Sociedade de massas na Revolução dos Bichos

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A SOCIEDADE DE MASSA E O TOTALITARISMO

GABRIEL PELLEGRINO
HERNANE DE ASSIS F.
JOÃO LUCAS MIRANDA
JULIA AVELIN RIBEIRO
RACHEL BRETAS


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO; 2 DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO; 2.1 Psicologia das Massas nos Movimentos Totalitários; 2.2 A Sociedade de Massa e o Uso da Máquina Publicitária; 2.3 A Institucionalização da Dominação na Sociedade de Massas; 2.4 A Legitimidade e o Terror; 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS


RESUMO

O presente artigo visa explorar a temática totalitária abordada na obra Revolução dos Bichos (1945), de George Orwell. Relacionando o enredo do livro com os regimes totalitários que já vigoraram, denotam-se intensos traços de semelhança, sobretudo com o stalinismo. Adentrando nas consequências deste tipo de governo no âmago social, busca-se encontrar tais fatos na obra de Orwell e explicitá-los sob um viés sócio-filosófico e psicológico.

Palavras-chave: George Orwell; Revolução dos Bichos; Totalitarismo; Sociedade de Massas




1 INTRODUÇÃO

O tema do totalitarismo desperta o interesse das mais diversas áreas das ciências sociais, seja por seus fundamentos peculiares, seja por suas drásticas consequências na história da humanidade. Dos muitos estudiosos que já se dedicaram à temática, destaca-se a cientista política alemã Hannah Arendt, que em sua obra As Origens do Totalitarismo já declara na primeira frase: "o totalitarismo é a privação mais forte da liberdade".
A Sociedade de Massa tem um papel extremamente importante na fundamentação deste regime. A análise do totalitarismo embasada neste viés proporcionou variadas vertentes de estudos e abordagens pelo grupo. Buscando a integração desses trabalhos que variam do plano histórico ao psicológico, usa-se de fator integrador a obra Revolução dos Bichos, cujo contexto engendra uma sociedade composta por animais que passam a viver nos moldes totalitários.
A psicologia de grupos e sua influência nessa forma de governo, a função da propaganda para a perpetuação do sistema, o papel do terror e as formas de dominação presentes no regime. Partindo da compilação dessas perspectivas fundamentais para a compreensão do totalitarismo, busca-se correlacioná-las e explicá-las no contexto da obra de Orwell, corroborando que as ações dos animais ocorrem da mesma forma que a massificação de indivíduos em sociedades.


2 DESENVOLVIMENTO METODOLÓGICO
2.1 Psicologia das massas nos movimentos totalitários

Na obra Psicologia das massas e análise do eu (1921), de Sigmund Freud, o autor esquadrinha uma abordagem da civilização acima do indivíduo propriamente dito. Este faz uma aproximação entre a formação do grupo e o eu ao questionar o que os une e qual a causa dessa mudança. Para chegar às suas conclusões, Freud retomou algumas definições estabelecidas por Gustave Le Bon em sua obra Psychologie des foules (Psicologia das multidões) (1855).

Segundo Le Bon, um indivíduo em grupo age, pensa e se sente de forma diferente da que agiria individualmente, pois há a manifestação da mente coletiva. Isso se deve ao fato de que os dotes particulares se apagam no grupo, o que é heterogêneo submerge no homogêneo e novas características afloram. Como, por exemplo, o sentimento de poder invencível e o desaparecimento do sentimento de responsabilidade individual, conforme Freud: manifestam-se características inconscientes, o contágio (envolve o ser em torno de algo que lhe acolhe) e a sugestionabilidade (análoga à fascinação do hipnotizado).

Diante disso, Freud se pergunta qual é a fonte da sugestionabilidade, e busca, em Le Bon, a resposta. O francês afirma que a ação se dá pelo impulso natural do agrupamento, remove estágios da civilização e a noção da faculdade crítica do ser individual, o qual apenas consente com o que lhe é imposto ou ordenado. Não é necessário uma ordem lógica nos argumentos dos membros para produzir um efeito no grupo, mas sim a repetição e o exagero em dizer a mesma informação diversas vezes. E a fonte, sob influência da sugestão, encontra-se na renúncia, desinteresse em troca da devoção de um ideal.

Para que esta devoção ao redor de um ideal seja mantida, criam-se ilusões, havendo a predominância da fantasia. As massas nunca tiveram sede de verdade, o irreal tem primazia sobre o real, o que não é verdadeiro as influencia tanto quanto o verdadeiro, em razão de que há uma visível tendência a não distinguir os dois. Mas para que o grupo se encontre fascinado por esta forte crença é imprescindível a atuação do líder. O papel do líder para as massas funciona como o do pastor de ovelhas para o rebanho de modo que, sem o pastor, o rebanho fica sem rumo e lhe falta a identidade. Este também adquire importância pelas ideias que ele mesmo é fanático.

São estas ideias, incorporadas pelo líder, que lhe garantem o prestígio, caracterizado como o domínio que uma pessoa ou ideia exerce sobre o outro, que paralisa a capacidade crítica do indivíduo. Assim, o líder é o ideal de cada um representado na massa, o algo em comum. Estes, indivíduos e líder, são unidos através de um laço libidinal. Além do amor ao líder o ódio a outro grupo é também uma forma de coesão deste.
Contudo, em As origens do totalitarismo, Hannah Arendt defende que:

As massas surgiram dos fragmentos da sociedade atomizada, cuja estrutura competitiva e concomitante solidão do indivíduo eram controladas quando se pertencia a uma classe. A principal característica do homem de massa não é a brutalidade nem rudeza, mas o isolamento e a sua falta de relação. (ARENDT. p. 366-367).

Nesse contexto, as massas se identificam como os habitantes de uma parte destruída do espaço político, isto é, são aqueles para quem o espaço da ação e do discurso não tem coerência, porque já não existe nessas pessoas vínculo social ou motivação política, sendo suas grandes marcas a apoliticidade, individualismo e o isolamento. Por conseguinte, indicam, por sua presença, um espaço público negado, onde ela mesma pode ser eliminada, justamente por não ocupar o espaço público, sendo esse vácuo de ação solo fértil para o controle das massas. É, portanto, sua inércia diante da cena pública que a conduz a manipulação. Assim, Arendt define massas como:

Os grupos que, potencialmente, existem em qualquer país e constituem a maioria de pessoas neutras politicamente indiferentes, que nunca se filiam a um partido e raramente exercem o poder de voto.

Foi esse isolamento e descontentamento do homem-de-massa, como indivíduo sem raiz e sem vínculo social que o permitissem existir em um grupo foram tamanhos que ele se desesperançou de si mesmo (ARENDT, p.366), apresentando uma perda radical do interesse por sua própria pessoa, o que conduziu ao engrossamento do grupo dos indivíduos isolados sem relações sociais normais, enfim, de indivíduos sem o menor interesse em comum, sem menor noção do valor da coisa pública. O homem-de-massa enquanto indivíduo sem vínculo é potencialmente para o movimento totalitário, o tipo ideal na medida em que oferece as condições para consolidar compromissos com essa ideologia e a ela prestar fidelidade total. Justamente por não haver lealdade a nenhuma coisa ou grupo, tal esvaziamento possibilita uma lealdade total (ARENDT, p.373).

Essa lealdade é fruto de um sentido encontrado por indivíduos até então sem sentido, o que dispensa programas e regras. Esse sentido encontrado é manifesto e corporificado em um líder, o qual confere identidade e rosto às massas, quanto tem seu sentido a partir delas. Desenvolve-se, portanto, uma relação de interdependência em que um e outro se encontram para significar seus objetivos: o do líder é instaurar o domínio total via terror e violência e o das massas é dar sentido a seu existir, rompendo com o isolamento, fazendo surgir um sentimento de pertença a uma causa, a um grupo, ainda que isso signifique a negação de outros. É essa relação que garante o sucesso do movimento totalitário. Já Freud, atribui ao amor (libido) a ligação da massa. O indivíduo abandona suas características por "amor a massa".

Mas também, da mesma forma que Freud em Psicologia das massas e análise do eu, Hannah Arendt destaca o quanto um líder pode fascinar. As massas fascinadas dão todo o suporte necessário para o totalitarismo estabelecer sua ideologia, e os recursos utilizados para isso são a propaganda e a violência, que se apresentam como as grandes estratégias de consolidação e manutenção do movimento totalitário. Como público-alvo, ele tem as massas.

Através da obra Revolução dos Bichos, de George Orwell, pode ser feito um paralelo com estas ideias. Este verdadeiro clássico moderno, narra a insurreição dos animais de uma granja contra seus donos. Progressivamente, porém, a revolução degenera em uma tirania ainda mais opressiva que a dos humanos. Sendo esta uma genial sátira a Revolução Russa (1917).

Não faltam analogias entre personagens do livro e da Revolução Russa. O velho Major, porco sábio e professoral, é uma mistura de Karl Marx, famoso por ter transmitido suas crenças socialistas por meio de textos, repletos de conteúdo revolucionário, baseados na economia e na filosofia, com o Lênin idealista do princípio da revolução. É Major que espalha as sementes da revolução na Granja do Solar, que se tornará a Granja dos Bichos.

A exemplo de Marx, foi só após a morte de Major que seus ideais igualitários foram aplicados. Os animais, com pretensão de expandir suas ideias sobre o Animalismo, elaboraram Sete Mandamentos explicitando os direitos e deveres de cada bicho, que de comum acordo deveria ser seguido à risca em suas vidas, igualmente para todos. Porém, o Estado democrático não passou de um sonho. Com o decorrer do tempo, de acordo com as atitudes e intenções dos animais que lideravam a fazenda e que se consideravam superiores aos outros, foram modificando totalmente as regras. Os porcos que chegaram ao poder, tendo como principal líder Napoleão, iniciaram um governo incoerente, jogando o ideal de igualdade na lama, uma vez que jamais trabalharam após a Revolução.

Tempos depois, Napoleão subverteu os mandamentos iniciais em seu próprio benefício e alterou hinos patrióticos em hinos de louvor próprio. Devido à falta de capacidade crítica dos outros animais, no caso das ovelhas esta ignorância era causada pelo analfabetismo e falta de educação, simplesmente não conseguiam raciocinar, nem sequer notar que existia alguma coisa errada na forma como estavam levando a vida, que apenas repetiam as palavras bonitas e os argumentos ocos que recebiam de seus líderes. Convenciam-se que os erros do sistema econômico não passam de acertos ou pequenas demonstrações de que nem tudo é perfeito mas que estão fazendo o melhor que podem, e que as coisas são como são. Incapazes de tomarem decisões próprias e que precisam de um guia, um pastor, líder a quem possam recorrer intelectualmente, que mostre o que é certo e o que é errado, a quem jamais devem questionar.

Dando continuidade as ideias de Freud e Arendt, além da presença do líder defendida por eles, há também a rivalidade com os grupos semelhantes, mas que dele se difere. Estes grupos podem ser relacionados a figura de Bola-de-Neve, similar a Trótski, este é transformado a custa de muita propaganda, no "inimigo da revolução" e também, inicialmente, aos humanos, sendo este ódio enfatizado pelo lema "duas patas ruim, quatro patas bom".

2.2 A Sociedade de Massa e o uso da Máquina Publicitária

O controle da massa social pelo líder de um governo totalitário é uma característica inerente desta forma de dominação. Para isso, o uso da propaganda a favor do Estado é de suma relevância para a estabilidade dos governantes e para a continuidade das práticas e dos objetivos totalitários, visto que a propaganda massiva permite o controle e a manipulação dos indivíduos. É mais fácil, nesse tipo de governo, implantar-se uma ideologia devido à esperada perda da capacidade reflexiva da população.

A máquina publicitária totalitária deve fortalecer a visão de grupo em relação a cada cidadão, tornando-os iguais, padronizando-os, por meio de mecanismos de persuasão dos indivíduos governados. O desejo individual vai aos poucos sendo reprimido pelos desejos coletivos, os quais visam sempre a promoção do governo vigente e a visão de grupo. Em a Revolução dos Bichos, obra do inglês George Orwell, os animais passam a se dedicar ainda mais na produção de alimentos quando descobrem que esta seria destinada para benefício próprio, não mais como ocorria anteriormente, quando praticamente todo o rendimento alimentício da granja em que viviam era destinada aos humanos e ao comércio, pouco sobrando aos animais.

O combate aos inimigos externos é marcante em um governo de natureza totalitária. Um inimigo externo cria um motivo a mais para que a massa se una ao seu soberano, o qual deve lidar com enorme inteligência e contar com o apoio de seus ministros (principalmente o responsável pela propaganda do regime) para estreitar o "amor à massa", termo utilizado por Sigmund Freud em sua obra Psicologia das massas e análise do eu. Na obra de Orwell, a figura do ser humano é transformada em inimigo comum do grupo dos animais, sendo traduzida nos seguintes mandamentos da ideologia Animalista: "Tudo o que anda sobre duas pernas é inimigo; tudo que anda sobre quatro pernas ou tem asas é amigo; nenhum animal dever usar roupas; nenhum animal deve dormir em cama; nenhum animal deve ingerir álcool; nenhum animal deve matar outro animal; todos os animais são iguais". Tais mandamentos passam a ser de conhecimento de toda a massa animal ao ponto de não haver discordância a seu respeito e tornam-se a base do Animalismo. Caso haja opositores, estes serão eliminados pelas forças do soberano. Um outro exemplo que ilustra esse aspecto da natureza de um governo totalitário é a propaganda nazista a qual coloca os judeus como causa de seus problemas econômicos, como uma raça inferior e corrompedora da sociedade alemã. Desse modo, dissemina-se o ódio aos semitas, o que levou ao Holocausto.

O controle midiático, em um governo totalitário, é bem rígido e busca contornar e, até mesmo, censurar informações que comprometam a imagem e a estabilidade do líder e do governo vigente. A eliminação de opositores ao regime e às suas informações e ideologias tornam-se vítimas do poder soberano, trazendo a "paz de cemitério" tão desejada por governos autoritários, com destaque para os totalitaristas. É de total importância destacar o traço definidor do totalitarismo, que se dá não somente pela "paz de cemitério", mas pelo contínuo uso do terror mesmo após alcançá-la. Diversas são as estratégias existentes de manipulação dos veículos de imprensa, dentre as quais podem-se citar algumas delas: criação de problemas (sejam eles sociais, políticos, militares,...) seguidos de suas respectivas soluções; aplicação gradativa de medidas com pouco ou até mesmo sem apoio social (conhecidas também como medidas "conta-gotas"); estratégia da distração (desviar o foco de temas importantes e decisivos em relação ao Estado para temas secundários, com o intuito de manter o público afastado dos conhecimentos essenciais). Como retratado na obra de George Orwell, utilizava-se a figura de Bola de Neve como causa e distração para os problemas enfrentados pelos animais na Granja dos Bichos. Além disso, quando algum animal tentava refletir a respeito de sua precária condição de vida, este era imediatamente convencido do contrário por Garganta.

O Partido Nazista de nada seria sem a marcante e elementar presença de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda durante o governo de Adolf Hitler. O mesmo pode-se dizer a respeito do famoso jornal Pravda, veículo de comunicação e manipulação da massa soviética utilizada de forma maciça durante os 30 anos de governo de Joseph Stálin. Concomitantemente em a Revolução dos Bichos, o animal responsável pela propaganda pró-Animalismo é a personagem Garganta, um dos porcos, constituinte indispensável da cúpula desse governo. Garganta era um suíno dotado de uma enorme habilidade de persuasão e era encarregado de transmitir aos demais animais da Granja dos Bichos o que Napoleão, o líder do grupo, desejava. Garganta era, dessa forma, o porta-voz do governo.

Portanto, torna-se notório o papel da máquina publicitária na sustentação de um regime totalitário, tanto no exercício de conquistar as massas em torno de seu líder, a encarnação do ideal comum, quanto para manter os governados sob o poder do regime e dar seguimento ao desenvolvimento do governo totalitário.

2.3 A Institucionalização da Dominação na Sociedade de Massas
As obras do sociólogo Max Weber, criadas no início do século XVIII, refletem mudanças históricas notáveis, cujas consequências forçaram um rompimento com as antigas formas de estrutura política. Isso significa o fim das aristocracias tradicionais e impérios absolutistas, dando espaço para a nova forma de organização política: o Estado Moderno, que, por conseguinte, serviu de alicerce para a ascensão da democracia. Weber acreditava que essa mudança paradigmática havia causado uma alteração significativa no lócus do poder e almejava estudar as mudanças que ocorriam sobretudo na manifestação da autoridade. O sociólogo criou, assim, as teorias de dominação, visando responder uma determinada pergunta: quem detém o poder e como essa pessoa o exerce em uma sociedade em que todos são iguais?

Na tentativa de solucionar sua própria questão, Weber conclui que o dominador deve utilizar de alguns artifícios para obter sucesso na detenção do poder. A partir disso, identificou padrões no exercício desse domínio, arquitetando três teorias de dominação legítima: carismática, tradicional e legal.

Na obra Revolução dos Bichos, cujo enredo alicerça este artigo, corrobora-se a existência de duas das definições supracitadas. No decorrer da estória, os animais, vislumbrando a possibilidade de se emanciparem da autoridade opressiva humana, rebelam-se com êxito. Todavia, como o arquiteto das primeiras ideias revolucionárias da Granja do Solar faleceu pouco tempo após fazê-las, surgiu a prerrogativa de novos indivíduos intitularem-se líderes. Dessa maneira, dois membros da sociedade dos bichos assumiram a chefia, e a partir dos estatutos legais já firmados, impuseram a dominação legal.

Esse domínio legal, conceitualmente falando, é uma forma de se exercer autoridade que se legitima pela crença inerente dos dominados na existência de regras obrigatórias, e também, que aqueles elevados por estas têm o direito de dar ordens. No contexto do livro, esse domínio se evidencia no período em que Napoleão e Bola de Neve governam lado a lado. Nesta conjectura política, os novos líderes compilam os ensinamentos do Major e registram-nos na parede do curral para facilitar o acesso público.

Com a positivação das normas supramencionada, os estatutos que até então residiam no plano do inconsciente transferiram-se para o plano racional e tangível. Desse modo, os ideais do animalismo passaram a ser introjetados nas esferas pública e privada, interferindo não só na ação, mas na mentalidade do grupo de governados, pois, como indica Zygmunt Bauman, um dos resultados da submissão do homem à ideias impostas é a perda de seu senso crítico, que, por sua vez, leva-o à perda da imprevisibilidade humana. Por conta disso, aumenta-se a facilidade com que os animais se subordinam às crenças colocadas, o que leva Napoleão, ao averiguar esse fato, almejar o poder único, elaborando planos para concretizar tal anseio. Após alcançar seus objetivos e expulsar Bola de Neve da fazenda, Napoleão iniciou a instauração da dominação carimática, uma vez que a legal diminui a arbitrariedade do líder e anula a possibilidade de retenção do poder por meio da força.

Como visto, Bola de Neve e Napoleão se mostraram incapazes de dividir a posição de liderança. Um porco quis se sobrepor a outro, atingindo tal ambição por meio da coação física. Da concretização desse ato, o novo comandante encarna os ideais contidos nas leis do animalismo, introduzindo uma forma corrompida da dominação carismática.

O domínio carismático, diferentemente do Legal, legitima-se pela crença da população dominada de que o Líder possui capacidades extraordinárias, devendo ser respeitado. Weber conclui que é comum esse modelo de autoridade se estabelecer em momentos de crise social (seja política ou econômica), uma vez que se baseia na renúncia do passado por parte da população em prol de seguir um ideal fundado na inspiração divina do líder. Um arquétipo claramente identificado desse ideal no contexto do livro é o moinho. Essa forma de poder incita a sensação de possuir um compromisso de seguir os comandos impostos, uma devoação interna que os leva a suspender seu criticismo em relação às habilidades do líder. Weber diz, ainda, que a dominação carismática possui três características sui generis: o foco pleno no ideal em oposição ao material (o amor à doutrina), o registro das capacidades do líder para a conservação de sua autoridade (como indicado no livro por meio das inúmeras medalhas ostentadas por Napoleão) e a eventual separação dos poderes extraordinários da imagem do líder atual em caso de necessidade de troca (com a intenção de efetivar a transmissão dos conceitos carismáticos originais).

Max Weber optou por estudar as teorias de dominação em suas formas puras. Entretanto, o sociólogo é claro quando declama que essas formas estão sempre mescladas nos governos dentro dos quais elas são aplicadas, e isso se evidencia na maneira que é utilizada a dominação no livro Revolução dos Bichos: uma mescla da carismática com a legal.

Esse duplo uso de dominações presente na obra, também é encontrado no nazismo e stalinismo, o que permite depreender que é uma característica de regimes totalitários. Esse traço se torna ainda mais particular desses governos supressores de liberdade quando se analisa as consequências no âmago da vida social. Como acima exposto no pensamento de Bauman, a perda da imprevisibilidade, peculiar do ser humano, permite que este seja extremamente manipulável, visto que os indivíduos se tornam coesos e previsíveis. Nesse momento, perde-se a individualização social, transformando o povo em um homogêneo aglomerado humano. Ao formar esses seres iguais e irreflexivos, o totalitarismo os acopla em um anel de ferro, pois não permite que saiam dessa condição (ARENDT, Hannah. As Origens do Totalitarismo). Assim, origina-se o homem da massa, extinguindo o interesse comum e fazendo com que ele viva tão somente em prol do avanço e manutenção do governo.

2.4 A Legitimidade e o Terror

Qual é a essência do Totalitarismo? O que move as pessoas a tomarem ou não atitudes perante ao regime totalitário? Pensar no totalitarismo julgando suas práticas e consequências na contemporaneidade é simples. É possível apontar facilmente os diversos erros, crueldades e atrocidades cometidas pelos regimes totalitários no século XX. Em contrapartida, é extremamente complexo, mesmo no pragmático atual, compreender as razões que levaram milhares de pessoas a se renderem a tais regimes, tornando-os fiéis adeptos à violência, ao mal e às ideologias totalitárias.

Para que essa possível compreensão seja feita, é de importância fundamental analisar o papel dos líderes totalitários. Serão utilizadas teorias de Hannah Arendt, filósofa pessimista alemã, para discorrer sobre a ação de Adolf Hitler e Josef Stálin, enfoques deste artigo. No Nazismo, Hitler era o principal intérprete das Leis da Natureza que buscavam purificar a Raça Alemã, produzindo uma humanidade única e superior à tudo e todos, a Raça Ariana. No Stalinismo, as Leis da História só poderiam ser traduzidas por Stálin e, exclusivamente através dele, a salvação social da União Soviética se tornaria possível. As chamadas Leis do Movimento, segundo Hannah Arendt, eram a explicação para todo o funcionamento da máquina totalitária. Distorções de teorias fundamentais já existentes com o objetivo de dar sentido à todas as ações e aos fatos no Totalitarismo. No contexto Nazista, a deturpação da Seleção Natural e na URSS, uma visão adulterada do Materialismo Histórico.Tudo, sem exceção, seria um mero resultado das Leis do Movimento.

Baseado ainda neste contexto e na visão de Hannah Arendt, percebe-se que mesmo um regime poderoso e supremo requer certa legitimidade. É do interesse deste tópico, relatar como o Totalitarismo consegue se sustentar, através de quais artifícios as pessoas se tornam capazes de permanecerem-se leais à um ideal e completamente "cegas" e acríticas em relação à fatos tão obscuros e malígnos presentes no regime totalitário. Esta questão foi aprofundada por Arendt que retoma alguns pensamentos de Montesquieu e Kant relativos às Formas de Governo em busca de compreender o que levava os indivíduos a agirem como agiam ou simplesmente compreender a natureza de um regime totalitário.

O Totalitarismo é a negação mais radical da liberdade. Não há pensamento crítico. Não há interesse comum. Não há certo. Não há errado. Não há manifestação de desejos. Não há coletividade. Não há exterior. Não há oposição. Não há leis. Não há limites. Há uma Ideologia, um Líder, Leis do Movimento e encarnações ambulantes da Natureza e da História contorcidas. Partindo deste último item é que iremos abordar a temática que sustenta o totalitarismo, uma vez que estas encarnações ambulantes das Leis do Movimento - os indivíduos - tem toda a liberdade de ação retirada quando inseridos no contexto totalitário. Sem liberdade não há pensamento crítico. Invalidados pois pela usurpação não só da liberdade mas também de todos seus direitos, os indivíduos perdem o juízo de si próprios, o pensamento crítico lhes é roubado.

Mediante a ausência de leis, o totalitarismo se legitima através de seu maior atifício: o terror. A explicação para todas as ações do totalitarismo devem ser fiéis, ou seja, as Leis do Movimento devem ser efetivamente cumpridas, caso contrário, a sustentação de todo o regime estaria sendo destruída. Sendo assim, o Totalitarismo utilizará todos os meios possíveis para evitar qualquer tipo de desvio, qualquer imprevisibilidade, todo tipo de incerteza que têm potencial comprometedor às Leis do Movimento. Percebe-se então a essência deste regime e o que o difere de qualquer tipo de governo, o terror autônomo. Isto é, a utilização do terror não somente para eliminar a oposição, em prol da paz de cemitério mas além disso, é o uso do terror para concretizar e acelerar as leis do movimento.

Na obra de Orwell o terror é evidenciado com as ações do Napoleão. O autoritário líder da Granja, utiliza o terror para reprimir e punir qualquer tipo de manifestação contrária ao regime. A alegoria do terror se faz também pelos cachorros, que foram recrutados por Napoleão quando filhotes; criados e mantidos secretamente pelo suíno, simbolizavam a KGB, o Serviço Secreto Soviético. Como bem retratado no seguintes trechos da obra:

Ouviu-se um terrível ladrido lá fora e nove cães enormes, usando coleira tachonadas com bronze, entraram latindo no celeiro. Jogaram se sobre Bola-de-Neve, que [...] saiu porta fora com os cães em seu encalço. Espantados e aterrorizados demais para falar, os bichos amontoaram-se na porta para observar a caçada. Bola-de-Neve corria pelo campo em direção à estrada, como só um porco sabe correr, [...] e pareceu que o apanhariam. (ORWELL. p. 56- 57.)

Napoleão emergiu do Casarão, ostentando ambas as suas medalhas, com seus nove cachorros fazendo demonstrações à sua, volta soltando rosnados que causavam calafrios nas espinhas dos animais. Estes se encolheram silenciosos em seus lugares, parecendo pressentir que algo horrível estava por acontecer. (ORWELL. p. 86)

Napoleão parou e dirigiu um olhar severo à assistência; depois deu um guincho estridente. Imediatamente os cachorros avançaram, pegando quatro porcos pelas orelhas e arrastando-os a guinchar, de dor e terror, até os pés de Napoleão. As orelhas dos porcos sangraram e o gosto do sangue pareceu enlouquecer os cachorros. [...] Ao fim da confissão, os cachorros estraçalharam-lhes a garganta e, com voz terrível, Napoleão perguntou se algum outro animal tinha qualquer coisa a confessar. (ORWELL. p. 86)

E assim prosseguiu a sessão de confissões e execuções, até haver um montão de cadáveres aos pés de Napoleão e no ar um pesado cheiro da sangue. (ORWELL, 2000: 87, 88.)

Por conseguinte, o uso do terror é importante na manutenção da sociedade de massa e consequentemente na perpetuação do sistema. A função do terror acima de tudo é de legitimar o regime totalitário e todos os seus mecanismos, mantendo assim os indivíduos massificados e estáticos no Totalitarismo.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

"O domínio totalitário é 'sem lei' na medida em que desafia o direito positivo, mas não arbitrário, na medida em que obedece com rigor lógico e executa com precisão as leis da História ou da Natureza." (ARENDT, Hannah. Sobre as Origens do Totalitarismo: 359.)

Consequentemente, tudo se torna competência do Estado, bem como o único pensamento existente é aquele imposto pelo líder ao grupo. A máquina publicitária serve para fomentar ainda mais essa ideologia na mente dos indivíduos, sucumbindo a esfera privada à esfera pública e voltando qualquer ação individual tão somente ao avanço do regime totalitário.

O indivíduo se torna estático na medida em que só há uma certeza: as Leis do Movimento, encarnadas pelo seu intérprete especial e tratadas como razão una da vida, sendo seu respeito fonte precípua de sobrevivência. Na obra em análise, Napoleão é essa encarnação, este que utiliza de diferentes tipos de dominação para se perpetuar no poder ao mesmo tempo em que legitima seus atos. Na vontade latente de firmar seu poder, institui o uso do Terror para aniquilar a oposição, formando uma massa de animais extremamente acrítica frente à inversão dos valores e princípios firmados no início da revolução.

Conclui-se que a sociedade de massa é essencial para o totalitarismo. Sem esta, a perpetuação do sistema se torna impossível, uma vez que esse regime depende veementemente de indivíduos massificados, sem pensamento crítico ou qualquer tipo de manifestação de interesse comum, assim como visto na Granja dos Bichos.

The Mass Society and the Totalitarianism

ABSTRACT

This article aims to explore the totalitarian theme addressed in Animal Farm (1945) work by George Orwell. Relating the book's plot with totalitarian regimes that have operated, it is possible to observe an intense similarity of traits, especially with Stalinism. Analizing the consequences of this type of government in the social core, the purpose of this article is to find such facts in Orwell's work and clarify them in a socio-philosophical and psychological bias.

KEYWORDS: George Orwell ; Animal Farm ; Totalitarianism ; Mass Society


REFERÊNCIAS

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FARIA, Ludmila. Gangues: os efeitos do abalo do Nome do Pai no contexto da violência juvenil. In: Asephallus- Revista eletrônica do Núcleo Sephora.n16.
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MORRISON, Ken. Weber's Political Writings and the Theory of Legitimate Domination. In:_____. "Marx, Durkheim, Weber: Formations of Modern Social Thought". London: Sage Publications, 1995.
ORWELL, George. A Revolução dos bichos. Trad. por: Heitor Aquino Ferreira. 4 ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.






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