SOBRE EDIFÍCIOS ALTOS E A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA CIDADE CONTEMPORÂNE

July 19, 2017 | Autor: Diogo Barretto | Categoria: Architecture, Urban Planning, Urban Studies, Subjectivity, Recife
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SOBRE EDIFÍCIOS ALTOS E A CONFIGURAÇÃO ESPACIAL DA CIDADE CONTEMPORÂNEA Diogo Cardoso Barretto¹; Lúcia Leitão². ¹Estudante do Curso de Arquitetura e Urbanismo – CAC – UFPE; E-mail: [email protected], ²Docente do Depto de Arquitetura e Urbanismo – CAC – UFPE. E-mail: [email protected]

Sumário: Este artigo tem como objetivo apresentar os resultados da sub-projeto “Sobre Edifícios Altos e a Configuração Espacial da Cidade Contemporânea”, ligada a pesquisa “Da Casa à Cidade: Expressão da Subjetividade e Configuração Espacial”. Deseja-se compreender a dimensão subjetiva manifesta na forma de morar na cidade brasileira contemporânea. Para isso utilizou-se como metodologia a eleição de uma amostra de edifícios, dentro de determinada área da cidade do Recife, com registro de quantidade de pavimentos e equipamentos de lazer dentro desses, bem como realização de grupos focais com moradores desses edifícios. Como conclusão, acredita-se que a hipótese da pesquisa, de que a forma contemporânea de habitar do Brasileiro materializa marcas identitárias inconscientes(Freud, 1973) e o conceito Freyriano de privativismo, domesticidade e centralismo da cidade brasileira contemporânea(1936). Palavras-chave: arquitetura; condomínios; subjetividade INTRODUÇÃO Este trabalho tem como objetivo lançar luz sobre a questão “Por que nossas cidades não são assim?” Essa é a pergunta-chave que nomeia o primeiro capítulo de um texto de Witold Rybczynski, publicado no Brasil sob o título Vidas nas Cidades.Trata-se de tentar compreender as razões subjetivas que propciam a atual configuração das cidades brasileiras, tentando analisar essa questão tendo como referência o espaço configurado pelos condomínios verticais de alta renda. As referências teóricas neste texto são aquelas que norteiam a pesquisa original, a saber: Freyre (1936) e sua noção de privativismo, Freud e o conceito de identificação, Leitão e os conceitos explicitados n´Os Movimentos Desejastes da Cidade (1998). Este estudo urbanístico é importante para identificar e compreender comportamentos subjetivos manifestos na arquitetura, contribuindo para o entendimento das causas que regem a configuração urbanística da cidade brasileira contemporânea, para além da racionalidade que essa configuração expressa. Com isso, espera-se contribuir para uma melhor compreensão dos elementos que regem o processo projetual quer do edifício, quer no ambiente urbano. MATERIAIS E MÉTODOS A metodologia adotada para este subprojeto foi dividida em duas etapas descritas sumariamente a seguir. Etapa 1: Levantamento de dados. Essa etapa previa (I) a definição da área (perímetro) a ser levantada, uma vez que não era necessário nem possível trabalhar com todo o território municipal; (II) a Identificação dos edifícios altos existentes na área; (III) o levantamento fotográfico das edificações identificadas; (IV); o registro em mapa dos edifícios altos existentes na área delimitada; (V) a realização de grupos focais previstos como elementos fundamentais para a escuta da população, uma vez que se tem como objetivo investigar motivações subjetivas. Etapa 2 – A etapa dois previa a análise de dados levantados em campo, considerando-se: (I) o papel dos condomínios verticais na configuração do espaço público da cidade; (II) a relação existente entre os conceitos-chave utilizados na pesquisa e os

objetos edilícios levantados em campo, o que permite avaliar as hipóteses básicas que norteiam a pesquisa. No que diz respeito ao levantamento de dados, o primeiro passo foi a delimitação do perímetro a ser estudado uma vez que não seria viável, nem necessário, investigar todo o território urbano, conforme se disse antes. A área escolhida foi então o perímetro definido pela Lei 16719 – Lei dos 12 bairros. A escolha dessa área se justifica por duas razões principais. A saber: (I) a área é ocupada por parte da população situada nas camadas mais altas da pirâmide social, o que lhe confere uma certa homogeneidade social e econômica; (II) Essa homogeneidade socioeconômica se reflete na morfologia que esse ambiente apresenta. Associadas essas duas características dos doze bairros possibilitam uma leitura e uma análise mais consistentes dos dados obtidos. Em seguida, foi definida uma amostra composta por 49 unidades distribuídas na área dos doze bairros. A escolha desses edifícios teve como parâmetros os seguintes elementos: (I) a verticalidade dessas edificações; (II) a repercussão dessa verticalidade na rua onde o edifício está inserido e (III) a oferta de um programa que possibilita a realização de um número expressivo de atividades no interior do condomínio. Esses elementos eram fundamentais para a investigação da hipótese central do projeto de pesquisa segundo a qual a configuração urbanística da cidade brasileira contemporânea (excessivamente vertical e fechada entre muros) deve-se muito mais a valores próprios da subjetividade (status, definição, etc.), do que a razões ditadas por necessidades espaciais propriamente ditas, inclusive a segurança. RESULTADOS Foram também realizados até o momento cinco grupos focais, nos edifícios Acácia, Meyer Mesel, Paineras, Itaguá Vilage e um grupo misto, vindo de vários edifícios. Todas as entrevistas de grupos focais realizadas foram transcritas e pré-analisadas. As falas captadas durante a realização dos grupos focais, a hipótese de que a razão inconsciente que move a configuração espacial desses condomínios tem a ver com a marca identitária patriarcal e privativista descrita na obra de Freyre vem sendo confirmada. Vale destacar o caso de uma mãe, ouvida em um dos grupos focais, que está feliz, pois sua filha pode brincar com “filhos de pessoas conhecidas” no playground do condomínio, e em fala subseqüente admite, de fato, “conhecer” poucos vizinhos pelos nomes; ou o caso de uma moradora de um edifício na beira rio de Apipucos, que acredita ser um “acinte” à comunidade carente do outro lado do rio, a transparência de suas grades, citando o caso de uma festa dada em mansão no Poço da Panela, em que os portões estavam abertos, e visinhos da comunidade carente atiraram contra os convidados, como se o simples fato de ter contato visual com a sua intimidade, transformasse moradores de comunidades carentes em potenciais marginais, neesse sentido, pode-se considerar relevante a constatação de que grande parte dos elementos que integram a área comum desses condomínios desempenham, na maior parte das vezes, um papel simbólico, de representação de privilégios, de distinção, para os moradores desses condomínios, e não de uso efetivo, ratificando desse modo a hipótese central da pesquisa. DISCUSSÃO A primeira questão a observar é que embora cada dia mais os condomínios residenciais fechados apresentem um programa que oferece múltiplas atividades no seu interior, os moradores pouco desfrutam desses ambientes. Esse fato reforçou a hipótese de que, de fato, os condôminos ´compram` mais status do que um ambiente de uso efetivo. Uma outra questão

relevante é que essas áreas de uso comum pretendem assumir um papel que normalmente caberia aos espaços públicos abertos, e não a espaços privatizados. Dessa forma, essas áreas asseguram a convivência de pessoas que se identificam uns com os outros e pertencem ao mesmo grupo, reafirmando o privativismo que marca sociedade brasileira segundo Freyre. Com isso, asseguram a separação em ralação a uma vizinhança indesejada representada por aqueles que não pertencem ao mesmo grupo social, circunstância que permite, uma vez mais, articulação com as idéias gilberteanas, desta feita com a domesticidade, mais uma marca identitária brasileira ainda seguindo o pensamento do autor citado. Além disso, as constatação do uso freqüente das áreas comuns para convívio dos moradores com seus visitantes, substituindo assim o espaço público, sugere que essas áreas assumem um papel de distinção social num `teatro` que busca mostrar a outros membros do mesmo grupo quem possui condições financeiras de viver em um condomínio mais bem equipado. Em paralelo, essas áreas substituem o espaço aberto de convívio, público, por um espaço aberto privatizado, onde sujeitos que se identificam uns com os outros por pertencerem ao mesmo grupo, podem ‘defender-se’ da influência e risco representado por outros sujeitos não identificados com o seu meio social. CONCLUSÕES Embora seja uma conclusão preliminar – a pesquisa que deu origem a esse sub-projeto estende-se até 2010 (CNPq/processo 307981/2003-7) -, é possível dizer que os dados levantados até o momento sugerem que os espaços e equipamentos destinados ao lazer em condomínios de alto padrão vêm assumindo muito mais uma função simbólica de poder e distinção, de natureza subjetiva, do que uma função prática no funcionamento desses empreendimentos. Além disso, vêm tentando substituir a função de espaço público aberto que normalmente caberia aos parques e praças, conforme foi dito anteriormente. Os resultados desta pesquisa podem oferecer uma explicação para que se compreenda melhor a ruptura ―e seus efeitos― urbanística do espaço público perceptível na cidade atual e a substituição desse ambiente fundamental para a vida urbana, por espaços privados. Além disso, sugere um caminho de investigação para o futuro tendo as motivações subjetivas que a arquitetura expressa como foco privilegiado de pesquisa, uma questão ainda incipiente na teoria da arquitetura. AGRADECIMENTOS Agradecemos ao CNPq pelo financiamento da pesquisa que originou esse trabalho e a PROPESQ, pela bolsa PIBIC de iniciação científica utilizada pelo aluno. REFERÊNCIAS ARGAN, Guilio. Introducción al concepto del espacio. Em El concepto del espacio arquitectónico: desde el barroco a nuestros días. Buenos Aires: Nueva Visión, 1966 FREUD, Sigmund. Psicologia de las massas y analisis del yo. In Obras Completas. Madrid: Editorial Biblioteca Nueva , 1973, pp. 2564-2610. FREYRE, Gilberto. Casa grande e senzala: formação da família patriarcal brasileira sob o regime de economia patriarcal. Rio de Janeiro: Maia & Schmiat, 1933. FREYRE, Gilberto. Sobrados e mucambos.: decadência do patriarcado rural e desenvolvimento do urbano. Rio de Janeiro: Record, 8ª ed. 1990.

FREYRE, Gilberto. Oh de casa! Em torno da casa brasileira e de sua projeção sobre um tipo nacional de homem. Recife: Instituto Joaquim Nabuco de pesquisas Sociais, 1979. JOSEPH, Isaac. El transeunte y el espacio urbano. Buenos Aires: Gedisa Editorial, 1988. LIMOEIRO CARDOSO. Miriam. La construcción de conocimientos. México: Ediciones Era, 1977. LEITÃO Lúcia. A forma fica impressa em nós. Texto apresentado no 52 Congresso Internacional de Americanistas. Universidade de Sevilha. Sevilha, julho de 2006. Inédito. LEITÃO Lúcia. Espelho, espelho meu. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas, 2004. LEITÃO Lúcia. Os movimentos desejantes da cidade: uma investigação sobre processos inconscientes na arquitetura da cidade. Recife: Fundação de Cultura da Cidade do Recife, 1998. MITSCHERLICH, Alexander. Psycanalyse et urbanisme: réponse aux planificateurs. Paris: Gallimard, 1970. NORBERG-SCHULZ, Christian. Intenciones en architecture. Barcelona: Editorial Gustavo Gili, 2001. ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995. RYBCZYNSKI, Witold. Vida nas cidades. Rio de Janeiro: Record, 1996. TSCHUMI, Bernard. Arquitetura e limites I, II e III. Em Nesbitt, Kate (Org.). Uma nova agenda para a arquitetura-antologia teórica 1965-1955. São Paulo: Cosacnaify, 2006. ZEVI, Bruno. Saber ver a arquitetura. Lisboa: Editorial Minerva, 1977.

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