequilíbrio relativo, entre povoados e necrópoles dependerá, mais uma vez, das lacunas informativas de uma investigação condicionada pela sistemática exploração e destruição do território pela actividade extractiva das pedreiras e cimenteiras; pela galopante pressão urbanística; pelas difíceis condições de prospectabilidade, onde domina uma vegetação arbustiva bastante densa; e pela própria morfologia do terreno além de uma intensa actividade agrícola e de pastoreio, documentada desde o Neolítico, nos férteis vales da região.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

67

6. Referências bibliográficas: BüBNER, T (1979) – Restos humanos dos hipogeus do Casal do Pardo (Palmela). Ethnos, 8, p. 87-105. CALADO, M.; GONÇALVES, L.; FRANCISCO, R.; ALVIM, P.; ROCHA, L.; FERNANDES, R. (2009) – O Tempo do Risco. Carta Arqueológica de Sesimbra. Sesimbra: Câmara Municipal. CARDOSO, J. L. (2000) – Na Arrábida, do Neolítico Antigo ao Bronze Final. Actas do Encontro sobre Arqueologia da Arrábida. Lisboa: Instituto Português de Arqueologia [Trabalhos de Arqueologia, 14], p. 45-70. CARDOSO, J. L. (2004) – A Pré-História de Entre Tejo e Sado. Paleontologia e Arqueologia do Estuário do Tejo: actas do I Seminário (Galeria Municipal de Montijo, 28, 29 e 30 de Maio de 2004, coordenação editorial Luís Marques). Montijo: Câmara Municipal; Lisboa: Colibri, 2005, p. 11-41. CARDOSO, J. L. (2009) – Outeiro Redondo. O Tempo do Risco. Carta Arqueológica de Sesimbra. Sesimbra: Câmara Municipal, p. 154-155. COSTA, A. I. M. (1902) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 7, p. 275-282. COSTA, A. I. M. (1903) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 8, p. 47-52; p. 137-148; p. 266-274. COSTA, A. I. M. (1904) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 9, p. 145-153. COSTA, A. I. M. (1905) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 10, p. 185-193. COSTA, A. I. M. (1906) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 11, p. 40-50. COSTA, A. I. M. (1907) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 12, p. 206-217; 320-338. COSTA, A. I. M. (1908) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 13, p. 270-283. COSTA, A. I. M. (1910) – Estações pré-históricas dos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 15, p. 55-83. FERREIRA, C. J. A.; LOURENÇO, F. S.; SILVA, C. T.; SOUSA, P. (1993) – Património Arqueológico do Distrito de Setúbal. Subsídios para uma carta arqueológica. Setúbal: Associação de Municípios do Distrito de Setúbal. GONÇALVES, V. S. (1966) – O castro pré-histórico da Rotura: novos elementos para o seu estudo. Porto: Lucerna, 5, p. 476-511. GONÇALVES, V. S. (1970) – Sobre o Neolítico na Península de Setúbal. II. A propósito de duas placas de xisto, da Lapa do Bugio. Actas das I Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses (Lisboa, 1969). Lisboa. I, p. 407-421. GONÇALVES, V. S. (1971) – O Castro da Rotura e o vaso campaniforme. Setúbal: Junta Distrital de Setúbal, p. 271. GONÇALVES, V. S. (1989) – Megalitismo e Matalurgia no Alto Algarve Oriental. Uma aproximação integrada. 2 vols. Lisboa: UNIARQ/INIC. GONÇALVES, V. S. (1993a) – A emergência e desenvolvimento das sociedades agro-metalúrgicas. In MEDINA, J. ed. - História de Portugal. Lisboa: Ediclube. Vol. 1, Coordenado por Victor S. Gonçalves. p. 181-212. ISIDORO, A. F. (1964) – Estudo do espólio antropológico da gruta neo-eneolítica do Bugio. In Trabalhos de Antropologia e Etnologia, 19 (3-4), p. 321-384. MARQUES, G. (1967) – Castro eneolítico de Sesimbra. Boletim do Centro de Estudos do Museu Arqueológico de Sesimbra. Sesimbra. 1:1 e 2:, p. 10-21. MARQUES, R.; SILVA, A. M. (2009) – Espólio antropológico do Concelho de Sesimbra. O Tempo do Risco. Carta Arqueológica de Sesimbra. Sesimbra: Câmara Municipal, p. 148-151. RIBEIRO, O. (2004) – A Arrábida. Esboço Geográfico. Sesimbra: Fundação Oriente e Câmara Municipal de Sesimbra. Riquezas Subterrâneas da Arrábida (2000) – Núcleo de Espeleologia da Costa Azul (NECA). SERRÃO, E. C. (1994) – Carta Arqueológica do Concelho de Sesimbra (desde o Vilafranquiano Mádio até 1200 d.C.). Sesimbra: Câmara Municipal de Sesimbra.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

68

SILVA, A. M.; MARQUES, R (2009) – Lapa do Bugio: os dados antropológicos. O Tempo do Risco. Carta Arqueológica de Sesimbra. Sesimbra: Câmara Municipal, p. 142-147. SILVA, C. T. (1963) – Fauna malacológica do Castro da Rotura. Setúbal. Tertúlia Cultural, Ciência e Saber. Setúbal. p. 30. SILVA, C. T. ; CABRITA, M. G. (1964) – Estação arqueológica do Pedrão (Setúbal). Revista Cetóbriga. Setúbal. 12, p. 3-20. SILVA, C. T.; SOARES, J. (1986) – Arqueologia da Arrábida. Parques Naturais. Lisboa: Serviço Nacional de Parques, Reservas e Conservação da Natureza, 15. SILVA, C. T.; SOARES, J. (2006) – Territórios da Pré-história em Portugal. Setúbal e Alentejo Litoral. Tomar: Centro Europeu de Investigação da Pré-história do Alto Ribatejo, ARKEOS, vol. 7. SILVA, C. T.; SOARES, J. (2008) – Castro de Chibanes. Palmela Arqueológica. Espaços, Vivências, Poderes. Roteiro da Exposição. Palmela: Câmara Municipal/ Divisão de Património Cultural/ Museu Municipal, p. 31-33. SOARES, J. (2003) – Os hipogeus Pré-Históricos da Quinta do Anjo (Palmela) e as economias do simbólico. Setúbal: Museu de Arqueologia e Etnografia do Distrito de Setúbal/Assembleia Distrital de Setúbal. SOARES, J.; SILVA, C. T. (1975) – A ocupação pré-histórica do Pedrão e o calcolítico da região de Setúbal. Setúbal Arqueológica. Setúbal. 1, p. 53-153.

Bibliografia de referência CARDOSO, J. L. (1998) – Arqueologia da região meridional da península de Setúbal: breve síntese baseada nos principais testemunhos arqueológicos. Al-madan. Almada. Série II, 7, p. 23-36. CARDOSO, J. L. ; SOARES, A. M. M. (1990/1992) – Cronologia absoluta para o Campaniforme da Estremadura e do Sudoeste de Portugal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 4.ª Série: 8-10, p. 193-206. CHOFFAT, P. (1908) – Essai sur la tectonique de la chaine de l’Arrábia. Mem. Com. Geol. Portugal. Lisboa. COSTA, A. I. M. (1923-1924) – Estudos sobre algumas estações da época luso-romana nos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 26, p. 314-328. COSTA, A. I. M. (1925-1926) – Estudos sobre algumas estações da época luso-romana nos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 27, p. 161-181. COSTA, A. I. M. (1930-1931) – Estudos sobre algumas estações da época luso-romana nos arredores de Setúbal. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 29, p. 2-31. FERREIRA, O. V.; SILVA, C. T. (1969/1970) – A estratigrafia do povoado pré-histórico da Rotura (Setúbal): nota preliminar. Actas das I Jornadas Arqueológicas da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Lisboa, vol. 2, p. 201225. GONÇALVES, V. S. (1993b) – As práticas funerárias nas sociedades do 4º e do 3º milénios. O Megalitismo. In MEDINA, J. ed. - História de Portugal. Lisboa: Ediclube. Vol. 1, Coordenado por Victor S. Gonçalves. p. 245-284. GONÇALVES, V. S. (2007) – Breves reflexões sobre os caminhos das antigas sociedades camponesas no Centro e Sul de Portugal. Estudos Arqueológicos de Oeiras. Oeiras. 15, p. 79-94. MARÇAL, F.; MARTINS, F. (2004) – A Arrábida: um olhar por dentro e por fora. Geomorfologia, Geologia e Biologia da Região da Serra da Arrábida. Paleontologia e Arqueologia do Estuário do Tejo: actas do I Seminário (Galeria Municipal de Montijo, 28, 29 e 30 de Maio de 2004, coordenação editorial Luís Marques). Montijo: Câmara Municipal. Lisboa: Colibri, 2005. p. 111-123. MENDES, A. (1868) – Escavações no castro pré-histórico da Rotura. O Arqueólogo Português. Lisboa, 1.ª Série: 2, p. 194. Património Arquitectónico e Arqueológico Classificado. Inventário (1993). Lisboa: IPPAR, 3 Vols. RAPOSO, J. (2001) – Sítios arqueológicos visitáveis em Portugal. Al-madan. Almada. 2.ª Série: 10, p. 100-157. RASTEIRO, J. (1897) – Notícias archeologicas da Peninsula da Arrábida. O Arqueólogo Português. Lisboa, vol. III. RIBEIRO, O. (1967) – Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico – Esboço de relações geográficas. Lisboa. 2004. SERRÃO, E. C.; SERRÃO, V. M. (1997) – Sesimbra Monumental e Artística. Sesimbra: Câmara Municipal de Sesimbra. 2.ª edição, p. 196. SILVA, C. T. (1967) – O povoado pré-histórico da Rotura (nova contribuição para o seu estudo). Arquivo de Beja. Beja: 23-24, p. 164-172.

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

69

SILVA, C. T. (1970) – O povoado pré-histórico da Rotura (Setúbal). Vestígios de Estratigrafia. Arquivo de Beja. Beja: 25-27, p. 31-44. SILVA, C. T. (1971) – O povoado pré-histórico da Rotura. Notas sobre a cerâmica. Actas do 2.º Congresso Nacional de Arqueologia (Coimbra 1970). Coimbra: Junta Nacional de Educação, vol. 1, p. 175-192. SILVA, C. T. (1993) – Calcolítico. In Pré-história de Portugal. Lisboa: Universidade Aberta. SILVA, C. T.; SOARES, J. (1997) – Chibanes revisitado. Primeiros resultados da campanha de escavação de 1996. Estudos Orientais. Homenagem ao Professor António Augusto Tavares. Lisboa: Instituto Oriental da Universidade Nova de Lisboa, VI, p. 33-66. SOARES, J.; BARBIERI, N.; SILVA, C. T. (1972) – Povoado calcolítico do Moinho da Fonte do Sol (Quinta do Anjo - Palmela). Arqveologia e História. Lisboa, 9.ª Série: 4, p. 235-268. SOARES, J.; SILVA, C. T. (1974-1977) – O Grupo de Palmela no quadro da cerâmica campaniforme em Portugal. O Arqueólogo Português. Lisboa, Série III, 7-9, p. 102-112. ZBYSZEWSKI, G; FERREIRA, O. V.; MANUPPELLA, G; ASSUNÇÃO, C. T. (1965) – Carta Geológica de Portugal, na escala 1/50 000 (Notícia explicativa da Folha 38-B, Setúbal), p. 120-126.

Documentos electrónicos: Base de Dados Endovélico [consultas entre Dezembro de 2008 e Setembro de 2009]. Disponível em linha em http://www.ipa.min-cultura.pt/db

Material cartográfico: CARTA MILITAR DE PORTUGAL: FOLHAS 454, 464 e 465. Serviços Cartográficos do Exército – Escala 1 : 25000 – Lisboa: S. C. E., 1970. CARTA GEOLÓGICA DE PORTUGAL: FOLHA 38-B (Setúbal). Serviços Geológicos de Portugal – Escala 1 : 50000 – Lisboa: S. G. P., 1965. GOOGLE EARTH [consultas entre Dezembro de 2008 e Outubro de 2009]. GPS – Coordenadas rectangulares UTM (datum ED50).

Fig. 83 – João Luís Cardoso, Joaquina Soares, Manuel Calado e Carlos Tavares da Silva em visita ao Outeiro Redondo, em 16 de Novembro de 2007, por ocasião do II Encontro de Arqueologia da Arrábida (foto de R. Soares).

Povoados Calcolíticos da Região da Arrábida

70

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.