Sobre a classificação e o enquadramento do conhecimento educacional - Basil Bernstein
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Sobre a classificação e o enquadramento do conhecimento educacional •
Basil Bernstein
Prefácio Um leitor poderia pensar que este trabalho está fora de lugar em um livro sobre linguagem e socialização. Eu o incluí aqui por muitas razões. Trata-‐se de uma tentativa de compreender as inter-‐relações entre ordens simbólicas, formas de organização social e a estruturação da experiência em termos de códigos; aqui, em termos de códigos do conhecimento educacional. Este trabalho trata dos problemas da mudança social e, como os anteriores, baseia-‐se em Durkheim e Marx, explicitamente, e em Mead, implicitamente. De outro ponto de vista, ele considera diferentes formas de institucionalização dos códigos elaborados e suas consequências. Introdução O modo como uma sociedade seleciona, classifica, distribui, transmite e avalia o conhecimento educacional que ela considera público reflete tanto a distribuição de poder e os princípios de controle social. A partir desse ponto de vista, as diferenças no interior e as mudanças na organização, transmissão e avaliação do conhecimento educacional deveriam ser uma importante área de interesse sociológico (Bernstein, B., 1966, 1967; Davies, D. I., 1970a, 1970b; Musgrove, 1968; Hoyle, 1969; Young, M., 1970). Com efeito, tal estudo é uma parte da questão mais ampla sobre a estrutura e as alterações na estrutura da transmissão cultural. Por várias razões, os sociólogos britânicos trataram timidamente dessa questão. Como resultado, a sociologia da educação tem sido reduzida a uma série de problemas sobre entrada e saída; a escola foi transformada em uma organização complexa ou em uma instituição de processamento de pessoas. O estudo da socialização tem sido banalizado. O conhecimento educacional é um importante regulador da estrutura da experiência. Deste ponto de vista, pode-‐se perguntar: "De que modo as formas de experiência, identidade e relação são evocadas, mantidas e alteradas pela transmissão formal do conhecimento e sensibilidades educacionais?” Podemos considerar que o conhecimento educacional formal realiza-‐se através de três sistemas de mensagem: o currículo, a pedagogia, a avaliação. O currículo define o que conta como conhecimento válido, a pedagogia define o que conta como transmissão válida do conhecimento, e a avaliação define o que conta como Tradução do capítulo 11 (“On the classification and framing of educational knowledge”) do livro Class, Codes and Control – Vol. I. Theoretical Studies towards a Sociology of Language, de Basil Bernstein. London and New York, Routledge, 2003. A primeira edição do livro é de 1971. (Fiz essa tradução para uso didático em cursos e grupos de discussão sobre currículo, em especial no âmbito do Programa CAPES/PIBID/UFSM/Filosofia. Em algumas situações eu me vali da versão francesa, feita por J. C. Chamboredon. Ronai Rocha, Novembro de 2013.) •
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realização válida desse conhecimento por parte do ensinado. O termo "código de conhecimento educacional", que será introduzido mais tarde, refere-‐se aos princípios subjacentes que moldarão o currículo, a pedagogia e a avaliação. Será argumentado que a forma que esse código assume depende de princípios sociais que regulam a classificação e o enquadramento do conhecimento tornado público nas instituições educacionais. Durkheim e Marx mostraram que a estrutura das classificações e enquadramentos da sociedade revela tanto a distribuição de poder e os princípios do controle social. Espero mostrar, teoricamente, que os códigos educacionais oferecem excelentes oportunidades para o estudo da classificação e enquadramento que dão à experiência sua forma específica. O trabalho está organizado da seguinte forma: (1) Vou primeiro distinguir entre dois tipos de currículos: justaposto (collection) e integrado. (2) Com base nessa distinção vou estabelecer um conjunto de conceitos mais gerais: classificação e enquadramento (frame). (3) Uma tipologia de códigos educacionais será então derivada. (4) Os aspectos sociológicos de dois códigos educacionais muito diferentes será então explorado. (5) Isto levará a uma discussão sobre os códigos educacionais e os problemas de controle social. (6) Finalmente, haverá uma breve discussão sobre as razões para o enfraquecimento de um código e um fortalecimento do movimento do outro. Dois tipos de currículos
Inicialmente vou falar sobre currículo de uma forma muito geral. Em todas as instituições educacionais há uma pontuação formal do tempo em períodos. Estes podem variar de dez minutos a três horas ou mais. Vou chamar cada período formal de tempo uma “unidade”. Vou usar a palavra "conteúdo" para descrever como o período de tempo é usado. Vou definir um currículo inicialmente em termos do princípio mediante o qual as unidades de tempo e os seus conteúdos são colocados em uma relação especial um com o outro. Agora eu quero examinar mais de perto a frase “relação especial” Em primeiro lugar, podemos examinar as relações entre conteúdos em termos da quantidade de tempo concedido a um determinado conteúdo. Imediatamente podemos ver que é dedicado mais tempo a alguns conteúdos do que a outros. Em segundo lugar, alguns dos conteúdos podem, do ponto de vista dos alunos, serem obrigatórios ou opcionais. Podemos assim medir, de forma grosseira, a importância relativa de um conteúdo em termos do número de unidades dedicadas a ele, e se é obrigatório ou facultativo. Isto levanta
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imediatamente a questão da importância relativa de um dado conteúdo e seu significado em um determinado curso educacional. Podemos, no entanto, considerar as relações entre os conteúdo de uma outra perspectiva, talvez mais importante. Podemos nos perguntar, acerca de um determinado conteúdo, se o limite entre ele e outro conteúdo é nítido ou borrado (blurred). Até que ponto os diferentes conteúdos estão bem insulados uns dos outros? Se os diferentes conteúdos estão bem insulados uns dos outros, direi que os conteúdos estão numa relação fechada entre si. Se há um insulamento pouco marcado entre os conteúdos, direi que os conteúdos estão em um relacionamento aberto uns com os outros. Até o momento, então, estou sugerindo que podemos ir até qualquer instituição educacional e examinar a organização do tempo em termos do estado relacional dos conteúdos, e se os conteúdos estão em uma relação aberta/fechada uns com os outros. Estou deliberadamente usando esta linguagem muito abstrata para enfatizar que não há nada de intrínseco na condição relativa dos diferentes conteúdos, não há nada intrínseco nas relações entre conteúdos. Independentemente da questão da lógica intrínseca das várias formas de pensamento público, as formas de sua transmissão, isto é, sua classificação e enquadramento, são fatos sociais. Há uma série de meios alternativos de acesso às formas públicas de pensamento e, assim, às diversas realidades que eles possibilitam. Estou, portanto, enfatizando a natureza social do sistema de alternativas a partir do qual emerge uma constelação chamada de currículo. Deste ponto de vista, qualquer currículo envolve um princípio ou princípios segundo os quais de todos os conteúdos possíveis de tempo, a alguns deles são dados um estatuto diferencial e assim eles entram em relação aberta ou fechada em relação a outros. Vou agora distinguir entre dois grandes tipos de currículo. Se os conteúdos estão em uma relação fechada entre si, isto é, se os conteúdos são claramente delimitados e insulados, esse currículo será chamado de justaposição (collection). Aqui, o aprendiz tem que reunir um grupo de conteúdos favorecidos para poder satisfazer alguns critérios de avaliação. Certamente, pode haver algum tipo de conceito subjacente à uma justaposição: o cavalheiro, o homem culto, o perito, o não-‐vocacional. Agora quero opor ao currículo por justaposição um currículo no qual os vários conteúdos não seguem caminhos separados, mas onde os conteúdos estão em uma relação aberta uns com os outros. Chamarei esse currículo de tipo integrado. Podemos ter, obviamente, vários tipos de justaposição e vários graus e tipos de integração. Classificação e estrutura Vou agora apresentar os conceitos de classificação e enquadramento, que serão utilizados para analisar a estrutura subjacente dos três sistemas de mensagem, currículo, pedagogia e avaliação, que são realizações do código de conhecimento educacional. A ideia básica está materializada no princípio usado para distinguir os dois tipos de currículos: justaposto e integrado. O insulamento forte entre os conteúdos apontava para o tipo justaposto, ao passo que o insulamento reduzido apontava para o tipo integrado. O princípio aqui é a
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firmeza (strenght) do limite entre os conteúdos. Esta noção de firmeza do limite subjaz aos conceitos de classificação e enquadramento. A classificação, aqui, não se refere ao que está classificado, mas às relações entre os conteúdos. A classificação refere-‐se a natureza da diferenciação entre os conteúdos. Onde a classificação é forte, os conteúdos estão bem insulados uns dos outros por limites fortes. Onde a classificação é fraca, há uma redução do insulamento entre os conteúdos, pois os limites entre os conteúdo são fracos ou tênues. A classificação refere-‐se, portanto, ao grau de manutenção das fronteiras entre os conteúdos. A classificação concentra a nossa atenção sobre a firmeza dos limites como sendo a característica crítica da divisão do trabalho no conhecimento educacional. Espero mostrar que este conceito de classificação nos oferece a estrutura básica do currículo, como um sistema de mensagem. O conceito de “enquadramento” é usado para determinar a estrutura do sistema de comunicação que é a pedagogia. O enquadramento refere-‐se à forma do contexto no qual o conhecimento é transmitido e recebido. O enquadramento refere-‐se à relação pedagógica específica do professor e aluno. Da mesma forma que a classificação não se refere aos conteúdos, o enquadramento não se refere aos conteúdos da pedagogia. O enquadramento refere-‐se à firmeza dos limites entre o que pode e o que não pode ser transmitido na relação pedagógica. Onde o enquadramento é forte, existe uma fronteira nítida, onde o enquadramento é fraco, o limite entre o que pode ou não ser transmitido é borrado. O enquadramento nos remete à gama de opções disponíveis para os professores e alunos quanto ao controle do que é transmitido e recebido no contexto da relação pedagógica. O enquadramento forte implica opções reduzidas; o enquadramento fraco implica uma gama de opções. Assim o enquadramento refere-‐se ao grau de controle que o professor e o aluno possuem sobre a seleção, organização e o ritmo do conhecimento transmitido e recebido na relação pedagógica. (1) Há um outro aspecto da relação de limites entre o que pode e o que não pode ser ensinado e, consequentemente, um outro aspecto do enquadramento. Podemos considerar a relação entre o conhecimento cotidiano não-‐escolar do professor ou do aluno, e o conhecimento educacional transmitido na relação pedagógica. Podemos levantar a questão da firmeza da fronteira, do grau de insulamento entre o conhecimento cotidiano do professor e o conhecimento ensinado e educacional. Assim, podemos considerar as variações na firmeza dos enquadramentos na medida em que estes referem-‐se a firmeza da fronteira entre o conhecimento escolar e o conhecimento cotidiano não-‐escolar de quem ensina e de quem aprende. Do ponto de vista desta análise, a estrutura básica do currículo, como um sistema de mensagem, é dada por variações na firmeza da classificação e a estrutura básica da pedagogia, como sistema de mensagem, é dada pela variação da firmeza dos enquadramentos. Será demonstrado mais tarde que a estrutura da avaliação, como sistema de mensagem, é uma função da firmeza da classificação e do enquadramento. É importante perceber que a força da classificação e a força do enquadramento pode variar independentemente uma da outra. Por exemplo, é possível haver uma classificação fraca e um
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enquadramento excepcionalmente forte. Considere o caso da aprendizagem programada. Aqui a fronteira entre os conteúdos educacionais pode ficar borrada (classificação fraca), mas há pouco controle por parte do aluno (exceto quanto ao ritmo) sobre o que é aprendido (enquadramento forte). Este exemplo também mostra que os enquadramentos podem ser examinados em muitos níveis e a firmeza pode variar entre os níveis de seleção, organização e ritmo do conhecimento transmitido na relação pedagógica. Gostaria também de enfatizar (isto será desenvolvido detalhadamente mais tarde na análise) que esta análise é também uma análise do poder e do que pode ser chamado do componente "identidade". Quando a classificação é forte, os limites entre os diferentes conteúdos são nitidamente traçados. Se este for o caso, então isso pressupõe fortes mantenedores de fronteira. A classificação forte também cria um forte sentimento de pertencimento a uma classe particular e assim uma identidade específica. Os enquadramentos fortes reduzem o poder do aluno sobre o que, quando e como ele recebe o conhecimento, e aumentam o poder do professor na relação pedagógica. No entanto, a classificação forte reduz o poder do professor sobre o que ele transmite, já que ele não pode ultrapassar o limite entre os conteúdos, e a classificação forte reduz o poder do professor vis-‐à-‐ vis os mantenedores de fronteira. Agora é possível explicitar o conceito de códigos de conhecimento educacional. O código está totalmente determinado no nível mais geral pela relação entre classificação e enquadramento. A tipologia dos códigos de conhecimento educacional À luz do quadro conceitual que desenvolvemos vou usar a distinção entre currículos justapostos e integrados, a fim de elaborar uma tipologia de tipos e subtipos de códigos educacionais. A base formal da tipologia é a força da classificação e do enquadramento. No entanto, os subtipos serão distinguidos, inicialmente, em termos de diferenças substantivas. Qualquer organização do conhecimento educacional que envolva a classificação forte dá origem ao que é aqui chamado de um código de justaposição (collection code). Qualquer organização do conhecimento educacional que envolva uma tentativa marcante para reduzir a força da classificação é chamada aqui de código integrado. Os códigos de justaposição podem dar origem a uma série de subtipos, cada um variando na força relativa de sua classificação e quadros. Os códigos integrados também podem variar em termos da força do enquadramento, uma vez que estes se referem ao controle que o professor/aluno/estudante exercem sobre o conhecimento transmitido. A Figura 1 apresenta as características gerais da tipologia. Códigos de Justaposição (Collection codes) A primeira distinção importante no interior dos códigos de justaposição é entre os tipos especializados e não especializados. A extensão da especialização
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pode ser medida em termos do número de conteúdos fechados publicamente examinados no final da fase do ensino secundário. Assim, na Inglaterra, embora não haja limite formal, o aluno geralmente apresenta três matérias de nível 'A', o que é muito pouco em comparação com a maior gama de matérias que compõem o Abitur na Alemanha, o Baccalauréat na França, ou o Studente Exam na Suécia. Dentro do tipo Inglês especializado, podemos distinguir duas variedades: uma variedade pura e outra impura. A variedade pura ocorre onde os temas de nível "A" são extraídos de um universo comum de conhecimento, por exemplo, química, física, matemática. A variedade impura ocorre onde os temas de nível "A" são extraídos de diferentes universos de conhecimento, por exemplo, religião, física, economia. A última combinação, embora formalmente possível, ocorre muito raramente de forma substantiva, pois os alunos não são incentivados a oferecer -‐ nem um agendamento geralmente permite -‐ tal combinação. É uma questão interessante que até muito recentemente a variedade pura no nível universitário recebeu o status mais elevado de valorização (honours-‐degree), enquanto que a variedade impura tende a conduzir a um status apenas normal (general degree).(2) Podemos detectar o início de uma mudança na Inglaterra, da variedade pura à variedade impura, que parece estar tentando trabalhar em direção ao tipo não-‐especializado de justaposição (collection). Dentro do código de justaposição não-‐especializado, podemos distinguir duas variedades, dependendo da unidade básica do conhecimento, se temática ou por curso. Assim, a forma padrão europeia do código de justaposição é não-‐ especializada, baseada em temas. A forma americana do código de justaposição é não-‐especializada, baseado no curso. Até aqui descrevi subtipos e variedades do código de justaposição em termos descritivos simples; como consequência disso, não é fácil ver como as suas características distintivas podem ser traduzidos em conceitos sociológicos, a fim de se perceber um problema sociológico específico. Claramente, a linguagem conceitual desenvolvida aqui tem uma perspectiva específica; a do poder e do controle social. No processo de traduzir as características descritivas no vocabulário de classificação e enquadramento, deve surgir a questão sobre se as hipóteses sobre sua força relativa encaixam-‐se em um caso particular. Aqui estão as hipóteses, para fins de ilustração: (1) A forma de justaposição europeia, não-‐especializada, baseada em temas, implica uma classificação forte, mas, excepcionalmente, um enquadramento forte; ou seja, em níveis abaixo do ensino superior, há relativamente poucas opções disponíveis para o professor e, sobretudo, para o aluno, sobre a transmissão de conhecimentos. Os currículos e os conteúdos programáticos são muito explícitos. •
O Certificado Geral de Educação, termo dos estudos secundários, comporta dois níveis, o nível ordinário (O) e o nível avançado (A), que é o que confere acesso ao ensino superior. Nota do tradutor da versão francesa. •
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(2) A forma inglesa envolve a classificação excepcionalmente forte, mas um enquadramento relativamente mais fraco do que o tipo europeu. O fato dele ser especializado determina quais conteúdo (temas) podem ser colocados juntos. Há um insulamento muito forte entre o conhecimento "puro" e o conhecimento "aplicado". Os currículos são calibrados (graded) para grupos com capacidades particulares. Pode haver um insulamento muito grande entre um tema e uma classe de alunos. Um grupo de alunos do ensino secundário 'D' não terá acesso a determinados assuntos, e os alunos do grupo 'A' também não terão acesso a determinados outros assuntos. No entanto, sugiro que o enquadramento, em relação à Europa, é mais fraco. Isto pode ser visto especialmente no nível primário. Há também, em relação à Europa, menos controle central sobre o que é transmitido, embora, evidentemente, as diversas exigências do nível superior exercem um controle sobre o nível secundário. (3) Sugiro que, muito embora de novo isto seja relativo, existe um enquadramento mais fraco na Inglaterra entre o conhecimento escolar e o conhecimento cotidiano da comunidade para certas classes de alunos: os chamados "menos capazes". Por fim, em relação à Europa, sugiro que há mais opções disponíveis para o aluno dentro das relações pedagógicas. O enquadramento, no que se refere aos alunos, é mais fraco. Assim, sugiro que o enquadramento, no que se refere aos professores e alunos é relativamente mais fraco, mas que a classificação é relativamente muito mais forte no sistema inglês do que no sistema europeu. A Escócia está mais próxima da versão europeia da justaposição. (3) A forma americana (EUA) de justaposição não especializada baseada no curso, é o tipo de código de justaposição no qual a classificação e o enquadramento são os menos rígidos, especialmente no nível secundário e universitário. Um âmbito muito grande de temas pode ser escolhido e combinado no nível secundário e universitário; isto indica classificações fracas. O insulamento entre o conhecimento escolar e conhecimento comum da comunidade é mais fraco, como pode ser evidenciado pelo controle da comunidade sobre a escola; isto indica um enquadramento fraco. A gama de opções disponíveis para os alunos dentro da relação pedagógica é, penso eu, maior. Eu diria, então, que a classificação e o enquadramento nos EUA é o mais fraco entre os códigos de justaposição.
Códigos integrados
É importante ser claro sobre o termo “integrado”. O tipo de inter-‐relação intelectual no qual uma disciplina usa as teorias de outra disciplina não constitui integração. Esse tipo de inter-‐relação intelectual pode muito bem ser parte de um código de justaposição em algum momento na história do desenvolvimento do conhecimento. A integração, como é usada aqui, refere-‐se minimamente à subordinação de matérias ou cursos previamente insulados à alguma ideia relacional, que borra as fronteiras entre as disciplinas. Podemos distinguir dois tipos. O primeiro tipo é baseado no professor. Aqui, o professor, como na escola infantil, tem um bloco de tempo prolongado com, muitas vezes, o mesmo grupo de crianças. O professor pode operar com um código de justaposição e manter os vários assuntos distintos e isolados, ou ele pode borrar as fronteiras entre as
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diferentes disciplinas. Este tipo de código integrado é mais fácil de introduzir-‐se do que o segundo tipo, que é baseado em professores. Aqui, a integração envolve as relações entre os professores. Desta forma, podemos ter graus de integração em termos do número de professores envolvidos. Podemos ainda distinguir duas variedades, dependendo de se a integração refere-‐se a um grupo de professores dentro de uma disciplina comum, ou a extensão na qual a integração envolve professores de disciplinas diferentes. Enquanto que os códigos integrados, por definição, tem a classificação mais fraca, eles podem variar quanto ao enquadramento. Durante o período de iniciação, os enquadramentos nos quais os professores entram serão fracos, mas outros fatores afetarão a resistência do enquadramento final. É também possível que o enquadramento nos quais os alunos entram possa variar em intensidade. Assim, os códigos integrados podem ser limitados a uma matéria ou eles podem atravessar (cross) diversas matérias. Podemos falar da força do código em termos do âmbito de assuntos diferentes coordenados pelo código, ou, se este critério não pode ser aplicado, ela pode ser medida em termos do número de professores que são coordenados através do código. Os códigos integrados também podem variar na rigidez do sistema de enquadramento que se aplica aos professores ou aos alunos, ou a ambos. Segundo a perspectiva desenvolvida aqui, as diferenças entre os códigos de conhecimento educacional e no interior deles, baseiam-‐se nas variações na rigidez e na natureza dos procedimentos de manutenção das fronteiras, uma vez que estas são dadas pela classificação e enquadramento do conhecimento. Pode-‐ se observar que a natureza da classificação e do enquadramento afeta a estrutura de autoridade/poder que controla a difusão do conhecimento educacional, e a forma dos conhecimentos transmitidos. Desta forma, os princípios de poder e controle social são realizados através de códigos de conhecimento educacional e através dos códigos entram e moldam a consciência. Assim, as variações no interior e as mudanças de códigos de conhecimento devem ser uma preocupação fundamental para os sociólogos. Os seguintes problemas surgem desta análise: (1) Quais são as condições antecedentes de variações na força da classificação e enquadramentos? * (2) Como é que uma determinada estrutura de classificação e de enquadramento se perpetua? Quais são as condições de mudança e de resistência a ela? (3) Quais são as diferentes experiências de socialização realizadas através de variações na força de classificações e enquadramentos? Vou limitar a aplicação dessa análise à consideração dos aspectos das duas últimas perguntas. Sinto que deveria pedir desculpas ao leitor por esta jornada conceitual bastante longa e tediosa, talvez, antes de ter sido dada qualquer noção da paisagem a que ela conduz.
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Aplicação
Examinarei os padrões de relacionamento social e suas consequências socializadoras que são realizadas através da versão europeia, particularmente a inglesa, do código de justaposição e aquelas que se espera que surjam dos códigos integrados, particularmente aquelas que desenvolvem o enquadramento fraco. Vou sugerir que há algum movimento em direção a formas de código integrado, examinar a natureza da resistência a essa mudança e sugerir algumas razões para este movimento. A classificação e o enquadramento da forma europeia do código de justaposição
Haverá alguma dificuldade nesta análise, na medida em que por vezes, mudarei do nível básico para o nível universitário. Embora o sistema inglês tenha a característica distintiva da especialização, ele compartilha certas características do sistema europeu. Isto pode levar a alguma desfocagem na análise. Como este é o começo de uma teoria sociológica limitada, que explora a organização social e a estruturação do conhecimento educacional, segue-‐se que todas as declarações, incluindo aquelas que têm o caráter de enunciados descritivos, são hipotéticas. As afirmações descritivas foram modeladas seletivamente de acordo com a sua importância para a teoria. Uma das principais diferenças entre as versões europeias e inglesas do código de justaposição é que, no tipo especializado inglês, uma categoria de membros é estabelecida no início de uma carreira educacional, em termos de uma escolha precoce entre o puro e o aplicado, entre as ciências e as artes, entre ter e não ter uma identidade educacional específica. Um status especial em uma determinada justaposição é esclarecido pelo fluxo (streaming) e/ou por um delicado sistema de avaliação. A pessoa quase sempre sabe o significado social de onde está, e, de modo particular, quem ela mesmo é, com cada avanço na carreira educacional. (Inicialmente, eu estou fazendo ciência ou artes, pura ou aplicada; ou eu não estou fazendo nada; mais tarde, eu estou me tornando um físico, economista, químico, etc.) A lealdade a uma disciplina é, então, sistematicamente inculcada nos alunos e, em seguida, nos estudantes, em cada etapa da vida escolar e, em seguida, transmitida por eles como professores e palestrantes. O sistema se autoperpetua através desta forma de socialização. Na forma especializada da justaposição é trivial dizer que você, na medida em que fica mais velho, aprende cada vez mais sobre cada vez menos. Dizendo de outra forma, mais sociológica, na medida em que você envelhece, torna-‐se cada vez mais diferente dos outros. Claramente, isso vai acontecer em algum momento, em qualquer carreira educacional, mas com a especialização isso acontece muito mais cedo. Portanto, a especialização muito rapidamente revela diferença de, em vez de comunidade com. Ela cria de forma relativamente rápida uma identidade educacional, que é clara e delimitada. A categoria educacional ou identidade é pura. As versões especializadas do código de justaposição tendem a abominar categorias mistas e identidades borradas, pois elas representam uma abertura potencial, uma ambiguidade, que torna problemática as consequências da
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socialização anterior. Permite-‐se o desenvolvimento de categorias mistas, como biofísico, psicolinguista, apenas depois de muito tempo de socialização em uma disciplina. Com efeito, para se alterar uma identidade, uma identidade anterior tem de ser enfraquecida e uma nova identidade criada. Por exemplo, na Inglaterra, se um estudante tem uma primeira graduação em psicologia e ele deseja ter um grau mais elevado em sociologia, ou ele não está autorizado a fazer a troca ou espera-‐se que faça uma série de exames iniciais em sociologia. Durante esses estudos ele geralmente entra em relação com estudantes e sociólogos credenciados, por meio dos quais ele adquire o estilo cognitivo e social particular à identidade sociológica. A mudança de uma identidade educacional é realizada através de um processo de ressocialização em uma nova lealdade disciplinar. Um sentido do sagrado, da "alteridade" do conhecimento educacional, me parece, não surge tanto de uma ética do conhecimento por si mesmo, mas é mais uma função da socialização na lealdade a uma disciplina: pois o princípio que dá coerência à identidade é a disciplina. Qualquer tentativa de enfraquecer ou mudar a força da classificação (ou mesmo força do enquadramento) pode ser sentida como uma ameaça à identidade da pessoa e pode ser experimentada como um perigo de poluição do sagrado. Aqui nós temos uma fonte de resistência à mudança do código educacional.
Na versão especializada do código de justaposição são desenvolvidos procedimentos de triagem cuidadosa para ver quem pertence e quem não pertence, e uma vez que tal seleção tenha ocorrido, é muito difícil mudar uma identidade educacional. As várias classes de conhecimento são bem insuladas umas das outras. A seleção e a diferenciação são características iniciais deste código particular. Assim, a estrutura profunda do tipo especializado de código de justaposição é a manutenção de fronteiras fortes que criam controle a partir da formação de identidades específicas; um aspecto interessante do espírito protestante.
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A manutenção de fronteiras fortes pode ser ilustrada com referência às tentativas de institucionalizar novas formas, ou às tentativas de mudar a força da classificação, dentro dos códigos de justaposição europeu ou inglês. Devido à resistência excepcional da classificação na Inglaterra, estas dificuldades podem ser maiores aqui. As mudanças na força da classificação e a institucionalização de novas formas de conhecimento podem se tornar um tema importante quando há mudanças na estrutura do conhecimento em nível superior e/ou mudanças na economia. Problemas críticos surgem com a questão de novas formas, quanto à legitimidade delas, a que ponto elas pertencem, quando, onde e por quem a forma deve ser ensinada. Se eu me referi ao "sagrado", a propósito, em termos da identidade educacional modelada pelo código, há também um aspecto profano no conhecimento. Podemos considerar como “profano” o aspecto da propriedade do conhecimento. Qualquer nova forma ou o enfraquecimento da classificação deriva claramente das classificações anteriores. Essas novas formas ou as classificações enfraquecidas podem ser consideradas como tentativas de quebrar ou enfraquecer os monopólios existentes. O conhecimento, nos códigos de justaposição, é uma propriedade privada com a sua própria estrutura de poder e sua situação de mercado. Isso afeta todo o ambiente em torno do desenvolvimento e a comercialização de novos conhecimentos. As crianças e os alunos são socializados desde cedo neste conceito de conhecimento como propriedade privada. Eles são incentivados a trabalhar como indivíduos isolados, que protegem seu trabalho do olhar alheio. Esse fenômeno, até recentemente, podia ser observado em qualquer sala de aula. Ele pode ser mais claramente observado nas salas de exames. O alunos e o estudante, sobretudo nas artes, parecem ser, a partir deste ponto de vista, um tipo de empreendedor. Há, pois, fortes controles embutidos na institucionalização de novas formas de conhecimento, na mudança da força de classificação, na produção de novos conhecimentos que derivam tanto de fontes “profanas” e “sagradas”. Até agora, tenho considerado a relação entre a classificação forte do conhecimento, o conceito de propriedade e a criação de identidades específicas, com referência particular à forma especializada do código de coleção. Vou agora afastar-‐me da classificação do conhecimento em direção ao seu enquadramento no processo de transmissão. Qualquer código de justaposição envolve uma organização hierárquica do conhecimento, de modo que o último mistério da disciplina é revelado muito tarde na vida educacional. Com essa expressão, “último mistério da disciplina” quero indicar o seu potencial criativo de novas realidades. Também é o caso, e isso é importante, que o mistério final da disciplina não é a coerência, mas a incoerência: não é a ordem, mas a desordem, não é o conhecido, mas o desconhecido. Como este mistério, sob os códigos de justaposição, é revelado muito tarde na vida educacional – e então apenas para um seleto grupo que evidenciou os sinais da socialização bem sucedida -‐ somente uns poucos experimentam em seus ossos a noção de que o conhecimento é permeável, que suas ordenações são provisórias, que a dialética do conhecimento é de fechamento e de abertura. Para muitos a socialização no conhecimento é a
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socialização em uma ordem, a ordem existente, na experiência que o conhecimento educacional do mundo é impermeável. Será que temos aqui uma outra versão da alienação? É fora de dúvida que a história de todas as formas de conhecimento educacional mostra precisamente o poder de tal conhecimento para criar infinitamente novas realidades. No entanto, pode não haver nenhuma relação entre esta história e a experiência concreta daqueles que interiorizam o enquadramento específico do conhecimento. O conceito central do código de justaposição europeu é a disciplina. Isso significa aprender a trabalhar dentro de um enquadramento recebido. Isso significa, em particular, aprender quais perguntas podem ser feitas em qualquer momento particular. Por causa da ordenação hierárquica do conhecimento no tempo, certas questões levantadas podem não entrar em um enquadramento específico. Isto é logo aprendido por professores e alunos. Em consequência disso, a disciplina implica em aceitar uma determinada seleção, uma organização, um ritmo e um tempo do conhecimento, características que se inscrevem no sistema de enquadramento pedagógico. Com o crescimento da pessoa na vida educacional, há um enfraquecimento progressivo do enquadramento, tanto para o professor quanto para o estudante. Somente os poucos que mostram sinais de socialização bem sucedida têm acesso a esse enquadramento relaxado. Para a massa da população o enquadramento mantém-‐se rígido. Em certo sentido, a forma europeia do código de justaposição torna o conhecimento seguro por meio do processo de socialização em seus enquadramentos. Há uma tendência, que varia de acordo com a força de enquadramentos específicos, que sejam atribuídos aos jovens a serem socializados princípios, operações e derivações de rotina. O sistema de avaliação coloca ênfase sobre atingir estados de conhecimento ao invés de modos de saber. Um estudo das questões dos exames e do formato dos mesmos, a estrutura simbólica da avaliação, seria, a partir deste ponto de vista, um estudo empírico gratificante. O conhecimento, portanto, tende a ser transmitido, principalmente para os alunos de elite no nível fundamental, através de enquadramentos fortes que controlam a organização, a seleção e o ritmo (4) do conhecimento. O recebimento do conhecimento não é tanto um direito como algo a ser ganho ou merecido. Quanto mais forte for a classificação e o enquadramento, mais a relação educativa tende a ser hierárquica e ritualizada, o educando visto como ignorante, com pouco status e poucos direitos. Estas são coisas que se ganha, mais ou menos como esporas, e são utilizadas com a finalidade de incentivar e manter a motivação dos alunos. Dependendo da força do enquadramento, o conhecimento é transmitido em um contexto onde o professor tem controle ou vigilância máxima, como nas relações hierárquicas do ensino fundamental. Podemos olhar para a questão do enquadramento do conhecimento na relação pedagógica a partir de outro ponto de vista. Em certo sentido, o conhecimento educacional não é o conhecimento familiar, do senso comum. É o conhecimento liberado do particular, do local, através das várias linguagens explícitas das ciências ou das linguagens implícitas das artes, que possibilitam tanto a criação quanto a descoberta de novas realidades. Isso levanta
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imediatamente a questão da relação entre o conhecimento não-‐familiar da escola e o conhecimento do senso comum, o conhecimento comunitário cotidiano do aluno, de sua família e de seu grupo de pares. Esta formulação nos convida a perguntar quão forte são os enquadramentos do conhecimento educacional em relação ao conhecimento experiencial, o conhecimento não-‐escolar baseado na comunidade? Penso que os enquadramentos do código de justaposição, muito cedo na vida da criança, socializam-‐na em enquadramentos do conhecimento que desencorajam as conexões com as realidades cotidianas, ou que há uma triagem altamente seletiva nessa conexão. Através dessa socialização, o aluno aprende logo o que é que pode ser trazido do lado de fora para dentro do enquadramento pedagógico. Tal enquadramento também faz do conhecimento educacional algo não vulgar ou banal, mas sim algo esotérico, que confere um significado especial para aqueles que o possuem. Sugiro que quando este enquadramento é relaxado para incluir as realidades cotidianas, isso muitas vezes é validamente feito, não simplesmente para a transmissão do conhecimento educacional, mas para fins de controle social das formas de desvio. O enfraquecimento deste enquadramento ocorre geralmente com as crianças menos “capazes”, de quem desistimos de educar. Em geral, então, e dependendo da força específica da classificação e do enquadramento, a forma europeia do código de justaposição é rígida, diferenciadora e hierárquica em sua natureza; é altamente resistente à mudança, particularmente no nível fundamental. Na versão inglesa, essa resistência à mudança é apoiada pelo poder discricionário que está disponível para os diretores. Na Inglaterra, dentro das limitações do sistema de exames públicos, os diretores de escolas e faculdades têm uma gama relativamente ampla de discricionariedade sobre a organização e a transmissão do conhecimento. O controle central sobre o código educacional é relativamente fraco, na Inglaterra, embora claramente as escolas estejam sujeitas a inspeção por parte do governo central e local. No entanto, a relação entre o serviço de inspeção e as escolas na Inglaterra é muito ambígua. Para produzir uma mudança generalizada na Inglaterra seria necessária a cooperação de centenas de escolas individuais. Assim, a rigidez nos códigos de conhecimento educacional pode surgir a partir de um controle central altamente centralizado ou fraco, sobre os códigos de conhecimento. O controle central fraco na prática permite uma série de alterações que têm, inicialmente, consequências limitadas para o sistema como um todo. Por outro lado, há um controle central muito mais forte sobre o estilo organizacional da escola. Isso pode levar a uma situação em que pode haver uma mudança no estilo organizacional sem que haja qualquer mudança significativa no código de conhecimento educacional, particularmente onde o próprio código educacional cria identidades específicas. Isso levanta a questão, que não pode ser desenvolvida aqui, das relações entre a mudança organizacional e a mudança de código de conhecimento educacional, ou seja, a mudança na força da classificação e do enquadramento. Em geral, então, a forma europeia e inglesa do código de justaposição podem fornecer para aqueles que vão além do estágio de noviciado, ordem, identidade e compromisso. Para aqueles que não passam desta fase, isso às vezes
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pode ser mutilador e visto como sem sentido, o que Bourdieu chama de “la violence symbolique”. Códigos integrados e justapostos Vou agora examinar uma forma de código integrado que se realiza através de classificação e enquadramento muito fracos. Durante essa análise vou trazer novos aspectos dos códigos de justaposição. Há um certo número de tentativas para institucionalizar formas do código integrado em diferentes forças para além do nível da escola infantil. O projeto de Ciência de Nuffield é uma tentativa de fazer isso com as ciências físicas, e o Centro de Chelsea para a Educação em Ciência, o Chelsea College, da Universidade de Tecnologia de Londres, está voltado quase totalmente para o treinamento de estudantes nesta abordagem. Charity James, no Goldsmiths College, da Universidade de Londres, também está produzindo cursos de formação para formas de código integrado. Um bom número de “compreensive schools” (escolas abrangentes) estão fazendo experiências com essa abordagem no nível do ensino médio. A SDS na Alemanha, e vários grupos de estudantes radicais, estão explorando este tipo de código, a fim de usar os meios da universidade contra o significado. No entanto, é provavelmente verdadeiro dizer que o código, no momento, existe no nível da ideologia e da teoria, e apenas um número relativamente pequeno de escolas e agências educativas tentam institucionalizá-‐lo com seriedade. Agora, como dissemos no início desse escrito, com o código integrado temos uma mudança do fechamento de conteúdo para a abertura de conteúdo, da classificação forte para a classificação acentuadamente reduzida. Imediatamente, podemos ver que este distúrbio na classificação do conhecimento vai levar a uma perturbação nas estruturas de autoridade existentes, nas identidades e conceitos de propriedade educacionais específicas existentes. Onde temos a integração, os vários conteúdos estão subordinados a uma ideia que reduz o isolamento uns dos outros. Assim, a integração reduz a autoridade dos conteúdos separados, e isso tem implicações para as estruturas de autoridade existentes. Onde temos a justaposição, ela permite, em principio, diferenças consideráveis na pedagogia e na avaliação por causa do alto insulamento entre os diferentes conteúdos. No entanto, a autonomia do conteúdo é o outro lado de uma estrutura de autoridade que exerce a supervisão ciumenta e zelosa. Sugiro que o código integrado não permitirá as variações na pedagogia e na avaliação que são possíveis nos códigos de justaposição. Pelo contrário, acredito que haverá um movimento pronunciado no sentido de uma pedagogia comum e uma tendência para um sistema comum de avaliação. Em outras palavras, os códigos integrados irão provavelmente criar, no nível dos professores, uma homogeneidade na prática docente. Assim, os códigos de justaposição aumentam a discrição dos professores (dentro, sempre, dos limites da classificação e do enquadramento existentes), enquanto os códigos integrados
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irão reduzir a discrição do professor em relação direta com a força do código integrado (número de professores coordenados pelo código). Por outro lado, argumenta-‐se que a crescente discrição dos professores nos códigos de justaposição é acompanhado pela redução da discrição dos alunos e que a reduzida discrição dos professores nos códigos integrados é acompanhado por aumento da discrição dos alunos. Em outras palavras, há uma mudança no equilíbrio de poder, na relação pedagógica entre professor e ensinado. Estes pontos serão agora desenvolvidos. A fim de realizar qualquer forma de integração (como algo distinto de diferentes disciplinas que focalizam um problema comum, que dá origem ao que poderia ser chamado de um currículo focado) deve haver alguma ideia relacional, um conceito de ordem superior, que incide sobre os princípios gerais em um nível de abstração mais alto. Por exemplo, se as relações entre sociologia e biologia devem ser abertas, então a ideia relacional (entre outras) pode ser o tema de problemas de ordem e mudança examinados através dos conceitos de códigos genéticos e culturais. Quaisquer que sejam os conceitos relacionais, eles vão atuar seletivamente sobre o conhecimento dentro de cada disciplina que deve ser transmitida. As informações relativas a cada disciplina são susceptíveis de ter significado reduzido. Isso vai chamar a atenção sobre a estrutura profunda de cada disciplina, ao invés de sua estrutura de superfície. Acredito que isso levará a uma ênfase e uma exploração de princípios gerais e dos conceitos através dos quais estes princípios são obtidos. Por sua vez, isto é susceptível de afetar a orientação da pedagogia, que terá menos preocupações em enfatizar a necessidade de adquirir estados de conhecimento, mas estará mais preocupada em enfatizar como o conhecimento é criado. Em outras palavras, a pedagogia de códigos integrados mais provavelmente enfatizará diferentes modos de conhecer nas relações pedagógicas. Com o código de justaposição, a pedagogia tende a deslocar-‐se da estrutura de superfície do conhecimento para a estrutura profunda; como vimos, apenas a elite tem acesso à estrutura profunda e, portanto, o acesso à realização de novas realidades ou acesso ao conhecimento experiencial de que novas realidades são possíveis. Com os códigos integrados, é mais provável que a pedagogia se movimente da estrutura profunda para a estrutura da superfície. Podemos ver isso já em funcionamento nas novas matemáticas da escola primária. Assim, sugiro que os códigos integrados vão disponibilizar a partir do início da carreira educacional do alunos, de forma claramente adequada para uma determinada faixa etária, a estrutura profunda do conhecimento, ou seja, os princípios para a geração de novos conhecimentos. Tal ênfase sobre vários modos de saber, em vez de sobre a consecução de estados de conhecimento, é susceptível de afetar não só a ênfase da pedagogia, mas a teoria da aprendizagem subjacente. A teoria subjacente da aprendizagem do código de justaposição é susceptível de ser didática, enquanto que a teoria subjacente da aprendizagem dos códigos integrados pode muito bem ser mais regulada pelo grupo ou pelo eu. Isto surge de um conceito diferente do que conta como ter conhecimento, o que por sua vez leva a um conceito diferente de como o conhecimento deve ser adquirido. Essas mudanças na ênfase e orientação da pedagogia são inicialmente responsáveis pelos enquadramentos frouxos, nos quais entram o professor e o aluno. O enquadramento frouxo não apenas muda a natureza das relações de autoridade, aumentando os direitos do aprendiz, eles
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também podem enfraquecer ou borrar a fronteira entre o que pode ou não pode ser ensinado, e assim é provável que mais da experiência privada de professor e do aprendiz entrem neste quadro pedagógico. A lógica inerente ao código integrado é susceptível de criar uma mudança na estrutura dos grupos de ensino que são propensos a apresentar considerável flexibilidade. O conceito de manutenção do limite relativamente fraco, que é o princípio fundamental dos códigos integrados é realizado tanto na estruturação do conhecimento educacional e na organização das relações sociais. Vou agora introduzir algumas consequências organizacionais dos códigos de justaposição e integração, que explicitarão a diferença na distribuição do poder e nos princípios de controle que são inerentes a estes códigos educacionais. Onde o conhecimento é regulado através de um código de justaposição, o conhecimento é organizado e distribuído através de uma série de hierarquias disciplinares bem insuladas. Tal estrutura aponta para o controle oligárquico da instituição, por meio de reuniões formais e informais de chefes dos departamentos com o chefe ou diretor da instituição. Assim, a equipe sênior terá fortes relações horizontais de trabalho (isto é, com os seus pares em outras hierarquias disciplinares) e fortes relações verticais de trabalho, dentro do seu próprio departamento. No entanto, a equipe de nível inferior é propensa a ter apenas alianças verticais (dentro da hierarquia disciplinar) e relações de trabalho. As alianças da equipe de nível inferior são verticais e não horizontais, pelas seguintes razões. Em primeiro lugar, a equipe foi socializada com um vínculo forte à sua disciplina particular, e por meio disso em identidades específicas. Essas identidades específicas são continuamente reforçadas através de interações sociais dentro do departamento e através do insulamento entre os departamentos. Em segundo lugar, os departamentos estão muitas vezes em uma relação de concorrência por recursos estratégicos de ensino. Em terceiro lugar, as nomeações dentro da hierarquia disciplinar frequentemente dependem de sua expansão. As relações horizontais do pessoal de nível inferior (especialmente onde não existe uma estrutura administrativa participativa eficaz) são susceptíveis de limitar-‐se a contatos não-‐baseados-‐em-‐tarefas. Pode muito bem haver discussão de problemas de controle ('X, da unidade 3B é um ... -‐ Como você lida com ele?' Ou “eu não consigo que X escreva um trabalho”). Assim, o código de justaposição, no âmbito do controle oligárquico cria para o pessoal sênior relações horizontais e verticais fortes, ao passo que as relações de trabalho da equipe júnior são susceptíveis de serem verticais, com as relações horizontais limitados a contatos não-‐baseados-‐em-‐tarefas. Este é um tipo de sistema organizacional que incentiva fofocas, intrigas e uma teoria da conspiração sobre o funcionamento da organização, pois tanto a administração e os atos de ensino são invisíveis para a maioria da equipe. (Veja Figura 2) Por sua vez o código integrado vai exigir que professores de disciplinas diferentes entrem em relações sociais uns com os outros, o que ocorrerá não apenas em áreas não vinculadas a tarefas, mas a partir de uma tarefa educacional
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compartilhada, cooperativa. O centro de gravidade das relações entre os professores sofre assim uma mudança radical. Em vez dos professores e assistentes estarem divididos e isolados uns dos outros por hierarquias, as condições para a sua unificação ocorrem através de uma situação de trabalho comum. Penso que isso muda as bases das relações, entre professores ou entre assistentes, e isso tende a enfraquecer as hierarquias separadas da justaposição. Estas novas relações horizontais baseadas no trabalho entre professores e entre assistentes podem alterar tanto a estrutura e a distribuição de energia regulada pelo código de justaposição. Além disso, a administração e os atos específicos de ensino são propensos a mudar da relativa invisibilidade para a visibilidade. Podemos esperar uma evolução semelhante no nível dos estudantes e até mesmo nos alunos seniores, pois alunos e estudantes em cada passo de sua vida educacional são igualmente subdivididos e educacionalmente isolados uns dos outros. Eles são igualmente ligados a hierarquias de disciplina e, por razões semelhantes, às de pessoal; suas identidades e seu futuro são moldadas pelo departamento. Suas alianças verticais e relações de trabalho são fortes, enquanto que as suas relações horizontais tendem a ser limitadas a áreas não ligadas a tarefas (estudante/aluno, sociedades e desporto) ou administração periférica não baseada em tarefas. Aqui, novamente, podemos ver outro exemplo da força de manutenção de fronteiras dos códigos de justaposição; desta vez entre áreas de tarefas e de não-‐tarefas. Os códigos integrados podem muito bem fornecer as condições para relações horizontais fortes e alianças nos estudantes e alunos, com base em uma tarefa de trabalho comum (a recepção e a oferta de conhecimento). (5) Nesta situação, podemos esperar um enfraquecimento da fronteira entre a equipe, especialmente entre a equipe júnior e os alunos/estudantes.
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Assim, um movimento do código de justaposição em direção aos códigos integrados pode muito bem levar a uma perturbação na estrutura e na distribuição do poder, nas relações de propriedade e nas identidades educacionais existentes. Esta mudança de código educacional envolve uma mudança fundamental na natureza e na força das fronteiras. Ela envolve uma mudança naquilo que conta como sendo conhecimento, naquilo que conta como transmissão válida de conhecimento, naquilo que conta como uma realização válida de conhecimento, e uma mudança no contexto organizacional. No nível cultural, isso envolve uma mudança, de manter as categorias puras para a mistura das categorias; enquanto que, ao nível da socialização, os resultados dos códigos integrados podem ser menos previsíveis do que os resultados dos códigos de justaposição. Esta mudança de códigos envolve mudanças fundamentais na classificação e no enquadramento do conhecimento, e assim mudanças na estrutura e na distribuição do poder e nos princípios de controle. Não é de se estranhar que resistências profundas sejam despertadas pela questão das mudanças nos códigos educacionais. Coleção, códigos integrados e problemas de ordem Vou agora voltar-‐me para alguns aspectos do problema da ordem. Onde o conhecimento é regulado por códigos de justaposição, a ordem social decorre da natureza hierárquica das relações de autoridade, da ordenação sistemática do conhecimento diferenciado no tempo e no espaço, de um procedimento de exame explícito, geralmente previsível. A ordem interna ao indivíduo é criada através da formação de identidades específicas. A expressão institucional da classificação e enquadramentos fortes cria previsibilidade no tempo e no espaço. Devido à classificação forte, a justaposição permite uma gama de variações entre as disciplinas na organização, na transmissão e na avaliação do conhecimento. Devido a classificação forte, este código permite, em princípio, que a equipe tenha (dentro de limites) uma gama de ideologias, porque os conflitos podem ser contidos dentro de suas várias hierarquias insuladas. Em níveis inferiores aos da universidade, os enquadramentos fortes entre o conhecimento escolar e o conhecimento não-‐educacional relevante, em princípio, podem facilitar a diversidade na ideologia tida pelo grupo, pois ela não pode ser ofertada. Ao mesmo tempo, o enquadramento forte torna tal intrusão altamente visível. A gama de liberdades pessoais em nível universitário é simbolizada no sistema ético de alguns códigos de justaposição e assim forma a base para a coesão do todo diferenciado. Usualmente é verdadeiro que os códigos de justaposição, comparados aos códigos integrados, criam fortes separações entre o conhecimento não familiar da escola e o saber cotidiano do professor e do aluno; é também verdadeiro que tal insulamento cria áreas de privacidade. Com efeito, na medida em que a experiência de base comunitária é irrelevante para o enquadramento pedagógico, estes aspectos do eu, informados por tais experiências, também são irrelevantes. Essas áreas de privacidade reduzem a penetração do processo de socialização, pois é possível distanciar-‐se dele. Isto ainda significa, no entanto, que a socialização pode ser profundamente ofensiva, tanto para aqueles que
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desejam uma identidade, mas não a obtém, quanto para a maioria para quem a busca de uma identidade torna-‐se logo irrelevante. A ordem criada pelos códigos integrados pode ser bem problemática. Sugiro que, se quatro condições não forem satisfeitas, então a abertura da aprendizagem sob a integração pode produzir uma cultura em que nem a equipe nem os alunos têm um senso de tempo, lugar ou finalidade. Vou comentar brevemente essas quatro condições. (1) Deve haver consenso sobre a ideia integradora e este deve ser muito explícito. (É irônico que o movimento em direção à integração aconteça nos países onde existe um baixo nível de consenso moral.) Pode ser que os códigos integrados funcionem apenas (6) quando há um alto nível de consenso ideológico entre a equipe. Já vimos que, em comparação com a justaposição, os códigos integrados exigem uma maior homogeneidade na pedagogia e na avaliação, e, portanto, reduzem as diferenças entre os professores na forma de transmissão e avaliação dos conhecimentos. Considerando que o processo de ensino na justaposição é susceptível de ser invisível para os outros professores, salvo em condições especiais, é plausível que o processo de ensino regulamentado através de códigos integrados torne-‐se visível como resultado de desenvolvimentos na pedagogia na direção da flexibilidade na estrutura dos grupos de ensino. É também o caso que a classificação fraca e o enquadramento frouxo dos códigos integrados permitam maiores expressões de diferenças entre os professores e, possivelmente, entre os alunos, na seleção do que é ensinado. Poder-‐se-‐ia assim explicitar a base moral das escolhas educacionais na fase de planejamento inicial. Os códigos integrados também enfraquecem as identidades específicas. Pelas razões acima expostas, os códigos integrados podem exigir um alto nível de consenso ideológico e isso pode afetar o recrutamento de pessoal. Os códigos integrados ao nível da superfície criam limites fracos ou borrados, mas, no fundo, eles podem estar baseados em ideologias explícitas, fechadas. Onde tais ideologias não são compartilhadas, as consequências tornar-‐se-‐ão visíveis e ameaçarão o todo em cada ponto. (2) A natureza da ligação entre a ideia integradora e o conhecimento a ser coordenado também deve ser explicitada de maneira coerente. Essa ligação será o elemento básico que permitirá instaurar relações de trabalho entre professores e alunos. O desenvolvimento de um quadro de referência coordenador desse tipo será o processo de socialização dos professores no código. Durante este processo, os professores vão internalizar, como em todos os processos de socialização, os procedimentos interpretativos do código de modo que estes se tornam guias implícitos que regulam e coordenam o comportamento dos professores individuais nos enquadramentos frouxos e na classificação enfraquecida. Isso nos leva a uma distinção importante entre os códigos de justaposição e os integrados. No código de justaposição, o período de socialização é facilitado pela manutenção de limites fortes, tanto ao nível do papel e no nível de conhecimento. É provável que essa socialização seja contínua com a própria socialização educacional do professor. Nos códigos integrados tanto o papel e a forma do conhecimento tem que ser alcançada em relação a uma gama de pessoas diferentes, e isso pode envolver ressocialização se a
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experiência educacional anterior do professor foi formada pelo código de justaposição. O código de justaposição é capaz de operar quando a equipe é composta por professores medíocres, enquanto que os códigos integrados exigem poderes de síntese e analogia muito maiores e mais habilidade para tolerar e apreciar a ambiguidade, tanto no nível de conhecimento e nas relações sociais. (3) É possível que tenha que ser criada uma organização do pessoal de ensino por grupos, para criar um sistema de realimentação sensível, e que também irá proporcionar mais uma instância de socialização para o código. É provável que os critérios de avaliação sejam susceptíveis de ser relativamente fracos, no sentido de que os critérios são menos susceptíveis de ser tão explícitos e mensuráveis, como no caso da justaposição. Como resultado, pode ser necessário desenvolver comitês, tanto para professores, estudantes e, se for caso, para alunos, que irão realizar as funções de monitoramento. (4) Uma das principais dificuldades inerentes aos códigos integrados diz respeito ao quê deve ser avaliado e a forma dessa avaliação; e também a questão do lugar das competências específicas em tal avaliação. É provável que os códigos integrados originem vários critérios de avaliação, em comparação com os códigos de justaposição. No caso dos códigos de justaposição, uma vez que o conhecimento se move a partir da superfície para a estrutura profunda, esta progressão cria princípios de avaliação ordenados no tempo. A forma de coesão temporal do conhecimento regulado por meio do código integrado ainda não foi determinada e explicitada. Sem critérios claros de avaliação, nem o professor, nem o aprendiz tem os meios para considerar o significado do que é aprendido, nem qualquer meio para julgar a pedagogia. No caso dos códigos de justaposição, a avaliação no nível médio muitas vezes consiste no ajuste entre uma estreita faixa de competências específicas e estados de conhecimento, e os critérios previamente estabelecidos (variando de explicitação) sobre o que constitui uma resposta certa ou adequada ou convincente. Os critérios previamente estabelecidos, em conjunto com o contexto social específico da avaliação criam um procedimento relativamente objetivo. Eu não quero sugerir que isto necessariamente dá origem a uma forma de avaliação que ignora completamente características distintas e originais de desempenho do aluno. No caso do código integrado em discussão (enquadramento fraco para o professor e aprendiz), esta forma de avaliação pode então não ser adequada. Os enquadramentos fracos permitem que uma maior amplitude de comportamento do aluno seja tornada pública e possibilitam uma diversidade considerável (pelo menos em princípio) entre os alunos. É possível que isso leve a uma situação na qual a avaliação leva mais em conta os atributos “interiores” do aluno. Assim, se ele tem as atitudes “certas”, isso resultará depois na obtenção de várias competências específicas. A atitude “certa” pode ser avaliada em termos do ajuste entre as atitudes do aluno e a ideologia vigente. É possível, então, que os critérios de avaliação dos códigos integrados com enquadramentos fracos sejam fracos, já que estes se referem a atributos cognitivos específicos, mas fortes, uma vez que estes se referem a atributos disposicionais. Se isto é assim, então uma nova gama de atributos dos alunos fica exposta ao julgamento e rótulos. Também é provável que a classificação e o enquadramento enfraquecidos incentivem o aluno a revelar
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aspectos de si mesmo: mais de seus pensamentos, sentimentos e valores. Deste modo mais aspectos do aluno estão disponível para o controle. Como resultado, a socialização poderia ser mais intensiva e talvez mais penetrante. Da mesma forma como os alunos/estudantes protegem-‐se das violências da justaposição, ou se distanciam de seu código explícito, da mesma forma eles podem produzir novas defesas contra a intromissão potencial do código integrado e de seus contextos de aprendizagem aberta. Podemos resumir esta questão do problema da ordem como se segue. Os códigos de justaposição têm características de manutenção de limites explícitos e fortes e se valem de uma base ideológica tácita. Os códigos integrados têm características de manutenção de limites implícitos e fracos e se valem de uma base ideológica explícita e fechada. A base ideológica do código de justaposição é um sistema simbólico condensado, comunicado através de suas características de manutenção de limites explícitos. Sua estrutura oculta é a da solidariedade mecânica. A base ideológica dos códigos integrados não é um sistema simbólico condensado; ela é verbalmente elaborada e explícita. Ela é uma realização aberta de solidariedade orgânica tornada substantiva por meio de formas fracas de manutenção das fronteiras (insulamentos baixos). No entanto, a estrutura oculta da solidariedade mecânica dos códigos de justaposição cria, através de suas saídas especializadas, uma solidariedade orgânica. Por outro lado, a estrutura aberta da solidariedade orgânica dos códigos integrados cria, através de suas saídas (outputs) menos especializadas, a solidariedade mecânica. E ela vai fazer isso na medida em que sua ideologia é explícita, elaborada e fechada e efetivamente e implicitamente, transmitida através de seu insulamento baixo. Na medida em que os códigos de integração não conseguem isso, em seguida, a ordem é altamente problemática ao nível da organização social e ao nível da pessoa. Na medida em que os códigos integrados de fato realizam tal socialização, então temos o bloqueio disfarçado de solidariedade mecânica. Este é o paradoxo fundamental que tem de ser enfrentado e explorado. Mudanças do código educacional
Tentei tornar explícitas as relações entre os códigos educacionais, a estrutura de poder e os princípios de controle social. As tentativas de alterar ou modificar os códigos educacionais encontrarão resistências em muitos níveis diferentes, independentemente do mérito educacional intrínseco de um código particular. Vou agora discutir brevemente algumas razões para um movimento em direção à institucionalização de códigos integrados que pertencem ao tipo (8) de classificação fraca e enquadramento fraco (professor e aprendiz). (1) A crescente diferenciação do conhecimento nos níveis mais elevados do pensamento, juntamente com a integração das áreas anteriormente discretas, pode estabelecer exigências para uma forma de socialização adequada a essas mudanças na estrutura do conhecimento.
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(2) As mudanças na divisão do trabalho estão criando um conceito diferente de habilidade (skill). A obsolescência embutida em muitas variedades de habilidades reduz a importância de operações vinculadas ao contexto e aumenta a importância dos princípios gerais a partir dos quais uma gama de diversas operações pode ser derivada. Em termos simples, pode-‐se dizer que o século dezenove exigia um ser humano submisso e inflexível, enquanto que o final do século XX requer um ser humano adaptável, mas flexível. (3) A estrutura social menos rígida do código integrado faz com que ele seja um código importante em potencial para uma educação igualitária. (4) Nas sociedades industriais avançadas que permitem, dentro de certos limites, uma variedade de crenças e ideologias legítimas, há um grande problema de controle. Há o problema da coerência dos sistemas simbólicos diferenciados, fracamente coordenados e mutáveis, e o problema da regulação interna da pessoa. Os códigos integrados, com sua ênfase na unidade subjacente do conhecimento, por meio de sua ênfase na analogia e na síntese, poderiam ser vistos como uma resposta ao primeiro problema da “coerência”. O controle interpessoal, em vez do controle interposicional do código integrado pode configurar uma forma intrusiva e penetrante de socialização, lá onde há ambiguidade no sistema de crenças e na ordem moral. Se estas razões estão bem postas, poderíamos considerar que o movimento em direção a códigos integrados é decorrente de uma fonte tecnológica. No entanto, é possível que haja uma outra fonte, mais profunda, do movimento de distanciamento dos códigos de justaposição. Eu sugiro que o movimento de afastamento dos códigos de justaposição em direção aos códigos integrados simboliza que há uma crise nas classificações e enquadramentos básicos da sociedade, e, portanto, uma crise em suas estruturas de poder e nos princípios de controle. O movimento, deste ponto de vista, representa uma tentativa de descompartimentalizar e assim alterar as estruturas de poder e os princípios de controle; ao fazer isso, descongelar a estruturação do conhecimento e alterar os limites da consciência. Deste ponto de vista, os códigos integrados são sintomas de uma crise moral, mais do que o estado terminal de um sistema educacional. Conclusão Neste artigo tentei explorar o conceito de fronteira, de modo que seja possível ver tanto os componentes de poder e de controle. A análise incide diretamente sobre a estruturação do conhecimento educacional transmitido. Embora o conceito de “classificação” pareça operar em uma única dimensão, ou seja, nas diferenças dos graus de insulamento entre conteúdos (disciplinas/cursos, etc.) ele aponta explicitamente para os componentes de poder e controle. Da mesma forma, o conceito de enquadramento parece funcionar apenas numa dimensão; o que pode ou não ser ensinado na relação pedagógica. Ainda assim a exploração do conceito aponta novamente para os
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componentes de poder e controle. Através da definição dos códigos educacionais em termos da relação entre a classificação e o enquadramento, estes dois componentes são estudados na análise em todos os níveis. Torna-‐se então possível montar um quadro de referência para derivar uma tipologia de códigos educacionais, para mostrar as inter-‐relações entre as propriedades de organização e de conhecimento, para o deslocamento do nível macro para o nível micro de análise, para relacionar os padrões internos das instituições de ensino para os antecedentes sociais externos de tais padrões, e para considerar as questões de manutenção e mudança. Ao mesmo tempo, espera-‐se que a análise torne explícitas as suposições tácitas que estão subjacentes nos vários códigos educacionais. A análise tenta mostrar, em um nível teórico, as relações entre uma ordem simbólica particular e a estruturação da experiência. Eu acredito que ela oferece uma abordagem que é capaz de ser explorada no nível empírico, por meio de diversos métodos. Deve ficar bem claro que a aplicação dos conceitos requer a cada ponto evidências empíricas. Eu não tentei reforçar o argumento com referências, pois em muitos casos as evidências que seriam necessárias não existem em uma forma que incida diretamente sobre a cadeia de inferências e, portanto, o apoio oferecido seria talvez espúrio. Temos, por exemplo, pouco conhecimento em primeira mão que diga respeito aos aspectos de enquadramento na forma como este conceito é utilizado neste trabalho. Não temos também, de forma semelhante, conhecimento em primeira mão dos encontros cotidianos realizados por vários tipos de códigos integrados. Espero que os tipos de questões levantadas por esta abordagem encorajem os sociólogos da educação a explorar, teórica e empiricamente, a estrutura do conhecimento educacional que considero ser o traço característico deste campo de investigação. Agradecimentos
Sou muito grato ao Professor Wolfgang Klafki, e particularmente ao Sr. Hubertus Huppauf, da Universidade de Marburg, por muitas sugestões valiosas e críticas construtivas. Gostaria também de agradecer as muitas horas de discussão com o meu colega Michael Young. Eu também aprendi muito com o Sr. David Adelstein, estudante de pós-‐graduação do Departamento de Sociologia da Educação, do Instituto de Educação da Universidade de Londres. Sou particularmente grato ao Sr. W. Brandis, diretor de pesquisa na Unidade de Pesquisa do Departamento. Também me beneficiei com as críticas severas do Professor R. Peters e do Sr. Lionel Elvin, do Instituto de Educação da Universidade de Londres. Minha maior dívida é com a professora Mary Douglas, do University College, em Londres. Gostaria de agradecer ao diretor do Chaucer Publishing Company, Sr. LGGrossman, por uma bolsa, pequena, mas vital. *Tais variações podem também ser ligados a variações no desenvolvimento de estruturas de classe. Veja 'Classe e pedagogias: visível e invisível ", Basil Bernstein (1973), disponível na OCDE (CERI) Paris, ou na Unidade de Investigação em Sociologia,
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do Departamento de Sociologia da Educação da Universidade de Londres, Instituto de Educação.
Notas 1. Segue-‐se que a força do enquadramento para o professor e o aprendiz pode ser avaliada nos diferentes níveis de seleção, organização e ritmo do conhecimento. 2. Considere o recente e acirrado debate sobre a tentativa de obter a permissão de Oxford para o desenvolvimento de uma licenciatura em antropologia, sociologia, psicologia e biologia, uma combinação relativamente "pura". 3. O conteúdo dos exames públicos entre os níveis médio e superior é controlado pelo nível superior, direta ou indiretamente, por meio do controle dos vários programas de estudo. Assim, para que ocorra qualquer grande mudança nos programas e currículos das escolas médias, é necessário mudanças na política do ensino superior, pois isso afeta a aceitação dos alunos. Tal mudança na política envolveria mudanças na seleção, organização e ritmo de conhecimentos ao nível superior. Assim, as condições para uma grande mudança no código de conhecimento no nível médio é uma grande mudança no código de conhecimentos no nível superior. É provável que as mudanças no código de conhecimento no nível médio sejam de natureza um pouco limitada sem mudanças similares no nível superior. É evidente que há outros grupos de interesse (indústria) que podem afetar um determinado currículo e programas. 4. O que é muitas vezes esquecido é que o ritmo do conhecimento (ou seja, a taxa de aprendizado esperado) é implicitamente baseado na socialização da criança de classe média. A socialização familiar da criança de classe média é um subsídio oculto, no sentido de que ela fornece um ambiente físico e psicológico que facilita imensamente, de diversas maneiras, a aprendizagem escolar. A criança de classe média é orientada a aprender quase tudo. Devido a este subsídio oculto, tem havido pouco incentivo para mudar o currículo e a pedagogia; pois a criança de classe média está voltada para aprender; ela pode não gostar, ou mesmo aprovar, o que ela aprende, mas ela aprende. Quando o sistema escolar não é subsidiado pelo lar, o aluno muitas vezes falha. Desta forma, mesmo o ritmo do conhecimento educacional é baseado em classes. Pode muito bem ser que a resistência do enquadramento, quando se trata do ritmo, é uma variável crítica no estudo da educabilidade. É possível que a fragilidade do código integrado (no que diz respeito ao ritmo) indica que os códigos integrados pressupõem uma vida educacional média mais longa. Os filhos da classe média podem ter sido alunos potenciais para as escolas progressistas por causa de sua vida educacional mais longa. 5. É possível que os procedimentos de manutenção fracos dos limites dos códigos integrados no nível da estrutura organizacional, de estrutura de conhecimento e de estrutura de identidade, reforcem o papel dos grupos de idade informais aos quais os estudantes se filiam e os alunos, como estruturas permitam a definição de uma identidade cultural específica, relações sociais específicas e uma organização específica. 6. No sentido de criar ordem. 7. Um sistema educacional é um repetidor cultural. Qual é a base social de um repetidor cultural que está tentando repetir o irrepetível ou o improvável? Por exemplo, uma escola de arte moderna, uma pedagogia anti-‐autoritária.
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8. No artigo, sugeri que os códigos integrados baseiam-‐se em uma ideologia explícita fechada. Dever-‐se-‐ia seguir que esse código teria uma melhor chance de institucionalização bem sucedida nas sociedades em que (1) não houvesse restrições fortes e eficazes sobre o desenvolvimento de uma variedade de ideologias e (2) onde o sistema educacional fosse uma importante agência de socialização política. Além disso, os procedimentos de manutenção de fronteiras fracas manutenção do código integrado seriam (1) aumentar a penetração da socialização, na medida em que mais da pessoa do aluno é tornada pública através do enquadramento frouxo e (2) o desvio seria mais visível. Por outro lado, os códigos integrados trazem consigo um potencial para a alteração das estruturas de poder e nos princípios de controle. Eu acho que nessas sociedades os códigos integrados possuiriam uma classificação fraca, mas os enquadramentos para o professor e o aluno seriam fortes. 9. É uma questão de interesse que, na Inglaterra, é apenas na escola infantil (infant school) onde ocorre a introdução relativamente generalizada deste tipo de código integrado. Isso levanta a questão geral de como esse nível do sistema educacional foi aberto a essa mudança. Historicamente, a escola primária desenvolveu conceitos distintos de estágios infantis e fundamentais (infant and junior stage), e cabeças distintas para essas duas etapas. Dada a relativa autonomia sobre a transmissão de conhecimentos que caracteriza o sistema britânico de educação, era, em princípio, possível ocorrer a mudança. Apesar de que apenas um piso pudesse separar o departamento infantil do básico, dois códigos educacionais bastante distintos e muitas vezes incompatíveis podem se desenvolver. Podemos considerar isso como uma condição necessária, mas não suficiente, para o surgimento dos códigos integrados ao nível da escola infantil. Foi também o caso, até muito recentemente, que a função de seleção começasse no ensino básico, porque esse segmento era a porta de entrada para o ensino médio. Isso deixou a escola fundamental relativamente livre de controles por níveis mais elevados do que ela mesma. A forma de integração na escola básica, mais uma vez, até recentemente, era baseada no professor e, portanto, não fazia surgir os problemas que surgem da não-‐integração dos professores. Finalmente, os professores das escolas básicas não são socializados em uma identidade educacional forte. Assim, o sistema de ensino inglês, até recentemente, tinha dois pontos potenciais de abertura, o período entre as idades de cinco a sete anos, antes da seleção começar, e o período após os 18 anos de idade, quando a seleção está praticamente concluída. O maior controle sobre a estruturação do conhecimento no nível médio é a estruturação do conhecimento no ensino superior, especialmente na universidade. Somente se houver uma grande mudança na estruturação do conhecimento a este nível pode haver uma alteração de código eficaz nos níveis mais baixos; embora em qualquer escola possa haver uma grande variedade de códigos de conhecimento.
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