SOBRE PINOQUISMOS COMO ESTÉTICA E POLÍTICA E A SÍNDROME DO VIRA-LATA CRIATIVO DESDE A EDUCAÇÃO EM ARTES VISUAIS

Share Embed


Descrição do Produto

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

SOBRE PINOQUISMOS COMO ESTÉTICA E POLÍTICA E A SÍNDROME DO VIRA-LATA CRIATIVO DESDE A EDUCAÇÃO EM ARTES VISUAIS Dra. Flávia Maria de Brito Pedrosa Vasconcelos Grupo de Pesquisa Multi, Inter e Trans em Artes – MITA/CnPQ Colegiado de Artes Visuais Universidade Federal do Vale do São Francisco - UNIVASF

RESUMO

Este trabalho pretende tecer interpretações acerca da farsa na produção artística contemporânea em Artes Visuais. Por meio da discussão de conceitos como pinoquismo e síndrome do vira-lata criativo - SVLC, revejo e relaciono-os a partir de evidências e entendimentos vivenciados, criticando o reforço de visões europeizantes e ocidentalizadoras promulgadas desde o século XX. Percebendo a marquetização para a promulgação dessa determinada produção, encontro artistas visuais que pinoqueiam ou que remontam a farsa nos seus trabalhos não apenas como conceito mas como estratégia para forçar uma entrada no Mercado de Arte. Por fim, questiono possíveis falácias advindas da SVLC e sugiro rumos contextuais e artístico/educativos para a formação de professores de Artes Visuais no Brasil. PALAVRAS-CHAVE: Desenho, Formação de Professores de Artes Visuais, práticas

artístico/educativas.

ABSTRACT

This work searches to weave interpretations of the farce in Visual Arts at contemporary artistic production. Through the discussion of concepts such as pinocchismo and Syndrome of Creative Mutt – SCM, review and relate from experienced understanding, criticizing the strengthening of Europeanizing and Occidental views enacted since the twentieth century. Realizing the marketization to the reinforce of this particular production, gathering visual artists who pinocchize or fake their artworks not only as a concept but as a strategy to force an entry in the Art Market. Finally, I question possible fallacies arising from SCM and suggest contextual and artistic/educative courses for the Visual Arts Teachers Education in Brazil. KEYWORDS: Drawing, Visual Arts Teachers Education, artistic/educative practices.

1

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

1 Contando mentirinhas ou... pinoqueando

Este artigo teria outro tema, se não fosse a triste constatação que hoje tive: A Arte Contemporânea não morreu, mas há uma enorme profusão de farsas. Também há se de referir a necessidade de não deixar fatos em branco, pois na Arte o vazio já foi demais explorado e perseguido. Do branco desta página há de nascer e se mostrar uma crítica, assim como destas palavras devo construir, desconstruir e evidenciar questões urgenciais que invadem a produção artística contemporânea. Por conseguinte devo destacar que o vazio ainda pode ser tema, mas um tema que leva a uma expansão estética e política da Arte e é disso que pretendo tratar, da necessidade de enfocarmos bem nossos olhos para uma produção verdadeiramente significativa, ou, ao que o pesquisador Jorge Larrosa mencionoume dias atrás, a uma “verdade verdadeira”. Para chegar à construção de uma possível “verdade verdadeira” ou de uma veracidade, recorro à mentira, à farsa. Infiro o que deveras já foi discutido: Marcel Duchamp começou tudo isso, mas ele não pode ser visto como culpado. Muito menos não se deve entender que os artistas perseguiram preguiçosamente o conceito e esqueceram de desenvolver outras competências e habilidades indispensáveis a sua profissão por conta dele. Sabe-se que o próprio Duchamp tinha mais do que simples noções do fazer artístico, ele compreendia sua concretização, desenhando, pintando, esculpindo e tecendo textos com uma poética.

2

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

Interação com o trabalho “Roda de Bicicleta”, de Marcel Duchamp. Exposição La peinture, même. Paris, França. 2014. Foto: Danilson Vasconcelos.

O pinoquismo é uma mentira bem contada, uma farsa gerada como parte, como obra em si ou como ideia de uso da obra, de objetos ou de um espaço. Com um fim de chocar, contestar e até mesmo esconder a função social, cultural e transformadora da Arte na sociedade. Um pinoquismo bem feito pode aludir a um trabalho artístico que convence determinado público, porém carece de estudo aprofundado, crítico, reflexivo no processo criativo e na própria construção do artista. Trabalhos artísticos na Arte Contemporânea que tratam ou que são verdadeiramente farsas ou mentiras bem contadas não é fato recente. Sabendo que isso começou

com a profusão da Arte Conceitual, filha das produções

duchampianas, pode-se encontrar, no caso do Brasil, uma descendência do pinoquismo na deveras arraigada síndrome de vira-lata criativo - SVLC. A SVLC persegue o artista do abstrato ao concreto em sua produção, podendo ser adquirida como moléstia vitalícia desde a formação inicial, na Educação Básica, de quando o professor demonstrou e enfatizou por A + B que Arte é aquilo que vem de países na Europa ou nos Estados Unidos da América - EUA. Não que 3

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

não seja interessante e relevante estudar e interpretar estas produções, mas o problema é o ficar só nisso. Em alguns casos, a SVLC é atenuada seja pelo profissional da Educação lembrar que existem Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e outras estrelas da constelação Modernista que estão lindamente ilustrando os afamados livros didáticos, seja por estes estudantes, quiçá futuros artistas, terem acesso a outros meios de formação cultural que não apenas o âmbito escolar. Não menciono apenas acesso, interesse cultural, pois sem curiosidade não há inventividade e o pensar e o criar artístico é perene e esgotável. É por essa razão que o indivíduo portador da SVLC não consegue ir além do que permanece demarcado ou dos modismos estéticos, teóricos e práticos. Existe por detrás disso todo um ecossistema montado em paradigmas que advém de dois sistemas: um Tradicional e outro Moderno. Além disso, estes sistemas encontram-se deteriorados e sua contextualização parece-me esquecida em alguma gaveta empoeirada. No sistema Tradicional, a apreensão de técnicas e a adequação a um ideal particular sobre o que venha a ser representação encontra-se deteriorada quando se percebe a infestação de paisagens e retratos de um realismo deveras fotográfico em pinturas, desenhos, esculturas e quitutes seja de ordem culinária, sejam de ordem manual (não menciono artesanal pelo respeito que tenho a este tipo de produção que bem trabalhada possui enorme estética). Para o sistema Tradicional contemporâneo, ou se tem uma poética (não um processo criativo, mas uma poética) do realismo na linha ou na cor, ou não se pode ser considerado artista e, por consequência, não se tem sustento financeiro e nem se pertence a alguma carteirinha seleta divulgada na mídia. No sistema Modernista, a desconstrução da técnica e a sua inadequação como aprendizado artístico, levou a produção ao extremo da Arte pela Arte, de um fazer ou conceituar vazio. Não um vazio que amplie e expanda a mente inquieta a possíveis significações, mas aquele vazio branco insosso, visível em toda a parte que não dá abertura a uma única linha a ser registrada na superfície. 4

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

Dessa maneira, o artista que está dentro do sistema Modernista, faz qualquer coisa que considere como Arte e, caso caia nas graças daquilo se tornar espetacularizado tal como previa Debord (1997), tem seu trabalho legitimado e aplaudido por uma dúzia de críticos descerebrados, previamente medicados pelo Mercado de Arte que está atualmente mais preocupado em nutrir um produto de uma farsa do que de promover uma produção que repense politicamente a crise e as mazelas que rodeiam a estética da obra de Arte e o próprio ser humano. E o que tem a ver o pinoquear com a SVLC? São instrumentos associados a um modelo institucionalizado que persegue a produção artística brasileira da vinda de Lebreton com a Missão Francesa aos currículos e exercícios exercitados na formação artística do nível pré-universitário ao ensino superior. Vide, para este entendimento, a narrativa visual e as construções de significados dela decorrentes, expressos no quadro A Redenção de Cam pelo artista espanhol Modesto Brocos, na época professor da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro.

A Redenção de Cam. Modesto Brocos. 1985. Imagem retirada da Internet. Domínio Público.

Afora o debate sobre raças e miscigenação cultural e social, este quadro específico dispõe de uma pista sobre a influência estrangeira na produção artística 5

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

brasileira. A Arte local seria como a criança que segura uma maçã, estaria “salva” por assemelhar-se ao estrangeiro. A maçã pode aludir, por sua vez à uma apreensão, em um plano superficial condiz a um hábito alimentar cultivado, no caso das Artes Visuais, com uma suposta apreensão de técnicas que respeitam o ideal estético implantado. A seguir pressiono outros pontos que remetem a alguns descalabros da teoria à prática da farsa.

2 Da podridão de um Mercado de Arte às diferentes farsas

Primeiramente, devo indicar aqui a enorme discussão gerada no Museu de Serralves em Porto, Portugal, meses atrás, por meio de uma pergunta que fiz ao Adam Szymczyk, curador da próxima Documenta de Kassel (documenta 14). A pergunta deu-se após o término de sua fala sobre “A linha reta é uma utopia”, com a abertura da participação do público. Depois de longo e perturbador silêncio, típico de muitas das plateias portuguesas que presenciei, decidi lhe questionar sobre como via a produção artística contemporânea e sua relação com a formação e o ensino artístico.

Adam Szymczyk. Foto Divulgação pelo Museu Serralves. Porto, Portugal. 2015. Imagem retirada da Internet. Domínio Público

6

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

Adam não relutou nem pensou muito. Disse que para ele, formação e ensino não lhe importavam e que a Arte ia além disso. Continuou expressando sua opinião de que o ensino artístico não contribuía para a produção artística contemporânea e que a Documenta 14 não abarca nem as distâncias culturais e econômicas entre os dois territórios em que será realizada (Alemanha e Grécia), quanto mais algo relativo à Educação em Artes Visuais. Não preciso adicionar a isso que além de mim, dezenas de profissionais da Arte/Educação presentes se sentiram alvejados e, com isso, o Adam recebeu uma saraivada de perguntas em tom de protesto que procuravam interpretar ou suavizar o porquê dele ter dito isso. Hoje sei que é mais simples do que naquele momento imaginei. Pondero que persiste algo de podre no Mercado de Arte, algo que serve a interesses escusos de banqueiros, de capitalistas e não ao que a Arte potencialmente possibilita: mudança, transformação, renovação, revisão de mundos. A Arte Contemporânea tem inevitavelmente revestido em alguns trabalhos considerados pelo Mercado de Arte e das grande Bienais de Arte, uma corrente de farsas que converte a Arte a qualquer coisa que é considerada como Arte por um grupo seleto de curadores e críticos de Arte, como atestou Lésper (2012, p.1): “La carência de rigor (en las obras) ha permitido que el vacío de creación, la ocurrencia, la falta de inteligência sean los valores de este falso arte”. Não esqueço que há brechas nos sistemas instaurados e há desvios nos paradigmas. Por isso, a farsa persiste como um aviso que percorre caminhos opostos. Num patamar de crítica, a farsa pode elaborar uma potência estética, a qual, pressupõe uma íntima relação com a Educação em Artes Visuais crítico/reflexiva e a práticas artístico/educativas (VASCONCELOS, 2014) e é a este respeito que persigo o ponto a seguir.

7

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

3 Da marquetização ao apoderamento artístico/educativo do pinoquismo

Duchamp foi um excelente marqueteiro de seus trabalhos, não como Picasso nem mais tarde como Andy Warhol, mas no século XX foi o primeiro a lançar ao Mercado de Arte o artista como produto além da obra de arte em si e, com isso, tendo necessidade de uma rotulação estética e de uma midiatização massiva de seu trabalho. Um bom exemplo da marquetização e da SVLC advém de um potente questionamento realizado em 2006 pelo artista cearense Yuri Firmeza. Por meio da invenção e da farsa como mote de um trabalho artístico contemporâneo, Yuri criou o artista japonês Souzousareta Geijutsuka, na exposição Geijitsu Kakuu. Esta exposição foi inserida no Museu de Arte Contemporânea – MAC do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura e teve enorme repercussão (DOMINGUES, 2006) devido a dois fatos, primeiro a exposição não existiu, ela foi publicizada e organizada para existir, mas nada foi exposto, nem mesmo a ausência nas paredes brancas e opacas do referido museu. O segundo fato retém a comédia da farsa. A mídia chegou a cogitar atraso ou falha na montagem da exposição, que iria acabar por se mostrar, porém, Yuri confirmou que a questão da farsa do artista inventado colocava em xeque não apenas a produção artística contemporânea e o que é aceito ou não nos espaços expositivos. Também punha em xeque visivelmente a divulgação midiática e a marquetização desde o próprio artista. A obra de Yuri é mais uma de uma teia de obras consistentes e coerentes pelo fato de não concordaram com a falácia no Mercado de Arte e da marquetização, ao indagarem motivos, razões, circunstâncias e territórios de ação e atuação das obras e dos artistas selecionados e acarinhados por estas instâncias. Pinoquismos e farsas na Arte Contemporânea podem ser utilizados como uma releitura política e estética na Educação em Artes Visuais em instituições 8

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

educacionais formais e não-formais. Isto pode ocorrer seja por intermédio de atividades que promovam experiências significativas e que contextualizam os espaços constituídos da Europeização e da Ocidentalização na História das Artes Visuais, seja na revisão da visão da Síndrome do Vira-Lata Criativo. Portanto interpreto que, com base no que foi anunciado, tornam-se referências a serem revisitadas a farsa, os pinoquismos e a SVLC, principalmente pelos docentes que atuam no âmbito da formação de professores de Artes Visuais, tendo em vista a sua influência aos futuros professores da área. Sugiro que hajam exercícios teórico/práticos com a composição de debates que explorem os conceitos e termos apresentados, assim como acerca da produção artística contemporânea em toda a sua diversidade e complexidade. Por fim, infiro que com experiências que revejam os conceitos apresentados, práticas artístico/educativas contextualizadoras e crítico/reflexivas são possibilitadas, permeando o ambiente da Arte e da Educação em Arte de olhares mais amplos, de olhares que tragam pontes técnicas, criativas, expressivas e cognitivas. Com isso, certamente serão construídos olhares que retomem os múltiplos territórios do fazer, do perceber e do ensinar de maneira expandida (KRAUSS, 1984) e emergencial nesses tempos em que há todo tipo de crise pairando e comendo a Arte e o Ser humano pelas beiradas.

9

IV DIÁLOGOS INTERNACIONAIS EM ARTES VISUAIS I ENCONTRO REGIONAL DA ANPAP/NE

Referências DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997. DOMINGUES, João. Clipping Artista Invasor, de Yuri Firmeza. Canal Contemporâneo. 16 de janeiro de 2006. Disponível em: < http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/000609.html#2>. Acesso em: 18 de maio de 2015. KRAUSS, Rosalind. A escultura como camplo ampliado. Gávea. Revista do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil. Nº 1. Rio de Janeiro: PUC. Disponível em: . Acesso em: 19 de maio de 2015. LÉSPER, Avelina. El Arte Contemporáneo es una farsa. Jornal Vanguardia. 30 de agosto de 2012. Disponível em: < http://www.vanguardia.com.mx/elartecontemporaneoesunafarsaavelinalesper1362825.html>. Acesso em: 17 de maio de 2015. VASCONCELOS, Flávia Maria de Brito Pedrosa. Designare: pontes artístico/educativas na formação docente em Artes Visuais. 2015b. 471f. Tese (Doutorado em Educação Artística). Faculdade de Belas Artes, FBAUP. Universidade do Porto, UPORTO. Porto, Portugal, 2015.

Flávia Maria de Brito Pedrosa Vasconcelos Doutora em Educação Artística pela Universidade do Porto, Portugal (2015). Professora/artista/pesquisadora do Colegiado de Artes Visuais da Universidade Federal do Vale do São Francisco. Em suas pesquisas, tem se dedicado ao estudo das teorias e práticas no ensino/aprendizado de Artes, a formação de professores de Artes Visuais e abordagens e processos metodológicos da pesquisa em Artes.

10

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.