Sobre possíveis causas e finalidades da proliferação dos Acordos Preferenciais de Comércio com cláusulas de proteção de Direitos Humanos

August 31, 2017 | Autor: Leonel Lisboa | Categoria: International Relations, International Law, Human Rights, International trade law
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SOBRE POSSÍVEIS CAUSAS E FINALIDADES DA PROLIFERAÇÃO DOS ACORDOS PREFERENCIAIS DE COMÉRCIO COM CLÁUSULAS DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS LEONEL LISBOA1

Recebido em: 31/12/2014 Avaliado em: 20/01/2015

RESUMO Este artigo busca contrapor possíveis causas e finalidades da proliferação dos Acordos Preferenciais de Comércio com cláusulas de proteção de Direitos Humanos e questionar sua efetividade. São analisadas abordagens sobre o tema, de (i) justificativas de preferência e convencimento de HafnerBurton, que afirma a capacidade destes tratados de afetar a prática dos Estados, e (ii) o mero reflexo realista da vontade do Estado condicionando a interesses preexistentes de Spilker e Böhmelt. PALAVRAS-CHAVE: Direito Econômico Internacional; Direito do Comércio Internacional; Direitos Humanos; Acordos Preferenciais de Comércio

ABSTRACT This article seeks to compare possible causes and objectives of the proliferation of the Preferential Trade Agreements with Human Right clauses and question their effectiveness. It analyses the approaches to the topic of the rationale of (i) preference and persuasion of Hafner-Burton which affirms the capacity of these treaties to influence State practice with (ii) the mere realistic reflection of the will of the State conditioned to preexisting interests of Spilker e Böhmelt. KEY-WORDS: International Economic Law; International Trade Law; Human Rights; Preferential Trade Agreements

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Leonel Lisboa é bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da UFMG onde atualmente desenvolve seu mestrado. Atua como advogado na área de investimentos internacionais em recursos naturais no Brasil; direito empresarial e corporativo; direito minerário e regulatório.

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1. INTRODUÇÃO Após a adoção da Declaração Universal de Direitos Humanos, em 1948, pela Resolução A/RES/217 da Assembleia Geral das Nações Unidas seguiram-se inúmeros outros instrumentos internacionais de codificação, regulação e jurisdicionalização dos Direitos Humanos. Aquela primeira iniciativa ainda sem força de oponibilidade e exigibilidade – soft law2 – foi seguida por tratados igualmente imponíveis, mas também por instrumentos vinculantes, mecanismos de controle e até de cumprimento forçado – hard law3. Contudo, persiste baixa a capacidade dos tratados e instrumentos internacionais de Direitos Humanos traduzirem-se em efetiva proteção desses direitos no campo da realidade. Ao mesmo tempo, em outra órbita normativa e com objetivos distintos, iniciava-se ainda de forma muito restrita a regulação internacional do comércio, ou melhor, o projeto de liberalização do comércio mundial. Contudo, é após o fim da guerra fria (HAFNER-BURTON, 2005) intensificou-se a celebração de Acordos Preferenciais de Comércio (PTAs – sigla em inglês) para fins de liberalização comercial e ao mesmo tempo padronização de regulamentações com vistas à simplificação do comércio internacional. A doutrina e a prática estatal comercial inicialmente evitaram tenazmente relacionar (i) a regulação de relações comerciais, inclusive a liberalização do comércio internacional por meio do GATT e, depois, da OMC, bem como os PTAs, com (ii) as normativas internacionais de Direitos Humanos, sua política de expansão e seus mecanismos de aplicação (HAFNER-BURTON, 2005). Entretanto, mais recentemente, alguns Estados passaram a celebrar PTAs contendo normas de Direitos Humanos, tanto de natureza de recomendação (soft law) quanto de natureza vinculante e ligada a sanções, como multas e/ou suspensão de benefícios comerciais e acesso (hard law).4 A quantidade de tratados neste formato vem se multiplicando nos últimos anos e tem movimentado as relações internacionais, bem como despertado o interesse de doutrinadores, formuladores de políticas e legisladores.

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Conforme definem Kenneth W. Abbot e Duncan Snidal no artigo Hard and Soft Law in International Governance. ABBOT, Kenneth W. e SINDAL, Duncan. Hard and Soft Law in International Governance in International Organization, Vol. 54, p. 421-456. 2000. Disponível online em: http://ssrn.com/abstract=1402966. Acesso em 23 Jan. 2015 3 Idem. 4 Chamaremos os “PTAs” os Acordos Preferenciais de Comércio em geral. Aqueles PTAs que não possuem conteúdo de Direitos Humanos serão referidos como “No HR PTAs”. Os que o possuem na forma de soft law serão genericamente referidos como “Soft HR PTAs” e por sua vez aqueles que possuem disposições vinculantes e exigíveis de Direitos Humanos serão referidos como “Hard HR PTAs”.

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Índices internacionais de efetividade e acesso a Direitos Humanos tem apontado maiores e crescentes valores nos Estados vinculados a este tipo de instrumento e este fenômeno tem sido estudado por doutrinadores e institutos pelo mundo. Este artigo se destina a contrapor as visões de doutrinadores que abordam a questão a partir de pontos de vista muito distintos: (a) Emilie M. Hafner-Burton e (b) Gabriele Spilker e Tobias Böhmelt.

2. O AVANÇO DO “FAIR TRADE” – A HIPÓTESE DE EMILIE M. HAFNER-BURTON Hafner-Bour analisa a questão das causas e finalidades da adoção de PTAs com conteúdo de Direitos Humanos por meio de quatro questionamentos (HAFNER-BURTON, 2005): (a) Por que Estados poderosos, antes avessos à ideia, passaram a regular a proteção de Direitos Humanos através de PTAs? (b) Por que a forma e o conteúdo destas regulações de “fair trade” variam quando a parte mais forte do acordo é a Europa5 ou os EUA? (c) Por que tantos Estados, especialmente os que abusam dos Direitos Humanos, aderem a regulações comerciais que parecem ser diametralmente opostas a seus interesses? e (d) Essas regras ajudam a proteger os direitos das pessoas? Questão A. Visto que as políticas comércio beneficiam mais pessoas quão mais livre e não discriminatórias são (HAFNER-BURTON, 2005), quando os Estados impõem limitações ao comércio com olhos na política de Direitos Humanos não estão agindo no melhor interesse econômico próprio e mundial. Assim, a razão para a realização de tais políticas de comércio associadas a políticas de direitos humanos advém da manobra interna da política nacional feita pelos legisladores em face dos grupos de pressão e dos empreendedores morais locais e globais, as ONGs. A fim de colher o maior benefício possível da pressão destes grupos, seja por convencimento particular e adesão à causa, seja para aumento de sua margem política e justificação/compensação no plano internacional por falhas morais no plano doméstico, legisladores 5

Da mesma forma que HAFNER-BURTON, 2005, usa-se neste artigo o termo Europa para referir-se (a) à União Europeia; (b) a países europeus em bloco; (c) a países europeus isoladamente; ou (d) de forma genérica aos itens “a”, “b” e “c”. HAFNER-BURTON, Emilie M. Why Preferential Trade Agreements Regulate Repression in MIT. Web. 2005. Disponível online em: http://web.mit.edu/clawson/www/polisci/research/wip/imposing_justice.pdf. Acesso em 23 Jan. 2015.

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e formuladores de políticas dos EUA e Europa utilizam-se de seu peso comercial nas negociações para estender e impor seus padrões domésticos de observância de Direitos Humanos sobre outros Estados. Tem-se aqui a realidade exemplificada como a dinâmica entre Bootleggers6 e Batistas na época da proibição do comércio de bebidas alcoólicas nos EUA. Os Batistas promoviam e endossavam política de proibição com base moral, e eram fortemente apoiados pelos Bootleggers, que tinham muito a lucrar com o contrabando da bebida, enquanto seu comércio continuasse proibido. Estes dois conjuntos de atores sociais paradoxalmente corroboraram e somaram à força política um do outro em vários estados americanos e várias arenas políticas. O mesmo estaria a ocorrer no caso sob exame, aproveitando-se os legisladores e formuladores de política do impulso dos empreendedores morais, que por sua vez se utilizam da “boa vontade” daqueles para alcançar seus interesses. Outro aspecto apontado por Hafner-Burton para responder a este questionamento é a crescente noção cultural global de que os Direitos Humanos, ao lado da liberdade de comércio, seriam características mundiais, marcadores culturais do que significaria fazer parte da civilização global. Questão B. A forma e o conteúdo das regulações praticadas pelos EUA e pela Europa variam de forma muito significativa. Os PTAs assinados pelos EUA com outros Estados de menor peso comercial focam-se na proteção dos direitos dos trabalhadores e das crianças enquanto os celebrados pela Europa são focados especialmente nos direitos de voto e cidadania nos Estados com os quais se vincula. Para Hafner-Burton a razão de ser desta diferença estaria na natureza dos processos de tomada de decisão nos EUA e na Europa e das tendências políticas internas de cada ator. Como é o Executivo que tende a ter maior interesse e capacidade de levar o Estado a se vincular a regras mais “progressistas” de Direitos Humanos e a liberdade de ação do Executivo, variam também entre os atores a capacidade de veto do Legislativo. Assim, complica-se a equação dos interesses dos grupos de pressão, lobistas, empreendedores morais, legisladores e formuladores de políticas de forma que

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Os “bootleggers” eram contrabandistas no período da “Lei Seca”, a proibição de venda de bebidas alcoólicas nos EUA. O termo bootleggers origina-se da combinação de “boot”, bota, e “leg”, perna, em razão da tradicional estratégia de contrabando de bebidas em garrafas abauladas que eram inseridas dentro das botas, contra as pernas do contrabandista.

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o interesse refletido pela Europa e pelos EUA em sua prática na elaboração e celebração de PTAs varia conforme seus próprios interesses e a sua própria dinâmica política. Questão C. A abordagem deste ponto se estrutura em duas possibilidades. A impositiva seria que os EUA e/ou Europa, em razão de sua relevância comercial podem vir a efetivamente forçar Estados economicamente/comercialmente menos poderosos a aderir a Hard HR PTAs. Seja porque isso reflete o melhor interesse nacional do Estado ou porque o Estado não possui outra opção, a não ser seu isolamento comercial, a imposição destas condições e regulações comerciais vinculadas a Direitos Humanos vem se tornando realidade. Outra abordagem, a voluntária dos empreendedores morais, apontaria que a motivação fundamental por trás da atividade impositiva dos EUA e/ou Europa seria a própria mobilização da sociedade civil daquele Estado que não tendo força política suficiente para realizar os redirecionamentos políticos pela via interna recorreria à pressão internacional para viabilizar sua agenda. Questão D. A fim de resolver a questão da eficácia dos PTAs com conteúdo de Direitos Humanos e sua real capacidade de traduzir regulação em efetiva observância dos padrões mínimos destas garantias fundamentais Hafner-Burton desenvolve complexo e extenso levantamento e cruzamento de dados em seu artigo publicado em 2005. Não cabe no presente artigo criticar a metodologia utilizada por Hafner-Burton em seu estudo, apenas apresentar suas conclusões. A pesquisadora comparou a efetividade das normas de Direitos Humanos em dois diferentes aspectos: (i) efetividade nos casos de existência de acordos e instrumentos internacionais específicos de Direitos Humanos sem conexão com comércio e No HR PTAs e (ii) efetividade nos casos de existência de PTAs com conteúdo de Direitos Humanos. As conclusões foram as seguintes: 

Regimes de Direitos Humanos de maneira isolada raramente criam as condições necessárias para o cumprimento das normas de garantias fundamentais.



Recompensas materiais e políticas são comummente mais efetivas como incentivos estruturais e são mais compatíveis com os estágios iniciais do cumprimento das normas de Direitos Humanos.

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O número crescente de PTAs com conteúdo de Direitos Humanos acaba por associar-se a sistemas já existentes de governança e instituições capazes de forçar seu cumprimento.



A estrutura de PTAs com conteúdo de Direito Humanos está longe de ser ideal, sendo que a adoção de normas vinculantes e exigíveis com este fim pela Organização Mundial do Comércio seria muito mais eficiente para fazer cumprir as obrigações assumidas.

A autora apresenta ainda os seguintes exemplos para demonstrar o argumentado: Exemplo 1 – Aplicação de sanção contra Togo. Em 1998, em face de sérias violações de Direitos Humanos em Togo, o Conselho da Europa decidiu suspender os benefícios do PTA entre as partes. Tais benefícios foram reestabelecidos apenas após a tomada por Togo de medidas concretas e significativas com vistas ao cumprimento das normas de Direitos Humanos, bem como o estabelecimento de nova legislação eleitoral e novas eleições. Exemplo 2 – Aplicação de sanção contra Fiji. Em 2000, em face da destituição do governo democraticamente eleito em Fiji e suspensão da constituição, a Comissão Europeia ameaçou a imposição de sanções e postergou o financiamento de projetos locais até que reformas políticas foram feitas para garantir a democracia e os direitos humanos. Exemplo 3 – Ameaça de aplicação de sanção contra o Paquistão. Em 1995, as confederações sindicais do Paquistão se mobilizaram para pressionar o governo para que fossem tomadas medidas para o combate ao uso de mão de obra infantil. A Comissão Europeia deliberou pela proibição a importados paquistaneses a fim forçar a adoção de regulação referente à não utilização de mão de obra infantil. Embora a Europa não tenha chegado a efetivamente aplicar esta sanção, sua mera ameaça concreta influenciou a mudança da legislação nacional neste sentido.

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3. “THE SHADOW OF THE FUTURE” – A HIPÓTESE DE GABRIELE SPILKER E TOBIAS BÖHMELT Diferentemente da abordagem realizada por Hafner-Burton, G. Spilker e T. Böhmelt, dão um passo atrás e apresentam questões anteriores às apresentadas pela aquela autora. O principal questionamento apresentado por esta abordagem é o seguinte: os PTAs com conteúdo de Direitos Humanos são efetivamente capazes de reduzir as violações de Direitos Humanos ou apenas refletem condutas que os Estados contratantes que já levam em consideração os efeitos de tais normas antes de sua vinculação, aderindo apenas a obrigações normativas que já cumpririam independentemente da própria regulação? A primeira parte desta abordagem deve trata primeiramente de uma questão fundamental do Direito Internacional e das Relações Internacionais, qual seja: As instituições internacionais e o Direito Internacional são capazes de moldar o comportamento dos Estados e forçar a realização condutas ou meramente refletem o poder e a prática dos Estados? Esta pergunta é crucial visto que caso os Estados venham a aderir aos PTAs com conteúdo de Direitos Humanos apenas após considerar os efeitos futuros desta adesão, fazendo-o dentro do limite de seu estrito interesse, tais instrumentos meramente refletiriam interesses preexistentes. Contudo, caso os Estados não venham a aderir a tais instrumentos apenas nas situações em que encontram-se confortáveis com os seus efeitos, as instituições e regulações realmente seriam capazes de influenciar a conduta dos Estados. Naturalmente que a postura demasiadamente realista, a primeira, já foi superada do ponto de vista geral do Direito Internacional e das Relações Internacionais. Igualmente a postura demasiadamente institucionalista, a segunda, ignoraria elementos básicos e já reconhecidos da dinâmica das condutas dos Estados. Apesar desta diferenciação no âmbito geral, no universo específico da questão em tela, da efetividade das disposições de Direitos Humanos nos PTAs, os autores G. Spilker e T. Böhmelt concluem, com base nas análises de dados que serão abaixo referidas, que a perspectiva realista é a que de fato mais corretamente descreve o comportamento dos Estados neste caso. O desenho racional dos PTAs com conteúdo de Direitos Humanos faz com que torne-se mero “mínimo denominador comum” (SPILKER, 2012) da prática estatal. O raciocínio apresentado pelos autores é o seguinte: 

Os Estados têm a opção de celebrar No HR PTAs, Soft HR PTAs e Hard HR PTAs.

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A celebração de Hard HR PTAs implica para os negociantes a adesão a dois riscos: (a.i) o custo de reputação caso o Estado de maior peso comercial se depare com uma violação de Direitos Humanos ensejadora de sanção e não a imponha; (a.ii) o custo de reputação ao Estado de menos peso comercial, no caso de aplicação de sanção; (b.i) a perda econômica global e doméstica do Estado de maior peso comercial dos benefícios do livre comércio; e (b.ii) a perda econômica doméstica do Estado violador, no caso de aplicação de sanção.



Estados podem ter os benefícios do livre comércio e nenhum risco caso optem por No HR PTAs e podem ainda gozar dos benefícios de imagem com a celebração de um Soft HR PTAs.



Assim, não haveria razão para que qualquer Estado se vinculasse a Hard HR PTAs, a não ser que tais riscos fossem enormemente mitigados pela própria conduta do Estado em questão. A consequência deste raciocínio é que apenas sob a “sobra do futuro” (“shadow of the

future”), isto é, apenas após entender e concordar a priori com os efeitos futuros da regulação e considerar-se apto a praticar determinadas condutas e/ou abster-se de realizar outras, um Estado iria aderir a um Hard HR PTA. Trata-se aqui de uma inversão na lógica normativa. Segundo propõem os autores (SPILKER, 2012), haveria aparente melhora na condição de Direitos Humanos pelo aumento no cumprimento de metas e mínimos relacionados a Direitos Humanos não em razão da celebração dos Hard HR PTAs, mas o contrário. Há aumento da quantidade de regras cuidadosamente desenhadas para que sejam cumpridas sem esforço significativo de qualquer dos atores, o que aparenta ser uma maior observância dos Direitos Humanos. Com isso, paradoxalmente, as regulações mais estritas de Direitos Humanos em PTAs estariam vigentes exatamente nos locais onde são menos necessárias. Neste sentido os autores ilustram a questão com uma situação histórica. Em 2003 a União Europeia celebrou um PTA com o Chile e um com o Egito. O acordo assinado pelo Chile trata-se de um Hard HR PTA enquanto o assinado pelo Egito, no mesmo ano, trata-se de um No HR PTA. Visto que o Chile não teria significativas dificuldades de observar as normas internacionais de Direitos Humanos, foi estabelecido com ele um PTA com conteúdo vinculante de Direitos Humanos. Por sua vez o Egito que teria maiores dificuldades em cumprir as disposições de Direitos Humanos e, portanto, poderia ter sua conduta alterada, sequer teve que se incomodar com isso.

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Para testar a hipótese e chegar a estas conclusões os autores se basearam em um conjunto de variáveis semelhante ao utilizado por Hafner-Burton, mas mais complexo e extenso. A conclusão à qual chegaram é que a considerável literatura que afirma que os PTAs com conteúdo de Direitos Humanos têm contribuído substancialmente para a redução das violações de Direitos Humanos tinha tratado os PTAs, seu impacto e suas influências ao redor de forma conjunta e indiferenciada, o que as conduziu a erro (SPILKER, 2012). O que a base empírica aponta é que um Estado apenas decide celebrar um Hard HR PTA caso tenha a intenção de cumpri-lo, isto é, já tenha a tendência geral de observar aqueles determinados Direitos Humanos, daquela forma. Em outras palavras, “estes acordos internacionais parecem meramente refletir os interesses existentes e ao invés de afetar as ações dos governos” (SPILKER, 2012)

4. CONCLUSÃO A conclusão a que se chega pela comparação das abordagens acima referidas é que a perspectiva realista melhor explica o fenômeno do aumento dos PTAs com conteúdo de Direitos Humanos resolvendo a questão da efetividade. Não há melhora geral na proteção dos Direitos Humanos, mas o estabelecimento de metas e padrões que cada Estado cuidadosamente considerou como uma tendência cumprir, um “menor denominador comum”. Assim, de forma mais simplificadora, podemos resumir a argumentação (i) de “fair trade” como: PTAs com conteúdo de Direitos Humanos causam/podem causar a melhora dos respectivos índices e (ii) de “shadow of the future” como: PTAs com conteúdo de Direitos Humanos não causam a melhora dos respectivos índices. Todavia, falta considerar um terceiro cenário: que (iii) a imposição de conteúdo de Direitos Humanos nos PTAs teria como finalidade enfraquecer economicamente ou manter fraco o Estado com menor peso comercial em favor daquele com maior peso comercial. Uma das bases para tal consideração consistiria da resposta à Questão B apresentada por Hafner-Burton. Nessa questão das diferenças entre os conteúdos dos PTAs elaborados pelos EUA e pela Europa, ficou demonstrado o foco dos EUA em direitos dos trabalhadores e das crianças e da Europa por direitos de voto e cidadania no Estado no qual se situa. Pode-se interpretar que até a natureza e os efeitos destas normas tendem a beneficiar diretamente o interesse nacional do Estado de maior peso comercial, visto que (i) os EUA ao

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promover os direitos do trabalho e da criança, aumenta os custos de mão de obra nos Estados influenciados a fim de prejudicar sua concorrência com os trabalhadores americanos e evitar a fuga de postos de trabalho de seu território para o território daquele Estado e (ii) a Europa promove os direitos de cidadania e voto nos Estados influenciados com vistas a aumentar o vínculo dos indivíduos com suas instituições com cunho de redução do contingente de refugiados e imigrantes ilegais que poderia buscar asilo e cidadania na Europa. Conclui-se, portanto, que ambas as abordagens analisadas conseguem descrever de forma parcial a realidade, parecendo estar predominantemente correta e mais realista de G. Spilker e T. Böhmelt. Não descarta-se, contudo, a estrapolação feita pelo autor deste artigo na sua conclusão que trata do caráter possivelmente prejudicial dos Hard HR PTA.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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